Um mundo mais ético”, da Exame CEO
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Um mundo mais ético”, da Exame CEO
Ç J J K KE G P YC O S M RW P E MG GM M G M ML MK UL T K Y UE W T CY S ER W Y O M W H AA K K E ES M R PO Y RO PM Y W JO L M O WW JE TL U O N W S MM K M L KO L E T U N K UU T TY Y E WE CW O CR OP YR O P M YW OH MJ KW E HG JM G K ME MG L M G M M L F AA L LS TS MT E M R ER AR OR V AU OI PV L UM IG D F P SL W M E GH H D S W E H H H JJ K KE E G MG GM M G M M L MK UL T K Y UE W T CY O E R WP YC OO M R W P Y O M W F AA L LS TS MT E M R ER AR OR V AU OI PV L UM IG D F P SL W M E GH H D S W E H H I R I T RD IT V DI FI OV E IS EF MO R E H SE H C OO MM P PL L E EM Y R H E H E Y O PI N O M P N NB SM DN F BG SL MD NF I GO L P A SS D D E ER TR U T I U M N I O P U ET E TW US D Q EE D D C CC V C BV G B H GJ RH T JT R E GE V W C SB M D G V C B M H JG K HM JI OK P M G IH OH SP E G W HA HQ U UU I IO OE WE SW F SG F S E W A Q exame CeO | a b r i l 2 0 1 4 | w w w. e x a m e .C O m ABRIL 2014• 2014• eD.17• ED.17• R$29,90 R$29,90 ABriL B MM J J K KT OT S O L SR EL GR I EL EG G I A LL TE A G W A Z LX CT BIdeias A Wpara C B Ideias paraZquem quemXdecide decide A SS D D E ER TR O T I OE RI E EV RA LE O V R AE SL L O Q RK E OS P L Q K E O P G I G C IM CG C H JJ K KV V M OG R C R OU PR ÇR Ã UO PR M Ç YÃ X OV RW M Y X V W N SN P S A PR ÊA NR C ÊI AN PC L IM AG D P TT R RA A P OL WM T GI HD O W T I H R WR R J J K KL EL OE E OM EA IM E AC IA LE E C W AC LO RE R W Y CO O R Y O R W D CS OD R CJ U O HH T T P PT RT G R O GS O O SR T JI ÇU A S S TR TI P Ç A S R T P U BS O U R BN O O AR ON S OF A E LO E SS U P ÉÉ T TI CI A C Q AS Q F CE L E S U C I S S D DE TE L T D LC O I S O S MO U I D MC PO R MO PM R I SS O S Ã OD R U S O Ã D R E WM OE O M E EI N EE Ç Ç S SO VO E V G EH GE EH I EO V E LI M O E VM L W O O E I S UG B S O UR N A UU I IO OE WE E W F EG F B OO G R H NH OS EG WH N HM S E W N M T OT P O L PH GL I H O GP D H VV J JK K I EO S PR TD AE W S Z RX C T EA W Z X C E R TR U T I O L MD K F I G O PL N EE F FE E U PI N O M PN NB SM D N F BG S M K I O P Y OO A R R P G RR R R E EG M G GM MG M M L MK U L TK Y UE W T CY OE R WP C Y O A R F DD A A S ST MT EM R ER R A OR V A U OI PV L U M IG PD SL WM E GB D I F S W E B I D IT V DI FI O V E IS EF MO R EH SE HE UM N R D AA U U P PL IL R IT R H E Um mundo mundo Um mais ético ético mais O Brasil Brasil avança avança no no combate combate à à corrupção. corrupção. O O mundo mundo nunca nunca O W D I UO I P assunto. NO MP N Estamos FB G SL D M N I G Smelhores? W D DD E debateu E R RT UT tanto N B MS D N aprendendo Fa LC M N debateu tanto o assunto. Estamos aprendendo a ser ser melhores? o H U N I S C I E E E EC CC V C B VG B H JG R HT Artigos TJ UR E e W I TEentrevistAs T SU DE G EV WR OS Í D ARTIGOS E ENTREVISTAS V R O Í Clóvis de Barros Filho Dimitri Vlassis Harry Kraemer Irina Raicu Ivan Krastev raicu W SWBarros F SG Filho K HMvlassis P M GKraemer A HA•• ivan P D UU I IO OEClóvis E de FH ••JGDimitri JI OK•• Harry IH OH •• Sirina P EG H Krastev S E A A P E MM J JK KT E Z E C I G Laurence Cockcroft Cockcroft •• Leonard Leonard McCarthy McCarthy •• Marcos Marcos Fernandes Fernandes g. G. da da silva Silva •• Laurence • Michael Hershman • Muhammad Yunus • Peter Singer • Michael Hershman • Muhammad Yunus • Peter singer OT P O L PH G D EO S PR DT AE WS Z RE T C IA W L I H O GP I R ER I ET OI I TN OM I N BN S M D NE LB I ST D O I E O LO I D VV D D I I T O I O O Q A SS P PU UR BR UB A UO AP BO S P S BA Q S ZS F AG QL M Z KF Z GY L M K Z Y Q APRESENTAÇÃO NÍGER, NA ÁFRICA Grupo de mulheres e crianças cava o leito seco de um rio em busca de água: países pobres sofrem mais com o desvio de dinheiro de obras públicas UM DESAFIO GLOBAL A corrupção é um dos três principais problemas em quase metade dos 148 países analisados em um estudo do Fórum Econômico Mundial. O prejuízo anual chega a 2,6 trilhões de dólares. Essa “doença” atinge todos os países, mas seus efeitos são mais perversos na população de baixa renda Aubrey Wade/Panos ERNESTO YOSHIDA 10 | EXAME CEO | ABRIL 2014 ABRIL 2014 | EXAME CEO | 11 N APRESENTAÇÃO 12 | EXAME CEO | ABRIL 2014 Gustavo Oliveira/Corbis/LatinStock ãosãopoucos os que comparam a corrupção a um tumor difícil de ser tratado. “A corrupção é o câncer do mundo moderno”, disse o líder tibetano Dalai Lama em janeiro deste ano, ao visitar a Índia. Assim como o câncer, a corrupção pode se alastrar de forma incontrolável. Pode até matar um Estado. O filósofo francês Montesquieu, criador da teoria de separação do Estado em três poderes — Executivo, Legislativo e Judiciário — como forma de evitar os desmandos do governo, citou a corrupção como uma das causas do colapso do Império Romano no século 5. “A grandeza do Estado fez a grandeza das fortunas particulares”, escreveu Montesquieu na obra Considerações sobre as Causas da Grandeza dos Romanos e de Sua Decadência, de 1734. “Os que não foram inicialmente corrompidos por sua riqueza foram-no em seguida por sua pobreza. Com bens acima de uma condição privada, era difícil ser bom cidadão.” O custo de negligenciar essa doença é alto. O Fórum Econômico Mundial estima que a corrupção seja responsável por perdas de 2,6 trilhões de dólares por ano, ou 5% do PIB global. Somente em suborno calcula-se que seja pago 1 trilhão de dólares a cada ano. Embora comumente associada a países pobres, a corrupção, como o câncer, é uma doença que não escolhe vítimas. Em 71 dos 148 países pesquisados em um estudo do Fórum Econômico Mundial, a corrupção aparece como um dos três principais problemas que prejudicam o ambiente de negócios. Em média, segundo o estudo, a corrupção representa um custo adicional de 10% para fazer negócios — nos países em desenvolvimento, esse custo extra pode atingir 25%. Além de afastar investidores e minar a competitividade de um país, a corrupção retarda o desenvolvimento ao desviar para contas particulares o dinheiro que poderia ser aplicado em áreas essenciais, como infraestrutura, educação e saúde. O Banco Mundial estima que de 20% a 40% dos recursos destinados pelos países ricos aos países em desenvolvimento a título de doa ções ou empréstimos são apropriados por funcionários corruptos. As consequências aparecem de forma implacável na sociedade. Alguns estudos PROTESTO PACÍFICO NO RIO DE JANEIRO Manifestantes aglomeram-se perto da Câmara Municipal durante a onda de protestos de junho de 2013. Medidas mais rigorosas contra a corrupção estavam entre as reivindicações do grupo mostram que a taxa de mortalidade infantil em países com alto nível de corrupção é quase 30% maior do que em nações que mantêm a corrupção sob controle. A proporção de crianças que abandonam a escola nos países mais corruptos é cinco vezes maior do que nos países com baixo grau de corrupção. No fim, quem mais sofre com a situação é a população pobre. O Banco Mundial estima que a redução da corrupção a níveis civilizados poderia elevar a renda per capita de um país até quatro vezes no longo prazo. A boa notícia é que, como vários tipos de câncer que são curáveis e podem ser prevenidos com bons hábitos e vigilância constante, a corrupção também tem jeito. Alguns de nossos vizinhos rea lizaram avanços notáveis nos últimos anos. No mais recente ranking de corrupção da organização Transparência Internacional, o Uruguai aparece em 19o lugar e o Chile em 22o lugar entre 177 países. O Brasil está em 72o lugar. Mas o Brasil dá mostras de que quer deixar a incômoda posição. A indignação da população que tomou as ruas para protestar contra a farra no uso de dinheiro público é um sinal dos novos tempos. A ação de oportunistas e vândalos que se misturaram aos manifestantes pacíficos não invalida os avanços. Como declarou o americano Martin Luther King em sua luta pelos direitos civis dos negros nos anos 60, as maiores tragédias são causadas pela apatia humana. “O que me assusta não são as ações e os gritos das pessoas más, mas a indiferença e o silêncio das pessoas boas”, disse King. Ao que parece, pessoas boas começaram a gritar. ABRIL 2014 | EXAME CEO | 13 DE NEGÓCIOS CONSCIÊNCIA LIMPA QUIOSQUE DA L’ORÉAL EM BERLIM A fabricante francesa de cosméticos enfrenta dilemas éticos em sua investida em busca de novos mercados 14 | EXAME CEO | ABRIL 2014 Andreas Rentz/Getty Images O movimento pela ética vem ganhando força entre as grandes corporações no mundo inteiro. Mas o que significa, afinal, ser ético? Quais os riscos para quem não leva essa questão a sério? E quais as vantagens de ser uma empresa comprometida com a ética? MELINA COSTA ABRIL 2014 | EXAME CEO | 15 N NEGÓCIOS TRAGÉDIA EM BANGLADESH Escavadeira remove destroços de prédio que desabou na capital do país em 2013. O local abrigava várias confecções A MANHÃ A declaração é parte do esforço da H&M para se apresentar como uma empresa ética no setor de vestuário. Para evitar problemas de segurança e o uso de mão de obra infantil, a companhia realizou mais de 2 500 auditorias nas fábricas de seus fornecedores no ano passado. Em sua iniciativa mais ambiciosa, a H&M começou a implantar um novo método de remuneração em sua cadeia de produção para pagamento de salários mais justos. Os trabalhadores têm sido incentivados a negociar seus aumentos por meio de comitês de representantes. O presidente da H&M, Karl-Johan Persson, reuniu-se com os primeiros-ministros de Bangladesh e do Camboja para discutir a necessidade de reajustes anuais de salários nos dois países. Essa aparente inversão de papéis no