Fechar - ISSS Brasil

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CONSIDERAÇÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO
SOCIAL FACE À PRISÃO E A CRITICAL SYSTEMS
HEURISTICS (CSH)
Paula Teixeira Gonçalves
Centro Universitário de Franca
[email protected]
Daniela de Figueiredo Ribeiro
Centro Universitário de Franca
[email protected]
Carla Aparecida Arena Ventura
Universidade de São Paulo
[email protected]
Resumo
O desenvolvimento humano e social no contexto prisional tem sido prejudicado ao longo dos
últimos anos. O desinteresse do Estado e de instituições pela implementação de políticas
públicas que garantam aos indivíduos presos o direito ao desenvolvimento tem deixado que
os indivíduos presos sofram com o descaso, sem poderem contar com direitos básicos, como
saúde, educação e trabalho. A partir desta realidade, o objetivo geral do trabalho é traçar uma
análise sobre o sistema carcerário atual e o sistema carcerário ideal, utilizando-se a
metodologia sistêmica denominada Critical Systems Heuristics (CSH), que consiste em doze
perguntas sobre determinada situação para melhorá-la.
Palavras-chave: prisão, desenvolvimento, CSH.
Abstract
The human and social development in the prisons has been hampered over the past few years.
The indifference of the State and the other institutions in the implementation of public
policies that guarantee the prisoner the right to development has left prisoners suffer from
neglect, without being able to count on basic rights such as health, education and work. From
this fact, the overall objective is to outline an analysis of the current prison system and the
ideal prison system, using the systemic methodology called Critical Systems Heuristics
(CSH), which consists of twelve questions on a particular situation to make it better.
Keywords: prison, development, CSH.
10º Congresso Brasileiro de Sistemas 2
Introdução
O desenvolvimento, com os contornos atuais, começou a ser enxergado a partir da
criação da Organização das Nações Unidades, com a Carta das Nações. Com este advento, a
ONU comprometeu-se em promover o crescimento e a melhorar a qualidade de vida, utilizar
instituições internacionais para promover o avanço econômico e social, conseguir cooperação
internacional necessária para resolver os problemas internacionais de ordem econômica,
social, cultural ou de caráter humanitário e promover e estimular o respeito aos direitos
humanos e às liberdades fundamentais de toda população do mundo, sem distinção de raça,
religião, sexo, cor ou idioma.
Com isso, os debates sobre os conceitos e os meios para se conquistar o
desenvolvimento se intensificaram, dando início à criação de uma série de programas e
organismos especiais para ajudar os países a tratar dos problemas econômicos e sociais de
modo a manter o equilíbrio entre as nações.
Entretanto, muitos autores, a exemplo de Scatolin (1989), delinearam sensível
diferenciação entre o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento humano e social,
além de salientar para a ausência entre o diálogo entre ambos. Significa dizer que nem todas
as nações desenvolvidas economicamente representam o total desenvolvimento humano e
social.
Isto pode ser notado, com efetividade, nos bolsões de miséria, verificados nas
metrópoles, demonstrando o espaço, por muitas vezes, insuperável, entre o desenvolvimento
econômico e o desenvolvimento humano e social.
Segundo o mencionado autor, ao passo que o desenvolvimento econômico cuida de
observar, em grosso modo, o crescimento econômico mediante distribuições de bens e a
possibilidade de consumo, o desenvolvimento humano trata de aspectos mais amplos da vida
humana e suas transformações segundo as condições externas influenciadoras. Apesar da
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enorme diferença entre ambos, não há que tratá-los isoladamente, pois é certo que o
desenvolvimento econômico influencia no desenvolvimento humano e vice-versa.
A problemática dessa diferenciação reside na conceituação econômica do termo
“desenvolvimento”. Para solucionar a questão, os economistas viram a necessidade de
elaborar um modelo de desenvolvimento que englobe as variáveis econômicas e sociais de
modo que o crescimento econômico ocorra em ritmo capaz de atender às solicitações das
diferentes classes sociais, regiões e países.
Para Furtado (1974), o desenvolvimento não deve ser visto sob a ótica puramente
econômica. Para ele, o desenvolvimento econômico, em sua forma pura é um mito que
impede que se enxergue as necessidades básicas da população e as possibilidades abertas ao
indivíduo.
O desenvolvimento deve ser visto sob vários aspectos: econômico, humano, social,
cultural, dentre outros.
O desenvolvimento humano é uma importante ramificação do desenvolvimento,
podendo ser definido como processo de amplificação de escolhas para que as pessoas tenham
capacidade e oportunidade de ser aquilo que elas querem ser (Sen, 2012).
Comparando-se o desenvolvimento humano com o desenvolvimento econômico, o
Relatório do Desenvolvimento Humano Brasil, de 1996, diz o seguinte:
O conceito de desenvolvimento humano é, portanto, mais amplo do que o de
desenvolvimento econômico, estritamente associado à ideia de crescimento. Isso não
significa contrapô-los. Na verdade, a longo prazo, nenhum país pode manter – e muito
menos aumentar – o bem-estar de sua população se não experimentar um processo de
crescimento que implique aumento da produção e da produtividade do sistema
econômico, amplie as opções oferecidas a seus habitantes e lhes assegure a
oportunidade de empregos produtivos e adequadamente remunerados.
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Por conseguinte, o crescimento econômico é condição necessária para o
desenvolvimento humano (e social) e a produtividade é componente essencial desse
processo. Contudo, o crescimento não é, em si, o objetivo último do processo de
desenvolvimento; tampouco assegura, por si só, a melhoria do nível de vida da
população (Pnud, 1996, p. 1).
