Universidade Estadual de Santa Cruz

Transcrição

Universidade Estadual de Santa Cruz
Universidade Estadual de Santa Cruz
Programa Regional de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente
UESC
Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente
PERCEPÇÃO DE RISCO NO USO DE AGROTÓXICOS NA
PRODUÇÃO DE TOMATE DO DISTRITO DE NOVA MATRONA,
SALINAS, MINAS GERAIS
Santina Aparecida Ferreira Mendes
Orientador: Professor Dr. Milton Ferreira da Silva Júnior
ILHÉUS – BAHIA
2009
II
SANTINA APARECIDA FERREIRA MENDES
PERCEPÇÃO DE RISCO NO USO DE AGROTÓXICOS NA PRODUÇÃO DE
TOMATE DO DISTRITO DE NOVA MATRONA, SALINAS, MINAS GERAIS.
Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação em Desenvolvimento Regional e
Meio Ambiente da Universidade Estadual de
Santa Cruz, para a obtenção do título de
Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio
Ambiente.
Sub-área de Concentração:
Orientador: Prof. Dr.Milton Ferreira da Silva
Júnior
ILHÉUS – BAHIA
2009
III
M538
Mendes, Santina Aparecida Ferreira
Percepção de risco no uso de agrotóxicos na
produção de tomate do distrito de Nova Matrona, Salinas, Minas Gerais / Santina Aparecida Ferreira
Mendes. -Ilhéus, BA: UESC, 2009.
ix, 161f. : il.
Orientador: Milton Ferreira da Silva Júnior
Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual
de Santa Cruz. Programa de Pós-graduação em
Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente.
Inclui bibliografia e apêndice.
1. Produtos químicos agrícolas – Aspectos
ambientais. 2. Tomate – Cultivo. 4. Avaliação de riscos
ambientais – Nova Matrona (Salinas, MG). I. Título.
CDD 577.279
IV
SANTINA APARECIDA FERREIRA MENDES
PERCEPÇÃO DE RISCO NO USO DE AGROTÓXICOS NA PRODUÇÃO DE
TOMATE DO DISTRITO DE NOVA MATRONA, SALINAS, MINAS GERAIS.
Ilhéus-BA, xx de xxxxx de 2009.
_____________________________________________
Dr.Milton Ferreira da Silva Júnior
UESC
(Orientador)
______________________________________________
______________________________________________
V
DEDICATÓRIA
Dedico à minha família: Paulo, Tainah,
Paula e Alana, meu porto seguro.
Aos produtores de tomate de Nova Matrona,
essência desta pesquisa.
Aos professores do PRODEMA – Programa
de
Desenvolvimento
Regional
e
Meio
Ambiente da UESC – Universidade Estadual
de Santa Cruz – Ilhéus/BA, pelos valiosos
ensinamentos,
especialmente,
ao
meu
professor orientador, Dr. Milton Ferreira da
Silva
Júnior,
pelas
palavras
de
encorajamento e sabedoria e por acreditar no
meu potencial aceitando ser meu orientador.
Aos meus colegas de mestrado com os quais
dividi sonhos, angústias e expectativas.
Ao
professor
Adalcino
França
Júnior,
incentivador na realização do curso.
A Deus e a meus pais, motivos da minha
existência.
VI
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a Deus por possibilitar que eu trilhasse esse caminho de desafios e
significativas aprendizagens propiciadas por este curso de mestrado, o qual me fez
compreender a gravidade e a complexidade dos problemas ambientais da atualidade e do
quanto nosso papel de educadores é importante para a sensibilização/reversão/minimização
destes, tendo em vista a conservação do Planeta Terra para as gerações presentes e futuras.
A meus pais, pelo dom da vida, fundamental para que eu pudesse me aventurar nessa
discussão tão importante.
Ao meu esposo, Paulo, minhas filhas, Tainah, Paula e Alana pela tolerância, paciência e
companheirismo demonstrados durante a realização deste trabalho.
Aos meus irmãos Antonio Luiz e Valdenor pelo apoio prestado.
Ao Prof. Dr. Milton Ferreira da Silva Júnior que além de concordar em orientar o percurso
deste projeto de pesquisa, legou-me valiosos ensinamentos e palavras de entusiasmo. Sempre
com respostas rápidas aos meus questionamentos, incentivou-me a ler, estudar e pesquisar
cada vez mais.
Aos produtores de tomate de Nova Matrona que participaram desta pesquisa, pela
disponibilidade, carinho e atenção com que me receberam em suas residências ou em seus
locais de trabalho, pela intensidade e espontaneidade com que deram seus depoimentos,
esclarecimentos e sugestões.
Ao Prof. Dr. Neylor Alves Calazans pela presença constante nesta nossa caminhada.
Aos demais professores do PRODEMA – Programa de Desenvolvimento Regional e Meio
Ambiente da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC – Ilhéus/BA, cada um do seu
jeito, cada qual com seu método, acrescentaram-nos muitas aprendizagens significativas.
Aos colegas de curso por compartilharem sentimentos, ansiedade, angústia, aprendizagens e,
sobretudo, sonhos de se pensar um Planeta Terra mais humano.
Ao Diretor-Geral do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais – Campus Salinas, professor
Adalcino França Júnior, que nos incentivou a participar deste curso acreditando nas
capacidades e habilidades de todos.
Enfim, agradeço a todos que, de uma forma ou de outra, contribuíram para a realização deste
trabalho.
VII
Há uma história cosmológica, no interior da qual há uma história da matéria, no interior da
qual há uma história da vida, na qual há finalmente nossa própria história. (Ilya Prigogine)
VIII
PERCEPÇÃO DE RISCO NO USO DE AGROTÓXICOS NA
PRODUÇÃO DE TOMATE DO DISTRITO DE NOVA MATRONA,
SALINAS, MINAS GERAIS
RESUMO
A partir da década de 50, com o movimento conhecido como “Revolução Verde”,
o processo tradicional de trabalho na agricultura sofreu profundas mudanças mediante a
adoção de novas tecnologias e o uso extensivo de agentes químicos, visando o aumento da
produtividade, controle de doenças, proteção contra insetos e outras pragas. Sem o devido
acompanhamento de um programa de qualificação da força de trabalho, as comunidades
rurais ficaram expostas a um conjunto de riscos ainda desconhecidos, devido ao elevado uso
de substâncias perigosas. A presente pesquisa teve como objetivo geral avaliar a percepção
de riscos econômicos, ambientais e à saúde humana no uso de agrotóxicos dos produtores de
tomate de Nova Matrona. O distrito de Nova Matrona está localizado no município de
Salinas, Norte de Minas Gerais, Médio Jequitinhonha. A abordagem metodológica da
pesquisa foi de cunho qualitativo e utilizou o estudo de caso. Para a coleta de dados foram
escolhidas diferentes técnicas de pesquisa: história de vida com quatro produtores ativos ou
inativos mais antigos e que exercem liderança na região para a reconstituição do processo
histórico de implantação da cultura de tomate no referido distrito; entrevista semi-estruturada
com vinte e dois produtores atuantes no momento da pesquisa e observação “in loco”. Os
resultados da pesquisa demonstraram que a percepção de risco é construída, coletivamente,
no contexto sócioeconômico e cultural dos sujeitos, como também ela é permeada pela rede
de comunicação rural e pela própria subjetividade de cada produtor em suas atividades
laborais. Os resultados apontam para a necessidade de implementação de estratégias de
comunicação e gerenciamento de riscos que permitam a participação de todos os atores
sociais, bem como de adoção de alternativas concretas de produção menos agressivas à saúde
humana e ao meio ambiente.
Palavras - chave:
Agrotóxicos – percepção de risco – tomate
IX
ABSTRACT
RISK PERCEPTION IN USE OF PESTICIDES IN THE PRODUCTION
OF TOMATO FOR THE DISTRICT OF NOVA Matrona, SALINAS,
MINAS GERAIS
From the 50's, with the movement known as the "Green Revolution", the traditional
employment in agriculture has undergone profound changes through the adoption of new
technologies and the extensive use of chemical agents, in order to increase productivity,
disease control, protection against insects and other pests. Without proper monitoring of a
training program of the workforce, rural communities were exposed to a number of risks still
unknown due to the high use of hazardous substances. This study aimed to assess the general
perception of economic risks, environmental and human health in the use of pesticides for
tomato producers in Nova Matrona. The District of Nova Matrona is located in the city of
Salinas, Minas Gerais State, Middle River Valley. The methodology of the research was a
qualitative approach and used the case study. For data collection were chosen different
research techniques: life history with four producers active or inactive older and engaged
leadership in the region to replenish the historic process of implementation of the tomato
crop in that district, semi-structured interviews with twenty-two producers operating in the
time of research and observation on site. The survey results showed that risk perception is
constructed collectively in the socio-economic and cultural subjects, but it is permeated by a
network of rural communication and by the subjectivity of each producer in their work
activities. The results point to the need to implement communication strategies and risk
management to enable the participation of all social actors and to adopt concrete alternatives
of production less harmful to human health and the environment.
Key words:
Pesticides - risk perception - tomato
X
SUMÁRIO
RESUMO......................................................................................................................... VIII
ABSTRACT....................................................................................................................... IX
1. Introdução .........................................................................................................................1
2. Fundamentação teórica ......................................................................................................6
2.1. A modernização da agricultura....................................................................................6
2.2. A “Revolução Verde” nos campos brasileiros .............................................................9
2.3. Agrotóxicos: de quê se trata? ...................................................................................14
2.4. Conceituando o termo risco......................................................................................21
2.5. Percepção de risco ....................................................................................................26
2.6. As diferentes abordagens sobre percepção de risco ...................................................29
2.7. Teoria das Representações Sociais ...........................................................................32
3. Delimitação e descrição da área de estudo .......................................................................35
3.1. Produção de tomate no distrito de Nova Matrona ......................................................45
4. Fundamentos Metodológicos ...........................................................................................51
4.1. Critérios para a escola da área de estudo ...................................................................53
4.2. Técnicas de coleta de dados ......................................................................................53
4.2.1. Estudo de Caso ..................................................................................................53
4.2.2. História de vida..................................................................................................55
4.3. Entrevista Semi-Estruturada......................................................................................74
4.3.1. Amostra dos sujeitos da pesquisa ...........................................................................75
4.3.2. Operacionalização das entrevistas semi-estruturadas ..............................................76
5. Procedimentos de transcrição, análise e interpretação de dados.......................................79
5.1. Caracterização dos sujeitos da pesquisa da entrevista semi-estruturada .....................82
5.2. Relações de trabalho e sistema de produção ..............................................................82
6. Construção e análise dos discursos do sujeito coletivo (DSCs)........................................95
6.1. A percepção dos produtores sobre os riscos econômicos na cadeia produtiva de
tomate. ............................................................................................................................95
6.2. A percepção dos produtores sobre os riscos à saúde humana e ao meio ambiente no
manejo de agrotóxicos. ..................................................................................................108
7. Considerações finais ......................................................................................................145
8. Referências bibliográficas.............................................................................................150
9. Apêndices......................................................................................................................155
1
1. Introdução
A agricultura, desde a sua origem, é uma atividade econômica que tem seu processo
produtivo intimamente ligado ao meio ambiente. Entretanto, esta não é uma atividade natural
na medida em que, pela agricultura, um ecossistema é transformado em agroecossistema,
gerando, necessariamente, perdas, seja de diversidade biológica, sejam de volumes físicos
dos solos pela sua exposição direta à radiação solar, aos ventos e às chuvas.
Após o advento da Segunda Guerra Mundial criou-se um discurso alarmista de
explosão demográfica e de ameaça de fome generalizada e suas conseqüências para a
segurança alimentar nos países devastados pelas guerras e nos países em desenvolvimento,
provocando grandes mudanças na agricultura no mundo todo. Assim, uma grande variedade
de substâncias foram sintetizadas e utilizadas em todo o mundo para o controle de pragas e
doenças que afetam a produção agrícola com finalidades inseticidas, fungicidas, herbicidas e
outras.
Nascia o movimento chamado de “Revolução Verde” e seu processo de
modernização agrícola a partir da década de 50, o qual passou a adotar e respeitar a lógica do
mercado que é produzir mais, de forma barata e rápida para ganhar a competitividade e gerar
cada vez mais lucros, em detrimento da natureza e de seus recursos naturais limitados.
A partir deste movimento houve um aumento em termos de produtividade
proporcionada pela difusão de novas tecnologias no campo, entretanto, este pacote
tecnológico não previa a qualificação da força de trabalho, fato que expôs as comunidades
rurais e os recursos naturais a um conjunto de riscos ainda desconhecidos devido ao uso
extensivo e intensivo de um grande número de substâncias químicas perigosas. Essas
substâncias foram apresentadas como a única solução para acabar com a infestação de insetos
e pragas que poderiam destruir as lavouras e, conseqüentemente, a única forma de acabar
com a fome no mundo.
Neste contexto, surgiram movimentos alternativos que criticavam os problemas
advindos do modelo da agricultura moderna e denunciavam a contaminação ambiental e
humana devido ao uso intensivo de agrotóxicos, tendo em Raquel Carson, com a obra
“Primavera Silenciosa”, publicada em 1962, suas primeiras referências.
No Brasil, a partir das décadas de 60 e 70, observou-se um progressivo processo de
automação das lavouras com a introdução de maquinário e utilização de produtos
agroquímicos no processo de produção, estimulado pelo sistema Nacional de Crédito Rural
2
(SNCR) que concedia empréstimos aos produtores rurais sob a obrigatoriedade de fixar um
percentual que deveria ser gasto com agrotóxicos.
As políticas de importação estimularam grandes indústrias químicas que passaram a
ver o Brasil, como toda a América Latina, com um novo e crescente mercado para os seus
produtos. No final da década de 70, observou-se a comercialização dos primeiros produtos
agrotóxicos em larga escala.
A partir da década de 80, nos países do então chamado Primeiro Mundo, quando os
efeitos nocivos dos agrotóxicos começaram a ser descritos por diversos autores, foram
implantadas uma série de medidas políticas que preconizavam a redução ou a proibição da
utilização/produção de certos produtos, resultando numa verdadeira fuga das indústrias
químicas multinacionais para os países do então chamado Terceiro Mundo e para os países
em desenvolvimento.
No Brasil, estas grandes multinacionais encontraram condições para uma rápida
expansão e crescimento, pois além do meio rural estar passando, naquele momento, por uma
grande transformação decorrente do processo de modernização agrícola, havia ainda o
desenvolvimento de políticas de monoculturas destinadas à exportação e, portanto, orientadas
sob os preceitos dos interesses do capital nacional e estrangeiro.
Na década de 80, segundos dados do SEBRAE (2001), a EMATER – MG, agência
local, introduziu a produção de tomate no distrito de Nova Matrona. Por se tratar de uma
região de terras férteis e com vocação natural para a agricultura, a cultura do tomate
expandiu-se tornando a principal atividade econômica da região nas últimas décadas. Apesar
do notório incremento econômico, o principal problema apontado quanto ao cultivo de
tomate no distrito é o uso indiscriminado de agrotóxicos, com baixa rotação de cultura, fato
que passou a constituir-se em uma relevante limitação ao desenvolvimento do município de
Salinas.
Diante da complexidade da questão do uso de agrotóxicos no meio rural do distrito de
Nova Matrona e à dinâmica socioambiental do problema que indica haver um agente
perigoso para a saúde da população e para o meio ambiente como um todo, este projeto de
pesquisa centrou-se na avaliação da percepção que os produtores têm acerca dos riscos
advindos do uso de agrotóxicos em suas atividades laborais.
Os resultados deste trabalho poderão subsidiar a implementação futura de estratégias
de gerenciamento de riscos associados ao uso de agrotóxicos envolvendo a participação dos
protagonistas da questão: os produtores rurais e a comunidade de interesse. Os resultados
3
poderão também fornecer contribuições no sentido de se buscar alternativas de produção
menos agressivas ao meio ambiente e à saúde da população no município de Salinas.
Observou-se que o processo de comunicação rural sobre os agrotóxicos na produção
de tomate envolve os interesses de grupos que manipulam as informações e defendem a idéia
da “necessidade” do uso desses produtos visando favorecer o capitalismo industrial.
A percepção de riscos que os produtores têm é construída, coletivamente, no contexto
sócioeconômico e cultural dos sujeitos da pesquisa, bem como ela é permeada pela complexa
rede de comunicação rural e pela própria subjetividade de cada produtor no exercício de suas
atividades laborais.
O interesse da pesquisa pela região de Nova Matrona partiu de observações “in loco”
da produção de olerícolas, sobretudo de tomate ao longo desses anos. Em 1º de fevereiro do
ano de 2004, um grupo de universitários da capital mineira, Belo Horizonte, sob a
coordenação da professora Helem Nébias Barreto e de Bernardo Monteiro, da Secretaria
Municipal de Meio Ambiente de Belo Horizonte e, ainda sob o incentivo da professora da
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, a salinense, Terezinha de Cássia Brito
Galvão, acompanhado da pesquisadora, de agentes culturais e professores do município de
Salinas, percorreu parte do município com a finalidade de fazer um estudo de campo e
levantar os principais problemas ambientais tendo em vista a proposição futura de sugestões
e estratégias ambientais sustentáveis para o município.
Na ocasião, identificou-se, dentre outros problemas ambientais relevantes no
município, a expressiva produção de tomate no distrito de Nova Matrona e a problemática da
utilização indiscriminada de agrotóxicos, fato que estimulou, na época, a curiosidade em
conhecer e avaliar a percepção dos produtores acerca do tema.
Acresce-se a isto a importância do debate no cenário mundial sobre os agrotóxicos,
tendo em vista suas graves conseqüências para a saúde humana e o risco de contaminação do
meio ambiente, causados pelo seu uso intensivo e, às vezes, inadequado.
Em março de 2008, com a proposta do Mestrado do Programa de Desenvolvimento
Regional e Meio Ambiente (PRODEMA), da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC),
localizada em Ilhéus-BA, esta curiosidade veio à tona e consolidou-se mediante este projeto
de pesquisa.
Para o desenvolvimento do trabalho, optou-se por fazer um estudo de caso junto aos
produtores de tomate da comunidade rural de Nova Matrona. O distrito de Nova Matrona o
qual se tomou como pano de fundo para a discussão dos riscos advindos do uso de
agrotóxicos nas lavouras de tomate, localiza-se no município de Salinas, norte de Minas
4
Gerais, Médio Jequitinhonha, numa região do semi-árido mineiro, considerada como área
mineira do polígono das secas.
Este trabalho não teve a pretensão de aprofundar e analisar todos os aspectos sociais,
econômicos, culturais, ambientais, agronômicos, ou outros relacionados aos agrotóxicos, nem
intencionou desenvolver técnicas de avaliação e gerenciamento de riscos relativos aos
agrotóxicos por se tratar de aspectos bastante amplos e complexos.
A presente pesquisa teve como objetivo geral avaliar a percepção de riscos
econômicos, ambientais e à saúde humana no uso de agrotóxicos dos produtores de tomate
do distrito de Nova Matrona. Neste sentido, os seguintes objetivos específicos foram
propostos:
1- Reconstituir historicamente a implantação do cultivo de tomate no distrito de Nova
Matrona;
2- Caracterizar o perfil socioeconômico e cultural dos produtores de tomate do
distrito de Nova Matrona;
3- Identificar os fatores psicossociais associados aos níveis de percepção de riscos
econômicos, ambientais e à saúde humana advindos do uso de agrotóxicos;
4- Sistematizar as crenças e convicções culturais que contribuem para uma percepção
dos riscos calculados assumidos pelos produtores de tomate do distrito de Nova Matrona;
Para a consecução destes objetivos foram utilizadas as seguintes técnicas de pesquisa:
história de vida com quatro produtores de tomate mais antigos, atuantes ou não, para
reconstituição do processo histórico de implantação da cultura de tomate no distrito,
entrevista semi-estruturada com vinte e dois produtores atuantes no momento da pesquisa
para levantar questões referentes à percepção de riscos ambientais, econômicos e à saúde da
população local, além da observação e levantamento de dados durante a pesquisa de campo.
As análises dos dados coletados nas entrevistas semi-estruturadas e a construção dos
discursos coletivos dos produtores de tomate de Nova Matrona acerca da percepção de riscos
oriundos da utilização dos agrotóxicos em suas lavouras foram feitas sob a luz das diretrizes
metodológicas da Teoria das Representações Sociais (TRS) e da Teoria de Análise do
Discurso do Sujeito Coletivo (DSC).
Neste sentido, o texto foi assim estruturado: na primeira parte, fez-se uma breve
revisão bibliográfica acerca do tema; na segunda parte, fez-se a delimitação e descrição da
área de estudo e discorreu-se sobre a abordagem da problemática do uso de agrotóxicos na
produção de tomate do distrito de Nova Matrona; na terceira parte, foram explicitados os
caminhos metodológicos da pesquisa, como também os dados coletados na história de vida
5
foram analisados e sistematizados e, ; nas quarta e quinta partes, foram sistematizados e
analisados os dados coletados nas entrevistas semi-estruturadas, assim como foram
construídos e analisados os discursos do sujeito coletivo.
Por fim, algumas considerações foram traçadas tendo em vista destacar que os
resultados apontam para a necessidade de implementação de estratégias de comunicação,
avaliação e gerenciamento de riscos que permitam a participação de todos os atores sociais,
bem como sugerir a adoção de alternativas concretas de produção menos agressivas à saúde
humana e ao meio ambiente.
6
2. Fundamentação teórica
A fundamentação teórica resultou da reunião e análise de outros trabalhos acerca do
tema, objeto desta pesquisa, buscando compreender as várias abordagens sobre o assunto,
além das contribuições próprias.
Assim, adotou-se como “estado da arte” uma revisão histórica que pretendeu
recuperar a evolução do tema dentro de um quadro teórico de referências para explicar os
fatores associados ao uso de agrotóxicos na agricultura e as suas implicações, danos e riscos.
Para tanto, foi utilizada a metodologia da pesquisa bibliográfica baseada na análise de
literatura já publicada em forma de livros, revistas, artigos, publicações avulsas, imprensa
escrita e eletrônica, disponibilizada na internet.
2.1. A modernização da agricultura
O aparecimento da agricultura é uma questão difícil de situar. Avalia-se que entre
1000 e 5000 mil anos a.C. algumas sociedades neolíticas começaram a semear plantas e a
domesticar animais, transformando-se, progressivamente, em sociedades de cultivadores e
criadores de gado. A partir daí, essas sociedades introduziram e desenvolveram as espécies
domesticadas na maioria dos ecossistemas do planeta e, por meio de seu trabalho, tornaram
estes ecossistemas naturais em ecossistemas cada vez mais diferentes, cultivados e artificiais
(MAZOYER 1998, p. 38 citado por CLEPES JUNIOR, 2007).
A evolução da agricultura expressou um processo histórico de acúmulo de
conhecimentos, em que a tecnologia agrícola foi cada vez mais aperfeiçoada com o propósito
de diminuir as limitações do meio ambiente e de atender à necessidade de trabalho. A
produção agrícola européia evoluiu de uma agricultura itinerante para uma agricultura
permanente em que foi introduzido o sistema de rotação bienal (pousio de dois anos), para
chegar no período entre os séculos XI e XIII, ao sistema de rotação trienal (pousio de três
anos), que associado a outras inovações, permitiu aumentos significativos de produtividade,
originando o que muitos estudiosos denominam de Primeira Revolução Agrícola
(ROMEIRO, 1998 segundo CLEPES JUNIOR, 2007).
Para o controle de infestação de ervas invasoras, o sistema de rotação trienal
mantinha, após dois anos de cultivo, a necessidade de pousio. Com a difusão do sistema de
rotação que ficou conhecido como “Norflok”, nome do condado britânico a partir do qual
este sistema disseminou-se na Inglaterra, a necessidade deste pousio foi eliminada com a
7
introdução do cultivo de forrageiras, fato que representou um acréscimo na disponibilidade
de fertilizantes orgânicos o qual permitiu um aumento na produtividade. Este período que
ficou conhecido como Segunda Revolução Agrícola, ocorreu no final do século XIX, quando
a indústria passou a produzir novos meios de transporte e novos materiais mecânicos de
tração animal.
A partir do século XVI, com a eliminação do cultivo de plantas forrageiras para a
alimentação animal cujo esterco era utilizado na recuperação da fertilidade dos solos, iniciase a utilização da química agrícola com base na utilização de nutrientes minerais. Nasce
assim, um novo modelo de produção na história da agricultura que foi amplamente
disseminado pelo mundo desde o final do século XIX e durante o século XX como a
monocultura (ASSIS & ROMEIRO, 2002 conforme CLEPES JUNIOR, 2007).
Com as descobertas da química agrícola no século XIX, difundiram-se sistemas
agrícolas cujo aspecto principal era a adubação mineral com compostos solúveis como base
para a produção vegetal, considerado se o solo apenas como substrato para a sustentação das
plantas e meio para a veiculação desses compostos. Este processo culmina na chamada
“Revolução Verde” (CLEPES JUNIOR, 2007).
Garcia (2001) explica que o uso de substâncias inorgânicas, a exemplo do enxofre e
do arsênico, foram utilizadas desde a Antiguidade Clássica tendo em vista o controle de
insetos e pragas nas lavouras. A nicotina extraída do fumo para proteção das plantas também
foi utilizada a partir do século XVI e o pyrethrum, a partir do século XIX. No final do século
XIX, acentuaram-se os estudos acerca destas substâncias químicas com a finalidade de
proteger as plantas.
Os agrotóxicos foram sintetizados na Alemanha no final da década de 30 com a
finalidade de serem utilizados como arma química de guerra. Mas, foi somente a partir da
Segunda Guerra Mundial, com a descoberta do poder inseticida do DDT, que eles passaram a
ser utilizados no combate de pragas nas lavouras e, neste contexto, observou-se uma grande
disseminação da utilização destas substâncias organossintéticas na agricultura, em escala
mundial.
Apesar da utilização de algumas substâncias inorgânicas, observa-se que no passado,
os sistemas agrários eram praticamente auto-suficientes e até a segunda Revolução Agrícola
adotavam tecnologias como rotação de culturas entre as atividades de produção vegetal e
animal, respeitando-se, desta forma, o meio ambiente ao se buscar alternativas de superação
das limitações ecológicas dos recursos naturais. A modernização agrícola, entretanto,
desconsiderou a natureza ao adotar um modelo produtivista que passou a funcionar conforme
8
a lógica do mercado. Para tanto, desenvolveu-se um arsenal técnico-químico que, embora
tenha elevado a produtividade a níveis de produção capazes de atender as demandas do
mercado, tem provocado impactos ambientais que comprometem os ecossistemas agrícolas.
Clepes Junior (2007) adverte que a atividade agrícola ocupa hoje praticamente a
metade do território do mundo, porém apenas um décimo das pessoas empregadas a
cinqüenta anos exercem esta função. Na mesma superfície, cultiva-se e cria-se muito mais do
que antes, mas, em sua grande maioria, a atividade agrícola ignora os conhecimentos
agronômicos e os ritmos biológicos.
A partir da década de 50, a “Revolução Verde”, provocou profundas mudanças no
processo tradicional de trabalho na agricultura, mediante a adoção de novas tecnologias e o
uso extensivo de agentes químicos, tendo em vista o aumento da produtividade, controle de
doenças, proteção contra insetos e outras pragas (MOREIRA e outros, 2002).
A “Revolução Verde” norteou-se pela idéia da eficiência econômica e da
competitividade justificada pela necessidade de se produzir mais, de forma barata e rápida
para combater a fome nos países devastados pela guerra e no chamado “Terceiro Mundo”. A
mecanização e a industrialização da produção no campo transformaram-se, então, em
símbolos de “desenvolvimento”. O objetivo era a consecução de uma produção barata, rápida
e em grande quantidade, além de apresentar condições de competir no mercado e gerar lucros
(CLEPES JÚNIOR, 2007).
Entretanto, esta modernização e mecanização do campo vieram sem o devido
acompanhamento de um programa de qualificação da força de trabalho das comunidades
rurais do mundo e do Brasil, deixando-as expostas a um conjunto de riscos ainda
desconhecidos, devido ao elevado uso de substâncias perigosas (MOREIRA e outros, 2002;
MOURA, 2005).
Até o final da década de 50, a utilização de agrotóxicos contra pragas e doenças na
agricultura fez sucesso tão grande que eles passaram a ser utilizados em larga escala e de
forma indiscriminada nos países desenvolvidos, praticamente sem preocupações com os
riscos à saúde ou o meio ambiente.
No início da década de 1960, a publicação de dois livros, Silent Spring, de Raquel
Carson, em 1962, e Pesticides and the Living Landscape, de Rudd, em 1964, passaram a
denunciar e a chamar atenção para aspectos importantes relacionados aos possíveis impactos
dos agrotóxicos à saúde humana, aos animais domésticos, à vida selvagem, à contaminação
dos solos e das águas, às interferências nos ecossistemas e na própria agricultura (GARCIA,
2001).
9
Diante disso, a partir da segunda metade da década de 1970, começaram a proliferar
os movimentos alternativos que denunciavam as mazelas da agricultura moderna, os quais
deixaram de serem vistos apenas como os poetas e românticos da agricultura. O adjetivo
“sustentável” passou a atrair a atenção de muitos pesquisadores, como também se
proliferaram as críticas ao modelo dominante (PASCHOAL, 1979 e 1983; SILVA, 1981;
ANDRADE, 1979; NETO, 1982, conforme AMÂNCIO & AMÂNCIO, 2004).
2.2. A “Revolução Verde” nos campos brasileiros
A reorganização da economia mundial após a II Guerra envolveu o incremento da
indústria de produção de alimentos, bem como a expansão de mercados. Em conseqüência
disso, no Brasil e nos demais países do Terceiro Mundo, observou-se uma crescente
urbanização e transformação da atividade rural (AGOSTINI, 1997, citada por LEVIGARD,
2001, p. 27).
Segundo Chiavenato, 1991,
A partir de meados da década de 50 começamos a aceitar técnicas de cultivo que
desprezavam as experiências caipiras e introduziam a máquina no campo (...). Na
década de 60 já ensaiávamos a grande modernização no campo. Nos anos 70 essa
política atingiu sua maior força (...). Multiplicaram-se as fábricas de adubos; a
engenharia genética passa a ser coisa corriqueira (...). e as multinacionais
“cooperam”: financiam cursos, dão verbas para faculdades, oferecem estágios para
estudantes e agrônomos recém-formados que ouvem de experientes cientistas (...)
as maravilhas conseguidas com o envenenamento da terra (CHIAVENATO, 1991,
P. 56-57).
A entrada dos agrotóxicos no Brasil ocorreu a partir de 1960, porém foi a partir de
1970, com a instituição do Plano Nacional de Desenvolvimento Agrícola (PNDA), o qual
possibilitou a abertura ao comércio internacional desses produtos, é que se pode notar uma
ampla utilização de agrotóxicos no trabalho rural.
O Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) condicionou a concessão de
empréstimos aos produtores a um percentual que deveria ser gasto com a compra de
agrotóxicos. Esta obrigatoriedade impulsionou ainda mais a utilização de agrotóxicos no
Brasil, bem como atraiu uma gama de indústrias químicas multinacionais que, segundo
Moura, 2005, pág. 1, “aqui visualizaram seu mais novo e promissor mercado consumidor de
seus produtos”.
10
As vendas de agrotóxicos aumentaram de forma significativa e passaram da ordem de
US$ 40 milhões em 1939 para US$ 300 milhões em 1959 e US$ 2 bilhões em 1975.
Acrescenta-se que o treinamento e a capacitação da mão-de-obra para lidar com estes
produtos foram negligenciados. Desta forma, os prejuízos dos agrotóxicos causados pelo uso
extrapolaram o campo econômico e ganharam uma dimensão social, pois ao prejudicar a
saúde humana, demandaram verbas públicas e privadas para o atendimento médicohospitalar (PASCHOAL, 1979, citado por SOARES e outros, 2005).
Na primeira metade da década de 80, nos países desenvolvidos, vários autores
passaram a descrever os efeitos nocivos dos agrotóxicos desencadeando uma série de
políticas restritivas quanto à redução da utilização/produção de certos produtos, como os
organofosforados e os herbicidas e a proibição de outros como os agrotóxicos organoclorados
(WHO, 1990 de acordo com MOURA, 2005). Assim, houve uma verdadeira fuga das
indústrias químicas multinacionais para os países do então chamado Terceiro Mundo e para
os países em desenvolvimento.
No Brasil, essas empresas encontraram um terreno propício para a sua rápida
expansão e crescimento. O mundo rural passava por momentos de grandes transformações
em
virtude
do
desenvolvimento
de
monoculturas
destinadas
à
exportação
e,
conseqüentemente, orientadas pelos interesses do capital nacional e internacional.
Os agrotóxicos foram introduzidos sob a argumentação de que estes seriam a única
alternativa para acabar com a fome no mundo. Se a população aumenta progressivamente, a
demanda por alimento aumenta na mesma proporção. Para tanto, criou-se o discurso de que
para diminuir as perdas nas lavouras e garantir a produção em larga escala, era necessário
utilizar o que eufemisticamente convencionou denominar-se “defensivos agrícolas”.
Sustentados por este discurso e amparados pela legislação, os agrotóxicos vêm sendo
usados em larga escala na produção de alimentos nos campos brasileiros, sem serem
observados os devidos cuidados que estes produtos exigem do produtor, da indústria
produtora e do comércio distribuidor devido aos riscos quanto à contaminação ambiental e
humana.
A intervenção do homem através da agricultura leva à simplificação do ecossistema
pela redução do número e do volume de espécies animais e vegetais e comprometem a
biodiversidade e a estabilidade do meio ambiente. Assim, o ecossistema fica mais suscetível
ao aparecimento de pragas e doenças que não ocorriam antes. Visando garantir a safra os
trabalhadores lançam mão, cada vez mais, dos agrotóxicos.
11
O uso intensivo e indiscriminado de agrotóxicos pode alterar e interferir nas relações
de competição, predação e parasitismo no agroecossistema o que resulta em aumento das
pragas e desencadeia o surgimento de espécies secundária como pragas, provocando perdas
nas culturas, induzindo ao maior uso de agrotóxicos ou à necessidade de produtos mais caros
( GARCIA, 2001).
Amâncio e Amâncio (2004, p. 10) afirmam que a agricultura intensiva com insumos
externos é atraente por causa da propaganda que explora o fator produtividade, mas sua
eficácia torna-se comprometida devido aos altos custos, riscos e danos para os trabalhadores
rurais e para o meio ambiente. Explicam que “no contexto da agricultura, a sustentabilidade
diz respeito, basicamente, à capacidade de garantir a permanência da produtividade, ao
mesmo tempo em que mantém sua base de recursos”.
Assim, o trinômio abertura para a importação dos produtos químicos, estímulo
governamental para o consumo de agroquímicos através do crédito rural e a instalação de
indústrias químicas impulsionaram a “Revolução Verde” na sociedade rural brasileira. Com o
objetivo de elevar a produtividade agrícola, implementaram a utilização de agroquímicos e
aumentaram a mecanização da produção,
tendo como conseqüência, a redução das
oportunidades de emprego no campo fato que acelerou o processo de urbanização com a
expulsão destes trabalhadores, bem como expôs os que no campo ficaram a uma possível
situação de riscos.
Toda interferência feita pela sociedade no meio ambiente traz conseqüências para a
própria sociedade. O movimento da “Revolução Verde” no Brasil, além de resultar na
expulsão das pessoas do campo, descaracterizou as formas de cultivo e de processamento dos
produtos agrícolas tradicionais. Estudos demonstram que grande número de proprietários
familiares foram marginalizados neste processo que, inviabilizados do ponto de vista
socioeconômico, chegaram a perder suas terras e foram obrigados a migrar para os centros
urbanos onde engrossaram as fileiras dos desempregados e favelizados.
No Brasil, a urbanização acelerada e não planejada verificada desde 1970, acentuou
os problemas sociais no ambiente rural brasileiro, geralmente caracterizado pela falta de
saneamento básico, água potável, transporte, etc.. De 1970 a 1996, o percentual de brasileiros
residentes em áreas rurais diminuiu de 4,5 % para 12%. Nos estados de São Paulo e Rio de
Janeiro, a situação foi ainda mais grave, pois 90% da população passaram a viver em áreas
urbanas. Ao mesmo tempo em que o governo brasileiro deu pouca atenção a esta questão,
incentivou a produção agrícola que é responsável por 39% da balança comercial brasileira,
fazendo com que um grupo cada vez menor de agricultores, despreparados e não assistidos,
12
em sua maioria, fosse responsável por uma produtividade cada vez maior, conseguida, em
sua maioria, com a utilização crescente de agrotóxicos e fertilizantes (MMA, 1996, conforme
PERES e MOREIRA, 2003).
Por serem substâncias tóxicas e, muitas vezes, persistentes, os agrotóxicos
representam um risco químico em potencial para os seres humanos e para toda a biota de
modo geral, provocando sérios desequilíbrios ambientais. Os agrotóxicos podem ser
encontrados nos alimentos de forma direta, como conseqüência de sua aplicação na
produção, transporte ou armazenamento ou de forma indireta, como é o caso de animais de
corte alimentados com ração vegetal contaminada. Este fato reflete a existência de condições
inadequadas de manuseio e desrespeito às normas de segurança, resultantes da falta de
fiscalização e dos poucos conhecimentos acerca dos perigos e riscos por parte dos
trabalhadores rurais ( PIMENTEL, 1996, segundo MOURA, 2005).
Esta ampla utilização somada ao desconhecimento dos riscos advindos do seu uso, o
desrespeito às normas básicas de segurança, a livre comercialização, a pressão comercial
exercida pelas empresas produtoras e distribuidoras e os problemas sociais encontrados no
campo são causas importantes do agravamento do quadro de contaminação ambiental e
humana observados no Brasil (MOREIRA e outros, 2002).
