C5- UHEs na China: O Caso Usina Hidrelétrica de Três Gargantas.

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C5- UHEs na China: O Caso Usina Hidrelétrica de Três Gargantas.
UHEs na China: o caso Usina
Hidrelétrica de Três Gargantas
Lilian Bechara Elabras Veiga1
Alessandra Magrini2
Marco Aurélio Santos3
RESUMO:
RESUMO: A China tornou-se, em 2013, o maior produtor mundial de energia hidrelétrica. A
entrada em operação das usinas hidrelétricas Três Gargantas e de Xiangjiaba, ambas localizadas no
rio Yangtze, contribuiu para este reposicionamento. Depois de décadas de planejamento, a usina
hidrelétrica de Três Gargantas, a maior UHE do mundo, entrou em completa operação em 2012, com
capacidade instalada de 18.200 MW.
Apontada pelo governo chinês como “a” solução para
controlar as cheias catastróficas do rio Yangtze, responsáveis pela morte de milhares de pessoas,
melhorar as condições de navegação do rio e como fonte renovável de energia, capaz de reduzir a
dependência do país ao carvão, o projeto da usina foi alvo de muitos questionamentos e
controvérsias, seja na China, seja internacionalmente. Muitas das críticas provêm da severidade dos
impactos ambientais, sociais e econômicos resultantes de sua implementação e operação. Assim, este
artigo apresenta o processo que envolveu o planejamento, implementação e operação da maior
hidrelétrica do mundo, a UHE Três Gargantas, iniciado em 1919, quando a ideia de construir uma
UHE no rio Yangtze surgiu, buscando entender como se deu o processo e os impactos resultantes.
Palavras Chave: energia, usina hidrelétrica, China, Três Gargantas
1 - Lilian Bechara Elabras Veiga, D. Sc - Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de
Janeiro - Telefone: 55-21-2566-7711 email: [email protected]
2 - Alessandra Magrini, D. Sc - Professora Titular do Programa de Planejamento Energético, Universidade Federal do
Rio de Janeiro Tel: +55 (21) 3938-8760 - e-mail:[email protected].
3 - Marco Aurelio Santos, D. Sc - Professor Adjunto 4 do Programa de Planejamento Energético, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Tel: +55 (21) 3938-8760 - e-mail:[email protected]
INTRODUÇÃO
A China, nas últimas décadas, vem apresentando um acelerado crescimento economico. O país
é, atualmente, o maior consumidor e produtor de energia do mundo (EIA, 2015). Tal fato pode ser
atribuído ao elevado crescimento do setor industrial, responsável por 78% do consumo total de energia
no país (Ma, 2015). Os demais setores, residencial, comercial e transporte, são responsáveis, juntos,
pelos 22% restantes.
A China, diferentemente do Brasil, tem sua matriz enegética fortemente baseada em fontes de
energia fósseis. De fato, a economia chinesa, mais especificamente o setor industrial, é altamente
dependente do carvão, fonte altamente poluente, cujas emissões atmosféricas contribuem fortemente para
potencializar os efeitos adversos das mudanças climáticas. De acordo Ma (2015), a participação do
carvão na geração de energia, em 2012, foi de 75 a 77%.
Em face a pressão internacional pela busca de possíveis alternativas energéticas para minimizar
os efeitos adversos das mudanças climáticas, a China, vem investindo na busca de uma maior eficiência
energética, em medidas de controle de poluição e em projetos e tecnologias voltados a energia renovável,
pricipalmente energia hidreletrica, solar e eólica, como forma de diversificar sua matriz, e
consequentemente diminuir a dependência do carvão mineral. De fato, o investimento em projetos de
energia renovável no país aumentou em 31% em 2014 em relação a 2013 (EIA, 2015). Neste mesmo ano,
a China tornou-se, o maior produtor mundial de hidroeletricidade. A entrada em operação das usinas
hidrelétricas (UHEs) de Três Gargantas, em 2012 e de
Xiangjiaba, em 2013, ambas no rio Yangtze,
contribui para isso.
A ideia de construir uma UHE no rio Yangtze existe desde 1919, quando foi proposta a
construção de uma barragem em Três Gargantas, porém, o projeto só foi aprovado pelo Congresso
Nacional em 1992, após a realização do estudo de viabilidade, tendo atingido sua capacidade máxima de
operação em 2012.