mundo corporativo — em que a empresa compradora tenta fortalecer o poder de barganha da mão de obra de seus fornecedores — é um caso exemplar da dimensão que o conceito de ética corporativa ganhou nos últimos anos. 16 | EXAME CEO | ABRIL 2014 Munir Uz Zaman/AFP Photo de 24 de abril do ano passado, um prédio com sérias falhas de infraestrutura nos arredores de Daca, capital de Bangladesh, desabou e deixou mais de 1 000 mortos. As vítimas atuavam como trabalhadores terceirizados de algumas das maiores empresas de vestuário do mundo. O episódio expôs um lado perverso da indústria global da moda, questionada frequentemente pelo uso de mão de obra barata em países pobres. Em meio à comoção causada pela tragédia, a sueca H&M, segunda no ranking global de varejo de vestuário, decidiu se posicionar publicamente. Mesmo sem ter envolvimento com o colapso em Daca, a companhia foi a primeira a se comprometer com um novo conjunto de regras para a segurança de trabalhadores em Bangladesh — e foi seguida por mais de 100 marcas. “Nós temos a responsabilidade, com outras companhias, de garantir a segurança das fábricas”, declarou a H&M em um comunicado. “Na economia globalizada de hoje, não cabe mais questionar se empresas como a H&M devem estar presentes em países em desenvolvimento. A questão é como vamos fazê-lo.” Entre as grandes multinacionais, é difícil encontrar uma que não tenha código de conduta, canais para denúncias anônimas, metas de redução do impacto ambiental e de engajamento com comunidades. Os mais céticos dirão que essas medidas têm menos a ver com o altruísmo e mais com a necessidade de proteção da imagem dessas companhias. De fato, a reputação das empresas passou a ser considerada o fator de risco com maior impacto nas estratégias de negócios, segundo um estudo realizado no ano passado pela consultoria Deloitte com 300 executivos de grandes empresas globais. Três anos antes, esse fator era o terceiro de uma lista em que constavam preocupações com a marca e com a economia. “Percebemos que a reputação passou a ser levada mais a sério”, diz Simon Webley, diretor de pesquisa do Institute of Business Ethics, com sede em Londres. “Essa é, provavelmente, uma reação contra a má reputação. Pense no que aconteceu com o setor financeiro.” A crise de imagem enfrentada pelos bancos como resultado do colapso financeiro global é apontada como um dos principais motivos por trás do interesse crescente das empresas por políticas de responsabilidade corporativa. Outro motivo é a exposição das companhias aos perigos das redes sociais. Como diz Jennifer Evans, diretora de risco do banco australiano ANZ, citada no estudo da Deloitte: “Reputações construídas durante anos podem ser, de uma hora para a outra, colocadas em xeque”. Nesse cenário, o modo de operação de muitos investidores começou a mudar. Hoje, há 34 trilhões de dólares em ativos sendo administrados por signatários dos Princípios para Investimento Responsável das Nações Unidas. Trata-se de um montante quase três vezes superior ao de 2008, quando estourou a crise imobiliária americana. Isso significa que, numa tentativa de mitigar riscos, cada vez mais administradores de fundos têm analisado o comportamento das empresas ABRIL 2014 | EXAME CEO | 17 NEGÓCIOS Mike Blake/Reuters além de seus números operacionais e financeiros. O canadense Ethical Funds, que administra o equivalente a 12,6 bilhões de reais, é um dos líderes em investimento socialmente responsável. Apesar de manter uma fatia minoritária em grandes companhias, o fundo costuma interagir com diretores e CEOs, de modo a apontar conflitos e sugerir mudanças. Recentemente, o Ethical Funds conseguiu alterar a política de remuneração de um dos maiores bancos do mundo, o Royal Bank of Canada. Agora o banco inclui variáveis como satisfação dos clientes no cálculo dos salários e decidiu usar um novo método que leva em conta a remuneração de funcionários médios para definir a de executivos. As novas políticas não acabam com os excessos no alto escalão, mas representam avanços. “Nosso maior desafio é lidar com a expectativa de que investimos em empresas perfeitas. Obviamente, isso não existe”, diz Bob Walker, vice-presidente do Ethical Funds. “O que fazemos é identificar aquelas que respondem às nossas expectativas em relação a responsabilidade ambiental e governança e interagir com elas para melhorar essa performance.” HÁ 34 TRILHÕES DE DÓLARES NO MUNDO GERIDOS PELOS PRINCÍPIOS DE INVESTIMENTOS RESPONSÁVEIS A perfeição pode não ser alcançável, mas o comportamento ético tornou-se um mantra entre as companhias. Em geral, a ética corporativa é entendida como a promoção da responsabilidade nos âmbitos social, ambiental e financeiro e da sustentabilidade na relação com clientes, fornecedores, acionistas e comunidades. Mas esse conceito amplo esclarece pouco. Na prática, é a postura diante de desafios nas mais diversas áreas que define a imagem de uma empresa. Há oito anos, o Instituto Ethisphere, de Nova York, divulga a lista de companhias “mais éticas do mundo”. Entre os critérios analisados estão a reputação, a capa18 | EXAME CEO | ABRIL 2014 BARISTAS FAZEM CAFÉ EM LOJA DA STARBUCKS A rede americana de cafeterias figura há oito anos entre as empresas mais éticas do mundo, de acordo com o ranking do Instituto Ethisphere, de Nova York cidade de liderança e de inovação das empresas, seus modelos de governança e de responsabilidade corporativa, sua cultura e a qualidade dos programas de ética e compliance (área que disciplina os padrões internos de conduta). Centenas de documentos são analisados e uma investigação independente é feita para checar o histórico dessas companhias na Justiça e na imprensa. “Lidamos com empresas multibilionárias que mantêm operações em centenas de países. Inevitavelmente, todas têm alguma questão sendo discutida em algum tribunal de alguma localidade”, diz Stefan Linssen, editor-chefe do Ethisphere. “Tentamos identificar se isso é sistemático ou um caso isolado e analisar como a empresa reagiu.” A fabricante francesa de cosméticos L’Oréal figurou cinco vezes na lista das empresas mais éticas do mundo do Ethisphere. Para qualquer aspecto da operação que se olhe, parece haver uma política de estímulo à ética. Alguns exemplos: até 2020, 100% da matéria-prima renovável da L’Oréal deverá ter origem em fontes sustentáveis; e todos os anos há um dia da ética para o presidente Jean Paul Agon responder a perguntas de funcionários sobre o tema. Mas mesmo as empresas mais preparadas não estão isentas de dilemas éticos. Desde 1989, a L’Oréal não testa seus produtos em animais e passou a investir na pesquisa de métodos alternativos, como o uso de pele artificial. O problema é que na China, um dos mercados de cosméticos que mais crescem no mundo, o teste em animais é obrigatório. O próprio governo chinês realiza os testes — não a L’Oréal diretamente. De todo modo, a companhia francesa decidiu deixar sua marca de apelo sustentável Body Shop fora do mercado chinês, mas entrou no país com marcas como L’Oréal Paris e Maybelline. O que é ético nesse caso? É sustentar o princípio de não crueldade contra os animais que a L’Oréal adota há mais de 20 anos? Ou o imporABRIL 2014 | EXAME CEO | 19 NEGÓCIOS tante é assegurar a participação no mercado chinês, o que pode ter um impacto brutal no futuro da companhia? “Acredito que ninguém esteja sugerindo que deixemos nossa operação na China e demitamos 4 000 funcionários. Nosso departamento de pesquisa e inovação está trabalhando com as autoridades chinesas para dividir nosso conhecimento a respeito de outros métodos”, afirma Emmanuel Lulin, diretor de ética da L’Oréal. “Se as corporações atuassem apenas em países com as melhores práticas de negócios ou sem problemas com direitos humanos e corrupção, provavelmente faríamos negócios em poucos países do mundo.” 20 | EXAME CEO | ABRIL 2014 SE AS EMPRESAS EVITASSEM OS PAÍSES COM PROBLEMAS DE ÉTICA, FARIAM POUCOS NEGÓCIOS LINHA DE PRODUÇÃO DE COCA-COLA A fabricante de bebidas anunciou em 2013 uma política de tolerância zero com fornecedores de açúcar envolvidos em denúncias de apropriação de terras de comunidades indígenas e rurais Marcelo Correa Atuação responsável Não há consenso sobre de que modo as empresas devem reagir em situações como a enfrentada pela L’Oréal. Mas se há algo que as fabricantes de bens de consumo aprenderam é que se esquivar das discussões sobre ética pode trazer sérios danos às marcas. Essa é a maior lição deixada pela Nike depois de sua experiência nos anos 90. Inicialmente, a fabricante de material esportivo tentou se desvincular do envolvimento em casos de uso de trabalho infantil por seus fornecedores. Sob pressão da opinião pública, voltou atrás, admitiu sua responsabilidade e tornou-se pioneira em políticas de responsabilidade corporativa. A Coca-Cola é outro exemplo da nova postura adotada por muitas empresas. No fim de 2013, ela anunciou uma política de tolerância zero com a apropriação de terras por seus fornecedores depois de denúncias da Oxfam, ONG que combate a pobreza no mundo. Em seu relatório sobre a cadeia do açúcar, a Oxfam revelou casos de comunidades indígenas e rurais expulsas de suas terras para dar lugar a usineiros que se tornaram fornecedores de grandes empresas. A Coca-Cola comprometeu-se a avaliar seus fornecedores de forma independente, revelar informações sobre sua cadeia e aderir ao princípio de Consentimento Livre, Prévio e Informado (acordo internacional