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que, a cada ano, entre três e cinco
milhões de pessoas são contaminadas por agrotóxicos em todo mundo. Existem autores que
acreditam que este número pode chegar a 25 milhões de trabalhadores/ano somente nos
países em desenvolvimento. À parte um consenso sobre o número de trabalhadores rurais
contaminados pelos efeitos desses produtos, não se pode negar a gravidade do
problema,
principalmente
nos
países
em
desenvolvimento,
responsáveis
por
aproximadamente 20% do consumo mundial de agrotóxicos e onde são identificados 70%
dos casos de contaminação (PERES e MOREIRA, 2003).
Dados alarmantes foram os que a FAO (Food and Agriculture Organization of United
Nations) apontou: somente no ano de 1997, o Brasil gastou US$211,902 milhões na
importação de agrotóxicos, aproximadamente 40 vezes mais do que há 35 anos, época em
que esses produtos começaram a aparecer no mercado brasileiro. Isso equivale à metade do
gasto de toda América Latina (FAO, 2003, de acordo com PERES e MOREIRA, 2003).
O SINTOX (Sistema Nacional de Informações Tóxico-farmacológicas) registrou, no
ano de 2000, 8.000 casos de intoxicações por agrotóxicos e o Ministério da Saúde
,
estima que, para cada caso notificado, existem hoje outros 50 não notificados, fato que eleva
este número para aproximadamente 400.000 (id ibid).
13
No Brasil, estima-se que 5.000 trabalhadores/ano morrem vítimas de agrotóxicos,
principalmente porque estes não fazem uso dos equipamentos de proteção individual ao
manusearem o produto. Há uma desinformação significativa por parte dos agricultores, não
podendo, entretanto, apontar apenas o trabalhador como um dos maiores responsáveis pelos
impactos negativos do uso de agrotóxicos, uma vez que quando se confrontam as indicações
técnicas dos rótulos dos produtos com a realidade do trabalho agrícola, observam-se
incompatibilidades de linguagem e de prescrições operacionais impossíveis de serem
realizadas. Apontar o trabalhador como um dos maiores responsáveis é um subterfúgio para
deslocar o debate sobre os verdadeiros motivos comerciais dos fabricantes (GARCIA, 2001;
SOBREIRA & ADISSI, 2003; SCATENA & DUARTE, 2006).
A segurança no trabalho com agrotóxicos, sob o enfoque simplista restringe apenas a
recomendação de equipamento de proteção individual e os cuidados a serem observados
pelos trabalhadores, tais como, não fumar, beber ou comer durante a aplicação, trocar, lavar a
roupa e tomar um banho frio, depois do trabalho com os agrotóxicos, observar o vento e
outros. O uso inadequado é, então, a causa imediata dos problemas, por isso os trabalhadores
precisam ser informados e capacitados visando à minimização destes. No entanto, isto apenas
não é suficiente, sendo necessário considerar também os aspectos socioeconômicos
(condições de saúde e educação da população rural, relações de trabalho no campo, política
agrícola, etc.), técnico-agronômicos (adequação tecnológica, acesso à orientação técnica,
etc.) e aspectos do trabalho (máquinas e equipamentos, condições de manuseio e uso dos
produtos tóxicos, etc.) que interferem diretamente nas condições e meio ambiente do trabalho
(GARCIA, 2001).
Scatena & Duarte (2006), esclarecem que, um trabalho de pesquisa desenvolvido
junto aos agricultores da microbacia do Córrego da Capituva, município de Macedônia - SP,
no que se refere ao uso de agrotóxicos, apresentou os seguintes resultados: 76% utilizam
produtos agrotóxicos; 82% nunca utilizaram equipamentos de proteção individual na
preparação das caldas; 83% nunca utilizaram equipamentos de proteção para pulverizar os
produtos; 5% raramente consideram o período de reentrada nas áreas de aplicação dos
agrotóxicos; 8% normalmente abastecem o equipamento de pulverização em cursos de água;
5%, de alguma forma, frequentemente reutilizam as embalagens vazias desses produtos; 54%
seguem orientação técnica no momento da compra; 35% buscam orientação de outras
pessoas; e 11% fazem ao seu próprio modo.
Moreira e outros (2002) destacam que os resultados de sua pesquisa permitem afirmar
que os principais fatores responsáveis pelos níveis de contaminação são a falta de uma
14
política efetiva de fiscalização/controle/acompanhamento/aconselhamento técnico adequado
na utilização destes agentes, o baixo nível de escolaridade, as propagandas exploratórias da
empresas produtoras de agroquímicos, o desconhecimento por parte dos produtores de
técnicas alternativas e eficientes de cultivo, a pouca observância da destinação das
embalagens e dos rejeitos e o uso excessivo destes produtos.
Soares e outros (2003) em um trabalho desenvolvido em nove municípios do estado
de Minas Gerais mostram que cerca de 50% dos entrevistados se encontravam ao menos
moderadamente intoxicados e apontam como fatores de risco encontrados: ter tido o último
contato há menos de duas semanas com agrotóxicos; não usar proteção e,; ser orientado pelo
vendedor e utilizar os organofosforados e carbamatos como principais agrotóxicos. Afirmam
também que os resultados apontam para o alto grau de riscos de agravos à saúde a que estão
sujeitos os trabalhadores rurais em contato com agrotóxicos.
A aplicação indiscriminada de agrotóxicos afeta tanto a saúde humana quanto os
ecossistemas naturais. Os impactos na saúde humana podem atingir os aplicadores dos
produtos, os membros da comunidade e os consumidores dos alimentos contaminados com
resíduos, no entanto, são os aplicadores do produto os mais afetados (BOWLES e
WEBSTER, 1995 citados por SOARES e outros, 2003).
Os produtores rurais constituem-se em um dos maiores grupos de riscos, pois são
vítimas das intoxicações, sobretudo aqueles envolvidos na produção de hortifrutigranjeiros,
em que grande parte do trabalho é feito de forma manual, inclusive a aplicação dos produtos
químicos. Os agrotóxicos de uso agrícola foram responsáveis por 36,4% dos óbitos
registrados no país em 1999, para todas as faixas etárias, ocupando o primeiro lugar na lista
de agentes tóxicos (SINTOX, 1999, citado por MOURA, 2005).
2.3. Agrotóxicos: de quê se trata?
São inúmeras as denominações que dizem respeito a um grupo de substâncias
químicas utilizadas no controle de pragas e doenças de plantas, dentre estas citam-se:
agrotóxicos, defensivos agrícolas, pesticidas, praguicidas, remédios de planta, veneno
(FUNDACENTRO, 1998). São utilizados nas florestas nativas e plantadas, nos ambientes
hídricos, urbanos e industriais e, em larga escala, na agricultura e nas pastagens para a
pecuária. São utilizados também nas campanhas sanitárias para o combate a vetores de
doença.
15
A legislação brasileira antes da publicação da Constituição de 1988, publicada em
1989, nomeava esse grupo de produtos químicos por defensivos agrícolas, denominação que
excluía os agentes utilizados nas campanhas sanitárias urbanas. Fazia parte da Portaria nº
321, de 8 de junho de 1978, que aprova as Normas Regulamentadoras (NRs) relativas à
segurança e Medicina do Trabalho, de modo específico da Norma Regulamentadora Rural nº
5 (NRR 5), que trata da utilização de produtos químicos no campo. A mesma norma, alterada
durante o processo constituinte, passa a denominar, a partir da data de sua promulgação, esse
grupo de produtos químicos por agrotóxicos (Lei Federal nº 7.802, de 11 de julho de 1989,
atualmente regulamentada pelo Decreto 4.074, de 04 de janeiro de 2002. O Decreto 4.074/02
revogou o Decreto 98.816, de 11 de janeiro de 1990, o primeiro que regulamentou a Lei de
Agrotóxicos).
A NRR 5 acompanha a Lei Federal em referência e passa à regulamentação dos
agrotóxicos, ali definidos como:
Entende-se por agrotóxicos as substâncias, ou mistura de substâncias, de
natureza química quando destinadas a prevenir, destruir ou repelir, direta ou
indiretamente, qualquer forma de agente patogênico ou de vida animal ou vegetal,
que seja nociva às plantas e animais úteis, seus produtos e subprodutos e ao homem
(NRR 5 revogada pela PORTARIA TEM 191, 2008).
Apesar de que tal definição deixa em evidência a capacidade destas substâncias de
destruir vida animal ou vegetal, o termo “defensivos agrícolas” também em uso corrente, traz
em seu cerne um caráter positivo de defesa ou “remédio” para as plantas e carrega uma
conotação equivocada de que as plantas são completamente vulneráveis a pragas e doenças,
escondendo assim, os efeitos negativos à saúde humana e ao meio ambiente. “O termo
agrotóxico é mais ético, honesto e esclarecedor, tanto para os agricultores como para os
consumidores” (CRQ III, 1997, citado por PERES e outros, 2003, p. 22).
Levigard (2001), corroborando com os argumentos dos autores citados acima,
esclarece que o uso da terminologia “agrotóxicos” para designar estas substâncias sublinhou
o seu caráter tóxico e somente foi adotada após a sansão da lei em 1989. Antes, era comum a
utilização do termo “defensivos agrícolas” numa clara intenção de disfarçar e encobrir os
riscos que estes produtos trazem à saúde humana e ao meio ambiente.
A denominação “defensivos agrícolas” favorece os interesses do capital estrangeiro
para expandir seus domínios e justificar a necessidade da utilização destes produtos,
sobretudo em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como no caso do Brasil, que
tem um governo aliado a esse capital, fato que torna nossa agricultura bastante dominada,
16
haja vista as pesquisas que priorizam estudos voltados para viabilizar a utilização de tais
produtos (CRQ III, 1997, citado por PERES e outros, 2003).
A denominação “defensivos agrícolas” agradava, sobremaneira, aos comerciantes e
fabricantes de tais produtos pela conotação positiva que conferia aos agrotóxicos a
propriedade de “defender” uma lavoura “indefesa” contra as pragas que poderiam atacá-la.
Assim, a mudança do termo “defensivos agrícolas” para “agrotóxicos”, como era de se
esperar, só se conseguiu após muita negociação política, em que ficou em destaque o papel
da sociedade civil, através dos sindicatos rurais, cooperativas de produtores rurais que
representavam os interesses do usuário/consumidor contra esse lobby (id ibid).
No campo, esses produtos são amplamente conhecidos por “veneno” ou “remédio”. O
termo “remédio” origina-se do discurso de vendedores e técnicos ligados à indústria, que
tratavam os agrotóxicos por “remédio de plantas”, quando, em 1960, eles foram implantados
no mercado brasileiro. Já o termo “veneno”, tem origem na experiência concreta dos
trabalhadores rurais que desde a sua utilização vêm observando, além dos efeitos previstos –
matar pragas – também seus efeitos nocivos à saúde humana e animal (id ibid).
Segundo a Food and Agriculture Organization of United Nations (FAO), Programa da
Organização das Nações Unidas (ONU), órgão responsável pelas áreas de agricultura e
alimentação, os agrotóxicos são definidos como:
Qualquer substância, ou mistura de substâncias, usadas para prevenir, destruir ou
controlar qualquer praga – incluindo vetores de doenças humanas e animais,
espécies indesejadas de plantas e animais, causadores de danos durante (ou
interferindo na) a produção, processamento, estocagem, transporte ou distribuição
de alimentos, produtos agrícolas, madeira e derivados, ou que – ou que deva ser
administrada para o controle de insetos, aracnídeos e outras pestes que acometem
os corpos de animais de criação (FAO, 2003).
De acordo com a Lei Federal 7.802, de 11 de junho de 1989, atualmente
regulamentada pelo Decreto 4.074, de 04 de janeiro de 2002,
agrotóxicos e afins são os produtos e componentes de processos físicos,
químicos ou biológicos destinados ao uso no setor da produção, armazenamento e
beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas
nativas ou implantadas e de outros ecossistemas e também em ambientes urbanos,
hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora e da fauna,
a fim de preservá-las da ação danosa dos seres vivos considerados nocivos, bem
como substâncias e produtos empregados como desfolhantes, dessecantes,
estimuladoras e inibidoras de crescimento (Lei Federal 7.802, 11/06/1989/Decreto
nº 4.074, 04//01/2002).
Para amenizar os prováveis riscos resultantes do uso de agrotóxicos no meio rural, o
Decreto 4.074 de 2002, dispõe,
17
(....) sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e
rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda
comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e
embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e fiscalização dos
agrotóxicos, seus componentes e afins (Decreto nº 4.074, 04//01/2002).
O registro de agrotóxicos nas instituições governamentais competentes – Ministérios
da Agricultura, Meio ambiente e Saúde - é o instrumento básico de controle governamental
sobre essas substâncias/produtos, tendo em vista a importação, exportação, produção,
transporte, armazenamento, comercialização e uso. É uma etapa obrigatória em vários países
que tem por objetivo maximizar os benefícios para o usuário e minimizar os riscos à saúde
humana e ambiental (PERES e MOREIRA, 2003).
De acordo com a atual legislação, compete ao Ministério da Agricultura e
Abastecimento (MAPA) fazer a avaliação da eficácia agronômica. Compete ao Ministério da
Saúde executar a avaliação e classificação toxicológica e ao Ministério do Meio Ambiente,
por intermédio do Instituto Brasileiro do Meio ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA), avaliar e classificar o potencial de periculosidade ambiental. Os órgãos estaduais e
do Distrito Federal, dentro da sua área de competência, devem realizar o controle e a
fiscalização da comercialização e uso desses produtos na sua jurisdição.
A avaliação e a classificação do potencial de periculosidade ambiental de um
agrotóxico baseiam-se em estudos físico-químicos, toxicológicos e ecotoxicógicos, que
fundamentam qualquer alteração, restrição, concessão ou não do registro. Para avaliar os
possíveis efeitos ambientais as empresas interessadas devem apresentar ao IBAMA
informações sobre as propriedades físico-químicas das substâncias presentes naquele
produto, os resultados de testes ou estudos sobre mobilidade e persistência em solos
brasileiros, fotólise, hidrólise, testes de toxidade aguda e crônica realizados com diferentes
organismos não-alvos (microorganismos, minhoca, algas, peixes, abelhas, aves e mamíferos),
além dos resultados dos estudos de bioconcentração em peixes e do potencial mutagênico,
teratogênico e carcinogênico do produto.
Conforme previsto no Decreto 4.074/02 a avaliação de riscos ambientais deverá ser
adotada no Brasil por ser o procedimento mais adequado, uma vez que é o resultado do
julgamento de sua periculosidade em função da exposição. A periculosidade está associada
com a potencialidade da substância, a exemplo da toxidade aguda e crônica, bioacumulação,
etc, ao passo que a exposição está associada com a quantidade da substância e também com
as condições de uso e de distribuição no ambiente.
18
Os agrotóxicos podem ser classificados da seguinte forma:
● Quanto ao organismo que controlam: inseticidas (insetos), herbicidas (ervas
daninhas), fungicidas (fungos), raticidas (roedores), bactericidas (bactérias), nematicidas
(vermes), larvicidas (larvas), cupinicidas (cupins), formicidas (formigas), pulguicidas
(pulgas) piolhicidas (piolhos), carrapaticidas (carrapatos), acaricidas (ácaros), molusquicidas
(moluscos), avicidas (aves) e columbicidas (pombos).
● Quanto à toxidade: esta classificação é feita para permitir a distinção do potencial
de risco dos agrotóxicos. Ela é baseada na dose letal 50 (DL 50) que é um valor estatístico
que determina a quantidade de veneno em mg/kg do peso corporal necessária para matar 50%
da amostra populacional em estudos por intoxicações agudas. Os valores são determinados
em cobaias e extrapolados para humanos a partir do peso.
Existem quatro classes, a saber:
Classe I (rótulo vermelho) – extremamente tóxicas
Classe II (rótulo amarelo) – altamente tóxicas
Classe III ( rótulo azul) – moderadamente tóxicas
Classe IV (rótulo verde) – pouco tóxicas.
Segundo Levigard (2001), dentre as substâncias da Classe I encontram-se aquelas
comprovadamente carcinogênicas e mutagênicas.
Tabela 1- Classificação dos agrotóxicos quanto à sua toxidade.
Classe
DL50 para ratos (mg/kg de peso vivo)
Oral
Dérmica
I – Extremamente Tóxico
Sólidos
II – Altamente Tóxico
5 ou menos
20 ou menos
10 ou menos 40 ou menos
III – Medianamente Tóxico
5-50
20-2000
10-100
40-4000
IV – Pouco Tóxico
50-500
200-2000
100-1000
400-4000
Acima 1000
Acima 4000
Acima 500
Líquidos
Acima 2000
Sólidos
Fonte: LEVIGARD (2001).
● Quanto ao grupo químico: Os principais grupos químicos são:
Líquidos
19
1- Os inseticidas – que compreendem os organoclorados (ex.: DDT, BHC, aldrin,
Lindane, etc..); os organofosforados (ex.: Malation, folidol, Rhodiatox, Abate, Azodrin, etc..)
e os piretróides (ex.: decametrina, cipermetrina, aletrina, etc..);
2- Os herbicidas – que compreendem os bipiridilos (ex.: paraquat ou Gramoxone) e
os derivados do ácido fenoxiacético 9 ex.: 2,4 D; 2,4,5 T; o Tordon, ou agente laranja);
3- Os raticidas ou dicumarínicos – são utilizados no combate a animais roedores.
Os efeitos dos agrotóxicos sobre a saúde podem ser de dois tipos: a) efeitos agudos,
ou aqueles resultantes da exposição a concentrações de um ou mais agentes tóxicos capazes
de causarem dano efetivo aparente em um período de 24 horas; b) efeitos crônicos, ou
aqueles resultantes de uma exposição continuada a doses relativamente baixas de um ou mais
produtos.
A exposição a um determinado produto químico em grandes doses por um curto
período causa os chamados efeitos agudos. A associação causa/efeito geralmente é fácil de
ser estabelecida, podendo ser caracterizado por náuseas, vômito, cefaléia, tontura,
desorientação, hiperexitabilidade, parestesias, imitação da pela e mucosas, fasciculação
muscular, dificuldade respiratória, hemorragia, convulsões, coma e morte. Os chamados
efeitos crônicos estão relacionados com exposições por longos períodos e em baixas
concentrações, são de reconhecimento clínico causa/efeito bem mais difícil, principalmente
quando há exposição a múltiplos contaminantes. Entre os inúmeros efeitos crônicos sobre a
saúde humana são descritas alterações imunológicas, genéticas, malformações congênitas,
câncer, efeitos deletério sobre o sistema nervoso, hematopoético, respiratório, cardiovascular,
geniturinário, trato gastrintestinal, hepático, reprodutivo, endócrino, pele e olhos, além de
reações alérgicas a estas drogas, alterações comportamentais, etc. (SILVA e outros, 2005).
A exposição combinada às substâncias químicas pode causar três tipos de efeitos
sobre a saúde humana: independentes, sinérgicos (aditivos ou potencializados) e antagônicos.
A resposta do organismo humano diante das exposições laborais combinadas pode ser
influenciada por algumas características pessoais como o tabagismo, o alcoolismo e o estado
nutricional (id ibid)
A exposição a riscos varia de agricultor para agricultor, tendo em vista as ações e
estratégias que cada um deles adota em relação aos perigos que estão expostos. Há ainda a
questão da subjetividade relacionada à percepção de cada agricultor a estes perigos, advindos
de sua experiência adquirida ao longo do trabalho o que determinará diferentes
comportamentos e diferentes graus de percepção ao risco (Lima, 2005).
20
Levigard (2001), em um trabalho desenvolvido no município de Nova Friburgo, Rio
de Janeiro, descreve que “algumas pessoas relataram seus problemas de saúde e de vida em
geral. A “fraqueza”, a “tonteira”, o “nervoso”, os problemas com o “veneno”, os problemas
de “circulação nas pernas” e de “estômago”. Ao longo do trabalho ilustra a questão dos
problemas decorrentes do uso de agrotóxicos com fortes depoimentos:
D. Cristina∗, de São Pedro da Serra, fazendo uma retrospectiva dos problemas
de saúde da população, disse que antigamente o maior problema de saúde da
população era a “doença de nervos”, sobretudo entre as mulheres, que “represadas
e desvalorizadas, piravam”. Quando predominou na região o plantio de flores, as
pessoas começaram a adoecer, também, por causa do uso de agrotóxicos. “Os
homens ficavam esquecidos ou falavam coisas que não deviam, e muitos
morreram” (LEVIGARD, 2001, p. 41).
As intoxicações por agrotóxicos se dão mediante a diminuição das defesas
imunológicas, da anemia, da impotência sexual masculina, da cefaléia, da insônia, de
alterações da pressão arterial, de distimias (alterações do humor) e de distúrbios do
comportamento (surtos psicóticos) os quais são bem freqüentes entre os trabalhadores, fato
de proibição médica do trabalho na lavoura e a orientação para outro tipo de atividade
profissional (id ibid).
A compreensão de que os vários tipos de risco estão inter-relacionados é fundamental
no processo de gestão de riscos, sendo importante ter em mente que um risco determinado
objetivamente pode ser percebido de modo diferente pelo agricultor, com impactos
significativos nos resultados esperados (LIMA, 2005).
Os agrotóxicos são aplicados diretamente nas plantas ou no solo. Estudos têm
mostrado que mesmo aqueles aplicados diretamente nas plantas têm como destino final o
solo, sendo levados das folhas através da ação da chuva ou da água de irrigação. Após
chegarem ao solo, os produtos infiltram até as camadas mais profundas podendo atingir o
lençol freático. O transporte do agrotóxico se dá pelo processo de lixiviação, bem como na
superfície do solo juntamente com as águas de enxurradas, sendo denominado de escoamento
superficial. Tanto um quanto o outro podem levar à contaminação dos recursos hídricos por
resíduos de agrotóxicos. A lixiviação é a principal forma de contaminação das águas
subterrâneas enquanto o escoamento superficial tem papel fundamental na contaminação das
águas superficiais.
Os riscos, fatores de riscos e danos à saúde do trabalhadores devem ser entendidos
como resultados das tecnologias utilizadas, do modo de organizar e dividir o trabalho, da
ação dos trabalhadores, dos técnicos e instituições relacionados à questão e do arcabouço
jurídico vigente (SILVA e outros, 2005).
21
2.4. Conceituando o termo risco
Segundo o dicionário da Língua Portuguesa, o termo risco significa perigo, fatalidade
passível de acontecer. De modo geral é a medida da probabilidade de que ocorram danos ou
prejuízos em conseqüência da exposição a um perigo ou a uma ameaça física (EPA, 2001,
conforme LIMA, 2005).
De acordo com Lieber & Lieber (2002) citados por Moura (2005), o termo risco pode
ter tido em sua origem um emprego bem específico, adequado para empreendimentos de
grande monta e de contexto incerto para o sucesso como a navegação ou a ocupação militar.
Possivelmente foi um termo ligado às atividades mercantis que, ao trazer prejuízos e
benefícios, adquiriu essa polissemia característica de ganhar e perder ao mesmo tempo.
O termo risco, antes de alcançar a conotação atual, passou por várias transformações
ao longo da história. Na pré-modernidade risco significava a probabilidade de ganhar ou
perder e na era moderna tornou-se sinônimo de perigo, com uma conotação mais negativa
(FOX, 2000 de acordo com MOURA, 2005).
A sua origem está intimamente ligada ao próprio processo de constituição das
sociedades contemporâneas a partir do fim do Renascimento e início das Revoluções
Científicas, quando se deram significativas transformações sociais e culturais relacionadas ao
desenvolvimento das ciências e das técnicas, às grandes navegações e ao crescente poder
político e econômico de uma nascente burguesia. O termo risco deriva da palavra italiana
riscare, cujo significado original era navegar entre rochedos perigosos (ROSA e outros
citados por FREITAS e SÁ, 2003).
A palavra risco que se conhece atualmente, surge com a constituição das sociedades
modernas ocidentais. Desde a sua origem até a atualidade, carrega consigo o pressuposto da
possibilidade de prever determinadas situações por meio do conhecimento ou possibilidade
do conhecimento, das probabilidades de acontecimentos futuros (FREITAS e outros, 1997,
citados por FREITAS e SÁ, 2003).
O conceito probabilístico de risco embora seja predominante na atualidade e
relacionado ao potencial de perdas e danos, antes da Revolução Industrial, o entendimento do
termo estava associado às manifestações dos deuses. Da Antiguidade até meados do século
XVIII, catástrofes como incêndios, inundações, furacões, maremotos, erupções vulcânicas,
22
avalanches, fomes e epidemias eram compreendidos no contexto das manifestações das
providências divinas, de modo que para revelá-las e prevê-las, fazia-se necessário interpretar
os sinais sagrados (THEYS, 1987 citado por FREITAS e SÁ, 2003).
A partir do advento da Revolução Industrial, com a emergência da filosofia iluminista
e o fim das pestes e epidemias, bem como da elevação da ciência e da tecnologia como eixos
norteadores das transformações da sociedade e da natureza, o medo da providência divina
trazer mais uma catástrofe como castigo e angústia de uma ameaça imaginária foi lentamente
desaparecendo. O homem passa então a ser o responsável pela geração e remediação dos seus
próprios males.
É neste contexto que é compreendido na atualidade o termo “risco”, cabendo ao
próprio homem desenvolver metodologias baseadas na ciência e na tecnologia capazes de
interpretarem o risco, analisá-lo para melhor controlá-lo e compreendê-lo.
Assim, o termo risco expressa a dinâmica de uma sociedade que está sujeita à
transformações, que busca determinar seu futuro ao invés de confiá-lo na religião, nas
tradições ou na natureza. As tentativas de controlá-lo não só são insuficientes, como também
apresentam efeitos colaterais que podem ter um horizonte temporal muitas vezes irreversível,
caracterizando-se pelo alto grau de variabilidade e envolvendo diferentes valores e interesses
em disputa, o que torna o termo risco de difícil gestão, significando ameaças não só às
gerações presentes, mas também às futuras (GIDDENS citado por FREITAS e SÁ, 2003).
Com a “Revolução Verde”, na década de 50, conforme descrito anteriormente, as
atividades agrícolas foram profundamente modificadas mediante a utilização de novas
tecnologias e a adoção de um arsenal técnico-químico, o que provocou mudanças ambientais
e nas jornadas de trabalho deixando os trabalhadores rurais expostos a riscos diversificados e
desconhecidos.
A partir dos anos 60, os estudos técnico-quantitativos de riscos passaram a ser
desenvolvidos. Esta abordagem considerava o risco como um evento adverso, uma atividade,
um atributo físico, com determinadas probabilidades objetivas de provocar danos. Este
estudo abrange três temas: estimação, comunicação e administração. A estimação dos riscos
diz respeito à caracterização das fontes de risco, à medição da intensidade, freqüência,
duração das exposições aos agentes produzidos pelas fontes de riscos, caracterização das
relações entre as doses e as conseqüências para as populações afetadas. A comunicação dos
riscos objetiva diminuir as distâncias entre as percepções dos leigos e à dos peritos, através
da difusão de mais informações, para em seguida, atingir a etapa da administração dos riscos
(GUIVANT, 2000).
23
Nas décadas de 70 e 80, os métodos técnico-quantitativos passaram a ser
questionados e criticados em relação à falta de dados científicos quantitativos suficientes para
relacionar a exposição à substâncias químicas e riscos à saúde, como também pelas
divergências sobre como interpretar as evidências e a incerteza dos resultados. Visando
refutar as críticas, os métodos quantitativos passaram a ser desenvolvidos de forma cada vez
mais sofisticada (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 1998, de acordo com GUIVANT,
2000).
No final dos anos 60 surge a teoria cultural dos riscos, sobretudo a partir das
contribuições da antropóloga inglesa Mary Douglas, que enfatiza o caráter cultural dos
riscos, diluindo as diferenças entre leigos e peritos e admitindo uma pluralidade de
racionalidades dos atores sociais na forma de lidar com os riscos.
A partir do final dos anos 80, são formuladas novas perspectivas sobre os riscos
mediante a produção dos sociólogos Giddens e Beck, os quais passaram a colocar o conceito
de risco no centro da teoria social ao considerarem os riscos, principalmente, os ambientais e
tecnológicos como chaves para entender as características, os limites e transformações do
projeto histórico da modernidade. Ambos caracterizam a sociedade contemporânea como a
radicalização dos princípios que nortearam o processo de modernização industrial, marcando
a passagem da sociedade moderna para a sociedade da alta modernidade. Nesta, os riscos
emergem como resultado do desenvolvimento da ciência e da técnica sendo, pois, globais e
de difícil percepção. As conseqüências dos riscos são, em geral, de alta gravidade,
desconhecidas em longo prazo e de avaliação imprecisa. Apesar disso, estes sociólogos não
são apocalípticos ou anti-racionais. A proposta é a reformulação da pesquisa científica,
abrindo caminho para a ação política e para a participação de vários atores sociais
(GUIVANT, 2000).
O sociólogo Ulrich Beck trouxe novas e importantes contribuições no campo das
análises sobre riscos ao introduzir o polêmico conceito de “sociedade de risco”, em 1986, em
sua obra Risk Society. O autor explica que diante do caráter global dos riscos, o novo tipo de
sociedade já não pode ser explicado como sociedade de classes e sim como uma sociedade
de riscos, caracterizada por uma radicalização dos princípios da modernidade, também
conhecida por modernização reflexiva.
Segundo Ulrich Beck (1992) citado por Guivant (2000), as sociedades altamente
industrializadas, diferentemente da sociedade industrial e de classes do início da época
moderna, enfrentam riscos ambientais e tecnológicos que não são simples efeitos colaterais
24
do progresso, mas aspectos centrais e constitutivos dessas sociedades e que ameaçam toda a
forma de vida no planeta e, por isso mesmo, diferente em suas fontes e abrangência.
Conforme o autor, vivemos na modernidade tardia, onde podemos assistir ao triunfo
de uma sociedade industrial e capitalista em que as preferências individuais e coletivas
reproduzem uma ordem instrumental racional que tem como referência principal o mercado.
Entretanto, a perspectiva de que os riscos na modernidade poderiam ser controlados,
normatizados e, o futuro submetido ao domínio do homem o que representaria a sua
liberdade, a felicidade e a satisfação de suas necessidades, começa a falhar quando os
homens são forçados a admitir a imprevisibilidade das ameaças provocadas pelo
desenvolvimento técnico-industrial e a percorrer a era das incertezas, tornando-se
obscurecido o horizonte de um mundo e um futuro controlados pela razão instrumental.
A sociedade analisada por Beck é uma sociedade em que as preocupações com as
necessidades materiais básicas são substituídas pela preocupação com o risco potencial de
autodestruição da humanidade. Antes os riscos eram pessoais, agora eles passam a ser
globais atravessando fronteiras nacionais e de classes.
Conforme as concepções do autor a distribuição de riquezas é inseparável da
produção de riscos e de sua distribuição nas esferas ecológicas e psicossocial. A cada avanço
na produção de tecnologias surge um novo risco imprevisível de degradação dos recursos
naturais, criando demanda para mais cientificismo na produção. Para ele, a sociedade
transformou-se em um laboratório onde ninguém se responsabiliza pelos resultados das
experiências.
Para Beck (1992) de acordo com Guivant (2000), enquanto a sociedade industrial
caracteriza-se por uma modernidade simples, apresentando um tipo de sociedade tradicional
sujeita a um processo de modernização, a sociedade de risco ou modernização reflexiva
apresenta duas características centrais: a) Começa onde acaba a natureza. Não há mais
natureza que não tenha sido afetada de alguma forma pela atividade humana. Os riscos
existem não apesar dos conhecimentos produzidos pelo homem, mas justamente por causa
desse conhecimento; b) começa onde acaba a tradição. Cada vez mais é preciso tomar
decisões sobre os riscos que se assume enfrentar, porque cada vez menos pode se confiar nas
seguranças tradicionais.
De acordo com o autor, a sociedade minou a segurança da modernidade de duas
diferentes formas, ambas relacionadas ao deslocamento de riscos:
25
a) Deslocamento em tempo: risco para as futuras gerações. As gerações futuras que
não conhecem e não estão envolvidas em certas ações, devem arcar com as conseqüências de
seus antecessores;
b) Deslocamento em espaço: os riscos transcendem as fronteiras nacionais e
políticas, tornando difícil encontrar os atores responsáveis pelos efeitos de suas ações.
Tabela 1. Diferença entre a sociedade de classes (modernização simples) e a sociedade de risco
(modernização reflexiva), segundo Ulrich Beck.
MODERNIZAÇÃO SIMPLES
MODERNIZAÇÃO REFLEXIVA
Fase que pode ser analisada segundo as Fase de transformação social na qual, devido
características e princípios da sociedade a sua própria dinâmica, a modernização
industrial.
muda de forma: classes, estratos, ocupações,
papéis
sexuais,
empresas,
estruturas
setoriais, os pressupostos gerais e o custo do
progresso técnico-econômico.
Emergem novas linhas de conflitos sociais e
de coalizões políticas.
Produção de riqueza
Produção de risco
Racionalidade científica
Racionalidade social a partir de uma crítica
ao progresso
Conexão entre risco e segurança
Desconexão entre risco e segurança
Fonte: Guivant (1998) citada por Moura (2005).
Contrastando com a modernização simples que construiu uma ciência elitista e
reducionista, pró-capitalista, dirigida para o progresso e explorando o meio ambiente, a
sociedade de risco ou sociedade reflexiva aponta suas falhas e os riscos das graves
conseqüências que gerou, especialmente os ambientais como o buraco da camada de ozônio e
o efeito estufa. Considerados como efeitos colaterais do desenvolvimento industrial e da
ciência, estes não podem ser ignorados, pois, representam um impacto potencial que não
permitem compensação. Eles representam riscos totais com possibilidade de destruição em
larga escala.
26
Conforme o autor, a confiança no progresso tecnológico conhecido por
“modernidade”, é agora apresentado como contra-moderno e a sociedade deve confrontar as
conseqüências da industrialização com a ameaça de destruição do meio ambiente e de
sobrevivência das espécies. A única forma de lidar com os riscos de grave conseqüência é
refletir, coletivamente, como estes riscos têm sido produzidos.
2.5. Percepção de risco
Percepção é um processo de organizar e interpretar dados recebidos através dos
sentidos, objetivando o desenvolvimento da consciência do ser humano em relação a si
próprio e ao mundo que o cerca. A percepção implica interpretação. Os sentidos são como
janelas para o mundo. As experiências, expectativas, motivações e emoções também
influenciam no que é percebido, decorrendo daí que a percepção constitui-se num processo
muito mais individualista do que se crê. As expectativas dos seres humanos influenciam suas
percepções de maneiras diversas. A tendência é dar ênfase aos aspectos da realidade que se
encontram em harmonia com as crenças, a motivação pessoal, os interesses e outros estados
mentais (DAVIDOFF, 1983).
Há várias maneiras de ver a biosfera. Cada ser humano tem uma lente exclusiva,
fundamentada e polida por temperamento e educação. O envolvimento com o mundo natural
é de dimensão fundamental quando se quer entender como a mente percebe a natureza. Pode
ser sentido na dimensão de valores que é polarizada entre valores utilitários, por um lado, e
valores intrínsecos (espirituais/éticos), por outro. Outra dimensão é a científico-analítica, na
qual a mente percebe a biodiversidade como um fenômeno a ser observado e explicado
(SOULÉ, 1997 citado por MACEDO, 2000).
Percepção ambiental é, portanto, as diferentes maneiras sensitivas mediante as quais
os seres humanos captam, percebem e se sensibilizam pelas realidades, ocorrências,
manifestações, fatos, fenômenos, etc., sendo esta de fundamental importância para o processo
de despertamento da consciência ecológica dos indivíduos em relação às realidades
observadas. O grau de percepção ambiental da realidade varia entre os atores perceptivos em
decorrência do seu estado psicológico, envolvimento pessoal, valorização e importância
atribuídos à questão em foco e do nível do conhecimento acerca da natureza. Este nível de
percepção conduz a um nível de conscientização ecológica e aumenta a responsabilidade na
conservação dos recursos naturais essencial à sobrevivência humana (MACEDO, 2000).
27
Weidermann (1993) de acordo com Peres e outros (2005), define percepção de risco
como:
A habilidade de interpretar uma situação de potencial dano à saúde ou à vida da
pessoa, ou de terceiros, baseada em experiências anteriores e sua extrapolação para
um momento futuro, habilidade esta que varia de uma vaga opinião a uma firme
convicção (WEIDERMANN, 1993, p. 3, de acordo com PERES e outros, 2005,
p.1837).
Assim, a percepção de riscos fundamenta-se em imagens e crenças que uma dada
pessoa possui com base em suas experiências anteriores e que reflete na interpretação de
situações futuras as quais apresentam potencial dano. Esta interpretação pode ser uma
opinião ou uma convicção. No caso da agricultura, a exposição a riscos varia de agricultor
para agricultor devido às ações e estratégias de cada um frente aos perigos a que estão
expostos. É preciso considerar também o fator da subjetividade que diz respeito à percepção
de cada agricultor aos perigos. As diferentes experiências determinam diferentes
comportamentos e diferentes graus de proteção aos riscos.
Os estudos de percepção de riscos surgem a partir da década de 1970/1980 em
contraposição à perspectiva utilitarista das análises técnicas de risco baseadas nos
conhecimentos das engenharias, toxicologia, etc., as quais não contemplavam as crenças,
receios e inquietações das comunidades envolvidas. A percepção de riscos por parte de uma
pessoa “leiga” frente a um determinado perigo é diferente da interpretação do mesmo por
parte de um “especialista”, sobretudo cientistas (PERES e outros, 2005).
