Doença arterial obstrutiva periférica no paciente diabético

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Doença arterial obstrutiva periférica no paciente diabético
Diretrizes SBD 2014-2015
Doença arterial obstrutiva periférica no paciente
diabético: avaliação e conduta
Impacto da doen­ça
arterial obstrutiva
periférica no paciente
diabético
A doen­ça arterial obstrutiva periférica
(DAOP) caracteriza-se pela obstrução
aterosclerótica progressiva das artérias
dos membros inferiores, afetando gradualmente e de maneira adversa a qualidade de vida dos pacientes. Muitos in­
di­ví­duos são assintomáticos e cerca de
um terço desenvolve claudicação intermitente (CI). Ao longo de cinco anos
apenas 5% a 10% dos casos evoluem
com isquemia crítica do membro e risco
de amputação (A).1 O mais importante é
que a DAOP constitui um marcador essencial da aterosclerose sistêmica e do
risco de complicações cardiovasculares
e cerebrovasculares, como o infarto
agudo do miocárdio (IAM) e o acidente
­vascular cerebral (AVC), em especial nos
pacientes diabéticos. A aterosclerose é a
maior causa de morte e invalidez em diabéticos, especialmente do tipo 2 (B).2
Em estudo ainda em andamento
com pacientes claudicantes verificouse que cerca de 43% dos in­di­ví­duos são
diabéticos.3 A prevalência de DAOP é
maior em pacientes diabéticos do que
na população não diabética. Estima-se
que 20% a 30% dos in­di­ví­duos diabéticos sejam portadores de DAOP, ainda
que a prevalência real desta associação
seja difícil de ser avaliada. Esta dificuldade se deve à ausência de sintomas,
mascarados pela neuropatia periférica
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em boa parte dos pacientes, e aos diferentes indicadores utilizados nas pesquisas epidemiológicas (A).4
A despeito do reconhecimento da
DAOP como preditora de eventos is­
quêmicos, esta expressão da aterosclerose acessível à história e ao exame físico é pouco pesquisada pelos clínicos.
O diagnóstico precoce da DAOP oferece uma oportunidade única de atuação
sobre os principais fatores de risco e
modificação do perfil cardiovascular,
melhorando, assim, a mortalidade e a
qualidade de vida dos pacientes (C).5
Diferenças da doença
arterial obstrutiva
periférica entre pacientes
diabéticos e não diabéticos
O processo aterosclerótico que atinge
o paciente diabético é semelhante ao
do in­di­ví­duo não diabético. Várias alterações no metabolismo do diabético
aumentam o risco de aterogênese. A
elevação da atividade pró-aterogênica
nas células m
­ uscula­res lisas da parede
­vascular e da agregação plaquetária,
além do aumento de fatores pró-coa­
gulantes, da viscosidade sanguí­nea e
da produção de fibrinogênio, são alguns desses mecanismos. Essas anormalidades vascula­res podem ser evidentes antes mesmo do diagnóstico
de diabetes e ainda aumentar com a
duração da doen­ça e com a piora do
controle glicêmico. Todas essas alterações possuem ação deletéria sobre a
parede do vaso e sua reologia, ativando o processo aterosclerótico, desestabilizando a placa de ateroma e precipitando eventos clínicos.
As artérias de diabéticos apresentam mais calcificação de parede e
maior número de células inflamatórias
(B).6 As obstruções arteriais apresentam com mais fre­quência uma distribuição infrapatelar, acometendo vasos
da perna (B).7 Estes fatos, associados a
outras diferenças na fisiopatologia das
lesões do pé diabético, implicam pior
prognóstico desses pacientes, com
maio­res taxas de morbidade e mortalidade associadas à DAOP.
