o cálice da tentação - Escritora Renata Martins

Transcrição

o cálice da tentação - Escritora Renata Martins
O CÁLICE DA TENTAÇÃO
“Abstende-vos de toda a aparência do mal”
I Tessalonicenses 5:22
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DEDICATÓRIA
Para Rafael que trouxe mais alegria e um novo
motivo para acordar todos os dias.
Para Roseni que representa aqui a gratidão
que tenho por cada fã dos meus livros.
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CAPÍTULO 1
REMOENDO O PASSADO
“Quero trazer à memória aquilo que me traz esperança.”
Lamentações 3:21
MUNDO FÍSICO
Roseni desligou o computador e novamente estava frustrada. Isso já
estava tornando-se repetitivo e cansativo.
Diariamente, desde o dia em que ela abrira uma conta em um site de
relacionamentos e havia encontrado vários amigos da época de colégio e
faculdade, sentimentos estranhos começaram a invadi-la. Porém, nem ela
sabia ao certo o que tanto a incomodava sempre que ela observava as atuais vidas de seus ex-amigos. Na realidade, saber, ela até sabia, só não tinha
coragem de assumir para si mesma que aquele sentimento repugnante, o
qual que ela havia lutado sua vida inteira contra, estava ali bem vivo em
seu interior. E assumir que sentia aquilo, era humilhante demais para ela.
“Não; eu não posso estar com inveja; Deus me livre! Eles eram meus
amigos! E são pessoas merecedoras do que conquistaram... Eu não posso
estar com inveja deles. Na realidade, eu nem tenho motivos para isso.”
Ela apenas pensou e tentou se convencer das palavras repetidas em
sua mente como um mantra “Eu não estou com inveja! Esse sentimento
não vem de Deus!”
Nem passava pela sua cabeça expressar em voz alta que poderia estar
sentindo aquilo com relação a alguém. Só o fato de pensar naquela possibilidade
(a de estar cobiçando o estilo de vida de outra pessoa) fazia com que ela se
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sentisse muito mal. E olhando bem, como já declarado em seu interior e de
modo bem enfático, ela nem tinha motivos para aquilo. Ou tinha?
Enquanto se dirigia para a cozinha para preparar o almoço (macarrão com molho e salsichas), as imagens dos rostos bonitos e bem-sucedidos voltaram a invadir sua perturbada cabecinha.
“A Marina é empresária, e é proprietária de uma cafeteria bem-sucedida. Acho que não casou, mas, em compensação, está curtindo a vida
com as amigas em viagens mundo afora... A Sabrina é enfermeira e casou
com um médico... A Fábia terminou administração e é gerente de banco; e
para completar, o “folgado” do Henrique é gerente de uma multinacional e
está morando no exterior! Dá para acreditar nisso?”.
Os pensamentos até pareciam ter vontade própria. E não era com
aquele tipo de sentimento mesquinho que Roseni gostaria de analisar a
vida dos seus amigos, mas era exatamente daquele modo que sua mente os
retratava. A grande maioria aparentava ter se dado bem na vida (ao menos
era o que eles postavam na tal rede social) e aquilo deveria ser motivo de
alegria, não de uma sensação estranha que a rondava desde o momento
em que ela colocou os olhos nas fotos e perfis de cada um deles. “Você está
se sentindo assim porque todos eles se deram bem, e você não. Olha só a
vidinha simples e sem graça que você tem!”
Uma voz bem esquisita ecoou dentro da sua cabeça. E o pior é que
aquela voz insistia em repetir aquilo e aparentemente não tinha como ser
silenciada. Ela simplesmente não tinha como tapar os ouvidos para “aquela
verdade”
Mas, que raios de pensamentos ridículos eram aqueles?
Incomodar-se com o estilo de vida dos outros já era muito ruim;
pensar na possibilidade de estar com inveja era o cúmulo do absurdo; mas,
achar que sua vida era “ruim” ultrapassava todos os limites de tolerância
mental...
– Tá amarrado e repreendido, em nome de Jesus! – Dessa vez ela
precisou se expressar bem alto para cortar, de uma vez por todas, aque4
les sentimentos doentios. – Que absurdo é esse, Roseni? – Ela começou a
conversar consigo mesma enquanto mexia o molho de tomate na panela e
picava as saborosas (porém nada saudáveis) salsichas. - Olha só a família
que você conquistou... Realização profissional não é tudo nessa vida! – Ela
ainda tentava se convencer, enquanto acrescentava as salsichas na panela e
mexia o molho sem parar. – Toda mulher sonha em ter o marido e os filhos
que você tem! – Dizia, sorrindo e relembrando o rosto de cada um deles,
tentando fazer com que sua “insatisfeita” mente concordasse com seus argumentos. – Não é toda mulher que tem um marido que a ama e vive para
agradar a você e aos seus filhos...
Ela tentava trazer à memória a tranquilidade com a qual ela e a família conviviam, provando a si mesma que aquilo certamente era mais prazeroso que um excelente emprego e viagens.
Enquanto silenciava seus argumentos, colocou o macarrão em um
grande prato e despejou cuidadosamente o molho por cima da massa.
“Agora só falta o queijo ralado”, pensou enquanto ia até o armário buscar
o ingrediente final.
- Droga! – Reclamou ao perceber que a última porção de queijo havia acabado no dia anterior, ao comerem junto com um cachorro-quente
no jantar. Pois é, o final do mês estava chegando e com ele, a escassez de
alguns produtos que faziam parte do dia-a-dia da família também!
– Acabou o achocolatado, a polpa de fruta, e agora, o queijo ralado!
Comentou levemente aborrecida enquanto arrumava a mesa do almoço de maneira bem graciosa, na tentativa de disfarçar a falta do queijo
em cima da macarronada.
“Pode ser que ao verem a mesa bem caprichada, eles nem sintam
falta de nada!”
Pensou, enquanto chamava os filhos para almoçar. Faltavam apenas
quinze minutos para a chegada da van escolar e eles precisavam fazer a
refeição e escovar os dentes sem demora.
- Puxa, mãe; alguma visita vem almoçar? - perguntou a Raissa, sua
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primogênita, admirada com o capricho do arranjo de flores e taças que a
mãe só costumava usar quando alguma ilustre visita surgia em casa.
- Uau, até parece que hoje é dia de festa! - Eduardo Júnior, o caçula,
admirou-se enquanto já sentava e pegava o garfo e a faca e batia com ambos na mesa, como quem já estivesse impaciente para comer.
- Não vem nenhuma visita e hoje também não é dia de festa. Só quis
caprichar na decoração. Vamos fazer de conta que estamos em um restaurante chique; que tal? – Eles toparam de imediato embarcar naquela brincadeira. Eduardinho inclusive pegou o guardanapo de papel e colocou por
cima da gola da blusa, como via nos filmes! – Mas, antes que você devore
tudo Eduardinho, vamos orar e agradecer pelo alimento: Querido Deus, te
agradecemos pelo alimento que temos, que ele possa fazer bem ao nosso
corpo e clamamos para que ele jamais falte em nossa mesa. Queremos pedir também que o Senhor possa abençoar aquelas pessoas que nessa hora
estão famintas e não têm nada para comer, em nome de Jesus, amém!
E foi só terminar a oração, que as crianças já correram em direção
à macarronada. E ao olhar para aquela cena, os filhos ali, tão saudáveis e
cheios de vida, Roseni simplesmente esqueceu-se de toda a perturbação
que sentira pela manhã. Até parecia que ela jamais havia acessado algum
site, tampouco tivesse se sentido incomodada pelo estilo de vida dos outros. Apenas ver as crianças comendo satisfeitas bem ali em sua frente fez
com o que toda a chateação desaparecesse.
- Só tem suco em pó?
- E o queijo ralado? Eu não estou vendo ele...
E aí a satisfação deu lugar ao aborrecimento novamente. Até parece
que os sentimentos ruins estavam dispostos a persegui-la o dia inteiro!
- Acabou a polpa de fruta, mas o suco em pó de uva é uma delícia...
E não tem queijo ralado porque ontem vocês dois exageraram muito na
quantidade que colocaram em cima do cachorro quente! E apressem, porque só faltam cinco minutos para o transporte escolar chegar!
Os meninos fizeram cara feia, mas comeram assim mesmo. Quer dizer,
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a cara feia só permaneceu por, no máximo, uns dez segundos em cada rosto.
A realidade é que Roseni e Eduardo tinham filhos (apesar de ainda serem
crianças) bem compreensíveis: Se tinham o luxo, eles aproveitavam; e se
só tinham o básico em casa, reclamavam um pouco, mas terminavam por
se contentar rapidinho. Era dif ícil encontrar crianças tão educadas e compreensivas daquela maneira. E por mais que a Raissa tivesse apenas doze
anos e o Eduardinho oito, eles eram muito conformados ante a situação
financeira em que a família vivia. Não costumavam exigir nada que os pais
não pudessem proporcionar, e caso pedissem e recebessem um não, jamais
faziam birra questionando. Eram dois filhos muito abençoados mesmo!
- Já estou ouvindo a buzina. Apressem que seu Antônio já chegou e
vocês sabem que irão tomar bronca dele caso demorem.
Rose tentava apressá-los já imaginando o estado de impaciência que
o motorista da van se encontraria. Mas, também, não era para menos: o
coitado andava com o veículo lotado de crianças birrentas e barulhentas
o dia inteiro. Além disso, todas precisavam chegar à escola na hora certa;
pelo bem da sua sanidade mental!
- Ih mãe, sinto muito, mas dessa vez a culpa não foi nossa: Estamos
prontos a um tempão! A senhora que demorou muito no computador e
atrasou o almoço. – Defendeu-se a filha.
E o pior é que ela tinha razão: a culpa pelo atraso realmente havia sido da
rede social; quer dizer; a culpa era da Rose que havia gasto boa parte da manhã
abrindo a “tal conta” e fuçando a vida de quem ela encontrava de conhecido
por ali.
Roseni respirou fundo e abriu um sorriso forçado (ela tinha plena
consciência do seu erro), enquanto delicadamente já empurrava os filhos
porta afora.
- A van... Olha a cara do seu Antônio... Correndo os dois agora mesmo!
Fazia cócegas e despachava os meninos antes que seu Antônio fosse
embora sem eles.
“Puxa vida; é a primeira vez que as crianças atrasam um pouqui7
nho... Também não posso ficar me torturando por isso: Eu quase nunca
tenho um momento de lazer!” Pensou, tentando amenizar sua culpa, enquanto entrava em casa e já se encaminhava em direção à louça suja na pia
da cozinha.
Imagens e mais imagens voltaram a permear sua mente enquanto ela
colocava detergente na esponja e começava a lavar talher por talher. Enquanto
esfregava, lembrava da pose feita pela Marina bem em frente à piscina do
navio. “Nossa, ela está tão bonita e elegante!” Foi o comentário mental e
involuntário que surgiu em sua cabeça. E assim como pela manhã, Rose
nada dizia, apenas pensava. Era a pose diante da piscina, depois uma foto
no cassino do navio... Imagens da festa de gala... “Quanto será que eles ganham por mês?” Ela se perguntou. Enquanto isso, no mundo real, copos,
pratos e talheres iam sendo bem lavados e empilhados no escorredor de
louça.
Louvores! Para espantar qualquer resquício de um possível sentimento de inveja, Roseni tentou entoar louvores a Deus, mas não se sentiu
animada para tal missão.
– Aqui só vai com oração mesmo. Só o Espírito Santo de Deus vai
poder tirar esse sentimento ruim de dentro de mim!
E assim que terminou o serviço, ajoelhou-se no tapete da sala e começou a colocar sua vida diante de Deus. Aqueles sentimentos tão confusos e danosos não faziam parte dela; ela nunca fora invejosa, nem costumava cobiçar coisas alheias. E, somente através da oração, todos aqueles
sentimentos ruins poderiam ir embora de vez.
– Senhor Deus, eu me coloco em Tua presença para te pedir perdão.
Eu confesso que o que senti foi inveja ao ver a vida da Fábia, da Marina, do
Guilherme... Puxa vida, até parece que todos eles se deram bem e eu fui a
única que não realizei meus sonhos!
E enquanto colocava seu coração atormentado diante do Espírito
Santo de Deus, foi impossível não recordar fatos passados e que deixaram
marcas tão profundas em sua vida... E por mais que ela tentasse sempre
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enxergar o lado bom de tudo o que acontecia (e certamente o relacionamento com o Eduardo e os filhos era a melhor coisa que ela já possuíra),
a realidade é que sua vida nunca fora muito fácil. Rose sempre precisou
se superar e não se deixar abater por todas as dificuldades que surgiam
diante de si. E isso começou desde cedo, dentro de sua própria casa no
relacionamento com os pais. Dificuldades e mais dificuldades; rejeição e
mais rejeição. E certamente, o incômodo com a “rede social” se dava por
causa disso: Ao ver os amigos felizes e realizados profissionalmente, foi
inevitável a comparação de sua vida com as deles.
Filha do meio de três irmãs, Rose sempre viveu em meio a uma disputa familiar: a mãe, dona Amélia, sempre teve uma predileção nítida
pela filha mais velha: Dayse. Tudo o que comprava ou pensava era para
a primogênita. Já o pai, esse um pouco mais discreto no modo diferente
de tratar, sempre procurava atender aos caprichos da Priscila, a caçula. E
Rose sempre ficava com o que sobrava dos dois: a impaciência da mãe, colocando defeitos em tudo o que ela fazia, e as migalhas de atenção do pai,
somente quando a caçula não estava, ele olhava para as necessidades dela.
E ela ali no meio, sendo sempre colocada de lado.
Afinal de contas, o que acontecia dentro daquele relacionamento
familiar? Por que ela não conseguia ser tratada de modo igual às suas irmãs? Aquilo não era algo normal: uma mãe excluir a filha de total afeto e
compreensão? Amélia estava mais para madrasta da Cinderela que mãe, e
Rose não entendia o motivo para aquilo acontecer. E não era a questão de
ser mal tratada; as coisas também não chegavam a esse ponto. Era a falta
de afeto como beijos e abraços que mais doíam. Era vê-la sempre elogiar a
Dayse e Priscila por tudo o que faziam, enquanto em relação a ela, a mãe
sequer reparava na roupa que ela vestia, ou nas notas que tirava... No fundo, o problema era ela: Roseni. Alguma coisa havia de errado nela e isso
afetava o modo como a mãe e o pai a viam e a tratavam. Porém, ela nunca
descobrira de fato o que ocorreu para que as coisas chegassem àquele ponto, na vida dela... Contudo, o pai não era uma figura tão grosseira quanto
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a mãe; ele chegava muitas vezes até a ser afetuoso com ela. Entretanto,
diante de tanto descaso, as migalhas lançadas por ele quase nunca eram
suficientes, não o quanto ela precisava.