que prevê a participação de comunidades nas decisões sobre as terras que ocupam). A ideia de que o comportamento pouco ético causa estragos parece consolidada entre as empresas. O que ainda não está claro é o outro lado da moeda: quais as vantagens de ser uma empresa reconhecidamente ética? Não há uma resposta fácil. A consultoria Mercer analisou 36 artigos acadêmicos sobre o assunto nos últimos seis anos. Em suma, 20 deles mostraram evidências de uma relação positiva entre fatores de governança corporativa, social e ambiental e o desempenho financeiro de companhias ou portfólios de investimento; 13 mostraram relações neutras; e três mostraram relações negativas. De forma mais pragmática, as empresas costumam citar dois benefícios de suas políticas de promoção da ética: a estabilidade nas relações com parceiros e a habilidade de atrair talentos. “Construímos relações de confiança com nossos fornecedores, o que é importante para garantir café de alta qualidade para nossos consumidores”, diz Kelly Goodejohn, diretora de fornecimento da rede de cafeterias Starbucks, que figurou em todas as oito edições do ranking anual do Ethisphere. “Para crescer, precisamos de profissionais de alta qualidade, e nossos valores são a principal forma de atrair talentos.” É mais fácil entender esse raciocínio quando aplicado à Starbucks, uma empresa que colocou a ética no centro da estratégia de marketing e, com isso, consegue cobrar 6,80 reais por um café expresso com leite. Mas esses argumentos são menos óbvios no caso de companhias sem contato direto com consumidores. A indiana Wipro, uma das maiores do mundo em serviços de tecnologia da informação, tem um dos mais elogiados programas de responsabilidade socioambiental. O esforço é proporcional aos desafios da Índia, onde muitas de suas unidades estão instaladas — mas o problema é que isso não garante uma vantagem competitiva. Afinal, não é fácil cobrar mais por um serviço de TI altamente ético, por exemplo. Em casos como esse, apesar de algum benefício na atração de parceiros e talentos, a escolha pela ética ultrapassa a lógica dos negócios. “No fim das contas, as pessoas precisam tomar decisões sobre o que é o certo a fazer”, diz Anurag Behar, diretor de sustentabilidade da Wipro. “É assim que escolhemos ser do jeito que somos.” ABRIL 2014 | EXAME CEO | 21 BRASIL A LEI QUE Obra em São Paulo Sob a nova legislação, as investigações sobre a máfia dos fiscais da prefeitura seriam mais ágeis; e as penas, mais duras E QUER MUDAR O PAÍS Germano Lüders Uma nova legislação coloca o Brasil no mesmo nível de países desenvolvidos no que diz respeito a regras para combater a corrupção. Mas o país ainda precisa fazer sua lição de casa para que essa promessa se torne realidade GUILHERME MANECHINI 22 | EXAME CEO | ABRIL 2014 stima-se que o Brasil perca todos os anos até 2,3% de seu PIB por causa do elevado nível de corrupção. É mais que o dobro do que é contabilizado pela União Europeia, onde a perda gira em torno de 1% do PIB. Não à toa, o ranking de percepção da corrupção elaborado pela organização não governamental Transparência Internacional coloca o Brasil na 72a colocação entre 177 países analisados. Há dois meses, no entanto, o Brasil deu um passo importante para virar esse jogo ao ingressar no grupo de países que contam com legislação específica para casos de corrupção transnacional, aquela que ultrapassa as fronteiras de uma nação. A entrada em vigor da Lei no 12.846, de 2013, era uma demanda antiga de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Mas mais importante do que punir as empresas nacionais que atuam em outros países é o fato de que a nova lei ampliará significativamente o combate à corrupção no Brasil — um avanço regulatório que, na teoria, permitirá ao país reduzir o enorme custo da corrupção e, de quebra, atrair mais investimentos estrangeiros. A corrupção, como se sabe, está longe de ser um fenômeno novo no mundo. Há mais de 700 anos, o escritor italiano Dante Alighieri já colocava os subornadores entre os seres mais desprezíveis do Inferno, uma das partes mais marcantes de sua obra Divina Comédia. Entretanto, foi só na década de 90, após a Guerra Fria, que a luta contra a corrupção ganhou relevância. Nessa época, grandes organismos multilaterais, como o Banco Mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), aderiram à causa do combate à corrupção. Um bom exemplo dessa transição é o Banco Mundial. Somente em 1996, mais de meio século após ABRIL 2014 | EXAME CEO | 23 David Coleman BRASIL sua fundação, a instituição começou a tratar publicamente do tema. Foi quando o economista James Wolfensohn, então presidente do Banco Mundial, classificou a corrupção como um câncer que impõe um grande fardo, sobretudo aos países em desenvolvimento. Nos quatro anos seguintes, a OCDE e a ONU firmaram convenções para combater a corrupção transnacional. Além da corrupção em outros países, a expectativa em torno da Lei no 12.846 se deve aos impactos que ela poderá trazer ao ambiente de negócios. “O Brasil ainda é considerado um país de alto risco quando o assunto é corrupção. Por isso, a aplicação da nova lei será fundamental para a imagem do país no exterior”, diz Stephen Chipman, presidente da consultoria americana Grant Thornton. Até então, o poder das autoridades brasileiras para punir uma empresa era limitado e exigia uma quantidade de provas e evidências praticamente impossível de ser obtida sem a colaboração dos próprios envolvidos. Agora, uma vez que se comprove que a empresa foi benefi- Foi só no fim dos anos 90 que o Banco Mundial alertou, pela primeira vez, para os prejuízos causados pela corrupção ciada pela corrupção, será mais fácil aplicar sanções civis e administrativas, que podem significar multas de até 20% da receita bruta do ano anterior e levar até mesmo à dissolução da companhia. Outra novidade da lei é o conceito de responsabilidade objetiva. Isso significa que uma companhia pode ser considerada culpada por não ter evitado um pagamento de propina, mesmo que tenha mecanismos de controle nos parâmetros recomendados pelo governo. A responsabilidade também recai sobre empresas coligadas, controladas e consorciadas, além de parceiros comerciais. Diante desse risco, especialistas alegam que a lei não incentiva as empresas a denunciar um funcionário corrupto. “Em outros países, como Estados Unidos e Reino Unido, um bom programa de controle de riscos isentaria a empresa de culpa”, diz Heloi24 | EXAME CEO | ABRIL 2014 Sede da Justiça americana Desde o fim dos anos 70, os Estados Unidos contam com uma legislação para punir empresas envolvidas em corrupção fora de seu território sa Estellita, professora de direito da Fundação Getulio Vargas e sócia do escritório Alonso Leite Groch + Heloisa Estellita Advogados, de São Paulo. A advogada, porém, não tem dúvidas sobre qual recomendação dar a seus clientes. “Se não quiser ter problema com essa lei anticorrupção, é muito mais barato se adequar.” Os Estados Unidos têm sido o grande incentivador da luta contra a corrupção. Em 1997, o país resolveu intensificar o cumprimento de uma legislação criada na esteira do escândalo de Watergate, no fim dos anos 70, e passou a pressionar outros países a ter o mesmo comprometimento com a causa. A lógica era simples. Sem a adesão de outras potências, as mais prejudicadas seriam as próprias multinacionais americanas. Aprovadas as convenções internacionais, o passo seguinte foi aplicar a legislação. Acordos e multas O cerco da Justiça americana contra multinacionais envolvidas em casos de corrupção apertou a partir de 2007 e foi percebido em diversos paí ses, inclusive no Brasil. Os valores de acordos e multas já se aproximam dos 5 bilhões de dólares. O maior deles, de 800 milhões de dólares, foi firmado pela alemã Siemens, em 2008. Fora o acordo com as autoridades americanas, a S iemens já informou ter gastado mais de 1 bilhão de dólares para mudar sua estrutura nos mais de 100 paí ses onde atua. No Brasil, a mudança resultou, entre outras ações, em um acordo de leniência firmado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), por formação de cartel entre empresas do setor metroferroviário para a venda de trens e sistemas para o governo do estado de São Paulo. O caso mais recente envol- vendo uma empresa com capital estrangeiro é a máfia dos fiscais da prefeitura de São Paulo. A construtora Brookfield, cujo principal acionista é um fundo de investimento canadense, admitiu o pagamento de mais de 4 milhões de reais em propinas para fiscais da capital paulista. O Canadá, que conta com legislação contra corrupção de suas empresas no exterior, enviou uma equipe de investigadores para se inteirar das investigações. Entre as empresas brasileiras, o caso mais emblemático é a fabricante de aviões Embraer. Desde 2011, a empresa é investigada por violar a lei anticorrupção americana em mais de um país. A investigação corre em sigilo de Justiça e conta com a colaboração de autoridades brasileiras. Enquanto o processo não é concluído, a empresa seguirá obrigada a comunicar que está sob investigação nos Estados Unidos. ABRIL 2014 | EXAME CEO | 25 Alan Marques/Folhapress BRASIL “SÓ FALTA A PRESIDENTE ASSINAR” Jorge Hage, ministrochefe da ControladoriaGeral da União Germano Lüders EXAME CEO O que a lei anticorrupção representa para o Brasil? JORGE HAGE Trata-se da primeira iniciativa do governo brasileiro para criar um instrumento capaz de alcançar a pessoa jurídica como