A população em geral tende a perceber mais os riscos que os benefícios de uma
determinada tecnologia, sobretudo quando se trata da implementação de novas tecnologias
em face aos empecilhos relacionados a elas. Experiência, informação e “background” cultural
formam uma tríade indissociável da percepção de riscos, embora não possam ser
desconsiderados fatores como grau de escolaridade e as especificidades de tarefas realizadas
(SJOBERG e FROM, 2001, conforme PERES e outros, 2005).
Em um estudo feito por Sjoberg e Drottz-Sjoberg (2001) citados por Peres e outros
(2005), sobre a percepção de riscos de trabalhadores de usinas nucleares européias e norteamericanas, foram analisados o conhecimento formal e prático dos trabalhadores e a
percepção de riscos ambientais e ocupacionais, desvelando que os trabalhadores que
desempenhavam tarefas mais específicas, mas com um menor grau de escolaridade possuíam
uma percepção de risco menor do que aqueles que desempenhavam tarefas que requisitavam
menor conhecimento prático, entretanto, possuíam maior grau de escolaridade.
28
De acordo com Lima (2005), riscos fazem parte da vida e existem em todas as
atividades realizadas no dia-a-dia. A exposição a riscos é uma situação comum a todos os
negócios. Há riscos associados à situação familiar, saúde, acidentes pessoais, riscos de
origem macroeconômica, de origem financeira ou do ambiente de negócio como ausência de
crédito e inadimplência.
O setor agrícola é caracterizado por uma forte exposição ao risco. Na agricultura,
tanto a convencional como a orgânica, os riscos classificam-se em: riscos naturais, riscos de
mercado e institucionais. Os riscos naturais referem-se aos relacionados às condições
climáticas, pestes, doenças e mudanças tecnológicas. Os riscos advindos da poluição e seus
efeitos sobre o clima ou sobre a gestão dos recursos naturais como a água. Os riscos de
mercado dizem respeito às oscilações de preço, relacionamento dos agricultores com outros
agentes tais como, fornecedores de insumos, processadores, distribuidores e clientes. Os
riscos institucionais relacionam-se à intervenção do Estado na agricultura, como por
exemplo, quando incentiva a produção de determinadas culturas e a não-produção de outras
em função de políticas públicas, expondo o agricultor ao risco de ter feito a opção errada no
plantio, além de alterações na regulamentação ambiental, à saúde e segurança sanitária pelos
custos adicionais que podem ser incorridos para adequação da produção e distribuição
(OECD, 2000 citado por LIMA, 2005).
De acordo com o USDA (1999), citado por LIMA (2005), os riscos mais importantes
da atividade agrícola podem ser assim categorizados:
a) Riscos com recursos humanos: morte, doença ou invalidez do agricultor ou da
força de trabalho;
b) Riscos patrimoniais: associados com roubo, fogo ou destruição de equipamentos e
implementos indispensáveis à produção;
c) Riscos de produção e colheita: relacionados não só às condições climáticas, mas
também à doenças e pragas que atacam as lavouras, contaminações por agentes poluentes;
d) Riscos de preço: ligados à oscilações de preço de venda dos produtos ou de
compra de insumos depois da decisão de produção tomada;
e) Riscos institucionais: associados à mudanças na política agrícola do Estado que
influenciam negativamente a produção ou as decisões do mercado, afetando a rentabilidade e,
;
f) Riscos financeiros: ligados à variações nas taxas de juros, taxas de câmbio, falta de
liquidez e outras perdas financeiras.
29
Silva (2005) acrescenta que pode-se encontrar agricultores mais preocupados com as
oscilações de preço que com a contaminação da produção e outros mais preocupados com a
falta de chuvas que com a falta de mão-de-obra para a colheita.
Existem outros riscos e danos que acometem os agricultores, tais como, acidentes
com ferramentas manuais, com máquinas e implementos agrícolas ou provocados por
animais; acidentes com animais peçonhentos; exposição a agentes infecciosos e parasitários
endêmicos; exposição às radiações solares por longos períodos; exposição a ruídos e à
vibração que estão presentes pelo uso de motosserras, colhedeiras, tratores, etc.; exposição à
partículas de grãos armazenados, ácaros, pólen, detritos de origem animal, componentes de
células de bactérias e fungos;
divisão e ritmo intenso de trabalho com cobrança de
produtividade, jornada de trabalho prolongada; exposição à fertilizantes; e , por fim,
exposição à agrotóxicos (SILVA e outros, 2005).
2.6. As diferentes abordagens sobre percepção de risco
Em substituição à perspectiva utilitarista das análises técnicas de risco surgem e se
desenvolvem os trabalhos sobre percepção de riscos fundamentados em três grandes
abordagens: psicológica, antropológica ou cultural e sociológica, exatamente em um
momento em que, na Europa e nos Estados Unidos ampliavam os movimentos sociais que
questionavam as tecnologias e seus riscos, apontando para os problemas gerados, sobretudo,
por usinas nucleares, indústrias químicas, medicamentos e resíduos tóxicos. (FREITAS,
2000, citado por MOURA, 2005).
A abordagem psicológica baseia-se no método de “preferências expressas” e em um
modelo descritivo de percepção e aceitabilidade de riscos (OTWAY e WINTERFELDT,
1982b; SHRADER-FRECHETTE, 1985, de acordo com MOURA, 2005).
Responder às questões sobre percepção e aceitação de riscos após examinar as
opiniões dos entrevistados sobre sua avaliação quanto às atividades e tecnologias perigosas é
o objetivo desta abordagem mais comumente encontrado na literatura.
A partir da aplicação de questionários entre grupos sociais específicos, esta
abordagem possui três metas básicas: 1ª: descobrir o que o público quer expressar ao afirmar
que uma atividade ou tecnologia representa um risco de maneira que se possam determinar os
fatores implícitos nesta percepção; 2ª: desenvolver uma teoria da percepção de riscos que dê
conta de predizer como as pessoas irão responder aos novos perigos e quais estratégias de
gerenciamento de riscos irão adotar, e; 3ª- desenvolver técnicas de avaliação para as
30
complexas e sutis opiniões que os indivíduos têm sobre os riscos (SLOVIC e outros; 1982,
SLOVIC, 1996, de acordo com MOURA, 2005).
A linha de abordagem psicológica é baseada na psicologia cognitiva e utilizam-se
métodos de aplicação de questionários para o julgamento de escalas psicofísicas. Nestes
métodos conhecidos como psicométricos, após consulta a um grupo específico em que se
pede para julgar os riscos de determinadas atividades e tecnologias e indicar seu desejo de
redução do risco e regulamentação, são feitas as análises, a partir das quais se produzem
representações quantitativas das atitudes e percepções acerca dos riscos.
De acordo com a abordagem psicológica, os fatores que mais contribuem para
aumentar os níveis de preocupação do público leigo no que se refere aos riscos são:
a)
Exposição involuntária, sem consulta prévia e nenhuma
participação na implementação de tecnologias consideradas perigosas;
b)
Associação de problemas de saúde a efeitos imediatos da
exposição aos riscos;
c)
Insuficientes conhecimentos acerca de riscos à saúde,
sobretudo, quando os próprios cientistas têm poucas informações sobre o
assunto;
d)
Ausência de participação direta no gerenciamento dos riscos da
tecnologia em questão ou nos processos de decisão que estabelecem as
estratégias de gerenciamento de riscos, e;
e)
Quando os riscos em questão não são familiares às pessoas.
Neste caso, o medo está relacionado à possibilidade de que um acidente
resulte em danos sérios e irreversíveis à saúde dos habitantes da região
afetada.
A abordagem cultural tem como pressuposição básica que as sociedades selecionam
alguns riscos aos quais deverão dar atenção e negligenciam outros em função de uma
combinação de confiança e medo. Alguns medos poderiam ser físicos e outros sociais. A
escolha dos riscos aos quais deveriam dar atenção não seria apenas o reflexo de preocupações
com a proteção da saúde, da segurança e do ambiente. A escolha expressava também outros
aspectos como as crenças das sociedades acerca dos valores, instituições sociais, natureza,
justiça e moral, fatores determinantes na superestimação ou subestimação de determinados
riscos. Nesta abordagem, o risco não seria uma realidade objetiva, pois, aqui a percepção é
um processo social. Os riscos não poderiam ser explicados pela abordagem psicológica que
privilegia o indivíduo e seus julgamentos e nem pela realidade objetiva que apontaria que o
31
risco x é mais perigoso que o risco y, pois os riscos e sua percepção só poderiam ser
compreendidos no contexto das análises sociais e suas respectivas interpretações. Pela
abordagem cultural as crenças e convicções de como o mundo deveria ser sustentariam e
justificariam os julgamentos morais. Assim, essas crenças e convicções teriam que ser
continuamente trabalhadas de forma que cada indivíduo justificasse as próprias ações e as
tivessem aprovadas pelos demais, permanecendo membro de uma comunidade moral
(DOUGLAS & WILDASKY, 1982, conforme MOURA, 2005).
A vertente sociológica, por outro lado, preconiza que a abordagem das atitudes deverá
ser realizada por meio de entrevistas aprofundadas com quantos grupos públicos for possível,
com a finalidade de obter dados mais completos sobre questões geralmente camufladas na
aceitabilidade de determinadas fontes de riscos. A percepção de riscos dependerá das
informações que as pessoas têm recebido e sobre quais têm escolhido acreditar. Dependerá
também dos valores e experiências sociais aos quais têm sido expostas e da sua visão de
mundo (OTWAY & THOMAS, 1982ª, segundo MOURA, 2005).
A abordagem sociológica tem como base a experiência social e não o risco e a
tecnologia fora de um contexto, pois, a tecnologia está imersa em uma rede institucional de
controle e corresponde aos processos sócio-organizacionais. Desconsiderar a dimensão da
experiência social em uma dada tecnologia ou risco é encobrir a legitimidade de valores
sociais e ansiedades que surgem dessa experiência. Desconsiderar a experiência social no
gerenciamento de risco e regulamentação coloca em risco a própria credibilidade destes
aspectos ao expor aos indivíduos que suas experiências sociais e busca de significados seriam
suprimidos. Cabe à abordagem sociológica identificar as verdadeiras categorias do
pensamento e da preocupação das pessoas sobre riscos. Identificar e compreender estas
categorias não poderia ser somente uma defesa das atitudes, valores e crenças populares,
embora importantes. Seria, mais que isto, um pré-requisito fundamental para capacitar uma
comunicação e uma negociação construtiva com as pessoas, diferentemente de considerá-las
corretas (WYNNE, 1987b, citado por MOURA, 2005).
As atitudes frente ao risco são determinadas socialmente, localizadas dentro de um
espaço social e político que faria emergir um jogo simbólico dos sujeitos sociais envolvidos.
Assim, entrevistas pessoais aprofundadas em conexão com o estudo do ambiente poderiam
revelar que os indivíduos se fazem sujeitos de uma delicada gestão de universos morais e
mentais. Neste sentido, o objetivo da abordagem sociológica seria demonstrar que o risco se
vivencia no interior de cenários, onde as falas, silêncios, expressões e segredos são objetos de
um conhecimento elaborado de modo coletivo. Este conhecimento seria elaborado em
32
contextos sociais específicos e complexos, os quais formariam unidades pertinentes na
compreensão de como se articulam os comportamentos individuais e a construção coletiva da
percepção de riscos, como também dos conflitos e divisões que surgiriam no interior dessa
construção comum (DUCLOS, 1987ª, conforme MOURA, 2005).
Embora a questão da utilização dos agrotóxicos nas lavouras vem se tornando tema
prioritário e de grande relevância na sociedade brasileira nas últimas décadas, a percepção
ambiental das pessoas em relação à verdadeira dimensão deste problema e seus efeitos sobre
o ambiente como um todo ainda é pouco nítida. Ressalta-se que conhecer a percepção dos
riscos a que as pessoas estão expostas e a maneira como estas se posicionam frente aos riscos
é fundamental para a construção de estratégias de intervenção sobre o problema.
A avaliação de riscos constitui-se em um importante instrumento, tendo em vista
subsidiar os processos de decisão de controle e a prevenção da exposição de populações e
sujeitos aos agentes perigosos à saúde presentes no meio ambiente (FREITAS & SÁ, 2003,
citados por MOURA, 2005).
Os estudos de percepção de riscos são de fundamental importância para a construção
de estratégias de intervenção no meio rural, como também para a implementação de
campanhas educativas e de comunicação de riscos.
2.7. Teoria das Representações Sociais
Através da literatura consultada, observa-se a importância da abordagem da Teoria
das Representações Sociais (TRS), na medida em que esta propicia, mediante o desvelamento
da subjetividade de um dado grupo social, a compreensão em profundidade da complexa
relação homem-meio ambiente, a partir dos significados que aqueles sujeitos constroem na
sua relação no e com o mundo.
O homem entra em contato com o mundo que o cerca mediante a sua percepção, a
partir de estímulos diversos (visual, olfativo, gustativo, tátil e auditivo) que o permeiam.
Formas, cores, brilhos, cheiros, texturas, sons, etc., são processados pelo sistema nervoso do
homem desde o seu nascimento. Através da linguagem e do compartilhamento simbólico que
ela possibilita, o homem apreende as significações sociais relacionadas a essas percepções,
constiuindo-se assim um ser no mundo e do mundo histórico-cultural (BONIN, 1998, de
acordo com CRUZ, 2006).
O homem é um ser que estando no mundo e com o mundo, constrói a sua própria
“visão de mundo”, a qual norteará as suas práticas diárias, os seus sentimentos, pensamentos,
33
linguagem, valores, crenças, incertezas, etc.. Esta visão é, pois, socialmente construída e
historicamente determinada. Assim, a sociedade nasce da capacidade que os homens têm de,
interagindo uns com os outros, interpretarem e atribuírem significados às ações que escolhem
no contexto em que se situam.
A capacidade simbólica não somente permite estabelecer significados advindos da
percepção, mas também dá ao homem instrumentos para abstrair e problematizar o que está
ao seu redor e a sua própria existência, estabelecendo teorias diversas: religiosas, filosóficas,
científicas ou conhecimentos próprios do senso comum, etc.. Permanentemente, os homens
criam, recriam e compartilham categorias para tentar explicar o mundo. Assim, constroem
um mundo em permanente transformação. Ao criar e significar simbolicamente seu
ambiente, em interação com os homens, ou seja, ao formar sua cultura, os homens constroem
a si mesmos e a sociedade em que vivem. A construção social da realidade norteia os modos
como os homens percebem, pensam, comunicam entre si, agem, sentem, etc..O que é real ou
irreal para um grupo social é sempre uma construção instituída socialmente e temporalmente
situada. A verdade de um grupo que é mutável, em dado momento é vista de forma tão
natural que parece externa à própria sociedade que a concebeu (CASTORIADES, 2000,
conforme CRUZ, 2006).
As diferentes modalidades de saber, como a religião e a ciência, podem ser fontes
para explicar um fenômeno, mas a ciência, assim como a filosofia e a religião expressam-se
no senso comum, embora tenha seus conteúdos modificados nesta trajetória. O senso comum,
o saber popular é a modalidade de conhecimento que transmite os códigos fundamentais da
cultura (JOVCHELOVITCH, 2001, segundo CRUZ, 2006).
É sobre o senso comum que pauta a Teoria das Representações sociais (TRS)
proposta por Serge Moscovici e aprofundada por Denise Jodelet. As Representações Sociais,
de acordo com Minayo (1995) conforme Moura (2005), são categorias do pensamento ou
percepções que se utilizam para explicar, justificar ou questionar a realidade em que
surgiram, cuja funcionalidade norteia-se pelas interações sociais. As representações sociais se
manifestam em palavras, sentimentos, comportamentos institucionalizados, podendo assim
ser analisadas através do estudo das estruturas e dos comportamentos sociais. A compreensão
ocorre através da interpretação da linguagem articulada pelos discursos socialmente
construídos.
As representações sociais se apresentam como uma maneira de interpretar e pensar a
realidade do cotidiano. É uma forma de conhecer a atividade mental que os homens
desenvolvem para escolher ações e posicionamentos acerca de uma dada situação, objetos,
34
evento, etc.. O social permeia o contexto onde se situam os grupos e as pessoas mediante a
comunicação que estabelecem entre si, pela forma como apreendem os elementos de sua
cultura, pelos códigos, símbolos, valores e ideologias vinculados aos contextos sociais
específicos, tornando-se, desta forma, um conhecimento prático (SÊGA, 2000).
Através da análise e observação da linguagem, da prática discursiva, dos
comportamentos e dos silêncios dos produtores de tomate, seres históricos e culturalmente
situados, buscou-se analisar como estes constroem suas percepções, significados, crenças e
convicções relativas ao seu cotidiano, enfim como interpretam o que está a sua volta.
35
3. Delimitação e descrição da área de estudo
Figura 1. Localização geográfica do distrito de Nova Matrona e mapa da
microbacia hidrográfica do Rio Salinas
Fonte: adaptado do RCA, 1998.
Nova Matrona, distrito do município de Salinas, situa-se no Norte de Minas Gerais,
Médio Jequitinhonha, região do semi-árido mineiro e localiza-se a 30 km2 da sede do
município e a 690 km2 da capital mineira, Belo Horizonte. Tem sua posição geográfica
determinada pelo paralelo 15º 57’ 18,7” de latitude sul e 42º 17’ 48,3” de longitude oeste e
com altitude máxima de 1.031 metros e a mínima de 455 metros próxima à foz do Rio São
José. Faz divisa com o município de Taiobeiras-MG e integra o Vale do Rio Matrona que é
uma região com uma extensão de aproximadamente 25 km, localizado às margens dos Rios
Matrona e Jacurutu.
O Rio Matrona faz parte da microbacia hidrográfica do Rio Salinas e tem como seu
principal afluente o Rio das Antas. A junção desses dois rios forma o Rio Jacurutu que, após
percorrer cerca de 5 km2, deságua no Rio Salinas. O Rio Salinas deságua à margem direita do
Rio Jequitinhonha, na cidade de Coronel Murta, no Baixo Jequitinhonha.
36
O potencial hídrico da bacia do Rio Jequitinhonha resume-se a recursos hídricos
superficiais, já que as águas subterrâneas são em geral pobres em quantidade e qualidade. A
bacia do Jequitinhonha dispõe de uma rede hidrometeorológica deficiente, sendo que este
problema se torna mais acentuado em seus tributários (RCA, 1998). 1
Para identificação do distrito de Nova Matrona utilizou-se imagem de satélite Landsat
7 ETM, mais precisamente a cena 217/71 do município de Salinas com data de 15 de outubro
de 2002, obtida no Instituto Nacional de Pesquisa (INPE) gratuitamente (ALBUQUERQUE,
2009).
Figura 2 - Município de Salinas com destaque o recorte do distrito de Nova Matrona.
Fonte: ALBUQUERQUE, 2009 (não publicado).
1
RCA – Relatório de Controle Ambiental para a Construção do Açude Público de Nova
Matrona.
37
Figura 3: Mapa do município de Salinas
Fonte: Prefeitura Municipal de Salinas, 2005
Nova Matrona está localizada numa região considerada como área mineira do
Polígono das Secas. O Polígono das Secas compreende a área do Nordeste Brasileiro
reconhecida pela legislação como uma região sujeita a longas estiagens e, por isso, objeto de
especiais providências do setor público. O segmento de 962.85,3 km2 da área do semi-árido
situa-se no Polígono das Secas, delimitado em 1936, pela Lei 175 e, revisado em 1951. O
Polígono abrange oito estados nordestinos além de parte do norte de Minas Gerais
(CARITAS, 2003, de acordo com AUGUSTO, 2003).
O semi-árido brasileiro ocupa uma área total de 974.752 km2 nos estados do Nordeste
(86,48 %), com exceção do Maranhão. O norte do estado de Minas Gerais (107.343, 70 km2
ou 11,01%) e o norte do estado do Espírito Santo (24.432,70 km2 ou 2,51) também estão aí
incluídos (EMBRAPA, 2003 conforme AUGUSTO, 2003).
Alem das chuvas na região do semi-árido não serem regulares e cerca de 50% dos
solos serem de origem cristalina, rocha dura que não favorece a acumulação de água, a
38
evaporação das águas também é muito alta, por causa do sol e do vento e pela insuficiente
falta de árvores e coberturas naturais (CARITAS, 2003, citado por AUGUSTO, 2003).
As secas podem ser classificadas em agrícolas e efetivas. As agrícolas são também
conhecidas como “seca verde”. Ela acontece quando há chuvas abundantes, entretanto mal
distribuídas no tempo e no espaço. Já a seca conhecida como “seca efetiva” é aquela em que
há baixa precipitação e má distribuição de chuvas, dificultando, sobremaneira, a alimentação
da população e dos rebanhos, impossibilitando a manutenção dos reservatórios de água para
consumo humano e animal (CARITAS,2003, citado por AUGUSTO, 2003).
Entretanto, conforme entendimento dos técnicos da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (EMBRAPA), a região do semi-árido brasileiro não é sinônimo de “seco” e
sim um dos mais úmidos do planeta. Na maioria das zonas áridas de outros países, a
precipitação média anual é da ordem de 80 a 250 mm. A média de precipitação anual do
semi-árido brasileiro é de 750 mm o que equivale a um volume vinte cinco vezes superior ao
maior reservatório de água do nordeste brasileiro: a Barragem de Sobradinho. O que ocorre é
que o solo e o clima não colaboram na manutenção do armazenamento natural das águas das
chuvas. Assim, quando chove desordenado ou se fica sem chover durante um tempo mais
longo, a fome e a sede produzem muito sofrimento, sobretudo, para os que vivem em
condições precárias (AUGUSTO, 2003).
Por falta de empenho dos gestores públicos ou pelo desconhecimento de tecnologias
capazes de captar e armazenar as águas da chuva, o semi-árido ainda perde 34 bilhões de
metros cúbicos de água por ano segundo a EMBRAPA, citada por Augusto (2003).
Desde que o governo estabeleceu, em 1958, a região do trópico semi-árido brasileiro
como o Polígono das Secas, praticamente em nada contribuiu para o desenvolvimento e
melhoria das condições de vida dos moradores. A sustentabilidade pressupõe a utilização de
tecnologias melhor adaptadas ao semi-árido, tendo em vista a qualidade de vida do homem
do campo e a conservação dos recursos naturais (ANDRADE, 1981, citado por AUGUSTO,
20003).
39
Gráfico 1: Média da distribuição pluviométrica (mm) e evaporação (mm) de
Salinas no período de 1970 até 1990.
Fonte: INMET/5º DISME – Estação Salinas – trabalhado por MENDES (2006).
O município de Salinas tem uma média anual de cerca de 903 mm de chuva que se
distribuem irregularmente em alguns meses do ano. A distribuição das chuvas concentra-se
nos meses de outubro a março, que é considerado o período chuvoso, sendo que mais de 50%
do total dessas chuvas concentram-se nos meses de novembro a fevereiro. O resto do ano
caracteriza-se pelo tempo da seca. No período da seca, observa-se também que a média de
evaporação é acima de 1500 mm. Com exceção dos meses de novembro, dezembro e janeiro,
esta região apresenta um déficit hídrico bastante acentuado, sobretudo nos meses de agosto,
setembro e outubro, quando os agricultores sofrem muito pela falta de água (MENDES,
2006).
A retirada indiscriminada da cobertura vegetal nativa e o mau uso do solo têm
acarretado prejuízos ambientais significativos para os ecossistemas. A redução da cobertura
vegetal, a utilização inadequada das bordas de chapadas e das margens dos rios, a crescente
implantação da olericultura, sobretudo de tomate, com o uso intensivo e indiscriminado de
agrotóxicos vêm acentuando ainda mais as condições climáticas de semi-aridez vigentes na
região, colocando os recursos hídricos como um dos aspectos de suma importância para a
sobrevivência de seus habitantes, bem como para a conservação dos aspectos bióticos (fauna,
flora) e abióticos (RCA, 1998).
40
O distrito de Nova Matrona está inserido em uma área de transição entre as regiões
fitoecológicas da savana (cerrado) e da savana-estépica (caatinga). Como exemplos de
espécies vegetais do cerrado podem ser citadas: Caryocar brasiliense (pequi), Plathymenia
reticulata (vinhático), Annona coriácea (araticum), kielmeyera variabilis (pau santo),
Striphnodendon adstrigens (babatimão), Bowdichia virgilioides (sucupira) e Qualea
grandiflora (pau terra), dentre outras. Para as espécies típicas da Caatinga, citam-se:
Myracrodrruon urundeuva (aroeira), Rollinea sp. (bananinha), Sena sp., Apidosperma sp.,
dentre outras (RCA, 1998).
Figura 4. Vista parcial da zona rural, distrito de Nova Matrona.
Sobre a fauna terrestre destacam veados, tatus, lagartos e aves (pássaro preto, sabiá,
tico-tico e canário, etc.) como as espécies mais abundantes. Na fauna aquática, espécies do
gênero Hyspotomus (lambari, traíra, cascudo, bagre) e outras espécies exóticas como
tucunaré, bagre africano, camarão de água doce, tilápia e carpa, destacam-se entre as mais
típicas da região (id ibid).
A ocupação do distrito de Nova Matrona deu-se de forma efetiva na década de 50 e,
atualmente, conta com uma população estimada em 3000 habitantes. Nova Matrona tem sua
origem ligada à pecuária, entretanto, uma das principais atividades econômicas do momento
41
é a agricultura com predominância do cultivo de olerícolas desenvolvido predominantemente
por agricultores familiares, sejam eles proprietários, meeiros ou arrendatários. As culturas de
destaque são: tomate, pimentão, pepino, repolho, dentre outros.
O distrito assenta-se sobre um topo de morro, com topografia plana, favorecendo a
paisagem uniforme. O povoado possui três praças, sendo a Praça Miguel Soares, localizada
no centro do distrito, a que se apresenta melhor estruturada, pavimentada e arborizada,
dispondo de uma edificação que funciona como mercado municipal e, em sua volta,
concentra-se o maior número de estabelecimentos comerciais. (RCA, 1998).
Figura 5. Praça Miguel Soares, centro do povoado de Nova Matrona
Em Nova Matrona, no que se refere aos arranjos produtivos, destacam-se a
agropecuária e a exploração de argila, que é destinada às sedes municipais de Salinas e
Taiobeiras para atividades ceramistas (telhas, tijolos, lajotas, etc.). É comum na região, os
moradores da zona rural venderem a argila para os empresários ceramistas para ficarem com
os barramentos. As águas destes barramentos são utilizadas sem qualquer tratamento prévio
para diversas finalidades: consumo local, dessedentação de animais, lazer, pesca, higiene
pessoal, lavagem de roupas e outras atividades domésticas.
42
Figura 6. Vista parcial de uma barragem na Fazenda Canadá, zona rural, Nova
Matrona.
Na exploração agrícola, observam-se a condução de florestas homogêneas de
eucalipto, a cana-de-açúcar para produção de cachaça e a olericultura, com predominância
para o cultivo de tomate.
Na área da saúde, a população do distrito de Nova Matrona conta com o Programa
Saúde da Família (PSF), com médico e enfermeira no local, entretanto, a maioria da
população busca também na sede municipal, a cidade de Salinas, e na cidade vizinha,
Taiobeiras, o atendimento para os casos que exigem maiores e mais complexos atendimentos
médico-hospitalares.
Embora a situação sócio-ambiental local não se apresente de modo geral como de alto
risco à saúde, foram observados alguns fatores que têm estreita ligação com problemas de
saúde já existentes ou que possam vir a acometer a população. Dentre estes, destaca-se a
questão da má qualidade da água de abastecimento da comunidade, podendo ser
determinante para a prevalência das doenças parasitárias e infecciosas. A esse respeito,
segundo relatos dos entrevistados, houve melhorias com a implantação de uma Estação de
Tratamento de Água - ETA, da COPASA - MG - Companhia de Saneamento e
Abastecimento de Água de Minas Gerais, em 2008. Entretanto, alertam para o fato de que o
tratamento ainda não é adequado, conforme se pode conferir nos depoimentos ao serem
questionados sobre a qualidade do abastecimento da água no povoado:
43
(...) A água é só filtrada, tratada não. Não é ainda. Assim, o menino que trabalha
falou comigo, né? Se não é mentira dele?!? No início, começou tratar, mas como a
água não é paga... O menino falou foi o seguinte, que ele não ta tratando porque a
água não ta sendo paga. Mas isso é parte do prefeito, né? Tomar providência e fazer
com quê os morador pague, né? (Produtor 1)
Até no momento ta bom, melhorou por causa do abastecimento, né? Não faltou
água. A qualidade da água melhorou um pouquim, porque antes, do jeito que descia
do rio ela vinha. Agora, pelo menos ela ta sendo filtrada, né? Num ta assim no
ponto ideal, mas melhorou. Quem sabe num melhora mais pra frente? Mas,
melhorou bastante, melhorou bastante. (Produtor 3)
Por enquanto num ta muito boa que num ta tendo relógio ainda, né? Diz que
num ta tratano cem por cento ainda, né? Mas, em vista do que era melhorou muito,
né? (Produtor 18)
(...) Nem sempre é tratada. Tem vez que falta o produto pra pôr na água lá e a
água vem toda amarelada. Mas, melhorou em vista de como era antes, né? Ano
passado mesmo vinha barro quando chovia. (Produtor 21)
Antes da implantação da ETA, a água era captada diretamente dos cursos d’água e
seguia sem sofrer qualquer tipo de tratamento até as casas onde era consumida pela
população. Em períodos chuvosos, a água tinha uma coloração avermelhada devido a grande
quantidade de matéria orgânica.
Como forma de contornar o problema, era muito comum entre os moradores a coleta
manual de água em uma fonte próxima à sede do distrito, cuja potabilidade foi colocada em
dúvida após exames bacteriológicos realizados pela COPASA. Foi detectado no local a
presença do caramujo transmissor da esquistossomose, a Bionphalaria, podendo ser um foco
importante de disseminação dessa enfermidade. Outro problema identificado é que a escassez
de água levou os moradores a adquirir o hábito de reservar esse recurso em seus domicílios,
em condições que favorecem o desenvolvimento do mosquito da dengue, o Aedes aegypti e
de outros culicídeos transmissores de enfermidades (RCA, 1998).
Assim, a má qualidade da água parece que continua sendo uma das causas principais
para os problemas de saúde, destacando-se as doenças de veiculação hídrica como as
verminoses, principalmente esquistossomoses, dentre outras, apontando para os baixos níveis
de qualidade de vida e de saneamento ambiental da região.
Outro aspecto preocupante apontado pelo RCA (1998), diz respeito à falta de lazer
no distrito, fato que estimula o uso abusivo de bebidas alcoólicas e o aparecimento de
doenças relacionadas a esta questão.
44
Figura 7- Açude Público de Nova Matrona.
O modo de construção das habitações com pouca luminosidade e ventilação e a falta
de calçamento das vias de tráfego, constituem-se importantes fatores que contribuem para o
surgimento das doenças respiratórias, colocando as pessoas expostas às partículas de poeira
em suspensão no ar. Outro fator de risco à saúde considerado importante é representado pelo
uso inadequado de agrotóxicos nas atividades de olericultura, cujo impacto sobre a
morbidade e até sobre a mortalidade de trabalhadores locais ainda não foi devidamente
estudado (RCA, 1998).
Vale ressaltar que nas regiões do semi-árido, a agricultura com a adoção de
tecnologias modernizadoras caracterizadas pela mecanização, uso de agrotóxicos, irrigação e
monocultura é inviável e acaba agravando as desigualdades sociais locais ao intensificar o
êxodo rural e a pobreza no campo (AUGUSTO, 2003).
A infraestrutura educacional do povoado de Nova Matrona é composta pela Escola
Estadual “Manoel Pedro Silva” a qual oferta Ensinos Fundamental e Médio, uma creche
(Casulo Chapeuzinho Vermelho) e uma escola municipal, que ministram o ensino até a 5ª
série do Ensino Fundamental, as quais são responsáveis pelo atendimento à população
residente no local e no seu entorno. Além destas, a região também conta com as Escolas
Municipais Malhada Nova, Rio das Antas, Serra Ginete e as Escolas Municipais “Papa João
XXIII”, localizadas na Fazenda Baixa do Baé, nas regiões denominadas de Patricinho e
Patrição.
45
Quanto à oferta de serviços, o povoado de Nova Matrona conta com uma rede de
comércio composta por dois supermercados, mercearias, bares, uma farmácia, três lojas
(produtos diversos), açougues, uma sorveteria, uma padaria e uma lan house, um mercado
para as feiras locais e uma rádio que noticia os assuntos da região, além de oferecer
entretenimento e lazer para os moradores.
Apesar da existência destas infraestruturas produtiva e de serviços é prática comum
entre os moradores utilizarem a sede municipal e a cidade de Taiobeiras para compras,
vendas, prestação e obtenção de serviços de forma geral.
A falta de perspectiva de emprego estimula nesta região uma forte tendência ao êxodo
rural e a conseqüente desestruturação das famílias. Na atualidade, o trabalho nas colheitas da
cana-de-açúcar no Estado de São Paulo foi substituído pelo cultivo de tomate no próprio
Estado de São Paulo e em regiões do sul do Estado de Minas Gerais. Entretanto, observa-se
que também é freqüente o retorno dos naturais à região após aventurarem-se por essas
localidades.
Em relação à organização social o povoado de Nova Matrona conta com três
associações, sendo que duas são constituídas por produtores e trabalhadores rurais e uma é
constituída por costureiras. Possui ainda uma igreja católica e duas evangélicas, além de
grupo de jovens católicos “Estrela da Manhã”, bastante atuante na comunidade.
Apesar disso, a organização comunitária e o controle social de serviços referentes à
saúde, educação, meio-ambiente, atualmente, institucionalizados sob a forma de conselhos e
comissões, podendo representar fatores de proteção à saúde da população e dos recursos
naturais, mostram-se ausentes na comunidade de Nova Matrona (RCA, 1998).
3.1. Produção de tomate no distrito de Nova Matrona
A EMATER – MG intensificou a produção de tomate no distrito de Nova Matrona a
partir da década de 80. Por se tratar de uma região de terras férteis e com vocação natural
para a agricultura, com concentração de pequenos produtores com um razoável nível de
organização, a cultura expandiu-se tornando a principal atividade econômica da região nas
últimas décadas. Todavia, o principal problema associado ao cultivo de tomate na
comunidade de Nova Matrona é o uso indiscriminado de agrotóxicos, com baixa rotação de
cultura, constituindo-se este uma das principais limitações do desenvolvimento municipal
(SEBRAE, 2001).
46
O tomate (Lycopersicon sculentum Mill) é uma hortaliça solanácea originária da parte
ocidental da América do sul e apresenta cultivo rasteiro destinado à indústria de
processamento e o tomate de mesa, de cultivo tutorado ou envarado que é consumido de
forma in natura. O hábito de produção e consumo de hortaliças foi introduzido no Brasil
durante a colonização portuguesa, entretanto o crescimento da produção do tomate ocorreu
durante as décadas de 1950 e 1960. Em 2003, o Brasil chegou a produzir 3.641.400 toneladas
de tomate, passando a ocupar o sétimo lugar no ranking mundial. A região Sudeste é a
principal fornecedora de tomate no Brasil (49,8%), na qual 44,2% são do Estado de São
Paulo e 35, 8% de Minas Gerais (AGRINUAL, 2005, citado por FARIA e OLIVEIRA,
2005).
O tomate de mesa figura entre os principais produtos agrícolas do município com 131
hectares de área colhida, com uma produção anual de 8.646 toneladas, apresentando um
rendimento médio (kg/ha) de 66.000,00 (IBGE, 2003). Entretanto, Moura (2005) afirma que
o tomate é uma cultura que além de demandar pesada mão-de-obra em função dos freqüentes
tratos culturais, apresenta também grande exigência hídrica podendo ser um dos fatores de
agravamento das condições de semi-aridez da região.
O tomateiro é uma planta herbácea, de rápido crescimento e, conforme a variedade, a
planta pode chegar a mais de 5 metros de comprimento em tomateiros sustentados por
estaqueamento ou menos de 50 centímetros em tomateiros para processamento industrial. O
período de colheita do tomateiro conduzido por estaqueamento, poderá se estender por mas
de dois meses, devido ao fato de que, à medida em que as plantas crescem, ocorrem
florescimento e frutificação. Quanto à produtividade, esta varia de uma lavoura para a outra.
No caso do tomateiro estaqueado, a média nacional é de aproximadamente 150 caixas de 25
kg de frutos por hectare, mas é possível ultrapassar as 400 caixas por hectare, dependendo
dos produtores (GLOBO RURAL, 2009).
Na região de Nova Matrona são comumente utilizadas as lavouras de tomate tutorado
ou envarado, conforme figura abaixo:
47
Figura 8. Plantação de tomate, zona rural, Nova Matrona.
Apesar de ser uma produção significativa, segundo o COAMA (2005)2,
foi
constatado em áreas próximas à barragem de Salinas que abastece o município, a existência
de culturas, sobretudo de tomate, nas quais o uso de fungicidas e pesticidas é bastante
elevado.
O Vale do Rio Matrona é a região com maior concentração de área explorada em
olericultura do município, principalmente de tomate, apresentando nas décadas de 80 e 90
um alto índice de produtividade, proporcionando maior renda dentre as atividades
econômicas exploradas. Por ser uma região caracterizada por pequenos produtores com áreas
inferiores a 20 hectares, grande parte das plantações concentram-se às margens dos rios. Os
solos próximos aos rios e partes das baixadas são de alta fertilidade e de média fertilidade nas
partes de meia encosta (EMATER, 1995).
