análise de conjuntura temas de economia aplicada

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análise de conjuntura temas de economia aplicada
Nº 335 Agosto / 2008
FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS
issn 1234-5678
análise de conjuntura
Em Nota de Conjuntura, Carlos Eduardo Gonçalves afirma que a inflação
começa a recuar, mas ainda é cedo para apostar em reversão
de curso na política monetária.
Simão Davi Silber analisa a trajetória recente do setor externo brasileiro e o
desempenho do balanço de pagamentos do País, à luz da
conjuntura internacional atual.
José Francisco de Lima Gonçaslves apresenta as motivações do COPOM para a
manutenção da trajetória de alta da taxa Selic (13,75%) e seus
desdobramentos para o crescimento econômico brasileiro.
temas de economia aplicada
Otaviano Canuto discute os potenciais impactos do processo de “late
securitization” para as microfinanças e para a melhora do padrão de vida
das camadas mais pobres da América Latina.
Tomas Palley destaca os aspectos estruturais da recente bolha financeira e aponta
o caráter conservador da “regulação” que “amenizou” os desdobramentos da crise.
Jaqueline Maria de Oliveira analisa, para o Brasil, os desdobramentos da redução
dos tamanhos da classe e ampliação da jornada escolar no rendimento escolar.
Emilio Chernavsky investiga o canal de custos na transmissão da política
monetária e seus impactos sobre a relação entre taxa de inflação e taxa de juros.
Julio Lucchesi Moraes discute, em último artigo da série, a convergência regional
entre as cidades de São José do Rio Preto e Ribeirão Preto, com base no IPC-R
e o processo inflacionário automotivo.
Diva Benevides Pinho investiga a relação entre as preferências do mercado
consumidor de pinturas e a produção destas obras de arte.
Nº 335
AGOSTO DE 2008
INFORMAÇÕES FIPE É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL
DE CONJUNTURA ECONÔMICA DA FUNDAÇÃO
ANÁLISE DE CONJUNTURA
issn 1234-5678
nota de conjuntura .......................................................................................................... 3
Carlos Eduardo Gonçalves
setor externo ..................................................................................................................... 5
Simão Davi Silber
CONSELHO CURADOR
Hélio Nogueira da Cruz (Presidente)
Andrea Sandro Calabi
Juarez B. Rizzieri
Joaquim José Martins Guilhoto
Ricardo Abramovay
Simão Davi Silber
Vera Lucia Fava
política monetária ........................................................................................................... 7
José Francisco de Lima Gonçalves
DIRETORIA
TEMAS DE ECONOMIA APLICADA
9
..................................................................... late securitization and micro-insurance
Otaviano Canuto
DIRETOR PRESIDENTE
Carlos Antonio Luque
DIRETOR DE PESQUISA
Eduardo Haddad
13 ................................................................................................. scapegoating regulation
Thomas Palley
15 ..... custo efetividade de políticas de redução do tamanho da classe e ampliação
da jornada escolar: uma aplicação de estimadores de matching
Jaqueline Maria de Oliveira
DIRETOR DE CURSOS
Cicely M. Amaral
PÓS-GRADUAÇÃO
23 ....................... nota sobre o canal de custos na transmissão da política monetária
Emilio Chernavsky
26 ............... índices de preços regionais e inflação automotiva: privação material e
convergência regional
Dante Mendes Aldrighi
SECRETARIA EXECUTIVA
Domingos Pimentel Bortoletto
Julio Lucchesi Moraes
30 ............................................................................ quais as pinturas “mais desejadas”?
PReparação de originais e revisão
Alina Gasparello de Araujo
Diva Benevides Pinho
EDITOR CHEFE
Gilberto Tadeu Lima
CONSELHO EDITORIAL
Ivo Torres
Lenina Pomeranz
Luiz Martins Lopes
José Paulo Z. Chahad
Maria Cristina Cacciamali
Maria Helena Pallares Zockun
Simão Davi Silber
AS IDÉIAS E OPINIÕES EXPOSTAS NOS ARTIGOS SÃO DE RESPONSABILIDADE
EXCLUSIVA DOS AUTORES, NÃO REFLETINDO A OPINIÃO DA FIPE
ASSISTENTE
Maria de Jesus Soares
PROGRAMAÇÃO VISUAL E COMPOSIÇÃO
Sandra Vilas Boas
análise de conjuntura
Carlos Eduardo Gonçalves (*)
a inflação começa a amolecer,
mas os juros devem subir mais
Uma saraivada de dados de inflação, divulgados nas
últimas semanas, aponta todos na mesma direção de
acomodação das pressões. As expectativas declinaram (ver gráfico a seguir), os preços das commodities
sofreram expressiva queda, o índice de difusão (que
mede a generalização da alta de preços) retraiu-se e,
por fim, a inflação dos itens menos voláteis recuou
– sinalizando a consistência do processo. Em suma,
o pior da alta dos preços parece ter ficado para trás,
ensejando a natural pergunta: deve o BC seguir apertando a política monetária?
gráfico – expectativas Focus
6.3
6.45
12 meses
2008
(Variação %)
5.8
5.3
agosto de 2008
6.8
5.34
4.8
4.3
3.8
3.3
nov/06
jan/07
mar/07 mai/07
jul/07
set/07
nov/07
jan/08
mar/08 mai/08
jul/08
3
O mais provável é que o aperto continue, possivelmente com mais um aumento de 75 pontos-base seguido
de outros dois de 50 pontos. Esta conjetura tem raízes
nos seguintes pontos:
Apesar de os preços de bens comercializáveis terem
recuado, os dados de atividade seguem indicando um
hiato do produto positivo (isto é, demanda mais forte
que oferta), que é sinal de pressão futura nos preços,
principalmente dos itens não-comercializáveis.
agosto de 2008
O BC, no jogo de queda-de-braço com a Fazenda,
aventou com toda a clareza seu objetivo de trazer o
IPCA para 4,5% já no apagar das luzes do próximo
ano. Dado ser muito improvável que a inflação feche
2008 abaixo de 6%, o objetivo para 2009 demandará
continuada rigidez na condução da política monetária.
Concluindo, o mais provável neste momento é que os
juros sigam em alta.
1 As opiniões contidas nesta nota são de responsabilidade do
autor, mas também expressam as opiniões apresentadas nas
reuniões do Grupo de Conjuntura da FIPE.
A atividade econômica segue forte, o que enfraquece
a sonoridade dos queixumes contra o arrocho monetário vigente.
Por fim, é importante ressaltar que devido aos enormes IGPs de 2008, os preços dos itens administrados
no ano que vem não vão ajudar o BC como neste
ano.
O que pode mudar este quadro de continuísmo do
aperto monetário? Primeiramente, um declínio adicional nos preços das commodities – o que a propósito seria
bem prejudicial ao crescimento da economia, apesar
de seu efeito profilático em relação à inflação. Segundo, um plano consistente de aperto fiscal, enxugando
a contribuição do governo para a demanda agregada.
É verdade que os dados relativos ao crescimento dos
gastos públicos do primeiro semestre surpreenderam
4
positivamente ao ficarem abaixo da expansão do PIB.
Mas a perenidade do fenômeno não está absolutamente garantida, dado que muitos aumentos salariais
já aprovados no Congresso se materializarão alguns
trimestres à frente, e dado que a moderação registrada
não foi fruto de um plano deliberado de ajustamento
fiscal de longo prazo.
(*) Professor do Departamento de Economia da FEA-USP e
Economista do Grupo de Conjuntura da Fipe.
(E-mail: [email protected]).
Simão Davi Silber (*)
setor externo
Dada a interdependência das economias nacionais,
as mudanças recentes que estão ocorrendo nos países
industrializados já estão afetando a trajetória do setor
doze meses encerrados em julho de 2008, a inflação na
União Européia estava situada no patamar de 4,1%, o
dobro da meta do Banco Central Europeu, enquanto
externo da economia brasileira e deverão influenciar
o desempenho do balanço de pagamentos do País nos
próximos anos. As informações divulgadas até agosto
de 2008 dão uma indicação cada vez mais clara de que
as economias dos países desenvolvidos estão passando
por um processo de redução do nível de atividade
econômica, caminhando em direção à recessão. A
economia da União Européia teve no segundo trimestre uma queda no PIB de 0,2%, a economia japonesa
teve uma contração de 0,6% no mesmo período e a
economia americana teve crescimento nulo.
nos Estados Unidos a inflação atingiu 5,6% e no Japão
1,9%. Com exceção do Banco Central Europeu que
tem mantido juros básicos mais elevados (4,25% ao
ano), Estados Unidos e Japão estão dando prioridade
à defesa do nível de atividade econômica e o emprego
com juros menores, respectivamente de 2% e 0,5% ao
ano. Mesmo com juros menores, o efeito do aumento
da taxa de inflação, da crise de crédito e a queda de
preço dos imóveis e ações tem sido dominante sobre
a demanda agregada, fazendo com que os impulsos
monetários e fiscais não sejam suficientes para evitar
a recessão nos países ricos.
Nos próximos trimestres teremos um teste importante
se efetivamente os países em desenvolvimento conseguiram ou não se desacoplar dos ciclos das economias
dos países desenvolvidos. Pelas informações disponíveis para 2007, o PIB da União Européia, Estados
Unidos e Japão conjuntamente representavam 56%
do PIB mundial e a probabilidade de uma retração
de demanda nessas regiões afetar o desempenho das
economias em desenvolvimento é muito alta. Particularmente para o Brasil, onde o superávit comercial
tem uma dependência forte do preço de commodities, os
efeitos poderão ser significativos. Os resultados ainda
não se materializaram sobre o balanço de pagamentos,
mas o que aconteceu em agosto com a queda de preços
de importantes produtos exportados pelo País já é um
prenúncio dos problemas que poderão ocorrer ainda
este ano e se estender até 2009.
nas bolsas mundiais. Adicionalmente, o crescimento
acelerado da economia mundial no período 2003-2007,
associado a problemas de oferta de commodities, elevou
o patamar da taxa de inflação mundial. Nos últimos
No primeiro semestre de 2008, houve uma mudança
importante no comportamento das contas externas
do país: de um lado houve uma redução do superávit
agosto de 2008
Existem vários fatores para explicar essa mudança de
rumo da economia mundial: em primeiro lugar, a ampliação da crise imobiliária dos Estados Unidos, Reino
Unido, Espanha e Irlanda para a retração generalizada
na atividade de crédito está reduzindo o dinamismo
da economia dos países desenvolvidos. Até agora não
se sabe ao certo se a fase mais aguda da crise do subprime está ultrapassada. Quando se acreditava que as
medidas de estimulo monetário e fiscal na economia
americana e européia poderiam ter eliminado o pior
da crise, eclodiu o problema das duas agências que
financiam hipotecas e são a espinha dorsal do sistema
americano (Fannie Mae e Freddie Mac). A solvência
dessas duas agências está em risco e a possível intervenção do governo estatizando as agências aumentou
a volatilidade do mercado financeiro internacional nos
meses de julho e agosto. Um indicador dessa volatilidade foi a forte oscilação e queda de preço das ações
5
comercial e do outro se acentuou uma entrada maciça
de capital financeiro. Explicam essas mudanças a forte
expansão do nível de atividade econômica no país, a
sistemática apreciação da taxa de câmbio e uma taxa
de juros interna elevada, suficiente para atrair capitais
externos através de arbitragem internacional de juros.
