(Caretta Caretta) imaturas no sul do brasil

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(Caretta Caretta) imaturas no sul do brasil
III Congresso Brasileiro de Oceanografia – CBO’2010
Rio Grande (RS), 17 a 21 de maio de 2010
DIETA DE TARTARUGAS-CABEÇUDAS (CARETTA CARETTA) IMATURAS
NO SUL DO BRASIL: COMPOSIÇÃO, ASPECTOS NUTRICIONAIS E
RESÍDUOS SÓLIDOS ANTROPOGÊNICOS
1,2
1
1
1
1
Barros, J. A. ; Monteiro, D. S. ; Estima, S. C. ; Duarte, D. L. V. ; Sassi, B. ; Secchi, E. R.
1
2
2
Núcleo de Educação e Monitoramento Ambiental – NEMA. Maria Araújo 450 Rio Grande-RS. Laboratório de
Tartarugas e Mamíferos Marinhos – FURG. [email protected]
RESUMO
Conteúdos gastrointestinais de 35 tartarugas-cabeçudas (CCC médio = 58,5 cm) capturadas
incidentalmente na pescaria com espinhel pelágico nas áreas oceânicas do Sul do Brasil, entre
2007 e 2009, foram analisados. Os itens alimentares encontrados representaram 24 taxa.
Salpas e pirossomos são itens importantes na dieta da tartaruga-cabeçuda e apresentaram
baixos valores energéticos, principalmente quando comparados com a isca do espinhel
pelágico. A frequência dos resíduos sólidos antropogênicos foi alta (91,43%) e apresentaram
um volume médio de 7,06 ml (± 9,46) e representaram 1,84% do conteúdo gastrointestinal das
tartarugas-cabeçudas oceânicas.
Palavras chave: Tartaruga marinha; alimentação.
INTRODUÇÃO
A tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta) é uma espécie ameaçada de extinção (IUCN,
2009). No sul do Brasil, C. caretta é encontrada em habitats oceânicos no estágio de juvenil,
frequentemente capturada na pescaria de espinhel pelágico (MONTEIRO, 2008).
Esta espécie apresenta uma dieta carnívora durante toda a sua vida. Nos estágios
iniciais e de juvenil, durante a fase pelágica, se alimentam de itens plantônicos, como salpas,
pirossomos e heteropodas em habitats oceânicos (PARKER et al., 2005). Juvenis pelágicos
são frequentemente expostos a resíduos sólidos antropogênicos quando se alimentam
(BJORNDAL, 1997).
Assim como a captura incidental na pescaria de espinhel pelágico, a poluição marinha
também é apontada como uma das principais ameaças às tartarugas marinhas. Estudos sobre
a ingestão de resíduos sólidos por tartarugas marinhas são escassos no Brasil e referem-se
exclusivamente à tartaruga-verde (BUGONI et al., 2001). Porém, o conhecimento deste
impacto é muito importante, já que a conservação dos habitats de alimentação é considerada
uma medida prioritária para o manejo de populações e sobrevivência das tartarugas marinhas
(BJORNDAL, 1999). As áreas oceânicas, no extremo sul do Brasil, são de grande importância
para a tartaruga-cabeçuda (SOARES, 2005; SALES et al., 2008).
O presente estudo tem como objetivo caracterizar a dieta da fase oceânica da
tartaruga-cabeçuda no sul do Brasil, determinar o valor nutricional dos itens mais importantes
da dieta e quantificar a ingestão de resíduos sólidos.
METODOLOGIA
Foram coletados espécimes mortos de C. caretta a partir de capturas incidentais na
pesca de espinhel pelágico que ocorre na plataforma continental e talude do sul do Brasil. As
coletas ocorreram entre 2007 e 2009.
Para cada espécime coletados, mediu-se o comprimento curvilíneo da carapaça (CCC),
segundo BOLTEN (1999) e analisou-se o conteúdo gastrointestinal, desde o esôfago até a
porção final do intestino grosso. O conteúdo foi dividido em itens e classificado como matéria
orgânica e material de origem antropogênica.
Os itens alimentares foram identificados ao menor táxon possível e os resíduos
antropogênicos foram classificados em diferentes tipos. Ambos foram quantificados pelo
volume (ml) e alguns itens (salpas, pirossomos e lulas) foi obtida a massa úmida. Para todos os
itens foi determinada a frequência de ocorrência. A importância dos itens na dieta foi calculada
a partir do volume relativo (VR%), frequência de ocorrência (FO%), e índice de importância
relativa (IIR%) (PINKAS et al., 1971) modificado, onde não foi incluída a porcentagem
numérica, pois animais coloniais fazem parte da composição da dieta.
