Amostras do aspirado traqueal

Transcrição

Amostras do aspirado traqueal
A03 - 085
Influência da Água de Consumo Humano na Aquisição de
Pseudomonas aeruginosa (PSA) em Pacientes Hospitalizados
em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI)
LORENA C.C. FEHLBERG1; BRUNA A.TEIXEIRA1; RAQUEL GIRARDELLO1; PAULA P.
BARBOSA1; RENATA C. PICÃO1; ANA C. GALES1
1Laboratório
Alerta - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil
Este trabalho foi realizado com apoio financeiro CNPq, processo número 307714/2006-3.
Lorena C.C. Fehlberg
Rua Pedro de Toledo, 781
São Paulo – 04039-032
[email protected]
RESUMO
Introdução: PSA é considerado um dos principais agentes etiológicos de infecções nosocomiais, sendo que vários surtos em unidades hospitalares tem sido atribuídos à presença desse microrganismo no sistema de abastecimento de água. Objetivo: Avaliar a presença de
PSA na água corrente e no sistema de distribuição de uma UTI do Hospital São Paulo, comparando-os àqueles isolados dos pacientes internados nessa unidade hospitalar. Métodos: Foram realizadas coletas de aspirado traqueal dos pacientes hospitalizados na UTI.
Paralelamente, foram obtidas amostras clínicas de PSA desses mesmos pacientes, solicitadas a critério médico. Foram obtidas amostras de água do cavalete, da caixa d’água, do reservatório e de 11 torneiras distribuídas na UTI, das quais também foi recuperado material da
parte interna, com auxílio de um swab. As alíquotas de água foram filtradas e as membranas, assim como as amostras clínicas e de aspirado traqueal, foram semeadas em Pseudomonas Cetrimide Ágar. O perfil de sensibilidade foi avaliado pela técnica de diluição em ágar,
segundo critérios do CLSI. A similaridade genética entre os isolados foi avaliada pela técnica de PFGE, segundo critérios de Tenover et al.,1995. Resultados: Amostras de água do cavelete, da caixa d’água e do reservatório não apresentaram crescimento bacteriano. Das 32
amostras de aspirado traqueal e 29 amostras de água, 72% (23) e 38% (11) apresentaram crescimento para PSA, respectivamente. Os isolados da água apresentaram taxas de resistência aos antimicrobianos superiores aos isolados de aspirado traqueal. Nenhum isolado da
água foi sensível à cefepima e a meropenem e apenas 9% e 12% apresentaram sensibilidade ao imipenem e a ciprofloxacina, respectivamente. Foram identificados 14 padrões de PFGE nos 32 isolados de aspirado traqueal. Cinco PSA isoladas da água apresentaram perfis
genéticos semelhantes aos isolados clínicos. Um mesmo clone foi encontrado em uma amostra de aspirado traqueal e em uma das torneiras. Conclusão: Apesar deste estudo ser um piloto, foi possível observar uma ampla diversidade genética, evidenciando que um mesmo
paciente pode ser colonizado por diferentes populações de PSA em um período curto de hospitalização. Além disso, observamos a contaminação retrógrada da torneira, possivelmente pelas mãos dos profissionais da área da saúde. O controle da higiene no ambiente
hospitalar é primordial para que se possa reduzir a transmissão de patógenos hospitalares entre os pacientes.
MATERIAL E MÉTODOS
INTRODUÇÃO
RESULTADOS
Local do Estudo
Figura 1. Possíveis vias de transmissão de patógenos pela água no
ambiente hospitalar (adaptado de Anaissie et al.,2002).
O estudo foi realizado na UTI da disciplina de Anestesiologia, Dor
e Medicina do HSP, hospital-escola da Universidade Federal de São Paulo
(UNIFESP). A UTI é constituída por 14 leitos e 10 torneiras estão distribuídas
da seguinte maneira: duas na enfermaria maior, duas no lavatório, uma em
cada banheiro, uma na sala de preparo de medicamentos, uma na copa e
uma torneira em duas enfermarias isoladas (Figura 3).