Em termos de taxas anualizadas, a crescimento do
PIB está em 5,8% ao ano e o crescimento da produção
industrial se situa no patamar de 7,2%. Está havendo
uma expansão importante do consumo das famílias
como um todo, que cresce atualmente a taxas anualizadas de 6% e a formação bruta de capital fixo está
crescendo a uma taxa de 14,8%.
agosto de 2008
O crescimento da economia tem sido comandado pela
demanda interna, já que a apreciação cambial tem propiciado uma maior expansão da importação comparada com a exportação, fazendo com que a contribuição
do setor externo para o crescimento da economia seja
negativa. Por outro lado, esse crescimento maior das
importações tem contribuído para arrefecer pressões
inflacionárias decorrentes da expansão da demanda
interna. Para se ter uma idéia da rápida expansão das
importações, pode-se destacar as seguintes estatísticas
para os últimos doze meses, encerrados em julho: as
importações cresceram a uma taxa anual de 46%, contra 23% para as exportações. Mesmo assim, espera-se
que o país termine o ano com um superávit comercial
de US$ 23 bilhões. Para 2009, as perspectivas são as
de que o superávit comercial continuará a tendência
descendente para um patamar de US$ 15 bilhões.
Nessa condição, volta-se a condição usual de déficit
de balanço de pagamentos em transações correntes,
depois de cinco anos de superávits.
perdeu seu dinamismo, os preços desses produtos
continuam crescendo no mercado externo. Nos últimos doze meses encerrados em junho, o quantum de
exportação de produtos básicos apresenta uma taxa de
crescimento modesto de 2,4% ao ano, enquanto que a
de manufaturados já apresenta uma queda de 0,1%. O
que tem mantido o superávit comercial é o aumento
de preços no mercado externo. Tanto produtos básicos
como manufaturadas continuam com preços crescentes no mercado mundial. Nesse mesmo período,
o preço dos produtos básicos exportados pelo Brasil,
aumentou 53% e o preço dos produtos manufaturados
18%. Existem dois fatores para explicar a redução de
dinamismo do quantum das exportações de manufaturados: o crescimento da absorção doméstica e
a continua apreciação cambial. Entre 2003 e 2008,
houve uma apreciação real da taxa de câmbio de 47%
e atualmente o patamar da taxa de câmbio efetiva real
é equivalente a observada em janeiro de 1999. Mesmo
assim, o resultado do balanço de pagamentos continua superavitário e o Banco Central está ampliando
continuamente a compra de reservas. As informações
disponíveis na terceira semana de agosto contabilizam
US$ 205 bilhões de reservas externas. A manutenção
desse resultado depende de preços de exportação
elevados e da entrada de capitais para financiar o
déficit de transações correntes. Portanto, não pode
ocorrer uma desaceleração da economia mundial e
nem mudanças bruscas com relação às expectativas do
câmbio, caso contrário a turbulência poderá se instalar
no setor externo da economia brasileira.
Com as informações disponíveis até julho, as exportações totais dos últimos doze meses já atingiram
um patamar de US$ 184 bilhões, enquanto que as
importações ultrapassaram a marca de US$ 154
bilhões. Desagregando as exportações brasileiras
entre produtos básicos e manufaturados, já se pode
constatar uma mudança importante no comportamento das exportações. Enquanto o quantum das
exportações de produtos básicos e manufaturados
6
(*) Professor do Departamento de Economia da FEA/USP.
(E-mail: [email protected]).
José Francisco de Lima Gonçalves (*)
política monetária
preventivo, tempestivo e vigoroso
O COPOM acelerou o ritmo de alta da taxa Selic em
sua reunião de julho e a expectativa dominante é de
nova alta de mesma proporção agora em setembro.
Após atingir o nível de 13,75%, são esperados mais
dois aumentos de 0,50% em cada uma das duas reuniões do colegiado em 2008, até 14,75%.
A deterioração da inflação corrente e das expectativas
para a inflação futura verificada a partir de março
persistiu até pouco antes da reunião de julho. Naquele
momento, verificaram-se os primeiros sinais de enfraquecimento dessa deterioração.
Os argumentos do COPOM para acelerar o ritmo da
alta são sobejamente conhecidos, embora questionáveis. A piora na situação internacional estaria na
“severa crise financeira” que assola os EUA e a Europa, associada à forte desaceleração econômica nessas
regiões e ao recrudescimento da inflação entre os
países emergentes. O aperto das políticas monetárias
ao redor do mundo se fez sentir, persistindo ainda
o dilema dos juros negativos (ou quase) nos EUA,
Europa, Reino Unido e Japão. A percepção de risco
deteriorou-se e a preocupação passou a ser descobrir o
efeito da contração econômica sobre a taxa de câmbio
de um país exportador de commodities.
Segundo a ata da reunião de julho, a redução da vulnerabilidade externa tem contribuído “para mitigar, mas
não eliminar, os efeitos das dificuldades que caracterizam
Se assim é, a mudança de preços relativos pressiona o
nível geral de preços a depender da pressão da demanda sobre a oferta. Donde a queda meteórica do saldo
comercial pelo lado das importações (o desempenho
das exportações também deve ser considerado, mas
não no argumento do COPOM).
Desse modo, a pressão de demanda estimulada pelo
crescimento da massa salarial, do crédito e do gasto
público supera a expansão da oferta doméstica: “a
redução pronta e consistente do descompasso entre o crescimento da oferta de bens e serviços e o da demanda continua
sendo central na avaliação das diferentes possibilidades
que se apresentam para a política monetária.” Mais claro,
difícil.
O crescimento extraordinário das importações e a
ampliação esperada da capacidade produtiva como
resultado de vários trimestres de crescimento da formação bruta de capital fixo não têm sido suficientes
para atender ao crescimento da demanda. As importações crescem a 40% ao ano, a produção industrial
a 6,5%, as vendas no varejo a uma taxa entre 10% e
14% e o crédito a mais de 30%.
agosto de 2008
De fato, os preços das commodities já estavam em queda
de 10% entre o dia 1º de julho e o dia da reunião. A
elevação do IPCA esperado na pesquisa Focus já ocorria apenas na segunda casa depois da vírgula; os juros
futuros, à exceção do vencimento de janeiro de 2009,
estavam em queda desde o dia 7 daquele mês.
o cenário externo sobre a atividade econômica no Brasil,
cujo dinamismo vem sendo sustentado essencialmente pela
demanda doméstica.”
A população ocupada cresce de modo a compensar
o efeito corrosivo da inflação sobre o salário real. Os
componentes dos IGPs mostram a desaceleração – e
até deflação – em alimentos e matérias-primas, mas
confirmam a estabilidade dos IPCs e dos custos de
construção civil (estes, infensos a câmbio e importações).
Se o diagnóstico é este, a elevação da Selic vai prosseguir. Enquanto não houver um sinal claro e convin-
7
cente de desaceleração no crescimento da demanda,
a alta prosseguirá. Aguarda-se ansiosamente a divulgação da estimativa do PIB do segundo trimestre
(aproximações pela produção industrial não mostram
desaceleração) e a improvável definição da tendência
da taxa de câmbio.
agosto de 2008
A queda nos preços das commodities pode prosseguir,
mas não no ritmo de encolhimento da bolha verificado desde o início de julho. Ademais, um ritmo mais
vigoroso deve criar fortes incertezas a respeito da taxa
de câmbio e adicionar pressão às expectativas.
Uma Selic de 14,75% em dezembro é muito provável,
assim como sua manutenção por uns quatro a seis
meses entrando em 2009. É possível levar o IPCA
para um valor entre o centro da meta e 5% no ano
que vem. Não sei para quê. O custo será a redução do
crescimento do PIB de 5% para 3,5%.
(*) Professor do EAE/FEA/USP e Economista-chefe do Banco Fator.
(E-mail: [email protected]).
Os artigos da seção Análise de Conjuntura foram escritos entre escritos entre 20 e 22/08/2008
8
temas de
economia aplicada
Otaviano Canuto (*)
late securitization and1
micro-insurance
Last October 1 (Canuto, 2007), I argued here that the
debris of securitization after the current financial crisis
would still contain great utility, as at least some of the
financial innovations of the last few years are likely to
outlive the securitization excesses. I also referred to possible gains to be accrued in Latin America from a sort of
“late securitization” process provided that lessons learnt
from the pioneers’ experience are applied.
micro-insurance as a frontier within microfinance
Microfinance – provision of financial services to poor
or low-income people who are not “bankable” – is
advancing fast throughout the developing world. The
advance has been such as to lead Muhammad Yunus,
the Nobel laureate pioneer of micro-credit, to warn
Notwithstanding the booming features of microfinance, and micro-credit in particular, in a world
where economic integration of poor people has been
dynamic in many regions and has started to attract
attention of opportunity-stripped traditional financial
institutions, micro-insurance is still lagging behind.
According to Martin Buehler (FT, June 02) from International Finance Corporation (IFC), “Micro-insurance
is now where microfinance was about eight to 10
years ago. Microfinance now is a multibillion dollar
industry. Micro-insurance is probably not yet in the
billion dollar premium area.”
agosto de 2008
A colleague from the Inter-American Development
Bank (IADB), Bernardo Weaver, has recently called
my attention to a product with which he has been
working and that would constitute a perfect illustration for my upbeat view. He referred to a scheme
of securitization of micro-insurance operations that
may permit higher scales and lower funding costs in
such a market with high impact on the welfare of poor
people and, at the same time, unattractive features for
traditional financial institutions.
last week against risks of a bubble-generating entry
of big banks into the market (FT, July 29).