Com o tempo, Rose percebeu que, para “sobreviver emocionalmente”
por ali, ela precisaria ser autossuficiente, ao menos no que dizia respeito em seu
relacionamento com os pais. As coisas só não eram piores, pois as irmãs tinham
muito afeto por ela, inacreditavelmente. Era como se a implicância da mãe e
a indiferença do pai houvessem despertado na Dayse e na Priscila um senso de proteção pela irmã. Na realidade, Rose e Dayse eram tão íntimas que,
vez por outra, a irmã não se importava em enfrentar a mãe para defendê-la.
– É um absurdo o modo como você a critica, sabia? Isso chega a ser
crueldade, mãe!
Essa era a Dayse. Já a Priscila fazia o tipo “patricinha alienada”.
Ela não era do tipo de comprar briga com os pais pela irmã, mas no fundo,
a amava e desejava que Rose ficasse bem. Ela gastava seu tempo quase todo
pensando em si mesma, mas desejava que de algum modo, a irmã pudesse
alcançar seus objetivos.
Roseni só nunca conseguiu entender o que de tão grave havia acontecido
com ela para que todo aquele caos emocional familiar houvesse acontecido.
Talvez ela nunca descobrisse...
- Amélia, é um absurdo a maneira como você trata essa menina! Já vi pais
que tinham predileção por outros filhos, mas a maneira como você e o Pedro
a excluem é absurda, é grosseria mesmo! Qual o problema de vocês, afinal?
- Perguntou a tia Cleide, irmã da mãe.
- Nunca me meti na criação dos seus filhos, Cleide. E não te dou o
direito de querer fazer isso com os meus... Nos entendemos muito bem
por aqui. Não se mete! - Era o que a “delicada” Amélia costumava dizer.
E ali, definitivamente ninguém ousava se intrometer!
Roseni precisou aprender desde cedo que para sobreviver ela precisaria exercitar o perdão diariamente, ou ela perdoava as atitudes dos pais
e decidia viver da melhor maneira possível, correndo atrás dos seus objeti10
vos pessoais, ou terminaria por virar uma pessoa amarga e com impulsos
vingativos... Fato que certamente não fazia parte do seu perfil. Decidiu
ficar com a primeira opção: um pouco de perdão não faria mal a ninguém!
Até por que o próprio Jesus havia deixado a lição de perdoar e “oferecer
a outra face”, e ela tratava de exercitar esse ensinamento dentro daquele
doentio ambiente familiar.
Contudo, a falta dos abraços, afagos e carinhos constantes, começaram a despertar em Rose o desejo de estar em braços que a desejassem
de verdade. E foi aí que ela passou a buscar em outras mãos o afago não
recebido em casa.
Rose, como era chamada de maneira carinhosa pelo restante da família,
começou a namorar cedo. Para os padrões cristãos, os quais a família seguia
(pasmem! Tinham uma relação terrível em casa, mas eram cristãos), quatorze
anos era muito cedo para iniciar um relacionamento. Mas, ela era uma garota
bonita. Não era o tipo modelo, mas tinha uma beleza natural e o corpo escultural de uma adulta, com um sorriso imenso e encantador que fazia com
que ela fosse percebida sempre. Era a típica mulher brasileira: cabelos fartos,
levemente ondulados, e de cor castanho claro. Os olhos? Grandes, vivos e
igualmente castanhos. Era uma combinação harmoniosa, sem dúvida alguma.
A pele tinha uma tonalidade tropical, como se vivesse eternamente bronzeada... E era alta. Não uma altura que a deixasse desproporcional ao restante da
população, mas seus 1,72 m chamavam bastante atenção.
Seus pequenos namoros eram escondidos. Sua liderança na igreja
não concordaria com aquilo, devido à sua pouca idade e imaturidade, e
com certeza, ela só arrumaria mais problemas com a mãe. Sendo assim,
para quê gerar mais aborrecimentos? Seus namoricos permaneciam em
oculto e sempre com a ajuda das irmãs; ponto final.
No fundo, a falta de amor explícita por parte dos pais gerava nela um
desejo absurdo por amor fora de casa. E assim ela ia, de namoro em namoro, de amor em amor. Isso até conhecer o Maurício, o primeiro grande
amor da sua vida.
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Na realidade Rose só tivera dois grandes amores: o Eduardo seu marido, e o Maurício; aquele que havia sido o primeiro. E ele fazia parte daquele tipo de relacionamento que ficava grudado na alma; que passavam
os anos e ele ficava ali, dando um jeito de nunca ser esquecido.
Rose e ele haviam se conhecido por amigos em comum, estudavam em colégios diferentes (Maurício sempre tivera boas condições financeiras e Roseni estudava num colégio público), mas que ficava numa localidade próxima, o que colaborava para que eles se vissem
praticamente todos os dias. E eles eram loucos, um pelo outro; planos
para casar era o que não faltava. Entretanto, como colocar em prática
um plano daqueles quando se era tão jovem? Ele mal tinha completado
a maioridade, e ela nem isso! E também tinha a fama de playboy dele...
Maurício era apaixonado pela Rose, mas pelo fato dela ser cristã e ele não,
isso dava a ele razões para estar em festas e baladas sem a companhia dela.
E as bebedeiras geralmente costumavam a “dar em algo mais” (apesar dos
amigos comentarem e ele sempre negar), o que gerava muita insegurança
nela. E foi justamente essa instabilidade, que recorria dele, que causou o
maior problema entre os dois: Roseni não confiava em se entregar sexualmente para o Maurício e ele não se conformava com a resistência dela.
Roseni sempre havia tido um criação baseada na palavra de Deus, apesar do comportamento torpe dos pais. Ela havia sido ensinada na igreja, pelos
pastores e líderes, o quanto Deus era bom e em como Ele era um Pai perfeito.
E talvez fosse esse relacionamento que ela aprendera a desenvolver com o
Todo-poderoso, que a manteve no foco e a impediu de fazer uma porção
de besteiras na vida. E uma das “besteiras” evitadas era justamente com
relação ao Maurício: Ela queria se guardar para o homem de Deus para sua
vida e ele simplesmente não aceitava aquilo.
- Que bobagem, Rose, eu te amo. E nós vamos casar sim. Você não
confia em mim?
Não, ela não confiava apesar de amá-lo. E também tinha o fato de
saber que sexo fora do casamento era algo que feria a santidade de Deus,
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era pecado. E ela não queria aquilo para a vida dela: desagradar a Deus
para agradar ao namorado. E mesmo que seus pais aprovassem aquele relacionamento (e eles aprovavam e muito, talvez porque as finanças dele
falassem mais que o caráter), ela sabia muito bem que o Maurício gostava
de curtir a vida. E para uma menina de dezessete anos e que era constantemente “rejeitada” pelos pais, ela precisava de algo a mais, precisava de
segurança. E mesmo que dona Amélia vivesse convencendo-a de que ela
havia tirado a sorte grande por estar com o “garoto de ouro”, era assim que
ela se referia a ele; ainda assim não era suficiente. Ela tinha muito medo de
colocar toda a sua expectativa nele e no final se decepcionar.
- Trate de casar logo com ele! Essa é sua grande oportunidade na
vida, Rose, e com certeza se você o perder, jamais vai achar outro igual...
Como sempre, as palavras da mãe eram extremamente encorajadoras e colocavam sua autoestima lá pra cima!
Maurício vinha de uma geração de advogados e seus pais viviam
muito bem financeiramente. Para Dona Amélia, o marido de “ouro” ia
além do sentido metafórico.
E foi devido à resistência da Roseni em manter um relacionamento
com “tudo o que se tinha direito”, que a coisa desandou: os boatos de que
o Maurício a traia com várias garotas tomou força, e após uma delas ter
contado pessoalmente a Rose (eles se conheceram durante uma das festinhas e acabaram na cama), a decepção finalmente tomou forma.- Juro que
foi uma coisa só f ísica. Eu sou homem, Rose! E eu te amo... Por favor, não
termina tudo comigo; juro que isso nunca mais vai acontecer!
E não ia mesmo, Roseni não iria tolerar uma traição e ainda mais de
alguém que dizia que casaria com ela e que a amava tanto. O ponto final
entre eles havia enfim chegado.
- Sua burra! Todo mundo erra nessa vida... E eu já me via a outra avó
dos netos da família Araújo Motta... O mínimo que esse rapaz merece é
uma segunda chance!
A mãe vivia atormentando desde o término do namoro.
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- É por isso que nós não aprovamos namoro entre crente e descrente:
o propósito de vida é muito diferente, Rose! Enquanto o cristão cuida de
agradar a Deus, os “mundanos” cuidam de satisfazer suas próprias vontades. Luz e trevas não se misturam!
Foi o que disse a pastora Valéria, que era responsável pelos jovens
da igreja que Roseni frequentava com os pais. Desde o início ela não aprovava aquele relacionamento e a traição do Maurício só vinha confirmar os
motivos.
E mesmo desagradando à mãe, Rose preferiu ouvir o conselho da sua
líder e dessa vez seguir em frente e esperar em Deus. O Maurício iria ficar
definitivamente no passado, mesmo que isso doesse profundamente nela.
Para esquecer o “amor fracassado”, Rose começou a dedicar-se de
corpo e alma aos estudos (ela havia acabado de passar para o curso de
letras) e aos seus ministérios na igreja: teatro e dança. E foi através de
apresentações teatrais em outras igrejas, que ela conheceu o Eduardo, um
simples vendedor de sapatos e membro do ministério de intercessão que
se encantou por ela no dia em que Roseni foi apresentar uma peça, na igreja em que ele congregava. Troca de números de telefones; convites para ir
a lanchonetes, e eles começaram a orar e namorar.
O cara podia ser simples (o que não era desvantagem; nem vantagem), mas demonstrava amar a Deus tanto quanto ela. Todo o tempo livre
do Eduardo era gasto com atividades na igreja: acampamentos, escala da
intercessão, cultos, reuniões nos lares... Ele era muito prestativo em todos
os sentidos. Era um jovem consagrado a Deus, sem dúvida alguma. Além
disso, aparentava gostar muito dela, praticamente todo seu dinheiro era
para agradar a namorada: passeios, perfumes, ursos de pelúcia... Ele era
apaixonante em todos os sentidos. Além do fato de ser um rapaz bonito. Não era tão alto; praticamente tinham a mesma altura; mas ele tinha
um cabelo claro e com corte baixinho que contrastava totalmente ao dela.
E o nariz era afilado, tão perfeito, além de vez por outra usar uma barba
ralinha que acrescentava mais charme ainda. Era engraçado como até fi14
sicamente eles eram muito diferentes, mas se complementavam em todo
o resto.
E foi através dos dons artísticos dela e do serviço dele na igreja, que
ambos se encontraram e apaixonaram-se... Até que o namoro que era santo virou carnal!
O problema foi o “não vigiar” durante o relacionamento: da oração,
as coisas evoluíram para abraços e beijos... Daí para a “carne” ditar as regras, foi um pulo: começaram a sair sozinhos (o que era uma prática proibida na igreja), estavam sempre a dar “amassos” em lugares isolados; e a
intimidade reservada apenas para os casados passou a virar rotina na vida
dos dois. E Roseni não sabia explicar ao certo, mas nele ela confiava plenamente a ponto de se entregar de corpo e alma. E ela sabia que aquilo era
muito errado, mas ainda assim se sentia segura a ponto de abandonar-se
por completo com ele. Resultado: Rose engravidou. E isso tudo aconteceu
em menos de um ano de namoro. Foi um escândalo dentro da família, na
igreja, e com o Maurício também!
- Sua santa falsa! Você terminou comigo, porque era pecado fazermos amor, mas ao primeiro idiota que surge após mim você se entrega?
O que foi isso, vingança?
Essa havia sido a última vez em que eles se falaram. Se na época
em que eles terminaram, Roseni havia ficado extremamente magoada com
o Maurício, agora as dores mudavam de lugar, ele se sentiu humilhado e
“trocado” por outro.
Dessa vez, não tinha volta mesmo, nem para o campo da amizade!
As consequências da relação sexual fora do contexto apropriado foram grandes: casamentos às pressas (e sem nenhuma estrutura financeira
para aquilo), mudança da Roseni para a igreja do marido (a Bíblia diz que
ambos são uma só carne, e como a mesma carne pode congregar em igrejas diferentes?), coisa que para ela foi bem dif ícil, pois ela tinha uma amizade sincera com seus irmãos de congregação... Disciplina do casal (ambos
foram afastados de seus ministérios), além da saída da Roseni da faculdade
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e da cara feia de ambas as famílias pela situação constrangedora; claro!
Definitivamente, eles não tinham se preparado para aquilo.
E foi a partir desse momento que Roseni abriu mão de todos os seus projetos pessoais, ela que apenas estudava na Universidade Federal, ainda não havia
tido nem o primeiro emprego... E passaria muito tempo ainda nessa situação! Já
o Eduardo, esse trabalhava sim, mas ganhava pouco mais que o salário mínimo
como vendedor de uma grande rede de sapatarias. Era o salário e uma comissão,
que não era lá essas coisas... E foi aí que eles se viram as voltas com enxoval de
casamento e do bebê ao mesmo tempo. Muito mal deu para pagar pelo casamento civil! Fazer as coisas sem pensar nas consequências resultava em sonhos
frustrados. Preciosa lição aprendida, a custa de muito choro e decepção, claro.
Raissa nasceu em hospital público e de parto normal. E olhando para aquele rostinho lindo e inocente, percebeu que a filha, agora em seus braços, merecia
que ela abrisse mão dos seus sonhos para que a criança pudesse enfim ter algo
que a própria Rose de fato nunca teve: pais que a amassem e se sacrificassem por
ela. Entretanto, certamente a filha teria aquilo e muito mais: Rose estava disposta
a ser a melhor mãe do mundo e a consertar seus erros inconsequentes, tentando agora ser a mulher sábia que edificaria seu lar. E no que dependesse daquele
casal, eles estavam dispostos a consertar o erro cometido e iniciar uma família
estruturada e feliz, na medida do possível, seus filhos mereciam aquilo.
E foi enquanto terminava de orar e já com um sorriso no rosto, que Roseni percebeu que não precisava continuar a alimentar aquela inveja dentro de
si. Apesar das dificuldades, Deus jamais os havia abandonado e ela reconhecia
aquilo. Após o nascimento da Raissa, o Eduardo foi promovido à subgerente, e as
coisas melhoraram um pouco... Depois, o Eduardinho nasceu e agora o marido
era gerente da loja de calçados. Ainda não davam para viver luxado, mas até um
carro eles tinham! Tudo bem que não era zero, mas essa era mais uma prova que
Deus os sustentava em todos os momentos.