Avaliação do diabético
com DAOP
Apresentação
Anamnese e exame físico, em geral,
são suficientes para o diagnóstico de
DAOP. Dor habitual em panturrilhas,
desen­ca­dea­da pela deambulação, que
alivia após poucos minutos de repouso
e que recorre ao se percorrer novamente a mesma distância, é característica
de CI. A ausência ou redução dos pulsos arteriais periféricos, no contexto de
fatores de risco para doen­ça aterosclerótica e na presença de CI, é suficiente
para fazer o diagnóstico de DAOP (C).8
Em fases mais precoces da DAOP, o paciente costuma ser assintomático ou
apresentar CI. Em estágios mais avançados, o quadro clínico mais evidente
2014-2015
pode ser o de dor em repouso ou uma
ferida que não cicatriza.
Ainda assim, muitos diabéticos
que se apresentam com isquemia crítica dos membros não relatam história
­vascular prévia de DAOP (C).8 O quadro
é aberto com ulcerações, feridas infectadas e gangrenas nos pés desen­ca­
dea­das por trauma local ou infecções
fúngicas interdigitais. A macroangiopatia da DAOP é apenas um dos fatores envolvidos na síndrome do pé diabético e, curiosamente, a isquemia é o
fator determinante da lesão trófica podálica em menos de 10% destas urgências (C).8
Infelizmente, a avaliação criteriosa do pé diabético infectado é negligenciada com fre­quência nos hospitais de emergência, retardando o
tratamento adequado e reduzindo as
chances de salvamento do membro. A
intervenção precoce sobre pequenas
lesões infectadas de origem neuropática por meio de medidas relativamente simples, como desbridamento cirúrgico, antibioticoterapia e suporte
clínico adequado, é suficiente para a
resolução dessas lesões e evitar amputações maiores.
Um paciente capaz de caminhar
sem queixas e que tenha pelo menos
um dos pulsos podais facilmente palpáveis torna improvável a doen­ça is­
quêmica clinicamente significativa e
permite, portanto, uma intervenção
mais simples e imediata, em geral no
próprio local do atendimento inicial.
Ao contrário, lesões predominantemente is­quêmicas necessitam de abordagens mais complexas, nem sempre
disponíveis em hospitais gerais de
pronto-atendimento, devendo ser encaminhadas para centros de referência
de cirurgia v­ ascular para revascularização do membro. Apenas um esforço
mantido e coordenado é capaz de reduzir as amputações de diabéticos nas
emergências, que, além de serem limitantes para os pacientes, têm sido associadas a maior risco de evolução para
óbito.9
Diretrizes SBD
quenas, em pacientes com isquemia
moderada do membro e que não seriam candidatos à revascularização do
membro se não houvesse o comprometimento infeccioso associado (C).10
Avaliação funcional
A avaliação funcional do paciente com
DAOP é ba­sea­da em classificações clínicas utilizadas na prática diá­ria para
definir o grau de comprometimento
do membro afetado e também a conduta a ser seguida. A mais conhecida é
a classificação de Fontaine, que define
quatro níveis de comprometimento:
I – assintomático; II – claudicação; III – dor
em repouso; e IV – lesão trófica.
A classificação de Fontaine traduz
a história natural da DAOP desde suas
fases iniciais até a isquemia crítica.
Mediante esta classificação é possível
definir a conduta (cirúrgica ou clínica)
no tratamento da DAOP. Os estágios I e
II são considerados para tratamento
clínico, e os estágios III e IV representam
isquemia crítica e devem ser tratados,
de preferência, por meio de intervenção
cirúrgica (Quadro 1).
Em pacientes diabéticos com DAOP,
esta avaliação pode estar prejudicada
pela ausência de sintomas devido à
neuropatia periférica, mascarando estágios avançados da DAOP. Da mesma
maneira, a presença de infecção pode
agravar lesões tróficas, inicialmente pe-
Medidas de pressão
segmentar
O índice tornozelo-braço (ITB) é um
teste não invasivo, reprodutível e razoavelmente acurado para a identifica­
ção e determinação da gravidade da
DAOP.11 O ITB é a razão entre a pressão
sistólica do tornozelo (numerador) e a
pressão sistólica braquial (denominador). Por meio de um Doppler portátil e
um manguito de pressão é possível
rea­li­zar o teste ambulatorialmente ou à
beira do leito. São considerados normais valores entre 0,9 e 1,3. O ITB deve
ser rea­
li­
zado em qualquer paciente
com sintomas de DAOP. O consenso da
Associação Americana de Diabetes
(ADA) recomenda que o ITB seja rea­li­
zado em todos os in­di­ví­duos diabéticos com mais de 50 anos (Quadro 2).
