Arte como forma de resignificação da memória.docx
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Annick Magnus Matalon Pereira Leite 2ºano C Espanhol e cultura argentina 3º Trimestre 2014 Arte como forma de resignificação da memória história da ultima ditadura argentina, do processo de redemocratização e da reconstrução de uma memória coletiva como forma de superação de uma sociedade traumatizada. " Sentado al borde de una silla desfondada, mareado, enfermo, casi vivo, escribo versos previamente llorados por la ciudad donde nací. Hay que atraparlos, también aquí nacieron hijos dulces míos que entre tanto castigo te endulzan bellamente. Hay que aprender a resistir. 1 Ni a irse ni a quedarse, a resistir, aunque es seguro que habrá más penas y olvido." Juan Gelman ( Reconhecido poeta argenino exilado por 12 anos pela ditadura, que teve seu filho e sua nora grávida como constituíntes da multidão de desaparecidos do regime militar) Argentina - história do golpe de Estado de 1976-1983 Para implantar um novo modelo econômico-social no país, foi necessário aplicar um plano repressivo sistemático que destruísse com todas as formas de organização política que estavam se formando. O suporte ideológico deste plano foi constituído pela chamada "Doutrina de Segurança Nacional", que representou a "justificativa" mais apropriada para o contexto histórico criado. Essa doutrina foi elaborada pelo Pentágono (EUA) e aplicada em toda a América Latina. Pela Doutrina está posto que a defesa da “segurança da nação” se encontraria ameaçada permanentemente pela infiltração de elementos que buscariam a destruição do” modo de vida democrático" e da "tradição ocidental e cristã”. Sob este postulado se procedeu a tentativa de extermínio de toda forma de resistência na América Latina. Entre os anos de 1950 e 1975, os militares latino-americanos foram formados em distintas instituições educativas militares norte americanas, ali foram ensinados cursos sobre tortura, interrogatórios, inteligência e treinamento militar contra os insurgentes. O objetivo era proteger aos interesses norte americanos no continente e interferir naqueles países cujos movimentos políticos constituíam um obstáculo para o avanço de seus propósitos. 2 Declarado o Estado de Sítio, se suspendeu toda atividade política, se removem os membros do Poder Judicial Nacional, Provincial e Municipal. A junta militar proibiu tanto a realização de reuniões e manifestações em vias públicas, como a divulgação de notícias ou imagens que prejudicassem a atividade e imagem das Forças Armadas, de Segurança ou Policiais. Durante a ditadura, as Forças Armadas anunciaram, como medida imediata de política interna, a modificação das leis e o controle dos meios de comunicação para que servissem aos fins estabelecidos pelo terrorismo do Estado. A circulação da imprensa política desapareceu junto com as garantias constitucionais. As rádios e estações de televisão, por meio de seus auditores, assim como os meios gráficos através de seus editoriais, se puseram a serviço da desinformação e da propaganda oficial para legitimar o genocídio. Operações de invasão de domicílios eram recorrentes, operadas por grupos especiais que, contando com a colaboração da polícia, declaravam "zona liberada", invadiam violentamente e realizavam sequestros clandestinos. Estas invasões buscavam gerar um sentimento de terror nas vítimas, e intimidar qualquer possível testemunha do fato. O sequestro, a reclusão, o desaparecimento de pessoas e a negação oficial de reconhecer a responsabilidade das instituições intervencionistas, configuram a clandestinidade e impunidade com que agiram as Forças Armadas durante a ditadura. A perseguição dos trabalhadores foi aplicada sistematicamente desde o começo da ditadura, convertendo os locais de trabalho em zonas militarizadas. Mais de 360 centros clandestinos de detenção funcionaram em todo o país. As autoridades oficiais negavam a sua existência e o destino dos sequestrados em frente aos requerimentos judiciais de familiares e organismos internacionais. A apropriação de menores durante o terrorismo do Estado foi planejada sistematicamente e pensada para apagar toda a presença da luta de uma geração e constitui mais uma parte da aplicação da Doutrina de Segurança Nacional. 