Um Deus que cuidava diariamente de sua vida, um marido que a amava,
filhos lindos e saudáveis, paz em seu lar... O que mais ela poderia desejar?
Uma vida financeira melhor, afinal eles nunca tinham dinheiro sobrando?
Sucesso, reconhecimento pessoal? Sim. Mesmo estando feliz com a vida que no
momento tinha, Rose percebeu que se pudesse, gostaria sim de ter tudo aquilo e
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um pouco mais.
Seus amigos da rede social eram a personificação do que Roseni sonhou, mas nunca pôde concretizar. E apesar de ter uma vida tranquila ao
lado da família, a verdade é que, ao olhar para os amigos ou ex-amigos,
ela desejou muito poder ter tido uma vida como a deles. As viagens, as
formaturas, um emprego legal, no qual ela pudesse colaborar com a renda
da casa... E quem sabe até poder ter alguns luxos como ir a um bom restaurante nos fins de semana?
Aquilo não era mais inveja, daquele sentimento terrível, ela havia se
livrado no período de oração. Aquilo era um desejo para o futuro. Só isso.
E foi remoendo o passado, que ela desejou ardentemente uma mudança para o futuro.
MUNDO CELESTIAL
O anjo responsável por acompanhar a vida de Roseni ficou receoso ao vê-la abrir a conta em um site de relacionamentos. Ele não esteve
sempre ao seu lado, mas o convívio intenso e frequente dos últimos anos
permitiu que, com o passar do tempo, ele conhecesse o que se passava em
seu interior, apenas olhando para sua face. E enquanto ela encontrava cada
antigo amigo, de imediato ele percebeu que ele poderia se influenciar, de
maneira negativa, por aquilo.
A cada etapa da vida dos filhos de Deus, os anjos que eram encarregados por “guardar” suas vidas eram mudados. A escala era sempre feita
por Miguel e Gabriel: os principais responsáveis por proteção e mensagens
(designados nessa ordem), no reino celeste.
E era sempre assim: dependendo da busca por Deus e da situação em
que cada um se encontrava, um anjo ou muitos deles eram enviados em
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socorro aos “santos”. Santos ou escolhidos eram como os filhos de Deus;
aqueles que tinham recebido Jesus como Senhor e Salvador e faziam sua
vontade; eram chamados no reino celeste. E o anjo que guardava Roseni
nesse momento já estava com ela há um bom tempo. Foi logo após a Raissa
nascer e Rose e o Eduardo resolverem seus problemas conjugais (desavenças e atitudes imaturas eram bem frequentes no início) e se manterem
bem firmes na presença de Deus. Eles haviam decidido colocar um ponto
final nas atitudes carnais de suas vidas e decidiram buscar o reino de Deus
(e sua justiça, claro) e viver diariamente na presença do Espírito Santo.
Esse foi o ponto de partida para que seu atual anjo protetor entrasse em
atividade para cuidar dela. Ela e o Eduardo entravam em um novo nível
espiritual e precisavam também de anjos de uma hierarquia maior para
os acompanharem. Porém, antes mesmo desses fatos ocorrerem, esse anjo
já conhecia bem a vida da Roseni. Na realidade, ele já acompanhava (de
longe) sua história desde a época do seu nascimento... Ela não fazia ideia;
na realidade ninguém fazia; mas Roseni fora fruto de um relacionamento
extraconjugal da mãe.
Após o nascimento da Dayse, a primogênita do casal Amélia e
Pedro, as coisas começaram a desandar na família: ele começou a se
ausentar muito de casa por precisar trabalhar dobrado para suprir as necessidades da criança, sendo assim, o casal já não tinha mais um período
de lazer, de aproveitarem a presença um do outro. Quando estava em casa,
o homem praticamente só dormia. O cansaço era tanto, que ele esquecia
que a mulher tinha necessidades emocionais (que precisava da companhia
dele), e em sua cabeça de “provedor do lar”, o coitado terminava por pensar apenas nas contas que não podiam atrasar. Já por outro lado, Amélia,
sem nenhuma ajuda em casa e cuidando sozinha do lar e de um bebê o dia
inteiro, começou a se sentir abandonada emocionalmente. Ela não tinha
tempo para si, nem para estar com o marido; se cansava demais com o
trabalho da casa, além do fato do bebê ser muito alérgico, o que sempre
exigiu dela cuidados especiais... Mãe e filha se tornaram muito próximas,
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ao passo que ela se distanciava cada vez mais do marido. Amélia amava o
esposo e só queria uma pouco mais de atenção por parte dele. Se sentir
amada de fato. Em contrapartida, Pedro amava tanto a mulher e a filha
que temia não poder dar uma vida digna a elas. E por isso trabalhava sem
parar. Acabou esquecendo que carinho era tão essencial quanto dinheiro.
E as pessoas poderiam escolher entre uma coisa ou outra: Elas precisam
das duas juntas! O dinheiro supre as necessidades, mas o companheirismo, o amor sendo expresso com atitudes, era algo inegociável.
E aí, já viu: marido ausente, criança pequena para tomar de conta,
e um vizinho bonito e atencioso, essa era a fórmula perfeita para grandes
problemas conjugais!
Ele era policial militar. E como o seu turno quase sempre era à noite,
durante o dia sempre estava disponível para ajudar com as compras, com
a lâmpada queimada que o Pedro esquecia de trocar... E sempre que ela
levava a Dayse para tomar banho de sol costumava encontrá-lo passeando
com o cachorro. E foi entre muitas conversas sobre o dia-a-dia, a ajuda e os
elogios, que o romance extraconjugal teve início. A Dayse ainda não tinha
nem um ano quando Amélia e Leonardo se envolveram.
Não foi nada premeditado, ao menos da parte dela. O marido era
excelente, mas há muito tempo ela não tinha um “homem de verdade”
em casa. Ela tinha um companheiro de apartamento, ao menos era assim
que ela encarava as coisas. Eram as necessidades não supridas dela, com a
ausência total dele.
O Pedro saía às seis e meia da manhã, e só retornava às vinte horas para casa. Tempo e oportunidade é o que não faltaram ao leviano casal. Porém, um enfarte fulminante acometeu o policial enquanto estavam
juntos. Dá pra acreditar? E as explicações a serem dadas aos socorristas?
E o comentário dos vizinhos quando viram uma ambulância chegar e Amélia sair desesperada da casa do Leonardo? E foi aí que tudo teve um fim:
Na realidade o romance teve que ser obrigatoriamente interrompido. Contudo, os problemas por ela a serem enfrentados apenas estavam começan19
do: alguns dias após o amante ter falecido (e o marido já estar desconfiado
com comentários que escutava pelos corredores), Amélia descobriu que
estava grávida. Uma tragédia era aquela notícia! E mesmo não tendo certeza absoluta que o filho (ou filha nesse caso) era do Leonardo, foi só a
menina ter nascido com cabelos escuros e olhos amendoados, para que ela
soubesse de que “raiz” Roseni era.
- Puxa, essa menina nasceu tão diferente da Dayse! Nós temos olhos
e cabelos claros, e ela nasceu com cabelos e olhos tão escuros... Você tem
alguém na família com essas características? - Perguntou o Pedro, já bem
desconfiado da situação.
Para ele, a Amélia havia contado a história de que ouvira um grande
barulho no apartamento do vizinho, e lá chegando, encontrou o Leonardo
estirado ao chão, praticamente morto. Todavia, o apartamento do policial
era um pouco distante do deles. Como ela poderia ter escutado Leonardo
passar mal, a ponto de ser a primeira a adentrar no apartamento do homem? Além disso, Pedro ainda precisava lidar com os olhares maldosos
que os vizinhos lançavam sempre que ele passava; além dos comentários
de como Roseni era diferente da Dayse...
- Minha avó por parte de mãe era assim: tinha uns traços indígenas.
Meus bisavôs eram uma mistura de índios com Alemães. Ela deve ter herdado esse lado da família.
Índios com alemães? Sei...
O marido não conhecia a maioria dos parentes da mulher, já que a
família da Amélia era do Sul do Brasil, de Santa Catarina. Ela tinha mudado sozinha para morar com uma tia e os pais ficaram lá em seu estado de
origem. Melhor assim, ninguém precisava conhecer a fundo sua família
mesmo.
E foi aí que a rejeição a Roseni começou: a mãe tinha certeza que
ela era fruto da traição, enquanto isso, o pai permanecia desconfiado, mas
nunca teve a certeza do que acontecera. E naquela época, o teste de paternidade era algo tão caro que certamente o Pedro não teria condições para
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financiar. A solução foi mudar da vizinhança para acabar de vez com as
fofocas, e desse modo, Amélia passou a ter mais paz, se tornando cada vez
mais dedicada ao marido.
O que incomodava mesmo ao Pedro era a dúvida. Porém, e se aquilo
fosse apenas fofoca de pessoas maldosas? E se realmente a esposa tivesse
parentes “indígenas”?
Já para Amélia, o que mais incomodava era não ter dúvida alguma!
Aos poucos, a história foi amenizada, mas para ele ainda era dif ícil tratar de igual modo suas três meninas (a Priscila fora concebido um
tempo após eles mudarem). Principalmente sempre que ele olhava para as
três brincando juntas: era impossível a linda menina de pele bronzeada e
cabelos castanhos ondulados não se destacar das outras duas branquelas.
Quanto a Amélia? Não foi uma rejeição por maldade ou premeditada.
Infelizmente, olhar para a filha a fazia lembrar o erro cometido. Era automático.
Até esse momento da vida de Roseni, não havia anjos a guardá-la.
Não havia uma autoridade familiar que intercedesse pela sua vida e clamasse pela proteção de Deus. Até então, os anjos do Deus altíssimo só
acompanhavam de longe a movimentação. A proteção mesmo só veio
quando a família passou a frequentar uma igreja cristã, e, aos dez anos de
idade, Rose começou a entender que precisava receber Jesus em sua vida.
E mesmo ainda sendo muito pequena, foi através das aulas no ministério
infantil que ela começou a conhecer o amor de Deus e o plano de salvação.
E foi a partir do momento, em que na salinha para crianças, Rose
convidou Jesus para morar em seu coração e tomar conta da sua vida, que
anjos foram enviados para guardá-la em todos os seus caminhos. Uma
proteção especial começou a ser feita em sua vida.
Em cada fase da vida dela, anjos específicos eram enviados para habitar ao seu redor. Quando ela entrava em crise (por qualquer motivo que
fosse), Miguel enviava anjos de guerra para guardá-la de todo e qualquer
ataque de satanás, pois eram nesses momentos de fragilidade que o diabo
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mais atingia a humanidade (por saber que abalados os seres humanos ficavam mais suscetíveis a pecar e cair). Mas, quando ela estava firme, orando
e adorando a Deus em todo o tempo, Gabriel enviava anjos mensageiros
que traziam respostas para suas orações. Era mais ou menos assim que
funcionava a “logística” do mundo espiritual.
Os “guardiões” só estiveram ausentes no período em que ela se deixou levar pela “carne”. Aquele período de namoro com o Eduardo, em que
ambos cometeram o pecado de fornicação. Deus é santo e não podia compactuar com o pecado. Assim dizia a palavra do Altíssimo: “Porquanto
está escrito: sede santos porque eu sou santo” I Pedro 1:16. Sendo assim,
quando Roseni abriu sua vida para fazer o que bem entendia, a proteção
que os anjos exerciam sobre ela foi retirada. Sem obediência ao Altíssimo:
sem proteção! E só após a fase de arrependimento e mudança de atitude
de ambos é que os anjos voltaram a guardá-los. Tudo era uma decisão humana: Quando havia obediência, também havia proteção e provisão sobre
suas vidas. Porém, quando os homens rejeitavam Deus e Sua palavra, essa
proteção era retirada e eles ficavam à mercê das mãos do maligno. Não
existia meio termo: Ou Deus ou o diabo controlavam a humanidade; simples assim!
E era por conhecer tão bem Rose e saber da maldição hereditária de
prostituição (e que os demônios ali ao redor estavam prontos para entrar
em ação), que o anjo preocupou-se por demais com a cena dela diante do
computador.
- O sentimento de inferioridade gerado pelo relacionamento com os
pais ainda é muito grande! Quanto mais ela olhar para o seu passado e para
um estilo de vida que não tem, sentimentos indevidos vão surgir.
Comentava com outro anjo guardião que hoje fora designado para
estar em sua companhia.
- Não é necessário que Roseni diga absolutamente nada, só pela sua
expressão de frustração, vê-se claramente que uma seta de inveja foi lançada.
E o pior é que ela está alimentando esse sentimento.
22
Ambos comentavam, enquanto ela continuava a digitar os nomes;
os encontrava, e apenas os adicionava sem esboçar uma única palavra.
A aparência de tristeza dela entregava o que se passava em seu coração.
E mesmo quando ela desligou o computador e foi até a cozinha preparar o almoço, sua expressão de derrota deixava transparecer que a seta
lançada tinha gerado o fruto esperado: a cobiça dos homens.
É; desejar a vida do outro... Sonhar com aquilo que você não tem,
mas que pertence a outro. E desejar ardentemente estar no lugar daquela
pessoa. Cobiçar e se entristecer com o sucesso alheio, mesmo sem premeditar aquilo... Era exatamente o que transparecia o olhar da Roseni enquanto ela mexia lentamente o molho, e deixava seus pensamentos vagarem pela apertada cozinha do seu apartamento.
Frustrada com a vida que tinha. Foi assim que ela se sentiu e aquilo
era muito ruim.
Os anjos olharam para fora e viram os seres malignos satisfeitos com
o estado dela. E tudo porque, ao invés de lembrar de todos os livramentos
e bênçãos que Deus já dera à ela, nesse momento, Rose olhava apenas para
o que lhe faltava. Ao invés de trazer esperança à sua mente pelas obras
do Senhor em sua vida, ela estava permitindo que a tristeza pela privação
momentânea fosse maior.
Entretanto, para alívio dos seres angelicais, após os filhos saírem
para o colégio Roseni caiu em si e abriu o coração diante de Deus em oração. Confessou que estava com inveja do que vira, e o Espírito Santo de
Deus começou a mostrar quantas coisas boas aconteceram em sua vida
por mais que ela não conseguisse enxergar até aquele momento.
Os anjos começaram a perceber que uma unção de alegria e conforto descia dos céus e se apoderava da vida dela naquele instante. Imediatamente os dois seres celestiais começaram a entoar louvores, glorificando a
Deus, e se aproximavam cada vez mais dela como se fizessem um círculo
ao seu redor. E enquanto ela orava com mais fervor confessando sua falha
e pedindo ajuda ao Espírito de Deus, mais dois anjos desceram da região
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celeste e se juntaram aos outros, fechando um círculo de proteção total
sobre sua vida naquele momento de oração.