Para mensurar o desenvolvimento, criou-se o Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH), que é a medida resumida do desenvolvimento em longo prazo em três grandezas:
renda, educação e saúde. Seu objetivo é oferecer um contraponto a outro indicador, o Produto
Interno Bruto (PIB), que considera somente a dimensão econômica do desenvolvimento.
Amartya Sen, um economista indiano laureado com o Prêmio Nobel de Ciências
Econômicas em 1998 pelas contribuições à teoria da decisão social e do welfarestate,
demonstrou que o desenvolvimento de um país está ligado às oportunidades que ele oferece à
população de fazer escolhas e exercer a sua cidadania, incluindo a garantia aos direitos
sociais básicos e direitos civis.
Para Sen, “o desenvolvimento pode ser visto como um processo de expansão das
liberdades reais que as pessoas desfrutam” ( 2012, p. 16).
O processo de expansão das liberdades mencionado por Sen (2012) não depende
apenas do crescimento econômico ou, em sob outro enfoque, do desenvolvimento
econômico. Outros fatores também concorrem com o desenvolvimento e pode-se citar como
exemplo o acesso a serviços de educação, saúde, a garantia de direitos fundamentais e
processo de industrialização, tecnológico ou de modernização social.
Entretanto, é preciso argumentar que uma vez que “o desenvolvimento humano
pressupõe o alargamento das capacidades individuais” (RDH, 2013), verifica-se que a
equidade é entendida como a liberdade igualitária que leva ao desenvolvimento. “No entanto,
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os indivíduos encontram-se também ligados aos outros” (RDH, 2013). Isso faz pressupor que
desenvolvimento humano e social estão conectados, interligados.
A liberdade é de relevante importância para o desenvolvimento em razão da avaliação
e da eficácia. A posição avaliatória do autor se refere ao fato de que o êxito de uma sociedade
deve ser avaliado de acordo com as liberdades substantivas de seus membros, utilizando
dados como renda e capacidades. A posição de eficácia se refere à eficácia individual e social
da liberdade, no sentido de melhorar o potencial das pessoas para cuidarem de si mesmas e
para influenciarem o mundo.
Sen (2012) se refere aos papeis constitutivo e instrumental da liberdade.
O papel constitutivo relaciona-se à importância da liberdade substantiva no
enriquecimento da vida humana. As liberdades substantivas incluem capacidades
elementares, como por exemplo, ter condições de evitar privações como a fome, a
subnutrição, a morbidez evitável e a morte prematura, bem como as liberdades
associadas a saber ler e fazer cálculos aritméticos, ter participação política e liberdade
de expressão etc. (Sen, 2012, p. 55).
Assim, o papel constitutivo da liberdade se apresenta como o fim ou modo de
constituição da mesma, enquanto que seu papel instrumental é visto como meio para alcançar
o desenvolvimento.
Sob o prisma da ampliação das liberdades humanas, o processo de desenvolvimento
deve incluir a eliminação de privações da pessoa. Exemplo disso é a privação de participação
política, que deve ser eliminada, constituindo-se um meio para o desenvolvimento.
A relevância da privação de liberdades políticas ou direitos civis básicos para uma
compreensão adequada do desenvolvimento não tem de ser estabelecida por meio de
sua contribuição indireta a outras características do desenvolvimento (como o
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crescimento do PIB ou a promoção da industrialização). Essas liberdades são parte
integrante do enriquecimento do processo de desenvolvimento (Sen, 2012, p. 56).
O papel instrumental da liberdade diz respeito ao modo como diferentes tipos de
direitos e oportunidades contribuem para a expansão da liberdade humana e, em
consequência, para o desenvolvimento. Sen (2012) exemplifica liberdades instrumentais
como liberdades políticas, facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantias de
transparência e segurança protetora.
As oportunidades sociais, por exemplo, se traduzem nas disposições que a sociedade
estabelece nas áreas da educação, saúde, e que influenciam a liberdade substantiva do
indivíduo viver melhor, sendo importantes facilitadores da vida privada e para a participação
para a vida mais efetiva em atividades econômicas e políticas (SEN, 2012).
Com relação ao tema desenvolvimento e prisão, o Relatório de Desenvolvimento
Humano (RDH) de 2005 chegou à conclusão de que, embora as informações a respeito da
proporção em que negros, pardos e brancos são processados e penalizados, a justiça penal
carrega os mesmos preconceitos que a sociedade brasileira, mas com alguns agravantes, que
somente serão solucionados quando houver políticas públicas que sejam capazes de reduzir a
desigualdade e promover a equidade. No que se refere à segurança pública e à justiça
criminal, esses desafios são mais complexos, sendo necessário reformular planos estratégicos
para extinguir políticas arbitrárias.
O RDH de 2013 tratou do tema “equidade” da mesma forma. Afirmou que apesar da
demonstração de que a desigualdade foi reduzida em vários aspectos, nos últimos anos se
verificou que, quanto às relações sociais, a desigualdade aumentou significativamente,
proporcionando instabilidade social e prejudicando o desenvolvimento humano.
Para que a liberdade dê ensejo ao desenvolvimento, Sen (2012) defende que, entre
outros, é preciso uma estrutura avaliatória apropriada e instituições que promovam objetivos,
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comprometimentos valorativos, normas de comportamento e um raciocínio sobre
comportamento que permita realizar os objetivos almejados.
Qual a relação entre prisão e desenvolvimento? O discurso oficial sobre opapel da
prisão é a promoção da readaptação do indivíduo à sociedade, utilizando-se do objetivo de
“proporcionar condições para a harmônica integração social ao condenado”.1Na prática, a
prisão não demonstra ter alçado tais objetivos.