2
Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Meio Ambiente – Inquérito Civil Público
n° 01/2005
48
Figura 9. Solo preparado para o plantio de tomate, Zona rural, Nova
Matrona.
Moura (2005) explica que a produção de tomate, dada sua especificidade, é uma
atividade que envolve uma diversidade de riscos à saúde humana, ambientais e econômicos.
Vários são os fatores que constituem importantes causas de perdas das lavouras e
conseqüentes riscos econômicos: intempéries climáticas como geadas, chuva de pedra
(granizo), falta d’água para a irrigação, ataque de pragas e doenças, dentre outros.
A referida autora esclarece que o ataque de pragas representa um fator de risco
econômico de grande peso nesta atividade, considerando o aumento progressivo de espécies
de pragas. Por isso, é comum entre os produtores utilizar mais agrotóxicos nas lavouras com
o objetivo de combatê-las, fato que encarece a produção de forma significativa. Os elevados
preços dos insumos, tais como as sementes e o preço pago para sua produção, os adubos e os
agrotóxicos são outro fator de risco econômico importante.
Outro aspecto que preocupa bastante é a resistência das pragas aos agrotóxicos. Os
custos das perdas por resistência chegam a 10% do valor anual da produção das culturas que
mais consomem agrotóxicos. Há estimativas que indicam que de 10 a 25% do total dos
gastos com agrotóxicos, deve-se à necessidade de combater o aumento de resistência.
Considerando que o uso indiscriminado de agrotóxicos é um problema bem mais sério no
Brasil e que as vendas, no ano de 1994, foram da ordem de US$ 1,4 bilhão, pelo menos 140
49
milhões de dólares podem ter sido gastos naquele ano por causa da resistência (PIMENTEL,
1993, citado por GARCIA, 2001).
Exemplo disso é a atual invasão da mosca branca, uma praga altamente resistente e
que atinge aproximadamente 80% de todas as culturas, ocasionando grandes prejuízos às
lavouras, requerendo novos compostos químicos e em maior quantidade, tornando-se um
modelo insustentável (AUGUSTO, 2003).
Como o distrito de Nova Matrona é caracterizado por pequenas e médias
propriedades que são, normalmente, carentes de estrutura e de eficiente assistência técnica,
Garcia (2001) adverte que é neste contexto que prevalece o emprego de produtos mais
tóxicos e em condições precárias de uso. Esclarece ainda que culturas de produtos hortícolas
deveriam ser especialmente observadas quanto à implementação de medidas de controle de
riscos, pois além de serem produzidas em pequenas propriedades, utilizam fungicidas, grande
quantidade de inseticidas e grande quantidade de agrotóxicos por pessoa ocupada e por área
de produção, expondo sobremaneira os aplicadores, além de serem alimentos que são
consumidos in natura.
Em um trabalho realizado por Mendes (2006), dos 52 produtores rurais entrevistados
no distrito de Nova Matrona, 96% destes disseram que utilizam agrotóxicos, sendo os mais
usados: folidol, tamaron, ortene, base de cobre, meltrin, politrin, dentre outros. Informaram
também que os agrotóxicos são indicados por vendedores que são normalmente técnicoagrícolas ou agrônomos.
Esses produtos normalmente são utilizados não para a prevenção e sim quando a
cultura já se encontra em um alto grau de infestação de doenças ou pragas. Os produtos são
aplicados com um pulverizador costal bastante simples, sobretudo na cultura de tomate.
Esses agrotóxicos são aplicados de forma generalizada, inconscientemente e sem nenhuma
preocupação, o que representa no momento o maior problema da agricultura de Nova
Matrona com relação ao meio ambiente e à qualidade de vida dos agricultores (MENDES,
2006).
Foi observado que cerca de 98% dos agricultores acham que é importante se proteger
na hora de utilizar o produto, só que somente dois por cento desse total faz uso do EPI. O
restante não se protege suficientemente, cerca de 56% dos agricultores. Ou, inclusive, não
utiliza nenhuma proteção, 42% (id ibid).
A sobra desses produtos e as embalagens são também problemáticas. Cerca de 19%
dos agricultores entrevistados limpam o pulverizador costal diretamente no tanque de uso
doméstico e cerca de 31%, diretamente no campo. Com relação às embalagens, cerca de
50
70% dos produtores queimam ou enterram, quase seis por cento não manifestaram,
aproximadamente dois por cento lavam nos rios e nas lagoas e cerca de 29%, improvisam um
tanque no campo e lavam nele. O restante apontou alternativas (id ibid).
Pressupõe-se que há um sério problema de saúde pública na região de Nova Matrona
devido à extensiva exposição dos trabalhadores aos agrotóxicos, à contaminação ambiental,
sobretudo, dos recursos hídricos para abastecimento e consumo humano e também pela
contaminação dos alimentos.
51
4. Fundamentos Metodológicos
A presente pesquisa foi executada sob os preceitos da metodologia qualitativa de
pesquisa de natureza eminentemente descritiva.
As
metodologias
qualitativas
privilegiam,
quase
sempre,
as
análises
de
microprocessos, mediante o estudo das ações sociais individuais e grupais. Os métodos
qualitativos, através de um exame intensivo dos dados tanto em amplitude quanto em
profundidade, tratam as unidades sociais investigadas como totalidades que desafiam o
pesquisador a se aproximar dos dados de tal maneira que eles consigam expressar da forma
mais completa possível acerca da realidade social analisada para melhor compreendê-la
(MARTINS, 2004).
A metodologia qualitativa é uma tentativa de ver o indivíduo não como objeto, mas
como sujeito do conhecimento e da história, pois ela está voltada para a problemática do
sujeito e da interpretação que ele faz de sua situação social. A preocupação deve ser construir
um conhecimento que seja útil, orientado pela ética, tendo em vista a melhoria das condições
de vida da população (id ibid).
A pesquisa qualitativa não se preocupa com a representatividade numérica, mas sim
com o aprofundamento da compreensão de um dado grupo social. A abordagem se opõe ao
pressuposto que defende um modelo único de pesquisa para todas as ciências. Os
pesquisadores que utilizam o método qualitativo buscam explicar o porquê das coisas, mas
não quantificam os valores e as trocas simbólicas, pois os dados analisados não são métricos
e se valem de diferentes abordagens.
A pesquisa qualitativa supõe o contato direto do pesquisador com o ambiente e a
situação que está sendo investigada, pois os fenômenos são muito influenciados pelos seus
contextos. Sem qualquer manipulação intencional do pesquisador, este tipo de pesquisa é
também chamado de naturalístico. O material obtido nessas pesquisas é rico em descrição de
pessoas, situações e acontecimentos e, por isso, utiliza transcrições de entrevistas,
depoimentos, fotografias, etc. para subsidiar ou esclarecer um ponto de vista. Todos os dados
da realidade são considerados importantes. A preocupação com o processo é muito maior do
que com o produto, preocupando-se em capturar a “perspectiva dos participantes”, ou seja,
como eles percebem as questões que estão sendo focalizadas (BOGDAN e BIKLEN, 1982,
de acordo com LUDKE e ANDRÉ, 1986).
Em síntese, a abordagem qualitativa por desenvolver-se numa situação natural, ser
rica em dados descritivos, ter um plano aberto e flexível e focalizar a realidade de forma
52
complexa e contextualizada, foi considerada mais adequada para a realização deste projeto de
pesquisa.
Devido ao fato de que esta pesquisa propôs-se a compreender as percepções dos
produtores de tomate acerca dos riscos resultantes do uso de agrotóxicos, e isto envolve
valores, crenças e opiniões que, geralmente, interferem em suas práticas como produtores, foi
adotada a abordagem de cunho qualitativo, visando facilitar a descrição e interpretação dos
dados a partir da perspectiva dos próprios sujeitos objetos desta pesquisa.
A abordagem utilizada foi a interpretativa ou teoria da ação. A abordagem
interpretativa difere-se das abordagens do consenso ou do conflito. Enquanto que naquela a
essência da vida social é a habilidade que os serem humanos possuem de analisar o que
acontece no mundo a sua volta e a partir daí, escolher a ação mais adequada conforme a
interpretação de cada um, nestas os fatores externos aos indivíduos é que vão influenciar e
determinar a origem da vida social (ALENCAR e GOMES, 1998).
Os teóricos da ação ou da abordagem interpretativa consideram que os princípios que
regem a vida social são diferentes dos que regem os fenômenos da natureza em sua forma
ontológica e epistemológica e por isso insistem que a concepção positivista da ciência não é
adequada para o estudo dos fenômenos sociais.
Alencar e Gomes (1998, p. 37) afirmam que “os teóricos da ação acentuam a
necessidade de se concentrar no nível micro da análise da vida social (nos modos pelos quais
os indivíduos são capazes de interagirem uns com os outros) ao contrário de se concentrar no
nível macro (...)”. Segundo Jones (1993, p. 138), citado por Alencar e Gomes (1998) “toda
interação entre homens envolve “colocar a si próprio” no lugar dos outros. (...) Para saber
como reagir às ações de alguém nós temos de compreender (grifos do autor) suas ações”.
Para os teóricos da ação, somente observando como os homens interagem entre si, é
que o pesquisador poderá compreender a forma como a ordem social é criada. Quase tudo o
que as pessoas fazem é produto de decisões conscientes; quase toda ação humana tem sentido
e significado em relação aos propósitos que se pretende atingir. São as pessoas que decidem
o que fazer, orientadas pela interpretação do mundo que as cerca. A sociedade é, portanto,
uma ordem criada ou realizada pela própria capacidade de seus membros, nas numerosas
oportunidades de interação desenvolvidas por atores que interpretam e atribuem significados
ao contexto social em que se encontram inseridos. A realidade está nos olhos do titular da
ação (ALENCAR e GOMES, 1998).
As abordagens interpretativas vêm demonstrando ser promissoras no desafio de interrelacionar subjetividade individual e ordem social – experiência concreta e imaginário, dados
53
quantitativos e qualitativos, a partir do marco teórico da ciência social interpretativa de Max
Weber, onde os relatos dos atores constituem papel central, passando a uma exploração
sistemática das inter-relações entre estrutura social e subjetividade (ROZEMBERG &
PERES, 2003).
De acordo com Castro & Pérez (2002), citados por Rozemberg & Peres (2003), a
linguagem que um grupo usa representa a acumulação não só de significados, mas também
de experiências. As explicações das pessoas sobre aspectos como saúde, trabalho não são
simples descrições físicas (corpo) e materiais (renda, trabalho). Assim, a fala articula a
situação do sujeito no mundo que cria e destrói mundos, apontando sempre novos cenários de
onde o sujeito pode responder aos demais de forma dinâmica.
4.1. Critérios para a escolha da área de estudo
Escolheu-se esta área de estudo porque o distrito de Nova Matrona está situado no
Vale do Rio Matrona que é considerada a região com maior concentração de área explorada
em olericultura do município, principalmente de tomate. Embora apresente um alto índice de
produtividade com melhoria das condições de vida dos habitantes, a utilização
indiscriminada de agrotóxicos é um dos motivos de preocupação da população direta e
indiretamente afetada, devido aos possíveis riscos à saúde humana e à conservação dos
recursos naturais.
4.2. Técnicas de coleta de dados
4.2.1. Estudo de Caso
Na execução do projeto foi utilizado um estudo de caso. Por estudo de caso, neste
projeto em específico, entende-se o grupo de produtores de tomate do distrito de Nova
Matrona. Conforme Alencar e Gomes (1998), a idéia do estudo de caso, de modo geral, está
ligada a abordagem interpretativa, pois ao procurar compreender os significados que as
pessoas atribuem às suas ações e às ações de outros atores, as pesquisas que se fundamentam
nessas abordagens, trabalham com cenários sociais bem específicos, ou seja, casos.
Segundo Murray (1974), citado por Alencar e Gomes (1998), os estudos de caso
podem ilustrar generalizações que foram estabelecidas e aceitas podendo ganhar novos
significados; o estudo de caso pode constituir-se em uma comprovação ou refutação em uma
54
instância particular, apesar desta teoria ser considerada uma “verdade universal”. Ou ainda,
os resultados de um estudo de caso poderão orientar novas pesquisas e novas generalizações.
O caso é sempre bem delimitado, podendo ser semelhante a outros, por um lado, mas
por outro lado, bastante distinto, pois tem um interesse próprio. Quando se quer estudar algo
singular, que tenha um valor em si mesmo escolhe-se um estudo de caso.
Conforme explicam Ludke e André (1986), são características do estudo de caso:
1. Os estudos de caso visam à descoberta: o conhecimento não é algo acabado,
mas uma construção que se faz e refaz constantemente. Embora a investigação comece com
base em alguns pressupostos teóricos iniciais, o estudo deverá procurar levantar novos
elementos e dimensões que poderão surgir na medida em que o estudo se desenvolve. Ou
seja, o pesquisador buscará novas respostas e novos questionamentos no seu trabalho;
2. Os estudos de caso enfatizam a “interpretação em contexto”: Para a
apreensão completa do objeto de estudo, faz-se necessário considerar o contexto em que ele
está inserido. Para compreender as ações, as percepções, os comportamentos e as interações
das pessoas, devem ser observadas as situações específicas onde ocorrem ou à problemática a
que estão ligadas;
3. Os estudos de caso buscam retratar a realidade de forma completa e
profunda: A multiplicidade de dimensões presente numa determinada situação ou problema
deverá ser focalizada como um todo;
4. Os estudos de caso usam uma variedade de informações: O estudo de caso
recorre a uma variedade de dados, coletados em diferentes momentos e de fontes variadas
para possibilitar o cruzamento de informações, descobrir novos dados, afastar suposições ou
levantar hipóteses alternativas;
5. Os estudos de caso revelam experiência vicária e permitem generalizações
naturalísticas: a generalização naturalística ocorre em função do conhecimento experiencial
do sujeito, no momento em que este tenta relacionar dados encontrados no estudo com dados
frutos de suas experiências pessoais;
6. Os estudos de caso procuram representar os diferentes e, às vezes,
conflitantes pontos de vista presentes numa situação social: Quando o objeto de estudo
em questão suscita opiniões divergentes, o pesquisador deverá trazer à tona essas
divergências, bem como expressar seu próprio ponto de vista sobre a questão, pois parte-se
do pressuposto que a realidade pode ser vista sob diferentes perspectivas, não havendo uma
única que seja a mais verdadeira e, ;
55
7. Os estudos de caso apresentam uma linguagem clara e acessível do que os
outros relatórios de pesquisa: A preocupação é com uma transmissão direta, clara e bem
articulada do caso e em um estilo que se aproxime da experiência pessoal do leitor.
O estudo de caso desenvolve-se em três fases distintas, a saber: A primeira
exploratória ou aberta, a segunda mais sistemática em termos de coletas de dados e a terceira
que consiste na análise e interpretação sistemática dos dados com posterior elaboração do
relatório (NISBET e WATT, 1978, citados por LUDKE e ANDRÉ, 1986).
Primeira etapa - Fase exploratória: Esta etapa iniciou-se desde 1º de fevereiro de
2004 quando um grupo de universitários da capital mineira sob a coordenação da professora
Helem Nébias Barreto e de Bernardo Monteiro, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente
de Belo Horizonte, e ainda sob o incentivo da professora da Universidade Federal de Minas
Gerais - UFMG, a salinense, PhD Terezinha de Cássia Brito Galvão, fazendo-se acompanhar
pela pesquisadora, agentes culturais e professores residentes em Salinas, percorreu parte do
município com a finalidade de levantar os principais problemas ambientais tendo em vista a
proposição futura de sugestões e estratégias ambientais sustentáveis para o município.
Na ocasião, identificou-se a expressiva produção de tomate no distrito de Nova
Matrona e a problemática da utilização indiscriminada de agrotóxicos. A partir destes
contatos iniciais, desenvolveu-se o interesse de localizar as fontes de dados necessários para
o estudo, consultar a literatura pertinente, localizar os possíveis informantes, ouvir
depoimentos de técnicos da EMATER de Salinas-MG, os quais possuem e ou possuíram uma
estreita ligação com os produtores de tomate da região, participar de conversas informais em
eventos das quais participavam pessoas ligadas ao objeto investigado, como também ouvir
depoimentos dos próprios produtores e fazer observações “in loco”.
Segunda etapa – Coleta de dados: Na coleta de dados foram utilizadas as seguintes
técnicas de pesquisa: história de vida, entrevistas semi-estruturadas e observação “in loco”.
4.2.2. História de vida
A história de vida é como a autobiografia de uma pessoa obtida mediante entrevistas,
guiadas por roteiros. É a interpretação e explicação que a própria pessoa tem acerca das
experiências que viveu. História de vida é, para Queiroz (1998:20), citada por Alencar e
Gomes (1998, p.99), “Um relato de um entrevistado sobre a sua experiência através do
56
tempo, tentando reconstruir os acontecimentos que vivenciou e transmitir a experiência que
adquiriu”.
Na história de vida podemos identificar três dimensões: histórica, dinâmica e
dialética. Histórica porque a temporalidade contida no relato individual reporta ao tempo
histórico. Dinâmica porque possibilita apreender as estruturas das relações sociais e os
processos de mudança. Dialética porque teoria e prática são constantemente colocadas em
confronto durante a investigação (BRIOSCHI e TRIGO, 1987, conforme ALENCAR e
GOMES, 1998).
Para a história de vida buscou-se entrevistar os produtores mais antigos, atuantes ou
não, cujas histórias de vida serviram para reconstituir e contextualizar a implantação de
tomate no distrito, bem como forneceram subsídios para a continuação do trabalho, qual seja
a realização das entrevistas semi-estruturadas com os demais produtores de tomate visando o
aprofundamento do assunto, elucidação e corroboração de alguns aspectos levantados na
história de vida.
Foram entrevistados 04 (quatro) produtores rurais mais antigos da região, os quais
exercem liderança entre os produtores, sendo estes indicados pela maioria dos produtores
como sendo de boa memória e capacidade narrativa. A história de vida possibilitou a
compreensão das mudanças dos aspectos ambientais, sociais, culturais, econômicos e da
saúde da população direta e indiretamente afetada, desde o momento da introdução do tomate
com a adoção de novas técnicas de cultivo, sobretudo com o uso dos agrotóxicos, até os dias
atuais, como também forneceu subsídios para a reconstituição e contextualização do processo
de implantação do tomate no distrito.
57
Figura 10. Residência de um ex-produtor de tomate (ao centro) esposa e filha ( à esquerda)
e netos ( à direita) zona rural, Nova Matrona.
As entrevistas foram feitas, no mês de janeiro do ano de 2009, nas residências dos
produtores e guiadas por um roteiro previamente elaborado, o qual orientou todo o processo.
Sendo este bastante flexível possibilitou a elaboração de outras questões que se fizeram
necessárias ao longo das entrevistas para melhor elucidar o tema abordado.
A entrevista foi iniciada com a explicitação sobre os objetivos da pesquisa, o motivo
pelo qual o entrevistado foi selecionado e a importância da sua participação para a
compreensão do objeto de estudo do projeto. Foi esclarecido aos entrevistados que as suas
identidades seriam mantidas no anonimato, por isso cada entrevistado recebeu a designação
“Entrevistado” seguida do número 1, 2, 3 e 4, conforme ordem de realização das entrevistas,
embora na transcrição optou-se por manter o nome tendo em vista resguardar a memória,
caso fosse necessário recorrer à ela.
Por se tratar de pesquisa envolvendo seres humanos, os entrevistados tomaram
conhecimento e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o qual foi
aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Ilhéus-BA.
As entrevistas foram feitas individualmente, face a face, por meio de um gravador
slide microphone, panasonic, cassette recorder RQ – L31 e fitas cassetes, nas residências dos
58
entrevistados. Segundo Duarte (2002) em ambiente domésticas as entrevistas fluem com
mais tranqüilidade e liberdade, pois o entrevistado pode expressar suas idéias com menos
preocupação com o tempo.
Posteriormente, as entrevistas foram transcritas literalmente, ou seja, sem edição e
analisadas em profundidade.
4.2.2.1. Caracterização dos sujeitos da “História de Vida”.
Participaram da técnica de coleta de dados denominada História de Vida, quatro
produtores de tomate mais antigos e expressivos da região, na faixa etária, respectivamente,
de 51, 55, 60 e 70 anos, todos casados e com filhos. Dois cursaram a 4ª série completa do
antigo Ensino Primário e dois, o antigo Ensino Primário incompleto, todos na antiga Escola
Canadá. Dois, residem na zona rural e dois no povoado de Nova Matrona. Um dos
entrevistados nasceu na cidade de Mortugaba, no interior da Bahia, outro em Mato Cipó,
município de Berizal, Estado de Minas Gerais e dois, no distrito de Nova Matrona. Os dois
entrevistados que nasceram nas cidades de Mortugaba e no município de Berizal, entretanto,
residem em nova Matrona há 45 e 62 anos, respectivamente, período considerado
suficientemente longo para terem tido a oportunidade de participar, observar e acompanhar o
desenvolvimento da implantação do tomate na região.
Soma-se a isso, a longa experiência como produtor de tomate: um planta tomate há
mais de 30 anos e continua atuante. O outro plantou durante 25 anos e os dois restantes
plantaram durante mais de 40 anos, tendo que parar com a atividade, segundo relataram, ou
por causa da idade ou do cansaço próprio que envolve o ofício de produtor de tomate ou
ainda por causa da má qualidade da semente do tomate que era utilizada na época, a semente
Miss Brasil ou Santa Clara, considerada por eles de pior qualidade se comparada a que se
planta nos dias atuais, cujos problemas e prejuízos causados à lavoura levaram muitos a parar
com a atividade. Todos os que pararam de plantar tomate afirmam, no entanto que, se fosse
possível, continuariam plantando, pois esta é uma atividade que, além de ser rentável, é
muito prazerosa.
59
Figura 11. Residência do ex-produtor de tomate e sua esposa, zona rural, Nova
Matrona.
4.2.2.2. Reconstituição do processo histórico de implantação do cultivo de tomate no distrito de
Nova Matrona.
A origem do cultivo do tomate no distrito de Nova Matrona foi relatada por esses
quatro produtores que acompanharam toda a trajetória da implantação do cultivo e sua
evolução até os dias de hoje. Somente dois dos entrevistados, conseguiram lembrar-se da
data, mais ou menos precisa, de quando se iniciou a plantação de tomate em Nova Matrona,
ficando numa faixa de 35 a 40 anos atrás.
Olha, (...) já havia algumas pessoas que plantaram quando eu iniciei, né? Mas,
numa faixa de uns 35 a 40 anos, mais ou menos, já começaram a cultivar aqui, era
o início, né? As pequenas rocinhas, as pequenas lavourinhas. Muito pouquinha.
Mas já começaram. Em termo de grupo, já teve umas pessoas aqui que plantaram.
Pessoas mais velhas que a gente aqui. Eles já começaram a mexer, a cultivar o
tomate (Entrevistado 1).
Ah, foi mais ou menos em 73. 73 pra cá. 74. (pausa). Começou em 1973, né? Ai,
continuemos (Entrevistado 4).
De acordo com a fala dos entrevistados, a lavoura de tomate foi introduzida no
distrito de Nova Matrona, em fins da década de 1960 e início da década de 1970, sob o
incentivo, apoio e orientação da antiga ACAR - Associação de Crédito e Assistência Rural,
60
criada em 1948 que a partir de 1975 passou a denominar-se EMATER - Empresa de
Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais-, na pessoa do técnico local, João
Ramos de Oliveira, mais conhecido por Dr. João d’ACAR, que difundiu para os então jovens
produtores rurais da época, as vantagens e as técnicas do cultivo do tomate, sendo a primeira
reunião realizada na Fazenda Imbaúba, de propriedade do Senhor Preto Cândido.
Pelos relatos, observa-se também o apoio da Escola Agrotécnica Federal de Salinas,
hoje Instituto Federal do Norte de Minas Gerais – Campus Salinas, onde os então jovens
produtores ficaram, tempos depois, alojados por três dias em treinamento sobre as técnicas de
plantio do tomate, onde, no dizer de um entrevistado “nós aprendemo direito a mexer”. Mais
tarde, conforme dados do SEBRAE (2001), bem como de depoimentos de técnicos da
EMATER local, a produção de tomate foi revitalizada, na década de 1980, mediante o
projeto denominado “Produção Programada de Hortifrutigranjeiros”, tendo em vista o
incentivo de mudanças de hábitos alimentares no município de Salinas.
O Conselho Comunitário Matronense, como é conhecido hoje no distrito e está em
pleno funcionamento, foi criado sob a orientação do mesmo técnico, João Ramos de Oliveira,
no final da década de 1960, sob a denominação de Clube 4-S. O Clube 4-S fazia parte de um
projeto da antiga ACAR chamado de Clube 4-S Jovem, que significa Saber, Sentir, Saúde e
Servir, cujo objetivo era melhorar as condições sócioeconômicas das famílias do meio rural,
mediante uma assistência técnica de caráter integral.
O Clube 4-S transformou-se, tempos depois, no atual Conselho Comunitário
Matronense. No início de funcionamento, a sede localizava-se na antiga Escola Canadá, a
qual, posteriormente, foi transferida para o povoado de Nova Matrona. Mais tarde, foi criada
a Associação dos Moradores, Trabalhadores e Produtores Rurais de Nova Matrona que,
segundo depoimentos, surgiu motivada por conflitos político-partidários do município de
Salinas, para atender aos interesses de uma determinada facção política. Não faz muito tempo
Salinas era comandada por duas facções políticas que se digladiavam pelo mando local,
realidade encontrada em quase todo o norte de Minas Gerais.
Um dos entrevistados fez um relato interessante e curioso acerca da implantação e da
comercialização do tomate no distrito, alguns já descritos anteriormente. Entretanto, pela
riqueza de detalhes julgou-se necessário transcrever o depoimento do produtor quase que
integralmente:
Foi o seguinte. Teve uma reunião da EMATER. Nós num conhecia EMATER
chamava era ACAR, né? E foi quando apareceu Dr. João ai. Nós teve uma reunião
aqui, inclusive, ni Preto Cândido, né? Na Imbaúba, na fazenda dele. Ai ele (Dr.
61
João) começou a falar de horta e coisa... e a gente já tinha aquele dom praquilo ali.
Aí eu tinha ganhado a semente... Que mãe foi pra São Paulo e trouxe umas
sementes de tomate de lá. Ai, eu falei. Pois Dr. João falô isso eu... eu vou prantar o
tomate. Aí sameei mais ou menos uns duzentos pé, prantei com esterco de curral,
né? (...)Ai, peguei o esterco, pus... ai cavei a terra, misturei o esterco. Daí...mais vei
bunito mermo o tomate, sabe? Que era na bera do rio... uma terra assim (apontando
para o terreno em frente querendo dizer solo bom, fértil). E eu moiava com lata,
pegava a lata e moiava aquele tomate. Aí, quando o tomate tava assim, já bom de
marrar, ele (Dr. João) vei aí, vei lá em casa já vê. Que aí foi lá no lugar de pai, né?
Lá em baixo. Aí, nós pegô, ele (Dr. João) ensinou marrar... num sabia marrar.
Desbrotar... E era até aquele tomate caqui, num é desse tomate nosso aqui hoje não,
era um tomate caqui, grande, né? Ai ele (Dr. João) ensinou e eu fiz esses duzentos
pé. Aí vei um tomate bunito mermo, sem veneno. Num tinha nada naquele tempo.
Mais a rosada? Já deu a rosada, já furô algum tomate já. Ai, o povo fico doido
mode o tomate. Num cunhecia... ninguém cunhicia. E aí prá vender esse tomate? Eu
falei, eu vô levá pra cidade. Aí, levei na carga. Tinha uns balaião lá em casa, tinha
cangaia, né? Pus a carga num cavalo, nos dois balaião, panhei as foia de bananeira,
ponhava o tomate e tudo. Aí, levei dois balai pra feira de Taiobeira (cidade
vizinha), Chego lá, pus lá. Iche, a mueirada passava, oiava. Ali quem comprava era
só gente... Aquele povo mais rico, né? Esse povo de... lembro até hoje, a muié de
Joelão, esse povo assim que vinha comprá... Que aí eles conhecia, né? Que o povo
num conhecia tomate quase. E daí daquele tempo, Dr. João já animô. Aí nós
formamamo um ... (pausa). Na escola lá embaixo. Dona Delina morava lá, né? Aí
nós formamo um clube, chamava clube dos 4 S e formemo uma horta lá ni Olegário
depois dessa roçinha nossa. Daí formemo lá. Eu mermo já fazia parte. Eu num tava
na escola mais, mais aí nós foi. Zildo era tesoureiro. Zildinho, aquele, né?
Escolhemo a diretoria e criemo aquilo ali. E aí, através disso. Quando passou...
passou, aí nós prantamos. Já levava ai repolho. Prantamo bastante coisinha dentro.
Só qui o tomate... ce levava duas, três caxa de tomate, num vendia tudo não. Daí
nós discubrimo Salinas. Salinas era a maior que naquele tempo tinha. (..) Dr. João
já levo nós lá, pra nós ficá uns três dias lá. Nós ficou na Escola Agrícola (hoje
Instituto Federal do Norte de Minas Gerais – Campus Salinas). Aí, nós fico lá... aí
que nós apredemo direito a mexer e foi assim que começô o tomate. Daí, passou
uns dois ano, por ai, eu era solteiro, né? Daí eu casei, passou uns dois ano, vei um
parente de minha muiê lá de São Paulo, que já mexia com tomate lá em Indaiatuba
Campinas, né?. Ai ele falô: “Oh, moço, cê gosta disso, vamo pra lá que lá é a terra
do tomate”. Ai eu fui. Fiquei um ano. Quando eu cheguei aqui... que o nome da
gente era conhecido, né? Ganhamo dinheiro naquele tempo. Foi bom de dinheiro.
Aí, nós começamo a estorar. Aí, nós já pratemos a lavora de vara, com motor, já
pratemo acho que... seis mil pé de tomate. Depois que nós prantou, aí leva pra
taiobeira. Tava vino duas caxa de tomate de Conquista (Vitória da Conquista/BA).
Tem um home lá, acho que é vivo até hoje. Ele trazia de Conquista duas caxas de
tomate. Chama até Levi. Ele trazia de Conquista pra vender na feira aí. Aí eu já
contratei com ele. Aí ele já num trouxe mais de Conquista e já foi começando mais
gente comprar. Aí, ele levava doze caxa, aí passou pra vinte, sabe? Ai o povo... aí
logo foi começando a mandar pra Rio Pardo. E já ficô assim. Aí, foi cresceno e o
nome da gente cresceu por causa que a gente era conhecido e prantou, né? Ai, o
povo começô (Entrevistado 2).
Um dos produtores entrevistados, o qual faz parte tanto do Conselho Comunitário
Matronense, quanto da Associação de Moradores, Trabalhadores e Produtores Rurais de
Nova Matrona desde sua criação, inclusive, fazendo parte da diretoria, elenca os benefícios
das mesmas. Segundo ele, hoje a comunidade dispõe de um trator e de um caminhão que
atendem aos interesses de todos. Alguns projetos foram implantados por intermédio delas,
62
como o Projeto de Vaca Leiteira, uma oficina de costuras que já está em pleno
funcionamento e a proposta de implantação de um outro que diz respeito ao cultivo da
mamoma no distrito, o qual já está sendo discutido com os moradores.
Pelo seu discurso não é sem motivos que representa uma forte liderança na
comunidade. Na ocasião, falou da importância das duas associações para o distrito de Nova
Matrona, ressaltando que as pessoas somente conseguem as coisas trabalhando juntas,
dialogando entre si e sempre tentando buscar e defender o que há de melhor para a
comunidade, pois as pessoas que lá residem não pretendem sair de lá. É lá que querem viver
juntamente com sua família, portanto “construir alguma coisa” para que todos possam ter
uma condição de vida melhor é de fundamental importância.
A principal dificuldade encontrada pelas associações em sua percepção é a questão
político-partidária:
Porque em Associação a política tem hora que atrapalha, né? Não deixa de não
estragar, porque sempre o político visa a associação como dele. Quando é na época
de eleição, ele protege uma e desfaz da outra. (...) Quando a gente acerta, né? O
palanque, quando a gente acerta o político, consegue acertar aquele um, aí tudo
bem. Você trabalha bem. Mas, infelizmente, como se diz, a gente não tem bola de
cristal pra saber. O que acontece? Aí o político, às vezes, acha que não recebeu
aquele apoio, assim (pausa) começa também a não aceitar os projetos da gente, né?
E a gente perde muito com isso, né? Uma perda muito grande (Entrevistado 1).
Pelo relato de outro entrevistado, que também se revela como uma grande liderança
na comunidade, ambas as associações trouxeram grandes melhorias, representando um forte
instrumento para a consecução de recursos para o distrito, inclusive, para a possibilidade de
futura criação de uma mini-cooperativa. Aponta, além do problema político-partidário
aludido pelo entrevistado acima, a não valorização delas por parte de algumas pessoas do
lugar, principalmente dos próprios produtores de tomate, como uma das principais
dificuldades encontradas pelas associações.
Num é mior qui hoje eu vejo assim, muita gente, inda os principal, os tomateiro
mermo, num valoriza muito, sabe? Mais é um órgão bom que nós tem na
comunidade, muito, muito. Todos os dois. (...) É qui tem mais força pra buscá se o
povo quiser. É que o povo num sabe usar, né? Mais se o povo quiser tem força pra
buscá recurso, inclusive, pode até criar uma mini-cooperativa dentro, né? Que era
muito importante pra comunidade. Agora, infelizmente nós trabaia meio sozim
mermo, né? O comando político de Salina num é assim ligado em agricultura não.
Então, fica mais difícil pra nós (Entrevistado 2).
Apesar das melhorias apontadas, ao analisar a fala de um deles, quando questionado
se participa da associação ou do conselho, observa-se que estes espaços são também
utilizados pelas empresas distribuidoras de insumos da região para comercializar e
propagandear seus produtos.
63
Dimais, né? Eles chama nós, nós vai pra lá. Vai lá, toma cerveja e come
churrasco até. (...) Eu acho qui era pra vê se ajudava os produtô, né? E ia vendê
bastante coisa pra eles também, né? (...) Mais é interessado vendê o adubo e o
veneno (Entrevistado 3).
Quanto à opção pelo cultivo de tomate e não de outro produto, os entrevistados
argumentaram que o tomate é um produto valorizado no mercado, seguido da produção de
pimentão, esta com um sensível crescimento nos últimos anos. Além disso, em não havendo
nenhum problema na produção, como o ataque de pragas e doenças e as complicações das
intempéries climáticas, é altamente rentável.
(...) Tem hora que dá um dinheirim muito bom, né? Tem hora que o povo num
tem ôtro emprego. O emprego qui tem é de prantar tomate. Feijão e milho num dá
nada, né? Num dá dinhêro. Ôtra hora as pessoa num faz nada e sobra mais. Tem
hora qui dá mais do qui perde, né? (Entrevistado 3).
Oh, nós prantava várias verdura: tomate, repolho, abobra, pimentão, pipino, só
que o tomate é mais procurado, né? Tem mais espaço, mais saída, né? O comércio
de tomate é melhor. Hoje já cresceu muito o plantio de pimenta. A pimenta
melhorou, mais o tomate é em primêro lugar ainda (Entrevistado 4).
Analisando as histórias de vida dos entrevistados, com exceção do entrevistado 3 que
não soube opinar, a versão de que foi a família dos Viana a primeira a plantar tomate no
distrito de Nova Matrona se confirma, seguida da família dos Bandeira, Adão de Vital e da
família dos baianos, conforme pode-se observar nos depoimentos abaixo:
Eu aqui classifico os Vianas, né?Aqui na região nossa é a família Vianas. Eles
foram os primeiros a iniciar aqui, né? Tem o Valdete (da família dos Viana) que
pode até conversar com ele, né? Ele vai ser uma pessoa que vai falar melhor ainda,
né? Por que ele foi um do mais velho, né? (Entrevistado 1).
Oia, pode dizer aqui dentro de Matrona, o primeiro que prantou foi eu mermo.
Depois de nós (...) daí vei os menino de Olegário (Baiano). Parece que prantaram um
pouquim. Acho que eles prantou um prouquim lá. Agora aqui eu prantei, Aí, Adão.
Adão Sela Veia que eles fala, Adão de Vital prantou e aí começou. Mais aí ce sabe,
né? Já começa o nome, aí nêgo já... já começa a pôr lavorinha grande. Mais lavora
de dez mil pé por aí, demoro um cado de tempo pra começar. Mais era uma média de
dois mil a três mil pé. Era pouco. E teve os minino de Doro lá embaixo que prantava.
Que é o Deir e Natalício. Aí, eles continuou lá e nós aqui e aí foi cresceno
(Entrevistado 2).
Nós. Nós comecemos né,? Nós (entrevistado da família dos Viana) e Adão.
Adão Sela Veia (Adão de Vital). Mais foi nós, né? Nós que continuou (Entrevistado
4).
De acordo com a fala dos entrevistados, a produção de tomate era bastante tímida no
início, sendo esta comercializada nas feiras locais das cidades de Taiobeiras e Salinas,
64
atingindo só bem mais tarde, outros mercados, quando surge, inclusive, a figura do
“atravessador”.
Os entrevistados relataram com detalhes as dificuldades para comercializar o tomate
naquela época. A produção era tirada da roça, puxada em carros de boi até um caminhão.
Como eles não possuíam caixas para embalar os tomates, estes eram jogados na carroceria do
caminhão e seguiam viagem para outros mercados, como por exemplo, Montes Claros, no
norte de Minas e Vitória da Conquista, no Estado da Bahia, onde eram vendidos a granel. À
proporção que a produção foi se tornando mais significativa passou a atrair, inclusive,
intermediários, ocasionando uma grande alteração na comercialização do produto que além
da produção passar a ser embalada em caixas próprias, alcançou também outros mercados do
Estado de Minas Gerais, São Paulo e dos estados do Nordeste do Brasil. Relatam que nos
dias de hoje, durante a colheita, saem de cinco a seis caminhões por semana, carregados de
tomate.