Quanto menor o ITB, mais significativa é a obstrução arterial. Um índice
< 0,5 é fortemente sugestivo de sintomas. O exercício aumenta a sensibilidade do teste e a medida do ITB pós-exercício ajuda no diagnóstico diferencial
entre outros tipos de dores nas pernas.12
Quadro 1 Classificação de Fontaine: recomendações de tratamento
Classificação de Fontaine
Conduta
I – Assintomático
Tratamento clínico: controle dos fatores de risco
II – Claudicação
Tratamento clínico: exercícios sob supervisão e
farmacoterapia. A cirurgia pode ser considerada em
caso de falha do tratamento clínico e/ou lesões
arteriais focais. Indicada, eventualmente, também em
casos de claudicação incapacitante
III – Dor em repouso
IV – Lesão trófica
Isquemia crítica (risco de perda iminente do membro),
intervenção essencial e imediata
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Diretrizes SBD 2014-2015
Quadro 2 Índice tornozelo-braço: recomendações para rea­li­zação do teste
Grau de
recomendação
Recomendação
Qualquer paciente diabético com sintomas sugestivos
B
Qualquer paciente entre 50 e 69 anos com diabetes ou outro
fator de risco cardiovascular
B
Qualquer paciente > 70 anos
B
Qualquer paciente diabético > 50 anos
C
O ITB tem valor limitado em artérias calcificadas, que se tornam incompressíveis e determinam índices
falsamente elevados (> 1,4). Ainda assim, um ITB aumentado também é
preditivo de risco de eventos cardiovasculares e, neste caso, outros testes
não invasivos devem ser considerados para definir o diagnóstico de
DAOP (B).13
Uma alternativa à calcificação arterial é a medida da pressão sistólica
do hálux (PSH). As artérias digitais costumam ser poupadas pela calcificação
de Monckeberg, que acomete a camada média das artérias de maior calibre.14 Pressões < 40 mmHg estão associadas à progressão da DAOP para
gangrena, ulceração e necessidade de
amputação (A).15
A pressão parcial transcutânea de
oxigênio (TcPO2) é outro método não
invasivo de avaliação da perfusão periférica em DAOP que pode substituir o
ITB no caso de artérias calcificadas, embora não seja utilizado com fre­quência
na prática clínica. Valores < 30 mmHg
estão associados a dificuldade de cicatrização de lesões e amputações (D).4
Estudos de imagem
Os estudos de imagem não devem ser
utilizados como exames diagnósticos,
mas devem ser indicados quando a revascularização é considerada uma provável opção terapêutica (D).10 EcoDop-
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pler (ou duplex-scan) é uma técnica não
invasiva que fornece informações anatômicas e hemodinâmicas do vaso estudado. Por meio da ecografia ­vascular é
possível avaliar velocidades de fluxo,
identificar e graduar estenoses, além de
medir a espessura da parede arterial e
analisar a morfologia da placa de ateroma. É um exame relativamente barato e
pode ser repetido inúmeras vezes, sendo muito utilizado no acompanhamento pós-operatório de diversos tipos de
revascularização. Sua principal desvantagem é o fato de depender do operador. A presença de grandes placas cal­
cificadas também pode prejudicar a
acurácia do exame.
A arteriografia convencional ou por
subtração digital é considerada o padrão-ouro dos estudos de imagem
­vascular. Como mencionado anteriormente, não deve ser utilizada como
método diagnóstico, mas pode ser indicada pelo cirurgião quando se vislumbra a necessidade de revascularização
do membro, mesmo sem a rea­li­zação
de nenhum outro teste não invasivo
previamente. É um método que acarreta riscos inerentes à punção arterial e
ao uso de cateteres angiográficos, além
da possibilidade de nefrotoxicidade
pelo contraste iodado.