E foi devido à oração e a unção derramada naquele lugar, que os demônios que estavam a lançar setas sobre a mente da Roseni não puderam
mais permanecer ali do lado de fora da janela, como estavam no início.
Os seres inferiores bateram em retirada, levando com eles todas as
palavras de maldição e desejo pela destruição de sua vida e da sua família.
Entretanto, essa retirada estratégica era momentânea. Cada sentimento e
atitude indevida por parte dos cristãos (e da Rose naquele caso específico) possibilitaria a volta desses seres infernais. E era por isso, que ela não
poderia abrir mão da sua consagração e santidade, só estando em total
sintonia com o Eterno era possível estar bem protegida contra qualquer
ataque por parte do maligno.
MUNDO INFERIOR
- Já faz tempo que não encontramos uma abertura substancial na
vida dessa crente idiota, mas já percebi que dessa vez ela cai!
Três seres inferiores rondavam ao longe a sala do apartamento de
Roseni.
Eles não podiam se aproximar, pois havia dois anjos guardiões ao
lado dela, e legalmente eles não tinham permissão para agir. Apenas observavam e esperavam pelo momento certo para lançar seus dardos.
Mamon, o principado do apego ao dinheiro os havia enviado até lá.
Ele e Larz, o príncipe de lascívia e imoralidade sexual estavam trabalhando juntos. Roseni e Eduardo eram diáconos na casa do Todo-Poderoso e
estavam estudando para futuramente assumirem uma igreja e cuidar de
vidas. E isso os príncipes infernais não poderiam admitir, uma nova igreja
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aberta seria muito prejuízo! Vidas sendo transformadas e se convertendo?
Aquilo seria um pesadelo para o mundo inferior. E era por isso que eles
uniram forças, para impedir que a missão daquele casal fosse cumprida
e que outras famílias se espelhassem neles e fossem restauradas também.
De maneira muito astuta, ambos decidiram intervir enquanto era
tempo, antes da abertura da tal igreja. Eles observaram que se destruíssem
o casamento dos Cavalcanti Silva, qualquer possibilidade desses dois assumirem uma obra, seria descartada. O plano era ideal e com uma única
ação alcançariam vários objetivos, levar Roseni a cometer adultério! Um
casamento cristão seria destruído, uma maldição sexual penetraria novamente em suas vidas e na vida dos filhos, além das pessoas se escandalizando com o divórcio dos líderes... E aí o sonho de uma nova igreja sendo
aberta viraria pó!
E esse era o momento certo para agir, Eduardo e Rose passavam por
uma situação financeira complicada. Eles ainda não sabiam, mas os seres
espirituais da maldade estavam usando um funcionário novo da empresa
que o Eduardo gerenciava para roubar mercadorias. E, como gerente, certamente ele seria responsabilizado por isso. E, por ter um pavio muito curto para tolerar injustiças, ser responsabilizado por algo que não cometera
certamente deixaria o Eduardo indignado, transtornado... E daí para que
o descontrole invadisse sua vida seria fácil! Ele ainda não tinha o fruto do
domínio próprio enchendo totalmente sua vida e essa era uma das maiores falhas dele e o que o levava a cair vez por outra: Não tinha dominado
seus instintos sexuais enquanto namorava a Roseni, e sempre que alguém
suspeitava dele de maneira injusta, o Eduardo terminava perdendo a cabeça. E era com essa falta de autocontrole, que os seres inferiores estavam
contando: Ser injustiçado o levaria a cometer alguma falha e os demônios
usariam essa pequena situação para alcançar um objetivo maior.
Entretanto, por hora, isso tudo era uma preparação para o futuro.
Setas de insatisfação e de inveja seriam jogadas contra a vida da Rose e os
demônios de Larz também estavam ali para garantir que ela encontrasse
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pessoas do seu passado. Seria uma mistura de cobiça por uma vida financeira melhor, com o despertar de sentimentos adormecidos. Hoje o dia era
propício.
A influência demoníaca não cercava apenas a vida da Roseni e do
Eduardo, ela cercava a humanidade inteira, fato! Porém, o alvo predileto
dos demônios não era a humanidade degradada e pervertida. Já não era
tão prazeroso assim gastar tempo com eles. Para que tripudiar e destruir
seres que já eram seus? Que graça tinha brincar de escravizar seus próprios escravos? Não, o alvo principal dos seres inferiores era os “Santos”, os
“escolhidos” do Deus Altíssimo. Com esses sim valia a pena gastar tempo
até que conseguisse destruir um por um. Isso sim é que era diversão!
E apesar de infelizmente não conseguir ler a mente dos humanos,
a verdade é que todos os seres demoníacos eram experts em estudar
“expressões humanas”.
Se uma pessoa normal, sem vivência ou experiência alguma conseguia discernir quando alguém estava feliz, frustrado, ou triste, apenas em
olhar para seu semblante, o que um ser com experiência de milhares de
anos não conseguiria identificar?
Um terço dos anjos criados havia sido lançado fora da região celeste antes mesmo da criação do mundo. Resumindo: Antes mesmo que
Adão e Eva existissem, uma casta de seres inferiores já rondava o planeta.
E conhecer “expressões” era a coisa mais fácil para eles!
O que dizer do semblante da Eva, quando olhou para a árvore do
“conhecimento do bem e do mal?”
Era a típica expressão do: Não devo me aproximar, mas que tal árvore é convidativa, isso é!
Bastou um olhar. Foi só perceber pela sua expressão que ela estava
curiosa, para envolvê-la numa seta de dúvida e sedução. Dúvida de que a
atitude de comer do fruto não era tão errada quanto parecia; e sedução por
fazê-la desejar ter um conhecimento que não foi dado direito a ela de ter...
Para que ter o conhecimento do bem e do mal? Adão e Eva viviam
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no paraíso, lugar em que tudo era perfeito e feito para o bem estar deles.
Quando Deus os proibiu de tocar naquela árvore estava apenas os poupando de conhecer o que era ruim. Para quê conhecer o mal? Bastava que
eles conhecessem apenas o bem.
- Deseje uma vida que não é a sua! Sinta inveja pela situação deles...
COBIÇA! - Gritavam os demônios do lado de fora da janela, enquanto os
seres angelicais olhavam indignados para a cena.
- Roseni está caindo direitinho! – Esfregou as mãos animadamente
um daqueles seres deformados e fétidos. Podridão deveria ser o sobrenome deles!
Enquanto um debochava, os outros dois gargalhavam sem parar.
E o pior é que eles tinham razão: pela expressão apática dela, o incômodo
pelo conforto que os ex-amigos aparentavam ter, era visível em seu semblante. Também, morando em um apartamento minúsculo de dois quartos
e com a função exclusiva e monótona de dona de casa, qual mulher não se
incomodaria em ver seus amigos se dando bem na vida?
- Viagens que ela nunca fez, nem fará...
- Restaurantes que ela nunca frequentará...
- ...E uma vida que ela nunca terá!
Era a semente de Mamon, o Senhor das finanças (ou destruidor das
finanças) sendo plantada no coração dela.
- Tudo começará pela inveja da vida material dos outros... Depois,
o desejo para ter o que eles têm tomará de conta de seu coração. Tudo vai
começar pela cobiça, e essa será a porta usada para que maldições passadas voltem com força destrutiva total.
- E daí, estaremos a um passo de trazer de volta à sua vida o principado de maldição familiar de prostituição: LARZ O PRÍCIPE DA IMORALIDADE SEXUAL VOLTARÁ A REINAR AQUI! – Gritou um deles,
enquanto os outros continuavam a rir e debochar.
- A destruição da família dela é nosso alvo! Vai ser um escândalo:
Outro adultério na família? O da mãe nunca foi confirmado, mas o dela
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será jogado aos quatro ventos para que todos saibam. E o melhor: vindo da
família dos crentes!
- Lascívia, adultério... Espírito de prostituição... Essa maldita família estará de volta em nossas mãos! Começou pela mãe e continuará na idiota da
Roseni... E depois, vai chegar até a filhinha Raissa.
- Podemos providenciar alguém para molestar essa ingênua criança, o
que vocês acham?
Os três demônios planejavam o futuro da família, enquanto viam Rose
abatida, terminar de preparar o almoço dos filhos.
A semente de inveja e tristeza estava frutificando em seu interior e tudo
ocorria como o planejado. Eles tinham certeza que aqueles sentimentos negativos em seu coração daqui a pouco terminariam em pecado.
- As crianças reclamaram pela falta do queijo... Vamos lançar mais tristeza pela situação financeira. Daqui a pouco, ela volta para espiar novamente a
rede social, e vai sentir cada vez mais inveja... LANCEM TRISTEZA!
O “chefe” dos pérfidos seres (o mais deformado e fétido deles) ordenou,
e os outros dois obedeceram, lançado setas de desânimo e indignação sobre a
mente dela.
Essas “setas” eram responsáveis por trazer à memória humana situações ruins vividas. Momentos de feridas profundas, lembranças da perda
de alguém ou de algo, situações de dificuldades enfrentadas... E isso tudo
ia de encontro à palavra de Deus que dizia no livro de Lamentações de Jeremias no capítulo três e versículo vinte e um “Quero trazer à memória
aquilo que me traz esperança”. Porém, ao invés de lembrar das coisas boas
que o Senhor Deus fazia diariamente, essas “setas” sempre levavam os
humanos a lembrar dos períodos ruins. E ao invés de serem cheios da “alegria
do Senhor que era a força”, eles perdiam a esperança e se enchiam de medo e
angústia pelo que o futuro os reservaria.
Os seres inferiores só não contavam que Roseni reagiria e começaria a
orar e se arrepender por ter sentido a inveja e cobiça que os alimentava agora.
- NÃO! ELA NÃO PODE ORAR! - O “chefe” gritou. – Nós está28
vamos nos alimentando desses sentimentos mesquinhos, em especial a
cobiça... Esse sentimento é o que mais me fortalece!
- Ela está ajoelhada e os malditos angelicais estão se achegando a
ela... Não tenho mais forças para ficar em pé, tampouco para jogar os dardos inflamados.
- NÃO! - Gritou o menor. – Os dois protetores estão maiores e mais
fortes. E olhem: Mais dois enormes guardiões vieram ficar ao seu lado!
Precisamos sair daqui antes que sejamos fulminados pela unção derramada sobre ela. A glória do Altíssimo está enchendo todo o ambiente e nós
não suportaremos mais muito tempo!
Eles bateram em retirada imediatamente. Os demônios não suportavam o poder de uma oração genuína, cheia de arrependimento e de busca pela presença do Espírito Santo de Deus. Eles seriam fulminados com
certeza. Mas, sabiam que haviam lançado muitas setas sobre a mente dela
e esperavam algum resultado que essas “setas” dariam futuramente. E eles
continuariam por ali, espreitando de longe e atentos à primeira “oportunidade” que surgisse. Na primeira “escorregada”, eles estariam de volta
para agir. Enquanto isso, levariam rapidamente um relatório para Mamon
e Larz, os dois príncipes do inferno que aguardavam ansiosamente por
notícias.
O plano da dupla de “autoridades” era simples: o futuro casal de
pastores teria sua família destruída e nenhuma igreja seria aberta. O escândalo seria enorme e várias pessoas se decepcionariam e terminariam
se desviando com tudo aquilo. Destruição por todos os lados: esse era o
plano principal e o inferno se mobilizava para concretizá-lo.
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CAPÍTULO 2
O DESEJO TOMA FORMA
“Pois tudo o que há no mundo: a cobiça da carne, a cobiça dos olhos
e a soberba da vida não provém do Pai, mas do mundo.”
I João 2:16
MUNDO FÍSICO
Eduardo e as crianças chegaram cedo naquele dia, era por volta de
cinco e meia da tarde. Sendo assim, a família pôde passar um tempo juntos
brincando na sala (dominó era a diversão oficial deles), e após meia hora de
brincadeiras, finalmente as crianças e o Eduardo foram tomar banho, enquanto Rose terminava de preparar o jantar: sanduíches de pasta de atum.
Com tantas atividades durante toda a tarde, roupas para lavar e engomar, casa para varrer, o jantar também atrasou. Porém, nada que tirasse
a harmonia daqueles quatro, naquela noite.
- Adivinhem o que tem para o jantar?
Indagou ela quando os três voltaram a sala de jantar.
- Se você disser que é sanduíche de atum, pode apostar que eu serei
o homem mais feliz dessa terra...
Respondeu o Eduardo com um enorme sorriso no rosto e já sentando satisfeito na mesa.
- E eu serei o filho mais feliz!
- E eu a filha!
Completaram os meninos enquanto Rose fazia suspense antes de
retirar o papel alumínio que cobria os sanduíches.
Os três gritaram juntos e batiam palmas, enquanto Rose sentou-se à
30
mesa junto com eles.
O Eduardo orou abençoando o alimento e todos comeram rapidamente. E enquanto Eduardinho e Raissa contavam as novidades do colégio, Roseni observou que não precisava muito mais que aquilo para ser
feliz. Era como se todas as imagens que ela havia visto na manhã de hoje
(os restaurantes chiques e viagens de cruzeiro) não fizessem o menor sentido. Provavelmente aquele sanduíche caseiro trazia mais satisfação ali do
que qualquer ida a um restaurante internacional.
Quando terminaram de comer, assistiram juntos a alguns desenhos.
Depois, oraram os quatro, reunidos, e após as crianças adormecerem,
Rose e Edu fizeram amor apaixonadamente. E quase sempre era assim...
Aquela era uma família muito abençoada: Deus era o centro de suas
vidas, o casal se amava apesar das dificuldades, e os filhos foram educados
de acordo com os princípios da palavra do Eterno. E na realidade, o real
sentido de viver uma “vida abundante” era aquela: Família estruturada e
Deus os suprindo em todas as suas necessidades, mesmo não tendo os
luxos que vez ou outra desejavam. Porém, infelizmente a maioria das pessoas não entendia, ou muito menos vivia, o que o apóstolo Paulo dizia na
carta aos Filipenses, capítulo 4 e versículos 11 a 13: “ Não digo isto como
por necessidade, porque já aprendi a contentar-me com o que tenho. Sei
estar abatido, e sei também ter abundância; em toda a maneira, e em todas as coisas estou instruído, tanto a ter fartura, como a ter fome; tanto
a ter abundância, como a padecer necessidade. Posso todas as coisas em
Cristo que me fortalece”. A humanidade sempre queria mais, muito mais...
“Contentar-se” não era uma palavra muito fácil de encontrar em seus vocabulários e Roseni tinha a consciência de que precisava tomar muito cuidado para não cair naquela armadilha de insatisfação. Ela tinha tudo o
que realmente era importante e que uma pessoa poderia desejar. Ela só
não poderia se deixar contaminar por desejos que não vinham da parte do
Todo Poderoso... Orar e vigiar para guardar o coração de toda influência
maligna era o que ela necessitava fazer.