Either to assist the provision of micro-loans or as
a stand-alone product, the availability of low-cost
micro-insurance to “un-bankable” people has an
obvious potential to ameliorate life conditions and
welfare. This is not the time and place to address
perils and conditions under which microfinance,
and micro-insurance in particular, must operate, but
one can take for granted that financial exclusion of
large population contingents cannot be a good thing.
The Chart below shows the wide range of needs that
microfinance can help attend.
9
chart 1 – types of microfinance used by poor people
agosto de 2008
Source: Brett Mathews, Mathwood Consulting Company.
Micro-insurance displays in stark form those features
that make microfinance a challenge: high transaction
costs per unit of value, constraints to enforceability of
contracts and use of collaterals etc. Furthermore, in
order to succeed, micro-insurance needs to face the
following requisites:
(i) it has to reach massive market penetration, with
contracts sold to vast numbers of people at very
low rates and providing coverage against relatively
small losses;
(ii) it has to display simple and direct underwriting
possible, in order to guarantee accuracy and appropriate pricing of underwriting and claims handling,
the former has to rely on mass underwriting, and
mass claims handling.
No wonder non-profit institutions still mainly permeate the universe of micro-insurance. Let me refer
now to how the product outlined to me by Bernardo
Weaver may help reduce the mismatch between,
on the one hand, the ugly features of single microinsurance contracts and, on the other, the need of
minimum scales to make feasible the operation with
the corresponding products.
methods;
(iii) its commercialization methods have to adapt to
an environment in which there is no previous
accumulated experience with the product by
clients; and
(iv) it must be offered with coverage of multiple
events, in a combined fashion.
The last feature highlights how different the ethoses
of micro-insurance and traditional insurance are.
While the latter is all about slicing risks as much as
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GILR-Bond: as attractive and sinful as other securities, yet worth it
A Group Insured Loss Ratio Bond (GILR-Bond) is a
securitization of bulks of insurance contracts. In essence, through a GILR-Bond, investors in exchange
for cash flows assume some pre-defined portions of
the contingent liabilities associated with a cluster of
micro-insurance contracts. The GILR-Bond would be
an insurance-derivative swap, which is a complete or
partial ceding treaty reinsurance agreement issued as
a bond in the market.
By lump-summing vast numbers of micro-insurance
contracts, one is able to slice and dice risk dimensions,
what otherwise would be unfeasible to attain. Financial engineering can then decompose and transfer the
returns of the bundle of underlying micro-insurance
contracts into different fundamental components of
risks (credit defaults, maturity mismatch, inflation
risks etc.)
(b) Some information is inevitably lost as the distance
between originators and end-investors increases,
and the information gap thereby generated cannot
be simply filled by rating agencies.
(c) Given the extension reached by the full network of
exposures as instruments unfolded into successive
waves of derivatives, the assessment of counterparty credit risks became not much reliable.
Thus, micro-insurers may become able not only to
manage better their risk exposures, but also scale-up
their funding, freeing themselves from the restriction
of only operating with conventional re-insurance.
Competition in funding micro-insurance would be
enhanced, as outsiders would also be able to accrue
portfolio diversification gains by acquiring risk-return
positions in fields uncorrelated with their conventional ones.
(d) The three previous informational problems sowed
the ground for endogenous risk-creating behavior
by investors. Incentives for due diligence and monitoring at the origin were diluted. Additionally,
investors became prone to herd-like behaving and
other “anomalous” reactions.
(e) Information uncertainty and misaligned incentives led to increasing market liquidity risks, which
revealed to be very high when a bout of suspicion
was sparked.
(f) The predominance of non-standardized products
negotiated over-the-counter in broker-dealer relationships rather than through centralized clearing
houses, accentuated the shortcomings above listed.
Increasing operational risks went unobserved –
including the extent to which the expansion of
transactions outstripped the ability of back offices
At the current juncture of the sub-prime crisis, there
is already a reasonable outline of what went wrong
with financial innovations. Indeed, the originate-todistribute model revealed much intrinsic vulnerability
that had been underestimated. However, not many
analysts have rushed to decree a “death of securitization”.
In a recent well-balanced stocktaking, Jenkinson et
al. (2008) remark that:
(a) With the benefit of hindsight, we realize now how
difficult it had become to establish the pay-off distribution for many complex structured products,
with high sensitivity to small macroeconomic
landscape changes.
to update trading positions.
agosto de 2008
“There they come with a new sub-prime-like adventure”, the reader might say. Besides the point that
sub-prime clients also deserve to be integrated, and
that the baby does not have to be thrown out with the
water of recent malfunctions, there is some ground
to believe that the development of GILR-Bonds and
others in “late securitization” processes may avoid
most of the pitfalls of the current US mortgage
mess.
(g) Information uncertainty, misaligned incentives,
and markets with rapidly-vanishing liquidity
turned the whole structure of securities liable to
amplify adverse shocks coming from primary
(“natural”) assets.
Notwithstanding those pitfalls associated with the
originate-to-distribute model, one may bet on its resurgence, even if in a more frugal lifestyle: simpler-tounderstand and transparent products, standardized
and negotiated primarily through clearing houses,
with a higher content of risks kept explicitly by originators and issuers, as well as clearer rules governing
collaterals. On top of a self-selective market process
11
that will tend to favor such features, it is likely that
future financial regulation will give a hand in the
same direction. The fact is that the upside aspects of
securities are material enough to impede their complete scrapping.
agosto de 2008
It is worth noticing that the wild party experienced
by securities, followed by a heavy hangover, cannot
be explained as a self-contained process. Ultimately,
the whole edifice – or castle of cards – was built upon
a generalized willingness to overlook risks, as caused
or manifested by long enduring “razor-thin credit
spreads” (Heise, 2008). Whether those razor-thin
credit spreads were to be explained by lax monetary
policies and a “Greenspan-put”, or rather by some
sort of Hyman Minsky’s shrinking - or suppressed
Jenkinson, N.; Penalver, A.; Vause, N. Financial innovation: what have we learnt? Conference on Lessons from the
Financial Turmoil of 2007 and 2008. Reserve Bank of Australia,
July 14-15, 2008.
1 Originalmente publicado em http://www.rgemonitor.com/
latam-monitor/
- “cushions of safety” as an outcome of the “Great
Moderation”, it is hard to put the whole blame of the
financial crisis on securitization as such.
bottom line
“Late securitization” processes may benefit from
lessons learnt from the boom-bust experience of
pioneers. And indeed the former shall have many opportunities to use a post-crisis generation of securities,
among other ends to enlarge microfinance and improve life conditions of poor people. A Group Insured
Loss Ratio Bond (GILR-Bond) is just an example.
references
Canuto, O. Securitization in Latin America: advantages of
latecomers. Latin American EconoMonitor, October 01, 2007.
[http://www.rgemonitor.com/latam-monitor/]
Financial Times (FT). Microfinance commercialization warning.
July 29, 2008a.
______. Micro-insurance: cover for those who cannot afford to lose.
June 02, 2008b.
Heise, M. Securitisation is not dead. Euromoney, July 17, 2008.
12
(*) Vice-Presidente de Países do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Professor (licenciado) do Departamento de
Economia da FEA-USP. (E-mail: [email protected]).
Thomas Palley (*)
scapegoating regulation
Many progressives now believe the age of Milton
Friedman may be drawing to a close. Their hope is
the current financial crisis has shown the costs and
dangers of inadequate market regulation, thereby
discrediting the anti-regulation philosophy of Milton
Friedman and his Chicago School colleagues.
2006 lacks even superficial merit. This is because since
2003 both Fannie and Freddie have had limited asset
growth, and Fannie’s assets actually fell significantly
after 2003.
Moreover, the roots of the crisis lie in the sub-prime
market. That is where “no doc” and “zero down” mor-
Evidence of the changing times is supposedly provided by Treasury Secretary Paulson’s and Federal
Reserve Chairman Bernanke’s public admissions
about the need for regulatory change.
This tried and tested conservative tactic is already
surfacing in the debate surrounding Fannie Mae
and Freddie Mac, the giant mortgage financing companies. The conservative argument is government’s
provision of an implicit guarantee to Fannie and Freddie distorted the market by giving them subsidized
finance. The implication is that this enabled them to
pump up the housing bubble, while simultaneously
making them the dominant players in the securitized
mortgage market.
This conservative tactic scapegoats Fannie and
Freddie, making them the fall guys for the bubble’s
financial excesses, when the true cause was inadequate regulation of mortgage lending and failed
macroeconomic policy.
The insinuation that Fannie and Freddie were primary movers of the housing market excesses of 2004 –
in volume, where losses started, and where the bulk
of losses have been so far. Yet, Fannie and Freddie are
prevented from financing such mortgage products by
their charters.
These facts should make clear that Fannie and Freddie did not cause the crisis. Instead, it was driven by
loose and negligent lending by banks and Wall Street.
That behavior was due to lack of regulatory oversight,
combined with a failed incentive system that rewards
management and mortgage brokers for pushing loans
rather than prudent lending.
Such loan pushing was even promoted by conservative animus to Fannie and Freddie, as Wall Street was
encouraged to muscle in on the formers’ business.
agosto de 2008
Yet the reality is far more complex, and economic
conservatives will not roll-over and surrender just
because of a financial crisis. Instead, if history is a
guide, they will blame regulation for the crisis. That
was Milton Friedman’s modus operandi when he launched the modern era of deregulation and animus to
government with his false claim that the Fed caused
the Great Depression.
tgages proliferated, where loan originations exploded
That is why the Bush administration sought regulatory limits on Fannie and Freddie’s asset holdings.
However, unlike Fannie and Freddie, Wall Street has
no legal restrictions on loan quality and opted for
gorging on sub-prime.
The bubble’s origins lie in the combination of a flawed
economic growth paradigm that prompted the Fed
to push interest rates too low for too long, plus loose
lending by banks and Wall Street. This combination
inflicted a huge negative “pecuniary externality”
on Fannie and Freddie, driving up house prices in
the normally sound mortgage markets they serve.
Consequently, they too have been battered by the
bubble’s implosion.
13
The bottom line is Fannie and Freddie had little to
do with the bubble. That said conservatives raise a
legitimate question of how to organize the securitized
mortgage market.
agosto de 2008
Fannie and Freddie’s implicit government guarantee
has helped them lower the cost of mortgage finance,
making home ownership more affordable to millions.
In effect, the guarantee has made government’s lower
borrowing cost available to the public, which is good.