Questionados sobre quais diferenças apontariam quanto ao modo de se produzir e
comercializar tomate de quando se iniciou para os dias de hoje, os entrevistados disseram que
era muito diferente devido a basicamente quatro fatores: 1º) Não se tinha acesso às
tecnologias, instrumentos, técnicas e insumos em comparação aos dias de hoje; 2º) Utilizavase pouco agrotóxico nas lavouras porque havia poucas pragas e doenças; 3º) A produção era
pequena, e; 3º) O mercado para comercialização era pequeno e de difícil acesso.
Os entrevistados expuseram que antes tudo era mais difícil se comparado às
facilidades e às melhorias encontradas na produção atual. Há mais tecnologia, há a
disponibilidade de implementos agrícolas no preparo do solo para o plantio. As lojas
revendedoras e distribuidoras de insumos além de venderem a prazo os insumos, entregamnos na própria localidade. As mudas, hoje preparadas na estufa, vêm prontas para serem
transplantadas para o solo, enquanto antes eram feitas em copos de jornal, de forma bastante
artesanal e arriscada do ponto de vista das contaminações por bactérias, fungos e doenças de
modo geral.
65
Figura 12. Mudas de tomate prontas para serem transplantadas.
Apesar disto, dois dos entrevistados lembraram que apesar das facilidades
encontradas, a produção de tomate hoje onera mais o bolso dos produtores do que os de
antigamente, devido à necessidade do uso excessivo de agrotóxicos nas lavouras, os quais
consideram essencial para salvar a produção das pragas e das doenças, além do elevado preço
dos insumos.
Hoje é mais fácil por causa que o veneno, o adubo... tem hora que vem tudo na
casa da gente, né? E naquele tempo nós ia pra cidade comprar. Era tudo mais
difícil, né? Hoje ta bem mior. Tá até mais caro, né? Hoje tá caro pra tocar uma roça
de tomate. Porque o adubo encariou dimais, o veneno encariou dimais. Se é uma
pessoa qualquer é pirigoso ele num pegá nem a conta (Entrevistado 3).
É, o tomate tem que usar bastante mesmo (agrotóxicos). Num dá pra produzir
hoje sem usar. Ninguém nunca tentô não, mais eu acho que num dá não que o
tomate ele puxa muito inseto, né? E doença. E se num usar eu acho que num...
num... que num gira não. (...) Tem que ter veneno. O veneno é essencial, né? Tem
qui ter, num tem jeito (Entrevistado 4)
Considerando a produção de tomate uma produção que envolve custos bastante
elevados, os entrevistados ainda reclamaram da falta de apoio das instituições financeiras,
políticas e governamentais, apesar do povo de Nova Matrona ser considerado por eles como
“bom e trabaiador”. Em sua opinião, deveria haver subsídios, sobretudo, para os produtores
mais carentes, tendo em vista que a produção de tomate traz desenvolvimento pra região,
gera emprego e renda.
66
Eu acho o seguinte, que o povo nosso somo bom, somo trabaiador, mais é
quenem nós falamo aí. Nós num tem assim uma ajuda, vamo supor, assim um apoio
político, o Banco, a própria EMATER, tudo. Nós num tem aquela ajuda, sabe?
Como lá (São Paulo), a gente já conviveu 10 ano, a gente sabe, né? Lá pra São
Paulo. Aqui não. Aqui a gente toca é na bruta mermo (Entrevistado 2)
Aqui pra miorar precisava o banco ajudá, né? Na EMATER, a gente vai lá fazê
uma cartêra e enjoa de tanto ir lá. E no fim num sai nada. Num sei mode quê qui
num sai nada. Eu tenho um filho qui tomou raiva qui foi lá num sei quantas vez e
num deu nada (Entrevistado 3).
Outros aspectos relevantes apontados pelos entrevistados quanto às melhorias na
produção atual, dizem respeito à expansão do mercado da venda do tomate e às facilidades aí
observadas como a disponibilidade de caixas próprias para o acondicionamento e transporte,
além do fato dos produtores não precisarem mais fazer longas viagens, pois os compradores,
também chamados de “atravessadores”, vêm até Nova Matrona para adquirirem toda a
produção. A única vantagem apontada na produção de antigamente para a de hoje é de que
não se utilizava muito “veneno”, como dizem os produtores, pois as pragas e doenças,
mesmo já havendo algumas que prejudicavam as lavouras e preocupavam os produtores
demandando a utilização de agrotóxicos, ainda não se apresentavam como nos dias de hoje,
quando o número delas, segundo eles, aumentou assustadoramente.
Ah, hoje é bem mais fácil, né? Praticamente no comércio, o pessoal já vem de
longe buscar as verduras. Nós vendemos aqui. O quanto antes era difícil. A gente
tinha que ta levando, procurando levar longe, buscando os mercados longe, né?
Hoje é bem mais fácil pra gente vender, né? E pra produzir também ta bem melhor
porque a tecnologia avançou muito. Hoje nós temos sementes de qualidade, temos
produtos que enquadra no mercado. É um produto de primeira qualidade. Bem
melhor (Entrevistado 1).
Oia, pra falar assim da base de química, de adubo de veneno, dessas coisa é. E
pra vender, né? Agora, aquele tempo num existia doença também, né? Que num
tinha, né. Então, foi um início assim que a gente tentou e foi bom que o que eu
tenho hoje também foi ganhado de tomate, né? Que eu num ganhava salário (pausa)
e a região cresceu. (...) Mermo esse seis mil pé que eu prantei num foi usado adubo
químico nenhum. Foi usado esterco de curral. A gente trazia o esterco, curtia, né?.
Ai, Dr. João já tinha passado pra nós pra curtir pra pôr pra horta e coisa. Aí, eu
pegava o esterco, ele curtia, ficava mais úmido. Ele curtia e cê apricava ele ali(...) E
o veneno, o veneno nós passava alguma vez um folidolzinho, sabe? Mais aí era uma
vez por semana ou quinze dias pra passar uma vez. Que num tinha muito a doença
ainda não. Mais a única doença que tinha... a rosada, essa furava, já aparecia aqui.
Que é a que persegue até hoje, né? Mais isso é em todo canto. E deu um pouquim
de vira-cabeça, mais isso aí é comum mesmo, num tem jeito (Entrevistado 2).
(...) No início, a gente fazia o copim de jornal. A gente prantava... puía a
semente no copim e hoje num pranta mais ni copim. Pranta é nas bandeja, né?
Naquele tempo, nós mermo que cuidava da muda, né? Hoje não, a gente já recebe a
muda pronta (Entrevistado 3).
67
Ah, hoje é mais fácil, né? (...) Que tem o trator, né? O trator faz tudo. É arar a
terra, riscar ela. Fica tudo no jeitinho, né?. Hoje não. Hoje a gente já compra a
muda já pronta. Tem caxa, tem tudo. Tem os comprador. Naquele tempo, tinha que
vender na feira, né? O pessoal num conhecia muito (Entrevistado 4).
Mesmo apontando como vantagem a pouca utilização de agrotóxicos, as falas
expressam nitidamente a percepção dos produtores, os quais consideram que, embora
utilizando menos, estas substâncias eram mais agressivas se comparadas às de hoje, somado
ao desconhecimento dos trabalhadores rurais quanto aos riscos à saúde, fato agravado ainda
mais pela pouca preocupação dos produtores/patrões com a questão da proteção no momento
da pulverização dos produtos nas lavouras, ou pelo costume de não utilizarem o EPI’s –
Equipamentos de Proteção Individual ou simplesmente pela falta destes.
É, hoje usa mais que esse trem é assim, a praga vem, né? Cê pranta, vem e se
num usar num coe o tomate, né? (...) Naquele tempo era mais pirigoso que ponhava
veneno sem saber. E hoje não. A gente já panha o veneno certo, né? Que o veneno
é pro tomate e pra gente não é muito pirigoso. Então eu já vi muita gente cum medo
de tomate, mais eu num tenho muito medo não. Mode isso ai, não. Eu como tomate
qualquer hora (Entrevistado 2).
Naquele tempo num tinha proteção. Naquele tempo num tinha proteção
ninhuma. De primero, a rôpa que nós ia pra roça sulfatar não tinha proteção
nenhuma (...) Chegava pingano de moiada de veneno. Só tirava, jogava pra lá,
tomava um banho e vestia ôtra (Entrevistado 3).
Um dos entrevistados, reportando-se à sua experiência nas lavouras de tomate no
interior de São Paulo, lembra dos riscos a que os trabalhadores eram expostos naquela época,
sem terem conhecimento do fato e sem disporem de instrumentos de proteção individual
(EPI), que em sua percepção, causavam mais danos à saúde dos que os utilizados nos dias de
hoje. Contraditoriamente, deixa em evidência que apesar da disponibilidade dos
equipamentos de proteção individual na atualidade, os produtores fazem pouco uso deles,
pois, em sua opinião, os agrotóxicos manipulados agora não causam risco à saúde do
trabalhador. E, ainda assim, têm a opção de fazerem uso dos EPI’s, pois os mesmos estão a
seu alcance. Por isso, consideram, no que diz respeito ao uso destas substâncias, que hoje as
coisas estão mais fáceis, menos arriscada do ponto de vista da saúde humana.
(...) Lá em São Paulo, eu daí dos meu 30 ano por ai, nós sulfatou um tomate. E à
noite, nós num conseguiu assistir televisão. Que a gente num sabia, o patrão num
avisô e dava um... deu um sistema de uma pimenta, aquele ardor nos ói e desse
tempo pra cá a gente num ficô assim (pausa) Eu vi que a vista num é normal mais e
foi o veneno lá.. Só que hoje o povo num usa por causa que já vem preparado, né?
Assim, já tem aquela estrutura. Naquele tempo não. Aquele, cê usava uma rôpa aí,
tinha que jogá fora porque num tinha sabão que tirava o fedor não. Hoje usa menos
(EPI). É o veneno já preparado, né? Já estudado, né? Feito teste. Então é o que eu
falo, eu sinto assim. Eu num toco por causa que a idade já num dá mais. Mais hoje
68
é mior, ta mais fácil pro povo. Tem a rôpa, tem tudo, né? A bota, tem tudo. E
aquele tempo num tinha nada. Eu lembro que nós sulfatava aí... Era difícil dimais
(Entrevistado 2).
Apesar da obrigatoriedade e da disponibilidade dos Equipamentos de Proteção
Individual- EPI- no momento atual, observa-se pela fala dos entrevistados que esta prática
não é muito freqüente.
Sabe, eu vejo sulfatano aí e é difícil cê vê um com a capa. (...) A pessoa pra
sulfatar hoje ele tem que ter capa, máscara e bota no pé. Eu vejo nêgo sulfatano aí
até de bermuda hoje ainda. Num pode não (Entrevistado 2).
Quando questionado se, na época, tomavam-se os devidos cuidados na utilização dos
equipamentos de proteção ao pulverizar a lavoura ou manusear o produto, um dos
entrevistados relatou suas experiências nas lavouras de tomate em São Paulo, onde fica
evidente que não se utilizavam os equipamentos, apesar das recomendações do patrão,
alegando que estes eram muito desconfortáveis, calorentos, os quais dificultavam os
movimentos do corpo e a própria visão, além da firme convicção de que aquilo não iria lhe
fazer mal algum. Avaliando esta fala, podemos encontrar aí as possíveis razões pelas quais
alguns produtores do momento, sejam negligentes acerca desta questão.
Tomava nada. O japonês brigava cumigo porque eu ia mexer a caxa de veneno
sem luva, sem máscara, sem nada. E nunca tontei com veneno.(...) Eu vô pô uma
máscara aqui, vai me trapaiar. Vô pô luva, me trapaia. Eu mexia com as caxona,
né? Cheia de veneno pros minino sulfatar e nunca fez mal não. (...) É porque aquilo
é uma rôpa muito ruim da gente vistir ela e trabaiar, né? Com a rôpa natural da
gente é mior, né? A gente num se imortano com o veneno no corpo? É muito
calorento, né. Ele é um prástico, né? Aquilo, a hora que isquenta, a pessoa trabaia
na marra (Entrevistado 3)
Entretanto, percebe-se certa preocupação com os riscos à saúde em sua fala, quando
questionado acerca da razão pela qual alguns produtores hoje não usam EPI’s, embora os
possuam e apesar de tantas orientações que existem e da obrigatoriedade da lei quanto ao uso
e fiscalização. Ele explica que alguns não têm e os que têm não fazem uso dele devido à falta
de cuidado com a própria proteção à saúde. Em sua opinião, embora estes fatos sejam
corriqueiros nas lavouras de tomate, a consciência dos produtores em relação a isso está
aumentando.
Tem uns qui usa, tem ôtros que têm e num usa. Tem uns qui têm os equipamento,
né? E num usa não. Chega na roça lá eles ta sulfatano cum a rôpa do corpo. (...) E
precisava usar, né? Falta de capricho, né? Qui a gente ta mexeno cum aquele
veneno tem qui ta protegido, né? É, tem hora qui é falta, né? Descuido, né? (...)
(Entrevistado 3).
69
Situação observada também nas falas dos entrevistados é a de que, apesar da
utilização maior de agrotóxicos, a infestação de pragas e doenças aumentou,
consideravelmente, de uns anos pra cá. A mosca branca tão temida hoje na região, conforme
um deles, não existia antigamente. Ela começou a aparecer há aproximadamente 10 anos.
Explicou ainda que muitas culturas como as do feijão, por exemplo, tão comuns há uns anos
atrás, dependendo da época, não se pode plantar porque não produz nada, pois a mosca
branca ataca toda a plantação.
Outro entrevistado relatou o fato de modo quase cômico, se não fosse trágico,
denominando, pela primeira vez ao longo da entrevista, os agrotóxicos como “remédios”,
quando se refere à ação dos Engenheiros Agrônomos ou Técnicos Agrícolas das lojas
revendedoras e distribuidoras de insumos, os quais vendem os produtos e, ao mesmo tempo,
prestam assistência técnica na região.
É, aumentou muito.(...) Cê vê qui hoje a lagarta aí, qualquer coisinha, ta
comendo é pasto, é o mi, tudo o quanto, né? Aquele tempo existia mermo, mais era
muito difícil. Tinha ano que num dava. Agora todo ano dá. (...). Naquele tempo
num tinha nem a metade da praga qui tem hoje. Hoje, tem praga aí qui os agrômo
traz remédio, aí parece que tá dando é fortificante. (Entrevistado 3)
Aspecto interessante também observou outro produtor: a cultura do arroz, que era
comum também na região, não se produz mais, principalmente por causa das longas
estiagens. Explica que se se planta o feijão e o milho ainda é apenas para “compor o tempo
do homem do campo”, para aproveitar o período das chuvas. Como na região chove pouco
ou de forma irregular, se ficar só nisso, os produtores vão ser obrigados a ficar parados por
um período de quatro a seis meses esperando uma nova temporada de chuva. Neste sentido,
segundo ele “a verdura caiu bem. (...) Tá sendo muito bem comercializada, procurada aqui na
região”.
No que diz respeito aos riscos para os recursos naturais, como a água, o solo, como
também para os animais silvestres, peixes, resultantes da intensiva
agroquímicos nas lavouras de tomate, sentiu-se nas
utilização de
falas dos produtores, preocupação
latente, mostrando que estes, pelas próprias experiências vividas, percebem já alguns danos.
As falas estão repletas de profundo sentimento para com a natureza, atitude compreensível
para um homem do campo que aprendeu na lida e na convivência com a terra, o valor da
conservação dos recursos naturais para a sua sobrevivência e a de sua família.
70
(...) Eu acho que o qui vai perdê mais é a terra. A terra vai morrer mais. (...)
Inclusive, eu tô falano por causa qui eu cunheço terra lá em São Paulo, qui a terra
hoje num ta produzino nada. Principal esse veneno, esse mata-mato que o povo usa.
Eu sou contra o mata-mato, sabe? Num é veneno que aprica ni tomate. Sou contra
aquele que bate no chão pra matá praga, mato, aquele negócio, né? Aquele lá acaba
com a terra. (...) A terra, o ri, né? Ai, ai! Se num luitar acaba porque já cabô em
muita região lá (Entrevistado 2).
Ah, se dexá cair dentro da água projudica que mata os peixe, né? E pássaro, né?
Os pássaro, se deixá eles comê, se apricá assim em lugar que fica derramano e o
bichim bebe, ah, morre tudo, né? (Entrevistado 4).
Outro aspecto abordado pelos entrevistados refere-se à questão das embalagens de
agrotóxicos que ainda não têm destino certo para serem descartadas, e apesar disto não há
uma cobrança e fiscalização rígida por parte dos órgãos competentes, podendo constituir-se
em um grande problema para os recursos naturais, conforme se observa no relato deste
entrevistado.
(...) Inclusive aqui na barrage aí, esses dia mermo eu achei um vidro que vei da
enchente, né? De embalage de veneno. Esse aí é sério mermo. (...) Por isso que eu
falo que nós pranta e coisa e num tem organização assim, num tem cobrança, num
tem nada e precisava porque é sério a embalage. Esse eu concordo qui é difícil, cê
vê lavora aí que, oh! (Entrevistado 2).
Quando questionados sobre com quem aprenderam as técnicas de cultivar o tomate,
embora nos relatos dos entrevistados descritos acima observou-se a participação da antiga
ACAR local, hoje EMATER, os produtores deixam claro em suas falas a forte influência das
vivências próprias ou da de outros colegas produtores nas lavouras de tomate no Estado de
São Paulo, como também da importância da troca de informações/orientações entre eles. As
falas refletem ainda as dificuldades encontradas na aprendizagem do ofício.
Aprendemos, primeiramente, foi uns com o outros, né? Um olhando com os
outros. È, já havia algumas pessoas que trabalhavam em São Paulo, fora. Vinha e
começava a falar. Até qui a gente no começo apanhou muito, né? Até parece uma
brincadeira. Vou até contar aqui. Quando eu comecei a plantar o primeiro tomate a
gente sempre dá o primeiro amarrio, né? Aí, nós num tinha corda, num tinha fita.
Não existia fita, não existia. Nós nem conhecia o biri, chamava biri que era a taboa,
né? Aí eu comecei a amarrar e aconteceu que eu achei um pedacinho de lona que
tirava as fitinhas e eu amarrei com essas fitinhas. Mas o pé de tomate foi
crescendo e começou a cortar os pé de tomate. Eu tive de voltar arrancando tudo de
novo, cortando elas, né? Porque, ao invés, elas tavam cortando os pés de tomate,
porque eu amarrei muito, muito acochadinho, né? Aí, que nós usava até a própria
paia de bananeira, né? Tirava aquelas paias de bananeira, tirava as cordinha pra
amarrar no início. Aí viemos, o biri, a taboa, chamada ...não é bem a taboa é biri,
era o que chamava os que nós tivara nas lagoa, né? Então, todas as dificuldades
foram acontecendo, né? Aí finalmente, até que começaram a aparecer fitas (...) a
gente rasgava. Hoje tem mais tudo facilidades, né? (Entrevistado 1)
(...) O responsável foi São Paulo. Eu fui a primêra vez aqui da Matrona. Ganhei
dinhêro, Então aquilo deu aquela explosão, né? Que eu tinha ganhado dinhêro.
Naquele tempo, acho que foi uns quatorze mil. Num sei o que qui era. Era um
dinherão naquele tempo. (...) Pensô qui não, já tava ino de famia intera, né? Por
71
conta mermo, ir pra lá e foi aprendeno. Vai ni são Paulo, toca um ano, dois e vem
prá cá e trabaia, né? E amontoa aí (Entrevistado 2).
(...) Quando eu fui pra São Paulo eu já tinha prantado aqui. Nós começô prantar
aqui, depois nós foi pra são Paulo, né? E ni são Paulo eu prantei muito. Depois, eu
vim pra cá e continuei prantando também (entrevistado 3).
Ah, foi em São Paulo. No Estado de São Paulo, em Cardeal. É, lá nós foi em 73.
* foi primeiro. Depois ele escreveu e eu fui e trabaiei com ele. Ai, a gente aprendeu,
né? Lá é, vixe, lá é tudo mais fácil. Tem as máquina e a gente copiou com eles.
Chegou aqui, prantou aqui, deu certo (Entrevistado 4).
A migração sazonal na região ainda é bastante acentuada, embora tenha diminuído
com o reaquecimento da produção de tomate nos últimos anos, devido à utilização de uma
semente mais resistente às pragas e doenças que vem sendo utilizada. A semente pertence ao
grupo de cultivares híbrido tipo longa vida. No período em que ocorreram as entrevistas, mês
de janeiro de 2009, os entrevistados falaram que dali a trinta ou sessenta dias pouca gente ia
ficar no povoado, pois famílias inteiras, neste período, migram para empregar sua força de
trabalho nas lavouras de tomate do Estado de São Paulo e no sul do Estado de Minas Gerais,
sobretudo, aquelas que não possuem condições de arcar, por conta própria, com os custos da
lavoura de tomate.
Um dos entrevistados, apontando um prédio construído recentemente no centro de
Nova Matrona, disse:
Treis lavôra de São Paulo. Treis lavôra e ele fez aquele predim ali. Se ele num
vai trabaiar ni São Paulo, aqui ele num fazia nem uma casa boa, né? Dinhêro daqui
é difícl, né?. Só se ele inventasse de tocá tomate aqui e desse uma lavôra boa, né?
Mais é muito arriscado (Entrevistado 3).
Segundo os entrevistados, como a produção de tomate é uma atividade arriscada do
ponto de vista econômico devido aos altos custos gastos com os insumos e também porque as
pragas, bactérias e doenças, como também as intempéries climáticas constituem ameaças
constantes, a vida dos produtores de tomate é recheada de histórias ora de fracasso, ora de
sucesso. Vale ressaltar que os termos “fracasso” e “sucesso”, para os produtores significam,
neste contexto, perda ou ganho de recursos financeiros.
Os entrevistados relataram histórias que marcaram suas vidas como produtores de
tomate. Os relatos aqui transcritos referem-se a uma história de fracasso envolvendo a perda
total de uma lavoura de tomate, a qual causou um grande prejuízo de difícil recuperação e a
uma história de sucesso de um dos entrevistados, revelando que a vida de produtor de tomate
tem lá seus altos e baixos.
72
Aí, eu peguei enganado um vido, o menino meu, né? Pegô enganado um vido de
mata-mato e a lavôra tava bunita, no terceiro amario. Aí pegô, eles aí. Quando nós
cabo de sulfatá a roça, nós olhou pra trás, tava empretano. Ai, eu falei: Ué, minino,
onde é que cê acho esse veneno? Ele falô: Foi em cima de uma pratileirinha, lá na
dispensa. Falei: Aquele lá é o tal mata-mato que eu troxe lá de *, La da Lagoa
Dourada. Qui o menino meu morava lá. Eu troxe pra matar mato, assim, né? Ni
algum lugar. Aí ele... (pausa). Eu falei: Já cabo a lavôra. Mais, oh, gente, mais num
demorô nada, morreu tudo. Foi uma coisa tremenda (Entrevistado 3).
Tinha uma vez que eu vendi aquele caminhão de tomate. (...) Mais era dinhêro
pra bater de pau, viu? Eu já mexi cum lavora de tomate que tive quase qui
comprano um sítio. Ali perto de *. Mode cinqüenta conto eu num comprei o sítio.
Naquele tempo era conto. Mode 50 conto eu num comprei. Eu inté hoje eu
arrependo, falo: Êta dó, né? Agora num compra mais, cabô (Entrevistado 3)
A crescente produção de tomate passou a representar, conforme os entrevistados, uma
grande fonte de renda para o distrito de Nova Matrona, promovendo o crescimento
econômico e melhorias nas condições de vida dos produtores e de suas famílias, chegando a
afirmarem com orgulho que o tomate representa tudo para Nova Matrona. Representa
emprego e renda. Segundo eles, o distrito de Nova Matrona é considerado hoje o centro, o
pólo do tomate no município. Assim, se expressam dois dos entrevistados:
Eu olho assim e falo: mais começou da gente, sem nada, sem a gente pensar, né?
De repente tá ai. A região nossa melhorou mermo, né? Eu sempre falo que
Matrona é um pedaçim de São Paulo que tem em Minas, né? Só que o povo até
num valoriza muito não. Mais é uma coisa importante pra nós, porque se num fosse
nós, tava no que tava, né? Então, o que nós ia fazê aqui? Então, foi muito bom
(entrevistado 2).
A região desenvolveu, né? (...) Então, a rapaziada tudo que tem suas moto nova,
o pessoal tem casa boa... é tudo ganhado de tomate, né? A Matrona é dominada
pelo tomate (Entrevistado 4).
73
Figura 13. Vista parcial de uma residência na zona rural de Nova Matrona.
Hoje, na opinião dos entrevistados, o distrito de Nova Matrona tornou-se famosa pela
qualidade do tomate que produz. Fato somente possível, segundo a opinião de um deles, à
fertilidade dos solos e à, quase incompreensível, falta de chuva, além da coragem de seu
povo, que ousa enfrentar uma jornada de trabalho que não tem, como se diz por lá, “dias
santos e feriados”.
(...) por causa qui a terra é boa, aqui num tem, como diz, num tem tempo ruim.
Cê pode prantar em janeiro, fevereiro qui cê produz o tomate. Tem região qui cê
pranta em janeiro, tem ôtras que é ni fevereiro, dezembro. Aqui é fevereiro pra
março. É a mior época qui aí cê produz bem e num tem problema de doença muito,
né? E a produção é mior. É o solo. O solo de cima é bom, né? A chuva nossa num é
muita. E a terra e o povo nosso que é..., né? O povo nosso é muito trabaiador
mermo. Eu tiro o chapéu pra eles. Tem corage, né? Tem corage (Entrevistado 2).
Mas, apesar do dia-a-dia “puxado”, os produtores de tomate que já não estão mais na
lida, revelam sentir saudades da vida de “tomateiro”, como se autodenominam.
Dá saudade. É qui a gente ta na roça cum todo mundo trabaiano, né? E fica tudo
reunido, né? A gente faz aquele ranchão na roça. Quando é a hora do café, mei-dia,
é uma bagunça. Na hora do armoço e no café é biscoito prali, praculá. É todo
mundo trabaiano junto, né? (Entrevistado 3).
74
Figura 14. Ex-produtor de tomate em sua residência no povoado de Nova Matrona,
juntamente com sua esposa.
4.3. Entrevista Semi-Estruturada
Na condução do estudo de caso também foi utilizada, como segunda etapa, a
entrevista semi-estruturada que, segundo Alencar e Gomes (1998, p. 84), “consiste em um
método de coleta de informações mais utilizado nas pesquisas sociais”, tendo sido empregada
como técnica principal deste estudo e combinada com as outras técnicas já descritas.
Entrevistas são fundamentais quando se precisa/deseja mapear práticas, crenças,
valores de universos sociais específicos em que conflitos e contradições não estejam claros,
pois estas permitem ao pesquisador fazer um mergulho em profundidade, coletando indícios
dos modos como os sujeitos percebem e dão significado a sua realidade, além de possibilitar
o levantamento de informações que permitam descrever e compreender a lógica das relações
que se estabelecem no interior daquele grupo (DUARTE, 2004).
Neste sentido, as entrevistas foram utilizadas neste projeto de pesquisa para
identificar os fatores psicossociais que contribuem para aumentar os níveis de preocupação
dos produtores quanto aos riscos advindos do uso de agrotóxicos em suas atividades, quais
sejam, econômicos, ao meio ambiente e à saúde humana, além de mapear as crenças, valores,
75
convicções e conflitos sócio-culturais nas falas, silêncios e normas adotadas pelos produtores
em suas práticas laborais.
4.3.1. Amostra dos sujeitos da pesquisa
Um plano de amostragem compreende a definição do tamanho e do desenho da
amostra, quando a população é delimitada em termos espaciais e temporais, identificando-se
assim o total de indivíduos que a compõe. Entretanto, na visão de Duarte (2002), numa
metodologia de base qualitativa o número de sujeitos que farão parte das entrevistas
dificilmente poderá ser determinado a priori, uma vez que tudo vai depender da qualidade
das informações obtidas em cada depoimento, assim como da profundidade e do grau de
recorrência e divergências dessas informações. Enquanto estiverem aparecendo dados novos
que apontem para novas perspectivas à investigação em curso as entrevistas precisam
continuar sendo feitas. Quando for possível identificar os padrões simbólicos, práticas e
visões de mundo do universo em questão e as recorrências atingem o que convencionou
chamar de “ponto de saturação”, dá-se, portanto, finalizado o trabalho de campo, fato que
não impede o pesquisador de voltar a colher outras informações se julgar necessárias para
esclarecer um ou outro aspecto.
Os nomes dos entrevistados foram indicados pelos produtores que fizeram parte da
primeira etapa, ou seja, da história de vida, os quais representaram os informantes-chave,
obedecendo ao critério estabelecido, qual seja: tratar-se de produtor atuante e expressivo no
momento da pesquisa. Os produtores indicados foram relacionados e, posteriormente,
procurados para saber sobre a disponibilidade e interesse em participar da pesquisa. Apenas
um dos abordados recusou-se a participar alegando que tinha pouca experiência no assunto, o
qual foi respeitado.
Cabe aqui esclarecer que por produtores de tomate a que nos referimos são pequenos
produtores rurais, alguns proprietários de terra, outros arrendatários e meeiros, lembrando
que muitos proprietários acabam sendo obrigados a arrendarem terras para o estabelecimento
de novas lavouras de tomate, pois o tomate exige segundo o que os produtores nos relataram,
mudança da área a ser plantada, aspecto confirmado pelo GLOBO RURAL (2009, p.8), o
qual esclarece que, “(...) de preferência, o plantio de tomate deve ser feito em terrenos novos,
não cultivados antes com tomate. Se houver necessidade de repetir o plantio no mesmo
terreno, só fazê-lo no caso de não ter havido ataque severo de doenças na cultura”.
76
4.3.2. Operacionalização das entrevistas semi-estruturadas
As entrevistas foram realizadas no mês de janeiro de 2009. Ao final das 22 (vinte e
duas) entrevistas com os produtores de tomate atuantes na região no momento da pesquisa,
deu-se por encerrado o trabalho, uma vez que se chegou ao chamado “ponto de saturação”,
quando nenhum dado novo estava mais sendo acrescentado.
As entrevistas foram feitas individualmente e guiadas por um roteiro semiestruturado, previamente elaborado, que, conforme Alencar e Gomes (1998, p. 92) tem a
finalidade de ”orientar o pesquisador, evitando que tópicos relevantes deixem de ser
abordados. O momento e o modo como os tópicos são transformados em questões decorrerão
do desenrolar da entrevista”.
O roteiro das entrevistas abordou questões relativas à identificação dos produtores,
relações de trabalho, sistema de produção, aspectos históricos da produção, comercialização
da produção, práticas da venda e uso de agrotóxicos, percepção de riscos econômicos,
ambientais e à saúde humana, bem como a importância da produção de tomate para o distrito
de Nova Matrona.
No desenrolar da entrevista nada impediu que alguns aspectos fossem aprofundados
mediante questões que emergiram entre pesquisador e entrevistado, visando uma melhor
compreensão do assunto a partir de novas interpretações fornecidas pelo entrevistado.
Durante a entrevista alguns cuidados foram observados, tais como: iniciou-se a
entrevista com uma explanação sucinta sobre os objetivos da pesquisa, o motivo pelo qual o
entrevistado foi selecionado e a importância das suas respostas para o estudo, bem como se
esclareceu que os depoimentos seriam analisados em conjunto com as respostas de outros
entrevistados, mantendo, desta forma, a identidade do entrevistado no anonimato.
As primeiras questões, não inclusas no roteiro, versaram sobre aspectos do cotidiano
e da vida familiar dos produtores tendo em vista facilitar a comunicação e quebrar o gelo
entre entrevistado e entrevistador.
As entrevistas foram agendadas respeitando-se o horário e o local de interesse e
disponibilidade dos entrevistados. Com exceção de duas entrevistas que foram realizadas no
local de trabalho dos entrevistados, as vinte entrevistas restantes foram feitas no aconchego
das residências dos produtores, os quais se revelaram bastante receptivos, bem como seus
familiares. As entrevistas, em sua maioria, foram regadas a sucos, água, café e biscoitos,
dentre outras guloseimas. Isso possibilitou situações de contato, ao mesmo tempo formais e
informais, de modo que o discurso fluiu mais ou menos livre, sem perder de vista, é evidente,
77
os objetivos propostos por esta pesquisa e o motivo pelo qual se buscou aquele sujeito
específico como fonte de material empírico para o trabalho de investigação.
Figura 15. Residência de um produtor de tomate zona urbana, Nova Matrona
juntamente com a pesquisadora.
Para a realização da pesquisa foram seguidos todos os procedimentos éticos
recomendados por se tratar de pesquisa envolvendo seres humanos. Neste sentido, aqui
também todos os entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o
qual foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC),
Ilhéus-BA. As entrevistas foram feitas face a face, por meio de um gravador slide
microphone, panasonic, cassette recorder RQ – L31 e fitas cassetes, as quais posteriormente
foram transcritas de forma literal e analisadas.
Durante a realização das entrevistas, os produtores foram chamados pelo primeiro
nome, como também na transcrição das fitas, tendo em vista facilitar o processo de análise
das mesmas, caso precisasse recorrer à memória visando à maior riqueza de detalhes.
Entretanto, nos fragmentos dos discursos e na composição dos quadros com as expressões
chave (ECHs), idéias-centrais (ICs) e Discursos do Sujeito Coletivo (DSCs) para cada
unidade de significação, os nomes foram substituídos pela expressão “Produtor”, seguida do
numeral correspondente à ordem alfabética dos nomes dos entrevistados, tendo em vista
preservar as suas identidades.
78
Foi assumido um compromisso com os entrevistados que ao término da pesquisa, os
resultados seriam socializados a todos os sujeitos da pesquisa, após defesa e entrega final da
dissertação, no distrito de Nova Matrona, em data e local previamente estabelecidos.
79
5. Procedimentos de transcrição, análise e interpretação de dados
De acordo com Marconi & Lakatos (2005), depois de manipulados os dados e
conseguido os resultados, a próxima etapa consiste na análise e interpretação dos mesmos,
representando ambas o núcleo central da pesquisa.
Logo após a realização das entrevistas, estas foram devidamente transcritas em sua
forma literal. Após a transcrição, ouviu-se a gravação tendo o texto transcrito em mãos,
objetivando conferir a sua fidedignidade, bem como observar mudanças de entonação,
pausas, silêncios, interjeições, etc., nas falas dos entrevistados.
Na etapa seguinte, fragmentou-se as entrevistas em unidades de significação às quais
foram articuladas umas às outras à partir das seguintes categoriais de análises: a)
caracterização do perfil sócio-cultural; b) relações de trabalho; c) sistema de produção; d)
aspectos históricos da introdução do cultivo do tomate no distrito de Nova Matrona; e)
comercialização da produção; f) práticas de compra e uso de agrotóxicos; g) percepção de
riscos econômicos; h) percepção de riscos ambientais; i) percepção de riscos à saúde humana,
e; j) importância da produção de tomate para o distrito de Nova Matrona.
Diante da amplitude e riqueza de detalhes do material coletado, julgou-se necessário
dividir o material em unidades de significação para o posterior procedimento de análise e
interpretação. Assim, para as unidades de significação: caracterização do perfil sóciocultural, relações de trabalho, sistema de produção e aspectos históricos da introdução do
cultivo do tomate no distrito de Nova Matrona foi utilizada a Teoria das Representações
Sociais (TRS).
Também foram utilizadas as observações feitas durante as visitas de campo, quando
foram registrados, num diário de pesquisa, aspectos relacionados às condições de trabalho, ao
uso de técnicas agrícolas e aspectos gerais da lavoura.
Para o tratamento das unidades de significação, a saber: comercialização da produção,
as práticas da compra e uso de agrotóxicos, percepção de riscos econômicos, ambientais e à
saúde humana foi empregada a técnica de Análise do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC)
que, segundo Teixeira e Lefèvre (2001), consiste num conjunto de procedimentos de
tabulação e organização de dados discursivos, sobretudo, daqueles provenientes de
depoimentos orais.
O DSC consiste em uma modalidade de análise de discursos obtidos em depoimentos
verbais ou em qualquer discurso que se encontre em textos e documentos escritos. O objetivo
80
é diminuir a variabilidade dos discursos como forma de conferir validade ao conhecimento
que o autor do discurso expressa em sua fala. A liberdade de se expressar, pensar e
argumentar dos depoentes deve ser valorizada (SALES e outros, 2007).
O DSC estrutura-se e organiza-se a partir da utilização de figuras metodológicas
denominadas como: ancoragem, idéia central, expressões-chave e o discurso do sujeito
coletivo propriamente dito. Estas etapas de análise são procedimentos adotados visando a
apreensão de significados que surgem no conjunto das falas, as quais compõem o
pensamento coletivo ou a representação do grupo sobre dada questão.
Ao se constituir o sujeito coletivo os discursos não se anulam ou se reduzem a uma
categoria comum unificadora. A proposta é reconstruir com pedaços de discursos individuais,
tantos discursos-sínteses quantos se fizerem necessários para expressar uma forma de pensar
ou uma representação social sobre um fenômeno (TEIXEIRA e LEFÈVRE, 2001).