Foram coletadas 32 amostras de aspirado traqueal de 14
pacientes hospitalizados na UTI. Desse total, 71.8% foram positivas
para P. aeruginosa. Não houve crescimento bacteriano para nenhuma
das alíquotas de água coletadas do cavalete, do reservatório e da
caixa d’água. No entanto, 37.9% das amostras obtidas das torneiras
da UTI foram positivas para P. aeruginosa (Tabela 3).
Coleta e processamento das alíquotas de água e das amostras clínicas
Oito amostras clínicas de P. aeruginosa armazenadas no banco
de microrganismos do LEMC foram incluídas no estudo. Essas
amostras haviam sido isoladas de 6 pacientes hospitalizados durante o
período do estudo. Os isolados foram provenientes do aspirado
traqueal (06), ponta de cateter (01) e lavado brônquico (01).
Tabela 2. Coleta das alíquotas de água, do aspirado traqueal e dos isolados
clínicos dos pacientes hospitalizados na UTI
Coletas
Amostras
1ª coleta
2ª coleta
3ª coleta
(14/08/2008)
(19/08/2008)
(21/08/2008)
Alíquotas de água
Amostras do
aspirado traqueal
Amostras clínicas
Tabela 1. Relato de infecções por Pseudomonas aeruginosa presentes na
água hospitalar.
Fonte de Infecção / País
Mamadeiras / Espanha
Torneiras / França
Torneiras e chuveiros / França
Torneiras / Alemanha
Torneiras e reservatório / Noruega
Torneiras / Alemanha
Torneiras / França
Brinquedos de borracha / Austrália
Torneiras / França
Torneiras / USA
Equipamentos hospitalares / França
Torneiras, chuveiros e sistema de
irrigação a frio / Dinamarca
UTI neonatal / Conjuntiva e
lesões de pele
UTI geral
Oncopediatria / Catéter
Aumeran et al., 2007
Venoso Central (CVC)
UTI geral / Infecção do Trato
Respiratório (ITR),
Trautmann et al., 2006
Pneumonia (PNM), feridas
UTI geral / PNM, Infecção de
Bukholm et al., 2005
Corrente Sanguínea (ICS)
UTI geral / ITR, ICS, Infecção
Trautmann et al., 2001
do Trato Urinário (ITU)
UTI Neocirurgica / PNM, ITU
Bert et al., 1998
Oncopediatria / ICS, CVC,
Buttery et al., 1998
ITU, feridas
Pediatria / ITU
Ferroni et al., 1998
Centro Cirúrgico
Rudnick et al., 1996
Unidade de Queimados /
Richard et al., 1994
ICS, PNM, feridas
Unidade de Emergência /
Kolmos et al., 1993
ICS, ITU, escarro, feridas
Torneiras / Alemanha
Reservatório / Alemanha
Reservatório / Itália
Unidade Hospitalar /
Infecção
Sánchez-Carrillo et al.,
2009
Lavenir et al., 2008
Referência





As taxas de sensibilidade aos antimicrobianos estão
apresentadas na Tabela 4. A taxa de sensibilidade a
piperacilina/tazobactan (64,5% para as cepas clínicas e 63,7% para os
isolados da água) foi superior a de todos os outros antimicrobianos
testados, exceto polimixina B, cuja taxa de sensibilidade foi de 100%.
Obtidas durante o período de 31/07/2008 a 31/08/2008
As amostras de aspirado traqueal foram semeadas em Pseudomonas
Cetrimide Ágar (PCA) (Oxoid®) e incubadas por 18-24 horas em estufa à
37ºC 2ºC. Paralelamente à coleta de amostras de aspirado traqueal, foram
obtidos isolados clínicos de P. aeruginosa dos mesmos pacientes, solicitados
a critério médico, no período de 31/07/2008 a 31/08/2008. Essas amostras
foram armazenadas no banco de microrganismos do Laboratório Especial de
Microbiologia Clínica (LEMC).