O Sistema Carcerário Brasileiro
Para Rocha,
As condições legais da execução penal, materializadas nas leis penitenciárias,
conduzem a uma realidade muito diversa daquela ideia de prevenção especial que traz
a ressocialização como meta. As condições especiais a que o condenado é submetido
no cárcere proporcionam um antagonismo a esse ideal. A estrutura social e os
problemas de socialização não são alterados de forma positiva com a experiência do
cárcere. Esse ambiente, ao contrário, leva os indivíduos submetidos a ele a uma
reorganização da sua identidade, pois passam a vivenciar um novo código de conduta,
que não ressocializa, mas aliena. Contudo, essa realidade seria traçada em um
ambiente carcerário “ideal”, sem as conturbações experimentadas nos presídios, por
toda problemática verificada como crise das prisões. (Rocha, 2012).
No mesmo sentido, Oliveira defende que “os presídios nunca exerceram, conforme
Thompson (1998), sua finalidade de reeducação e de reinserção, pelo contrário,
transformaram-se em meros depósitos de gente, onde não se busca o resgate daquele ser
humano que se esconde por trás do criminoso.” (Oliveira, 2007, p. 4).
Diante desta realidade, verifica-se que, no que concerne ao sistema de justiça
criminal, existe um subdesenvolvimento que, além de impossibilitar a reconstrução do sujeito
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preso (representando infração aos objetivos da pena, imposto por lei), há o cerceamento de
direitos que impede aos indivíduos presos viverem dignamente no cárcere.
Por outro lado, o RDH de 2013 divulgou que, para que haja desenvolvimento é
preciso que haja menos temor na sociedade, ressaltando que
[...] a criminalidade violenta corrói a confiança nas perspectivas de desenvolvimento
futuro, reduz a competitividade das indústrias e serviços através da composição de
pesados custos de segurança e prejudica o clima de investimento. [...] O desvio de
recursos para o controle da criminalidade reduz os fundos disponíveis para investir
nos cuidados de saúde e na educação, atrasando a integração social e prejudicando o
desenvolvimento (RDH, 2013, p. 40).
Ainda, o RDH de 2013 relaciona a falta de desenvolvimento com o investimento em
recursos para controlar e combater a criminalidade, sem levar em consideração que os
indivíduos que se encontram sob tutela do Estado para o cumprimento de pena não contam
com tais investimentos, já que, um dos problemas do sistema penitenciário brasileiro é a
superlotação.
Do ponto de vista econômico, uma sociedade perde ao ter que manter uma instituição
social superlotada, tendo em vista que representa um custo alto para o Estado, sem aparente
retorno em termos de transformação social.
Do ponto de vista social, o alto índice de criminalidade gera falta de confiança, medo
e instabilidade.
Do ponto de vista dos direitos humanos, a prisão é inviável na medida em que se torna
um depósito de indivíduos sem garantias de direitos básicos, como saúde, educação,
assistências, entre outros.
A opinião pública se fundamenta no fato de que a criminalidade é fruto apenas de
problemas de caráter, deixando de mencionar as desigualdades sociais, presentes na maioria
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das cidades brasileiras, o que multiplica o clamor para maiores investimentos em segurança
pública, diminuição da maioridade penal, além das reclamações acerca da sua ineficácia.
Zaluar, ao explicar a multidimensionalidade da violência, diz que:
Deve-se discutir, na perspectiva da complexidade, como a pobreza e a falta de
emprego para os jovens pobres se relacionam com os mecanismos e fluxos
institucionais do sistema de Justiça na sua ineficácia no combate ao crime organizado.
Esse atravessa todas as classes sociais e está conectado aos negócios legais e aos
governos.
Além disso, a urbanização muito rápida não permite que as práticas sociais urbanas de
tolerância e civilidade sejam difundidas entre os novos habitantes das cidades nem
que os valores morais tradicionais sejam interiorizados do mesmo modo pelas novas
gerações da cidade. Assim, muitos homens jovens e pobres se tornaram vulneráveis às
atrações do crime-negócio por causa da crise em suas famílias, muitas dessas
incapazes de lidar com os conflitos surgidos na vida urbana mais multifacetada e
imprevisível. Vulneráveis também por causa do abismo entre adultos e jovens, por
causa do sistema escolar ineficaz, além da falta de treinamento profissional,
adicionado aos postos de trabalho insuficientes. (Zaluar, 2007).
Oliveira, Tonelli, & Pereira (2013) dizem que:
A violência é um fato social. A alta taxa de homicídios no Brasil exemplifica essa
realidade. Segundo estatísticas do Núcleo de Estudos da Violência, da USP (Nev,
2010), embora nas capitais dos Estados o número real de homicídios tenha caído 5,4%
entre 2000 e 2006, há alguns aspectos desses dados que chamam a atenção. Quando
se isola o resultado total da influência das capitais, há um aumento de 15,76%, taxa
bem acima do crescimento populacional no mesmo período. Isso traz evidências para
afirmar que, no interior, onde a presença do Estado está mais proximamente
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representada por meio do poder municipal, houve aumento desproporcional no
número de homicídios no período. Tomando esse caso como exemplo, diversas
possibilidades de explicações podem ser exploradas, tais como a ausência do Estado,
a precariedade de sua estrutura e a falta de participação da sociedade civil organizada.
(Oliveira & Tonelli, 2013).
Para a solução dos problemas de violência e criminalidade, os autores acima citados
propuseram a ampla participação social, promovida por conselhos municipais de segurança
pública e pelo próprio Poder Público para que a população possa exercer seu poder opinativo
sobre a segurança que deseja ter.