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A semana passou rapidamente. Já era sexta-feira e hoje em especial
Rose estava extremamente cansada e irritada. Ela estava de TPM e aquilo
era um perigo. Não, ela não descontava seus nervos “alterados” em todo
mundo, apesar de ter gritado sem motivo com as crianças, não era isso. Era
um perigo para ela mesma devido à alta dosagem de ansiedade que costumava sentir nesse período. Roseni se sentia uma bomba relógio emocional.
Só as mulheres poderiam de fato entender os efeitos avassaladores de uma TPM. Enquanto a maioria dos homens achava que aquilo
era “frescura”, para elas, as consequências eram perturbadoras: dores de
cabeça contínuas, cólicas quase que insuportáveis além de irritação extrema (sentindo tudo isso, elas só poderiam ficar muito irritadas mesmo!).
E esses eram apenas os sintomas mais frequentes. No caso da Rose, além
de todos os efeitos, ela ainda sentia uma ansiedade descontrolada e costumava ficar muito inquieta. Isso sem falar na tendência para comer demasiadamente. No fundo, ela procurava por algo que a aliviasse e lhe desse
prazer na intenção de amenizar aquele desconforto terrível que sentia.
Pois é, Rose comia porcarias o dia inteiro tentando sentir-se melhor
daquela inquietação. Em contrapartida, se torturava, porque os quilinhos
a mais certamente surgiriam após aquele período!
“O biscoito recheado acabou também?”
Ela se surpreendeu ao abrir a despensa e perceber que apenas naquela tarde havia comido dois pacotes e estava à procura de mais.
Tentou varrer a casa novamente (já havia feito isso pela manhã),
mas a cólica estava incomodando demais e ela não aguentaria fazer aquele
esforço.
Ela poderia ler algum livro ou a Bíblia novamente (ela sempre fazia
a leitura da palavra e orava assim que as crianças saíam para o colégio),
mas estava impaciente demais e queria algo apenas para relaxar, e não que
colocasse sua cabeça para “funcionar”. Como ela só possuía livros de estu32
dos bíblicos (e precisaria se concentrar para entendê-los; e não estava com
disposição para aquilo), o computador pareceu ser a única opção aceitável
e disponível no momento.
“Posso ver uns vídeos engraçados”. Ela pensou, achando que gastar
tempo vendo bobagens por ali ajudaria a relaxar um pouco a tensão “sem
sentido”.
Rose começou a ver uns vídeos, mas logo se cansou daquilo e decidiu verificar seus e-mails. “Praticamente nenhum!” Lamentou mentalmente, enquanto abria pequenas mensagens que o pessoal da igreja havia
enviado: Desejos de uma boa semana e lembretes de motivos de oração.
Nada mais que isso.
Você tem duas novas mensagens em sua página de relacionamentos.
- Nossa, que novidade, tem duas novas mensagens em minha página? De quem será?
Ela se perguntou animada e curiosa. E para falar a verdade, Roseni
nem lembrava mais que tinha a tal página naquele site. Ela só abrira uma
vez, no dia em que se sentira deprimida por rever seus “amigos”, e não havia voltado por lá mais. A semana havia sido corrida.
Ela clicou em cima da mensagem e automaticamente foi redirecionada ao site. - Ah, mensagem da Marina! Que legal ela ter lembrado de
mim... – Comentou Rose bem empolgada, bem diferente do estado inquieto e irritado de outrora, pelo fato de uma amiga do seu passado ter
aceitado seu pedido de amizade.
Oi, amore; seja muito bem-vinda à minha Page! Fico muito feliz
que você tenha me encontrado por aqui. Vamos manter contato
sempre, sinto muitas saudades de você!
Ela enviou uma nova mensagem para a amiga querendo detalhes de
33
como estava sua vida agora, sua família... Roseni aproveitaria aquele contato para matar toda sua curiosidade sobre o tempo que passaram separadas.
- Pronto, agora é só esperar essa maluquinha me responder! – Rose
comentou, enquanto lembrou que havia outra mensagem à sua espera. –
Não sei onde vejo essa outra mensagem... – Rose não tinha prática naquele
site. E após procurar durante um tempo, observou que na parte de cima da
página havia um balãozinho branco e um 1 destacado no meio dele. – Só
pode ser isso aqui. – Disse para si mesma, enquanto clicava e uma caixa se
abria ao lado.
A sensação que Roseni teve ao ver a caixa de diálogo abrir ao seu
lado era a do seu coração ter parado de bater! “Não, não pode ser ele!” Ela
pensou, enquanto olhava bem para a figura daquele homem que ressurgia
diretamente do seu passado para fazer com que o sangue do seu corpo
parasse de circular. Ao menos, era assim que ela se sentia.
- Maurício? Meu Deus, eu não posso acreditar nisso! Como será que
ele me encontrou?”
Ela se fez um milhão de perguntas enquanto olhava para a foto
do seu rosto, ainda tão familiar mesmo após tanto tempo. O cabelo ainda
era farto e bem escuro, apenas o corte é que estava mais sério. Porém, o
sorriso maroto e extremamente sedutor continuava ali. E aquilo era um
perigo.
“Hum, respira Rose. Respira e dá uma olhada no que ele escreveu... Meu Deus, que loucura!” Ela espantava-se, porque jamais imaginou
que um dia fosse receber uma mensagem ou ter algum tipo de contato
com ele novamente. Principalmente pelo modo terrível em como eles se
falaram pela última vez. Será que ele a encontrara e decidira despejar o
restante da raiva que havia ficado represada durante todo esse tempo?
Que surpresa maravilhosa te encontrar por aqui! A Marina entrou em contato comigo (ela trabalha próximo a mim) e falou
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que vocês haviam se reencontrado nessa rede social, foi aí que
decidi te procurar também. Sinto muito pelo modo como nos
falamos pela última vez e achei que essa seria uma excelente
oportunidade para colocarmos um fim nas mágoas do passado.
Espero de verdade que você possa me perdoar. Nosso relacionamento acabou, mas sempre nutri um sentimento muito especial
por você, de amizade, claro! Por favor, me dê notícias: quero
saber como vão seus pais, suas irmãs, e principalmente você.
Não tem muitas informações ao seu respeito por aqui, só diz
que você é casada e que tem filhos. Ainda é com o Eduardo?
Aguardo notícias. Um grande abraço, Maurício.
Ela leu e releu a mensagem uma dezena de vezes. Na realidade,
Roseni ainda estava em choque por ele ter entrado em contato e tentava
decifrar a intenção de cada palavra escrita ali.
Rose era muito cuidadosa com relação a amizades com homens.
Não que não pudesse existir, não era aquilo. Mas, para evitar comentários
maldosos, ou despertar sentimentos indevidos, todo cuidado era pouco.
E principalmente em se tratando do Maurício que havia sido o seu grande
amor antes do Eduardo... A mistura de sentimentos que ela sentira quando
lera a mensagem só a deixara mais alerta para aquilo. Será que ela deveria
responder? Faria mal adicioná-lo como amigo? Seria correto trazer de volta à sua vida certos fantasmas do passado?
E era aí onde morava o problema...
Ela e a Marina estudavam no Colégio Municipal Professor José Dias
e o Maurício no colégio que ficava do outro lado da rua. Entretanto, alguns
amigos da turma da Marina e da Rose conheciam o Maurício e a “turma”
dele, e foi nos encontros entre esse pessoal ao final das aulas que tudo começou... Aquela morena alta e de olhos escuros encantadores capturou a
atenção daquele playboy no primeiro instante. E aí, não tinha jeito: o cara
aparecia no colégio dela antes da aula começar, na hora do intervalo, e
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quando as aulas terminavam, lá estava ele à espera da Rose. Ele a cercou de
todas as maneiras possíveis. Como resistir à tamanha persistência e outras
qualidades mais?
- Só sossego no dia em que eu te conquistar!
Era o que ele sempre dizia quando ela dava uma desculpa qualquer
para não aceitar o convite para um lanche, um cinema... E aos poucos,
diante de tanta insistência, começou a gostar dele. Mas, a péssima fama
dele não ajudava o romance a iniciar.
- Você é muito galinha, Maurício. Minha amiga merece coisa melhor!
Marina comentava quando ficavam a sós, na tentativa de descobrir
quais as reais intenções dele.
- Por ela, eu mudo e caso! Ajude-me com a morena Marina, por
favor... Estou totalmente encantado por ela. E juro que vou me comportar
direitinho.
E assim foi: Marina intercedeu a favor dele, e em troca ele a ajudaria
a conquistar o Erick, e o namoro teve início. E em apenas dois meses de
relacionamento, ela já estava completamente apaixonada. Daí, para ambos
já começarem a se imaginar casados, foi um pulo! Contudo, essa “lua-de-mel” aparente só durou até o Maurício insistir em ter um relacionamento
mais íntimo com a Rose e ela se negar àquilo com veemência.
- Não posso, Maurício, isso é contra os meus princípios cristãos.
Além do mais, eu já estou em desobediência por namorar um cara descrente... Não vou piorar as coisas cometendo pecado de fornicação com
você de jeito nenhum!
- E os meus princípios como homem, você já parou para pensar neles? Sinto desejo, Rose, e muito... E estando ao seu lado todos os dias, isso
só piora. Eu juro que nós vamos casar, isso é só uma questão de tempo.
Acabamos de entrar na faculdade e precisamos ao menos nos formar. Aí
sim, formados e com um emprego, casamos de uma vez por todas.
Era o que ele prometia, mas ela não acreditava. Bom, ela sabia que
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ele era louco por ela, mas os amigos dele influenciavam muito para o mal:
eram festas, bebedeiras nos finais de semana, e aquilo tudo ia de encontro
ao estilo cristão dela de viver. E, enquanto ela estava no culto dos jovens,
ele estava a farrear na casa de algum amigo. Vez por outra, para agradá-la,
ele até que ia a um dos cultos, mas aquilo era algo muito raro de se ver.
E Roseni tinha plena consciência de que aquilo tendia seriamente ao fracasso. Caso quisesse se entregar a ele e cometer o tal pecado da fornicação,
ou casar como ele realmente prometia, ela não estaria sendo enganada: ele
era uma pessoa que tinha uma maneira muito diferente de viver e Deus
certamente não seria prioridade em sua vida. “Não se ponham em jugo
desigual com descrentes. Pois o que têm em comum a justiça e a maldade? Ou que comunhão pode ter a luz com as trevas? Que harmonia entre
Cristo e Belial? Que há de comum entre o crente e o descrente?” Era o que
dizia o texto de II Coríntios 6: 14-15. Ela sabia aquele texto de cor salteado
de tanto que havia lido. Resumindo: Crentes não deveriam ter relacionamentos com descrentes, era o que a Bíblia orientava. Certamente, um seguiria o padrão bíblico de comportamento, e o outro um padrão mundano.
Como poderia dar certo?
E já que ela continuou a insistir naquilo, o resultado veio trazendo
muita dor e decepção para ela: traição por cima de traição. E não apenas
com uma mulher, mas com várias.
- Sorte minha que não cedi nem me entreguei a ele. Já pensou no que
eu me meteria?
Confessava à irmã, enquanto chorava rios de lágrimas.
- Ele não para de ligar e implorar para falar com você. O que eu faço?
Dayse perguntava, já não aguentando mais vivenciar aquele drama
junto com a irmã.
- Diz que eu finalmente acordei e que dele agora só quero a amizade.
Fala que como namorados tudo está acabado entre nós.
E eles até tentaram continuar como amigos, mas quando Rose
conheceu o Eduardo e começou a se relacionar com ele, tudo desandou.
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Maurício não se conformou, vivia a importunando em casa e “usando”
dona Amélia para infernizá-la, o que a mãe já fazia muito bem sem que ele
pedisse, e quando Roseni apareceu grávida, a revolta dele tomou proporções gigantescas. Fim de qualquer tipo convivência ou amizade entre eles.
- Parabéns! Você trocou um rapaz de boa família e apaixonado por você
pelo primeiro pé rapado que surgiu em sua frente. E agora grávida então...
O plano ideal era pedir esmola para três? - Fez questão de comentar, dona
Amélia...
Definitivamente a vida virou um inferno. E dele, Roseni só saiu
quando finalmente casou com o Edu e “consertou” toda a bobagem feita.
E era por isso que era complicado ressuscitar aquele passado, porque
as coisas não tinham terminado bem e havia muitos sentimentos profundos envolvidos. Eles tiveram um passado muito intenso e ela não queria
dar cabimentos para que aquela “reaproximação” pudesse trazer problemas entre ela e o marido. O Eduardo sabia e conhecia a fundo a história
entre ela e o Maurício, e certamente não iria gostar nada de saber que ela
estava de papo com o ex pela internet. E o pior é que ele teria toda razão
em se aborrecer: quem gostaria de saber que o marido ou a mulher andava
conversando com o ex-amor da sua vida numa rede social? Ninguém, claro! E Rose se colocou no lugar do Edu, pois a última intenção dela ali era
magoar o marido.
“Mas, que droga! E agora, o que eu faço: respondo ou não? Hum...
Aparentemente a intenção dele foi só a de pedir desculpas mesmo e saber
notícias da minha família. Até pelo Edu ele perguntou! Não vejo nenhuma
segunda intenção aí. Ao contrário, ele foi muito respeitoso e gentil. Acho
que não vai haver problemas se eu respondê-lo. E isso não significa que
vou ficar de papo com ele por aqui... Vou apenas adicioná-lo como amigo
e responder de modo tão cortês quanto ele.
E aquela sessão de “terapia” consigo mesma, era para tirar de vez
todo e qualquer resquício de culpa que porventura pudesse aparecer sobre
ela. Roseni queria ter a plena convicção de que não estaria pecando nem
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magoando ninguém por responder a mensagem de um antigo conhecido e
que por coincidência era o ex-grande amor da sua vida. Só isso. E pecado
aquilo não era. Poderia não ser o apropriado; Uma “brecha” aberta, quem
sabe? E antes que passasse o resto da tarde divagando entre o santo e o
pecado, o certo e o errado, ela tratou de agir com educação e apenas responder aquela simples mensagem. Ela havia decidido: não era brecha, nem
errado, era educação!
Depois de analisar bem e aliviar sua consciência estando ciente de
que estava sendo cordial, ela começou a digitar a resposta. Era muito bom
que Rose esclarecesse que ele estava perdoado, mas era apenas aquilo.
A intenção ali não era a de ficarem de conversinha, afinal ela já tinha visto
muitos casos dentro da própria igreja de amigas que terminaram relacionamentos porque o ex, ou as ex sempre estavam por perto. E ela não queria encrenca com o Eduardo não.