Com a evolução da angiorressonância magnética e da angiotomografia (angio-TC), a arteriografia convencional vem sendo amplamente subs­ti­tuí­da
como método de imagem v­ ascular pré-
operatório em razão do caráter ambulatorial e menos invasivo destes dois métodos. Outra razão é que, com o
advento da cirurgia endovascular, a
angiografia tornou-se um exame peroperatório associado ao procedimento
terapêutico, procurando-se, assim,
evitar punções arteriais repetidas e
o incremento do risco do contraste
iodado. Neste quesito, a ressonância
magnética (RM) ainda leva vantagem
sobre a angio-TC.
Conduta na DAOP
em pacientes diabéticos
A DAOP, tanto em pacientes diabéticos
quanto em não diabéticos, é um poderoso marcador do processo aterosclerótico sistêmico. Menos de 5% dos portadores de claudicação serão submetidos
à amputação do membro ou à cirurgia
de revascularização ao final de cinco anos. No entanto, um terço desta
mesma população apresentará AVC ou
IAM. Estudos epidemiológicos prévios
demonstraram pior sobrevida de pacientes com DAOP quando em comparação com a população geral. Pacientes diabéticos com DAOP apresentam
mor­talidade ainda mais alta e mais precoce do que os não diabéticos.
Além da modificação do perfil cardiovascular destes pacientes, é necessário intervir nos sintomas is­quêmicos
nos membros. Apenas uma avaliação
in­di­vi­dualizada de cada paciente é capaz de identificar o grau de comprometimento ­vascular e definir a melhor
abordagem terapêutica. A intervenção
cirúrgica está restrita a situações de
perda iminente do membro por isquemia crítica ou, excepcionalmente, em
pacientes com claudicação incapacitante. Portanto, a conduta na DAOP é
ba­sea­da em dois pilares: o controle dos
fatores de risco e o tratamento dos sintomas is­quêmicos periféricos.
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Controle dos fatores
de risco
DAOP e diabetes estão associados a aumento significativo no risco de eventos
cardiovasculares, e a modificação agressiva destes fatores está associada a maior
sobrevida destes in­di­ví­duos. Menos da
metade dos in­di­ví­duos diabéticos portadores de DAOP oferece atenção adequada a este aspecto da doen­ça aterosclerótica, embora provavelmente esta seja a
opção mais fácil e mais efetiva para melhorar a qualidade de vida e o prognóstico da doen­ça. Além dos fatores de risco
cardiovasculares, o próprio pé diabético
deve ser considerado um fator de risco.
Este “pé de risco” neuropático e is­
quêmico é mais suscetível ao aparecimento de lesões e infecções fúngicas
mediante portas de entrada, as quais
podem colocar em perigo a viabilidade
de todo o membro (Quadro 3).
• Tabagismo: o fumo é o fator de
risco mais importante para o desenvolvimento e a progressão da
DAOP. A quantidade e a duração
do tabagismo se correlacionam
diretamente com a progressão
da DAOP (A).16 A interrupção do
fumo aumenta a sobrevida de
pacientes com DAOP (A).17
• Controle glicêmico: vários estudos
têm demonstrado que o controle
agressivo da glicemia é capaz de
reduzir a incidência de complicações microvasculares, mas não
aquelas relacionadas com a DAOP.