Apenas a título de comparação, na Suécia, em 2013, quatro prisões foram fechadas
por falta de presos2. Os motivos da diminuição do número de presos, segundo estudos
daquele país, são: investimentos na reabilitação de presos, auxiliando-os na reinserção em
sociedade; penas mais leves aos crimes que envolvam drogas; e adoção de penas alternativas
e vigiadas em determinados casos. Em que pese o fato de a Suécia ser um país culturalmente
diferente do Brasil, verifica-se que o foco da prisão é outro: uma das medidas adotadas por
aquele país foi deixar de considerar a prisão como punição e focou no tratamento dado ao
preso para possibilitar a reinserção social do mesmo. Porém, não se pode atribuir o
fechamento das prisões a um único motivo, sendo que a real justificativa para tal ato está
sendo pesquisada pelo órgão responsável pelas prisões suecas.
No Brasil, diante de suas peculiaridades sociais, acredita-se que uma das formas de
solucionar, em parte, os problemas de violência e criminalidade são investimentos em áreas
básicas como saúde e educação, cumprindo os direitos sociais de cada cidadão, atuandona
prevenção de aumento nos índices de criminalidade e encarceramentos e reduzindo a
necessidade de investimentos na área da segurança pública.
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Os dados sobre a criminalidade brasileira são desoladores. Em alguns casos, a
criminalidade é extremamente alta, como demonstra o Mapa da Violência – Homicídios e
Juventude no Brasil 3 , de 2013, divulgado pelo Centro Brasileiro de Estudos LatinoAmericanos, em que o Brasil aparece com uma média de 20,4 homicídios por 100 mil
habitantes. Entre os estados mais violentos estão Alagoas, Espírito Santo, Pará, Bahia e
Paraíba. Os municípios mais violentos, segundo a divulgação, são Simões Filho (BA),
Campina Grande do Sul (PR), Ananindeua (PA), Cabedelo (PB) e Arapiraca (AL). Estes
dados incluem o Brasil na lista dos vinte países mais violentos do mundo.
Apenas a título de exemplo, na cidade de Simões Filho, na Bahia, o índice de
assassinatos (139 por 100 mil habitantes) supera mais que o dobro ao do Iraque no auge dos
conflitos no país do Oriente Médio (64,9 mortes para cada 100 mil pessoas, entre 2004 e
2007).
De acordo com o estudo, as cidades mais violentas são, geralmente, novos polos de
desenvolvimento, zonas de fronteira e do desmatamento amazônico, além de municípios com
turismo predatório e currais políticos, retratos do clientelismo.
Apesar de a criminalidade ser um dos problemas mais graves no Brasil, normalmente
é discutida pelo viés da impunidade, gerando a opinião pública que se deve diminuir a
maioridade penal para resolver o problema ou então simplesmente melhorar o serviço de
segurança pública oferecido pelo Estado. Raramente são pensadas as condições de produção
dessa criminalidade, com intervenções mais preventivas.
Segundo os dados do InfoPen, a atual população carcerária brasileira é de 548.003,
havendo 287,31 encarcerados para 100.000 habitantes. Isso significa a quarta população
carcerária do mundo, em valores absolutos, perdendo apenas para os Estados Unidos, China e
Rússia.
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Em valores relativos, verifica-se que o Brasil abriga 274 detentos por 100 mil
habitantes.
As instalações carcerárias no país são projetadas para abrigar pouco mais de 300 mil
presos, o que, com o déficit de acomodações, resulta em superlotação e, consequentemente,
presos em condições desumanas.
Para resolver, de modo indireto, a superlotação dos presídios e a questão social que
envolve a penalização, muitos projetos sociais direcionados a menores em conflito com a lei,
políticas públicas assistencialistas e de atenção a menores em situação de risco pelo
empobrecimento. Porém, tais projetos não colocam como foco essa violência estrutural,
portanto não transformam a realidade social, mas possuem o intuito de segregar e identificar
aqueles que passarão a ser chamados de pessoas perigosas.
Nesse contexto, as prisões só podem ser ineficazes no que se refere à readaptação dos
condenados à sociedade. Entretanto, não deixam de existir por cumprirem a função de
localização, segregação e identificação daqueles que podem morrer, além de disseminar o
medo, a desconfiança e a violência (Tavares, 2011).
O InfoPen traz números importantes sobre o perfil dos presos em penitenciárias
brasileiras, o que se pode verificar na Tabela veiculada pelo InfoPen4.
A Tabela do InfoPen mostra que a população carcerária é de 548.003 presos, sendo
que destes, a maioria (218.242 presos) está presa em regime fechado. No que se refere à
capacidade das prisões, o InfoPen noticia que a maioria das vagas existentes (158.966 vagas)
no sistema penitenciário brasileiro é destinada a presos do regime fechado. Quanto ao perfil
do preso, o InfoPen mostra que a maioria deles possui ensino fundamental incompleto, sendo
a que maioria dos presos tem de 18 a 24 anos. Indica que a quantidade de presos por cor de
pele/etnia mostra que a maioria dos presos é parda. Demonstra que a maioria dos presos
provém da área urbana – Municípios em Regiões Metropolitanas. Por fim, mostra que a
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maioria dos presos é solteira. Quanto ao tratamento prisional, o InfoPen mostra que: a
maioria dos presos realiza trabalhos em parceria com a iniciativa privada; a maioria dos
programas de trabalho envolvendo trabalho interno dos presos está ligada ao apoio ao
estabelecimento penal. Com relação à quantidade de presos em atividade educacional, o
InfoPen mostra que a maioria dos presos que estudam na prisão o fazem para terminar o
ensino fundamental.