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Determinou-se a composição proximal e o conteúdo energético para as principais
presas da tartaruga-cabeçuda. Em áreas oceânicas no sul do Brasil, foram coletados
pirossomos e salpas, durante cruzeiro de pesquisa. Não foi possível determinar a espécie
desses taxa, assim como na dieta. Para estes organismos foram obtidos os conteúdos de
umidade, proteínas, lipídeos e cinzas. O valor energético foi obtido indiretamente, utilizou-se o
coeficiente de Rubner para organismos marinhos: 9,5 kcal g–1 para lipídeos e 5,65 kcal g–1
para proteínas (WINBERG, 1971) e expressos em kJ g-1 (massa úmida).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram analisados 35 tratos gastrointestinais de tartarugas-cabeçudas, com CCC médio
de 58,5 cm (± 4,6). Todos os tratos gastrointestinais continham itens alimentares com um
volume médio de 376,51 ml (DP = 710,33) e que representaram 24 taxa pertencentes a cinco
filos.
Salpas foram o item mais frequente, seguido de pirossomas, Lepas ssp. e o molusco
pteropoda Cavolinia uncinata (Tab. 1). Pirossomas também foram itens bastante frequentes na
dieta de C. caretta no Pacífico Norte central (PARKER et al., 2005) e Uruguai (SOUZA, 2009).
As salpas apresentaram a importância relativa mais alta (63,83%), seguido pelos
pirossomos (26,48%). O volume relativo das salpas representou 52,5% do conteúdo alimentar,
enquanto que pirossomos representaram 27,22%. SOUZA (2009) também encontrou salpas
como o item mais importante e com maior volume relativo na dieta das tartarugas-cabeçudas
no Uruguai, porém siphonophora foi o segundo tipo de presa com maior IIR.
Tabela 1. Volume relativo (VR%), frequência de
ocorrência (FO%) e índice de importância relativa
(IIR%) dos itens alimentares encontrados nos
tratos gastrointestinais da tartaruga-cabeçuda na
fase oceânica no Rio Grande do Sul entre os
anos de 2007 a 2009
Itens Alimetares
Salpas
Pyrossomidae
Lepas sp.
Sargassum sp.
Cavolinia uncinata
Macrocystis pyrifera
Janthina janthina
Portunus spinimanus
Aequorea sp.
Atlanta sp.
Crassatela riograndensis
Diacria rampali
Siphonophora
Ovos de peixes
Hyperideo
Portunidae
Gelatinosos NI
Peixe NI
Não identificado
VR%
52,50
27,22
0,84
0,81
0,28
1,00
0,02
0,36
0,51
0,04
0,11
0,04
0,06
0,20
0,01
0,41
9,31
1,11
4,60
FO%
71,43
57,14
45,71
14,29
40
8,57
11,43
8,57
5,71
22,86
2,86
14,29
5,71
2,86
8,57
8,57
34,29
5,71
34,29
IIR%
63,83
26,48
0,66
0,20
0,19
0,15
0,06
0,05
0,05
0,02
0,01
0,01
0,01
0,01
0,00
0,06
5,43
0,11
2,68
Tabela 2. Valor energético de alguns itens
alimentares consumidos pela tartaruga-cabeçuda
no sul do Brasil.
Itens Alimentares
Valor energético (KJ/g)
Salpas
0,37
Pirossomos
0,95
Illex argentinus*
* Valor retirado de EDER & LEWIS (2005)
6,42
Salpas e pirossomos apresentaram um valor energético baixo, principalmente quando
comparados com a lula (I. argentinus) (Tab. 2). Illex argentinus é a isca do espinhel pelágico e
estavam presente em todos os tratos gastrointestinais. Quando as lulas são incluídas na
análise da dieta, representam 24,94% do volume relativo e parecem ser um grande aporte de
energia para estes animais. Indivíduos de C. caretta são capturados por consumir as iscas
presas aos anzóis (WITZELL, 1999), porém podem estar se alimentado destas iscas sem que a
captura aconteça.
Além da captura incidental em espinhel pelágico, a ingestão de resíduos sólidos
também parece ser um problema para as tartarugas-cabeçudas que habitam as áreas
oceânicas do sul do Brasil. Estes apresentaram um volume médio de 7,06 ml (± 9,46) e
representaram 1,84% do conteúdo gastrointestinal das tartarugas-cabeçudas oceânicas. A
frequência de ocorrência foi extremamente alta (91,43%). O tipo de resíduo mais comumente
encontrado foi o plástico mole (FO = 77,14%), seguido do plástico duro (FO = 51,43%) e
madeira (FO = 17,14%).
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Salpas são um importante recurso alimentar das tartarugas-cabeçudas quando em
habitats oceânicos. Talvez seu baixo valor energético seja compensado com a grande
quantidade ingerida. A alimentação oportunista da tartaruga-cabeçuda em sua fase juvenil
oceânica torna a espécie muito suscetível a captura incidental em espinhel pelágico. A lula
(isca) parece ser um item alimentar importante, embora oportunista, principalmente pelo grande
volume e os altos valores energéticos relativos.
AGRADECIMENTOS
Ao CNPq, ao mestre Celso, Observadores de bordo, Projeto TAMAR, Laboratórios de
Malacologia (MO), Tecnologia de Alimentos (LTA) e Zooplâncton da FURG e Projeto Cetáceos
do talude FURG/Chevron Brasil.
REFERÊNCIAS
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