As diretrizes atuais da ADA recomendam uma hemoglobina glicada (HbA1c) < 7% como meta de
tratamento do diabetes, mas su­
gerem níveis in­di­vi­dualizados o
mais próximo dos valores normais
(< 6%); porém é incerto que esse
controle tenha in­fluên­cia sobre a
evolução da DAOP (D).18
• Hipertensão: o tratamento da hipertensão reduz o risco cardiovascular, embora o efeito do controle
pressórico intensivo em pacientes
com diabetes e DAOP ainda não
esteja definido. O United King­
dom Prospective Diabetes Study
(UKPDS) mostrou que não há efeito
sobre o risco de amputação. Neste
grupo de alto risco cardiovascular,
recomenda-se o controle pressórico agressivo (< 130/80 mmHg) a
pacientes diabéticos e com DAOP
como maneira de reduzir o risco
cardiovascular (A).19
• Dislipidemia: vários estudos têm
demonstrado que a terapia antilipídica reduz de modo significativo
o número de eventos cardiovasculares em pacientes sabidamente
portadores de doen­ça coronaria-
Quadro 3 Fatores de risco e alvo de tratamento em DAOP
Fator de risco
Dislipidemia
Hipertensão
Diabetes
Alvo do tratamento
grau de
recomendação
DAOP sintomática LDL < 100 mg/dl
A
DAOP + história de AEO em outros territórios
LDL < 70 mg/dl
B
Níveis pressóricos < 130/80 mmHg
A
Betabloqueadores não são contraindicados
A
HbA1c < 7% ou o mais próximo possível de 6%
C
DAOP: doença arterial obstrutiva periférica; LDL: lipoproteína de baixa densidade; HbA1c: hemoglobina glicada ou glicosilada.
Diretrizes SBD
na. Embora não haja estatísticas
específicas de pacientes diabéticos
com DAOP, recomenda-se um alvo
para LDL < 70 mg/dl a este grupo
de alto risco (B).20 O consenso de
ADA estabelece uma LDL alvo
< 100 mg/dl (A).21
• Antiagregação plaquetária: uma
metanálise com 145 séries controladas de terapia antiagregante (a
maioria com uso de ácido acetilsalicílico) mostrou redução de 27%
no número de IAM, AVC e mortes
vascula­res (A).22 Outro estudo, com
quase 20 mil pacientes, o Clopidogrel versus Aspirin in Patients At
Risk of Ischaemic Events (CAPRIE),
mostrou redução de 8,7% para a
ocorrência de IAM, AVC ou morte
­vascular. Em um subgrupo de 6 mil
pacientes com DAOP, sendo um
terço de in­di­ví­duos diabéticos, a
redução do risco foi ainda maior
com o clopidogrel: 24%, quando
em comparação com o ácido acetilsalicílico (A).23 Com base nesses
resultados, o clopidogrel foi aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) para a redução de
eventos vascula­
res em todos os
pacientes com DAOP.
• Cuidados com o pé diabético: o
cuidado adequado com o pé é fundamental na redução do risco de
complicações e perda do membro.
A neuropatia influencia fortemente
a apresentação clínica e a evolução
das lesões no pé diabético, já que a
dor causada pela isquemia crônica
pode ser mascarada pelas alterações neuropáticas nos pés (C).4 O
pé neurois­quêmico é mais suscetível a ulcerações traumáticas, infecção e gangrena. Por conta desses
fatores, diabéticos com DAOP e
neuropatia são mais propensos a
lesões avançadas quando em comparação com os não diabéticos.
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Diretrizes SBD 2014-2015
Além da neuropatia, a distribuição
mais distal da DAOP (preferencialmente artérias infrapatelares) favorece a evolução silenciosa do
quadro is­
quêmico crônico, que
costuma ser subestimado até que
lesões avançadas aconteçam (B).6
A utilização criteriosa e multi­
dis­ciplinar de práticas como a utili­
zação de palmilhas e órteses es­
peciais, calçados confortáveis e
per­sonalizados, curativos apro­pria­
dos, repouso, antibioticoterapia e
desbridamentos, associados ou
não à revascularização, tem impacto significativo na evolução das feridas e não deve ser negligenciada
como terapêutica dessas lesões
multifatoriais (B).24 A educação con­
ti­nuada de todos profissionais de
saú­de envolvidos, pacientes e familiares (B)25 e a implementação de
programas governamentais de prevenção do pé diabético (B)26 são
fundamentais na redução dos riscos de amputação do diabético.