Apesar de muito se falar em criminalidade fruto da pobreza ocasionada, seja pela
desigual distribuição de renda, seja pela privação de direitos, pode-se afirmar, com
fundamento nos dados do InfoPen, que a pobreza não será reduzida com a aplicação da pena
privativa de liberdade. Exemplo disso é a (pouca) importância dada ao trabalho pelo Estado
no tratamento dado ao preso nos presídios estatais.
O trabalho tem finalidade de destaque na prisão, segundo a Lei nº. 7.210/84 (Lei de
Execução Penal). Segundo tal diploma, a regeneração do indivíduo preso consiste na
adaptação à vida livre e à sociedade, principalmente, através do trabalho, que tem, neste
contexto, finalidade educativa e produtiva, respeitadas as aptidões e capacidades do
indivíduo.
Na prática, a visão de regeneração dos encarcerados proposta pela Lei de Execução
Penal não é a verificada.
Tavares (2011) apresentou dissertação na qual foi realizada pesquisa no Instituto de
Readaptação Social (IRS) de Vila Velha “Professor Jair Etienne Dessaune”, utilizando-se de
entrevistas com posterior análise orientada pelas propostas metodológicas da RedSig5 e das
Práticas Discursivas.
Neste trabalho verificou-se que na prisão não é oferecido trabalho para todos os
presos, sendo realizada, internamente, seleção para as vagas disponibilizadas.
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Neste trabalho, foi constatado que no Instituto pesquisado existe uma graduação entre
os diversos tipos de trabalho, iniciando-se pela capina (trabalho não remunerado) e
progredindo gradativamente. Foi verificado, ainda, que o trabalho não é dividido de acordo
com o crime cometido pelo preso, mas sim pelo perfil interno, avaliado por uma Assistente
Social.
Com relação à visão dos internos mais novos com relação ao trabalho, foi verificado
no trabalho desenvolvido por Tavares (2011), que os presos viam as atividades laborativas
com bons olhos e acreditaram que, por meio do trabalho, seria possível ampliar as
alternativas futuras. Já os presos mais velhos, de um modo geral, não se interessavam pelo
trabalho, uma vez que não viam nele uma perspectiva de futuro.
Por fim, generalizando a visão sobre o trabalho, Tavares (2011) demonstra que o
trabalho é tido como meio de distração e reflete a ansiedade pela libertação. Contudo, o
oferecimento de frentes de trabalho na prisão pesquisada não se trata de política pública para
a transformação de indivíduos presos, não havendo sequer um olhar para o desenvolvimento.
Foi constatado apenas o oferecimento de trabalho mecânico e vazio sem possibilidade de
profissionalizar ou adaptar o sujeito ao meio externo.
O mesmo foi constatado por pesquisa efetuada com egressos prisionais, em 2013, em
dissertação já defendida pelas autoras deste artigo, utilizando-se análise qualitativa dos dados
coletados.
Foram entrevistados cinco egressos prisionais, sem limitação de idade, por meio de
entrevista semi-estruturadas, as quais foram realizadas em local escolhido pelos
entrevistados. A categorização dos dados se deu em três eixos principais: antes, durante e
depois da prisão.
10º Congresso Brasileiro de Sistemas 15
Verificou-se neste trabalho que as atividades laborativas oferecidas aos presos, na
maioria dos casos, eram mecânicas e calcadas em necessidades de grandes empresas pela
mão-de-obra barata e não qualificada.
Do mesmo modo, foi verificada a ausência de fundamento em políticas públicas com
o objetivo de promover o desenvolvimento humano e social, baseado na readaptação à
sociedade, à convivência familiar etc.
Não foi verificada nos trabalhos qualquer política pública advinda do Estado ou de
organizações não estatais com a finalidade de se alcançar o desenvolvimento humano e
social. Tampouco se verificou o cumprimento da Lei de Execução Penal no que diz respeito à
relação entre trabalho e ressocialização.
Diante dos dados e dos dados empíricos demonstrados por este trabalho, constata-se
que o modelo de prisão experimentado pelo Brasil nos dias atuais representa total falácia,
tanto na garantia do desenvolvimento humano e social, quanto no que diz respeito a aplicação
da legislação pátria em vigor.
Um estudo sobre as possíveis e necessárias mudanças do sistema carcerário brasileiro
se faz necessária. Por isto, este trabalho abordará daqui em diante a análise sistêmica,
utilizando-se a metodologia Critical Systems Heuristics (CSH), traçando-se paralelo entre o
modelo de prisão atual e um modelo de prisão ideal.
Sistema Prisional Atual e Sistema Prisional Ideal sob a Ponto de Vista Sistêmico
A abordagem sistêmica se traduz em um modelo de apreensão e estudo da realidade,
contrapondo-se ao reducionismo típico do paradigma cartesiano. Assim, ao invés de
simplificar sinônimos e analisar pequenas partes do todo, a visão sistêmica se baseia na
concepção de sistema e de sua teoria geral.
Para von Bertalanffy,
10º Congresso Brasileiro de Sistemas 16
[...] “sistema” faz alusão a características muito gerais, compartilhadas por um grande
número de entidades que costumavam ser tratadas por diferentes disciplinas. Eis a
natureza interdisciplinar da teoria geral dos sistemas; ao mesmo tempo, seus
enunciados dizem respeito a comunidades formais ou estruturais, deixando em
segundo plano a “natureza dos elementos ou forças do sistema”, de que se ocupam as
ciências especiais (e suas explicações). Em outras palavras, os argumentos da teoria
dos sistemas são concernentes àquelas estruturas gerais e têm valor preditivo em
relação a elas. (Von Bertalanffy, 1976, p. 262-263).