agente corruptor. Isso é algo que o país só teve de forma muito limitada na lei de licitações e na lei de improbidade administrativa. Na primeira, é difícil alcançar o patrimônio da empresa. Na lei de improbidade, é preciso antes comprovar a responsabilidade do agente público, para só então chegar à empresa como terceira beneficiada. Apesar de já ter entrado em vigor, a Lei no 12.846 ainda precisa ser regulamentada pelos governos federal, estaduais e municipais. A regulamentação é primordial para que a nova lei anticorrupção seja bem-sucedida. Inspirada em leis estrangeiras, como a americana FCPA e a britânica UK Bribery Act, a lei brasileira conta com atenuantes de penas conforme o comprometimento da empresa em evitar a corrupção. Para isso, a companhia deve mostrar como funcionam seus mecanismos de controle e colaborar com a investigação — no jargão de advogados, trata-se de ter um bom programa de compliance. Para implementá-lo, porém, muitas empresas estão aguardando a regulamentação para saber quais critérios serão considerados pelas autoridades na hora de julgar um caso. A ansiedade 26 | EXAME CEO | ABRIL 2014 das empresas se justifica pelo investimento necessário para se adequar à nova legislação. Em uma empresa de grande porte, por exemplo, um programa de compliance com canal de denúncia, treinamento de funcionários, elaboração de código de ética e auditoria em contratos e fornecedores pode custar mais de meio milhão de reais. Além disso, a regulamentação também é fundamental para que as empresas interessadas em firmar um acordo de leniência denunciem um caso de corrupção. “Seria uma forma de dar maior transparência e previsibilidade para as empresas”, diz Ana Paula Martinez, advogada do escritório paulista Levy & Salomão. Ou seja, a promessa de mudar o ambiente de negócios do país já poderia estar em um passo mais acelerado para se tornar realidade. Embraer na mira A fabricante de aeronaves é a principal empresa brasileira sob investigação de autoridades americanas por causa de corrupção de funcionários públicos estrangeiros O senhor acha que as empresas não temiam as legislações antigas? Até então, as multas previstas para casos de corrupção eram absolutamente ridículas. A empresa que pratica corrupção se compraz em pagá-las. São penas contratuais que não têm nenhum poder dissuasório. A nova lei prevê multas de até 20% do faturamento bruto do ano anterior ou de até 60 milhões de reais. Mais do que aplicar essas multas, o que interessa é o poder inibitório delas. As multas não são o grande avanço da lei? Acho que teremos avanços também na regulamentação, principalmente nos atenuantes das penas. Posso adiantar alguns. Serão levados em conta fatores como o grau da lesão do crime de corrupção, o risco que ele representava, a situação econômica das empresas envolvidas, a cooperação delas nas investigações, a existência de bons mecanismos de MINUTA DO DECRETO QUE REGULAMENTA A NOVA LEI ESTÁ PRONTA controle... Até mesmo a transparência das doações políticas será um critério. Falta transparência nas doações de campanha feitas por empresas? Em outros países, talvez não seja um problema. Mas, aqui, a influência do poder econômico nas eleições seguramente é uma questão séria. Enquanto não se faz uma reforma constitucional, é preciso ao menos garantir a transparência das doações antes das eleições. Hoje, isso só ocorre após as eleições. Especialistas têm criticado o poder que a lei dá a autoridades municipais e estaduais. O senhor acha que elas estão capacitadas? Também temos essa preocupação, sobretudo no que se refere às prefeituras. Metade dos municípios brasileiros não tem mais de 10 000 habitantes, o que dá uma dimensão do desafio da qualificação. Mas não podemos interferir, apenas oferecer assistência a eles. A regulamentação é uma maneira de orientar essas prefeituras. Quando ela deverá ser publicada? A minuta do decreto está pronta. Já foi bastante discutida e agora está na Casa Civil. Isso significa que depende apenas da assinatura da presidente Dilma Rousseff. Por que a demora? Não sei lhe responder, a não ser pela sobrecarga de atividades da presidente, que tem tido seguidos compromissos internacionais. ABRIL 2014 | EXAME CEO | 27 REPUTAÇÃO COMO LIMPAR Turbina eólica da Siemens A multinacional alemã criou uma tropa de elite mundial de compliance para ajudar na investigação de qualquer caso suspeito A BARRA Depois de ter seu nome envolvido em um escândalo de corrupção, as empresas precisam encarar os fatos e agir para recuperar a confiança do mercado e do público interno. A pior estratégia é manter o silêncio e fingir que nada aconteceu N LUCAS ROSSI e RENAN FRANÇA 28 | EXAME CEO | ABRIL 2014 Divulgação o dia 15 de julho de 2013, o tema das conversas nos corredores entre os 8 000 funcionários da filial no Brasil da multinacional alemã Siemens era um só: as notícias na imprensa a respeito de um suposto envolvimento da empresa num cartel. Após três anos de investigação interna, a Siemens tinha levado ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) documentos que denunciavam a existência de um esquema — do qual fazia parte — em licitações para a compra de equipamentos ferroviários e para a construção e a manutenção de linhas de metrô e de trem em São Paulo e no Distrito Federal. Ao entregar a papelada, a empresa obteve a garantia de que, se o cartel fosse comprovado e condenado, ela e seus executivos teriam mais chance de se livrar das punições. Naquela segunda-feira, porém, os funcionários não ouviram ne- ABRIL 2014 | EXAME CEO | 29 Divulgação REPUTAÇÃO Fábrica de trens da Alstom De acordo com uma pesquisa, sete em cada dez brasileiros deixaram de comprar produtos ou serviços de empresas envolvidas em irregularidades Investigada por suspeita de pagamento de propinas em São Paulo, a empresa francesa preferiu adotar o silêncio nhuma declaração oficial dos executivos sobre o assunto. O silêncio seguiu por um mês — durante a qual não faltaram especulações na imprensa e na hora do cafezinho. Como havia assinado um acordo de confidencialidade com o Cade, a Siemens era obrigada a manter sigilo total. Do contrário, toda a investigação seria paralisada. A multinacional só foi autorizada a falar um mês depois. E, ainda assim, com restrições. Ela continuou impedida de contar qual projeto estava sendo investigado e quem eram os envolvidos. Só no dia 16 de agosto, Paulo Stark, presidente da subsidiária brasileira, pôde, enfim, enviar um comunicado explicando o que havia acontecido. Desde então, o assunto virou tema de uma newsletter semanal sobre as investigações. “Nesse período ficamos algemados, mas, assim que tivemos chance, adotamos a transparência para manter a confiança dos funcionários”, diz Wag30 | EXAME CEO | ABRIL 2014 Unidos, 40% da clientela não entrou mais em determinadas lojas após alguma decepção. Já na Inglaterra, metade dos consumidores passou a evitar empresas nas quais deixou de confiar. Para companhias que se relacionam com outras empresas ou mesmo outros governos, some-se a isso o prejuízo bem palpável. A Siemens exemplifica bem esse tipo de perda: está impedida de participar de licitações públicas para obras no Brasil e de fechar contratos com governos pelo país. Em 2013, também foi suspensa de licitações na Europa por 18 meses por causa de irregularidades descobertas e teve de pagar 13,5 milhões de euros para instituições europeias dedicadas a projetos de combate à corrupção. Isso sem falar na perda de imagem com os investidores. Logo que o primeiro caso veio a público, as ações da Siemens caíram cerca de 20%. Nos últimos anos, a empresa conseguiu se recuperar e tem crescido acima de dois dígitos. Menos visível mas igualmente complexo é conter o estrago na reputação entre os próprios funcionários. No auge da apuração, é comum os in- ner Giovanini, diretor de compliance da Siemens para a América do Sul. O episódio demonstra como pode ser doloroso conviver à sombra de um escândalo público. O pesadelo, no caso da Siemens, começou em 2007. Naquele ano, uma investigação global desvendou um esquema de pagamento de propinas por parte dos executivos da Siemens em pelo menos dez países de 1999 a 2006 — e rendeu multas superiores a 2 bilhões de dólares. Na época, a companhia demitiu 250 executivos do alto escalão, entre eles Adilson Primo, presidente da subsidiária brasileira até 2011, e pagou 800 milhões de dólares num acordo com as autoridades americanas para que a averiguação fosse encerrada. Segundo o relatório anual do Instituto Americano de Gestão de Crise publicado em 2013, o crime de colarinho-branco foi o principal motivo de crises em grandes empresas, com 16% dos casos — à frente, por exemplo, de ocorrências de má gestão e acidentes de trabalho, com 15% e 11%, respectivamente. “Um escândalo de corrupção é o pior tipo de crise para uma empresa, pois afeta por muitos anos a reputação em geral”, afirma Paulo Sabbag, especialista em resiliência empresarial e professor da Fundação Getulio Vargas de São Paulo. “Pela complexidade das investigações, o problema se arrasta e o dano à imagem é muito difícil de apagar.” Para empresas que vendem produtos ou serviços para o cidadão comum, o efeito desse tipo de golpe costuma se traduzir em perda de fidelidade. De acordo com um levantamento da consultoria americana Cone, sete em cada dez brasileiros afirmam ter deixado de consumir produtos e serviços de empresas no ano passado depois de descobrir algum tipo de comportamento