3 Desde 1977, as “Avós da Praça de Maio" buscam a seus netos desaparecidos. Se estima que aproximadamente 500 jovens foram privados de sua identidade e do direito de viver com suas famílias, a busca ainda continua. Enquanto existir uma só pessoa com a identidade alterada, se põe em questão a identidade de toda uma geração. A reconstituição da identidade é indispensável para reconstrução da verdadeira história do povo argentino. Entre 1973 e 1988 se contabilizaram mais de 10.000 presos políticos e 30.000 desaparecidos. Alojados em cárceres de máxima segurança e submetidos a múltiplas torturas. Alguns foram fuzilados com a justificativa de que haviam tentado fugir, outros foram sequestrados ao sair da prisão e ainda permanecem desaparecidos. E apesar de ter sido liberado, em 1988, o último preso político da ditadura, ainda se aplicam condenações por razões políticas, mesmo se tratando de um Estado democrático. O número de desaparecidos é assustador, e de fato evitavam a reação da sociedade, pois o desaparecimento não gera o mesmo impacto que o fusilamento. O estado de exceção configurou um sistema de violência sistemática e desrespeito aos mais elementares Direitos Humanos, que são inerentes a todas as pessoas, pelo simples fato de sua condição humana, para a garantia de uma vida digna, independente de sua condição social, raça, sexo, etnia ou nacionalidade. O Estado, em suas diversas expressões, está obrigado a garantir a plena vigência dos direitos humanos e a reparação dos danos causados, nos casos de sua violação. 4 Recuperação de um Estado Democrático de Direito Chegada à democracia em 1983, se fez necessário encontrar uma explicação frente aos atos. Algumas teorias apresentadas se enquadram dentro de um mecanismo de negação ao sucedido, aonde a sociedade não se aceita como criminosa e nega sua responsabilidade, justificando seus atos como combate ao terrorismo da extrema esquerda. Mas na realidade, não é possível sugerir a existência de uma “guerra” simétrica entre uma fração da sociedade e o aparato militar do Estado, com toda sua magnitude. Pós-ditadura, o governo constitucional submeteu a julgamento as juntas militares, no entanto, a pressão exercida por levantamentos militares impulsionaram a sanção das denominadas “leis de impunidade”, que basicamente tornavam os agentes do terrorismo de estado impunes, como a Lei da Obediência Devida (23.521) que estabelecia que oficiais, subalternos e pertencentes a tropa das Forças Armadas, de Segurança, Policiais, Penitenciarias, não eram passíveis de punição em virtude de terem agido sob ordens superiores Na Argentina, logo após o final da ditadura, houve um julgamento dos generais-presidentes e a criação da CONADEP (Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas) representando uma política de punição exemplar, mas, por outro lado, tendo em vista a pressão militar, houve também, posteriormente, o "perdão" aos militares sob a alegação do "dever" de obediência, representando a acomodação política. Só em 2003 foi que houve a revogação dessas leis de impunidade, mas a questão das punições continua uma discussão em aberto. Essa situação se repete em diversos outros países latino-americanos, e caracteriza a democracia pós regimes militares. Muitos destes países mantém ativas comissões em prol da defesa dos direitos humanos e em busca de uma ressignificação da memória coletiva de um período. A importância da ressignificação da memória Os organismos de direitos humanos, surgidos durante a ditadura, impulsionaram a criação de um projeto de recordação e homenagem, um Parque da memória contendo um monumento com os nomes dos assassinados e desaparecidos do regime, fazendo com que deixassem de ser somente números, e que fosse reconstituída a identificação dessas vitimas. Então, em 1998, em uma ação conjunta das organizações de direitos humanos, a Universidade de Buenos Aires e o poder Executivo e Legislativo, foi criado o Parque da Memoria, um monumento as vítimas do terrorismo do Estado, após a promulgação da lei 46 do Legislativo da Cidade Autônoma de Buenos Aires. 