Em geral, as cepas de P. aeruginosa isoladas da água
apresentaram taxas de sensibilidade muito reduzidas em relação às
cepas de P. aeruginosa dos isolados clínicos e do aspirado traqueal.
Nenhuma cepa de P. aeruginosa isolada da água apresentou
sensibilidade a meropenem e cefepima. Os isolados da água
apresentaram uma sensibilidade baixa ao imipenem (9,1%).
Foram coletados em frascos estéreis 100mL de água do cavalete, do
reservatório, da caixa d’água e das torneiras da UTI. Adicionalmente, um
swab foi friccionado na parte interna de cada torneira (coleta de superfície) e
imerso em meio de transporte com carvão ativado.
Os resultados da tipagem molecular demonstraram haver uma
grande variabilidade genética entre os isolados de P. aeruginosa do
aspirado traqueal (colonização), dos isolados clínicos (infecção) e para
os isolados da água. Outro dado importante é a existência de vários
isolados de P. aeruginosa com genótipos distintos entre si, colonizando
um mesmo paciente em um curto período de tempo (Figura 2).
As alíquotas de água foram filtradas por meio do conjunto de sistema
à vácuo Millipore®, utilizando uma membrana de acetato de celulose de
0.45µm de porosidade e 47mm de diâmetro (Sartorius®). As membranas,
assim como os swabs, foram plaqueados em PCA e incubadas por 18-24
horas em estufa à 37ºC 2ºC.
Entre as 42 cepas de P. aeruginosa estudadas, 28
apresentaram perfis genéticos distintos com a presença de seis
clones.
Teste de Sensibilidade aos Antimicrobianos
UTI Neonatal / ICS, ITR
Grundmann et al., 1993
Pacientes paraplégicos / ITU
Centro de Hematologia / ICS
Worlitzch et al., 1989
Martino et al., 1985
Entre as 23 cepas de P. aeruginosa obtidas de aspirado
traqueal, foram identificados 14 perfis genéticos, sendo que 11 foram
identificados em apenas um paciente cada um. Seis amostras não
foram tipáveis, sendo cinco do mesmo paciente.
O perfil de sensibilidade aos antimicrobianos foi determinado pelo
método de diluição em ágar e os resultados interpretados de acordo com as
recomendações do Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI, 2008).
A Concentração Inibitória Mínima (CIM) foi definida como a menor
concentração antimicrobiana capaz de inibir o crescimento bacteriano. Como
controles de qualidade foram utilizadas as cepas P. aeruginosa ATCC® 27853
e Escherichia coli ATCC® 25922.
Entre as 11 cepas de P. aeruginosa obtidas das alíquotas de
água, foram identificados nove perfis genotípicos. Desses, cinco
apresentavam o mesmo genótipo de isolados clínicos (Tabela 5). Um
mesmo clone foi encontrado na amostra de aspirado traqueal e na
torneira do banheiro da enfermaria da ala maior (Figura 3), sendo que
a coleta foi realizada em dias distintos (19/08/2008 e 21/08/2008,
respectivamente).
Análise da Similaridade Genotípica
O objetivo deste estudo foi avaliar a presença de PSA na água
corrente e no sistema de distribuição de uma UTI do Hospital São
Paulo (HSP), comparando-os àqueles dos pacientes internados
nesta unidade hospitalar.
A técnica de Eletroforese em Gel de Campo Pulsado (PFGE) foi
utilizada para determinar os genótipos dos isolados. Os resultados
interpretados de acordo com os critérios descritos por Tenover e
colaboradores (1995).