Em que pese a abordagem sistêmica ser fruto intelectual do século XX, é possível
vislumbrar-se um pensamento holístico na obra de Hegel, citado em Skyttner, identificado
mais tarde com a natureza dos sistemas, a partir das proposições a seguir: (1) o todo é mais
que a soma das partes; (2) o todo define a natureza das partes; (3) as partes não podem ser
compreendidas pelo estudo do todo; e (4) as partes são dinamicamente inter-relacionadas ou
interdependentes. (como citado em Skyttner, 2005, p. 49-50).
O Critical Systems Heuristics – CSH (Heurística Crítica Sistêmica) é uma
metodologia sistêmica enxergada por Werner Ulrich (1983) como apoio à prática reflexiva,
tendo-se tornado um dos principais métodos empregados na abordagem sistêmica.
De um modo simples, o CSH consiste em um conjunto de doze perguntas que
explicitam os juízos cotidianos nos quais se confia (conscientemente ou não) para entender
situações e projetar sistemas com vistas a melhorá-las.
Figura 1
Fontes de
influência
Juízos limítrofes que informam um sistema de interesse (S)
Papéis sociais
(partes interessadas)
Fontes de
motivação
Fontes de
Categorias limítrofes e questões do CSH
1. Beneficiário
Quem deve ser/é o
beneficiário desejado
do sistema S?
4. Tomador de
Preocupações
específicas
(interesses)
2. Objetivo
Qual deve ser/é o
objetivo de S?
5. Recursos
Problemas-chave
(questões das partes
interessadas)
3. Medida de
progresso
Qual deve ser/é a
medida de sucesso?
6. Ambiente de
Os
envolvidos
10º Congresso Brasileiro de Sistemas controle
Fontes de
conhecimento
Fontes de
legitimação
decisões
Quem deve
estar/está no
controle das
condições do
sucesso de S?
7. Especialista
Quem deve ser/é o
provedor de
conhecimentos
relevantes e
habilidades para S?
10. Testemunha
Quem deve
estar/está
representando os
interesses daqueles
negativamente
afetados, mas não
envolvidos em S?
Quais condições de
sucesso devem
estar/estão sob o
controle de S?
8. Competência
Quais devem ser/são
os novos
conhecimentos
relevantes para S?
decisão
Quais condições de
sucesso devem
estar/estão fora do
controle do tomador
de decisão?
9. Fiador
O que deveria ser/é
considerado como
garantia de uma
implementação bemsucedida?
12. Visão de mundo
Qual espaço deve
estar/está disponível
para a reconciliar
diferentes visões de
mundo acerca de S,
entre os envolvidos e
os afetados?
11. Emancipação
Quais devem ser/são
as oportunidades para
que os interesses
daqueles afetados
negativamente tenham
expressão e liberdade,
a partir da visão de
mundo de S?
Fonte: Traduzido de Ulrich e Reynolds (2010, p. 244).
17
Os
afetados
Um dos problemas inerentes à definição dos sistemas abertos, isto é, aqueles não
autocontidos, que interagem trocando elementos e informações com o ambiente do entorno
(Von Bertalanffy, 1976, p. 39), é demarcar com precisão seus limites; ou seja, conhecer a
fronteira entre o sistema e seu ambiente, implicando, em última instância, determinar a
extensão daquele. As categorias e questões propostos pelo CSH vêm em auxílio a este
equacionamento, posto que respeitam “juízos limítrofes”, segundo seu autor. Tais juízos
provêm de quatro diferentes fontes de influência, assim definidas e explicadas em Ulrich e
Reynolds (2010, p. 259):
Fontes de motivação: de onde provêm o senso de intencionalidade e princípios
valorativos;
Fontes de controle: de onde emanam os recursos e poderes necessários;
Fontes de conhecimento: onde se supõe que haja disponibilidade suficiente de
competência e experiência; e
Fontes de legitimação: de onde se espera que proceda a aprovação legal e social.
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Cada fonte é perquirida por três perguntas, totalizando doze questionamentos. Por seu
turno, cada questão apresenta-se sob duas formas: um modo empírico, utilizado para
diagnosticar a percepção do estado atual do sistema, e no qual as perguntas utilizam o verbo
no modo indicativo (“é/está”); e um modo normativo, para projetar o sistema em sua forma e
funcionamento ideais, conjugando os verbos no modo potencial (“deve ser/deve estar”).
As características do CSH o habilitam como instrumento de intervenção sobre a
realidade, sendo esse seu principal propósito (Ulrich & Reynolds, 2010, p. 250).
Sem embargo, ousamos propor seu uso para analisar o sistema carcerário atual,
interpretando intervenções já realizadas à sua luz.
Figura 2
Nº
questã
o
1
2
3
Análise do sistema carcerário brasileiro à luz do método CSH.
Situação fática (“é”)
Situação desejável (“deve ser”)
Quem é beneficiado pelo sistema carcerário?
Quem deve ser beneficiado pelo sistema
carcerário?
Sujeitos ativos de condutas típicas,
antijurídicas, culpáveis e responsáveis. Ou seja, Sujeitos ativos de condutas típicas, antijurídicas,
aqueles que praticam atos criminosos, sem
culpáveis e responsáveis. Ou seja, aqueles que
amparo de excludentes.
praticam atos criminosos, sem amparo de
excludentes.
Qual é o objetivo do sistema carcerário?
Qual deve ser o objetivo do sistema carcerário?