condenável por parte delas. Nos Estados vestigadores entrarem na empresa para analisar documentos, apreender computadores, fazer entrevistas. Nesse contexto, os executivos começam a desviar para o processo de investigação os esforços que seriam do negócio. “Cria-se uma situação de insegurança muito grande dentro da empresa, porque ninguém sabe o tamanho da multa, quais serão as consequências e se alguém será demitido”, diz José Francisco Compagno, sócio da área de investigação de fraudes e suporte a litígios da consultoria EY. Para reduzir esse impacto e evitar o surgimento de problemas semelhantes no futuro, a Siemens montou uma tropa de elite de compliance. O departamento tem 500 pessoas ao redor do mundo — só no Brasil, são dez funcionários dedicados à área e 35 empregados de outros setores que fazem parte da força-tarefa. “Eles trabalham em outras áreas e são como soldados que estão sempre atentos a ABRIL 2014 | EXAME CEO | 31 REPUTAÇÃO qualquer questão suspeita. Também ajudam em investigações e dão apoio a quem tem dúvidas sobre as regras”, diz Giovanini. Uma das armas mais fortes da empresa, que resultou em várias investigações, é o canal de denúncia. No Brasil, cerca de 70% das denúncias não são feitas anonimamente — os funcionários contam tudo o que sabem ao vivo. “Isso mostra como eles estão engajados em melhorar os processos”, diz. Ações como a da Siemens ajudam a limpar a barra da empresa com os funcionários, com os fornecedores e com o mercado. Além disso, essa estrutura pode ajudar a diminuir a pena da empresa. Vale ver o caso da multinacional de engenharia canadense SNC-Lavalin, que tem mais de 30 000 funcionários nos 100 países onde atua, Michel Emond/Corbis/LatinStock sobre esses eventos”, diz Diogo Moretti, diretor jurídico e de compliance da SNC-Lavalin para a América Latina. “Não podemos colocar a cabeça debaixo da terra e negar que existem fatos.” Mas há empresas que decidem seguir o caminho contrário. É o caso da francesa Alstom, que adotou o silêncio desde o início das investigações brasileiras, em 2008. Segundo documentos enviados ao Ministério da Justiça do Brasil pelo Ministério Público da Suíça, de 1998 a 2003, 23 milhões de reais teriam sido pagos pela Alstom em propinas a integrantes do governo de São Paulo. Até o início de março, a Alstom negou as acusações e manteve a postura de esperar o processo correr na Justiça — procurada, a empresa não quis comentar como tem lidado inter- inclusive no Brasil. Acusada de corrupção no projeto de construção de uma ponte em Bangladesh, a empresa está impedida por dez anos de participar de licitações em projetos financiados pelo Banco Mundial. Desde o ano passado, sua área de compliance está sendo estruturada. Começou com a contratação de Andreas Pohlmann, executivo responsável pelo projeto da área da Siemens. Além das ações típicas, como revisão do código de ética e imposição de regras mais claras, agora tudo o que é feito em relação a compliance e processos é divulgado em um portal, aberto a qualquer um que queira ver. “A transparência é a melhor medida, porque traz segurança para quem interage conosco — até porque é do conhecimento de todos que existem denúncias 32 | EXAME CEO | ABRIL 2014 Protesto contra a SNC-Lavalin A multinacional canadense de engenharia, que atua em 100 países, é acusada de pagar suborno para ganhar uma concorrência de obra em Bangladesh namente com as acusações. “Quando uma empresa é acusada, manter o silêncio é a pior escolha possível. Não comentar as acusações prejudica ainda mais a imagem de uma companhia”, afirma Clarke Caywood, especialista na área de relações públicas e professor da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos. Como esses escândalos raramente se restringem a um país, a reputação é afetada globalmente, o que torna tudo mais complexo. Não há saída fácil. Ou a empresa aceita que terá de conviver com a crise por um bom tempo, tenta lidar com tudo da melhor maneira possível e passa a fazer negócios de uma forma diferente, ou ela adota uma atitude reativa. O problema é que, se for verdade, a mancha na reputação será ainda pior. É possível harmonizar os interesses das empresas e dos consumidores, mas isso exige transparência 34 | EXAME CEO | ABRIL 2014 divulgação ENTREVISTA A QUATRO MÃOS Um dos mais conhecidos — e polêmicos — especialistas em ética do mundo, o filósofo australiano Peter Singer, professor da Universidade de Princeton, diz que a construção de um ambiente de negócios que seja pautado pela ética depende tanto das empresas quanto dos consumidores. “Cada um precisa fazer a sua parte”, afirma MELINA COSTA australiano Peter Singer, de 67 anos, professor de bioética na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, é um dos filósofos mais controversos da atualidade. Seu livro Libertação Animal, publicado no Brasil em 2004, tornou-se uma bíblia para os ativistas dos direitos dos animais. Nele, Singer compara a exploração de animais à de seres humanos e defende o vegetarianismo como a única dieta ética. Mais recentemente, ele passou a estudar a globalização e a defender modelos de governança que levem em conta todo o planeta — e não apenas os interesses de cada país isoladamente. Do ponto de vista ético, segundo o filósofo, há apenas “um planeta”, “uma atmosfera”, “uma economia”. Na entrevista a seguir para EXAME CEO, Singer analisa os dilemas éticos do mundo corporativo e aponta os dois requisitos que considera fundamentais para assegurar a ética nos negócios: consumidores bem informados e empresas transparentes. EXAME CEO Nos últimos tempos, as discussões em torno das relações entre ética e negócios vêm ganhando crescente relevância. Esses dois conceitos são realmente compatíveis? É possível fazer negócios de forma ética? PETER SINGER Certamente, os negócios podem ser éticos. Afinal, não há nada antiético em um modelo de negócios que tenha por objetivo produzir e distribuir mercadorias. E o capitalismo, pela nossa experiência, é a melhor forma de produzir e distribuir mercadorias. Houve várias tentativas de substituí-lo, mas foram menos efi- cientes e produtivas. Então, os negócios podem ser éticos, sim. A pergunta é se eles estão sendo conduzidos de uma forma ética ou se a busca de benefícios individuais está acima de todo o resto. Esse é o grande perigo para os negócios. Em essência, um negócio deve gerar lucro. Em busca desse objetivo, as empresas nem sempre agem conforme os interesses dos consumidores. Como conciliar essas duas instâncias? É possível haver harmonia entre os valores dos consumidores e os das empresas, mas isso exige ABRIL 2014 | EXAME CEO | 35 ENTREVISTA consumidores bem informados e um alto nível de transparência. Muitas pessoas que estão trabalhando para assegurar a ética nos negócios se dedicam exatamente a isso. Por um lado, os consumidores precisam se conscientizar de questões como as condições dos trabalhadores em uma empresa e o impacto ambiental causado por ela. Por outro, as empresas devem ser transparentes em relação a seu impacto global e ao modo como tratam os animais, por exemplo. Todas essas são questões éticas. Se as empresas forem razoavelmente transparentes, teremos práticas de negócios mais éticas. divulgação O senhor acha que as empresas estão genuinamente preocupadas em ser éticas? Acredito que sim. Um exemplo recente é a apro- Como saber se a ética corporativa não é apenas uma jogada de marketing, um discurso vazio das grandes empresas? Temos visto sinais reais de mudança em diversas áreas. Eu mesmo estive envolvido em questões como o tratamento de animais e vi mudanças reais das corporações por pressão dos consumidores. A rede McDonald’s é um exemplo. Ela convidou Temple Grandin para inspecionar os abatedouros de onde obtém sua carne (Temple Grandin é uma autista americana que obteve o título de Ph.D. em zootenica e se tornou uma das principais ativistas do mundo em defesa do bem-estar animal nas fazendas). Claro que precisamos continuar e expandir essas iniciativas, mas há evidências de que as empresas têm feito a diferença. Também é preciso perceber que os priação de terras por empresas que produzem açúcar para grandes companhias de alimentos, como a Coca-Cola. A organização Oxfam (que atua no combate à pobreza no mundo) tem divulgado relatórios mostrando que pequenos agricultores estão sendo expulsos de suas terras, e a Coca-Cola anunciou uma política de tolerância zero em relação a essas práticas. Mesmo não sendo dona das empresas de açúcar — ela apenas compra matéria-prima dessas companhias —, a Coca-Cola decidiu tornar-se responsável. Esse é um caso recente de uma companhia que adotou um novo modelo de ética devido à conduta de seus fornecedores (leia mais sobre o caso envolvendo a Coca-Cola na pág. 18). 