- Deixarei uma mensagem bem formal. Só isso.
Ela dizia em voz alta, enquanto teclava o texto que se formava em sua
mente.
Oi, Maurício, espero que tudo esteja bem com você! E não precisa se preocupar, pois você já está perdoado faz tempo. Espero que você também não guarde mágoas de mim. Ah, e estou
casada com o Eduardo sim, claro!
“Coloco que somos muito felizes? Ou vai dar a ideia de que quero
dar satisfação do meu casamento? Melhor não... Ah, será que pergunto
pela família dele? Ele perguntou da minha... E olhando agora o perfil dele
sei que ele também está casado. Pergunto por sua família? Por educação,
acho que sim... Ah, eu estou complicando muito as coisas!”
Ela se repreendeu e tratou de terminar de uma vez por todas aquela
resposta.
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Ah, e estou casada com o Eduardo sim, claro! E seus pais, estão
bem? E seus irmãos? Ah, não posso deixar de perguntar pela
sua esposa também... Vocês têm filhos? Um abraço também!
Roseni leu para ver se estava sendo cordial e para ver se não continha
erros. O perfil dizia que o cara era juiz do trabalho e o mínimo que ela podia fazer era escrever uma mensagem sem erros de Português! Achou que
ficou bom e enviou, imaginando a cara dele quando recebesse a mensagem
de volta.
- Surpresa!
Rose olhou assustada para a porta e baixou a tela do notebook de
imediato.
Eduardinho e Raissa entraram em casa gritando e o Eduardo entrou
por último, com uma feição abatida. Ela ficou assustada com aquele movimento fora do horário habitual e baixou a tela com medo de que o Eduardo
visse a mensagem. Não tinha nada demais, mas ela mesma queria contar
ao marido que o Maurício havia entrado em contato. E caso ele visse aquilo antes que ela tivesse a oportunidade de contar, ele poderia achar que
eles já se falavam anteriormente e terminaria por entender tudo errado.
Porém, nesse momento o mais importante não era a “bendita” mensagem
ou quem a havia escrito, algo de errado estava acontecendo com o marido
e Roseni ficou preocupada.
As crianças sempre vinham de transporte escolar para casa, pois o
Eduardo sempre saía um pouco mais tarde da sapataria. Como gerente,
sempre surgiam muitas pendências para resolver, e ele sempre extrapolava
seu horário de trabalho. Às vezes, nem conseguia passar em casa e pegar a
Rose para levá-la à igreja com ele, do trabalho mesmo ia e Rose dependia
da carona generosa de algum irmãozinho em Cristo para conseguir chegar
à igreja. E aí, por diversas vezes eles só se encontravam nos cultos ou reuniões, e iam para casa juntos. Por isso, a preocupação dela fazia todo sen40
tido, ainda eram quatro e meia da tarde quando os três apareceram. Pela
lógica do dia-a-dia, nem as crianças, nem tampouco ele deveriam estar ali.
Muito estranho aquilo.
- Nossa, que surpresa mesmo! O que aconteceu para vocês estarem
tão cedo em casa?
- O papai foi lá no colégio nos buscar. Nem assisti a última aula...
Êba! - Vibrou o Eduardinho.
- É, e a professora de geometria fez cara feia quando saí... Mas ainda
bem que tenho excelentes notas nessa matéria.
Comentou Raissa, aliviada por não se encrencar devido à “insanidade momentânea” do pai.
- O que houve, Edu? Porque você não está na loja e por que foi buscar os meninos tão cedo na escola?
Eduardo deu um beijo de leve nos lábios da esposa, como sempre
fazia quando chegava do trabalho, mandou as crianças tomarem banho
e trocarem de roupa (o que o Eduardinho foi fazer reclamando, claro!), e
puxou a Rose para o quarto deles. E isso foi um motivo de preocupação
maior ainda, conversa no quarto já indicava que algo muito sério mesmo
havia acontecido.
- Edu, você está me assustando. O que aconteceu? – Perguntou Rose
já totalmente ansiosa pela maneira esquisita como ele se comportava.
- Pedi demissão do emprego, foi isso que aconteceu.
- O QUÊ? – Roseni praticamente gritou nesse momento. – Como
assim pediu demissão Eduardo, o que aconteceu de tão grave para você
tomar essa atitude?
Rose não conseguia acreditar no que acabara de ouvir do marido.
“Como assim pedir demissão? E as contas de casa? E o aluguel? A feira...
O que de tão ruim poderia ter acontecido para o homem tomar uma atitude transloucada daquelas?
- Houve uma auditoria na empresa, eles costumam fazer esse procedimento todos os anos. Só que dessa vez estava faltando em nosso estoque
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sete mil reais em mercadoria... Não há câmeras de segurança no local onde
ficam os produtos, e eu sou o gerente do lugar. Resumindo: Não me controlei quando o auditor desconfiou do meu serviço. Ele quis insinuar que
eu sabia de alguma coisa, quis colocar uma parte do prejuízo em minha
conta e eu não podia admitir aquilo! Não iria pagar por algo que não fiz!
A falha é da empresa, por várias vezes eu solicitei a instalação de câmeras
na área de estoque... Mas por contenção de custos eles nunca acataram
meu pedido. Daí, bati boca com o auditor, me exaltei e disse que não admitiria que aquele valor fosse cobrado de mim. Como não chegamos a um
acordo, pedi minha carta de demissão... Desconfiar que eu pudesse ter algo
a ver com isso e querer que eu pagasse uma parte do prejuízo? Foi demais
para mim! Sempre dei o sangue por aquela empresa e...
Rose não escutou mais nada. Ele continuou a falar, mas ela só pensava nas contas de energia, água, colégio das crianças...
Ele sentou-se na cama e passou as mãos no cabelo, como se não soubesse o que fazer. Na realidade, o Eduardo sabia que havia feito besteira,
se ele não era culpado, porque bateu boca com o auditor? O melhor não
seria abrir uma sindicância e apurar os envolvidos? Ele não tinha motivos
para ter se exaltado, muito menos pedido demissão. E ele sabia disso. Por
isso, agora estava tão mal daquele jeito, sabia que havia perdido o controle
e havia comprometido sua família com aquela atitude impensada. Agora
teria que arcar com as consequências da sua “falta de controle emocional”.
Ela voltou a se concentrar nele.
- Mas, o cara chegou a te acusar de alguma coisa?
- Não, mas insinuou que, como gerente, eu era o responsável
por tudo.
- Ué, mas ele tem razão: como gerente, você é responsável por tudo
o que acontece na loja. Isso não quer dizer que você tenha pegado alguma
coisa. Apenas que o que acontece lá dentro no fundo é de responsabilidade
sua. Pelo que entendi, ele não te acusou de nada.
- É, eu sei... Mas na hora eu fiquei louco! Achei que ele estava sus42
peitando de mim e perdi totalmente a razão. Além do mais, nós já estamos
tão apertados e eu teria que pagar por algo que não usufrui. Não achei
aquilo justo. Achei que pedindo demissão eles iriam reconsiderar o ocorrido e suspender esse “rateio” de prejuízo, mas não foi o que aconteceu, o
que fizeram foi me usarem como bode expiatório e eu caí direitinho. Agora
vou servir de exemplo para que ninguém mais questione nada naquela empresa! Pedi demissão e não vou receber nenhuma indenização por tempo
de trabalho, nada... Fiz besteira, eu sei! Mas, não posso voltar no tempo.
Não posso chegar agora e pedir o emprego de volta. E a minha moral e
meu orgulho próprio, como vão ficar?
Rose gelou de imediato. Ela havia esquecido o detalhe de que quem
pede para sair do emprego não tem direito a seguro desemprego, nem
a sacar seu FGTS, nem nada... “E a sua família, como vai ficar agora?”
Ela só pensou. Contudo, ela já havia percebido o arrependimento no olhar
do marido e qualquer coisa que ela dissesse agora só aumentaria a pressão
que estava sobre ele. E ele era um cara de ouro, batalhador, sempre pensava
no bem-estar da família... O problema é que ele tinha cometido um erro e
infelizmente todos pagariam por isso. Mas, não adiantaria ficar torturando
o cara por um erro daqueles. E também, qualquer palavrinha mal colocada
só aumentaria a culpa dele e o drama familiar. E esse não era o momento
de passar um sermão nele. Não agora.
Ela aproximou-se, beijou seus cabelos (enquanto isso, ainda cabisbaixo ele agarrou sua cintura) e disse:
- Não se preocupa; tudo vai ficar bem... Deus sempre nos sustentou
até hoje e tenho certeza que Ele não falhará. O Salmo 37 versículo 25 diz
“Eu nunca vi o justo desamparado ser, nem a sua descendência mendigar o
pão.” Então, eu confio que esse problema vai ser resolvido. Somos dizimistas fiéis, ofertantes... Deus é fiel e tudo vai dar certo!
- Se arrependimento matasse...
- Mas, graças a Deus, não mata! Já pensou: eu, viúva e nova desse jeito? Não ia esperar nem o corpo esfriar! – Brincou, enquanto ele sorriu de
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leve. - Não fica assim! Já aconteceu, ponto final. Vamos aproveitar que você
chegou mais cedo e que as crianças estão aí e vamos jogar uma partida de
dominó. Não podemos resolver nada mais por hoje. Amanhã sentamos e
decidimos o que é melhor... Vai tomar um banho que eu vou preparar o
jantar.
Rose o deixou ainda sentado na cama e foi direto para a cozinha.
Como havia passado a tarde confabulando a respeito de como responder
ao Maurício, acabou não preparando nada para o jantar.
“Sopa de pacote! Vou pegar essa de feijão e aproveito e completo
com umas batatas cozidas e linguiça calabresa. Acho que vai ficar bom e
não demora nadinha.”
Ela pensava, enquanto tentava ser rápida e preparar algo decente
para a refeição. Daqui a pouco, as crianças reclamariam de fome, e o clima
estava tão pesado que ela faria o possível para que eles tivessem paz nesse
restante de dia. Ao menos, se daria ao direito de ter uma refeição decente
e sem reclamações, mesmo que em sua cabeça explosões de pensamento
sobre o futuro a torturassem.
“E agora, meu Deus, como será o próximo mês?” Eu sei que o
Senhor é o nosso provedor, mas... O Eduardo não podia ter perdido a cabeça assim! Mas o coitado está arrasado... E ainda por cima tem a tal conversa com o Maurício... Nem de brincadeira eu posso contar uma coisa
dessas! Apesar de não ter nada demais, mas o Edu já está muito chateado
com essa questão do trabalho. Eu não posso dar uma notícia dessas a ele
assim, não agora!
E enquanto milhares de preocupações passavam por sua cabeça, as
crianças foram chegando até a cozinha, o Eduardo apareceu também, e
toda a insegurança com relação ao futuro teve que ir embora. Nesse momento, Rose deveria ser “a mulher sábia que edificava sua casa” como a
Bíblia descrevia no livro de Provérbios. Ela deveria confortar seu marido,
apoiá-lo, e fazer com que aquela situação não afetasse as crianças... Mesmo que sua mente e suas emoções estivessem a mil por hora. Ela precisava
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se apegar ao Espírito Santo para trazer conforto e segurança para aqueles
três ali, aquele era seu mais importante papel naquele momento.
MUNDO CELESTIAL
Os dois anjos encarregados por Roseni ainda estavam preocupados. Eles perceberam que os três seres inferiores ainda estavam a rondar o
apartamento. E por mais que não pudessem adentrar o recinto, eles ainda
estavam ali fora só esperando uma brecha para entrar e começarem a por
em prática seu plano de destruição, como sempre faziam. E pior: Bastava
a eles uma única oportunidade, apenas uma para que a vida dos filhos de
Deus virasse de ponta cabeça. Era por isso que os anjos estavam bem alertas quanto à situação.
- Roseni precisa vigiar. E por ser uma mulher de Deus comprometida com a obra e com a família, é que ela precisa ter cuidado redobrado!
Disse um dos altos seres angelicais que estava ali acompanhando sua
reação com a chegada dos filhos e do marido.
- É lógico que a liderança da igreja precisa ter um cuidado a mais
com suas vidas... Aqueles ali fora (falou apontando para os demônios) querem fazer dos santos suas principais vítimas. E o Eduardo e a Rose são diáconos da casa do Eterno, são líderes, exemplos para outros casais dentro
e fora da igreja... É por isso que eles não podem relaxar em nada, eles são
o alvo perfeito!
- Em especial, ela... - Lamentou-se o anjo cor de ébano.
Um era mais loiro e baixo, enquanto que o outro era alto e tinha a
pele escura. Muito bonitos os dois.
- Eu sei... Ela já esteve nas garras de Larz antes. Na realidade, não
apenas ela, mas a mãe e o pai que a gerou... Foi uma maldição na área se45
xual passada dos pais para ela!
Indignou-se o anjo mais claro. Certamente para um ser puro, angelical, e servo do Altíssimo, ver vidas escravizadas por Satanás deveria ser
muito doloroso. Tal qual Deus, os anjos amavam os humanos e sempre
estavam dispostos a cuidar de suas vidas, e a entrarem em guerra contra
os demônios, se necessário fosse. E enquanto eles lembravam tudo o que
Roseni havia passado por causa da legalidade dos pais, era impossível não
lamentar por ela.
E claro que a dor deles não era apenas por ela, mas os seres
divinos também se condoíam por dona Amélia. A mulher pecou, abriu
uma brecha de imoralidade sexual em sua vida, rejeitava a filha por causa
do pecado cometido, e não conseguia se perdoar por aquilo... Amélia era
uma bomba de angústia e depressão prestes a explodir! E mesmo tendo
recebido Jesus como Senhor e Salvador e viver frequentando uma igreja cristã, a verdade era que ela ainda era muito carnal. Sempre fazia sua
vontade e quase nunca pensava na vontade de Deus para a vida dela ou
da família. Era uma crente de “título” e não de atitudes, podia se dizer isso
dela. Costumava sempre agir de acordo com suas emoções, e, assim, ficava dif ícil para o Espírito Santo de Deus tratar com os seus defeitos e fluir
em sua vida. Como dizia o apóstolo Mateus no capítulo 25 do Evangelho
que escrevera: Era a típica “noiva” sem azeite. Uma cristã que não possuía
presença do Espírito de Deus em sua vida, ela era apenas crente de rótulo,
não de direito.
Os anjos voltaram sua atenção para a conversa entre Rose o marido
e os filhos. Após a oração feita por ela à tarde e a debandada dos seres
malignos do ambiente, todos eles estavam em total harmonia: jogaram dominó, comeram um jantar apetitoso, oraram juntos, e por fim o casal teve
uma noite digna do livro de Cantares de Salomão... Coisa que os anjos
retiravam-se de imediato para não presenciar intimidades entre marido e
mulher.