Segundo a Lei de Execução Penal, o objetivo
O sistema carcerário deve levar os sujeitos
do sistema carcerário é fazer com que o
presos a realizar atividades que os transformem,
indivíduo se transforme e se adapte a conviver
fazendo com que a ressocialização aconteça e
em sociedade. Porém, o que se encontra é um
não mais haja reincidência. Direitos básicos
sistema falido, sem políticas públicas que
devem ser respeitados por meio de políticas
incentivem o processo de desenvolvimento a públicas a serem implantadas pelo Estado ou por
partir das prisões.
organizações não estatais.
Qual é a medida de sucesso do sistema
Qual deve ser a medida de sucesso do sistema
carcerário?
carcerário?
Atualmente, o sistema carcerário não tem sido
O sucesso do sistema carcerário depende do
eficiente, descumprindo suas finalidades
interesso do Estado em elaborar e aplicar
(traçadas pelo Estado por meio de lei). Raros
políticas públicas que promovam o
são os casos em que há sucesso na aplicação
desenvolvimento humano e social na prisão,
de penas privativas de liberdade, sendo que
buscando a ressocialização dos indivíduos
nesses casos, não há perspectivas voltadas ao presos. É preciso que os presidiários não sejam
desenvolvimento humano e social, mas
privados de direitos básicos, tais como acesso à
somente ao desenvolvimento econômico, ligado
saúde, à educação e ao trabalho, como
à iniciativa privada a qual, na maioria das
condições para que haja adaptação em
vezes, é a responsável por proporcionar
sociedade e desenvolvimento social.
trabalho aos detentos.
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6
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10
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Quem está no controle das condições do
sucesso do sistema carcerário?
Quem deve estar no controle das condições do
sucesso do sistema carcerário?
O Estado, apesar de estar com a estrutura
totalmente defasada.
Quais condições de sucesso estão sob o
controle dos usuários do sistema carcerário?
O Estado, com estrutura que garanta aos
internos o gozo de direitos básicos, além de
possibilitar acessos a programas de promoção do
desenvolvimento.
Quais condições de sucesso devem estar sob o
controle dos usuários do sistema carcerário?
Atualmente, é comum que se verifique o
controle do sistema carcerário centralizado em
facções criminosas, ou seja, dos próprios
encarcerados a serviço de organizações
criminosas. Sendo assim, as condições de
sucesso que estão sob o controle dos
encarcerados é, em raríssimas exceções,
propiciar condições de sobrevivência para que
haja ressocialização e desenvolvimento.
Quais condições de sucesso estão fora do
controle dos usuários do sistema carcerário?
Deve haver intensa fiscalização do Estado sobre
organizações criminosas presentes nos
estabelecimentos prisionais, uma vez que
propagam e incentivam o cometimento de crimes
para além dos muros da prisão. Do mesmo
modo, deve haver conscientização e atividades,
por meio de políticas públicas, no sentido de que
os usuários do mencionado sistema sejam
agentes de transformação da própria vida.
Quais condições de sucesso devem estar fora do
controle dos usuários do sistema carcerário?
Estruturas físicas e tratamento por parte dos
funcionários do Estado estão fora de controle
dos usuários do sistema carcerário.
Quem é o provedor de conhecimentos
relevantes e habilidades para o sistema
carcerário?
O controle de organizações criminosas e da
própria instituição criminal devem estar fora do
controle dos usuários.
Quem deve ser o provedor de conhecimentos
relevantes e habilidades para o sistema
carcerário?
O Estado, por meio de órgãos próprios.
O Estado, porém, com aplicação de metodologia
própria para sanar os problemas do sistema
carcerário, sem contar a necessidade de sistema
multidisciplinar de elaboração e aplicação de
políticas públicas que garantam o
desenvolvimento humano e social.
Quais devem ser os novos conhecimentos
relevantes em relação ao sistema carcerário?
Quais são os novos conhecimentos relevantes
em relação ao sistema carcerário?
Os novos conhecimentos relevantes em relação Os novos conhecimentos relevantes ligados ao
ao sistema carcerário é estatístico, revelador de
sistema carcerário devem dizer respeito ao
dados alarmantes, conforme já foi evidenciado
desenvolvimento, sob uma perspectiva
ao longo do trabalho.
multidisciplinar.
O que é considerado como garantia de uma
O que deveria ser considerado como garantia de
implementação bem-sucedida?
uma implementação bem-sucedida?
O cumprimento estrito da lei, colocação de
condenados sob a custódia do Estado, sem, no
entanto, obter resultados satisfatórios.
Quem está representando os interesses
daqueles negativamente afetados, mas não
envolvidos com o sistema carcerário?
A aplicação de políticas públicas aos
custodiados, com vistas ao desenvolvimento
humano e social.
Quem deve estar representando os interesses
daqueles negativamente afetados, mas não
envolvidos com o sistema carcerário?
Entidades ligadas aos direitos humanos.
A sociedade como um todo deve estar envolvida
com a inclusão de ex-encarcerados, bem como
com a questão carcerária do Brasil.
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Quais são as oportunidades para que os
interesses daqueles afetados negativamente
tenham expressão e liberdade, a partir da visão
de mundo subjacente ao sistema carcerário?
Quais devem ser as oportunidades para que os
interesses daqueles afetados negativamente
tenham expressão e liberdade, a partir da visão
de mundo subjacente ao Direito Penal?
Por meio de ação de reparação de danos
quando houver excesso do Estado.
Expressão e liberdade dos afetados deve se
verificar na esfera jurídica e na esfera social.
Esta última deve ter caráter preventivo, de modo
a incluir sujeitos, conferindo-os direito de
existência.
Qual espaço deve estar disponível para a
reconciliar diferentes visões de mundo acerca do
sistema carcerário, entre os envolvidos e os
afetados?
Qual espaço está disponível para reconciliar
diferentes visões de mundo acerca do sistema
carcerário, entre os envolvidos e os afetados?