Tratamento dos sintomas
da doença arterial
obstrutiva periférica
O sintoma mais frequente da DAOP é a
CI. Dificilmente, pacientes claudicantes
evoluem para isquemia crítica do membro. Apesar da evolução benigna, a CI
impõe uma restrição real ao estilo de
vida, com a limitação da velocidade e
da distância de marcha, atrofia e disfunção progressiva dos membros inferiores. O tratamento da CI se apoia na
prática de exercícios e na farmacoterapia específica. Em estágios mais avançados da DAOP, a isquemia crítica coloca em risco a viabilidade do membro
afetado. Nesses casos, o tratamento
visa a restabelecer de imediato a perfusão distal, com o objetivo de controlar
a dor is­quêmica em repouso, cicatrizar
300
as lesões tróficas e manter o membro
funcional.
• Exercícios de reabilitação: a prática de exercícios regulares é a principal medida terapêutica para a CI. Já
está bem estabelecido que estes
programas de reabilitação devem
incluir caminhadas diá­rias, com intervalos de repouso e distâncias
progressivamente crescentes (A).27
É muito importante que sejam rea­li­
zados sob supervisão e tenham
uma duração mínima de três meses
antes de se obterem resultados significativos. A aderência ao tratamento físico tem como vantagem
adicional estimular outras mudanças no estilo de vida e melhorar o
perfil do risco cardiovascular do paciente (A).28
• Terapia medicamentosa da CI:
duas drogas foram aprovadas pela
FDA para o tratamento da CI: pentoxifilina e cilostazol. Apesar de
alguns trabalhos iniciais terem
demonstrado incremento da distância de marcha de claudicantes,
outros mais recentes afirmam que
a pentoxifilina não é mais efetiva
que o placebo (A).29 Uma revisão
recente concluiu que o cilostazol é
a melhor opção, com base em evidências para o tratamento da CI.
Em pacientes diabéticos com CI, o
cilostazol não mostrou diferenças
significativas nos efeitos quando
em comparação com in­di­ví­duos
não diabéticos (A).30 O cilostazol é
contraindicado a pacientes portadores de insuficiên­
cia cardía­
ca
congestiva e disfunção hepática
ou renal graves (Quadro 4).
• Revascularização do membro: a
presença de lesão trófica ou dor em
repouso caracteriza a isquemia crítica e o risco de perda iminente do
membro. Nesta situação, a revascularização está indicada para salvamento do membro is­quêmico e a
intervenção, seja ela por cirurgia
aberta (convencional) ou por via
endovascular, não deve ser postergada.
A claudicação incapacitante é caracterizada pela forte interferência no estilo
de vida de alguns pacientes, limitando
atividades laborativas ou, em especial,
as relacionadas com o lazer. Nesses casos, a revascularização do membro deve
ser considerada quando ocorre falha no
manejo clínico, geralmente após um
perío­do mínimo de três a seis meses de
Quadro 4 Principais drogas utilizadas para tratamento da claudicação
intermitente
Evidência suficiente ou provável
Evidência insuficiente
Cilostazol
Pentoxifilina
Naftidrofurila
Antiagregantes plaquetários
Carnitina
Vasodilatadores
Propionil-L-carnitina
L-Arginina
Estatinas
Prostaglandinas
Buflomedil
Ginkgo-biloba
Vitamina E
Quelação
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tratamento. Por outro lado, em pacientes que apresentam obstruções focais
localizadas em segmentos arteriais proximais, em que se antecipa baixo risco e
bons resultados a longo prazo, a cirurgia
pode ser considerada sem a necessidade do tratamento clínico inicial. Portanto a presença de claudicação incapacitante é uma indicação relativa de
revascularização do membro com
DAOP, requerendo bom senso e esclarecimento ao paciente e a seus familiares quanto aos riscos inerentes ao procedimento indicado e seus resultados
ao longo do tempo.
