Caça à Minhoca: A selecção natural em acção

Transcrição

Caça à Minhoca: A selecção natural em acção
Caça à Minhoca: A selecção natural em acção
Ana Rita Ferrito; Margarida Marques da Costa
Departamento Biologia, Colégio Valsassina
“Continuo a compilar todo o tipo de provas que possam ajudar a compreender a origem e a
variabilidade das espécies.”
Charles Darwin numa carta para J. S. Henslow, Novembro 1839.
Abstract
Searching for an explanation for species’ evolution, Charles Darwin started his studies
with pigeons as direct agents in artificial selection.
According to Darwin, if it is possible such variety from artificial selection then there
might be a selection caused by environmental factors in the wild, known as Natural Selection.
Same specie’s organisms have some differences. There is a Natural Selection which will
make the ones whose characteristics are more useful for that specific environment prevail while
others will perish.
This project’s main purpose is testing natural selection on worms caused by birds.
According to Darwin, there were used artificial selection processes during these tests.
Key-words: Darwin; Natural Selection; Worms; Birds.
Introdução
A selecção natural é um processo da evolução proposto por Charles Darwin, teoria essa
que resultou da recolha de provas, ao longo de vários anos, que permitiram sustentá-la.
Em 1859 Darwin publicou a sua teoria na obra A Origem das Espécies e a Selecção
Natural. Segundo esta, numa população os indivíduos apresentam variações entre si; ao longo
das gerações, parte dos indivíduos é naturalmente eliminada, porque se estabelece entre eles
uma “luta pela sobrevivência”; os organismos que estiverem mais bem adaptados (os que
possuírem as características que lhes conferem qualquer vantagem em relação aos restantes) são
os que sobrevivem; estes vivem mais tempo e reproduzem-se mais, transmitindo as suas
características à sua descendência, existindo assim uma reprodução diferencial. A acumulação
destas pequenas variações, ao longo das gerações, irá determinar a transformação e o
aparecimento de novas espécies. Conclui-se assim que o tempo e a reprodução diferencial das
formas favorecidas em relação às menos aptas são factores que produzem mudanças nas
espécies existentes, o que levará à formação de novas espécies.
Aquando da viagem do Beagle, Darwin teve a oportunidade de registar nas ilhas
Galápagos (por volta de 1835) dados que lhe permitiram fundamentar esta teoria. As tartarugas
e os tentilhões são ainda hoje, os seres mais conhecidos utilizados como material de estudo.
Contudo esta selecção pode ser influenciada pelo homem, processo designado por selecção
artificial.
Este projecto tem como objectivo a simulação da selecção natural nas minhocas, através
da evolução induzida por aves. O método utilizado ao longo deste trabalho foi posto em prática,
pela primeira vez, entre o final dos anos 60 e início dos anos 90, por John Allen e a sua equipa
(Fachada, 2010), com a finalidade de simular vários aspectos da evolução por selecção natural,
tendo em conta a visão das aves e coloração das “minhocas”. Apesar de não ter estudado a
selecção artificial nas minhocas, também Darwin pôs este método em prática quando estudou os
seus pombos. Na verdade, estes terão sido um dos pontos de partida para Darwin enquanto
procurava uma explicação plausível para a evolução das espécies.
1
Este trabalho, tal como o estudo de Darwin, também envolve métodos de selecção
artificial, uma vez que todo o procedimento é feito a partir de uma “minhoca”, que na realidade
é apenas esparguete. Neste contexto, ao longo do estudo dos processos de selecção natural, foi
imprescindível o tipo de protocolo abordado durante a realização do projecto, pois assim foi
possível verificar como certas características permitem uma maior adaptação que confere aos
seres vivos alguma vantagem perante os restantes da mesma espécie, quando no mesmo meio.
Neste caso, pretendemos verificar se certas “minhocas” apresentam uma maior taxa de
sobrevivência em comparação com outras, consoante as cores dominantes no “ambiente” e nas
“minhocas”.
Materiais