36 | EXAME CEO | ABRIL 2014 líderes nas corporações são pessoas como você e eu. Eles querem se sentir bem com seu trabalho, e não apenas aumentar os lucros. Eles também querem pensar: “Não destruí o meio ambiente”, “Não expulsei pessoas de suas terras”, “Não tratei animais de forma cruel”. A maioria das pessoas no mundo corporativo é decente, com valores decentes. Se encontrarmos uma forma de permitir que elas sobrevivam em um ambiente competitivo, isso será bom para a ética corporativa. E por que esse movimento pela ética ganha força exatamente agora? O contexto atual é de maior reconhecimento das ramificações globais dos negócios e das corpora- ções. Isso tem a ver com o desenvolvimento da internet, que facilita a difusão de informações pelo mundo e cria uma comunidade global mais forte. Pessoas do mundo todo podem se juntar facilmente em campanhas em torno de certos temas. Acredito que tem a ver, também, com o aumento do percentual de população com boa educação. É a combinação entre maior consciência global e mais educação que tem feito os consumidores se tornarem mais conscientes. Em seu livro One World: The Ethics of Globalization (“Um só mundo: a ética da globalização”, numa tradução livre), o senhor argumenta que não há mais fronteiras nacionais para a ética. Como a globalização mudou a responsabilidade das empresas e dos executivos? Temos corporações com cadeias de fornecimento e fábricas no mundo todo. Os impactos ambientais são globais. Sabemos que gases emitidos em qualquer lugar do globo impactam o clima do planeta. Tudo isso tem feito as pessoas expandirem suas preocupações para além de seu país. Essa visão também se estende para arranjos internacionais, como a Organização Mundial do Comércio. A realidade nos fez perceber que temos de ser cidadãos globais. Não podemos construir fortalezas ao redor de nosso país. Somos todos afetados pelo que acontece no mundo. A ascensão de países emergentes pode mudar as regras do que se considera ético? Certamente. Tem sido interessante ver a ascensão do Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Não podemos erguer fortalezas ao redor de nossos países. Somos todos afetados pelo que acontece no mundo ENTREVISTA eu não diria que a crise financeira foi resultado exclusivamente do colapso da ética. Quando essas transgressões vieram à tona, o problema já estava lá. A bolha foi causada pela confiança nesses investimentos, que, claramente, não eram tão seguros como se apregoava. Os países emergentes trazem o potencial de mudança. Eles podem ser a voz dos pobres Índia, China e África do Sul). Isso tem reduzido a hegemonia dos poderes tradicionais, basicamente os Estados Unidos, com alguma influência da União Europeia e do Japão. Agora temos esse grupo de crescente influência que traz o potencial de mudança. Eles podem, particularmente, ser a voz dos pobres. É uma pergunta interessante: como esses países vão usar seu poder global? Eles vão usá-lo apenas para benefício próprio ou vão falar pelos pobres em geral? Temos iniciativas em direções diferentes. Alguns países se preocupam com as mudanças climáticas, outros defendem que o direito a se desenvolver vem antes. Com relação às condições dos trabalhadores, alguns apontam que salários mais altos enfraqueceriam as exportações de países que dependem de mão de obra barata. Mas esses trabalhadores, obviamente, precisam ter salários que permitam uma vida decente. Essa é uma importante pergunta ética, mas precisamos esperar para ver o que vai acontecer. Muitos argumentam que a crise financeira global é uma crise da ética. O senhor concorda? Acho que houve transgressões éticas específicas. As investigações das operações americanas dos bancos Goldman Sachs e JP Morgan Chase mostram que eles sabiam o suficiente sobre os produtos que estavam vendendo e que deveriam ter chamado a atenção para isso, que eles estavam vendendo produtos para atender aos seus interesses, e não aos de seus clientes. Mas 38 | EXAME CEO | ABRIL 2014 O professor de filosofia política Michael Sandel, da Universidade Harvard, afirma que cada vez mais aspectos de nossa vida têm sido guiados pela lógica do mercado. Para ele, há poucas coisas que o dinheiro não pode comprar. O senhor concorda? Não concordo com Michael Sandel e já debatemos a respeito disso algumas vezes. Na verdade, algumas barreiras que estão sendo colocadas ao mercado são danosas. Um exemplo é a questão de um mercado para órgãos humanos, particularmente rins. A venda desses órgãos é banida internacionalmente. Mas há um grande mercado ilegal, o mercado negro internacional, e não parece ser possível suprimi-lo completamente. Quando as pessoas estão morrendo, elas fazem o possível para conseguir um rim e, se os doadores são pobres e você oferece dinheiro suficiente, eles vendem o próprio rim. É um exemplo de situação em que é melhor ter um mercado regulado do que tentar suprimi-lo. Esse argumento é usado normalmente em relação às drogas, especialmente a maconha. É outro caso em que as tentativas de suprimir o comércio falharam. Temos um mercado ilegal e grandes lucros das organizações criminosas. Não há meios de assegurar a pureza dos produtos vendidos e temos mais casos de overdose de heroína por causa disso. Devemos nos preparar para experimentar. Nos Estados Unidos, os estados do Colorado e de Washington começaram a experimentar a venda legal de maconha, mas a situação de drogas como heroína também é trágica. Deveríamos experimentar não com um mercado livre, mas com um mercado regulado, para que o assunto seja tratado às claras. Então o senhor é a favor de um mercado legal para órgãos humanos e para drogas? Deixe-me colocar da seguinte forma: temos situações desastrosas com o mercado negro em ambos os casos. É sensato promover algumas experiências em algumas regiões ou em alguns países para ver o que acontece quando se permite um mercado regulado. Isso pode levar a um resultado muito melhor e, se esse não for o caso, poderemos dizer que tentamos e que não existe uma alternativa ao mercado negro. NEGÓCIOS GLOBAIS BERGEN, CIDADE NA NORUEGA Estudos apontam uma correlação entre o alto grau de confiança das pessoas e o baixo nível de corrupção Rumo à Escandinávia Os países nórdicos alcançaram um grau de integridade e confiança difícil de ser replicado. Mas um bom começo é a tolerância zero contra a corrupção Raga Jose Fuste/Glowimages JOÃO WERNER GRANDO, de Aarhus, Dinamarca 66 | EXAME CEO | ABRIL 2014 ABRIL 2014 | EXAME CEO | 67 NEGÓCIOS GLOBAIS penho dos escandinavos tem a ver com o fato de eles serem ricos e bem-educados parece óbvio. Mas como explicar o fato de terem deixado para trás vizinhos mais ricos e poderosos, como a Alemanha e o Reino Unido? Afinal, o que há de especial nas águas gélidas do mar do Norte? Historiadores e cientistas políticos apontam para duas direções: história e cultura. A líder do ranking da Transparência Internacional dominava há 500 anos tudo o que é hoje conhecido como Escandinávia e foi o berço desse fenômeno. Os reis da Dinamarca usaram o combate à corrupção para manter sua legitimidade diante de um povo que, graças à Reforma Protestante, aprendeu a ler e a escrever cedo. A primeira grande mudança ocorreu no fim dos anos 1600, quando as estruturas do reino se abalaram com a perda do território da Suécia. O rei Frederico 3o aproveitou para se livrar dos nobres que ameaçavam sua soberania e instituiu regras para a contratação de funcionários públicos, estabelecendo as bases para um sistema de seleção por meritocracia. CARRINHOS DE BEBÊ NA DINAMARCA Cena comum no país, o hábito de deixar crianças aguardando fora das lojas levou à prisão de uma mulher que tentou fazer o mesmo em Nova York A A DINAMARCA LIDEROU EM 2013 O RANKING DE NAÇÕES MENOS CORRUPTAS mineira Fernanda Gláucia Pinto chegou à Dinamarca há quase 11 anos. Fez sua graduação e seu mestrado no país, arranjou um bom emprego e foi casada com um dinamarquês (depois se separou). Diz que não pensa em ir embora tão cedo, mas ainda não se acostumou com algumas coisas. Em uma sexta-feira no fim de fevereiro, enquanto almoçava em sua sala na Universidade de Aarhus, onde é professora de estudos brasileiros, ela apresentou suas queixas. “De-zes-se-te horas de sol”, disse, desenhando o número no ar com o dedo indicador. “Foi o que tivemos no mês passado inteiro.” Mas o clima não é o exemplo que Fernanda mais gosta de citar para falar sobre a vida em Aarhus, cidade de 315 000 habitantes, a segunda maior do país. Há dois anos, ao voltar para casa à noite após uma viagem, ela foi direto 68 | EXAME CEO | ABRIL 2014 ao quarto para descansar. Minutos depois, ouviu alguém arrombar a porta. Ficou paralisada. Em poucos segundos relembrou as piores histórias de violência que costumava ouvir da tia, escrivã de polícia em Cataguases, sua cidade natal no interior de Minas Gerais. Não demorou para o ladrão perceber que havia gente em casa e fugir para nunca mais ser visto. Mas a essa altura Fernanda já gritava ao telefone, pedindo socorro à polícia. A viatura chegou em seguida, para acalmá-la. “Eles disseram que o ladrão só entrou porque pensou que a casa estava vazia.” O larápio provavelmente não carregava uma arma. Dias depois, o boletim da polícia no jornal local resumiu o caso da seguinte maneira: “Mulher, 33 anos, assusta ladrão que tentou invadir sua casa”. Como se vê, a Dinamarca e seus vizinhos na Escandinávia não são civilizações livres de todo o mal, como muitos imaginam. Problemas como violência e outras mazelas do Terceiro Mundo existem, mas, assim como o sol, numa intensidade muito, mas muito menor. Uma das maiores evidências disso é a percepção sobre corrupção nesses lugares — uma medida que indica as chances de uma tentativa de suborno ou favorecimento ilícito dar certo no país. Ao longo dos últimos anos, os escandinavos se firmaram no topo da lista das nações menos corruptas do mundo, conforme pesquisa publicada anualmente pela organização Transparência Internacional. Em 2013, a Dinamarca encabeçou a lista pela terceira vez em cinco anos, seguida pelos vizinhos Finlândia, Suécia e Noruega — a Nova Zelândia chegou empatada em primeiro lugar e a Islândia, o menor dos escandinavos, ficou em 12o (o Brasil ficou em 72o lugar). Que o desem- A segunda transformação veio no início dos anos 1800. A Dinamarca pagava o preço de ter apoiado o derrotado Napoleão Bonaparte e, dessa vez, teve de entregar as terras da Noruega. Uma crise econômica tomou conta do reino, e os casos de corrupção se multiplicaram. Para piorar, ideias liberais e democráticas ameaçavam o poder e o pescoço do rei. A saída foi iniciar uma campanha de tolerância zero na administração real, com comitivas para auditar as repartições no interior e um novo código penal com punições mais duras contra a corrupção. “Desde então, o número de casos de corrupção nunca mais se elevou”, diz Mette Frisk Jensen, professora de história na Universidade de Aarhus. “As premissas de integridade se tornaram fortes desde essa época e em grande parte isso explica por que permanecem sólidas até hoje.” ABRIL 2014 | EXAME CEO | 69 NEGÓCIOS GLOBAIS Rob Watkins/Alamy/Glowimages danças não incrementais, no estilo Big Bang”, escreveu Rothstein em um artigo. “Praticamente todas as maiores instituições políticas, sociais e econômicas foram transformadas durante um período curto de tempo.” Se o sistema não é simples de ser replicado, tampouco é infalível. A OCDE, clube dos países ricos, avalia como os governos fiscalizam a corrupção em suas empresas que investem no exterior. Segundo a organização, os escandinavos, em sua maioria, se comportam tão mal quanto os outros europeus quando o assunto é corrupção fora dos limites de seu território. “Não é isso que esperamos de países que avançaram tanto no controle da corrupção internamente”, diz PatrickMoulette, chefe da divisão anticorrupção da OCDE. Em 2012, a organização exigiu que os controles sobre a corrupção internacional fossem revistos na Suécia — em dez anos, o país julgou apenas uma empresa acusada de corrupção, apesar de várias outras denúncias terem ocorrido no “SE VOCÊ CONFIA NO SEU PARCEIRO DE NEGÓCIOS, PODERÁ REDUZIR OS GASTOS COM ADVOGADOS” FESTIVAL VIKING NA FINLÂNDIA Não se torna um país menos corrupto da noite para o dia: a honestidade é uma característica que foi forjada entre os povos nórdicos ao longo dos séculos Histórias semelhantes se repetiram nos vizinhos escandinavos, e tão importante quanto as leis e os castigos foi a forma como isso se traduziu na cultura. Para o cientista social dinamarquês Gert Tinggaard Svendsen, uma característica resume o fenômeno: confiança. Em suas pesquisas, Svendsen mostra uma forte relação entre a baixa corrupção em um país e o nível de confiança de seus cidadãos. A Dinamarca, mais uma vez, é campeã no assunto, liderando o ranking de confiança feito pelo instituto World Values Survey, seguida pelos vizinhos escandinavos. Em seu livro Confiança, lançado em 2011, Svendsen cita exemplos de como isso se manifesta na prática. Um deles é o hábito dos dinamarqueses de deixar os carrinhos de bebê estacionados na calçada enquanto almoçam ou jantam. Com um detalhe: os bebês ficam no carrinho, “para respirar ar puro”. (Ficou célebre a história de uma dinamar70 | EXAME CEO | ABRIL 2014 quesa que tentou fazer o mesmo em Nova York e acabou presa nos anos 90.) Mas, para Svendsen, o maior símbolo das vantagens dessa alta dose de confiança são as vejbod, caixas com legumes e frutas que os agricultores colocam na beira da estrada para vender seus produtos — sem a presença de um vendedor. O preço está escrito e cabe ao comprador escolher o produto, deixar o dinheiro e pegar o troco por si mesmo. Difícil de acreditar? Sim, especialmente no Brasil, que ficou em último lugar entre os 86 países do ranking de confiança. “A confiança se transforma em uma grande vantagem competitiva sobre outros países”, afirma Svendsen. “Se você pode confiar na pessoa com quem faz negócios, não precisa gastar tanto com advogados.” Apesar dos benefícios óbvios, um desempenho como o dos escandinavos ainda é exceção. Dos os 177 países analisados no ranking da Transpa- rência Internacional, apenas 53 atingem metade dos requisitos de integridade. Ou seja, para dois terços do mundo, a regra que vale é ser corrupto. Coordenadora da organização na Europa, a italiana Valentina Rigamonti avalia por que o fenômeno dos escandinavos não se repete no restante do continente. “Pouco adiantam as leis se elas não são executadas de forma apropriada”, diz. O que parece ter feito a diferença para os nórdicos foi um ataque rápido e eficiente ao problema, ou, como definiu o sueco Bo Rothstein, chefe do Instituto de Qualidade em Governança da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, uma ação no estilo Big Bang. Até 1800, segundo ele, a administração pública da Suécia era caótica e corrupta. As coisas começaram a mudar quando, em um intervalo de 50 anos, o governo aprovou dezenas de leis para combater a corrupção. “Foi claramente um período caracterizado por mu- período. A Finlândia, terceiro país menos corrupto do mundo, absolveu em janeiro uma estatal da área de defesa em um processo sobre pagamento de suborno na Eslovênia. “As sociedades escandinavas são o que a civilização humana produziu de melhor”, diz Alina Mungiu-Pippidi, diretora do Centro Europeu de Pesquisa sobre Anticorrupção, em Berlim, na Alemanha. “Mas, quando investem na África subsaariana, são forçadas a se comportar sob as normas locais.” A maior desonra para os escandinavos, no entanto, ocorreu em seus domínios. A Islândia, uma ilha com 320 000 habitantes, quebrou após a crise de 2008 por achar que podia especular feito gente grande no mercado financeiro internacional. Em uma população tão pequena, a característica escandinava da confiança acabou corrompida, dando origem a redes de contatos de pessoas que indicavam umas às outras para cargos e ABRIL 2014 | EXAME CEO | 71 Enigma Images/Alamy/Glowimages NEGÓCIOS GLOBAIS SEDE DO PARLAMENTO NA SUÉCIA Até 1800, a administração pública era caótica, mas o país começou a mudar depois de sofrer um choque de medidas anticorrupção faziam vista grossa diante de uma escalada de especulação financeira. Por alguns anos todos ganharam dinheiro, e a Transparência Internacional chegou a colocar o país como número 1 na lista dos menos corruptos em 2006. Quando a bolha imobiliária americana estourou e o crédito no mundo secou, os bancos islandeses quebraram, e os esquemas de nepotismo e favorecimentos ilícitos vieram à tona. “A Islândia tinha todas as instituições que fazem parte de um estado moderno”, diz Robert Wade, professor na London School of Economics. “Mas seu governo e sua elite dos negócios se afastaram do modelo escandinavo, aspirando ser a nova Dubai.” O que nos resta aprender com os escandinavos? As teorias recentes indicam que o fato de uma sociedade ser ou não corrupta depende basicamente da impressão que uma pessoa tem sobre a honestidade das outras. Se ano após ano o vizinho se beneficia de um esquema para não pagar multas de trânsito, que incentivos a outra pessoa terá para não agir da mesma maneira? Mas, se o vizinho é pego e punido pelo crime, as chances de outros tentarem um esquema parecido diminuem. Migrar da primeira para a segunda situação parece ser a saída para o problema. “Pouco 72 | EXAME CEO | ABRIL 2014 adianta apenas copiar as leis dos países que conseguiram reduzir a corrupção”, diz o carioca Filipe Campante, professor de políticas públicas na Universidade Harvard, nos Estados Unidos. “O mais importante é aprender como eles conseguiram demonstrar que a corrupção não seria mais tolerada, e assim iniciar um ciclo de honestidade.” O cientista político americano Francis Fukuyama deu o título de Chegando à Dinamarca a um dos capítulos de seu livro mais recente, As Origens da Ordem Política. Famoso por ter anunciado o “fim da história” com o triunfo do capitalismo ocidental sobre o comunismo soviético no início dos anos 90, Fukuyama escreve que a Dinamarca nos dias de hoje é uma espécie de lugar “mítico”: estável, democrático, próspero e com níveis de corrupção extremamente baixos. “Todo mundo gostaria de entender como transformar a Somália, o Haiti, a Nigéria, o Iraque ou o Afeganistão na Dinamarca”, escreve Fukuyama. Um dos problemas, segundo o autor, é que o esforço foi tão grande e o processo tão demorado que os próprios dinamarqueses não sabem explicar como chegaram até aqui. O caminho rumo ao padrão escandinavo de sociedade é certamente longo e árduo. Mas parece valer a pena. D ENTREVISTA O americano Michael Hershman, da consultoria Fairfax: excessiva pressão nos funcionários para que fechem negócios Juan Manuel Herrera/OAS ericanotempos em tempos, o ameMichael Hershman, um dos mais reconhecidos ‘‘O BRASIL VIROU A PÁGINA’’ Para Michael Hershman, um dos maiores especialistas do mundo em governança e transparência, essa é a mensagem que o país passou com o julgamento do mensalão e a edição da Lei Anticorrupção MARIANA SEGALA 74 | EXAME CEO | ABRIL 2014 especialistas do mundo em governança e transparência, é chamado às pressas para ajudar empresas e governos a sair dos atoleiros de corrupção em que se enfiam. Seu currículo inclui cargos espinhosos, como o de consultor independente da diretoria da multinacional alemã Siemens, que em 2008 pagou a maior multa já cobrada de uma empresa por envolvimento no suborno de funcionários públicos para ter contratos com governos. Foi 1,6 bilhão de dólares de uma vez. Voltando no tempo, observa-se que Hershman — um dos fundadores da organização Transparência Internacional — acumula vasta quilometragem em atividades ainda mais duras. Nos