Aniversário de 15 anos do fim evidencia as marcas

Transcrição

Aniversário de 15 anos do fim evidencia as marcas
Clássicos
Seinfeld
Aniversário de 15 anos do fim evidencia as marcas da série
e dos seus personagens na cultura pop – um processo
que começou com um show de stand-up e, yadda, yadda,
yadda, se tornou fenômeno do entretenimento
por Vana Medeiros
E
m 14 de maio de 1998,
completava nove temporadas no ar um
programa de TV sobre nada. Ou, pelo
menos, sobre nada muito importante.
Seinfeld, comandado por seu
comediante-título Jerry Seinfeld ao lado do amigo
Larry David, provava que nada rende tanto assunto
quanto a aparentemente pálida vida cotidiana.
Ainda hoje, 15 anos depois de o último capítulo
atrair 76 milhões de telespectadores e se tornar o
terceiro evento mais visto de todos os tempos na TV
norte-americana, esta história está longe de acabar.
Criado em 1989, o programa foi fruto da
experiência dos dois colegas no mundo dos shows
de stand-up comedy, que eles mesmos ajudaram a
popularizar nos Estados Unidos. A base da atração
eram piadas que Jerry fazia em suas apresentações,
inspiradas em sua vida como homem solteiro na
Nova York do final dos anos 1980. Audiências do
mundo todo foram atraídas pelo cotidiano de Jerry,
Elaine (Julia Louis-Dreyfus), Kramer (Michael
Richards) e George (Jason Alexander), exibido no
canal NBC, em situações absolutamente triviais
que ressoam no imaginário coletivo dos amantes da
cultura pop há mais de duas décadas. São episódios
clássicos e impagáveis, como aquele em que Elaine
não se conforma em obedecer ao impetuoso humor
do dono de um restaurante com a melhor tigela
de sopa da cidade (“The Soup Nazi”, 1995). Ou a
expressão “master of your domain” (“The Contest”,
1992), “mestre do seu próprio domínio”, usada quando
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seinfeld
os amigos audaciosamente
i
diariamente,
8h30,
se engajam em uma
sony, 49 e 549 (HD)
competição para descobrir
quem é capaz de passar
mais tempo sem qualquer tipo de atividade sexual.
A lista é extensa. Boa parte do sucesso do
programa veio de sua capacidade de produzir
momentos memoráveis que conseguiram se
estabelecer por tanto tempo no efêmero tecido da
cultura pop. “Yadda, yadda, yadda.” “Hello, Newman!”
ou “o grande arquiteto Arthur Vandelay” são todas
expressões capazes de trazer uma cena à mente dos
fãs. Até hoje é comemorado pelo mundo todo, no
dia 23 de dezembro, o Festivus, em homenagem ao
feriado sugerido pelo pai de George (“The Strike”,
1997). É possível ainda fazer um passeio temático
inspirado na série, passando por pontos turísticos de
Nova York e criado por Kenny, o verdadeiro Kramer,
um amigo de Larry David que o inspirou a escrever o
personagem de Michael Richards.
A pesquisadora Joanne Morreale, autora do
livro Critiquing the Sitcom: A Reader (Editora
Syracuse University Press, 2002), acredita que
esta marca tão profunda na vida dos fãs se deve à
ousadia da série em quebrar padrões da comédia
na TV, rejeitando os relacionamentos amorosos
ou lições de moral que normalmente fazem parte
do vocabulário de outros programas. “Para uma
audiência que estava imersa na trajetória das
sitcoms, e talvez um pouco cansada das mesmices
do gênero, Seinfeld deu a eles algo novo e também
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Clássicos
Cifras – Jerry Seinfeld prometeu, logo nas primeiras temporadas,
que não estenderia a duração da série além das suas potencialidades.
Cumpriu. Ele recusou uma oferta de 100 milhões de dólares do canal
NBC para produzir o décimo ano
Culpados – No último capítulo da série, “The Finale”, os
quatro personagens são condenados à prisão perpétua por todos os
crimes que cometeram ao longo de nove anos de comportamento
politicamente incorreto, denunciados até pelo “Nazista da Sopa”
O Rei dos Idiotas – George Costanza, autoproclamado
“The King of the Idiots”, no capítulo “The Susie”, em que ele grava
como recado de sua secretária eletrônica uma paródia de “Believe It
or Not”, trilha sonora da série de TV America’s Greatest Hero
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Hello, Newman! – Wayne Knight interpretava o personagem
recorrente Newman, arqui-inimigo e vizinho de Seinfeld. O motivo
para a briga entre os dois nunca foi revelado, mas o carteiro era
sempre recepcionado pela saudação sarcástica de Jerry
decisivo. O famoso slogan de série sobre o nada traduz
o fluxo de humor do programa. Entre os episódios mais
lembrados pelos fãs estão principalmente as situações
mais comuns, como aguardar uma mesa na fila de um
restaurante (“The Chinese Restaurant”, 1991), perder
o carro no estacionamento do shopping (“The Parking
Garage”, 1991) ou descobrir que seu delivery preferido
não entrega mais na sua casa (“The Pothole”, 1997). A
graça vem da reação dos personagens a estes problemas
aparentemente insignificantes.