Apesar dos inegáveis benefícios, o processo como um todo foi alvo de diversos
questionamentos e controvérsias, principalmente devido a sua escala e aos impactos ambientais, sociais e
econômicos, muitos dos quais não previstos. Como exemplo de impactos negativos pode-se mencionar a
perda e fragmentação de vários habitats, perda de diversos sítios arqueológicos e culturais e a
reassentamento de 1,20 milhões de pessoas, em 351 cidades, dos quais 15% residiam na zona rural, eram
agricultores e tiveram que mudar de atividade econômica.
1. O SETOR DE ENERGIA
A República Popular da China é uma república socialista, governada pelo Partido Comunista
Chinês, sob um sistema unipartidário, que tem jurisdição sobre vinte e duas províncias, cinco regiões
autônomas, quatro municípios e duas regiões administrativas especiais. Os empreendimentos de
geração, transmissão e distribuição de energia elétrica são 100% controlados pelo Governo, que
controla os recursos naturais, os meios de produção e toda a infraestrutura do país, como estradas,
saneamento, geração e transmissão de energia elétrica, telecomunicações, habitações, etc. (Cardoso,
2014).
A China, país com uma economia em rápida expansão, é o maior consumidor e produtor
mundial de energia (EIA, 2015). O acelerado crescimento da indústria chinesa é o grande
responsável pelo aumento da demanda de energia no país, sendo responsável por 78% do total da
energia consumida no país (Ma,2015). Os demais setores residencial, comercial
e transporte
representam 22% da matriz.
O setor da energia, em busca de uma maior eficiência energética, vem investindo em
medidas de controle de poluição e em projetos de energia renovável, pricipalmente hidreletricidade,
solar e eólica.
O país é o primeiro importador de petróleo do mundo e o segundo maior consumidor, atrás
apenas dos Estados Unidos. O crescimento do consumo de petróleo da China representou, em 2014,
cerca de 43% do crescimento do consumo de petróleo do mundo.
A produção e o consumo de gás natural também vem aumentado rapidamente no país, mesmo
assim, representam apenas 5% do consumo de energia do país (EIA, 2015).
Desde a década de 80, o país é o maior produtor, consumidor e importador do mundo de
carvão, sendo responsável por quase metade do consumo mundial (EIA, 2015). De acordo Ma (2015)
a participação do carvão na geração de energia, em 2012, foi de 75 a 77%. Em 2014, dados do
governo chinês indicam que a produção e consumo de carvão diminuiram em quase 3%, o primeiro
declínio da indústria do carvão em 14 anos (EIA,2015). Esta tendência reflete a crise econômica,
particularmente nos setores carvão intensivos, como as indústrias do aço e do cimento, redução na
demanda por energia elétrica, aumento na geração hidreletricidade, e regulamentação ambiental mais
rigorosa, imposta às indústrias altamente poluentes, incluindo a indústria do carvão.
Quanto a eletricidade, a China se tornou o maior gerador de energia do mundo em 2011,
ultrapassando os Estados Unidos (EIA, 2015). O carvão e a hidreletricidade são as principais fontes
de geração de energia elétrica, representando respectivamente 63% e 22% da capacidade instalada
(Figura 1).
O país vem investindo na diversificação de sua matriz elétrica, investindo em energia nuclear,
em fontes renováveis (como a hidreletricidade, energia solar e eólica) e em gás natural.
O
investimento em projetos de energia renovável aumentou em 31% em 2014 em relação a 2013 (EIA,
2015). Apesar do aumento dos investimentos na diversificação da oferta de energia, o carvão
continua a ser
a principal fonte de geração. Tal fato é atribuído a grande quantidade de reservas
nacionais.
A geração de energia elétrica é controlada por companhias estatais, embora algumas reformas
implemetadas pelo governo permitiram a abertura do setor para investimentos privados e
estrangeiros. A figura 1 apresenta a capacidade instalada no país por fonte para 2013.
Figura 1: Capacidade instalada por fonte, 2013
Fonte: EIA, 2015
Quanto as fontes renováveis, a China tornou-se, em 2013, o maior produtor mundial de
hidroeletricidade. A entrada em operação das UHEs de Tres Gargantas, em 2012 e de Xiangjiaba,
em 2013, ambas no rio Yangtze, contribui para isso. De acordo com EIA (2015), a capacidade de
instalada de geração hidrelétrica era no final de 2013, de 280 MW, respondendo por mais de um
quinto da capacidade de geração instalada no país.