RESULTADOS
Tabela 3. Número de isolados de Pseudomonas aeruginosa recuperados das amostras
de aspirado traqueal e da água
Amostra
Aspirado traqueal
Coleta
Número de amostras
coletadas
Alíquotas de água
Número de
isolados de
P. aeruginosa
1ª coleta
11
8
2ª coleta
10
8
3ª coleta
11
7
32
23
1ª coleta
14
5
2ª coleta
15
6
29
11
Total
Total
Tabela 4. Percentual de sensibilidade in vitro aos antimicrobianos testados dos 42 isolados
de Pseudomonas aeruginosa pela técnica de ágar diluição
Antimicrobiano
Cefepima
Ceftazidima
Ciprofloxacino
Imipenem
Meropenem
Piperacilina/Tazobactan
Figura 2. Perfis genéticos distintos de P. aeruginosa isolados de
sete pacientes do Hospital São Paulo
COPA
Tabela 5. Padrões de PFGE identificados nas alíquotas de água das torneiras da UTI que
apresentaram relação genotípica com os padrões identificados nos pacientes hospitalizados
nesta mesma unidade hospitalar.
Padrões PFGE
Percentual de Sensibilidade (%)
Cepas
clínicas(*)
45,1
16,1
54,8
16,1
48,3
64,5
Polimixina
B traqueal e amostras clínicas
100,0
( * ) isolados
de aspirado
Isolados da água
Ponto de Coleta
Alíquotas de água
0,0
54,6
Lavatório
12,9
9,1
0,0
63,7
100,0
Enfermaria ala
Torneira 1
Torneira 2
B2
Torneira
Superfície de
contato (swab)
Pacientes
I
I1
A2
B, A, A1
B1
B
maior direita
Enfermaria 1
Torneira
N
N1
Torneira
A
A
esquerda
Banheiro da ala
Figura 3. Desenho esquemático da UTI de
Anestesiologia do Hospital São Paulo. Os pontos
vermelhos representam as torneiras distribuídas nesta
unidade. Os círculos verdes representam as torneiras
aonde foram recuperados isolados de Pseudomonas
aeruginosa. A seta vermelha indica o local aonde foi
encontrada a cepa clone com o aspirado traqueal do
paciente.
maior
CONCLUSÕES
 A taxa de colonização de P. aeruginosa avaliada pela cultura de aspirado traqueal nos pacientes hospitalizados na UTI foi elevada (71.8%);
 A porcentagem de positividade de P. aeruginosa nas amostras de água foi de 37.9%;
 A ausência de crescimento bacteriano nas amostras do cavalete, da caixa d’água e do reservatório está de acordo com a Portaria do MS nº518;
 Amostras de P. aeruginosa isoladas da água apresentaram maiores taxas de resistência aos antimicrobianos avaliados do que as cepas recuperadas de
amostras clínicas;
Grande variabilidade genética foi observada nos isolados de P. aeruginosa estudados, evidenciando que um mesmo paciente pode ser colonizado por diferentes
populações de P. aeruginosa em um período curto de hospitalização.
 Apesar de não ser possível estabelecer a rota de transmissão dos mesmos genótipos de P. aeruginosa encontrados nos pacientes e na água, a contaminação
retrógrada da torneira por meio das mãos dos profissionais da saúde da UTI seria a hipótese mais plausível pois, durante o período do estudo, o clone foi isolado
primeiramente do paciente (1ª coleta) e, posteriormente, da água (2ª coleta).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Anaissie EJ et al. 2002. Arch Intern Med. 162(13):1483-92.
BRASIL. Ministério da Saúde. 2004. Portaria nº 518, de 25 de março de
2004.
CETESB. 1993. NT.L5.223.
Clinical and Laboratory Standards Institute. 2006. Methods for Dilution
Antimicrobial Susceptibility Tests for Bacteria That Grow Aerobically.
Clinical and Laboratory Standards Institute. 2008. M100-S18.
Tenover FC et al. 1995. J Clin Microbiol. 33(9):2233-9.
Trautmann M et al. 2001. Infect Control Hosp Epidemiol. 22(1):49-52.
Trautmann M et al. 2006. Int J Hyg Environ Health. 209:325-31.
Vallés J et al. 2004. Intensive Care Med. 30:1768-75.