5 Este local de memória não tem a intenção de fechar feridas nem representar a verdade e a justiça, mas sim tornar-se um lugar de memória, tributo, testemunho e reflexão através da difusão e promoção das informações históricas de um passado recente. Para tais fins, houve uma reconstituição, recuperação e registro de documentações públicas e privadas (textos, fotografias, desenhos, cartas) abarcando o período de 1969-1983. Também foi criada a possibilidade de realização de consultas sobre as vítimas incluídas no Monumento, através de um banco de dados, que contém informações relativas a vida e as circunstancias da desaparição e/ou assassinato destas. "No olvidamos No perdonamos No nos reconciliamos Exigimos juicio y castigo Sin julio lopes No hay nunca mas!!! Autor desconhecido Hoje em dia, a sociedade continua em busca por verdade sobre o destino final dos desaparecidos e exige que a justiça condene os culpados destes crimes contra a humanidade, que consistem em atos criminais cometidos pelo Estado como parte de um ataque generalizado ou sistemático contra uma população civil. (assassinato, desaparição forçada de pessoas, escravidão, perseguição política, tortura, encarceramento com violações as garantias, deportação forçada, entre outros reconhecidos como inaceitáveis para a justiça internacional). São imprescritíveis, o que significa que estes crimes podem ser tratados e julgados em qualquer momento, independente dos prazos legais e de quando se tenha cometido o delito, diferente dos delitos comuns que tem tempos limites para julgá-los. O país ainda sofre com as consequências econômicas, sociais, culturais e psicológicas das políticas adotadas durante o Estado de exceção. Recordar é um processo de aprendizagem, um fenômeno cultural expressado por indivíduos de um grupo determinado. A importância fundamental do ato de recordar vem do seu poder de definir a identidade e a conduta de um povo, pois a memória tem efeitos atuais e determina um futuro. Recordar é preciso. O muro de silêncio imposto pela ditadura já vem sendo rompido por organizações de direitos humanos, mantendo viva a memória coletiva, relembrando de todos aqueles nomes que o Estado Militar tentou apagar, e garantindo que as 6 gerações atuais e futuras tenham contato e consciência do horror cometido, de forma a garantir que o ocorrido nunca mais se repita. O propósito e a finalidade da presença de manifestações artísticas no Parque, como formas de ressignificação mais efetiva de uma memória, vem da sua capacidade de se transformar em uma interprete cultural de necessidades e demandas sociais, cria uma visibilidade para o que permanece socialmente invisível. A arte é um campo de conhecimento humano portanto um campo de comunicação, principalmente quando exposta em um espaço urbano, tendo uma capacidade de impacto, representação e transcendência neste espaço público. O desafio da arte, neste caso, é produzir espaços simbólicos na cidade, locais de encontro, que manifestem ideias de democracia e liberdade, sendo também locais de intercâmbio social e da memória. A Memória, neste parque, e no contexto pós ditadura, não guarda as representações do passado intactas, mas constrói representações em relação ao presente que apontam para um projeto de futuro, fazendo com que, neste caso, essa recordação seja uma etapa necessária para a superação social deste trauma que foi a ruptura constitucional. Só existe vida social se há uma construção de um conjunto de recordações coletivas que constituem uma condição indispensável para a existência destes grupos. A responsabilidade da arte está justamente em dar conta de construir essas representações simbólicas, relembrando um passado mas dando abertura a um futuro, e a dificuldade disso está em como representar algo que é irrepresentável ? e como carregar a responsabilidade de construir a memória social de um coletivo de pessoas pertencentes a uma geração que foi em parte exterminada? Ainda não se encontram respostas objetivas a essas questões, só poderão ser respondidas depois da analise dos reflexos futuros dessas iniciativas nas sociedades traumatizadas, porém é certo que, em conjunto com ações deste gênero, sejam combatidas as outras formas em que a ditadura se mantêm viva na sociedade tida como democrática. Referências Bibliográficas http://www.espacoacademico.com.br/059/59priori.htm http://anphlac.fflch.usp.br/redemocratizacao-apresentacao http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/25637/000754881.pdf?sequence=1 http://www.iela.ufsc.br/uploads/docs/100_20070327_walsh.pdf 7