A maior UHE em operação na China é a UHE Três Gargantas (TGD), com capacidade
instalada de 18.200MW. Além de TGD, outros projetos de UHEs a serem destacados neste país são:
Jude Xiluodu (12.600 MW), Xiangjiaba (6.000 MW), Longtan (6.300 MW), Jinping II (4.800 MW),
Xiaowan (4.200 MW), Laxiwa (4.200 MW), Jinping I (3. 600 MW), Pubugou (3.600 MW),
Dagangshan (3.600 MW) e Goupitan (3.000 MW) (WEC, 2013). A tabela 1 apresenta algumas das
maiores UHEs em operação e em construção na China.
Tabela 1: UHEs em Operação e em Construção
UHE
Xiloudu
Longtan
Laxiwa
Xiaowan
Ertan
Pitan
Gezhouba
Lijiaxia
Longyangxia
Liujiaxia
Capacidade Total
(Mw)
12600
5400
4200
4200
3300
3000
271,5
200
128
122,5
Bacia
Término
Changjiang
Pearl
Yellow
Mekong
Changjiang
Changjiang
Changjiang
Yellow
Yellow
Yellow
2015
2009
2008
2012
2000
2011
1981
1999
2001
1974
Fonte: Gao, 2007
Quanto a energia eólica, em 2013, a China foi o segundo maior produtor mundial, gerando
cerca de 132 TWh, um aumento de cerca de 38% em relação a 2012. O governo tem incentivado o
investimento em infra-estrutura, principalmente no sistema de transmissão.
A China também vem investindo agressivamente em energia solar. A estimativa do país é
aumentar a capacidade instalada de 15 GW, ao final de 2013, para 100 GW, ao final de 2020. Desde
2012, o governo vem concedendo incentivos financeiros relevantes aos fabricantes de equipamentos
de energia solar, o que resultou em um “boon” nos projetos de energia solar em larga escala.
Finalmente, a utilização da biomassa na China é relativamente pequena. O governo vem
concedendo incentivos fiscais para investimentos em projetos de biomassa e de incineração de
resíduos. Em 2014, a capacidade total instalada foi de 10 GW, com estimativa de aumentar para 30
GW até 2020. A figura 2 apresenta a geração de energia elétrica na China para o período 2000-2013.
Figura 2: Geração energia elétrica por fonte, 2000-2013
Fonte: EIA, 2015
2. O PROCESSO DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL NA CHINA
A lei maior que rege a proteção do meio ambiente na China é a Lei de Proteção Ambiental da
República Popular da China (Environmental Protection Law of the People’s Republic of China,
EPL), promulgada em dezembro de 1989. Esta lei foi recentemente alterada, em abril de 2014,
durante a 8a Seção Plenária do 12o Congresso Nacional da República Popular da China, tendo
entrado em vigor em janeiro de 2015. A EPL tem por objetivos a proteção e melhoria da qualidade
do meio ambiente, a prevenção e o controle da poluição, a proteção à saúde pública, promovendo a
melhoria dos ecossistemas, permitindo o desenvolvimento sustentável sob os aspectos económico e
social. A EPL foi responsável por introduzir, na China, a realização da Avaliação de Impacto
Ambiental e de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para projetos que possam resultar em impactos
ao meio ambiente, além da obrigatoriedade da realização de audiências públicas.
Em 2002, foi promulgada a Lei de Avaliação de Impacto Ambiental da República Popular da
China (EIAL- Environmental Impact Assessment Law of the People's Republic of China). A referida
Lei, nos capítulos II e III, dispõe sobre a realização de EIA para planos de desenvolvimento e
projetos de construção.
A Lei define três classes de estudos ambientais, que devem ser realizados de acordo com a
extensão do impacto ambiental do empreendimento:

Environmental Impact Statement (EIS - Relatório de Impacto Ambiental) – Aplicado a projetos
suscetíveis a causar efeitos significativos ao meio ambiente;

Environmental Impact Form (EIF - Formulário de Impacto Ambiental) – Aplicado a projetos
suscetíveis a causar efeitos limitados ao meio ambiente;

Environmental Impacts Registration Table (EIRT - Formulário de Registro de Impacto
Ambiental) – Aplicado a projetos onde não se espera causar efeitos adversos ao meio ambiente.