O próprio Deus havia criado o sexo para ser um momento de deleite
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entre o casal. De acordo com a Bíblia, um só homem e uma só mulher,
debaixo da bênção do matrimônio, tinham todo o direito a se satisfazer
com seus corpos. Em Efésios 5:5 “Porque bem sabeis isto: que nenhum
fornicário, ou impuro, ou avarento, o qual é idólatra, tem herança no reino
de Cristo e de Deus.” Sendo assim, essa passagem deixa claro que o sexo
deveria ser puro e essa pureza só seria alcançada dentro do casamento.
Se fornicar é praticar sexo fora do casamento, a lógica é que a pureza e a
bênção de Deus estão dentro do matrimônio. “Mas, por causa da imoralidade, cada um deve ter sua esposa e cada mulher, o seu próprio marido.
O marido deve cumprir os seus deveres conjugais para com a sua mulher, e da mesma forma a mulher para com o seu marido. A mulher não
tem autoridade sobre o seu próprio corpo, mas sim o marido. Da mesma forma, o marido não tem autoridade sobre o seu próprio corpo, mas
sim a mulher.” (I Coríntios 7:2-4). Não adiantava querer modificar: entre
o marido e a mulher era permitido o prazer. Mas, apenas entre eles. Fora
disso, a Bíblia chamava de imoralidade... Homossexualismo, adultério e
outras práticas, não se encaixavam no padrão que o Eterno havia criado
para o ser humano ter prazer. E Deus não apenas permitia, mas um dos
indicadores principais de que o casamento ia bem era a qualidade sexual
do casal. Para um casamento saudável, era essencial que marido e mulher
tivessem momentos de prazer juntos. E por isso, os anjos trataram de sair
daquele quarto rápido. As coisas aparentemente esquentariam por ali, e
as preocupações com a Rose e o Edu pareceram desnecessárias por hora.
E eles perceberam isso pela feição irada que emanava dos seres inferiores
do lado de fora naquele instante. Eles não estavam nada satisfeitos com
aquele momento de prazer e cumplicidade entre os dois. Aquela comunhão íntima entre o casal não os alimentava, diferente das relações sexuais
imorais as quais eles estavam acostumados. Aquelas sim os davam prazer!
- Eles não descansam! - Comentou em tom de reclamação o grande
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anjo cor ébano, ao olhar a troca de “guardas demoníacos” do lado de fora
da casa dos Cavalcanti Silva.
- Palavras do próprio Emanuel em Mateus capítulo 10 e versículo
10: ele veio para matar roubar e destruir... Você acha mesmo que satanás
vai parar até destruir a vida deles totalmente? Aliás, serei mais claro: você
acha que o reino das trevas irá sossegar enquanto não acabar com toda a
humanidade? Lúcifer caiu porque foi encontrado iniquidade dentro dele.
E o resultado da iniquidade é destruição! Ele já está derrotado diante da
vitória de Emanuel na cruz, mas enquanto o Criador não o aprisionar
eternamente, ele continuará com seus planos de destruição contra tudo
e todos.
- Em especial, contra os filhos do Altíssimo. - Suspirou o anjo claro
e menor, imaginando que isso nunca teria fim. E o pior é que não teria fim
mesmo. Quer dizer, o fim só viria após o cumprimento de todo o livro
de Apocalipse... Quando o novo céu e a nova terra chegassem e os salvos
pudessem viver em paz ao lado da trindade. Contudo, até lá, ainda haveria
muita batalha pela frente, batalhas diárias e sem descanso. E o suspiro dele
se dava por conta disso.
- Contra os verdadeiros crentes e em especial contra os líderes.
A queda de um membro, ou um cristão de verdade é uma perca terrível
para o Reino e para o Eterno. Ele vê alguém que Ele criou, amou e resgatou,
ser arrastado para a condenação e isso é uma dor imensurável. Emanuel
morreu por essa vida, e agora, o sacrif ício torna-se em vão! Entretanto,
quando um líder cai o resultado é catastrófico, muitas pessoas que estão
debaixo do seu direcionamento seguem seu exemplo... E quando a queda
e o pecado dessa pessoa são expostos, muitos perdem sua fé e desistem de
andar com Deus. Não acreditam mais na santidade do corpo de Cristo e
muitas almas se desviam mesmo. Não é a dor de ver um filho se perdendo,
mas a intensa dor de observar vários trocando a salvação por uma vida de
sofrimento. E caso não haja um novo arrependimento genuíno em suas
vidas, o resultado disso tudo será a condenação!
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Eles comentavam e lamentavam, olhando para os seres inferiores
que permaneciam ali, de guarda. Vez por outra, um novo demônio chegava, como para reforçar o ambiente, ao menos o externo já que lá dentro nenhuma nova brecha havia sido aberta. Entretanto, de nada adiantava o “reforço maligno”, pois a harmonia naquele instante era total na casa daquela
família: Eles estavam bem espiritualmente, orando os quatro diariamente,
além de cada um ler sua Bíblia, as crianças obedeciam em praticamente
tudo e Roseni definitivamente tinha esquecido a tal rede social. Contudo,
isso só era possível porque ela havia decidido focar seus sentimentos e
energias nas coisas do presente: sua família, ministério... Olhar muito para
o passado poderia ressuscitar emoções e trazer de volta atitudes que não
seriam mais adequadas. Olhar muito para o passado poderia trazer danos presentes e muitos prejuízos futuros. Mas, por enquanto, Rose estava
ciente disso e estava dando o seu melhor ali para o marido e os filhos.
A rede social havia sido um meio encontrado por satanás para trazer
sentimentos e pessoas indevidas de volta à sua vida. Ela só precisava ter
cuidado para não “embarcar” naquela fantasia de que a vida de todos era
perfeita, menos a sua. Ninguém tinha a vida perfeita, eles só não publicavam isso.
- Bom, infelizmente sabemos que eles não vão desistir, mas enquanto a Rose e o Edu se mantiverem firmes e buscando ao Criador, estaremos
aqui ao lado deles e fazendo sua proteção pessoal. Temos guardiões acampados em volta da Raissa e do Eduardinho também. Essa família está toda
muito bem resguardada! - Orgulhou-se o loirinho de feições delicadas.
Era o típico “anjo” mesmo, fisicamente falando.
Diariamente, a família se reunia e oravam pedindo ao Pai, o Filho, e o
Espírito Santo que enviassem anjos para guardá-los; e por isso havia tanta
proteção sobre eles. Era assim que funcionava no mundo espiritual: Deus
tinha prazer em ouvir as orações dos Seus filhos, e de acordo com a vontade do Todo-Poderoso, os pedidos eram atendidos. E oração por proteção
era algo que Deus se agradava em conceder “Porque aos seus anjos dará
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ordem a teu respeito, para te guardarem em todos os teus caminhos.” Assim estava escrito no Salmo 91, versículo 11. Deus dava ordens para os
anjos guardarem seus filhos, e a família do Edu e da Rose sabia daquilo, por
isso, durante as orações diárias sempre havia esse pedido. Entretanto, os
anjos ali presentes não poderiam interferir no livre-arbítrio deles, nem de
mais ninguém. Não poderiam impedir que eles tomassem “determinada”
atitude em “determinada” situação. Aquele papel não cabia a eles. Deus
havia dado o livre-arbítrio ao homem, e apenas ele mesmo decidiria se faria algo, ou não. O Espírito de Deus dentro dos humanos os aconselharia,
alertaria, mas a decisão era sempre pessoal. E por isso os anjos não poderiam nem deveriam interferir. Eles os protegiam de acordo com as orações
e obedeciam a ordens superiores. Agir sem autorização dos céus, jamais!
A hierarquia no mundo celestial era muito organizada, cada anjo tinha sua
função e nenhum deles ousava, nem tampouco sentia desejo de descumprir alguma ordem. O primeiro e último que pensou em fazer algo do tipo
foi Lúcifer. E o resultado foi um caos total no universo.
Não, no coração dos anjos não havia espaço para rebeldia e por isso
cada um fazia seu trabalho da maneira mais santa e pura possível.
O anjo negro voltou a alertar:
- Larz fez um estrago muito grande nessa família antes e é por isso
que esses seres malignos estão à espreita, eles querem voltar. Deve ser porque Eduardo e Roseni estão prestes a tomar de conta de uma nova igreja
que será aberta. Você já imaginou se esses espíritos de impureza sexual
conseguem contaminar o casamento deles? Seria uma destruição na família e no ministério... Um prejuízo terrível para a implantação do reino dos
céus naquela área!
- Não, ela precisa vigiar para que isso não aconteça. O Altíssimo
é santo e não pode conviver em meio ao pecado. Se a Rose ou o Eduardo abrem uma brecha desse tipo, nossa segurança seria retirada deles e
aqueles imundos ficariam livres para agir. Imagine o escândalo na igreja!
Quantas vidas e quantos casamentos não seriam abalados...
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Dessa vez, os guardiões do Eduardo entraram na conversa. Um era
ruivo e alto, enquanto o outro aparentava ser do Oriente Médio. Na realidade, os seres angelicais tinham as mais diferentes formas espalhadas pelo
Criador nessa terra. E todos aparentavam ser muito fortes e cheios de vida.
Era algo impactante se os homens pudessem vê-los face a face.
Os quatro estavam reunidos e conversavam, enquanto observavam o
Eduardo levantar apressado e dar um beijo de bom dia na esposa. A semana tinha passado rapidamente, já era manhã da sexta-feira, e o Edu havia
perdido a hora. Iria chegar atrasado ao trabalho e por isso começou a ficar
estressado, não acordou na hora certa e agora não conseguia encontrar a
farda da sapataria. E ele, como gerente, não poderia dar o mau exemplo de
chegar atrasado e muito menos sem fardamento.
- Ih... Ele saiu irritado e sem orar. É melhor irmos e o acompanharmos de perto para impedir que algum ser maligno tente contra sua vida.
Despediram-se, enquanto os anjos da Rose permaneciam de guarda
em torno dela. Enquanto demônios estivessem rodeando seu lar, eles não
arredariam o pé dali.
Aparentemente, tudo estava tranquilo, isso até Rose levantar-se
expressando estar com muita dor de cabeça e no abdômen.
- Justo hoje ela acorda de TPM! Já não bastava a irritação do
Eduardo?
Ela levantou muito mal-humorada, reclamando de dores e do horário também. Pois é, não só o Eduardo tinha perdido a hora, como também
ela, devido à crise de enxaqueca causada pela aproximação do período regular das mulheres. Aí, uma sucessão de atitudes não programadas aconteceu: amanheceu irritada, gritou com as crianças por elas ainda estarem
deitadas à uma hora daquelas (ela também estava!), o almoço saiu atrasado
e o arroz ficou cru, enquanto isso, sua dor de cabeça não amenizava, tampouco sua irritação.
- Ela poderia ler a Bíblia para se acalmar um pouco ao invés de ir
para o computador. Afinal, desde quando olhar bobagens na internet é re51
médio para TPM? - Debochou o anjo loirinho e que estava atento a todos
os passos dela.
Roseni, por estar chateada com a atual dificuldade financeira, havia
caído na armadilha de “invejar” a aparente vida abastada que os amigos de
rede social levavam. E agora irritada e voltando para a internet, o que mais
poderia acontecer? Para quê arriscar novamente?
- Roseni precisa insistir um pouco mais na leitura da palavra.
Ela está no livro de I Crônicas, e sei que o início desse livro pode ser cansativo pela quantidade de nomes e repetições contidas nele. Mas são capítulos de relatos históricos que falam sobre descendência e gerações, tem que
ser detalhado mesmo. Ela poderia se esforçar um pouco mais e avançar a
leitura para chegar à parte mais emocionante...
- A que relatará os detalhes do comportamento do rei Davi e do seu
relacionamento com Deus... Esses capítulos são muito inspiradores.
- Mas ao invés disso, ela prefere gastar seu tempo vendo vídeos na
internet... Tudo bem que esses aí tem um humor bem inocente. Até agora,
não há nada com o que nos preocuparmos.
Os seres celestiais interagiam enquanto observavam as páginas que
a Roseni visitava. O problema iniciou quando ela cansou dos vídeos e devido a um email retornou a tal rede social.
- Essa não! Péssimo dia para ela acessar esse negócio. Ela está ansiosa
demais, e ansiedade em excesso termina abrindo algum tipo de brecha...
Ela vai terminar fazendo alguma bobagem. Principalmente porque sabemos quem enviou a mensagem para ela!
- A Marina!
- Era isso que eu temia... A Marina não é amiga que tem...
- Muitos problemas na área sexual? Essa mesma!
Os seres celestiais ficaram temerosos com a alegria da Roseni por a
antiga amiga ter entrado em contato. Aparentemente, não havia nada de
mau naquela atitude. Porém, no mundo espiritual as coisas funcionavam
de maneira diferente: a aura das pessoas podia ser vista. Suas intenções
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benignas ou malignas tomavam forma. Era como se, ao olhar para alguém,
os anjos pudessem ver o índice de bondade ou maldade contida nelas.
Ou melhor, eles podiam contemplar o índice de santidade e pecado que
cercavam suas vidas. E os índices da Marina não eram nada bons.
Claro que era levado em consideração o fato da Marina não ter Jesus
como Senhor e Salvador de sua vida, e ser uma pessoa carnal que vivia
guiada pelos seus desejos e instintos. O nível de “santidade” em sua vida
praticamente era inexistente. Porém, até para os padrões mundanos a Marina não era nada fácil, pois não se importava em prejudicar as pessoas
para alcançar aquilo que queria. Se ela desejava alguém, e por acaso aquela
pessoa já tivesse um compromisso com outra, para ela, aquilo pouco importava. Contanto que ela alcançasse o que desejava... E era por isso que
os seres angelicais estavam tão preocupados, porque uma pessoa com um
comportamento tão danoso estava voltando para a vida da protegida deles!
- A Rose tem um passado de maldição na área sexual, primeiro por
ter sido gerada através um adultério, e depois por ter tido relações sexuais
antes do casamento, mesmo tendo consciência de que aquilo era pecado...
Ela deve ter muito cuidado ao ter amizade com pessoas fracas nessa área,
porque ela também já teve problemas com isso e com certeza vai terminar
recebendo algum tipo de influência nociva.
- E muitos se enganam, achando que porque superaram um problema podem estar ajudando outros nessa mesma área...
- Pois é, caso a pessoa não seja muito comprometida com Deus e não
seja muito bem resolvida emocionalmente, ao invés de influenciar alguém,
pode ser a influenciada da vez!
- Além dos demônios cercando e lançando setas o tempo inteiro...
E como se a troca de mensagens com a Marina não já fosse motivo
de sobra para os guardiões ficarem alertas, o pior ainda viria.