anos 60, foi agente especial da inteligência do Exército dos Estados Unidos na Europa em ações antiterroristas. Na década seguinte, atuou como investigador no comitê do Senado americano que apurou o caso Watergate, escândalo político que levou à renúncia do presidente Richard Nixon. Hoje, ele é presidente da consultoria Fairfax, especializada em investigação de casos de corrupção em governos e empresas, e membro do Grupo Internacional de Especialistas em Corrupção (Igec, na sigla em inglês), mantido pela Interpol, organização internacional de polícia criminal que atua em 190 países. Familiarizado com os desdobramentos do caso do mensalão brasileiro, Hershman vê com otimismo a mitigação de casos de corrupção no Brasil. “Não apenas um crime de colarinho-branco foi julgado, mas também pessoas muito influentes. É uma mensagem forte de que o Brasil virou a página”, afirma. Nesta entrevista a EXAME CEO, ele analisa os avanços no combate à corrupção no Brasil e no mundo. EXAME CEO Especialistas afirmam que há uma ligação estreita entre o grau de corrupção em um país e seu nível de crescimento. Reduzir a corrupção leva uma economia a crescer ou é o crescimento econômico que ajuda a mitigar os casos de corrupção? MICHAEL HERSHMAN A corrupção é um claro desincentivo ao investimento, porque ela afugenta potenciais investidores. Por essa razão, conseguir reduzir o nível de corrupção pode, sim, representar um grande estímulo econômico para um país. Em que medida a corrupção tem impacto sobre a competitividade de um país? O impacto está nos custos. A corrupção eleva os custos de operação, o que é particularmen- A corrupção drena recursos de áreas relevantes, como saúde e educação, e limita a geração de empregos ENTREVISTA No Brasil, a corrupção é considerada um problema crônico. O país perdeu posições no último ranking de percepção de corrupção divulgado pela Transparência Internacional — é o 72o colocado entre 177. O que é possível fazer para reverter um quadro desses? Devo admitir que o Brasil sofreu por muitos anos com uma imagem associada à corrupção. Mas estou bem impressionado com os passos dados pelo país para combatê-la. Um bom exemplo é o caso do mensalão, em que houve uma investigação agressiva e acusações sérias por má conduta. Além dessa situação de aplicação da legislação, e talvez ainda mais importante do que ela, houve recentemente a promulgação da Lei Anticorrupção [que prevê a punição de empresas envolvidas em atos de corrupção contra a administração pública]. Essas são mensagens fortes não apenas para os cidadãos brasileiros mas também para o restante do mundo de que o país está comprometido em mudar para uma cultura mais transparente e mais responsável de fazer negócios. No meu julgamento, esses exemplos vão se refletir em uma posição melhor do Brasil nos próximos rankings de percepção da corrupção. O mensalão foi algo novo no que diz respeito ao tratamento de crimes de colarinho-branco no Brasil. Que efeitos casos como esse podem trazer para um país acostumado a conviver com a corrupção no cotidiano? Os efeitos são gigantescos. Internamente, casos desse tipo ajudam a restaurar a confiança dos cidadãos no governo. Isso ocorre não apenas porque um crime de colarinho-branco foi julgado, mas porque foram julgadas pessoas muito influentes. E, para o exterior, o país 76 | EXAME CEO | ABRIL 2014 Lula Marques/Folhapress te verdade quando ela está enraizada nos sistemas de compras governamentais. Ela drena recursos de áreas relevantes, como saúde e educação, e limita as oportunidades de emprego. As empresas que se propõem a ser íntegras evitam os países que têm uma cultura de corrupção. Permitindo que ela sobreviva, um país nega à sua população acesso a melhores produtos e serviços, porque as companhias que os fornecem tendem a deixar esse país. A economia sofre, os empregos sofrem. Por outro lado, as empresas que adotam práticas corruptas inevitavelmente repassam para seus preços os custos com as propinas e com outros processos escusos. E, com isso, os cidadãos deixam de ter acesso a produtos e serviços pelo justo valor de mercado. manda uma mensagem de que virou a página, de que não vai tolerar a disseminação irrestrita da corrupção. É uma mudança e tanto. O Brasil deverá aparecer numa posição melhor nos próximos rankings mundiais de percepção da corrupção Que países estão fazendo um bom trabalho ao lidar com esse problema? Há vários países e regiões atacando a questão. A Malásia é um deles, Hong Kong é outro. Mas não quero fazer parecer que a corrupção é um problema localizado, que se manifesta apenas em certos lugares. Questões relacionadas à corrupção seguem existindo em todas as economias ocidentais. Temos nossos próprios problemas de corrupção nos Estados Unidos também, estamos longe de ser um país livre disso. Mas o que fazemos de bom por aqui é reforçar nossas leis vigorosamente. Se um caso de corrupção é revelado, também é julgado em toda a sua extensão. Outros governos, particularmente os dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico [OCDE, clube das nações ricas], estão editando leis cada vez mais duras no combate à corrupção. Nunca vamos eliminá-la por completo, mas o futuro me parece favorável à sua redução. Sessão de julgamento do mensalão no plenário do Supremo Tribunal Federal, em Brasília: sinal positivo de que o país está mudando No mundo corporativo, empresas desmascaradas em casos de fraude ou suborno costumam alegar que são forçadas a entrar no jogo se quiserem manter seus negócios. Em sua opinião, elas são mesmo vítimas? Não. Isso é uma desculpa. Ouvi essa história muitas e muitas vezes de várias companhias diferentes. A corrupção é um crime de duas partes. Há um corruptor mas também um corrompido, que precisam se entender para que o crime aconteça. Tome a multinacional alemã Siemens como exemplo. A empresa se envolveu em um dos maiores escândalos de corrupção da história, se não o maior. A grande dúvida ABRIL 2014 | EXAME CEO | 77 ENTREVISTA depois que o caso foi esclarecido era qual seria o impacto, no balanço da Siemens, de finalmente operar de maneira transparente. O fato é que não houve impacto. As mudanças não afetaram adversamente as receitas e os lucros. A Siemens tem conduzido seus novos negócios de forma honesta em países com alto risco de corrupção porque são demandados bons produtos e serviços por preços justos. O governo desses países muitas vezes não consegue contratar fornecedores sem ter de lidar com companhias que insistem em trabalhar de forma honesta. É difícil? Sim. Contratos serão perdidos? Serão. Em geral, no entanto, empresas íntegras costumam ser mais respeitadas pelos clientes. Nas bolsas de valores, suas ações têm um desempenho melhor. O senhor costuma ser chamado para socorrer empresas e governos afundados em corrupção. O caso da Siemens é só um exemplo. Quais são os problemas mais comuns que o senhor encontra nesses lugares? É a ênfase excessiva no volume de vendas e no tamanho dos lucros e muito pouca ênfase na O senhor costuma defender os pactos de integridade como uma solução para ambientes em que a corrupção é recorrente. Como eles podem ajudar? Os pactos de integridade foram propostos pela Transparência Internacional há alguns anos. Nada mais são do que contratos firmados entre os potenciais participantes de uma licitação e os órgãos governamentais que a promovem. Por esses contratos, todos os signatários se comprometem a cumprir a lei, obedecer às regras do processo e seguir certos padrões de conduta. Não oferecerão propina, mas denunciarão às autoridades se receberem propostas desse tipo durante o processo, assegurarão que têm programas de conformidade no estado da Depois de se envolver em escândalo, a multinacional Siemens passou a operar de forma transparente — e isso não trouxe nenhum impacto negativo para seu balanço integridade dos negócios. É colocar muita pressão sobre os funcionários para que fechem negócios, sem considerar se eles estão fazendo isso de maneira transparente. O dinheiro é um mal enorme nesse aspecto. Quando chego a uma empresa para realizar uma reforma, a primeira coisa que preciso saber é se os diretores estão propondo mudanças apenas porque precisam, porque estão sendo investigados ou se é porque essa é a coisa certa a fazer no momento. Verifico se eles perceberam que o mundo está mudando e que é importante trabalhar pelo bem da comunidade. Trabalhar para reduzir a corrupção é trabalhar pela democracia e pela redução da pobreza. As corporações têm a responsabilidade social de adotar práticas transparentes e, assim, de beneficiar as comunidades nas quais operam. 78 | EXAME CEO | ABRIL 2014 arte e abrirão seus balanços e registros para auditoria no que se referir ao projeto licitado. Os signatários dos pactos também precisam se comprometer a aceitar que haja um monitor externo e independente acompanhando tanto o processo de licitação quanto o cumprimento das regras por quem, ao final, for o vencedor da concorrência. E quem violar o que está previsto no contrato sofrerá penalidades civis e será impedido de participar de novas licitações promovidas pelo mesmo órgão. Esse instrumento está sendo usado em muitos países, como México, Índia, Malásia e Alemanha, com bons resultados. Os pactos não apenas levam os processos a acontecer sem favoritismo como também estimulam que os projetos sejam cumpridos no prazo e dentro do orçamento, o que é bem pouco usual, por exemplo, nas grandes obras de infraestrutura.