O enquadramento de um projeto na classificação supracitada é definido pelo departamento
responsável pela proteção do meio ambiente.
A lei define a obrigatoriedade da realização de audiência pública para projetos de construção
que realizem o EIA (Cardoso, 2014). Os comentários e sugestões resultantes da audiência, se
adotados ou não, devem ser transcritos ao EIA. A competência para avaliar e aprovar o EIA, ao
nível nacional, é do ministério do meio ambiente (MEP – Ministry of Environmental Planning).
O MEP avalia os projetos com um investimento de US $ 100 milhões ou mais e projetos de
construção de "natureza especial", tais como instalações de energia nuclear, ou projetos cujos
impactos ultrapassem os limites de uma província (McElwee, 2008). Os governos das províncias são
responsáveis por avaliar e aprovar os demais EIAs, podendo delegar sua competência as autoridades
das sub-províncias. O órgão responsável tem o prazo de 60 dias a partir do recebimento do EIS, 30
dias a partir do recebimento do EIF e 15 dias a partir do recebimento do EIRT para analisar o estudo
ambiental e proferir sua decisão quanto a continuidade ou não do empreendimento.
De acordo com McElwee (2008), existem, na China, guias e documentos que orientam como
EIA devem ser realizado, além de diretrizes específicas para diversos setores industriais como por
exemplo, o setor petroquímico - Diretrizes Técnicas para Avaliações de Impacto Ambiental: Projetos
de Construção Petroquímicos (Technical Guidelines for Environmental Impact Assessments:
Petrochemical Construction Projects -HJ/T 89 – 2003).
3. O CASO DA UHE TRÊS GARGANTAS
A UHE de Três Gargantas (TGD), esta localizada no rio Yangtze. O rio Yangtzé o terceiro maior
rio do mundo, com comprimento de 6.300 Km e descarga anual de 960 bilhões de m 3 no mar do Este da
China. A área de drenagem do rio é de 1,8 milhões de km2, com cheias a cada dez anos. Ele é
responsável por abastecer um terço da população chinesa, 70% da cultura de arroz e 40% da atividade
industrial (Tullos, 2009). O rio é também responsável por severas cheias, como as ocorridas em 1911,
1931, 1935 e 1954 que resultaram na morte de 300.000 pessoas. Mais recentemente, a cheia de 1981
resultou na morte de 3.000 pessoas e em 1998 na morte de 4.000 pessoas e o alagamento de uma área
cultivada de 25.000 hectares (Tullos, 2009).
A ideia de construir uma UHE no rio Yangtze foi sugerida pela primeira vez em 1919, pelo então
presidente da república da China Sun Yat-Sem, que propôs a construção de uma barragem em Three
Gorges, visando a melhoria nas condições de navegação e o controle das cheias (http://www.ctgpc.com).
Nas décadas de 30 e 40 foram realizadas pesquisas na área. Na década de 50, a construção da
barragem foi colocada na agenda do governo. Porém, devido à complexidade do projeto de engenharia e
ausência de recursos financeiros, o projeto foi aprovado pelo congresso chinês apenas em 1992. A
construção da UHE TGD teve início em 1994, entrou em operação em 2009 e foi concluída em 2012
(Gao, 2007, Xu et al., 2013). A figura 3 apresenta a localização da UHE TGD.
Figura 3: A UHE Três Gargantas– localização
Fonte: http://www.ctgpc.com
A UHE Três Gargantas, com custo de U$ 31,8 bilhões, incluindo o custo de compensação
pela realocação de 1,20 milhões de pessoas (U$ 7,8 bilhões), foi financiada por empresas, agências
de crédito e bancos do Canadá, Suíça, Alemanha, França, Suécia e Brasil (Gao, 2007 &
http://www.ctgpc.com).