The downside is it has made Fannie and Freddie
overwhelmingly dominant in the securitized mortgage market.
14
This suggests that in addition to tighter mortgage
lending regulation, there is a case for nationalizing
Fannie and Freddie on grounds that they are natural
monopolies. That is the very opposite of conservative arguments opposing need for tighter regulation
and proposing disbanding Fannie and Freddie. That
would leave Wall Street unreformed, and make home
ownership more expensive by removing the assist
provided by access to government’s lower borrowing
cost.
(*) Thomas Palley is the founder of the Economics
for Democratic & Open Societies Project.
(E-mail: [email protected]; www.thomaspalley.com).
Jaqueline Maria de Oliveira (*)
custo efetividade de políticas de redução
do tamanho da classe e ampliação da
jornada escolar: uma aplicação de
estimadores de matching
introdução
A questão da identificação dos impactos dos gastos
em recursos escolares sobre o desempenho educacional tem implicações importantes para a formulação
de políticas públicas. No que se refere à avaliação
quantitativa deste impacto, como potencialmente a
seleção dos insumos escolares empregados no processo educacional é endógena, ou seja, pode estar correlacionada com fatores não observáveis que também
interferem no resultado escolar, faz-se necessário o
uso de estratégias de identificação do efeito causal
desses insumos sobre a proficiência. Além disto, tão
A análise que se segue, a ser publicada nesta e na
próxima edição deste boletim Informações Fipe, concentrou-se em duas políticas: redução do tamanho
da classe e ampliação da jornada escolar. A escolha
justifica-se pelo fato de que para essas intervenções,
extensamente discutidas na literatura internacional,
poucas evidências foram produzidas para o Brasil,
embora sejam citadas com freqüência em propostas
de formulações de políticas educacionais. Além disto, a disponibilidade de informações torna a análise
viável. Assim, o presente estudo tem como objetivo
contribuir para a identificação do efeito causal de reduções no tamanho da classe e ampliação da jornada
escolar sobre o rendimento escolar em matemática
dos estudantes brasileiros da 4ª série do ensino fundamental de escolas de área urbana e que pertençam
à rede pública de ensino. Para tanto, os estimadores
de Matching foram aplicados aos dados do Sistema de
Avaliação do Ensino Básico, o SAEB, referentes ao ano
de 2005. Num segundo artigo, a ser publicado na próxima edição deste boletim Informações Fipe, os custos
associados a essas duas políticas foram avaliados em
contraposição aos benefícios por meio de uma análise
de custo efetividade.
agosto de 2008
Grande parte dos estudos em economia da educação
desenvolvidos no Brasil concentrou-se nos benefícios de se promover anos de estudos adicionais
aos indivíduos, considerando ser esta a principal
forma de investimento direto em capital humano.
Neste sentido, as políticas educacionais voltaram-se
principalmente para a expansão do acesso à educação. Contudo, o problema da qualidade do ensino
tornou-se recentemente o principal tema de estudos
na agenda de pesquisa em economia da educação no
País, dado o desempenho insatisfatório dos estudantes
brasileiros em testes padronizados. No que se refere à
educação pública, o governo tem papel fundamental
na trajetória de construção de capital humano de suas
crianças, que constituirão parte da força de trabalho
futura. E seja qual for o tipo de benefício advindo
da educação, a questão a ser levantada refere-se à
quantidade de recursos que devem ser investidos e,
principalmente, como devem ser investidos, dado que
os investimentos em educação se realizam às expensas
de alternativas de uso de tais recursos, tanto públicas
quanto privadas.
importante quanto detectar qual tipo de investimento
tem maior impacto é verificar os custos associados a
cada intervenção. Trata-se não apenas de identificar se
o aumento dos gastos em insumos escolares impacta a
proficiência, mas também se os benefícios justificam
os custos e em que medida.
tamanho da classe, jornada escolar e proficiência
Os estudos a respeito do efeito tamanho da classe
sobre a proficiência geram resultados bastante dis-
15
agosto de 2008
cordantes. De um lado, alguns autores defendem a
idéia de que políticas de redução do tamanho da classe
não têm impacto significativo sobre o desempenho do
aluno, sendo ao mesmo tempo uma medida bastante
cara e por isso ineficiente (Hanushek, 1998; 2002).
Contudo, outros especialistas na área afirmam que os
ganhos de redução do total de alunos em sala de aula
são consideráveis (Krueger, 1999; Finn; AchilLes, 1990; Urquiola, 2000). Se na verdade o número de alunos comportados dentro de uma mesma sala
de aula não afeta o seu desempenho, é possível cada
vez mais atrair alunos para as escolas, sem se preocupar com perda da qualidade do ensino. Logo, mais
recursos poderiam ser direcionados a outros insumos
que não salas de aulas reduzidas. Se, por outro lado,
o tamanho das salas de aula for fundamental para os
objetivos de provimento de uma educação de mais
qualidade, isto significa que, para um dado nível de
eficiência, o aumento do número de matrículas requer
aumento na quantidade de recursos, de forma a se
manter ou mesmo ampliar a qualidade do ensino.
Como a expansão do acesso ao ensino, principalmente
em níveis iniciais, tem sido um objetivo comum dos
governos de países em desenvolvimento, esta é uma
questão que deve ser levada em conta.
Para avaliar as implicações de uma política de redução
do tamanho da classe é preciso compreender melhor
os mecanismos pelos quais essa variável pode afetar
a proficiência. A princípio, existem dois canais pelos
quais o acréscimo de um estudante em sala de aula
afeta o desempenho: o efeito tamanho da classe e o
efeito dos pares (ou peer effect). O primeiro canal pode
atuar por meio da redução do “insumo professor” e/
ou pelo “efeito lotação”. O acréscimo de um aluno
na classe reduz a quantidade de “insumo professor”
destinado a cada aluno individualmente. O “efeito
lotação” é talvez o mais comumente associado ao
aumento do tamanho da classe. Em uma sala de aula
com 40 alunos, por exemplo, o aprendizado pode ser
prejudicado pelo aumento das interrupções devido à
indisciplina, e o atendimento das necessidades específicas de cada aluno é praticamente inviável. Além
disto, classes superlotadas são vistas pelos professores
como sobrecarga de trabalho, podendo incentivar
16
faltas e diminuição do esforço por parte desses professores, impactando negativamente a proficiência.
O segundo canal é a externalidade gerada pelos pares, conhecido por peer effect. Quando um estudante
é adicionado a uma sala de aula, este irá interagir
com os demais alunos e, possivelmente, influenciará
o desempenho escolar. O argumento é que o acréscimo de um aluno na sala de aula, sendo este diferente
de pelo menos um dos demais, pode gerar o que se
chama de learning spillovers. E se é verdade que existe
uma assimetria em que os piores alunos se beneficiam
mais da exposição a bons alunos do que o contrário1, é
provável que ao se adicionar um novo aluno diferente
dos demais, controlando-se pelo efeito tamanho da
classe, as externalidades geradas sejam positivas. Se o
aluno adicional fosse igual aos demais em termos de
habilidade, então não existiriam learning spillovers e a
única forma de este aluno adicional impactar a proficiência seria por meio do efeito tamanho da classe. 2
Diante do exposto, fica claro que estimar o efeito tamanho da classe não é uma tarefa simples. Além das
interações entre este efeito e o efeito dos pares, existe
o fato de que a alocação dos alunos entre diferentes
tamanhos de classe não é exógena, ou seja, é tipicamente correlacionada com fatores não observados
que também afetam o desempenho escolar. As fontes
de viés de seleção comprometem as conclusões de
estudos que não empregam uma estratégia de identificação satisfatória e são fonte de toda controvérsia
na literatura discutida anteriormente. O objetivo
deste trabalho é tentar amenizar esses problemas por
meio da aplicação do Propensity Score Matching para
tratamento contínuo.
No que se refere à jornada escolar, diversos estudiosos
da área de educação advogam a favor da ampliação do
tempo de permanência dos alunos na escola e alegam
que os benefícios são consideráveis não apenas para
os alunos, mas também para a sociedade. A maior
permanência dos alunos nas escolas pode reduzir,
por exemplo, o trabalho infantil e a marginalidade,
além de constituir uma alternativa para as mães que
precisam trabalhar durante todo o dia e não têm com
quem deixar os seus filhos. Do ponto de vista pedagógico, a extensão do tempo na escola pode possibilitar,
dentre outras coisas, mais tempo para trabalhar o
conteúdo acadêmico básico, suporte para estudantes
com dificuldades de aprendizado, ampliação e aprofundamento da cobertura do currículo, estreitamento da relação entre o aluno e o ambiente escolar, e
oportunidade para o desenvolvimento profissional e
colaboração entre os professores. Todos estes fatores
associados teriam um impacto esperado positivo sobre
o desempenho escolar, não apenas no que diz respeito
às notas em testes de proficiência, mas também sobre
a redução da evasão escolar e da reprovação.
Assim como no caso do tamanho da classe, a identificação do efeito da jornada escolar sobre a proficiência
pode ser comprometida pelo viés de seleção. Uma vez
que a jornada escolar é um insumo escolar e, desta
forma, é associada à qualidade da escola, a possível
seleção dos alunos com maior habilidade e com pais
que valorizam mais a educação de seus filhos em
escolas com jornada escolar mais extensa deve ser
levada em conta. Do contrário, o efeito da jornada
escolar é superestimado. O estimador de Matching
também será empregado na tentativa de lidar com
este problema.
Os estimadores de Matching têm sido utilizados para
obter o efeito causal ao reduzir o viés causado pela
seleção não-aleatória do tratamento. A técnica de
estimação do efeito tratamento baseada em propensity
score, também conhecida como estimador de Propensity Score Matching, foi desenvolvida por Rosembaum
e Rubin (1983). Essa técnica é aplicada em casos
onde o tratamento é binário. Contudo, o método de
Generalized Propensity Score Matching (GPS Matching)
foi recentemente desenvolvido por Hirano e Imbens
(2004). Este método estende a análise de propensity
score quando o tratamento é contínuo e permite estimar o efeito tratamento da redução do tamanho da
classe.
[
]
em apenas uma variável, o propensity score. Esta variável descreve a probabilidade de o indivíduo receber
o nível de tratamento t.