Esparguete;
Corante alimentar amarelo, azul e rosa;
Luvas;
Régua;
Tesoura;
Panela;
3 Placas de cartão (50cm*50cm) de cores diferentes (rosa, amarela, azul).
Metodologia
Parte I – Definição e preparação do local
1. Escolher o local propício ao desenvolvimento do estudo;
2. Alimentar os pássaros durante cerca de 24 horas, de modo à criação de hábitos dos pássaros ao
local escolhido.
Parte II – Preparação das “minhocas”
1. Cozinhar o esparguete e adicionar corante alimentar à água em cozedura (15ml de corante/ l L
água);
2. Escorrer a água, após cozer o esparguete, com cuidado
e retirá-lo;
3. Usar uma régua e uma tesoura para cortar o esparguete
(≈5cm);
4. Guardar as “minhocas” num saco de plástico fechado,
no frigorífico – fig. 1;
5. Separar as “minhocas” com água caso fiquem coladas;
6. Repetir o procedimento para “minhocas” de cores
Figura 1: “Minhocas” resultantes após a
cozedura do esparguete e consequente
diferentes, de maneira a obter cerca de 300 minhocas de
corte.
cada cor (amarelo, azul e rosa).
2
Parte III – Apresentação da “presa” ao predador
1. Preparar a área onde irão ser colocadas as “minhocas” (as
placas servirão de base às “minhocas”), num sítio
adequado à alimentação das aves;
2. Colocar as minhocas de acordo com a tabela I (Anexos),
apresentando dois grupos – grupo controlo e grupo teste;
3. Deixar as minhocas durante 24h no local previamente
Figura 2: Exemplo da aplicação da 3ª parte do
preparado;
procedimento.
4. Repetir o procedimento para as “minhocas” rosa com azuis,
e amarelas com azuis – fig. 2;
5. Por fim, repetir ainda o procedimento utilizando as restantes placas.
Parte IV – Análise de resultados
1. Recolher as “minhocas” remanescentes, após 24h, e colocá-las em sacos de plástico;
2. Contar as “minhocas” que sobraram de cada cor;
3. Proceder à análise comparativa de resultados.
Resultados e sua discussão
Os resultados obtidos ao longo do período de estudo encontram-se apresentados na
tabela II (em anexo). Na fig. 3 é apresentado o número de minhocas consumidas (frequência
absoluta) em função dos dias em estudo.
Figura 3: Número total de minhocas consumidas ao longo dos 9 dias de estudo.
Como se pode verificar, verifica-se uma diferença entre o total de minhocas consumidas
nos diferentes dias de aplicação do procedimento. Esta oscilação pode, eventualmente, ser
justificada por dois factores, a criação de hábitos dos pássaros àquele local específico e as
condições ambientais (houve dois ou três dias que chuviscou).
Por sua vez os pelos dados do gráfico da fig. 3os dias em que foram aplicados os grupos
de controlo apresentam um maior número de minhocas consumidas, nomeadamente 12 Fev., 16
Fev. e 20 Fev..
3
Como se poderá justificar a diferença observada entre a frequência absoluta
correspondente ao dia 15 Fev. e a correspondente ao dia 16 Fev.?
Pelos dados apresentados na fig. 4 constata-se que existe uma grande diferença entre a
percentagem de minhocas que foram consumidas no Grupo de Controlo e a percentagem de
minhocas que foram consumidas no Grupo de teste. Esta pode ser explicada devido a processos
de selecção natural, designadamente, o facto de que no grupo teste as placas eram da mesma cor
de um dos tipos de minhocas que foram lá colocadas (por exemplo, na placa azul foram
colocadas minhocas azuis e amarelas), enquanto no grupo de controlo as minhocas colocadas
não apresentavam a mesma cor da placa, havendo assim uma maior distinção entre as minhocas
e a placa, justificando-se assim o facto de que os resultados obtidos apresentarem sensivelmente
50/50% de Minhocas remanescente e/ou consumidas no grupo de controlo e cerca de 80/20% de
minhocas remanescentes e consumidas, respectivamente, no grupo de teste.
Figura 4: Relação entre o número de minhocas consumidas e remanescentes no grupo de teste e no grupo de
controlo.
Uma situação semelhante à encontrada foi apresentada por Bishop (1972), Whittle
(1976), e Mestres (2009), relativamente à evolução em Biston betularia. Neste caso verificou-se
uma alteração do mais apto por modificações das condições ambientais do meio. O nosso
projecto encontra fundamento neste estudo uma vez que, tal como em Biston betularia, neste
trabalho o mais apto depende das características apresentadas pelas “minhocas” e das condições
do meio, como as cores de ambos.
Tal como a selecção descrita em Biston betularia, no nosso estudo na situação relativa à
placa azul, as “minhocas” que têm o gene que codifica a cor da placa, azul, estão mais aptas
para sobreviver pois a sua cor oferece-lhes uma maior protecção dos predadores. Esta
camuflagem torna-as mais aptas (fig. 3), o que contribui para aumentar a sua taxa de
sobrevivência havendo, por isso, uma maior quantidade de minhocas remanescentes no grupo de
controlo do que no grupo teste. De referir que, no grupo teste, por placa, 50% das minhocas lá
colocadas têm uma menor taxa de sobrevivência do que as restantes, enquanto que no grupo de
controlo 100% das minhocas lá colocadas apresentam elevado risco de sobrevivência visto que
nenhum dos tipos de minhocas se consegue camuflar para se proteger do predador.
4
Relativamente ao grupo teste presente na fig. 4 procurámos caracterizar o tipo de
minhocas existente, fig.5.
27%
% Minhocas da cor da
placa
73%
% Minhocas de cor
diferente da da placa
Figura 5: Percentagem de minhocas que foram consumidas no grupo teste.
Pelos dados da fig. 6 verifica-se que, das 18,83% das minhocas que foram consumidas
no grupo de teste, 73% das minhocas possui uma cor diferente da placa, ou seja eram
consideradas as menos aptas. Como tal, os dados sugerem uma maior pressão selectiva sobre
este grupo, traduzindo-se numa menor taxa de sobrevivência.
Estes dados permitem-nos compreender que num contexto real as minhocas
consideradas mais aptas, as minhocas da cor da placa, tinham maior índice de sobrevivência e
de reprodução diferencial o que contribui, a médio longo prazo, para uma variação das
frequências relativas dos genes do fundo genético da população conduzindo à evolução da
população.
Esta investigação permitiu-nos acompanhar a forma como a coloração das minhocas
afecta a probabilidade destas serem devoradas pelos pássaros. O tipo de material utilizado e o
período de investigação, entre outros factores, impedem-nos de generalizar o estudo. Mas,
talvez a lição mais importante não seja essa…
Darwin foi meticuloso na forma como recolheu todos os dados para a construção da
teoria da selecção natural. Segundo ele “A atenção é a mais importante de todas as faculdades
para o desenvolvimento da inteligência humana”. A realização deste trabalho permitiu-nos
realçar a importância da observação e experimentação na construção de conhecimento. E tal
como Darwin disse “O prazer que experimentamos em ocasiões como esta desorienta a mente”.
Bibliografia