A ancoragem é a manifestação lingüística explícita de uma dada teoria ou ideologia,
ou crença que o autor do discurso professa. Idéia central consiste na etapa de obtenção de
cada discurso o que ele tem de central em sua elaboração. Para Lefèvre e Lefèvre (2003),
conforme Sales e outros (2007, p. 132), idéia central “é um nome ou expressão lingüística
que revela e descreve, de maneira mais sintética, precisa e fidedigna possível, o sentido de
cada um dos discursos analisados”. Expressões-chave representam uma etapa em que se
resgata a literalidade do depoimento, uma prova discursivo-empírica da verdade das idéias
centrais e das ancoragens e vice-versa.
O discurso do sujeito coletivo é o estágio final originado das etapas de extração das
idéias-centrais e expressões-chave. Significa a representação que um grupo de falantes
manifesta acerca de um determinado tema. Ou seja, o discurso coletivo representa, como o
próprio nome diz, o pensamento de todos e, por isso mesmo, é redigido na primeira pessoa
do singular. Assim, busca-se construir com pedaços de discursos individuais, tantos
discursos-síntese quantos se fizerem necessários para expressar um dado pensar ou
representação social sobre um fenômeno (LEFÈVRE e LEFÈVRE, 2003, citados por SALES
e outros, 2007).
Este trabalho não pode ser feito aleatoriamente. É preciso considerar alguns
princípios tais como, coerência (o discurso como um todo deve ser coerente e fazer sentido),
posicionamento próprio (posição específica diante do tema estudado), distinção entre os
DSCs (no caso de se produzir mais de um DSC, deverão ser considerados os antagonismos
presentes e complementaridade possível entre eles) e, por fim, artificialidade natural, como
se um sujeito só falasse por todos (id ibid).
81
As etapas da metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), são as seguintes,
segundo Renovato e Dantas (2005):
1- Seleção das expressões-chave de cada discurso particular;
2- Identificação da idéia central de cada uma dessas expressões-chave;
3- Identificação das idéias centrais semelhantes ou complementares;
4- Reunião das expressões-chave referentes às idéias centrais semelhantes ou
complementares, em um discurso síntese que é o discurso do sujeito coletivo (DSC).
O DSC por representar um recurso metodológico, cujo objetivo é tornar clara e
expressiva as representações sociais, possibilitando que os sujeitos possam ser vistos como
autores e emissores de discursos comuns compartilhados entre seus membros, julgou-se o
instrumento eficaz para avaliar e compreender as percepções dos produtores de tomate
quanto aos riscos econômicos, ambientais e à saúde humana em suas atividades laborais.
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5.1. Caracterização dos sujeitos da pesquisa da entrevista semi-estruturada
Dos 22 produtores entrevistados, somente três são solteiros, sendo o restante casados.
Dois residem na zona rural e os outros 20, no povoado de Nova Matrona. Quanto ao gênero,
21 são homens revelando que a cultura do tomate é uma atividade predominantemente
masculina por demandar bastante força física e disponibilidade de tempo, segundo a opinião
deles. A faixa etária dos entrevistados vai de 17 a 60 anos. A experiência com a cultura do
tomate dos produtores entrevistados situa entre três a 40 anos.
O nível de escolaridade dos produtores é significativamente baixo, sendo que dos 22
entrevistados, um é analfabeto, três cursaram o Antigo Primário incompleto; nove, o Antigo
Primário completo; cinco cursaram o Ensino Fundamental incompleto e, apenas quatro
concluíram o Segundo Grau, inclusive, um deles cursou o Curso Técnico em Agropecuária
na então Escola Agrotécnica Federal de Salinas-MG e o outro, além de ter cursado o Ensino
Médio na Escola Estadual “Manoel Pedro Silva”, está cursando o Curso Técnico em
Informática, no Instituto Federal do Norte de Minas Gerais – Campus Salinas.
5.2. Relações de trabalho e sistema de produção
As características próprias do processo de produção agrícola geram dificuldade de
classificar de forma rígida e apriorística as relações de trabalho. As relações de trabalho são
estabelecidas de acordo com as necessidades e possibilidades econômicas de um dado
momento histórico das relações capital/trabalho (SILVA e outros, 2005).
Vários tipos de relações de trabalho são observados nas unidades produtivas
familiares, com destaque para a parceria do tipo meagem, o trabalho temporário na forma de
diarista, o arrendamento e o proprietário produtor. Estas relações não se apresentam de forma
isolada e nem estaque. Encontra-se proprietário que é também arrendatário e/ou meeiro;
meeiro de arrendatário, meeiro de meeiro, dentre outras combinações (SILVA, 2000,
conforme SILVA e outros, 2005).
As relações de trabalho no cultivo do tomate no distrito de Nova Matrona são
caracterizadas por relações familiares. Somente na época da colheita, quando demanda mais
mão-de-obra, contratam-se diaristas. Os produtores, mesmo possuindo uma pequena
propriedade de terra, relataram que, devido à necessidade de rotação de cultura, arrendam
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terras de outros proprietários para o cultivo do tomate, optando sempre por aquelas
localizadas próximas a um açude, barragem, rio, etc., conforme exposição de motivos:
(...) Eu trabalho arrendando as terras, né? A cultura do tomate tem que ta sempre
mudando, né? Tem que fazer rotação de cultura. Não pode plantar esse ano e ano
que vem tornar a plantar de novo, né? Que a doença atinge muito o tomate
(Produtor 1).
Conforme descrito anteriormente, essa cultura exige que o plantio seja feito em
terrenos novos, ou seja, não cultivados antes com tomate. Em havendo necessidade de repetir
o plantio, este somente poderá ser feito se não tiver havido ataque severo de pragas.
Plantações velhas, próximas da área onde será feita a nova plantação, deverão ser totalmente
arrancadas e queimadas ou enterradas fora da área de plantio (GLOBO RURAL, 2009).
Segundo Clepes Júnior (2007, p. 41), “as rotações de cultura - também conhecidos
por “cultivos alternados” - são um excelente meio de se manter a estabilidade de um
agroecossistema, pois reduzem drasticamente o risco de infestação de pragas e de certas
doenças”.
Questionados sobre quais critérios são observados quando da escolha de uma área
para ser feito o plantio do tomate, os produtores responderam que depende da estação do ano.
No período das chuvas, são escolhidas as terras mais altas, as quais retêm menos água,
tornando-se mais fácil para lidar com a lavoura e garantindo assim uma boa produção. São as
chamadas “safra das águas”.
Embora a exigência hídrica da cultura do tomate seja grande, ela é uma cultura que,
no dizer deles, “é cheia de segredos”, gosta de água apenas na raiz. Se plantar em áreas
baixas na estação das chuvas, a plantação fica toda inundada e o tomate não se desenvolve.
Conforme um dos produtores fala, “tomate gosta de água por baixo. Na folha é danado pra
adoecer”.
Entretanto, mesmo sendo áreas altas, têm que ser áreas planas, sem estarem erodidas
“sem grandes crateras, grandes erosões”, diz um deles em concordância com Capeche e
outros (1998) que recomendam que as áreas destinadas a qualquer atividade
agrossilvipastoril devem ser utilizadas conforme sua aptidão agrícola,
adotando-se as
práticas conservacionistas que previnem a erosão. Assim, a área escolhida para o plantio de
tomate deve apresentar, sempre que possível, uma topografia plana ou suave ondulada para
evitar a erosão e facilitar os tratos culturais.
84
Figura 16. Plantação de tomate na estação das chuvas, zona rural, Nova Matrona.
No período da seca, escolhem-se as terras mais baixas que, ao contrário, absorvem
mais umidade facilitando assim a produção. As chamadas “safras da seca”. Moura (2005)
esclarece que raramente o plantio é feito nas várzeas, pois a umidade em excesso propicia o
surgimento de doenças. Soma-se a isto que, em caso de inundações, a cultura fica
prejudicada. Assim, a cultura do tomate é irrigada e regulada basicamente pela temperatura.
Um dos entrevistados acrescentou outro critério que também deve ser considerado: a
análise preliminar do solo, seguida de uma correção do mesmo conforme suas deficiências
identificadas requeiram. Entretanto, esta medida é pouco observada pelos produtores que
alegam dificuldades financeiras e de acesso.
A análise da terra serve para saber a quantidade de calcário e adubo a serem
utilizadas. Recomenda-se retirar as amostras de solo 3 a 4 meses antes do plantio. Quando se
aplicam as quantidades certas de adubo e calcário, os resultados econômicos são melhores
(Globo Rural, 2009).
Capeche e outros (1998) acrescentam que, antes de realizar o plantio, é importante
fazer a análise do solo visando identificar a disponibilidade de nutrientes para as plantas, bem
como do pH, o que orientará as aplicações de calcário e adubação mineral, orgânica e/ou
verde.
85
A produção de tomate ocupa pequenos espaços, com área média em torno de 1 a 3
hectares, localizada próxima a um rio, barragem, açude, etc.., de onde a água é bombeada
através de motores, canos de pvc e mangueiras. Na época da seca, é comum as pessoas
represarem o curso do rio, tendo em vista garantirem água para suas lavouras.
Figura 17 - Mapa de uso e ocupação do solo do distrito de Nova Matrona com destaque nas
lavouras de tomate.
Fonte: ALBUQUERQUE, 2009 (não publicado).
Para confecção do mapa de uso e ocupação do solo do distrito de Nova Matrona,
utilizou-se a imagem do sensor LANDSAT 7, obtida gratuitamente no INPE e software
ERDAS IMAGINE 9.1, na qual usou-se a técnica de classificação supervisionada em que foi
gerado, inicialmente, um Mapa da Área de Interesse (AI) e posteriormente o mapa de Uso e
Ocupação do Solo (ALBUQUERQUE, 2009).
Para a identificação das lavouras de tomate foi feito o mapeamento, nos dias 19 e 20
de setembro de 2009, de oito lavouras com auxilio de um GPS, o qual demonstrou a ampla
antropização da área de estudo.
O plantio é feito usualmente em topos de morros ou áreas em declive, justamente para
evitar a umidade, cujos efeitos danosos já foram descritos. No momento da pesquisa, a maior
86
lavoura dentre os entrevistados foi de 30 mil pés de tomate, plantados numa área de 6
hectares, entretanto a maioria varia de 6 a 15 mil pés, plantados numa área de 1 a 2 hectares.
Figura 18. Plantação de tomate em topo de morro, zona rural, Nova Matrona.
No que diz respeito à época mais propícia para o plantio do tomate, observa-se que
não há um consenso entre os produtores. Uns preferem o período que apresenta temperaturas
mais altas, enquanto outros preferem o período de temperaturas mais amenas. A maioria,
entretanto, prefere plantar no período de temperaturas mais amenas, do mês de março até
junho, época considerada mais favorável, com temperatura ideal.
Observa-se que a
preferência por temperaturas mais amenas, deve-se ao fato de que este período propicia uma
melhor produção, porém, como a maioria opta por plantar nesta época, a oferta aumenta o
que, pelas leis naturais do mercado capitalista, força o preço do produto a diminuir.
Entretanto, no período de temperaturas mais altas, a plantação é menor, pois é mais
arriscada do ponto de vista de possibilidades de chuvas, pragas, além de que com o calor os
frutos amadurecem mais depressa, tendo que ser colhidos e comercializados pelo preço que
estiver no mercado. Mas, como a oferta é menor, eleva o preço do produto. Ou seja, com
temperaturas mais amenas, os produtores obtêm melhor produção, com temperaturas mais
altas, melhor preço. Como o desejado é se obter preço e produção, muitos preferem arriscar o
87
plantio durante o ano inteiro “arriscando a sorte”, afinal, conforme dizem “plantar tomate é
igual jogo de loteria”.
Pra formar bem, a melhor época de plantar o tomate, pra dá preço. (...) É na
época fria, que o tomate não madroçe bem e o preço dele segura. Então, na época
do calor, o tomate chega de uma vez, é aonde o preço cai, né? Porque o tomate
quando ele madroçe muito, ce tira hoje, bem maduro. Quando é daí a dois dia,
quando o tempo ta quente, ele tá maduro novamente. Quando é época fria, ce tira
hoje, passa 8 dia, 10 dia, pra começá a pintar o tomate, madurecer (Produtor 9)
Uma época de tomate é meio complicado, porque o tomate quando é bom é
quando tem pouco tomate no mercado. Então, eu acredito, pra mim, sempre no
início das águas é bom. Nessa faixa aí de novembro até fevereiro. Uma plantação
muito boa. As outras lavouras são arriscadas porque justamente é a época que todo
mundo planta (Produtor 11).
A cultura de tomate envarado demanda bastante mão-de-obra e força física, fato
observado durante as pesquisas de campo. Quanto às etapas essenciais da lavoura, todos as
descreveram cada qual do seu jeito, porém de forma consensual, da seguinte forma: Depois
de escolhida a área, monta-se a infraestrutura necessária: faz-se a limpeza do terreno. No
caso de terreno novo, inclui a derrubada de árvores e da mata em geral com a utilização do
trator. Em caso de terrenos anteriormente utilizados no cultivo do tomate, faz-se os
desmanches de terraços da cultura anterior, transporta-se e armazena-se os mourões e as
estacas de bambu, monta-se a rede de irrigação, etc..
Nesta infraestrutura está incluída a construção do “rancho”, quando não existe, como
dizem, “uma casa velha por perto” ou a própria residência do produtor. Os ranchos são os
locais em que os produtores almoçam, fazem o intervalo do café, local onde também
aproveitam para guardar os instrumentos de trabalho, insumos, descansar, etc..
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Figura 19.
Casa onde são acondicionados instrumentos de trabalho e
insumos, zona rural, Nova Matrona.
A próxima etapa consiste no preparo do solo para receber as mudas de tomate, fato
que ocorre 90 dias antes, com a utilização de calcário e adubo. O calcário, segundo os
produtores, é para corrigir o pH da terra, ou a acidez do solo. Os adubos utilizados com
freqüência são: NPK 4-30-10 ou NPK 4-14-8 ou FH (adubos de sulcos).
Depois de 90 dias, começa o processo denominado aração ou o revolvimento do solo,
com a utilização do trator. Após esta etapa, vem o processo de gradagem que ocorre de uma a
duas vezes para fazer o nivelamento da terra, ou seja, o destorroamento e o enterio de restos
vegetais, quando, conforme dizem “arranca os tocos, as pedras, desmancha os torrão de
terra”. Depois, faz-se a curva de nível para implantar o sistema de irrigação. São feitos uma
espécie de “cochinhos”, de onde a água desce por gravidade, ou seja, quando um “cochinho”
transborda de água, esta escorre e passa para o outro “cochinho” e, assim, sucessivamente,
atingindo toda a lavoura. Na seqüência, procede-se a “sulcação” da terra, pois o plantio é
feito em sulcos profundos, chamados pelos produtores de “riscos”.
Os sulcos são feitos em nível (linhas de plantio) onde se aplica a adubação e se coloca
a muda. A abertura de sulcos facilita a distribuição dos fertilizantes orgânicos e minerais, fato
que proporciona maior aproveitamento dos nutrientes pelo sistema radicular (CAPECHE e
outros, 1998).
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Figura 20. Preparo do solo com calcário, zona rural, Nova Matrona.
Moura (2005) já alerta para as agressões ao meio físico já no preparo do solo, pois
com o processo de gradação e aragem o solo fica totalmente exposto à ação da erosão, uma
vez que o solo é revolvido e assim grande parte é levada “morro abaixo” com o escoamento
superficial da água, acarretando a turbidez das águas dos rios e conseqüente perda em
qualidade. O sistema de irrigação também é um problema ambiental, já que tem baixa
eficiência, dado o desperdício de grande quantidade de água.
As mudas, na sua grande maioria, são preparadas em estufas pelas empresas
AGROEF ou CULTIVAR, situadas na cidade de Taiobeiras-MG. Com 20 a 25 dias, elas já
estão prontas para serem transplantadas para o campo, o qual foi preparado anteriormente.
Esta atividade requer abrir covas, colocar a muda e jogar terra.
De 15 dias a 20 após o transplante, tem-se o processo denominado “erguida de leira”
ou “amontoação”, que é o chegamento da terra junto à planta. Segundo os produtores, este
processo é fundamental para que a planta, ainda pequena, receba a sustentação necessária.
Antes da “amontoação”, aproveita-se para colocar adubo na base da planta.
90
Figura 21. Plantação de tomate evidenciando as etapas do plantio até o transplante da
muda, zona rural, Nova Matrona.
O tomateiro tem a propriedade de formar raízes adventícias na base do caule. A
amontoa possibilita, assim, a sua formação rápida, contribuindo para a fixação da planta, na
absorção de água e nutrientes (GLOBO RURAL, 2009).
Logo após a “erguida de leira”, vem o processo designado de estaqueamento, quando
se utilizam os mourões e as estacas ou varas, geralmente de bambu, para cada pé de tomate.
Nas extremidades dos sulcos são fincados mourões conforme o espaçamento escolhido. As
estacas são fincadas no solo de forma cruzada, ou seja, em forma de X, conforme se pode
observar na foto abaixo. Para dar sustentação a todo o sistema, utiliza-se arame. Todas as
lavouras de tomate dos produtores entrevistados utilizam o método de tutoramento cruzado.
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Figura 22. Plantação de tomate evidenciando o processo de estaqueamento, zona rural,
Nova Matrona.
Após o plantio, quando as plantas estiverem com 25 a 30cm de altura, inicia-se o
processo designado tutoramento da planta que, conforme Capeche e outros (1998, p. 3), é
quando “é feito um laço bem folgado com a fita plástica no colo (base) da planta, enrolandoa ao redor da mesma. A outra extremidade da fita é amarrada ao arame, devendo-se ter o
cuidado de deixar uma sobra”. Este processo acompanha todo o crescimento da planta
permitindo sua sustentação.
Com o primeiro amarrio, ocorre também a primeira desbrota. Na desbrota, retiram-se
os brotos ou “ladrões” das plantas, os quais não dão frutos e ainda comprometem os ramos
principais em luz, nutrientes e água.
As podas são necessárias no sistema de condução por fitas visando aumentar a
aeração, uma vez que o plantio é adensado, o que permitirá melhor aproveitamento da
radiação solar e da seiva, além de melhorar a aparência final do fruto.
O sistema de condução das plantas de tomate através de fitas plásticas vem sendo
utilizado em vários estados do Brasil e representa uma excelente alternativa para aumentar a
produtividade da cultura por área, reduzir os custos de produção, aumentar a eficiência do
controle de pragas e doenças, diminuir os riscos de degradação ambiental, além de melhorar
a qualidade dos frutos e da vida dos agricultores e seus familiares. As vantagens apontadas
92
neste tipo de condução são: maior aeração da cultura; menor incidência de pragas e doenças;
maior incidência de luminosidade na cultura que melhora a eficácia fotossintética; facilidade
na aplicação de agrotóxicos e aumento da eficiência na pulverização, devido à maior
cobertura de folhas e frutos o que reduz o número de aplicações; melhor aproveitamento da
seiva; rapidez na maturação e colheita; dispensa do amarrio de planta por planta; maior
número de planta por área e, ; menor custo da produção e de mão-de-obra (CAPECHE e
outros, 1998).
Observa-se, sobretudo, nos primeiros amarrios, que estas são tarefas trabalhosas, pois
são feitas manualmente e de forma agachada, causando desconforto e dores lombares,
conforme relatos. Ao longo da produção, segundo eles, ocorrem 5 desbrotas e 5 amarrios.
A partir do transplante da muda até a colheita dos frutos têm-se os cuidados
necessários com a aguação, a adubação e a pulverização dos agrotóxicos. Na “erguida de
leira” ou amontoação, utiliza-se com freqüência o adubo NPK 4-30-10 ou FH para proteger e
dar resistência aos pés da planta, operação repetida quinzenalmente. Na adubação usa-se
magnésio e cálcio e, conforme a necessidade, poderá ser acrescentado um ou outro elemento
a mais. Utiliza-se geralmente NPK 12-6-12 e NPK 20-5-20 e, para o final da lavoura, usa-se
NPK 10-0-20.
A pulverização de agrotóxicos é feita de acordo com a necessidade, para prevenir ou
atacar a infestação de pragas e doenças. Isto é geralmente realizado de 2 a 3 vezes por
semana e 1 vez por semana ou de 10 em 10 dias mais para o final da colheita.
De 90 a 100 dias acontece a colheita dos frutos. Este período varia de acordo com a
temperatura. Época com temperaturas mais baixas é mais demorado, pois o processo de
amadurecimentos dos frutos é mais lento. Período com temperaturas mais altas, o processo é
mais rápido. Se a lavoura produzir bem, dá para fazer de seis a oito colheitas, ou “panha”
como os produtores denominam, ou seja, 50 caixas por mil pés de tomate em cada “panha”,
perfazendo uma média de 300 a 400 caixas de tomate por cada mil pés até o final da lavoura.
Esta época exige a contratação de mais mão-de-obra.
Como as colheitas são realizadas de baixo para cima, uma vez que os frutos maduros
encontram-se na parte de baixo da planta, principalmente nas primeiras, percebe-se o
sacrifício dos trabalhadores que precisam ficar, geralmente agachados, numa posição
bastante cansativa e desconfortável.
Interrogados sobre com quem aprenderam as técnicas do cultivo de tomate, a grande
parte deles disse que aprendeu com as experiências nas lavouras de tomate, no Estado de São
Paulo. Ainda assim, os poucos que fizeram referência aos pais ou colegas, verifica-se que os
93
produtores tiveram significativas vivencias em lavouras paulistas. O que se conclui que,
embora os produtores recebam assistência, principalmente, dos profissionais técnicos
responsáveis pelas lojas revendedoras de insumos, as técnicas foram mesmo assimiladas, em
sua maioria, no Estado de São Paulo e implantadas no distrito de Nova Matrona sem se
considerar as diferenças e especificidades de solo, clima, cultura, etc. da região, conforme
podemos observar no depoimento abaixo:
Quando eu tinha 17, 18 anos... (pausa). Aqui na região todo mundo vai pra fora
pra trabalhar, né? Ninguém trabalha aqui. Pra sobreviver tem que ser lá fora. Aí eu
peguei e fui. Toquei lá umas 10...12 lavouras lá. Casei lá, em São Paulo, Sumaré.
Depois vim pra cá. Casei, quetei (risos). Num saí mais (Produtor 22).
Com a introdução do cultivo de tomate em Nova Matrona observou-se uma perda
gradativa da identidade cultural dos antigos produtores rurais da localidade, antes
acostumados a cultivar suas lavouras de milho, feijão, suas hortaliças, verduras, etc. para a
sobrevivência da família e, se possível, para a comercialização do excedente nas feiras locais.
Assim, percebe-se uma descaracterização dos antigos costumes relativos à forma de
produção adotada pelos mais antigos, quando se substituiu por outra forma de produzir
voltada, principalmente, para os interesses do mercado capitalista, que visa acima de tudo,
lucro e produtividade, conforme lembrança deste produtor:
(...) Eu sempre lembro. Quando eu era pequeno, pai falava assim: “Minino, isso
aí num presta não (referindo ao cultivo do tomate). Planta milho, feijão”.(...)
(Produtor 11).
Mesmo em relação à própria produção de tomate, os entrevistados confirmaram a
história de vida ao revelarem que no início a produção era bastante tímida, com pouca
produtividade, sem grandes conhecimentos técnicos e sem técnicas sofisticadas de cultivo,
além de se utilizarem menos insumos, conforme relatos:
Eu comecei plantando mil pé de tomate. Fiz tudo errado. E chegava as
borboletinha lá dentro assim e eu falava: O que essas borboleta ta fazendo dentro da
roça? Eu não sabia o que era aquilo, né? Aí, com um certo tempo eu fui
aprendendo. (...) (Produtor 1)
(...) Antes jogava adubo só na cova. Hoje joga no risco. Joga bem mais adubo,
num tem nem comparação, né? Naquele tempo, colher 150 por mil (cento e
cinqüenta caixas por mil pés de tomate) era muito. Hoje colhe até 400, 500 por mil.
Cada ano que passa vai aprendendo mais, né? (Produtor 2).
(...) Antigamente as pessoas plantava, chegava a plantar a chamada semente
tirada. Chegava num pé de tomate aí e tirava a semente e plantava de novo. De
repente ali já estava a doença e tal. Agora não. Agora nós temos uma semente de
qualidade. (Produtor 12)
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No que se refere ao dia-a-dia do produtor de tomate, as declarações dos entrevistados
deixam evidente que não é tarefa fácil, pois a cultura do tomate, além de demandar bastante
mão-de-obra, exige a presença do produtor diuturnamente nas lavouras, conforme pode-se
conferir num dos depoimentos:
Tomate, depois que joga, ce sabe que ce sameou o tomate, ce já começa a
preocupar a cabeça, sabe que ta gastando. Será que vai dar certo? Será que não vai
dar certo? Ce já começa a correr atrás de trator e terra, né? Pra fazer o serviço
direitim. Mais, o tomateiro sempre é corrido, agitado porque é um serviço que ce
tem que ta mantendo ali dentro... da lavoura. Ce sabe que ce não sai dali de dentro.
Ce passou o tomate na terra, tem que ta ali até a acabar a lavoura. Cabou a lavoura,
ce pronto, ce alivia. Talvez ce trabalha de domingo e descansa segunda-feira.
Quantas vezes já trabalhei domingo e sábado e descansei segunda e terça. Por que?
Porque a colheita aqui sempre cai no final de semana. Outra coisa porque ce sulfata
a lavoura na sexta-feira e se chove sábado, ce tem que bater veneno domingo de
novo. Talvez ce sulfata no domingo e segunda ta sossegado (Entrevistado 11).
Quanto à questão do produtor e/ou família produtora mais antiga, os relatos
confirmam também a história de vida, qual seja: Famílias Viana e Bandeira.
95
6. Construção e análise dos discursos do sujeito coletivo (DSCs)
Os depoimentos dos 22 produtores de tomate entrevistados foram reunidos, por
assunto, formando idéias centrais e discursos coletivos, conforme estabelecem Teixeira e
Lefèvre (2001), Renovato e Dantas (2005), Lefèvre e Lefèvre (2005), Lefèvre e Lefèvre
(2005) citado por Sales e outros (2007). Os discursos coletivos construídos expressam a
percepção dos produtores quanto aos riscos econômicos, ambientais e à saúde no manejo de
agrotóxicos em suas lavouras, além de abordarem outros temas relevantes referentes à
produção e comercialização do tomate.
Os Discursos do Sujeito Coletivo (DSCs) foram enumerados por ordem decrescente
do conjunto de idéias semelhantes e complementares, ou seja, das idéias centrais (ICs) mais
expressivas (aquelas representadas pelo maior número de produtores) para as menos
expressivas.
Vale ressaltar que o sujeito da pesquisa poderá contribuir para a construção de mais
de um discurso do sujeito coletivo (DSC).
6.1. A percepção dos produtores sobre os riscos econômicos na cadeia
produtiva de tomate.
Pergunta 1- O (a) senhor (a) considera a produção de tomate uma atividade arriscada?
IC 1- Sim, devido aos riscos financeiros advindos dos altos investimentos.
“Hoje o investimento numa lavoura de tomate é grande porque o custo da lavoura de tomate
é muito alto. Fica aí em média de dois, dois e cinqüenta reais por pé de tomate. Inclusive,
uma lavoura de 15 mil pés de tomate, dá pra chegar aí, numa faixa de..., vamos supor, dois
mil e quinhentos reais por pé. Uns 30 mil procê conseguir tirar ela. Financeiramente o custo
é muito alto e por causa disso eu considero arriscado. O risco é grande. Se perder, a gente
perdeu muito dinheiro, porque gasta muito”.
Produtores Nº 2, 3, 6, 7, 11, 12, 16, 18, 20 e 22.
IC 2- Sim, devido às oscilações de preço no mercado.
“Depende do mercado. É arriscada por isso, porque ninguém sabe o mercado que você vai
conseguir vender essa mercadoria. Tem vez que nós vende tomate de três reais. Tem vez que
nós vende de trinta e cinco. Como o tomate varia muito de preço, você pode perder na
própria comercialização. É altos e baixos direto. Tem hora que compensa quando o preço
dá. Aqui o produtor tem o direito de produzir, agora preço nós num sabemos. É uma loteria
que a gente fala. Ce num pode fazer previsão, falar: Eu vou plantar, eu vou ganhar dinheiro.
Ao mesmo tempo que o tomateiro ta ganhando bastante dinheiro na lavoura, também pode ta
perdendo o mesmo total que ganhou. É do tipo arriscar mesmo. Hoje tem e amanhã não tem.
Porque pode perder e pode num perder”.
96
Produtores 1, 7, 8, 9, 10, 11,13, 19 e 22.
IC 3- Sim, devido às possibilidades de problemas de intoxicação humana no manejo de
agrotóxicos.
“É arriscada que a gente mexe com muito produto tóxico, né? Muito veneno, né? Porque a
saúde da gente, a gente infelizmente, não mantém cuidado total para com a nossa saúde. A
gente ta trabalhano e arriscá qualquer momento até intochicá com um tipo de veneno
qualquer, né?. Que não tem proteção nenhuma. A proteção que nós tem é só por Deus
mesmo. É uma coisa muito arriscoso. Ta trabalhano no tempo aí e de repente pega uma
chuvarada, gente com a mão suja, vai ali até a alimentação... Pode até transmitir por dentro
do sangue da gente porque mexe muito com tóxico”.
Produtores 5, 8, 16, 19 e 20.
IC 4 – Sim, devido às intempéries climáticas.
“O perigo dessa época mesmo é chuva. Pode ter uma chuva de granizo. Graças a Deus
nunca aconteceu aqui pra nós perder com chuva de granizo. Mais lá em São Paulo mesmo
muita gente perde com chuva de pedra como eles fala. Bateu no pé do tomate ele fofa todim,
né? Se for época de chuva é arriscada, que adoece, pega muita bactéria, pega uma doença
que dá na folha e acaba com a produção de tomate Ai, faz a produção cair rápido, pela
metade”.
Produtores 2, 13, 17 e 21.
IC 5 – Sim, devido à infestação de pragas e doenças.
“Vixe, é muito arriscada por causa de doenças, por causa de pragas. Se você não tiver ali
toda hora, analisando direitim...pra ver se entra uma coisa diferente e tal. Ai, depois que a
doença entra fica difícil de combater. Porque pode ter problema de murchadeira. Já começa
quando ce coloca a muda no solo. Já aconteceu de você perder 50% da produção nos
primeiros meses porque aparece muitas doenças”.
Produtores 7, 12 e 13.
IC 6 – Sim, devido à falta de financiamento e seguro.
“Num tem garantia nenhuma, ce investe o dinheiro, depois, muitas vezes, não sai o lucro. A
gente não tem financiamento, não tem seguro, não tem nada. E se perder? Se perder, danese, né? Ce fica endividado, né? Porque as pessoa da loja te vende, mais ce fica com o
compromisso de ir lá comprar e pagar, é claro, né?. Ai, é um pouco arriscada. O sujeito não
tem garantia nenhuma. É arriscar mesmo”.
Produtores 4, 13 e 19.
IC 7 – Sim, devido às próprias condições de pequeno produtor.
“Pra nós que somos produtores pequenos, que trabalha por conta própria, influi muito em
termos de saúde e financeiro. A gente é um pequeno produtor, a gente planta pouco. Cinco
mil pé de tomate que a gente trabalha, vai ficar em torno aí de nove mil reais, mais ou
97
menos. Se acaso der algo errado, a gente tem como arcar com as despesas. Agora, se você é
um pequeno produtor e quer plantar muito, com certeza é arriscado”.
Produtores 3 e 8.
IC 8 – Não, devido à qualidade da semente e da tecnologia.
“Agora com a tecnologia da ciência, então ta oferecendo pros produtores mais qualidade de
semente, tem mais resistência de doença, ficou mais fácil a gente formar. Que esse tomate
que nós ta plantando agora, o tal do ellen que tem aí, ce você vender ele na faixa de oito a
dez reais, ce não perde dinheiro não. Ano passado tava aí de trinta, trinta e dois reais, ce
com quatro mil pé de tomate, ce matava a pau. Ce tirava aí seus quarenta mil reais
tranqüilo”.
Produtores 9 e 15.
A preocupação com os riscos advindos dos altos investimentos empregados na
lavoura de tomate foi a idéia central mais significativa para os produtores de Nova Matrona,
fato explicado por Kageyama e outros (1990) citados por Militão (2008), os quais explicam
que as mudanças sofridas pela agricultura brasileira, após os anos de 1960, modificou o seu
perfil passando de uma agricultura de subsistência auto-suficiente, ligada diretamente ao
consumidor, para uma agricultura dependente de outros agentes econômicos, recebendo
diversos equipamentos e insumos necessários para a produção e fornecendo matéria-prima
para o setor de transformação. A agricultura saiu, então, de um “Complexo Rural” e inseriuse no “Complexo Agroindustrial”.
Assim, os sistemas produtivos ficaram, cada vez mais, expostos às ocorrências de
perdas tanto físicas quanto financeiras, gerando desestímulo e dificuldades para o produtor
rural (MILITÃO, 2008).
O mercado agrícola diferentemente do que ocorre no mercado de bens industriais,
apresenta, além de um elevado grau de instabilidade, uma grande amplitude de variação de
preços de seus produtos, sendo a segunda idéia central mais expressiva, seguida da
preocupação com os riscos à saúde advindos do uso de agrotóxicos nas lavouras.
Barros & Martines Filho (1987) citados por Margarido e outros (1994) explicam que
a variação no nível de preços dos produtos agrícolas advém da incidência de choques sobre
esse mercado. No mercado de bens industriais, os choques ocorrem, sobretudo, devido a
problemas relacionados com a demanda. No mercado agrícola, os choques possuem um
caráter de maior complexidade, podendo afetar os preços tanto pelo lado da oferta como pelo
lado da demanda. Do lado da oferta, os choques acontecem devido a variações de efeitos
climáticos, como o excesso de chuvas, geadas, ou também pelo aparecimento de doenças e
ataques de pragas, etc.. Do lado da demanda, os choques podem ser ocasionados devido a
98
modificações nos instrumentos de política econômica, os quais podem modificar níveis de
renda, hábitos de consumo, dentre outros
A percepção dos produtores quanto aos riscos à saúde resultantes do uso de
agrotóxicos no cultivo do tomate, que, embora não totalmente conhecidos por estes,
contribuem para aumentar os seus níveis de preocupação, não sem motivos, pois, Pimentel
(1993) conforme Garcia (2001) aponta que este é um sério problema, pois as doenças e
intoxicações humanas é o mais alto preço pago pelo uso de agrotóxico, principalmente para
os produtores e trabalhadores rurais por manipularem diretamente 70 a 80% dos agrotóxicos
utilizados. Por isso, estão no mais alto risco de ter a saúde seriamente afetada por
agrotóxicos.
Observa-se que as atividades de preparo e aplicação dos agrotóxicos são
desenvolvidas pelos próprios produtores o que Silva e outros (2005esclarecem que, neste
quadro, estão presentes concomitantemente, misturas de agrotóxicos, esforço laboral e
temperaturas elevadas, aspectos que tornam a situação de riscos e danos à saúde do produtor
em relevância.
Os agrotóxicos são absorvidos pelo corpo humano através das vias respiratória e
dérmica e também pela via oral, sendo esta em menor quantidade, podendo vir a causar
quadros de intoxicação aguda ou crônica.
Os efeitos à saúde humana no uso de agrotóxicos mais conhecidos são os agudos por
serem visíveis e imediatos, embora as informações disponíveis sejam escassas e as
estimativas bastante variáveis. Entretanto, os dados de ocorrências de intoxicações agudas
podem servir como um indicador de exposição, pois são praticamente os únicos dados
coletados de forma sistemática e podem oferecer alguns indicadores dos números bem
maiores de casos agudos não relatados e das exposições que não resultam em casos agudos
(GARCIA, 2001).
O quadro agudo varia de intensidade, desde leve até grave, caracterizando por náusea,
vômito, cefaléia, tontura, desorientação, hiperexcitabilidade, parestesias, irritação de pele e
mucosas, fasciculação muscular, dificuldade respiratória, hemorragia, coma e morte (SILVA
e outros, 2005).
Ao contrário dos efeitos agudos, os efeitos crônicos estão relacionados com
exposições por longo período e em baixas concentrações. São de difícil reconhecimento
clínico, sobretudo, quando há exposição a múltiplos contaminantes, o que é bastante comum
no trabalho agrícola. Neste caso, fica difícil associar causa/efeito. As alterações
imunológicas, genéticas, malformações congênitas, câncer, efeitos deletérios sobre os
99
sistemas
nervoso,
hematopoético,
respiratório,
cardiovascular,
geniturinário,
trato
gastrintestinal, hepático, reprodutivo, endócrino, pele e olhos, além das reações alérgicas e
alterações comportamentais (GARCIA, 1996; BRASIL, 1997; SILVA e outros, 1999;
COLOSSO e outros, 2003; ALVANJA e outros, 2004; SILVA, 2000, citado por SILVA e
outros, 2005).
Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) revelam que as estimativas de casos
de intoxicação agudas não intencionais dobraram em pouco mais de uma década. De
500.000, em 1973, para 1.000.000, em 1985. Pondera ainda que, se forem incluídos todos os
níveis de severidade, os casos podem ser bem superiores aos três milhões de casos severos
estimados e se forem considerados algumas estimativas obtidas em países em
desenvolvimento, somente os casos anuais de intoxicações não intencionais poderiam estar
entre 3,5 a 5 milhões de casos (WORL HEALT ORGANIZATION, 1985, citado por
GARCIA, 2001).
Diante deste quadro, observa-se que a comunicação de riscos junto aos produtores é
de fundamental importância, pois conforme esclarece Guivant (2000), esta tem por objetivo
diminuir as distâncias entre as percepções dos leigos e à dos peritos, através da difusão de
mais informações, para em seguida, atingir a etapa da administração dos riscos no campo.