Para obter o efeito tratamento de um aumento na jornada escolar de quatro para cinco horas, o estimador
de Matching utilizado foi o Nearest Neighbor Matching,
aplicado quando o tratamento é binário. A lógica do
estimador é a mesma. O objetivo é estimar o efeito
tratamento médio, dado por E Yi (1) − E Yi (0)
onde Yi (1) é o resultado potencial se o indivíduo i
recebe o tratamento e Yi (0) é o resultado potencial
se o indivíduo não recebe o tratamento. A diferença
é que este não se baseia no propensity score, mas sim
na distância entre os vetores de covariadas.
[
]
[
]
agosto de 2008
metodologia
dos potenciais Yi (t ) , para t ∈ ℑ , conhecido como
função resposta-à-dose da unidade de análise i. No
caso contínuo, ℑ é um intervalo t 0 ,t1 . O objetivo
é estimar a função resposta-à-dose média (ARDF),
µ (t ) = E Yi (t )  , e obter o efeito tratamento médio
(AT E ), µ (t ) − µ (t + ∆t ) = E Yi (t )  − E Yi (t + ∆t )  .
Sob a hipótese de inconfundibilidade fraca, ou seja,
de que o tratamento é “puramente aleatório” para
indivíduos com valores similares das variáveis prétratamento, a idéia básica é comparar os indivíduos
que receberam um determinado nível de tratamento
t com outros indivíduos na amostra cujas covariadas
são similares. Dado que o matching baseado em um
vetor n-dimensional é inviável quando n é grande, a
metodologia de Propensity Score Matching propõe que
as características pré-tratamento sejam sumarizadas
fonte de dados e tratamento das variáveis
A base de dados utilizada neste trabalho é o Sistema
de Avaliação da Educação Básica (SAEB), coordenado
pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Os dados, obtidos com a
aplicação de provas de matemática e leitura aos alunos
da 4ª e 8ª séries do ensino fundamental e da 3ª série
do ensino médio, permitem acompanhar a evolução
do desempenho e dos diversos fatores associados à
qualidade e à efetividade do ensino ministrado nas
Suponha que temos uma amostra aleatória i = 1,..., N .
Para cada unidade i existe um conjunto de resulta-
escolas. O ano de referência dos dados empregados
neste trabalho é 2005 e as informações correspondem
17
aos alunos da 4ª série do ensino fundamental. Foram
utilizados os resultados dos exames de proficiência
em matemática.
A variável de resposta é a proficiência em matemática
dos alunos da 4ª série do ensino fundamental. O tamanho da classe e a jornada escolar são as variáveis de
tratamento de interesse. As variáveis pré-tratamento
escolhidas referem-se às características dos alunos,
ao background familiar, características dos diretores
e professores e da turma, infra-estrutura da escola
e localização. A escolha das variáveis baseou-se na
necessidade de eliminar as diversas fontes de seleção,
sejam estas entre escolas ou dentro das escolas.
A amostra que será utilizada nas estimações refere-se
aos alunos da 4ª série do ensino fundamental da rede
pública, de áreas urbanas, pertencentes aos departamentos administrativos estaduais e municipais. 3
A amostra referente ao Brasil é composta por 29.643
observações. Esses 29.643 alunos estão distribuídos
entre 1.523 escolas, 774 estaduais e 749 municipais.
resultados
A função resposta-à-dose e o efeito tratamento estimados
para o tamanho da classe aparecem no gráfico a seguir.
Esses resultados foram obtidos pela aplicação da metodologia GPS à amostra de alunos referentes ao Brasil.
1
0
-1
-3
20
30
40
tamanho da classe
Resposta-à-Dose
50
Lim. Inferior
Lim.Superior
Inter. Confiança de .95 %
Função resposta-à-dose = previsão linear
18
Função Efeito Tratamento
-2
E[proficiência(t+1)]-E[proficiência(t)]
180
160
170
E[proficiência(t)]
10
2
Função Resposta-à-Dose
190
200
agosto de 2008
gráfico 1 - função resposta-à-dose e função efeito tratamento para o tamanho da classe, Brasil, 2005
10
20
30
40
tamanho da classe
Efeito Tratamento
50
Lim.Inferior
Lim. Superior
Inter. Confiança de .95 %
Função resposta-à-dose = previsão linear
Idealmente, o objetivo é identificar o efeito tamanho
da classe controlando pelo peer effect. Contudo, ������
����
possível que o intervalo de 23 a 30 no tamanho da classe
não seja suficientemente pequeno para que o efeito da
redução do insumo professor atue, ou suficientemente
grande para que o “efeito lotação” prevaleça. Assim,
se o GPS Matching não foi capaz de separar esses dois
canais, o acréscimo de um aluno no tamanho da
classe pode afetar positivamente a proficiência neste
intervalo via peer effect.
Na tentativa de separar, ou pelo menos amenizar a
interação entre o efeito classe e o efeito dos pares, a
amostra foi separada em alunos cujo diretor forma
as turmas na escola por critério de homogeneidade
de rendimento escolar e de heterogeneidade de
rendimento.4 O argumento é que, nas turmas homogêneas, os alunos são mais parecidos entre si e, desta
forma, o aluno adicional gera menos externalidades
(positivas ou negativas) sobre os demais. Desta forma, se o matching consegue isolar o peer effect, então
as funções resposta-à-dose não devem ser significativamente diferentes para esses dois grupos de
alunos. As funções resposta-à-dose estimadas, bem
como as funções efeito tratamento são apresentadas
nos Gráficos 2 e 3.
gráfico 2 - função resposta-à-dose para o tamanho da classe em turmas homogêneas e heterogêneas, Brasil, 2005
agosto de 2008
19
agosto de 2008
gráfico 3 - função resposta-à-dose para o tamanho da classe em turmas homogêneas e heterogêneas, Brasil, 2005
A função efeito tratamento para a amostra de turmas
heterogêneas apresentou o mesmo padrão daquela
estimada para toda a amostra. Contudo, analisando a
função efeito tratamento para a amostra de alunos em
turmas homogêneas, percebe-se que o efeito positivo
do aumento do tamanho da classe na faixa de 23 a 30
alunos desaparece. Uma explicação possível para este
resultado é que, ao utilizarmos a amostra de turmas
homogêneas, conseguimos amenizar o efeito dos
com rendimento mais baixo estarão expostos a colegas
com maior habilidade e podem se beneficiar de learning spillovers positivos, o que ocorreria em menor grau
se as turmas fossem heterogêneas. Se a assimetria é
relevante, ou seja, se os piores alunos ganham mais
com a exposição aos bons alunos do que esses bons
alunos perdem ao serem expostos aos alunos com
rendimento inferior, então as turmas heterogêneas
geram efeitos positivos sobre o desempenho escolar.
pares associado ao acréscimo de mais alunos na sala
de aula, de forma que o canal pelo qual o tamanho da
classe afetaria positivamente o desempenho escolar é
controlado. Apenas a partir de um tamanho de classe
superior a 30 alunos o efeito adverso do aumento da
classe, o “efeito lotação”, é observado.
Para obter o efeito do aumento da jornada escolar de
quatro para cinco horas, o estimador de Nearest Neighbor Matching com correção de viés foi utilizado e o
ATE estimado é apresentado na Tabela 1.
Como explicar o fato de que a proficiência escolar é
maior entre os alunos de turmas heterogêneas? Vamos
supor que um grupo de 200 alunos com determinada
distribuição de habilidade tenham de ser alocados em
10 turmas de 20 alunos cada, de forma que cada turma
seja a mais heterogênea possível. Neste caso, os alunos
20
tabela 1 - efeito tratamento médio estimado para o aumento da jornada escolar com base no estimador
Nearest Neighbor Matching com correção de
viés
Num. Obs. = 4.637
Proficiência
ATE
Coeficiente
Desv. Pad.
P-valor
8,357
4,435
0,059
Assim, o ATE estimado do aumento da jornada escolar
de quatro para cinco horas é de 8,36 pontos na proficiência em matemática, o que corresponde a cerca de
0,20 desvios padrão da distribuição das notas.
considerações finais
Boa parte dos trabalhos produzidos na área de economia da educação procurou avaliar o impacto dos
insumos escolares sobre o desempenho escolar como
forma de propor políticas educacionais com o objetivo
de melhorar a qualidade do ensino. Esta investigação
assume caráter estratégico, uma vez que o provimento
desses insumos é o instrumento mais direto à disposição dos responsáveis pela formulação das políticas públicas. Assim, a falta de consenso entre os estudiosos
do tema torna necessária a produção de investigações
mais profundas sobre a questão, principalmente no
que se refere a estudos específicos para o Brasil.
Outro resultado importante apresentado neste trabalho é que em termos de rendimento escolar os alunos
de classes heterogêneas apresentaram melhor desempenho relativamente àqueles em classes homogêneas.
Se os piores alunos ganham mais com a exposição
aos bons alunos do que esses bons alunos perdem ao
serem expostos aos alunos com rendimento inferior,
então as turmas heterogêneas geram efeitos positivos
sobre o desempenho escolar. Desta forma, a formação
de turmas heterogêneas seria uma das formas de
aumentar a proficiência.
Os resultados obtidos favorecem a conclusão de
que os recursos escolares impactam o desempenho
Por fim, se a aplicação dos estimadores de Matching
eliminou o viés gerado pela não aleatoriedade do
tratamento, isto depende da verificação da hipótese
que identifica os resultados do método como o efeito
causal das intervenções sobre a proficiência. Em
outras palavras, a hipótese de que todas as variáveis
pré-tratamento empregadas produziram um bom
pareamento dos estudantes não deve ser rejeitada.