A revascularização mediante cirurgia de bypass oferece excelentes resultados no tratamento da DAOP com isquemia crítica e não há diferenças nas
taxas de funcionamento do enxerto
entre diabéticos e não diabéticos (A).7
O bypass com veia safena tem sido o
procedimento de escolha para pacientes com diabetes e doen­ça arterial infrapatelar, pois é o método mais previsível e durável de revascularização do
membro (B).10 A revascularização por
cirurgia aberta apresenta excelentes
resultados, com taxas de salvamento
de membro em torno de 80% em cinco anos (A).31
No entanto, os procedimentos endovasculares são rea­
li­
zados com fre­
quência cada vez maior (A)32,33 e atualmente já representam a primeira escolha
no tratamento de obstruções em algumas
re­giões anatômicas. É o caso do território
aortoilía­co, onde as taxas de funcionamento em médio e longo prazos são
comparáveis às da cirurgia aberta, mas
com morbimortalidade menor (B).10
O sucesso da técnica endovascular está mudando rapidamente o conceito de revascularização, cujo alvo
principal tornou-se a cicatrização das
lesões tróficas. Embora o sucesso técnico imediato seja alto, o funcionamento a longo prazo com a angioplastia ainda é baixo, em especial no
território infrainguinal e nas artérias
infrapatelares de pacientes diabéticos.
O curioso é que, embora as reestenoses sejam frequentes, o impacto sobre
a viabilidade do membro parece pequeno. O provável é que isso ocorra
porque as artérias tratadas permanecem abertas tempo suficiente para
possibilitar a cicatrização das lesões
Diretrizes SBD
tróficas do pé is­quêmico temporariamente revascularizado (C).8
Os dois tipos de procedimentos não
são excludentes entre si e podem de fato
ser associados para atingir melhores resultados na revascularização do membro afetado. A escolha entre as duas técnicas é uma decisão complexa, que deve
ser ba­sea­da caso a caso, levando-se em
conta o benefício esperado e o risco associado a cada procedimento.
Vários fatores podem impossibilitar
a revascularização do membro: falta de
condições clínicas do paciente por sepse e/ou outras comorbidades, membro
disfuncional por anciloses ou destruição avançada do pé pela gangrena, ausência de veia adequada para o procedimento e doen­ça arterial difusa sem
possibilidade de revascularização. Estas
são algumas situações em que a revascularização não é possível. Nestes casos, a amputação do membro pode ser
a única opção de intervenção, em especial quando se antevê uma evolução
arrastada de curativos e antibioticoterapia prolongada com poucas chances
de cicatrização e de melhora efetiva da
qualidade de vida do paciente (C).5
Quadro 5 Recomendações e conclusões finais
RECOMENDAÇÃO OU CONCLUSÃO
Grau de
recomendação
A aterosclerose é a maior causa de morte e invalidez em diabéticos, especialmente do tipo 2
B
Ao longo de cinco anos apenas 5% a 10% dos casos de pacientes com DAOP evoluem com isquemia crítica do
membro e risco de amputação
A
A interrupção do fumo aumenta a sobrevida de pacientes com DAOP
A
A prática de exercícios regulares é a principal medida terapêutica para a CI. Programas de reabilitação devem
incluir caminhadas diá­rias, com intervalos de repouso e distâncias progressivamente crescentes
A
Recomenda-se controle pressórico agressivo (< 130/80 mmHg) a pacientes diabéticos e com DAOP para reduzir o
risco cardiovascular
A
Betabloqueadores não são contraindicados no controle da hipertensão arterial
A
Recomenda-se um alvo terapêutico de LDL < 70 mg/dl para pacientes diabéticos com DAOP
B
Os procedimentos endovasculares são rea­li­zados com fre­quência cada vez maior e atualmente já representam a
primeira escolha no tratamento de obstruções em algumas re­giões anatômicas
A
(A) Estudos experimentais e observacionais de melhor consistência; (B) Estudos experimentais e observacionais de menor consistência; (C) Relatos de casos –
estudos não controlados; (D) Opinião desprovida de avaliação crítica, ba­sea­da em consenso, estudos fisiológicos ou modelos animais.
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Diretrizes SBD 2014-2015
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