As ocorrências de perdas físicas devido à infestação severa de pragas e doenças, bem
como às intempéries climáticas são outras idéias que marcam a percepção dos produtores e
explicam a necessidade, cada vem maior e num intervalo cada vez menor, da utilização de
agrotóxicos nas lavouras, visando evitar os danos ou perda total das lavouras.
O ataque de pragas e as intempéries climáticas como geadas, chuva de pedra
(granizo), conforme citado anteriormente, constituem importantes causas de perdas das
lavouras e conseqüentes riscos econômicos, justificando, assim, a preocupação dos
produtores.
Por esta razão, surge a idéia de se comparar a atividade de produzir tomate a um jogo
de loteria, onde se arrisca perder ou ganhar, não sendo possível fazer previsões do vai
acontecer a partir do momento em que, como eles dizem, “passa a semente na terra”, apesar
de dois dos produtores não considerarem a atividade arriscada, devido às novas tecnologias,
sobretudo, pela semente utilizada pelos produtores no momento da pesquisa, que, segundo
eles, é mais resistente à pragas.
Na percepção dos produtores, as ocorrências de perdas físicas e financeiras afetam
principalmente os pequenos produtores, devido a este grupo representar um segmento mais
frágil e vulnerável aos riscos e incertezas da atividade, pela maior dificuldade de buscar
100
proteção junto às instituições financeiras e governamentais, seja pela adoção de tecnologia,
pelo acesso ao crédito, garantia de seguro ou ainda pela pequena escala produtiva para
competir no mercado.
Há um conflito no que diz respeito ao financiamento da pequena propriedade. Se por
um lado, os bancos exigem garantias que encarecem e tornam os empréstimos inacessíveis,
por outro, os pequenos produtores, em sua maioria, preferem pagar as dívidas em dia
financiando apenas aquelas que acreditam serem capazes de pagar. Assim, ou o dinheiro não
chega para os pequenos produtores ou o tesouro arca com os custos da transação mediante,
por exemplo, o PRONAF – Programa Nacional para a Agricultura Familiar.
A produção de tomate envolve uma gama de riscos que, conforme Guivant (2000)
emerge na sociedade contemporânea como resultado do desenvolvimento da ciência e da
técnica, sendo, pois globais e de difícil percepção. As conseqüências dos riscos são, em geral,
de alta gravidade, desconhecidas em longo prazo e de avaliação imprecisa. Daí a necessidade
de abrir caminhos para a ação política e para a participação de vários atores sociais.
Pergunta 2- Qual o momento em que se deve tomar mais cuidado na produção de
tomate?
IC1 – São todos os momentos.
“Tomate, desde quando ce coloca ele no campo, ce já preocupa, né? Tem que tratar com
cuidado porque as pragas são demais.O interessante da lavoura de tomate é isso. Não dá
pra citar um momento mais delicado. A lavoura de tomate é dia-a-dia. São várias coisas que
afetam o tomate. São várias doenças. Várias possibilidades de perder. Então, o plantador de
tomate tem que ta bem atento. Eu vou todos os dias nas minhas lavouras, ergo as folhas e
olho tudo. Eu ando na roça todinha porque se você plantou, já arriscou. Você já está com
uma dívida nas costas. Por isso eu acho que não tem outra lavoura que exige tanto a não ser
o tomate. Parece que lá dentro da roça, se você tiver vivendo com ela parece que ela cresce
sadia, agora se você deixou, acaba.Então, a pessoa tem que investir ele na roça”.
Produtores 1, 4, 8, 9, 10, 15, 19 e 22.
IC2 – Na formação da lavoura.
“É na formação, né? No início. Tem que formar, né? Se formando, ou barato ou caro, mas
sai, né? Depois que passa na terra até o segundo amarrio, a gente fica mei preocupado.
Porque tem um monte de doença. A hora que a gente ergue a leira e dá o segundo amarrio e
ce vê que a planta evai, aí a gente trabalha mais contente. Pode até arriscar uma dívida se
quizer que dá certo. Tem que formar bem. Na formação ce tem que caprichar, porque se
formar bem, tem produção”.
Produtores 2, 3, 6, 13, 16, 20 e 21.
IC3 – Na época das chuvas.
101
“É a época do mês de outubro pra frente. Que aí pega chuva. Basicamente aqui é quando
começa a chover. Aparece mais doenças e ce tem que pulverizar mais. E se tiver invernado
mesmo, não tem nem como pulverizar e ai é que a doença entra mesmo. Com a chuva vem
aquela bactéria e ce tenta controlar a lavoura, passa o produto que precisa e devido o tempo
bom de chuva, não deixa matar a doença. Aí, a gente preocupa. Porque a chuva bate no
solo, o solo respinga nas folhas e aí sobe a bactéria. Ela vai penetrando por baixo ali e
dificilmente ce consegue controlar, combater ela. Tomate não gosta de chuva, porque ce
bate o veneno e a água tira, né? Tomate na época de chuva é danado pra adoecer. Têm as
pragas, mais pior é as doenças, né? As pragas até que a gente controla com veneno, mas as
doença é mais difícil da gente controlar. As bactérias, os fungos, né? Esse é o momento mais
delicado”.
Produtores 9, 11, 17, 18 e 20.
IC4 – Na época da colheita e comercialização do tomate.
“Na colheita, se tiver preço, ce colhe. Se tiver muito barato ce termina de colher. O preço...
aí é sorte. A preocupação gira em torno do momento de vender esse tomate. Pra quem
vender esse tomate? E depende de como a venda foi feita, fica preocupado. Preocupado de
vender fiado. Já houve muito isso aqui”.
Produtores 12, 21 e 22.
IC5 – São nos momentos de aguação, adubação e pulverização de agrotóxicos.
“Acudir mais ele no tempo disso ai. Se faltar a sulfatação no tomate, no dia certo, acaba
inseto chegando. Sempre tem que ser por igual a adubação. É como a água, depois que ele
tiver torrado, rachando, rachando mesmo, ele já num desenvolve.Tem que cuidar do tomate.
Aguar, sulfatar na hora certa, certim, num deixar passar”.
Produtores 5 e 17.
IC6 – Na época da floração.
“A época que nos preocupa muito é a época da floração do tomate. Você tem que ter muito
cuidado porque nós temos uma doença, um besouro chamado lagarta rosada que prejudica
muito na época da floração. Que a lagarta entra e funda no fruto e ce num aproveita nada,
né?”
Produtores 10 e 7.
Observa-se que a idéia central mais significativa aponta que todos os momentos são
muito delicados na produção de tomate, exigindo do produtor presença diária e vigilância
constante nas lavouras, situação que torna a jornada de trabalho do produtor/trabalhador
bastante exaustiva e estressante.
As várias idéias centrais (ICs) construídas revelam que a cadeia produtiva do tomate
envolve uma variedade de riscos. O ataque de pragas e doenças, sobretudo no período
chuvoso, geralmente entre novembro e fevereiro, é uma das principais preocupações dos
102
produtores por representar um sério risco econômico, além de exigir mais agrotóxicos nas
lavouras na tentativa de combatê-las, onerando mais ainda a produção.
Esta situação é comumente encontrada na literatura consultada. Para exemplificar,
Pascoal (1979) citado por Garcia (2001) aponta que três fatores explicam o surgimento de
pragas na agricultura: os fatores econômicos, relacionado ao modelo agrícola de produção,
por exemplo, a monocultura; os fatores históricos advindos da introdução de espécies
exóticas e de práticas agrícolas adotadas anteriormente, e; os climáticos que podem favorecer
em um dado período determinadas pragas.
O equilíbrio de um ecossistema é proporcional a sua complexidade. A diversidade
biológica é um dos principais fatores a ser considerado, pois quando se simplifica um
ecossistema, por exemplo, com a prática agrícola da monocultura, reduz-se a diversidade
biológica. Colocar juntas, a uma curta distância, plantas de uma mesma espécie e em áreas
extensas, favorece a reprodução e a sobrevivência de certos herbívoros, cuja liberdade de
ação na presença de poucos competidores e inimigos naturais, vêm a constituir populações
numerosas, daí passam a ser consideradas pragas (GARCIA, 2001).
Os inimigos naturais não são apenas insetos, mas também fungos, bactérias, vírus,
nematóides, répteis, aves e pequenos mamíferos. O que determina a sobrevivência ou a
multiplicação de uma ou outra espécie são os fatores seletivos advindos do manejo como a
monocultura, por exemplo, carência de matéria orgânica, compactações de solo que impedem
a vida aeróbica e a absorção do impacto da chuva; aquecimento do solo pela irradiação direta
em solos limpos por capinas e herbicidas; indicações errada de agrotóxicos, e; resistência das
pragas aos próprios agrotóxicos (PRIMAVESI, 1990, conforme GARCIA, 2001).
De acordo com o relato dos produtores, utiliza-se um número elevado de pulverização
de agrotóxicos, chegando a três aplicações semanais, devido à susceptibilidade da cultura de
tomate a insetos e patógenos, dentre outros fatores. Garcia (2001) alerta para o fato de que o
próprio agrotóxico proporciona o surgimento e proliferação de pragas e doenças, pois embora
haja interesse em sintetizar produtos cada vez mais seletivos, eles ainda não são, em sua
maioria, específicos e acabam sendo mais danosos aos predadores das pragas do que a elas
próprias.
Paschoal (1979), citado por Garcia (2001), explica que isso acontece porque as
populações de inimigos naturais são menores do que a população das pragas de que se
alimentam, tornando-se mais suscetíveis aos agrotóxicos uma vez que as populações menores
têm menos chance de sobreviver e de se reproduzir. Desta forma, as espécies que já se
tornaram pragas, sem a presença dos predadores naturais, tornam-se mais danosas.
103
Segundo Wamser e outros (2008, p. 181), “a severidade de doenças e o ataque de
insetos-praga podem variar em função dos métodos de condução e tutoramento das plantas,
bem como em relação aos diferentes cultivares empregadas em cada região”.
A produção de tomate no distrito de Nova Matrona é do tipo monocultivo e o sistema
de condução de plantas empregado é o tutoramento cruzado fato que, segundo Wemser e
outros (2008) conforme respectivamente Rebelo (1993); Boff e outros (1992) favorece o
desenvolvimento de fitopatógenos e a aplicação de defensivos nos órgãos das plantas
localizadas em seu interior é deficiente dificultando o controle de insetos-praga . Soma-se a
isto o fato de que as práticas agrícolas adotadas de modo geral pelos produtores são
inadequadas às nossas condições, como por exemplo, clima, regime de chuvas, solos,
dinâmica e diversidade biológica, dentre outros, afetando a higidez das plantas, tornando-as
suscetíveis às pragas e doenças.
Vale ressaltar ainda que as preocupações dos produtores quanto aos riscos
econômicos não terminam quando o tomate está pronto para ser colhido. Os riscos não só
aparecem no período de produção, mas também na comercialização do tomate, pois nem
sempre quando o tomate está pronto para ser colhido, encontra-se o melhor preço no
mercado. E por se tratar de um fruto perecível, não é possível esperar uma época de preço
melhor para que se efetue a venda. Neste caso, o produtor não tem outra saída senão a de
vender o produto pelo preço que encontrar no mercado.
Embora não se constitua discurso do sujeito coletivo por se tratar de uma
representação individual, um dos produtores expressou diferente preocupação quanto ao
cuidado que precisa ter com o processo denominado desbrota, pois segundo ele “se plantar o
pé de tomate e deixar o broto (...) ele acaba tirando a força do pé de crescer. Vai só pro broto.
Você tira o broto e joga no mato e o pé desenvolve”.
Pergunta 3- Apesar dos riscos econômicos vale a pena cultivar o tomate? Por quê?
IC1 – Sim, vale a pena.
“Compensa sim. A região aqui é muito boa. Pra mim a melhor cultura pra mexer aqui é
tomate porque chega rápido, entendeu? Se ela te der lucro é rápido e se te der prejuízo
também é rápido. Então, recupera rápido também, né? Quando a gente consegue formar
bem o retorno é bom. Melhor do que parado é, né? Se tiver no verão vai dá muito dinheiro e
se não tiver dá também. Igual, esse ano mesmo (2009), a nossa região está com quase 400
mil pé. Já estamos acostumados a fazer isso, né? Sair deste ramo pra plantar outra coisa,
fazer outra atividade seria muito radical ao pensamento de todos aqui. Eu num tenho perca
nenhuma em lavoura de tomate que eu planto sempre pouco e faz uma coisa bem feita. Quem
planta pouco sempre faz uma coisa bem feita. Quem planta demais de repente pode às vezes
descuidar e tomar prejuízo. Agora todo mundo já conseguiu comprar sua traia e acertou
104
umas rocinha, uns ganhou até bem aqui, né? Teve gente aqui na Matrona que saiu com
quatorze mil e quinhentos em seis meses numa roça. Pra nós aqui é muita coisa. Compensa
também pela semente que é uma semente boa, por ser um tomate que já deu resultado
dificilmente a gente perde, né? Por mais que a gente vende barato a gente consegue suprir a
dívida que a gente fez. Então, pra nós que não tem emprego e nem estudo tem que ser
tomate, né? Se der certo no que nós costumamos falar nos dois P: Preço e Produção, tem
tudo pra se livrar um bom dinheiro por mês. E se Deus ajudar da gente pegar preço dá um
dinheiro até bom a lavoura de tomate. Tem compensado que o pessoal nosso... todo mundo
trabalha com isso aqui. A atividade mais certa aqui é o tomate. Que esse tomate que nós ta
plantando agora, o tal Ellen, se ce vender ele nessa faixa de 8 a 10 reais, ce num perde
dinheiro não. Ce vende nem que for mais pouco, mas ce ganha. Ano passado (2008) tava aí
de 30, 32 reais... ce com 4 mil pé de tomate, ce matava a pau porque ce tirava aí seus 40 mil
reais tranqüilo. Então, tem compensado, tem compensado”.
Produtores 1, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 21.
IC2 – Às vezes vale a pena, às vezes não.
“Vareia tanto aqui quanto em São Paulo, né? Se o preço chegar, compensa, agora se não
tiver preço você vai trabalhar só pra pagar despesa de gasto do tomate e não da gente. Tem
vez que compensa, né?Mas, tem vez que perde e a gente diz que num planta mais nunca.
Então, compensa quando a gente acerta”.
Produtores 2, 10 e 22.
Embora a produção de tomate se caracterize por gastos elevados com sementes e
insumos químicos, além de gastos com a necessidade intensa de mão-de-obra, sobretudo, na
preservação da lavoura contra pragas e doenças e na época da colheita, os produtores
expressaram que vale a pena cultivar o tomate porque o retorno econômico compensa.
O tomate é bastante sensível às doenças e pragas durante a produção e também às
condições climáticas, como por exemplo, o rápido amadurecimento da fruta no pé. Estas
características fazem com que o preço do tomate apresente oscilações tanto para cima como
para baixo, possibilitando ganhos expressivos, mas também apontando para o alto risco de
perdas devido à baixa produtividade e preço.
Assim, conforme apontam os entrevistados, algumas condições deverão ser
observadas para se obter o que eles denominam de dois “P” – Preço e Produção e,
conseqüente, retorno econômico: a) optar por cultivar uma pequena produção por ser
considerada menos arriscada, uma vez que os investimentos são menores, além de demandar
menos mão-de-obra na preservação da cultura contra pragas e doenças, como também na
época da colheita; b) optar pelas safras da secas, porque no período chuvoso o ataque de
pragas e doenças é mais severo; c) optar por uma semente mais resistente às pragas e doenças
105
e, ; d) optar por plantar em propriedade própria evitando gastos extras com o arrendamento
de terras.
Na fala de alguns entrevistados, observa-se que, às vezes vale a pena cultivar o
tomate, noutras não. Por se tratar de um investimento muito alto, em havendo perda física da
lavoura por doenças ou pragas, por intempéries climáticas, ou ainda perda financeira devido
ao baixo preço encontrado no mercado no momento das vendas, pagar as dívidas contraídas
nem sempre é possível. Um deles, que no momento da pesquisa exercia a atividade como
meeiro, externou que preferia ganhar ao menos um salário fixo por mês a arriscar nas
lavouras, expondo os motivos:
(...) aqui eles querem dá pra gente como se fosse a metade do que a gente merece,
né? Furnece a gente ai, cem reais por mês, cento e cinqüenta reais. Então, não da
pra gente passar o mês, a gente passa é empurrado, né? Fica devendo mais na venda
(Produtor 5).
Pergunta 4- Como se dá a comercialização do tomate no distrito de Nova Matrona?
IC1 – Por intermédio de atravessadores.
“Aqui na região é mais atravessador, 100% atravessador. Eu não vendo direto assim pro
consumidor não. Se fosse era bom demais, mas é muito difícil, né? Hoje isto é um dos
maiores problemas. Infelizmente são os atravessadores que mais ganha, mais que os
produtores. Porque se ele (atravessador) acertar, acerta direitinho. Se der problema lá, eles
vêm e desconta no produtor. Nós o produtor que compra nas lojas adubo, inseticida, essas
coisas, num tem esse negócio de desconto. Frete não abaixa. Então, o produtor tem que
pagar certo. Se não pagar desta lavoura, na outra lavoura a loja não fornece procê. Então,
ce tem que acertar. O atravessador compra na roça dum preço e vende mais caro. Às vezes,
o produtor vende por 10 reais e o atravessador vende por 12 reais ou mais. O que é do
produtor ganhar quem ganha é o atravessador. Quando a pessoa vende pro atravessador ela
tem menos lucro, né? Por isso os atravessador só ta melhorando. Eu acho que a gente
precisa abrir esse mercado pra facilitar as vendas. Mas, quando tem uma quantia grande
tem que mandar pra mais longe, por exemplo, pro CEASA (Belo Horizonte), pra Montes
Claros, pra Vitória da Conquista, então, a gente arrisca vender pra eles, né? Hoje também é
mode as caixaria que é mais é plástico. Aí você vai ter que ter a caixa todinha. Aí fica mais
difícil pra nós. O atravessador já tem as caixa, já tem tudo. Eles chega e carrega. Amanhã
já torna voltar e torna panhar de novo. Eu sou muito de vender aqui pra algum
atravessador, né?. As vezes, se eu levo tomate pra feira, la pro mercado, eu posso correr o
risco de chegar lá e ta um dia ruim, né? E eu chegando com o tomate eu tenho que vender.
Não posso voltar com ele pra trás. Eu não posso guardar ele. Então, é arriscado por causa
que nós não temos um caminhão, né?. Às vezes, tem que pegar esse tomate e sair despesa,
fretar o caminhão. Mas, o mercado é longe e se chegar lá e chegar outros e encher o
mercado?Ai o preço é ruim e o problema é meu, né? O nosso maior comprador hoje é a
região da Bahia. Compra na sua mão e já entrega pra outro lá na frente. Antigamente a
gente fazia diferente. A gente levava o tomate até o consumidor, ou seja, até o comprador
que era em Vitória da Conquista. Hoje mudou. Hoje os comprador estão comprando aqui
através de atravessadores daqui da Matrona mesmo. Antigamente eles vinha comprar aqui.
Hoje o pessoal (de Matrona) ta comprando aqui e levando lá. Mas, não tem atravessador
106
que compra mais caro e outro mais barato não. Sempre é igual. Nisso nós tivemos um
progresso parcial.”.
Produtores 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 22.
IC1 – A venda é feita diretamente ao mercado consumidor.
“Vende direto, né? Tem uns aqui que vai direto e coloca no mercado lá em Conquista pra
vender direto pro consumidor, né? Aqui, a gente vende muito pra Bahia, né? No caso, a
gente pega e leva. Levamos pra São Paulo também. A gente vende também direto pra eles
lá. Pra esses comprador da Bahia, de Sergipe, nesse caminhão, né?”.
Produtores 2, 3, 14 e 18.
A cadeia produtiva de tomate do distrito de Nova Matrona inicia com a aquisição dos
insumos pelos produtores em casas agropecuárias localizadas nas cidades de Salinas e
Taiobeiras. A comercialização é feita através do canal direto (produtor-consumidor) nas
feiras-livres, também em Salinas e Taiobeiras e através do canal indireto que envolve a
presença de outros agentes intermediários.
A maior parte da produção de tomate do distrito de Nova Matrona é comercializada
mediante intermediários para os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Estados do Nordeste,
principalmente, Bahia, Pernambuco e Aracaju. Numa visita de campo, realizada nos dias 19 e
20 de setembro de 2009, observou-se a saída de oito caminhões carregados de tomate, sendo
que três destinavam-se para o Estado de São Paulo, dois para Belo Horizonte, um para
Jaguaquara, no Estado da Bahia e dois, para a cidade de Recife.
107
Figura 23 – Caminhão carregado de tomate acondicionado em caixas de madeira.
Visando diminuir as perdas pré/pós-colheita e oferecer aos consumidores um produto
de melhor qualidade, os produtores do distrito de Nova Matrona, optaram por cultivares da
espécie de tomate do tipo híbrido longa vida, principalmente o Ellen, por possuírem, devido a
sua alta durabilidade, resistência e alta produtividade. Para diminuir as perdas pós-colheita e
aumentar a vida útil do tomate é evidente de que maiores cuidados têm que ser tomados
durante toda a cadeia da produção e comercialização, inclusive, a necessidade de adoção de
caixas plásticas para acondicionar os produtos, evitando assim, possíveis danos.
Segundo pesquisa divulgada por Andreuccetti e outros (2005), citados por Faria e
Oliveira (2005, p. 6), “o tomate ideal para os consumidores é aquele que apresenta boa
durabilidade, coloração vermelha, firmeza e ausência de injúrias e de manchas”.
Diante deste quadro, a maioria dos produtores do distrito de Nova Matrona não
encontra outra saída senão a de vender sua produção para agentes intermediários locais ou de
outras regiões, os quais já possuem infraestrutura necessária (caminhões, caixas plásticas,
etc.) exigida pelos grandes varejistas e atacadistas, embora reconheça que se a venda fosse
efetuada diretamente a estes, o lucro, certamente, seria maior. Neste sentido, reclamam da
falta de políticas públicas que favoreçam o escoamento da produção, valorizem e protejam os
produtores locais, afinal conforme se expressa um dos produtores:
108
O produtor que compra nas lojas adubo, inseticidas, essas coisas, num tem esse
negócio de desconto. Frete não abaixa. Então o produtor tem que pagar certo. Se
não pagar desta lavoura, na outra lavoura ele num te financeia. A loja não fornece
procê. Ce ta entendendo? Então, ce tem que acertar. E, por isso, os atravessador só
ta melhorando (Produtor 21).
Apesar de existirem duas associações na comunidade já mencionadas anteriormente,
quais sejam, Conselho Comunitário Matronense e a Associação de Moradores, Trabalhadores
e Produtores Rurais de Nova Matrona, pelos relatos de um dos entrevistados da história de
vida, observa-se que a maioria dos produtores de tomate não as valoriza como deveriam.
Através das associações os produtores locais poderiam conseguir melhores preços tanto para
a venda do produto quanto para a aquisição de insumos.
Ainda assim, percebe-se que há interesse dos produtores em investir em tecnologias
que possibilitem maior produtividade, bem como interesse em que se estabeleçam canais de
comercialização direta, fato que possivelmente garantiria maiores lucros para eles próprios.
6.2. A percepção dos produtores sobre os riscos à saúde humana e ao meio
ambiente no manejo de agrotóxicos.
Pergunta 1- O (a) senhor (a) utiliza agrotóxicos no cultivo de tomate?
IC1 – Sim, só se produz tomate no distrito de Nova Matrona com a utilização de
agrotóxicos.
“Não tem como. Pra nós aqui, principalmente a região de Matrona, ta muito infestada de
insetos. Tem que ser o agrotóxico mesmo porque certas alternativas não resolve. Se não
utilizar ce não vai colher nunca. Aqui utiliza muito agrotóxico, não tem jeito porque se não
utilizar você não vai conseguir produzir porque são muitos insetos e muitas pragas, né?
Hoje o veneno é geralmente em tudo, até no milho, feijão... Hoje nada produz sem o veneno,
nada, nada, nada. Sem ele não planta nada porque a praga ta demais. Porque hoje se você
usa agrotóxicos não é fácil formar o tomate, já pensou se não usasse nada?Fazer orgânico?
É difícil porque a doença é muito praguejada mesmo. Usa e é pirigoso ainda porque é só
veneno forte, ta entendendo?Tem quantas pessoas hoje doentes por causa do veneno?Porque
usa direto. Que, às vezes, ce cuida, ce põe uma luva, põe uma máscara, mas ce não põe todo
dia. Aí, de repente ce ta usando uma coisa... ce ta respirando aquele veneno. É que a gente
não vê como os veneno de hoje é forte. Pelo menos para o pensamento do produtor
matronense, plantar tomate sem agrotóxico não existe. Tem produtos novos a cada dia. Os
produtos novos são mais fortes. Têm pessoas que chegam até brincar: tão lançando
produtos novos a cada dia e as doenças tão criando cada vez mais resistência. É mais fácil a
gente se matar do que matar elas”.
Produtores:1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 22.
Pergunta 2- Quais os principais agrotóxicos utilizados?
109
IC1 – São muitos.
“Ah, tem muitos. Um monte de veneno aí. Vamos supor, com 30 dias ce usa um veneno.
Quando a planta vai crescendo ce vai usando outro até chegar no ponto da colheita. Eu
numa roça minha, eu chego a usar uns quinze inseticidas. Se for falar tudo nem alembra,
né?É de acordo com o problema da lavoura, né? Se não usar num colhe.As borboletas
existem e estragam a lavoura, então tem que ta sempre cuidando, né? São vários tipos de
veneno que a gente ta usando porque hoje ta 100% tóxico, né? Sempre pirigoso. Os faixa
vermelha que é os mais pirigoso é o que a gente ta mais usando, né?Que os insetos é dimais,
prejudicando muito a gente mas os mais tradicionais pra nós aqui e que permanecem nas
lavouras de tomate é o aktara, ridomil, arsene, cerconil, certeiro, cistero, cobre azul,
confidor, cosaide, cyptrim, dacobre, daconil, daminon, delta cós, elsan, escore, stanil,
francaid, fuzilad, lanat, manzat, manzpilan, mata-mato, morten, nutrin, oktube, ortene,
ortocid, rovral, seinco, solidan, tamaron, urosba e Vertimec. São vários tipos de veneno”.
Produtores: 1, 2, 3, 4, 5, 7, 8, 10, 11, 13, 14, 16, 18, 19, 20, 21 e 22.
IC2 – São muitos, só que não me lembro os nomes, no momento.
“Você fala a respeito de inseticidas? Ah, são muitos, né? É difícil de falar assim. A gente
nem lembra, no momento assim, dos nomes, né? Mas, o fato é que são muitos. Isso aí,
geralmente, muda muito pela época também, né? Mais, basicamente, são os mesmos
venenos. No período de chuva a gente usa muito veneno para evitar requeima, pinta preta,
né? Agora, no período da seca, usa até menos veneno por não pegar muita chuva, né? Pra
broca, a gente usa bastante veneno que a gente tem muito medo dela entrar, né? Que ela
entra já no início da flor. Então, tem que pulverizar desde antes. No início da lavoura já ta
usando um veneno próprio pra ela. Mais os nomes, no momento, passou. Tem um bucado. A
única coisa que eu num gosto de usar é o furadan que é o mais perigoso. Mais os outro tipo
de veneno a gente usa”.
Produtores: 6, 9, 12, 15 e 17.
Todos os entrevistados disseram que utilizam agrotóxicos em suas lavouras devido a
grande quantidade de insetos-pragas e doenças que atacam as lavouras, principalmente, nos
últimos anos enfatizando que se não os utilizarem é impossível colher o produto.
Os nomes comerciais dos agrotóxicos mais utilizados foram aqui discriminados por
ordem alfabética: aktara, arsene, cerconil, cistero, cobre azul, confidor, cosair, cyptrim,
dacobre, daconil, danimen, deltaphos, elsan, frowncide, fusilade, lannate, mospilan, matamato, morten, nutrin, oktube, orthene, orthocide, ridomil, rovral, score, sencor, sumidan,
tamaron,
lorsban e Vertimec. Dois dos produtores afirmaram que ainda se utiliza o
agrotóxico denominado Furadan na região de Nova Matrona.
Vale registrar na íntegra o depoimento de um dos produtores entrevistados pela
riqueza de detalhes na utilização de agrotóxicos:
Vareia, né? Porque nós temos a formação, né? Ce usa ali confidor, aktara,
orthene e vai tocando o barco porque (...) tem várias doenças. Tem a parte do virose
que ce usa o orthene, aktara, confidor, né? Tem a parte da bactéria, né? Que ce usa
ai o rovral, score. Tem a parte da requeima que vem aí por cima, ce vai bater o quê?
110
É cobre, cobre azul, dacobre, daconil, cerconil. Tem muito produto bom, né? Que
faz a cobertura por cima, mais pra praga pelo menos, que é a parte mais perigosa
que nós temos no início da formação é chamada assim... a rosada. A rosada é uma
praga muito perigosa que ela penetra no tomate novinho e ela só sai quando tiver
maduro. Talvez, ce ta com a lavoura bonita no ponto de colher: Ixe, isso aqui vai
dar 50 caixas por mil. Ai começa a estorar, furar um ali, furar outro ali. Porque ela é
engraçada, que ela sai furando os tomate tudo, sai de dentro pra fora. Ela entra no
início, quando ta novim, quando ta mole a pele do tomate. O que qui acontece: ela
sai quando ta amadurecendo, quando ela azeda... ele sai pra fora. Ce só percebe e
quando começa a colorir. Ora que ce começa a colorir os primeiro fruto aí ce vai
perceber se ce você conseguir combater ela ou não. É a mesma coisa de uma
esportiva. Ocê vai batendo veneno, vai sulfatando, vai com cuidado: Oh, a rosada.
Cuidado! Cuida da rosada! E é aí que vem os veneno apropriado pra rosada que é o
cistero, que é oktube que eu uso muito. Eu pelo menos uso muito o cistero, oktube,
uso um produto chamado urosba, tamaron e vários outros, entendeu? Que qui
acontece? Ce vai batendo, na esportiva, sulfatando direitim, cuidando direitim, de
dois em dois dias batendo. Só que ce vai saber se aprovou certamentetemente
quando começa a colorir. Ai, quando começa a colorir, que ce não viu nenhum
furado, ce acertou. Deu, mais tem hora que ce perde mais de 50% nas primeira
planta (Produtor 11).
Os agrotóxicos citados foram agrupados quanto à praga que controlam e quanto às
classes toxicológica e ambiental de acordo com o Compêndio de Defensivos Agrícolas –
Guia Prático de Produtos Fitossanitário para Uso Agrícola (2005). Os agrotóxicos
denominados pelos produtores como arsene, morten, nutrin e oktube não foram encontrados
no referido compêndio.
O cobre azul poderá se tratar dos agrotóxicos fungicidas Cobre Fersol ou Cobre
Sandoz, ambos de clases tocicológica IV e classificação ambiental, III. O compêndio
apresenta três tipos do agrotóxico denominado Furadan: Furadan 50G, 100G e 350G. O
Furadan 50G e 100G são de classes toxicológica III e classificação ambiental II e o Furadan
350G é de classe toxicológica I e classificação ambiental II. Optou-se, na análise e avaliação
dos agrotóxicos utilizados pelos produtores, pelo Furadan 50G.
O herbicida fusilade também apresenta duas denominações: Fusilade 125 e Fusilade
250 EW, respectivamente, de classe toxicológica II e classificação ambiental II e classe
toxicológica III e classificação ambiental II. Na análise e avaliação dos resultados, optou-se
pela primeira denominação.
O mata-mato referido pelos produtores diz respeito a um produto que se encontra à
venda em lojas de jardinagem sem as especificações exigidas para agrotóxicos.
111
Tabela 2- Inseticidas – Classe toxicológica e Classificação ambiental.
Item InseticidasClasse
Toxicológica
Classificação Ambiental
1
Aktara 250 WG
III
III
2
Confidor
IV
III
3
Cosair
II
Não consta
4
Cernonil SC
III
II
5
Certero
IV
III
6
Cyptrim 250 CE
I
I
7
Danimen 300 CE
II
II
8
Deltaphos EC
I
I
9
Elsan
I
I
10
Furadan 50G
III
II
11
Lannate BR
I
III
12
Mospilan
III
II
13
Orthene 750 BR
IV
II
14
Sumidan
I
II
15
Tamaron
II
II
16
Lorsban 480
II
II
17
Vertmec 18 CE
III
II
Fonte: Compêndio de Defensivos Agrícolas – Guia Prático de Produtos Fitossanitário para Uso
Agrícola, 2005.
Tabela 3- Fungicidas – Classe toxicológica e Classificação ambiental.
Item
Fungicidas
Classe Toxicológica
Classificação Ambiental
1
Dacobre PM
II
II
2
Daconil BR
I
II
3
Score
I
II
4
Frowncid 500 CE
II
I
5
Manzate 800
III
Em adequação
6
Orthocid 500
I
II
7
Ridomil Gold MZ
III
II
8
Rovral
IV
II
Fonte: Compêndio de Defensivos Agrícolas – Guia Prático de Produtos Fitossanitário para Uso
Agrícola, 2005.
112
Tabela 4- Herbicidas – Classe toxicológica e Classificação ambiental.
Item
Herbicidas
Classe Toxicológica
Classificação Ambiental
1
Fusilade 125
II
II
2
Sencor 480
IV
II
Fonte: Compêndio de Defensivos Agrícolas – Guia Prático de Produtos Fitossanitário para Uso
Agrícola, 2005.
Tabela 5- Classificação Toxicológica.
I
II
III
IV
Classificação toxicológica
Extremamente tóxico
Altamente tóxico
Medianamente tóxico
Pouco tóxico
Fonte: Compêndio de Defensivos Agrícolas – Guia Prático de Produtos Fitossanitário para Uso
Agrícola, 2005.
Tabela 6- Classificação Ambiental.
I
II
III
IV
Classificação Ambiental
Altamente perigoso ao meio ambiente
Muito perigoso ao meio ambiente
Perigoso ao meio ambiente
Baixo risco ambiental
Fonte: Compêndio de Defensivos Agrícolas – Guia Prático de Produtos Fitossanitário para Uso
Agrícola, 2005.
Dos agrotóxicos citados pelos produtores 62,96% são inseticidas; 29,62% são
fungicidas e,: 7,40% são herbicidas. Considerando todos os agrotóxicos, 29,62% pertencem à
classe toxicológica I (extremamente tóxico); 25,92%, à classe toxicológica II (altamente
tóxico); 25,92%, à classe toxicológica III (medianamente tóxico) e, ; 18,51%, à classe
toxicológica IV (pouco tóxico).
Quanto à classificação ambiental e considerando todos os agrotóxicos citados, com
exceção dos denominados Cosair e Manzate 800 que, respectivamente, não consta no
compêndio e encontra-se em adequação, 16% pertencem à classificação ambiental I
(altamente perigoso ao meio ambiente); 68%, à classificação ambiental II (muito perigoso ao
meio ambiente) e, ; 16%, à classificação ambiental III (perigoso ao meio ambiente).
Assim, 55,54% dos agrotóxicos citados pelos produtores são da classe toxicológica I e
II, ou seja, extremamente e altamente tóxico. Quanto à classificação ambiental, 84%
113
pertencem à classificação ambiental I e II, ou seja, altamente e muito perigoso ao meio
ambiente.
Diante deste quadro que revela alta periculosidade à saúde humana e ao meio
ambiente no distrito de Nova Matrona, sugere-se a adoção progressiva de sistemas de
produção alternativos ou a recomendação por parte dos profissionais da área agronômica, da
utilização de produtos menos agressivos ao meio ambiente e à saúde humana.
O Manejo Integrado de Pragas (MIP) segundo Gravena & Lara (1982); Kogan (1989);
Rola & Pingali (1993), citados por Garcia (2001, p. 114),
Procura considerar a complexidade do agroecossistema, lidando com a interação
entre as populações de pragas e as condições do ambiente, presença de predadores,
parasitas e patógenos, de forma a buscar estratégias de intervenção que possibilitem
a manutenção das populações prejudiciais em níveis que não impliquem danos
econômicos (GRAVENA & LARA, 1982; KOGAN,1989; ROLA &
PINGALI, 1993, citados por GARCIA, 2001, P. 114).
O uso do agrotóxico faz parte da rotina dos produtores de tomate, fato que poderá
resultar em exposição e risco para os produtores e a comunidade de Nova Matrona. Observase nos discursos dos produtores uma afirmação que Peres e outros (2001) denominam de
“determinista” por ser um discurso controlado pela indústria que vende os produtos, o qual
determina que atualmente não existem alternativas ao uso de agrotóxicos nas lavouras.
Segundo os autores em referência, os meios de comunicação das indústrias químicas, os
agrônomos e outros profissionais ligados às casas comerciais possuem um discurso que
“legitimaria” o uso desses produtos em função de uma “agricultura produtiva”.
Em concordância com os resultados encontrados pelos autores, também observou-se
que os produtores de tomate do distrito de Nova Matrona têm esse discurso implícito em suas
falas, sendo a expressão “se não usar, não colhe” a mais ouvida durante as entrevistas,
conforme podemos observar em um dos fragmentos do discurso:”Se não usar num colhe. As
borboletas existem e estragam a lavoura, então tem que ta sempre cuidando, né? ” (Produtor
4).