Contudo, é necessário considerar a possibilidade
de que o procedimento aplicado não tenha lidado
escolar. O efeito estimado da ampliação da jornada
escolar de quatro para cinco horas foi de 8,36 pontos
de acréscimo na proficiência em matemática dos alunos da 4ª série, o que corresponde a um movimento
de 0,20 desvios padrão na distribuição das notas. No
caso do tamanho da classe, a identificação do efeito
tratamento é dificultada pela interação entre o efeito
tamanho da classe e o efeito dos pares. Na tentativa
de lidar com a questão, o efeito tratamento foi estimado considerando-se apenas a amostra de alunos
em turmas homogêneas. Houve evidências de um
efeito tamanho da classe apenas para turmas a partir
completamente com o problema de variáveis nãoobserváveis que afetam a seleção ao tratamento. Um
ponto importante a ser considerado, entretanto, é
que a direção do viés levaria a subestimar o efeito da
redução do tamanho da classe. Como houve evidências de um efeito positivo, pelo menos para classes a
partir de 30 alunos, isto sugere que, se o viés não foi
eliminado, o efeito da redução do tamanho da classe
é pelo menos o encontrado neste trabalho. Por outro
lado, no caso da jornada escolar a direção do viés
nos levaria a superestimar o efeito do aumento da
jornada de quatro para cinco horas. Se o viés não foi
agosto de 2008
Neste sentido, o presente trabalho buscou contribuir
para o estudo dos determinantes da qualidade da
educação no Brasil ao propor a estimação dos efeitos
de políticas de redução do tamanho de classe e ampliação da jornada escolar por meio dos estimadores
de Matching. Como a seleção dos insumos escolares
empregados no processo educacional é possivelmente
endógena, utilizou-se o referido método na tentativa
de identificar o efeito causal desses insumos, tamanho
de classe e jornada escolar, sobre a proficiência.
de 30 alunos. A redução do tamanho da classe de 38
para 30 alunos está associada a um aumento de 10,67
pontos, ou equivalentemente a um movimento de 0,26
desvios padrão na distribuição de proficiência. Este
resultado é compatível com o efeito classe estimado
por alguns trabalhos na literatura sobre tamanho da
classe, entre eles Finn e Achilles (1990) – cujo efeito
classe estimado está entre 0,13 e 0,27 desvios padrão
– e Urquiola (2000) – efeito classe estimado entre 0,17
a 0,26 desvios padrão.
21
eliminado, o efeito desta política seria menor do que
o mostrado aqui.
3 Foram excluídos da análise os alunos pertencentes às escolas do departamento administrativo federal, uma vez que
acredita-se que essas escolas possuam algumas peculiaridades
que as tornam diferentes das demais.
referências
4 As amostras de alunos em turmas heterogêneas e homogêneas são compostas por 2.934 e 1.467 observações,
respectivamente.
DUFLO, Esther; DUPAS, Pascaline; KREMER, Michael. Peer effects, pupil-teacher ratios, and teacher incentives: evidence from a
randomized evaluation in Kenya. 2007. 47 p. (Mimeo).
FINN, Jeremy D.; ACHILLES, Charles M. Answers and questions about class size: a Statewide experiment. American
Educational Research Journal, p. 557-577, Fall 1990.
HANUSHEK, Eric. A. The evidence on class size. Rochester, N.Y.:
University of Rochester, W. Allen Wallis Institute of Political
Economy, 1998 (Occasional Paper, 98-1)
______. The long run importance of school quality. Cambridge,
NBER Working Paper, n. 9071, 2002.
HIRANO, Keisuke; IMBENS, Guido W. The propensity score with
continuous treatments. 2004. 13 p. (Mimeo)
agosto de 2008
HOXBY, Caroline. Peer effect in the classroom: learning from
gender and race variation. Cambridge, NBER Working Paper,
nº 7867, 2000.
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production function. Quarterly Journal of Economics, v. 114, n.
2, p. 497-532, 1999.
ROSENBAUM, Paul R.; RUBIN, Donald B. The central role of
the propensity score in observational studies for causal effects.
Biometrika, v. 70, n. 1, p. 41-55, 1983.
URQUIOLA, Miguel. Identifying class size effects in developing
countries: evidence from rural schools in Bolivia. 2000.
1 Hoxby (2000).
2 Duflo, Dupas e Kremer (2007).
22
(*) Mestre em Economia pelo IPE-USP e doutoranda em Economia
pela Yale University. (E-mail: [email protected]).
Emilio Chernavsky (*)
nota sobre o canal de custos na
transmissão da política monetária
1. a taxa de juros e a inflação
A política monetária atualmente praticada pelos
bancos centrais de um número grande e crescente de
países ao redor do mundo tem sido pautada pela adesão ao regime de metas de inflação. Nesse regime, um
valor numérico explícito é escolhido e publicamente
anunciado como meta a ser perseguida para a taxa de
inflação, e um conjunto de práticas e procedimentos
é adotado de forma a conferir credibilidade ao compromisso institucional assumido com o alcance dessa
meta. A manutenção de uma taxa de inflação baixa e
estável é o objetivo central da política monetária ao
qual outros eventuais objetivos estão subordinados.
Entretanto, pelo menos desde Tooke (1838), um dos
fundadores da Banking School, é conhecido na literatura econômica o que foi denominado por Keynes (1983)
como paradoxo de Gibson, que se refere à possibilidade de que, contrariamente à visão tradicional, a relação
entre a taxa de juros e o nível de preços seja positiva,
como identificado nos trabalhos de Gibson no início
dos anos 1920 para o caso do Reino Unido durante
um período de 200 anos. Nessa situação, choques positivos na taxa de juros são seguidos pela elevação dos
preços e a aceleração da taxa de inflação. Na literatura
de Vetores Auto-Regressivos, esse efeito é chamado
de price puzzle (Eichenbaum, 1992). Evidências de
sua ocorrência têm sido efetivamente encontradas em
numerosos estudos empíricos recentes tanto para o
caso de países desenvolvidos – como, por exemplo, em
Christiano et al. (2005), usando dados agregados para
os EUA, e em Peersman e Smets (2005), com dados
desagregados para onze indústrias em sete países da
zona do Euro –, quanto para o caso do Brasil (Cysne,
2004; Ferreira; Castelar, 2006), em trabalhos
construídos a partir de modelos VAR que encontram
efeitos positivos – embora de pequena magnitude e
relativamente curta duração – de choques na taxa de
juros sobre a taxa de inflação. agosto de 2008
O principal, quando não único, instrumento de operação da política monetária utilizado pelo Bacen é
o controle da taxa nominal básica de juros de curto
prazo – no caso brasileiro, a taxa Selic -, manipulada
em resposta a desvios da taxa de inflação efetiva ou
esperada com relação à meta fixada: assim, diante da
percepção da elevação (redução) da taxa de inflação
e o aparecimento de um hiato positivo (negativo), o
Bacen responde aumentando (diminuindo) a meta
da taxa nominal de juros. Se, como proposto em
modelos novo-keynesianos (Woodford, 2003)
que fundamentam grande parte da teoria monetária
moderna, o ajuste dos preços ocorre apenas de forma
lenta e gradual, o aumento na taxa nominal conduzirá
à elevação da taxa real de juros vigente na economia.
Este aumento, por sua vez, provocará a contração de
ambas as componentes, do consumo e do investimento, da demanda agregada, reduzindo as pressões
inflacionárias correntes e reconduzindo as expectativas de inflação em direção à meta fixada. A eficácia
da manipulação da taxa de juros como instrumento
central para o controle da inflação e que justificaria
sua utilização pressupõe que a elasticidade-juro da demanda e a sensibilidade da taxa de inflação em relação
a variações na demanda sejam tais que a relação entre
a taxa de juros e a taxa de inflação seja negativa.
Se, como sugerido por tais estudos, a relação entre
a taxa de juros e a de inflação for de fato positiva,
choques positivos na taxa de juros, ao invés de terem
por efeito a redução da inflação, resultariam no seu
aumento. Isto levaria o Bacen a novas elevações nos
juros e à realimentação de um círculo vicioso que faria
23
com que a política adotada fosse contraproducente. É,
portanto, fundamental compreender as condições nas
quais tal fenômeno pode efetivamente se verificar.
agosto de 2008
2. o canal de custos
A explicação do paradoxo de Gibson associa-se
normalmente ao canal de custos da transmissão da
política monetária. Através desse canal, as elevações
na taxa de juros provocam o aumento dos custos de
produção correntes e esperados das empresas que,
quando repassados aos preços que elas fixam, pressionam positivamente a taxa de inflação. O paradoxo
está caracterizado quando o efeito da elevação da taxa
de juros sobre os custos das firmas, ou seja, seu efeito
sobre a oferta, é mais importante – domina – o efeito
contracionista normalmente esperado do aumento dos
juros sobre a demanda; esta situação é identificada,
por exemplo, em estudo de Barth e Ramey (2001) para
o caso dos EUA entre 1960 e 1996. Mesmo quando tal
situação extrema não é atingida, o impacto das variações da taxa de juros geralmente não será corretamente avaliado se os efeitos que operam através do canal
de custos - que tendem a diminuir o impacto dos juros
sobre a taxa de inflação e aumentar o choque sobre o
produto - não forem incorporados à análise.
Estes efeitos podem ser divididos em dois grupos principais: diretos e estruturais. Os efeitos estruturais, que
afetam as condições sob as quais os preços reagem às
situações de expansão da demanda ao longo do tempo,
serão objeto de um segundo artigo sobre o canal de
custos a ser publicado proximamente neste boletim
Informações Fipe. Os efeitos diretos são aqueles mais
freqüentemente abordados pela literatura (Lima;
Setterfield, 2008; inter allia) e referem-se ao impacto da elevação da taxa de juros sobre a taxa de inflação
que decorre do repasse direto aos preços do aumento
dos custos financeiros das empresas, custos cuja relação
com a taxa de juros é mais evidente. Numa indústria
com estrutura oligopolista como a que caracteriza
a maior parte das economias modernas, as firmas
fixam seus preços por meio da adição de um mark-up
sobre seus custos de produção. Estes custos incluem,
além dos custos com salários e matérias-primas, os
24
encargos financeiros relacionados principalmente
ao financiamento do capital de giro da empresa – de
curto prazo por natureza e, portanto, especialmente
suscetível às flutuações da taxa básica de juros –, mas
também ao financiamento de seu capital fixo e, de
forma cada vez mais freqüente, de fusões e aquisições
das quais a empresa participa. Da mesma forma em
que são capazes de transferir aos preços o aumento de
seus custos salariais (Galbraith, 1958), as firmas
oligopolistas procuram repassar diretamente pelo
menos parte do aumento em seus custos financeiros
decorrente da elevação das taxas básicas de juro.
Quando os efeitos deste tipo de comportamento se
sobrepõem ao impacto contracionista do aumento
dos juros sobre a demanda estabelece-se uma relação
positiva entre a taxa de juros e a taxa de inflação, que
será tanto mais importante quanto mais intensiva em
capital for a estrutura produtiva da firmas presentes
na economia.
3. conclusão
Neste breve artigo, procurou-se chamar a atenção
para a possibilidade de que, em função da operação do
canal de custos da política monetária, a relação entre a
taxa de juros e a taxa de inflação, de forma contrária ao
que é normalmente esperado, possa vir a ser positiva e
que, mesmo permanecendo negativa, sua importância
possa ser menor do que tradicionalmente se acredita.