O complexo de Três Gargantas é composto por três partes: a barragem, as eclusas e o
elevador de navios (Shiplift). A barragem possui 2.309 m de comprimento e 181 m de altura, 1.3
milhas de diâmetro (Gao, 2007). As turbinas em número de trinta e duas turbinas, possuem cada
uma capacidade instalada de 700 MW (http://www.ctgpc.com.cn). A capacidade total instalada da
UHE TGD é de 18.200MW. O lago do reservatório possui 632 km2, dos quais 245 km2 são áreas de
cultivo (fazendas) (http://www.ctgpc.com.cn).
As turbinas são capazes de gerar cerca de 84,6 bilhões de Kwh. As eclusas, num total de
duas, estão em um dos lados da barragem, uma para o tráfego upstream e uma para o tráfego
downstream. A terceira parte da barragem é a Shiplift, um elevador usado para elevar os navios
menores sobre a represa.
Os principais fatores que motivaram o governo chinês a construir a UHE TGD:
1. Controle de Cheias: ao longo de sua história, o rio Yangtze apresentou diversos episódios de
cheias, responsáveis pela morte de milhares de pessoas e pela perda de milhões de dólares em
danos ambientais e sociais.
2. Geração de Energia: a energia hidrelétrica reduz a dependência do país no carvão. A UHE de
TGD irá produzir 84,6 bilhões de Kw/h de energia ao ano.
3. Navegação: o reservatório irá permitir a navegação de navios de grande porte, chegando a
Shangai.
4. Turismo: por ser a maior UHE do mundo, TGD vem atraindo muitos turistas para ver uma das
maravilhas do mundo moderno.
Para Tullos (2009), os benefícios resultantes da construção da UHE TGD são inegáveis,
assim como os impactos ambientais e sociais sobre o rio Yangtse e a comunidade.
Segundo o
autor, o projeto foi objeto de Estudo de Impacto Ambiental, realizado de acordo com as normas em
vigor a época: State Environmental Protection Act (SEPA – 1979), Water Pollution Prevention and
Control Law (1984) e Environmental Impact Assessment Law (2003).
O processo de realização do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) teve início em 1983, com o
estudo preliminar de viabilidade, realizado pela Yangtze Valley Planning Office (YVPO), uma
agência do Ministério de Recursos Hídricos e Energia, e foi concluído em 1985 (Tullos, 2009). Em
1986, o Governo Central solicitou a revisão e complementação do estudo de viabilidade. Para tanto
14 grupos de trabalho foram organizados, sob coordenação da Canadian Yangtze Joint Venture
(CYJV), uma parceria entre o Ministério de Recursos Hídricos e Energia e a Agência Internacional
de Desenvolvimento do Canadá (CIDA), concluído em 19881. Este estudo, de dez volumes, concluiu
pela viabilidade ambiental do projeto (Tullos, 2009).
Em 1990 o estudo foi submetido ao Three Gorges Dam Approval Committee, que ao final de
1991, em parceria com o Ministério Recursos Hídricos e Energia aprovou o estudo de viabilidade,
submetendo mesmo a aprovação pelo Conselho de Estado.
Em abril 1992, a Quinta Seção Plenária do Sétimo Congresso Nacional da República Popular
da China aprovou, através de Resolução (The Resolution on the Three Gorges Project), o projeto da
UHE TGD. No mesmo ano, a SEPA (State Environmental Protection Administration)2, aprovou o
estudo de viabilidade, destacando a necessidade de implementar medidas de mitigação para
minimizar os impactos ambientais adversos resultantes do emprendimento, concluindo, porém, que
“as questões ambientais não afetariam a viabilidade do projeto” (Tullos, 2009).
Em janeiro de 1993, foi criado o Three Gorges Project Construction Committee (TGPCC),
com a função de representar o Conselho de Estado nas decisões e regular questões essenciais (Allin,
2004). O comitê era subdividido em três áreas: diretoria administrativa, diretoria de desenvolvimento
e reassentamento e China Yangtze Three Gorges Project Development Corporation (TGPCC). Em
julho do mesmo ano, o projeto preliminar do empreendimento foi aprovado pela TGPCC, marcando
o início da fase de construção da UHE TGD.