A reconciliação entre as diferentes visões de
mundo se dão, basicamente, no universo
As diferentes visões de mundo devem ser
jurídico. Há, atualmente, a justiça clandestina,
reconciliadas em dois âmbitos. No que toca à
na qual o homem livre, envolvido em algum tipo prevenção de crimes, deve ser o espaço social
de guerrilha urbana, se sente no direito de fazer
aquele destinado à inserção de indivíduos,
justiça com as próprias mãos, como é o caso
visando à sua inserção social. Já a repressão de
das organizações criminosas envolvidas com
crimes deve ocorrer na forma da lei, na Justiça,
tráfico de drogas.
jamais no espaço social.
Fonte: Ulrich e Reynolds (2010) – perguntas, respostas pelos autores do artigo, com base
nas exposições feitas.
Considerações Finais
Concluídas as exposições teóricas, é necessário traçar as principais considerações
sobre o que foi verificado.
A realidade das prisões traçadas pelos dados do InfoPen e os estudos empíricos
trazidos a este trabalho mostram que o sistema carcerário, na maioria dos casos, não
possibilita o desenvolvimento humano e social.
A exposição feita neste artigo sobre o desenvolvimento humano e social tomou como
exemplo o trabalho. Verificou-se que a Lei de Execução Penal dispõe que o trabalho deve ser
meio para a readaptação dos encarcerados à sociedade, servindo como meio para se alcançar
a dignidade além dos muros.
Entretanto, segundo os estudos empíricos apresentados, verificou-se que, apesar de
alguns estabelecimentos de detenção brasileiros empreenderem esforços para oferecer frentes
de trabalho aos encarcerados, não existem diretrizes que confiram ao trabalho realizado o
significado de transformação.
10º Congresso Brasileiro de Sistemas 21
A visão de desenvolvimento de Amartya Sen (2012), como foi visto, é no sentido de
que o desenvolvimento depende de oportunidades e liberdades conferidos aos indivíduos para
que tenham a vida que desejam.
Nesse sentido e de acordo com os dados do trabalho, verifica-se que há cerceamento
do direito ao desenvolvimento na prisão, uma vez que deixa-se de conferir oportunidades e
liberdades aos indivíduos para que os encarcerados possam escolher aquilo que querem ser,
dentro da legalidade.
A ausência de direitos importantes, tais como saúde, educação e, de um modo geral,
dignidade, torna a prisão um depósito de pessoas, o que afeta diretamente a sua objetividade,
ou seja, reflete nas emoções, no comportamento, nas percepções, nas relações sociais, nos
sentimentos etc.
Sob esta realidade, o processo de reinserção social fica prejudicado, haja vista o
preconceito que macula a imagem dos ex-encarcerados, impossibilitando-os, por exemplo, de
conseguirem emprego ou ter uma vida mais digna além dos muros da prisão.
Isso mostra que o desenvolvimento humano não é viabilizado no âmbito prisional,
porque os meios promotores da ampliação das capacidades humanas são escassos e limitados,
fazendo com que os ex-encarcerados não tenham condições de escolher a vida que querem
viver após a libertação.
O desenvolvimento social, enquanto fruto do desenvolvimento humano não é
viabilizado, ou seja, não há que se falar em desenvolvimento social quando o
desenvolvimento humano não é possibilitado.
Utilizando-se o método de análise Critical System Heuristics (CSH), verificou-se que
é necessário participação mais ativa do Estado e de entidades não estatais para que seja
garantido ao indivíduo preso o direito de se desenvolver. É necessário que haja adaptação à
sociedade para a convivência de modo digno (Figura 2).
10º Congresso Brasileiro de Sistemas 22
Nessa esteira, Kliksberg (2010) entende que é preciso que os países mais violentos da
América Latina iniciem uma gestão mais eficiente de questões ligadas à criminalidade, sem
influência de mitos. Estes são enumerados da seguinte forma: o problema da criminalidade
somente pode ser solucionado com a política da mão firme; países desenvolvidos aplicam
esta política; as causas da criminalidade são pouco conhecidas; o enfoque nas áreas essenciais
de jovens sujeitos à criminalidade somente produz resultados em longo prazo.
Kliksberg (2010), como solução, diz que é preciso ir além do aprimoramento das
forças policiais. Para ele, é preciso adotar uma lógica integral pensada a partir da capacidade
social de garantir o bem-estar dos indivíduos, separando os diversos tipos de violência e
compreender a criminalidade epidêmica entre jovens, relacionada a vários tipos de pobreza,
falta de oportunidades e exclusão. Para isso, é necessário que haja um pacto social de
enfrentamento da criminalidade por meio de mecanismos que reforcem a ideia de inclusão e
proteção social, envolvendo a criação de oportunidades por meio de políticas públicas.
Porém, vale ressaltar que isto não é responsabilidade somente do Estado, mas também da
iniciativa privada e da sociedade civil.
10º Congresso Brasileiro de Sistemas 23
Referências
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Notas
1
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3
Mapa
da
Violência.
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em
28
de
setembro
de
2013
de
http://mapadaviolencia.org.br/pdf2013/mapa2013_homicidios_juventude.pdf.
4
Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen). Recuperado em 28 de setembro de 2013
de
http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRNN.
htm.
5
RedSig, que significa “rede de significações”, é método que requer perspectiva teórico-metodológica
que revê as metodologias já existentes. Sob a ótica da RedSig, o desenvolvimento humano é concebido como
uma rede de elementos complexos ligados à matriz sócio-histórica, de natureza semiótica, interagindo dialógica
e dialeticamente. Os significados que emergem desta interação determinam as matrizes do desenvolvimento.
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