Foram focalizados aqui os efeitos diretos da elevação
da taxa de juros sobre os custos financeiros das firmas
– parte de seus custos de produção – que, numa estrutura industrial oligopolista, são repassados aos preços
e com isso afetam positivamente a taxa de inflação,
eventualmente superando o efeito contracionista que
existe sobre a demanda. Como argumentaremos na
próxima edição deste boletim Informações Fipe, existem
também efeitos estruturais que afetam as condições
sob as quais os preços respondem às situações de expansão da demanda ao longo do tempo e que podem
igualmente estar na origem de um canal de custos
dessa natureza.
Conclui-se, ressaltando a importância da análise
do canal de custos no desenho e implementação da
política monetária de modo a evitar que uma política
restritiva (cujo objetivo principal seja o controle da
inflação) apresente custos desproporcionalmente
elevados ou que, inclusive, se mostre completamente
ineficaz.
Peersman, G.; Smets, F. The industry effects of monetary
policy in the Euro area. Economic Journal, v.115, n.503, p.319342, 2005.
Tooke, T. A history of prices, and the state of circulation, from 1793
to 1837. London: Longman, 1838.
Woodford, M. Interest and prices. Princeton University
Press, 2003.
referências
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transmission. In: Bernanke, B.; Rogoff, K. (eds.) NBER
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Christiano, L.; Eichenbaum, M.; Evans, C. Nominal
rigidities and the dynamic effects of a shock to monetary
policy. Journal of Political Economy, 113, p.1-45, 2005.
Cysne, R.P. Is there a Price Puzzle in Brazil? An application of
Bias-Corrected Bootstrap. Ensaios Econômicos. Rio de Janeiro,
Fundação Getúlio Vargas, n. 577, dez. 2004.
Eichenbaum, M. Comment on ‘Interpreting the macroeconomic time series facts: the effects of monetary policy’ by C.A.
Sims. European Economic Review, 36, p.1001-1011, 1992.
Ferreira, R.T.; Castelar, I. Nonlinearities and price puzzle
in Brazil. XXXIV Encontro Nacional de Economia, Salvador,
2006.
Galbraith, J.K. The affluent society. London: Hamish Hamilton,
1958.
Keynes, J.M. Teoria geral do emprego, do juro e do dinheiro. São
Paulo: Abril Cultural, 1983.
Lima, G.T.; Setterfield, M. Pricing behaviour and the costpush channel of monetary policy. XIII Encontro Nacional de
Economia Política, João Pessoa, 2008.
(*) Doutorando em Economia pelo IPE-FEA-USP.
(E-mail: [email protected]).
agosto de 2008
25
Julio Lucchesi Moraes (*)
índices de preços regionais e inflação
automotiva: privação material e
convergência regional
introdução
internacionais, portanto, poderiam ser superadas no
longo prazo quando todas as regiões tendessem para
No último artigo da série de inflação automotiva e
um patamar comum, chamado de renda de equilíbrio
os índices de preços regionais (IPC-R), discutiremos
de longo prazo, ou steady state (Chagas; Toneto
algumas proposições teóricas, relacionando os re-
Jr., 2003, p. 352).
agosto de 2008
sultados do IPC-R calculados para as cidades de São
José do Rio Preto e Ribeirão Preto a outros fenômenos
Fundamental neste processo, portanto, é a velocidade
ligados à economia regional. Discutiremos, primeira-
de convergência de cada país: dadas as características
mente, alguns aspectos relacionados à convergência e
de cada localidade (sobretudo sua taxa de investi-
ao conceito de privação material (material hardship).
mento, sua taxa de crescimento demográfico e um
Em seguida, aventaremos a hipótese de que a alta
vetor de outras características iniciais daquela nação),
inflação automotiva e os níveis de acessibilidade aos
poderíamos inferir quanto tempo (em anos ou mesmo
automóveis em São José do Rio Preto, se comparados
décadas) cada país demoraria até se estabilizar no
à região de Ribeirão Preto, podem estar sugerindo
patamar comum aos demais.
uma situação de catch-up da região de São José do Rio
Preto e, em última análise, um caso de convergência
Se em sua proposição inicial Solow pensava num
regional.
modelo cross-section entre países, a teoria econômica
regional permitiu um avanço, adaptando o modelo
convergência regional e privação material
inicial para um modelo de convergência regional. O
trabalho de Azzoni (2001), por exemplo, mostra alguns
Os modelos de convergência, que têm na obra de R.
resultados referentes à convergência no caso brasilei-
Solow Contribuição para a teoria do crescimento, de
ro, valendo-se de uma análise das cinco macro-regiões
1956, sua principal fonte teórica, representam uma
brasileiras e estimando o tempo que o Nordeste e o
das mais debatidas aplicações dos estudos de ma-
Norte, as regiões com menores patamares de renda
croeconomia internacional e teoria do crescimento.
per capita, demorariam até alcançar o patamar do
A idéia proposta por Solow é de que (i) países com
Centro-Sul.
altas taxas de investimento tendem a ser mais ricos,
26
(ii) países com altas taxas de crescimento demográfico
Já Chagas e Toneto Jr. (2003) chegam a um nível de
tendem a ser mais pobres. O fator crucial dentro do
abrangência ainda mais detalhado, propondo um
modelo, entretanto, não são os valores fixos de inves-
modelo de convergência não mais de escopo interna-
timento e de demografia de cada país, mas sim suas
cional ou interestadual, mas sim na escala municipal.
taxas de crescimento de longo prazo, sendo a taxa de
Isso porque, de acordo com os autores, boa parte das
progresso técnico a mais decisiva. As disparidades
grandes transformações registradas na economia
atual vem se desenvolvendo no ambiente urbano
pequeno distanciamento entre os valores, de 2002 até
ou em suas proximidades. A idéia parece ser de que
2005, de acordo com o PIB dos Municípios do IBGE.
mesmo as atividades que se realizam fora dos limites
Sob o critério convencional, portanto, não haveria
urbanos formais (a agricultura ou as indústrias em re-
uma situação de convergência. Por outro lado, a dife-
giões mais afastadas, por exemplo) gerariam impactos
rença entre a porcentagem de domicílios com acesso
significativos não para essas regiões mais distantes,
aos automóveis entre as duas cidades, já relativamente
mas sim para os centros urbanos, onde a produção
pequena em 1991, caiu para um valor ainda menor,
seria transacionada e onde morariam os trabalhadores
havendo, para o ano de 2000, uma diferença de apenas
a ela ligados.
0,3% entre os dois municípios. Tal valor, portanto,
estaria refletindo uma situação de convergência pelo
O aumento do detalhamento da área de análise, en-
critério de privação material, sugerindo que o muni-
tretanto, não altera o critério básico de comparação
cípio de São José do Rio Preto estaria alcançando o
entre as regiões, que é a renda per capita. Numa outra
patamar de consumo de Ribeirão Preto. Vimos, por
perspectiva sobre a questão aventa-se a hipótese de
outro lado, que São José do Rio Preto registrou um
que os níveis de renda per capita não seriam a única
nível de inflação automotiva bastante superior ao de
maneira de analisar padrões de convergência entre
Ribeirão Preto. Como explicar tal padrão à luz dos
as regiões ou municípios. Recentemente, começa a
modelos aqui apresentados?
figurar dentro da bibliografia o conceito de material
Sem embargo, a alta elevação dos preços de automó-
levaria em conta não os critérios de renda familiar,
veis pode ser um indício de que, a despeito da con-
mas sim de acessibilidade aos bens duráveis quando
vergência entre as cidades, as estruturas urbanas (de
da comparação entre países e regiões distintas como
disponibilidade e comercialização dos automóveis, de
um critério mais ajustado de análise (Golgher,
transporte urbano etc.) entre as cidades ainda não são
2008). Trata-se de uma abordagem distinta e que
iguais. É sabido, por exemplo, que no atual momento
permitiria às pesquisas de economia regional analisar
do setor automobilístico nacional, o consumo tem
casos em que a convergência regional ocorresse sem
aumento numa escala superior à produção, sobretudo
que o mesmo se verificasse com relação aos padrões de
por efeito da expansão do financiamento, conforme
renda entre as localidades comparadas (Oullette
pode ser visto no gráfico a seguir. A linha contínua
et alli, 2004).
mostra a evolução da relação vendas/produção 1,
enquanto a tracejada mostra, em valores anuais, o
convergência e elasticidades dos automóveis
agosto de 2008
hardship, traduzido aqui como privação material, que
volume total, em milhões de reais de 2005 até 2007,
que foram destinados ao financiamento de compra de
Vimos no artigo anterior sobre inflação automotiva
automóvel. Pode-se imaginar que a situação fora das
que a relação PIB per capita entre o município de
capitais do País seja ainda mais crítica, em se tratando
Ribeirão Preto e São José do Rio Preto tem se man-
de abastecimento de carros de um lado e demanda
tido relativamente constante, havendo inclusive um
por veículos do outro.
27
gráfico 1 - relação venda/produção e volume de financiamento para compra de automóveis no Brasil
agosto de 2008
Fonte: ANFAVEA, ANEF, tabulação e tratamento próprios.
Vimos, por exemplo, que Ribeirão Preto é uma cidade de maior porte; em termos estruturais isso pode
representar a presença de um sistema de transporte
urbano mais amplo e disseminado entre a população,
maior disponibilidade de concessionárias, enfim, uma
situação de menor dependência em relação aos automóveis. Tal discussão pode ser feita à luz do trabalho
de De Negri (1998) a respeito das elasticidade-renda e
elasticidade-preço dos automóveis no Brasil. Na Tabela
1, o autor reúne os valores de diversos trabalhos a
respeito, propondo que a evolução do perfil do consumidor brasileiro e da economia nacional alterou os
valores das elasticidades ao longo do tempo, fazendo
dos automóveis bens cada vez mais inelásticos.
tabela 1 - elasticidade-preço e elasticidade-renda de automóveis no Brasil
Ano
Elasticidade-renda
Elasticidade-preço
1972
6,28
(0,55) a (1,87)
1973
2,46-2,66
-0,37
1985
1,74
-
1988
0,76
-0,98
1993
1,93
-1,63
1998
1,1 - 1,5
(0,6) - (0,7)
Fonte: De Negri (1998).