As obras propriamente ditas iniciaram-se em 1994. No ano seguinte, em 1995, teve início o
programa de reassentamento da população. Segundo Gao (2006), a construção da UHE TGD
ocorreu em três fases:
1. Fase I- 1993-1997 fechamento e desvio do rio,
2. Fase II – 1998 – 2003, enchimento do reservatório, primeira etapa (135m);
3. Fase III - 2004–2009, enchimento do reservatório segunda etapa (175m), conclusão do projeto.
Devido a sua magnitude, o projeto da UHE Três Gargantas foi objeto de questionamentos e
controvérsias, tanto na China, quanto internacionalmente (Gao, 2007). De fato, apesar dos fatores
positivos mencionados anteriormente, o projeto resultou em severos impactos ambientais, sociais e
econômicos.
1
Segundo Gleick (2008-2009), em 1992 governo do Canada cancelou a cooperação para o desenvolvimento do projeto.
Em 1993, os Estados Unidos (U.S. Bureau of Reclamation) suspendeu o acordo relativo a serviços técnicos tendo em
vista os impactos ambientais e econômicos do empreendimento.
2 A partir de 2008 Ministério da Proteção Ambiental (Ministry of Environmental Protection of the People's Republic of
China - MEP).
Alguns destes impactos foram destacados por Tullos (2009). Para o autor, desde o início do
enchimento do reservatório alguns impactos ao meio ambiente começaram a ser observados, muitos
dos quais tiveram seus efeitos potencializados em relação ao previsto pelo estudo de impacto
ambiental (EIA). Tullos (2009) destaca alguns destes impactos: perda da biodiversidade, espécies
endêmicas, de habitats, perda da qualidade da água (eutrofização), sedimentação, erosão da cabeceira
do rio, atividades sísmicas e riscos geológicos, declínio no número de espécies endêmicas de peixes
e vegetação ripária. Muitas espécies endêmicas de não se adaptaram ao novo fluxo do rio, a
alteração da temperatura água e profundidade do reservatório (Tullos, 2009).
Gao (2007) destaca
que as incertezas em relação a magnitude e abrangência dos impactos ambientais, principalmente, na
área de influência bacia hidrográfica ainda persistem.
Em 2013, Xu et al (2013) avaliaram os principais impactos ambientais e sociais previstos no
estudo de impacto ambiental (EIA).
Segundo os autores, alguns destes impactos tiveram sua
severidade ampliada em relação ao previsto no EIA, quais sejam: qualidade da água, eutrofização,
sedimentação, erosão da cabeceira do rio, impactos sociais e econômicos resultantes do
reassentamento da população e capacidade de suporte do meio para alocar a população. Os autores
destacam que 1.20 milhões de pessoas foram reassentadas em 351 cidades, 15% das quais residiam
na zona rural, eram agricultores, que sempre exerceram a mesma atividade, perderam sua atividade
econômica e como não sabiam exercer outra atividade tiveram perda de condição social e
econômica3. A escolha de forma compulsória sobre onde e como a população foi reassentada coube
ao governo chinês.
4.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A China é um país em franco crescimento econômico. O país, altamente dependente do
carvão para geração de energia, em busca de uma maior eficiência energética vem investindo na
diversificação de sua matriz, principalmente em projetos de energia renovável, como energia
hidreletrica, solar e eólica.
Neste sentido, a China é desde 2013, o país maior produtor de
hidreletricidade. A entrada em operação da UHE Três Gargantas, além de outras UHEs, contribuiu
para isso.
3
Segundo Gleick (2008-2009), os dados oficiais indicam que o número de pessoas reassentadas foi de 1,2 milhões,
enquanto que outros estudos indicam que de 1,3 a quase 2 milhões de pessoas foram reassentadas.
Com base nos que foi apresentado no presente artigo fica a pergunta: será que os benefícios
da implementação da usina de Três Gargantas superaram os custos ambientais, sociais e
econômicos? Responder esta pergunta é difícil, visto os custos e os benefícios são incomparáveis.
Como comparar a perda de espécies endêmicas com benefícios do controle das cheias? O
reassentamento de milhares de pessoas, perda de sua referência cultural e econômica com a geração
de energia renovável?
Estas controvérsias estão presentes na construção de qualquer UHE, talvez não na magnitude
que estiveram e ainda estarão presentes em Três Gargantas. A articulação entre o conhecimento
científico e políticas públicas pode contribuir para reduzir estas controvérsias. Com o aumento global
da demanda por energia novas usinas hidrelétricas como Três Gargantas serão uma realidade em
outros países
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