Os quatro são mesquinhos, facilmente irritáveis e de
difícil convivência social. Em nove anos de programa, não
conseguiram interagir pacificamente com nenhum novo
personagem ou grupo de pessoas – não em um contexto
amigável, pelo menos. Não à toa, em 1998, quando Larry
David colocou seu ponto final na série com o episódio “The
Finale”, os personagens terminaram presos, pagando pelos
crimes que cometeram impunemente durante toda a atração.
“O final da série chocou muita gente, mas não deveria.
Fotos: divulgação
algo que os reconhece como espectadores inteligentes,
com maior entendimento daquilo que estão vendo.”
Esta visão da audiência, como capaz de entender
mensagens mais elaboradas, refletiu na forma como
o público se relacionava com a série. “Este processo
criou uma comunidade de iniciados que captavam o
espírito do programa e podiam conversar sobre ele uns
com os outros – teve apelo principalmente para jovens
sofisticados e educados que apreciavam a manipulação
irônica das convenções da sitcom, assim como seu
humor baseado nos personagens”, continua Morreale.
Ao contrário de outras séries do gênero, que
costumam equilibrar sua comédia entre os tipos
apresentados e as situações em que eles se veem
envolvidos, Seinfeld elimina o meio como um fator
Porque, na verdade, eles eram pessoas realmente horríveis!
Jerry assaltou uma mulher por uma fatia de pão uma vez!”,
lembra David Lavery, autor do livro Seinfeld: Master of Its
Domain (Bloomsbury Academic, 2006).
Isto por conta da determinação de Seinfeld em fugir do
sentimentalismo que marcava outras sitcoms. Finais felizes
eram proibidos, assim como abraços e pares românticos
duradouros. “Eles tinham uma regra que dizia que, sempre
que estivessem escrevendo um roteiro, pesquisavam o que
uma sitcom normalmente fazia em uma situação como a do
episódio em questão, rejeitavam isso como saída e faziam
outra coisa. Eles sempre tentaram fazer as coisas de um jeito
que nunca foi feito antes”, comenta David.
Esta ousadia abriu um precedente para as comédias
televisivas norte-americanas. A partir daí, o gênero se abriu
para a experimentação, e foram possíveis avanços no formato,
que vão desde a evolução das tramas em séries como Friends
(em oposição às histórias estáticas, sem memória, para usar
um termo cultivado pelos acadêmicos), às viagens no tempo
do narrador em How I Met Your Mother. Ou até a honestidade
desmedida na qual Larry David apostou com Segura a
No Soup For You – Na sétima temporada, Elaine não se conforma em
ter de se submeter ao humor intempestivo do dono do melhor restaurante
de sopas da cidade, até que consegue tirá-lo do negócio ao revelar suas
disputadas receitas secretas
Por conta – O canal NBC, apesar de aberto e, portanto, alvo da
censura por lei estabelecida na TV norte-americana, dava total
liberdade aos roteiristas para criarem suas piadas, inclusive as
sexuais. A única regra: usem a imaginação para burlar os censores
Sponge Worthy – Elaine, a única mulher do grupo, se
recusa a cair no estereótipo feminino, e tem uma vida sexual
até mais agitada que os amigos. É, inclusive, a segunda a perder
a competição de mestre do seu domínio e chega a trocar de
parceiros tanto quanto Jerry
Onda. O ex-parceiro de Jerry, aliás, reuniu o elenco
da comédia em 2009 para uma série de episódios
da sétima temporada do programa, uma espécie de
Seinfeld sem censura, já que instalada no canal por
assinatura HBO (tanto nos EUA quanto no Brasil).
Não dá para negar, no entanto, que uma nova
geração inteira de jovens não está familiarizada com
as piadas do programa. É da própria natureza da
cultura pop este ciclo interminável de séries, filmes,
ídolos, ícones, referências, que se alternam diante
dos olhos de seus consumidores. A influência do
humor irônico e anti-heroico que permeou suas nove
temporadas ainda ressoa – na televisão e na memória
de uma legião de fãs.
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