- Eu sabia que os seres inferiores estavam armando algo! Por isso,
eles trocaram a guarda e mais reforços foram enviados: O ex-namorado, que havia sido seu grande amor antes do marido, entrou em contato.
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E o pior: Não temos noção alguma das intenções dele.
- Isso não está me cheirando bem! Olha só o susto que ela tomou ao
abrir a caixa de mensagem. Ficou muito mexida ao ver que ele a procurou
e isso não é nada bom.
- E a expressão dos inferiores: eles estão calmos! Não vibram como antes.
Será que eles estão tentando disfarçar suas intenções para não percebermos
nada?
- Na dúvida, vamos solicitar que Gabriel envie anjos para averiguar
o que se passa com a Marina e o tal Maurício. Precisamos saber das intenções de ambos para nos prepararmos por aqui. Não podemos abandonar
nosso posto de guardar a vida da Roseni, mas precisamos de informações
sobre o que se passa na vida deles e que tipo de influência os inferiores têm
tido sobre eles.
Ao menos Rose aparentava também estar preocupada com a intenção do Maurício ao contatá-la. Significava que ela não queria dar brechas
para satanás agir em seu casamento, e refletia o quanto estava firme em
preservar sua santidade e a harmonia do seu lar. E apesar de ter respondido, a aura que a envolvia nesse momento era de pureza e cuidado. Nada
com o que se preocupar.
Os dois seres celestiais esperavam que quando o Eduardo chegasse
em casa, Roseni compartilharia com o esposo que havia aberto uma conta
em uma rede social, informaria também que sem pretensão alguma havia
adicionado algumas pessoas e sido adicionada, e que o Maurício estava
entre elas. Ainda contaria que havia recebido uma mensagem dele, e que
puramente por educação havia respondido. Ele ouviria tudo, teria uma
opinião formada a respeito do que a mulher fizera, e mesmo que não gostasse, saberia que Roseni havia sido sincera com ele. E assim, os demônios
não poderiam agir.
Eles só não contavam com a surpresa desagradável que aconteceria.
- Pedi demissão.
Foi o que ele disse, após chegar com uma expressão abatida. Uma
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discussão com o auditor fiscal que estivera mais cedo na loja que ele gerenciava tinha sido o motivo para aquela atitude impensada dele.
- Não acredito que o Eduardo agiu no impulso novamente! Ele não
poderia ter feito isso, não pensou na família...
- Observem a aura dele e da Roseni. Ela está numa aflição e preocupação de dar dó. E ele, de culpa e arrependimento. E agora já é tarde! - Um
deles comentava; o de pele mais escura; com os guardiões do Eduardo que
acabavam de chegar e compartilhar a péssima situação de hoje à tarde.
- Ele não roubou nada, nem foi conivente com ninguém. Não precisava ter se exaltado, nem nada do tipo. Era só ter esperado por uma investigação.
- Mas o Edu é muito “justo”, cobra muito de si e dos outros.
Ele não admite falhar com ninguém, nem que os outros falhem com ele.
- Herança do pai durão que não admitia que ninguém duvidasse de
sua honra... E agora deu nisso.
Os guardiões sabiam que aquela confusão no trabalho do Eduardo
era obra dos inferiores. Por isso, tanta troca de guardas e tanto vai e vem
entre eles. Os anjos celestiais precisavam se movimentar e descobrir qual
principado estava por trás dessa investida que começava a se formar contra a família.
- O ataque deles começou. Tenho certeza que Larz está por trás disso, mas desconfio que ele não esteja só.
- E observem que a família foi dormir, mas ela não tocou no assunto
do ex com ele.
- E pior, foi a primeira vez que eles dormiram sem orar juntos!
Um quadro sutil, aparentemente corriqueiro, porém assustador começava a se formar. E os seres angelicais sabiam disso, por isso estavam
tão temerosos e alertas. E a falta de oração naquela noite foi apenas o primeiro indicador de que, sem perceber, os inferiores começariam aos poucos a afastá-los um do outro, inclusive da presença do Eterno... Isso até que
conseguissem separá-los e destruir tudo o que construíram de uma vez
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por todas. Rose e Eduardo não tinham como enxergar isso agora, mas os
seres celestes sim, e era por isso que eles estavam tão incomodados.
MUNDO INFERIOR
- E aí, o idiota do marido caiu na armadilha que preparamos para
ele?
- Claro que caiu! Como você falou, ele é idiota... Agiu totalmente na
emoção e pediu demissão. Eles vão ficar arruinados financeiramente! - Riu
sarcasticamente um dos seres malignos.
Vários demônios estavam revezando a vigilância na casa do casal.
Mamon enviara alguns inferiores que trabalhavam de maneira coordenada
com os subordinados de Larz. Vez por outra, eles entravam em disputas
e contendas (eram especialistas nisso) e por isso, eram trocados, mas, independente de qual deles estivesse a vigiar, todos sabiam muito bem suas
obrigações por ali: lançar setas na mente dos seres humanos e em especial
na dos cristãos, para que eles se entristecessem, cobiçassem algo de outra
pessoa, ou se irassem, como acontecera com o Eduardo.
- A atitude dele vai levar a família para um buraco financeiro. E sabemos que eles já não tinham quase nada, mas o quase, agora vai virar nada!
Riam três deles que se aproximavam com notícias e se preparavam
para substituir os outros que estavam de tocaia, do lado de fora da varanda
do apartamento.
- Ela também vai cair, não vai? – Perguntou o menor e mais nojento.
Os seres inferiores tinham uma aparência horrenda, de como se tivessem sido queimados ou deformados por ácido ou fogo. Não dava para
discernir se eram pessoas, ou coisas... A melhor definição era a de “criaturas horrendas” mesmo! Eram meio esverdeados, algo desse tipo. Enfim,
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eram terríveis, mas bem espertos e esse era o grande problema: capturavam tudo a sua volta. Emoções ou expressões nunca passavam despercebidas por eles. E aí já viu: a emoção certa com a seta maligna certa resultava
em destruição total! Os demônios não brincavam em serviço de jeito nenhum.
- Aposto que ela cairá! Atacamos o marido e a mulher também: Olha
lá ela respondendo ao email do ex-namoradinho que era louco por ela.
Outra idiota!
E riam sem parar enquanto tentavam se esconder dos seres angelicais para que eles não percebessem que algo muito grande estava sendo
armado.
- E o melhor de tudo isso é que a “Marina” está fazendo direitinho o
seu papel... Elas voltarão a ser amigas, e a “prostituta de grife” vai influenciar a crente a ter contato com o adúltero novamente!
Eles conversavam e combinavam entre si que setas lançar.
Roseni, Maurício e Marina foram amigos muito próximos na época
do colegial. E enquanto Rose e Maurício namoravam, Marina era a garota que mais “pegava” os rapazes no colégio. Como duas pessoas tão diferentes como elas se tornaram amigas? Simples: Marina não tinha família.
Quer dizer, ela não tinha os pais presentes, o pai a havia abandonado quando ela era pequena, e a mãe trabalhava em outra cidade para sustentá-la,
por isso, era criada pela avó materna. Na realidade, a síndrome de rejeição
das duas as havia aproximado. E lógico que isso era uma estratégia muito
bem armada da parte de Larz e dos seus submissos, enquanto Roseni se
aproximava e tentava “evangelizar” Marina, a convidando para frequentar
a igreja com ela, Marina era usada pelos inferiores para incentivar a imoralidade sexual no namoro da Rose e do Maurício.
Entretanto, nesse momento, ela não teve sucesso pelo simples fato da amiga não confiar tanto no namorado a ponto de cometer
uma bobagem como aquelas. Entretanto, já estando com o Edu e ainda sobre a influência dos conselhos sexuais da Marina (Rose e Mau57
rício terminaram, mas a amizade das duas continuou até quando elas
entraram na faculdade), ao invés de converter a amiga com seu testemunho, Roseni terminou fornicando e engravidando. Um a zero para
a Marina!
Marina não havia feito aquilo de maneira proposital: influenciar a
amiga para que ela caísse na área sexual. Não, ela não queria destruir a vida
da Roseni. É que para a Marina, relacionar-se sexualmente com alguém
fora do ambiente do casamento era algo normal. Ou era por puro prazer,
ou por interesse. Para ela, o sexo era um meio para se conseguir alguém, ou
algo que ela queria muito. E por ser tão próxima a ela, Rose havia sido contaminada no passado. E mais uma vez, agora através da rede social, Larz
usaria a estratégia que no passado deu certo: reaproximá-las para fazer Roseni cair novamente! Assim que abriu a conta no site, os inferiores servos
de Larz trataram de jogar em sua mente a imagem da Marina e o quanto
elas já haviam sido amigas. Do mesmo modo, assim que Marina viu o pedido de amizade da Roseni, ela lembrou-se imediatamente do quanto a
amiga crente a compreendia e a aconselhava sempre que ela se metia em
alguma confusão. Pronto, a reaproximação das duas era mais que certa!
As duas amigas passaram no vestibular na mesma época. Entretanto,
enquanto Rose entrou para uma universidade federal, Marina entrou para
uma particular. Ela queria fazer administração de empresas, mas nunca foi
tão estudiosa a ponto de passar para uma universidade pública, ao invés
dos livros, Marina preferia praia e baladas. E passar num vestibular concorridíssimo levando esse estilo de vida estava tão dif ícil quanto ganhar
na mega sena! O sonho da Marina era curtir a vida e poder se sustentar
sem fazer muito esforço para isso. Entretanto, ela não tinha dinheiro para
custear a mensalidade tão alta na faculdade para a qual passara. Sendo
assim, começou a trabalhar numa cafeteria durante o dia e estudar à noite.
O salário só dava para a mensalidade e ela precisava de muito mais para
conseguir se manter. E como sempre fora muito bonita (ela tinha a pele
bem alva e um cabelo na cor “acaju” que chamava de imediato a atenção
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dos homens) e simpática, não demorou muito para que o dono da cafeteria
se encantasse por ela. O único problema era que o seu Gilberto era casado!
Bom, na realidade o problema era para a esposa dele, porque, para a Marina, enquanto ele a bancasse, tudo estava tranquilo. E ali ela viu a oportunidade perfeita para se dar bem na vida... Foi sustentada por ele durante
um bom tempo, guardando muito dinheiro para quando se separassem,
aprendeu tudo o que era necessário naquele ramo, e quando a esposa do
seu Gilberto descobriu tudo, ela já tinha dinheiro suficiente para montar
seu próprio negócio. E agora, era dona do Marina’s Café.
A cafeteria da Marina ficava em frente à Primeira Vara do Trabalho,
que era justamente onde o Maurício trabalhava. Ela até podia não ter feito
o mesmo curso que ele, mas como estudavam no mesmo campus, a amizade entre os dois foi mantida, e por esse motivo, por causa dos amigos e
a influência que ele tinha, ela decidira abrir o negócio ali, aquela turma do
ramo jurídico adorava um café e gastar dinheiro. Negócio certo no local
certo! E foi justamente ali em seu ambiente de trabalho que ela conheceu
o doutor Paulo César, um promotor de justiça por quem terminou se apaixonando... Pois é, a Marina agora vivia numa relação fixa, mas novamente
com um homem comprometido. O promotor era casado, mas namorava a Marina. Ou assim ela imaginava. E por esse motivo não havia fotos
dela com ninguém nas redes sociais, porque o cara que ela amava já tinha
dona e ele já havia deixado claro que não abriria mão da família nem por
ela, nem por mais ninguém. E com tanto “peso espiritual” na área sexual
e emocional da sua vida, contaminar Roseni com toda aquela influência
maligna era um dos principais planos do Senhor da lascívia e impureza!
- Essa amizade precisa ser ressuscitada. A Marina será uma das nossas principais portas para voltar a atuar na vida dessa crente sem graça!
- Comentou um dos inferiores que acabava de chegar da ronda e se posicionava trazendo informações acerca da reação da Marina e da sua empolgação pelo reencontro virtual com a amiga.
- A Marina, e a situação financeira que eles irão enfrentar, vamos
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agir nesses dois pontos. Precisamos lançar muito temor na mente da Roseni com relação ao futuro financeiro do casal. O marido pede demissão.
Sem se dar conta dos nossos planos, ela começa a perder a admiração por
ele. E aí, com base em alguns conselhos da “amiga”, ela cai em nossa maior
armadilha...
Eles se afastaram, enquanto observavam Rose responder empolgadamente a Marina, e o Maurício. Tudo bem que ela não estava “tão empolgada assim” para responder ao ex. Na realidade, ela ainda estava com
postura de santa cautelosa. Mas, diante do quadro que eles haviam preparado e que estouraria em pouco tempo, eles sabiam que aquela resistência
e cuidado por parte dela não duraria muito tempo.
O marido iria decepcioná-la e eles estavam apostando nisso. Começaria com atitudes bobas, coisas pequenas... E depois, aquele relacionamento cristão e harmônico viraria um poço de frustração, e a frustração
dela seria o princípio para a desestabilidade familiar.
No mundo espiritual da maldade, tudo poderia ser revertido para
pior, bem pior no caso. Os demônios costumavam pegar tudo o que
Deus criou de bom e contaminar o coração do homem para que aquilo se
transformasse em mal. Coisas do dia-a-dia, atitudes normais, poderiam
ser transformadas em armadilhas malignas para os cristãos... Como, por
exemplo, dependendo da quantidade de contaminação que um homem
ou uma mulher aceitasse em seu interior, desse ouvido a voz do maligno e
caísse em suas setas, um simples trabalho ou meio de sustento poderia se
tornar a ruína do seu lar ou da sua vida pessoal, como aceitando suborno,
se envolvendo com alguém, roubando a empresa... E um relacionamento
santo poderia resultar em prostituição, caso o marido ou a mulher não
dessem atenção e amor suficientes um ao outro. Caso não atentassem para
as necessidades emocionais e f ísicas dos seus parceiros... A contaminação
sexual num relacionamento entre marido e mulher começava com atitudes relapsas entre eles. E o que Eduardo acabara de fazer, pedir demissão sem pensar em primeiro lugar no sustento familiar, era um excelente
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exemplo disso.
- Olha lá, o idiota entrando em casa todo abatido e contando para a
mulherzinha o que ele aprontou!
Eles olhavam a cena e tentavam se controlar diante dos angelicais.
O plano estava tomando forma e eles não poderiam permitir que os seres
celestiais desconfiassem que algo muito maior viria por parte deles.
- Não podemos chamar a atenção. Façam de conta que não temos
nada a ver com isso. - Comentou o chefe do turno.
- Olha a expressão de angústia dela!
Os três se entreolharam, comemorando a primeira e muito bem-sucedida etapa do plano maligno. A destruição da família Cavalcanti Silva
era apenas uma questão de tempo, e pouco tempo!
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