Silva, D. A.; Mesquita, F. A.; Gramaxo, F.; Santos, M. E.; Baldaia, L.; Félix, M. J. – Terra Universo de Vida – 2008;
1ª Parte Biologia; Porto Editora; Lisboa; 192 pp;
Bishop, J. A. (1972); An Experimental Study of the Cline of Industrial Melanism in Biston betularia (L.)
(Lepidoptera) between Urban Liverpool and Rural North Wales (disponível online em
http://www.jstor.org/stable/3513 e consultado em 5.Março.2010);
Mestres, F. (2009); Biston betularia, an example of evolution (disponível online em
http://www.recercaenaccio.cat/agaur_reac/AppJava/en/articles/divulgacio/article/20091217-bistonbetularia.jsp consultado a 26.Fev.2010);
Whittle, P. D. J. (1976); Further Studies on the Industrial Melanic Moth Biston betularia (L.) in the Northwest of the
British Isles (disponível online em http://www.jstor.org/stable/77140 consultado a 5.Março.2010);
Fachada, I. (2010); Rivais sobreviventes; Notas para professores, técnicos e alunos. Tradução e adaptação do
documento por Fachada, I., ao abrigo da Creative Commons, disponível online em
http://62.28.38.9/2009/concursos/lagarta/lagarta.pdf e consultado em 14.Janeiro.2010;
Fundação Calouste Gulbenkian – A Evolução de Darwin – 2009. Fundação Calouste Gulbenkian; Lisboa; 129 pp;
http://pt.wikipedia.org/wiki/Sele%C3%A7%C3%A3o_natural (consultado a 3.Fev.2010);
http://www.cvtv.pt/imagens/index.asp?id_video=483 (consultado a 14.Jan.2010);

http://www.darwin2009.pt/img/upload/profs_final.pdf (consultado a 6.Jan.2010).




5
Anexos
Tabela 2: Apresentação do grupo de controlo e do grupo teste.
Grupo controlo
cor minhocas
Grupo teste
Rosa
Amarela
Azul
Rosa
Amarela
Azul
Rosa
Amarela
Azul
Rosa
0
50
50
50
50
0
50
0
50
Amarela
50
0
50
0
50
50
50
50
0
Azul
50
50
0
50
0
50
0
50
50
cor minhocas
Tabela 1: Apresentação dos resultados obtidos ao fim de o dias de estudo.
Minhocas Consumidas
% Minhocas Consumidas
Amarelas
Azuis
Total Minhocas
Consumidas
Amarelas
Azuis
% Total Minhocas
Consumidas
Rosa*
12
17
29
24%
34%
29%
13-Fev
Amarela
14
14
28
28%
28%
28%
14-Fev
Azul
13
4
17
26%
8%
17%
15-Fev
Rosa
1
2
3
2%
4%
3%
16-Fev
Amarela*
31
45
76
62%
90%
76%
17-Fev
Azul
3
0
3
6%
0%
3%
18-Fev
Rosa
3
30
33
6%
60%
33%
19-Fev
Amarela
30
5
35
60%
5%
35%
20-Fev
Azul*
7
29
36
14%
58%
36%
Datas
Cor da placa
12-Fev
Rosas
Rosas
Note-se que por placa foram colocadas 100 minhocas, 50 de cada cor, sendo que a % de minhocas Rosas, Amarelas, ou Azuis, comidas é em relação às 50
minhocas que foram colocadas de cada cor enquanto que a % total é em relação , tal como o nome indica, ao total das 100 minhocas por placa.
* Grupo controlo
6

Documentos relacionados

Caça à minhoca a selecção natural em acção

Caça à minhoca a selecção natural em acção A Selecção natural é a teoria da evolução proposta por Charles Darwin. De acordo com este processo, os seres mais aptos de uma população sobrevivem e transmitem os caracteres mais favoráveis. Dado ...

Leia mais