28
O trabalho de De Negri contribui em dois sentidos
para as hipóteses aqui levantadas: (i) em primeiro
lugar, ao mostrar que os automóveis vêm se tornando
cada vez menos sensíveis às variações na renda ou nos
preços. Isto é, mesmo numa situação de elevação de
preços como de fato está se registrando atualmente
no País, o consumo segue se elevando, uma vez que
já estaríamos na parte inelástica da curva de demanda;
(ii) além disso, ao propor que a elasticidade se altera ao
longo do tempo, podemos imaginar que ela também
se altere ao longo do espaço: São José do Rio Preto, que
estaria numa situação de catch-up em relação a Ribeirão
Preto, teria maior dependência em relação aos automóveis e uma estrutura de transporte público e venda de
carros de menor porte. Em termos econômicos, isso
representaria um padrão de elasticidades menores e,
portanto, maior “tolerância” aos aumentos dos preços,
o que justificaria valores superiores de inflação automotiva durante todo o período de 2005 a 2008.
conclusões
Os indicadores de privação material (Material Hardship)
podem ser utilizados como uma alternativa quando da
comparação da situação socioeconômica entre regiões
distintas. Dentro desses modelos, um dos indicadores
mais freqüentes é o de acesso a bens duráveis e, dentre
estes, a acessibilidade aos automóveis. Se tais modelos
ainda não estão suficientemente estruturados para
substituir os modelos de convergência regional clássicos, podem ser utilizados de maneira auxiliar para
compreender fenômenos locais quando não se observa
convergência pelo critério da renda per capita.
Vimos, também, que a elasticidade preço e a elasticidade-renda no Brasil são variantes ao longo do
tempo, caminhando para se tornar mais inelásticas.
Poderíamos então imaginar que a essa tendência se
alia, também, uma variação ao longo do espaço, representada por maior dependência de automóveis em São
José do Rio Preto quando comparada a Ribeirão Preto,
dadas as características urbanas e o tamanho dos dois
municípios. Em termos econômicos, esse perfil mais
OULLETTE, Tammy; BURSTEIN, Nancy; LONG, David; BEECROFT, Erik. Measures of material hardship. United States
Department of Health and Human Services. abr 2004. Disponível
em: http://aspe.hhs.gov/hsp/material-hardship04. Acesso em:
14 ago 2008.
1 A série foi dessazonalizada por processo de média móvel.
dependente em relação aos carros seria expresso por
elasticidades menores e, portanto, maior tolerância
a aumentos de preço dos automóveis sem que isso
representasse uma diminuição do consumo.
referências
AZZONI, Carlos Roberto. ��������������������������������
Economic growth and regional income inequality in Brazil. The Annals of Regional Science, nº35,
2001, p.133-152.
agosto de 2008
CHAGAS, André Luís Squarize; TONETO JR., Rudinei. Fatores
determinantes do crescimento local – evidências a partir de
dados dos municípios brasileiros para o período 1980-1991.
Pesquisa e Planejamento econômico, v. 33, n. 2, ago 2003.
DE NEGRI, João Alberto. Elasticidade-renda e elasticidade-preço
da demanda de automóveis no Brasil. Brasília: IPEA, abr. 1998
(Texto para discussão, nº558).
GOLGHER, André Braz. Poverty in Brazil: income, material
hardship and deprivation perception. Trabalho apresentado
em RSAI World Congress. São Paulo, Brasil, mar. 2008.
(*) Graduando de Economia (FEA-USP) e assistente de pesquisa
pela FIPE. (E-mail: [email protected]).
29
Diva Benevides Pinho (*)
quais as pinturas “mais desejadas”?
O conhecimento das necessidades dos consumidores
Mesmo entre especialistas em marketing, alguns econo-
e das variações de suas preferências representa item
mistas, investidores em arte, marchands ou galeristas,
fundamental em qualquer tipo de análise mercado-
poucos se dedicam a estudos analíticos do mercado
lógica voltada à orientação dos produtores para a
de arte.
conquista do mercado e o lançamento planejado de
“produtos”.
Entre 1994 e 1997, entretanto, dois artistas soviéticos
naturalizados norte-americanos - Vitaly Komar e Alex
No campo da pintura, entretanto, a persistente tradi-
Melamid – realizaram ampla e interessante pesquisa
ção de liberdade artística ou de liberdade de criação
em vários países, para obter informações a respeito
do artista tem sido pouco compatível com os estudos
das pinturas atualmente “mais desejadas”.
agosto de 2008
de marketing, entendidos como orientação para atender
às aspirações do mercado. De modo geral, os artistas-
Nascidos na então URSS (respectivamente em 1943 e
produtores-pintores “rejeitam” considerar o mercado
1945), Komar e Melamid fixaram residência nos EUA.
consumidor mais importante do que a obra de arte.
Trabalharam juntos de 1973 a 2003 e expuseram obras
nos maiores museus norte-americanos e do mundo.
Durante muito tempo os artistas foram considerados
“gênios” que transcendiam seu meio e sua época e
Por meio da Web e com a cooperação de professores
deviam “criar” sem nenhuma coerção.
universitários nos diversos países pesquisados, Komar
e Melamid realizaram surveys em 14 países e reuniram
Está, porém, ultrapassado o mito da inspiração di-
entrevistas de pessoas de várias profissões, maiores
vina e da concepção romântica do gênio artístico
de 18 anos. Concomitantemente, com apoio do Dia
ou da “criatura excepcional”. E há certo consenso em
Center Foundation for the Arts, um site sobre a pesquisa
termos de “obviedade” da relação direta entre arte e
também foi colocado na Web para receber respostas
sociedade.
de visitantes.
Os excessos das “tentativas” atuais de originalidade,
avaliação do survey realizado na França
entretanto, levantam a dúvida sobre se os consumidores estão recebendo “o que desejam” ou se realmente
“desejam” o que estão recebendo dos artistas.
A maioria dos artistas ainda tenta “ignorar” as sofisti-
Comentamos aqui apenas a avaliação dos questionários aplicados na França. Os interessados encontrarão
informações sobre todos os países pesquisados em
<www.diacenter.org/Km/painting.html>.
cadas técnicas matemáticas, estatísticas, econômicas,
sociológicas e psicológicas aplicadas às pesquisas de
mercado para indicação das estratégias de adequação
da obra de arte às necessidades reais ou imaginárias
dos consumidores.
30
Na França, as questões foram apresentadas por
telefone (entre 14 e 19 de junho de 1995) e o survey
dirigido por Jean-François Tchernia e Françoise Lebreton. A amostra abrangeu 501 pessoas de 18 anos
e mais, com indicação de seu nível de escolaridade,
profissão e sexo.
As respostas indicaram preferência pela cor azul (39%
dos entrevistados), estilo tradicional (60%), ausência
de tema religioso (72%), estação do ano (outono 31,76%), lagos, rios, oceanos (25%), campos e cenas
rurais (24%), cenas domésticas com pessoas (50,65%),
ausência de mensagens e ênfase em temas agradáveis
à contemplação (51,78%).
Quadro-resumo do survey realizado na França, com destaque dos maiores percentuais de respostas:
Questões:
BB Se tiver que colocar uma pintura em seu lar, o que você prefere:
ââ Cor de uma pintura: 39% azul;17% verde; 5% vermelho; 21% s/r.
ââ Estilo tradicional ou moderno? 60% tradicional; 22% moderno; 15% ambos/depende; 3% s/r.
ââ Animais selvagens, domésticos ou ambos? 34% selvagens; 16% domésticos; 8% nenhum; 3% s/r.
ââ Cenas de interiores ou de exteriores? 69% exteriores; 17% ambas; 10% interiores; 3% s/r.
ââ Temas: 25 % lagos, rios, oceanos; 24% campos e cenas rurais; 10% florestas; 2% cidades.
ââ Estações do ano: 9% outono; 3% primavera; 14% verão; 3% inverno.
ââ Natureza-morta com pessoas (26%); flores (25%); animais (12%); objetos domésticos (4%).
ââ Referências religiosas (8%); sem (72%); indiferentes (16%); s/r 4%.
ââ Pinturas da realidade, mais próximas da fotografia (69%); abstratas (21%); ambas (8%).
ââ Dimensões exageradas e realidade deformada (30%); abstratas, irreais e imaginárias (50%).
ââ Padrões geométricos (4%); livre (70%); ambos (12%); s/r (4%).
ââ Textura fina (40%); relevo (43%).
ââ Atmosfera festiva e feliz (64%); séria (19%); ambas (14%); s/r (4%).
ââ Pinturas grandes ou pequenas – do tamanho de TV (62%); indiferente (20%); uma parede inteira
(18%).
agosto de 2008
ââ Cores com matizes suaves (55%); muito suaves (18%); fortes (11%); s/r (12%); depende (3%).
ââ Pinturas com crianças (48%); s/r (32%); mulheres (17%); homens (2%).
ââ Um grupo de pessoas (46%); uma só pessoa (27%); depende (19%); s/r (9%).
ââ Uma pessoa ou um grupo: parcialmente vestidos (38%); completamente vestidos (27%); depende (22%);
nu (6%); s/r (nenhum).
BB Se alguém quiser presenteá-lo e pedir-lhe para escolher: você prefere um valor monetário ou uma
pintura do mesmo valor? Pintura (47%); dinheiro (41%); s/r (8%); não sei (5%).
BB Em média, você vai a museus de arte: nunca (33%); 1 ou 2x/ano (28%); + de 2x/ano (20%); menos de
1x/ano (19%).
BB Você vai a museus tantas vezes quanto gostaria? Não (59%), sim (41%)
BB Por que você não vai mais freqüentemente a museus? Falta de tempo (50%); distância grande (28%);
entrada cara (6%); não gosto (4%); não me sinto bem (2%); s/r (1%).
31
Como se vê, em Paris - cidade do Louvre, do Museu
d’Orsay, do revolucionário Pompidou, de múltiplos
centros interativos de arte, de grande número de
museus especializados e de variados estímulos à
cultura artística - metade dos entrevistados alegou
falta de tempo para ir a museus “tantas vezes quanto
gostaria”. Contudo, 47% revelaram preferir pintura a
presente em dinheiro (41%).
agosto de 2008
A maioria entrevistada mostrou preferência por cores
suaves, figurativismo, cenas domésticas com pessoas,
temas bucólicos e repousantes.
32
Será que os problemas das sufocantes megalópoles
- congestionamentos quilométricos, poluição, insegurança, entre outros - estão trazendo de volta a
oposição entre a utopia de uma feliz vida rural versus
estressante vida urbana, que marcaram a primeira
metade do século 19?
(*) Professora Titular da FEA-USP, economista, advogada e
pesquisadora da Fipe. Mais informações sobre o tema deste
artigo, cf. o Capítulo 3 de meu estudo Mercado de Arte
(São Paulo: Esetec, 2008). (E-mail: [email protected]).