Outro discurso também ilustra o fato:
Com os veneno do jeito que ta já é difícil formar a lavoura e sem ele? O pessoal
vem com uma conversa aí de usar produto natural, cinza. Isso não existe? (...) Eu
quero ver é que forma. Eu plantei um tomate dentro de uma estufa. Se eu não
passasse o veneno nem o tomate num saia! Que a doença entrava ali, né? Tentei no
início, com pouco começou a doença entrar, a minadora riscar a folha, começou
uma bactéria e teve que passar veneno. Num teve jeito (Produtor 20).
114
Os produtores de tomate acreditam que se não utilizarem os agrotóxicos a colheita é
impossível, sendo estes considerados, então, indispensáveis, conforme se pode observar pelo
fragmento “(...) se não utilizar o agrotóxico você não vai conseguir produzir”. Esta situação,
Guivant (1994 ) citada por Brito e outros (2005, p. 895), identificou como “fatalismo
químico” “onde não existiria no horizonte dos agricultores outra maneira de se garantir a
safra, somente pelo uso compulsório de agrotóxicos”.
Os discursos e as práticas existentes no campo justificam o uso de agrotóxicos como
forma de garantir “uma agricultura produtiva”, sendo esta apontada como a única solução
para resolver a questão da fome no mundo, tendo em vista que a população vem crescendo de
forma rápida e exponencial. Este é o discurso de agrônomos e de profissionais ligados às
casas comerciais e mesmo de algumas pessoas ligadas ao poder público, revelando,
claramente, que defendem os interesses das grandes indústrias químicas e de fabricantes de
agrotóxicos (ROZEMBERG & PERES, 2003).
Apesar da atitude de “fatalismo” e “determinismo” adotada no uso intensivo de
agrotóxicos, os produtores começam a crer e a perceber os conflitos de uma guerra que
parece sem tréguas contra as pragas e doenças nas lavouras de tomate, devido à resistência
destas aos agrotóxicos comumente utilizados, situação que exige a constante sintetização de
novas fórmulas para serem lançadas no mercado em substituição às fórmulas anteriores.
Guerra que, ao final, poderá ter como vencidos os próprios produtores. Este fato pode ser
representado pelo fragmento de discurso de um dos entrevistados:
(...)Tem produtos novos a cada dia. Os produtos novos são mais fortes. Têm
pessoas que chegam até brincar: tão lançando produtos novos a cada dia e as
doenças tão criando cada vez mais resistência. É mais fácil a gente se matar do que
matar elas (grifos nossos)”.
Os entrevistados utilizaram os termos “veneno”, “agrotóxico” e “produto tóxico” ao
se referirem aos agrotóxicos revelando forte percepção de que estão lidando em suas práticas
agrícolas com produtos que poderão vir a causar danos à saúde humana e ao meio ambiente.
O termo “veneno” segundo Peres e outros (2003, p. 23/24), “deriva da experiência
concreta do trabalhador rural (...) que, desde o início da utilização de agrotóxicos no meio
rural, vêm observando, além de seus efeitos previstos – matar pragas – também seus efeitos
nocivos à saúde humana e animal (...)”.
Entretanto, esta percepção de riscos não é suficiente para se tornarem protegidos dos
possíveis riscos a que estão expostos em suas atividades laborais.
115
O armazenamento e destinação final das embalagens, a participação de crianças no
processo de produção, a lavagem de roupas contaminadas junto com outras da família, bem
como a não observância do tempo de carência para a colheita são outras práticas igualmente
importantes relacionadas ao uso de agrotóxicos, as quais expõem os agricultores e a
comunidade, sendo necessário que estes conheçam os riscos reais relacionados ao seu uso.
As maneiras de reduzir a exposição mediante a utilização de formas adequadas para se lidar
com os produtos e mesmo a redução do uso dos mesmos ou a adoção de alternativas são
informações fundamentais que precisam ser disseminadas, pois a única alternativa (re)
conhecida pelos agricultores parece ser o consumo desses produtos como o único meio de
garantir a produtividade nas lavouras ( BRITO & OUTROS, 2005).
Figura 24 – Acondicionamento inadequado de agrotóxicos.
Pergunta 3- Quem orienta o (a) senhor (a) na utilização desses produtos?
ICI- Vendedores, técnicos das lojas revendedoras de insumos e auto-orientação.
“Os técnico sempre fala, né? Os técnicos formado nessa área é que dão assistência. Os
técnico orienta pra nós da forma que a gente pode usar. Sempre é os vendedor, né? Esses
cara mesmo que vende, né? Chega aí e fala, é assim, assim. Quando surge alguma dúvida,
alguma doença assim e a gente ta usando um produto e não ta resolvendo, então a gente
pergunta pros meninos que são técnico-agrícola que já sabe um pouquim da eficiência de
cada produto. Cada loja tem um representante e cada representante já vende o produto dele
e já explica pra nós como vamos usar e quando, que época. Cada loja tem o seu técnico. A
AGROEF tem que é o *. Nós temos aí o * que é da CULTIVAR. Nós temos aí um rapazim
que é da empresa lá de Montes Claros, da PARCERIA que chama... gente, esqueci o nome
116
dele agora, no momento. Então cada um tem o seu técnico que acompanha o produtor. Cada
loja dessa tem um técnico agrícola pra acompanhar, né? E tem agrônomo na loja. Se
precisar a gente chama na roça e ele vem. É um vendedor que é especializado na área, né?
Que dá assistência pra gente, né? Ele é vendedor e também acompanha o trabalho nas
lavouras, né? Nas roças. Eles vão sempre na roça, toda semana. Então, em caso de dúvida
maior têm as pessoas de cada loja que acompanham. Muitas vezes somos nós, né? Gente já
tem experiência, muito tempo de plantio, então acontece que a gente vai aprendendo, né? A
gente sabe, mais ou menos, qual produto que precisa aquela hora da planta ta precisando,
né? A gente como já tem experiência, já trabalha a muito tempo, a gente mesmo vai por
opinião da gente mesmo. A maior parte é por opinião da gente mesmo, pela experiência que
a gente já adquiriu durante o serviço. Tem hora que a gente num segue as regra do
vendedor, né? Continua fazendo do jeito que a gente se entende, de qualquer jeito, pois pela
grande experiência que os tomateiros adquiriram é fácil para os tomateiros saberem os
produtos que deverão ser usados. E assim, gente tem muita experiência também. Gente já
trabaiou muito. Gente já tem experiência dos veneno que pode usar e os que não pode.
Muitos desses vendedor nem tomateiro nunca foi. Aqui a gente aprende é com a experiência.
O que o pessoal aprende na escola lá, na faculdade deles, eu assim, no meu pensar não vale
nada. Vale pra eles saber falar o nome do veneno, o nome científico, esses trem, mais na
prática mesmo, o que conta na plantação do tomate é a prática, não a teoria. Aqui, aprende
é todo mundo junto mesmo”.
Produtores: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 22.
A idéia central revela que os produtores além da experiência própria, recebem
assistência técnica dos engenheiros agrônomos e técnicos agrícolas das lojas revendedoras de
insumos, duas situadas na cidade de Taiobeiras e uma em Montes Claros, todas localizadas
no Norte de Minas Gerais, as quais se denominam, respectivamente AGROEF, CULTIVAR
e PARCERIA. Ao longo das entrevistas alguns dos produtores fizeram referência também a
duas lojas situadas em Montes Claros que são a CAMPO VERDE e a ATITUDE.
As lojas revendedoras mais citadas são as denominadas CULTIVAR e AGROEF,
sendo estas, portanto, sob a ótica dos produtores, as que mais fornecem insumos para os
produtores, como também prestam assistência técnica a estes.
É muito comum os produtores buscarem informações junto às lojas revendedoras de
insumos agrícolas, devido à insuficiência da extensão rural responsável pela assistência
técnica no campo, além da proximidade dos revendedores com os produtores. Todavia, nem
sempre as lojas estão preparadas para atender às necessidades dos produtores porque não
dispõem de pessoas tecnicamente habilitadas para diagnosticar com precisão as doenças –
nos casos das bactérias, principalmente. O diagnóstico errado e a aplicação de produtos não
adequados colaboraram para o aumento das bactérias. Nos últimos anos, felizmente, quase
todas as revendas já contam com técnicos agrícolas ou agrônomos, prestando assistência
técnica aos seus clientes (ALIOMAR & FEITOSA, 2003).
117
As indústrias fabricantes de agrotóxicos, tendo em vista estimularem as vendas,
costumam realizar eventos para apresentar os novos produtos, ocasião em que distribuem
material de propaganda sobre o novo produto e outros da empresa. Geralmente utilizam
panfletos, material de apelo altamente visual onde apresentam as características do produto e
as vantagens do seu uso. Logo após o evento, os panfletos são encontrados no comércio
distribuidor e os vendedores utilizam as informações ali contidas para justificar a
“necessidade” da compra do produto em questão. Assim, a ciência ganha status de conferir
credibilidade, na mídia e na sociedade, para diversos produtos passando a manipular a
realidade, através da construção de uma série de “necessidades” que só se fundamentam na
razão mercadológica e na produção de capital para a indústria anunciante (PERES &
ROZMBERG, 2003).
Esse fato é corroborado pela fala de um dos entrevistados, já citada na história de
vida, evidenciando que estas estratégias de vendas (eventos, palestras, etc.) também ocorrem
em Nova Matrona, inclusive, no espaço das associações locais, pois ao ser questionado se
participava das associações ele respondeu: “Demais. Eles chama nós. Nós vai pra lá. Vai lá.
Toma cerveja e come churrasco até (...).”
Os eventos são espaços nos quais as lojas distribuidoras realizam a propaganda e a
venda dos produtos, além de legitimarem a “necessidade” de seu uso. Peres & Rozemberg
(2003) observaram que a comunicação sobre agrotóxicos é intimamente vinculada à
interesses de grupos que manipulam informações e criam a “necessidade” da utilização dos
produtos favorecendo o capitalismo industrial. E, em decorrência disso, muitos trabalhadores
continuam a morrer a cada ano.
Outra questão apontada pelos autores em referência é que, apesar disso, o problema
dos agrotóxicos passa a ser delegado pela indústria/comércio ao próprio trabalhador. O
trabalhador, por sua vez, crendo nesta mentira, agrava ainda mais sua situação por assumir
que ele mesmo é o problema, ou seja, que a responsabilidade é sua, ficando a
indústria/comércio, então, numa situação confortável, enquanto o quadro de contaminações
por agrotóxicos cresce a cada ano e novos produtos são lançados no mercado.
De acordo com os produtores, cada loja tem um técnico que vai ao distrito, uma vez
por semana ou quando se fizer necessário, para avaliar as lavouras e verificar a ocorrência de
pragas e doenças, indicar agrotóxicos e substituir outros, caso os que estejam sendo
utilizados não tenham dado bons resultados.
Conforme descrito anteriormente, os agrotóxicos começaram a ser utilizados no meio
rural brasileiro como sendo a solução irrefutável para todos os problemas enfrentados pelo
118
trabalhador rural. Rozemberg & PERES (2003), explicam que juntamente com o surgimento
destes produtos no campo, ampliou-se a atuação de técnicos vinculados à indústria e ao
comércio que passaram a legitimar o uso de venenos como símbolos da modernidade,
cientificismo e avanço, deixando à margem outras técnicas alternativas. Assim, observam:
A estes trabalhadores, restou seguir os mandamentos dos “educadores do
veneno”: “vocês têm que usar agrotóxicos para conseguir suprir a demanda por
comida da humanidade”; “vocês têm que usar agrotóxicos para impedir que suas
lavouras sejam devoradas por pragas”; “vocês têm que usar agrotóxicos porque é o
que há de mais moderno”; “vocês têm que usar agrotóxicos porque nós estamos
lhes garantindo que é o que há de melhor” ROZEMBERG 7 PERES, 2003, p. 372).
Mas, a experiência concreta dos agricultores que utilizam agrotóxicos nas lavouras
aponta para os desequilíbrios biológicos gerados pelo uso continuado dos agrotóxicos, fato
que impossibilita a produção comercialmente viável sem o uso de tais produtos. Esta
constatação advinda da rotina de trabalho dos produtores é acrescida da falta de qualquer
orientação e experiência concreta de métodos alternativos de sucesso. Assim, vem-se
coroando a “vitória do veneno” sobre a saúde humana e a sua banalização por todo o interior
brasileiro (id ibid).
Pergunta 4- Exige-se receita agronômica no momento de adquirir os agrotóxicos?
IC1- Sim, hoje em dia exige.
“Há cinco anos atrás não, agora tudo o que você compra é com receita. Só compra com a
receita. A receita agronômica já vem com a própria nota porque é obrigatório por lei. Aí, já
vem a receita com a dosagem certinha do veneno que a gente tem que utilizar. Hoje ta tudo
mais organizado. O povo antigamente não exigia não, mas hoje exige. Quando ce compra o
produto vem uma série de documentos, vem a nota fiscal pra gente, tudo, tudo. Tem tudo
certim. Nessa área da agronomia, ta ótimo. Eles tão trabalhando certim com a gente. A
gente é que falha na parte técnica nossa porque, às vezes, a gente facilita um pouco. Num
tem como tirar lá sem a receita mais, né? Ficou mais exigente de uns tempos pra cá, depois
que o IMA (Instituto Mineiro de Agropecuária) vei, passou por aqui. Então, hoje em dia, a
gente compra o veneno e eles já dá a papelada certinha, né? Hoje em dia também tem
também essa questão de meio ambiente que ta pegando muito no pé, então eles já dão a
papelada que hoje exige, né? Deles sei que vem uma papelada dananda. Hoje em dia
ninguém compra veneno só de boca não. Antigamente comprava, mas hoje num compra mais
não. Antigamente num tinha, mas hoje têm as notas. Todo ano eles entrega e fala assim: Oh,
se o fiscal chegar tem que mostrar isso aqui. Inclusive, tem uma notinha lá, não sei o nome
não que é meu minino é que mexe, né? Tem uma notinha lá que ce tem que deixar lá na roça
porque se o cara chegar lá, nem vim em casa buscar num pode, ele tem que achar lá. Se o
fiscal chega na roça, pra poder dar uma vistoria na roça e se pegar nós batendo um produto
desse sem a nota fiscal, ele pode até multar, né? Aí tem que ser um negócio bem seguro
porque gente também pode vacilar e acabar sofrendo, né?”.
Produtores: 1, 2, 4, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 21 .
119
IC2- Não, não exige.
“Não, aqui não. Aqui não precisa não. Qualquer pessoa que precisar de um produto, ou
você ou quem quiser, é só pedir pros meninos e eles mandam mesmo. Tendo a ficha limpa,
né? Pra comprar num precisa de papel de produtor, de receita agronômica. Isso aí não
exige não. Aí, eles num fala nada não, deixa o trem correr frouxo. Eu acho que é um grande
erro, né? Aí, o comprador que é o patrão, às vezes, chega lá e compra, né? E se eu também
chegar e comprar é uma coisa só. Como eu sendo meeiro eu chego e compro, é uma coisa
só. Aqui, num precisa não”.
Produtores: 3, 5, 6 e 22.
Os produtores informaram que hoje em dia, por obrigatoriedade da lei, exige-se
receita agronômica quando da aquisição dos agrotóxicos. Segundo Peres e outros (2003, p.
29), “pela legislação brasileira os produtos formulados só podem ser comercializados por
meio de receituário agronômico prescrito por profissionais habilitados”.
Assim, a lei nº 7.802/89, no seu artigo 14c, esclarece:
As responsabilidades administrativas, civil e penal, pelos danos causados à saúde
das pessoas e ao meio ambiente, quando a produção, a comercialização, a utilização
e o transporte não cumprirem o disposto nessa lei, na sua regulamentação e nas
legislações estaduais e municipais, cabem (...) ao comerciante, quando efetuar
venda sem o respectivo receituário ou em desacordo com a receita (Lei nº
7.802/89).
Entretanto, infere-se dos relatos, bem como da observação da prática diária dos
produtores, que estes adquirem os produtos ou por sugestão dos vendedores ou orientados
pela própria experiência nas lavouras, bastando, para isso, não estarem inadimplentes junto
às casas comerciais ou conforme dizem bastam “ter a ficha limpa”.
As lojas distribuidoras, para não terem problemas com a fiscalização estadual e com a
justiça costumam dispor de engenheiros agrônomos para emissão de receituário agronômico
atrelando os receituários apenas aos produtos vendidos com nota fiscal (PERES e outros,
2003).
Originam-se, neste contexto, os discursos dos produtores: “vem uma papelada
danada”; “vem uma série de documentos”; “vem a nota fiscal pra gente”; “ a gente compra o
veneno e eles já dá a papelada certinha”; “deles sei que vem uma papelada danada”, etc.
Alguns revelam pouco conhecimento acerca do que se trata “essa papelada”, fato evidenciado
no depoimento de um deles:
Todo ano eles entrega e fala assim: Oh, se o fiscal chegar tem que mostrar isso
aqui. Inclusive, tem uma notinha lá, não sei o nome não que é meu minino é que
mexe, né? Tem uma notinha lá que ce tem que deixar lá na roça porque se o cara
chegar lá, nem vim em casa buscá num pode, ele tem que achá lá (Produtor 21).
120
Pelos fragmentos das falas de alguns produtores, como nos exemplos a seguir: “Nessa
área da agronomia, ta ótimo. Eles tão trabalhando certim com a gente. A gente é que falha na
parte técnica nossa porque, às vezes, a gente facilita um pouco” e “Se o fiscal chega na roça
pra poder dar uma vistoria na roça e se pegar nós batendo um produto desse sem a nota
fiscal, ele pode até multar, né?”, observa-se uma cadeia de significados e sentimentos nas
falas dos produtores, como também a predominância de um enfoque simplista nos discursos
rurais no distrito de Nova Matrona em detrimento de outros aspectos relevantes e complexos
que deveriam ser levados em consideração. O enfoque simplista, o qual responsabiliza e
culpa apenas o agricultor quanto ao uso dos agrotóxicos. Daí fica a impressão de que paira
no ar um sentimento de vigilância, culpa e temor constantes acerca do uso de agrotóxicos nas
lavouras e da ameaça da “visita” de agentes de fiscalização nas lavouras, os quais poderão,
inclusive, até penalizá-los se forem flagrados em situação considerada “inadequada” por eles,
sobrecarregando ainda mais a já pesada carga dos produtores.
De acordo com Garcia (2001), o enfoque simplista que envolve a complexa questão
dos agrotóxicos e suas conseqüências e danos à saúde humana e ao meio ambiente, considera
que a solução dos problemas está em ensinar aos usuários o “uso adequado” dos agrotóxicos,
sendo a utilização de equipamentos de proteção individual EPIs) e os “cuidados” a serem
tomados na aplicação e manuseio desses produtos, as principais medidas de segurança no
trabalho. Assim, toda a responsabilidade pelas causas, conseqüências e soluções dos
problemas acerca do uso de agrotóxicos é delegada aos usuários dessas substâncias,
desconsiderando que o mau uso advém também de outros fatores, tais como: a forma como
esses produtos foram introduzidos e difundidos; a grande disponibilidade desses produtos no
mercado; o fácil acesso aos agrotóxicos considerados perigosos; o difícil acesso às
informações técnicas; as condições de trabalho; o modelo de produção adotado; as políticas
agrícolas, etc..
Aqui, vale reportar à década de 70, quando a política de crédito agrícola foi uma das
fomentadoras da realidade que se encontra hoje no campo relacionada aos agrotóxicos e seus
problemas.
Na década de 70, os agricultores para conseguir o crédito agrícola tinha que por
obrigação gastar 15% com insumos químicos. Garcia (1996) esclarece ainda que o seguro
agrícola não cobria perdas por praga se o agricultor não tivesse efetuado a compra de
agrotóxicos. Esses fatos garantiram a expansão do uso destes produtos químicos no Brasil,
sobretudo, através do Programa Nacional de Desenvolvimento Agrícola – PNDA, o qual
incentivou a implantação de indústrias de agrotóxicos. A agricultura jamais voltou a ser
121
como antes, pois o agricultor passou a usar uma tecnologia sobre a qual não tinha acesso às
informações de utilização e de danos que ela traria ( MOURA, 2005; GARCIA, 2001).
Pinheiro S. e outros (1985) citados por Silva e outros (2005, não paginado),
acrescentam que “as agências e programas de extensão rural (...) tiveram também um papel
importante na introdução, disseminação e consolidação destes novos modos de produção, de
saberes e de tecnologias rurais, dentre essas o uso de agrotóxicos”.
Pergunta 5- Há algum tipo de fiscalização quanto ao uso dos agrotóxicos?
IC1- Ainda não há fiscalização de fato.
“Eu nunca vi fiscalização aqui. Eles fala que vem, que veio, mas eu pessoalmente nunca vi.
Não há não. Nunca vi um fiscal na roça falar: ah, ce tem que usar isso, isso e aquilo, por
causa que é pirigoso não. Corre sempre folgado aí, né? De todo jeito. Eu acho que é um
grande erro isso aí. Que deveria ter mais fiscalização pra gente poder aprender cada vez
mais a regra, né? E num tem, né? A fiscalização é uma coisa que deixa a desejar. Muitas
vezes não tem essa fiscalização e agente até cobra, né? Porque nós queremos, nós sabemos
que a preocupação com o meio ambiente é muito grande e eu até falo com * pra eles ter o
máximo de cuidado. Sempre a gente já tem um local, um tambor ou um saco pra jogar essas
embalagens, para que elas não vão para um rio, não vão pras terras, mas os próprios
vendedores não vêm buscar. A fiscalização não é intensa. A fiscalização já avisou que vem
pegar, mas até agora num teve alguma coisa mais séria não. Aqui pra nós nunca teve não,
mais já conversa que vai chegar o dia de ter fiscalização e u não acho ruim fiscalizar a roça
do produtor não, porque quando o cara vem fiscalizar as roças, ele ta orientando a gente
para o bem da gente, não é para o mal. Muitas vezes ce ta usando um produto sem nenhuma
roupa correta pra poder usar, né?. Aí, ce tem que ta bem preparado, bota nos pés, roupa
normal, máscara no rosto pra evitar do veneno, às vezes, contaminar a pessoa. Então, a
fiscalização nós ainda num ta tendo muito, promete pegar, mais num pega. Nós que
plantamos, falamos assim: Graças à Deus que não vieram ainda não. Senão eles pegam no
pé porque sempre tem alguma coisinha errada, né? (risos). Há, pelo menos ameaça, mas
ninguém lembra que eles vem aqui, mas os agrônomos, que pega as coisas pra nós... é
recomendado direitim”.
Produtores: 3, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 16, 20, 21 e 22 .
IC2- Ultimamente, há fiscalização, embora esta ainda não seja tão freqüente e rígida.
“É difícil um ano que num vai um fiscal numa lavoura desse povo aí. Num são firme ainda
não, mas sempre tem. Ano passado (2008) veio. O povo do IMA veio aqui. Por causa do EPI
(Equipamentos de Proteção Individual), né? Tem que usar. Já aconteceu do IMA passar
avisando, né? E orientando dos cuidados, fiscalizando, né?. Fiscalização tem, mais num é
tanto igual em São Paulo não. De vez em quando vem, viu? Já vei umas duas vez. Já fizeram
uma reunião em Taiobeiras pra isso também, o IMA, mas não é tão freqüente igual a São
Paulo não. Agora tem, mas é muito difícil. Lá em São Paulo a fiscalização é rígida. Fiscal
foi uma vez na minha roça. Só. Em cima deles (lojas revendedoras) sim, agora sobre nós
aqui é pouca”.
122
Produtores: 1, 2, 4, 12, 13, 14, 15, 17, 18 e 19.
Conforme determina a atual legislação compete aos órgãos estaduais e do Distrito
Federal, dentro de suas áreas de competência, realizar o controle e a fiscalização da
comercialização e uso desses produtos em sua jurisdição.
Apesar do arcabouço jurídico vigente, a incipiente ou nenhuma fiscalização da
comercialização do uso dos agrotóxicos por parte do órgão competente no distrito de Nova
Matrona é bastante evidenciada nos discursos dos produtores entrevistados, constituindo-se
este um sério problema apontado e cobrado por eles próprios, fato que poderá agravar ainda
mais a situação dos trabalhadores rurais, bem como da população local e dos recursos
naturais, os quais se encontram cada vez mais expostos a riscos ainda desconhecidos devido
à intensiva e indiscriminada utilização desses produtos nas lavouras de tomate.
Pergunta 6- O (a) senhor (a) acha que apesar do uso progressivo de agrotóxicos
aumentou o número de pragas e doenças?
IC1 – O número de pragas e doenças aumentou significativamente nos últimos anos.
“Ah, aumentou. Cada ano aumenta mais, né?. Aumentaram bastante porque antes não tinha
muita praga né? Pior é que o tanto de agrotóxico que a gente usa e mesmo assim a cada
ano surpreende. Aumentou muito mesmo, bastante, vixe! Ah, plantou, aquilo vai enfiando
né? A praga quase todo ano aumenta, vareia assim a época. Em tempo das água aparece
uma doença, na seca já é outra, então sempre aumenta. Geralmente, cresce. A mosca
branca, por exemplo, a gente nunca ouvir falar aqui na região nossa há uns anos atrás, aí
apareceu. Ficou mais difícil pra plantar. Antigamente tinha bem menos. Até porque,
antigamente procê ter uma idéia tinha mais praga era no tomate. Hoje em dia até nas outras
lavouras tem praga, né? O milho, o feijão... Se não passar produto agrotóxico não produz,
né? Quanto mais se usa o veneno, parece que chama. Ah, doenças tem dimais. Tem praga
aqui que a gente nem sabe. Antigamente num tinha. Ce usava qualquer venenim ce plantava
tomate. Hoje já não descobre mais não. Pra nós sempre aumenta. As pragas aumentou bem
mais. A praga vai aumentando é sozinha, né? Ninguém sabe de onde aparece tanta praga.
Quando num é uma pinta preta, por exemplo, vem outra. Quando não é a rosada, que é uma
doença que tem que ataca muito nós aqui, vem outra coisa. Aumentou. Tomate, hoje em dia,
ta dando muita doença”.
Produtores: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 22.
Para esta pergunta a construção de apenas um discurso coletivo por si só já revela a
unanimidade de opinião e percepção dos produtores de Nova Matrona acerca do aumento das
pragas e doenças nos últimos anos, o que vem comprometendo, sobremaneira, a produção,
exigindo cada vez o uso intensivo de agrotóxicos, inclusive, de fórmulas novas e,
consequentemente, onerando ainda mais toda a cadeia produtiva e, possivelmente, causando
maiores danos à saúde humana e à conservação dos recursos naturais.
123
Pergunta 7- Em sua opinião porque aumentou o número de pragas e doenças?
IC1 – Devido ao aumento da produção e da proximidade das lavouras.
“Conforme vai plantando, mais vai aumentando as praga, né? Então, aumenta o plantio de
tomate, com certeza vai aumentando mais as pragas, né? Quanto mais se planta é maior o
número de pragas. Por isso, eu acho que é por causa da plantação de tomate mesmo que
aumenta na região. Então, significa que quanto mais aumenta o plantio, mais aumenta o
número de praga, até porque ela já é gerada ali dentro, né? E dali passa pra outras
lavouras. Tem lavouras próximas, então é isso que faz aumentar”.
Produtores: 1, 6, 7, 8, 11 e 12.
IC2 - Devido à transmissão das pragas e doenças de uma lavoura para outra.
“A lavoura transmite, né? Às vezes, quando vai plantando uma, plantando outra e outra,
assim na seqüência acontece, né? Vai ficando algumas pragas, vai ficando por ali, como por
exemplo, a mosca branca. A mosca branca é uma coisa que não existia muito por aqui, mas
ta demais, né? É a que causa a virose, né? Os vírus, né? Que a roça seria: terminou,
extermina ela, acaba com ela, junta, queima, não deixa nada ali pra que da outra vez já não
tem mais doença ali. E o cuidado, o pessoal relaxa um pouco, né? Quer plantar, quer
plantar mas ainda não tem o asseio certim. Cabou uma, cabou. Aí, extermina aquela e já
começa outra já num lugar adequado, limpo. O cara planta a roça, depois que termina a
roça ele não derruba a roça. Ela fica lá, implantada lá um mês, dois, mês, quatro mês lá, só
praguejando lá. Ele não bate veneno mais que já acabou a lavoura. Então, aquilo vai
aumentando as pragas da região. Ele não cuida da mosca branca, ele não faz um preparo
certim. Eu faço, o cara não faz. O que acontece? A dele pragueja. Então, vai espalhando na
região. Num caba com a lavoura tão cedo. Poe gado dentro. Ai complica tudo, né? Que a
lavoura, o certo é terminou, ce corta ela. O certo é por fogo nos pés, né?. Aqui num utiliza
por fogo não”.
Produtores: 4, 10, 11, 12 e 19.
IC3 - Devido à resistência das pragas e doenças aos agrotóxicos.
“Dizem que as pragas criam resistência, né? E a cada dia tem que desenvolver novos
produtos porque aqueles que a gente usa já não dá mais jeito. Que nem antigamente a gente
usava um tipo de veneno para uma praga, já mudou três vezes de lá pra cá nesses seis anos.
A gente passou a usar outro. Depois já não resolveu então, a gente passou a usar outro. Ah,
as doenças vai criando resistência, vão se acostumando com aquilo que a gente ta usando, aí
sempre tem que ta inovando pra poder resolver o problema. Aí vai indo até veneno num dá
volta neles mais. Por isso que ta sempre mudando os veneno, né? O veneno que era bom a
uns três, quatro anos atrás, hoje num presta mais. Eles já muda pra outro que a praga cria
resistência, né? Tem hora que um veneno que era bom hoje, já não presta mais amanhã. Vai
ter que vim outro, então tem que ta sempre mudando. Tão lançando produtos novos a cada
dia e as doenças tão criando cada vez mais resistência”.
Produtores: 3, 8, 16 e 17.
As idéias centrais revelam que os produtores de tomate entrevistados entendem que o
aumento de pragas nas lavouras de tomate explica-se devido aos seguintes fatores: aumento
124
da produção e da proximidade das lavouras, transmissão de doenças e pragas, bem como
resistência das mesmas aos agrotóxicos comumente utilizados.
Embora não se constitua um DSC, vale ressaltar que um dos produtores apresentou
explicação diferente conforme pode se inferir do fragmento de discurso abaixo:
“(...) o produto que a gente compra, por exemplo, um veneno aí, ta? Ele mata
uma praga. Mas, parece que ele traz outras, ta entendendo? O pessoal dos
laboratório, o pessoal que faz, acho que já trabalha desse jeito. É uma brincadeira,
mas torna a ser sério. Quer dizer, esse ano, por exemplo, a rosada atacou muito.
Veio um veneno forte só pra ela. Então, no outro ano não vem a rosada, mas vem
outra coisa. Então, de onde é que vem? Esses insetos.... Quer dizer, a tecnologia
deles hoje é forte, eles trabalha tudo direitim. Eu tenho isso na cabeça, porque, ô,
gente, ce passa um... eu nem lembro o nome do veneno. Ce passa o veneno hoje pra
uma coisa, aquele veneno gera outra doença. É uma forma deles trabalhar. Lógico.
Os grandes empresários do laboratórios (...) (Produtor 21).
Dos demais produtores, sete não responderam e dois esclareceram que não sabiam.
Conforme já descrito anteriormente, para implantar o processo produtivo agrícola, o
homem, além de simplificar os agroecossistemas adotam técnicas inadequadas às condições
ecológicas, favorecendo assim a infestação de pragas e doenças as quais exigem a
necessidade cada vez maior de agrotóxicos. O uso desses produtos favorece a resistência
desses organismos a essas substâncias químicas, prejudicando ainda mais o equilíbrio do
agroecossistema em favor das espécies potencialmente danosas pela redução da diversidade e
das populações de competidores e predadores.
Garcia (2001) explica que as mudanças no modo de produção e o uso de agrotóxicos
contribuem para aumentar as pragas e doenças. A resistência das pragas e patógenos aos
agrotóxicos é um assunto que preocupa não só do ponto de vista agrícola como também de
saúde pública, no caso de controle de vetores de doenças.
Em 1979, a resistência era considerada um dos quatro problemas do mundo Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), sendo que em 1965, havia 182
espécies de insetos considerados resistentes, em 1980 esse número era de 432. Hoje, cerca de
500 espécies de insetos e ácaros, 150 espécies de patógenos de plantas e 273 espécies de
plantas invasoras são resistentes a agrotóxicos ( PIMENTEL, 1993; PAN AMERICAN
HEALTH ORGANIZATION, 1993; de acordo com Garcia, 2001).
Na própria área cultivada ou área vizinha não é raro encontrar focos disseminadores
de bactérias, pois estes nem sempre são eliminados. As plantas infectadas permanecem por
muito tempo transmitindo a enfermidade para as plantas sadias. O abandono do plantio após
a colheita é outro fator que contribui para aumento das bactérias. O produtor somente retira
os restos culturais (varas, estacas, arames, mangueiras, canos, etc.) das hortas velhas quando
125
precisa dele para iniciar uma nova colheita. Muitas vezes o material que foi retirado de um
plantio velho é utilizado no mesmo dia em uma nova área, transportando assim as doenças,
sobretudo, as bactérias através de materiais de trabalho contaminado de uma propriedade pra
outra, de uma região para outra ou mesmo de um município para outro e até entre
municípios. O mais aconselhável é não reutilizar o material (ALIOMAR & FEITOSA, 2003).
Dentre as principais doenças que incidem sobre as lavouras de tomate os produtores
entrevistados, destacam a requeima (Phytophthora infestans) e a pinta-preta (Alternaria
solani). Entre os insetos-praga se destacam a broca-pequena do tomateiro (Neoleucinoides
elegantales), conhecida pelos produtores como “a rosada” e a broca–grande (Helicoverpa
zea) que causam danos diretos nos frutos depreciando a aparência e tornando-os inviáveis
para a comercialização. Outra praga igualmente preocupante e citada pelos produtores é a
mosca branca (Bemísia ssp), considerada a praga mais importante para a cultura do tomate
(ALIOMAR & FEITOSA, 2003).
O aumento de bactérias deve-se também a utilização da grande quantidade de água
nas lavouras, geralmente de péssima qualidade, tornando mais grave quando, em áreas de
declive acentuado, a água escorre sobre o solo. De um modo geral, as lavouras são irrigadas
com grande volume de água sem nenhum controle de volume e distribuição. O sistema de
irrigação por meio de mangueiras não permite controlar a quantidade e distribuição de água:
áreas altas com pouca água e áreas baixas com excesso hídrico. Outro erro cometido pelos
produtores diz respeito ao hábito de, após as chuvas, lavarem as folhas das plantas para
retirar os eventuais fragmentos de solo. Questão também importante refere-se às mudanças
climáticas em virtude da irregularidade das chuvas associada a outros fatores, que poderão
contribuir para o aumento das bactérias e de outras doenças e pragas (id ibid).
Devido ao alto grau de infestação de pragas e doenças no tomateiro, até mesmo as
medidas curativas, com uso de agrotóxicos e medidas complementares, não atendem às
necessidades do produtor, pois os danos econômicos são irreversíveis. A adoção de medidas
preventivas seria de fundamental importância, mas os produtores, em sua maioria, não as
praticam, preferindo crer nos milagres da aplicação de produtos químicos do que em um
conjunto de medidas preventivas – de menor custo final e maior eficiência. (id ibid).
Neste sentido, concorda-se com o resultado encontrado por Mendes (2006), em um
trabalho desenvolvido no distrito de Nova Matrona, onde observou-se que os agricultores
utilizam os agrotóxicos não como medida preventiva, mas sim como medida curativa, ou
seja, quando a lavoura já está seriamente infestada de pragas e doenças.
126
Pergunta 8- O (a) senhor (a) acha que cultivando tomate com o uso de agrotóxicos
poderá vir a ter problemas de saúde?
IC1 – Com certeza poderemos ter problemas de saúde.
“Com certeza, né? A gente sabe que esses agrotóxicos não faz bem pra saúde, afeta a nossa
saúde, mas a gente tem que trabalhar. A gente procura previnir. A gente sulfata usando bota,
luva, né? Na maioria das vezes, mas nem sempre. Até que na bomba costal já não usa muito
porque a pressão é pouquinha, né? Só que a gente não vê a fumaça a gente acha que o
veneno não vai prejudicar, mas com certeza prejudica. A gente faz o básico porque o que é
recomendado a gente usar a gente num usa por causa do calor muito forte, né? Eu acredito
que isso pode acontecer, né? Porque o agrotóxico foi feito pra matar as pragas, mas pode
matar a gente também. Isso pode causar mais tarde problemas mais sérios, principalmente
no sangue, né? Eu não sou médico, mas sabemos que bom para a pessoa isso aí não é não.
Isso aí é uma conseqüência que não deixa de acontecer. Os problemas virão de uma forma
ou de outra. Há riscos e grandes. Aí, geralmente, é o que provoca o espanto porque o veneno
mesmo cuidando direitim não tem como livrar de tudo, né? Essa é uma questão que
infelizmente aqui na região nossa, a gente pensa, é claro. Quando a gente caba a lavoura, a
gente vai num médico, faz uns exames. Só que é uma questão que a gente não tem como
buscar outra coisa. A gente não tem estudo e não tem emprego pro pessoal da região. Se me
perguntar hoje se eu acho bom tocar lavoura, não é bom não, porque a gente corre o risco
sim de no futuro ter conseqüência com a saúde da gente. Tem muita gente que adoece por
causa disso, mas infelizmente não tem coisa melhor pra se fazer, né?”.
Produtores: 1, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 14, 15, 19 e 21.
IC2 – Provavelmente sim se não forem tomados os devidos cuidados.
“Num sei não, mas provavelmente pode acontecer, mas se a pessoa não trabalhar
preparado. Isso aí a gente num sabe, mas pode ter sim. Agrotóxico é pirigoso, né? O veneno
é muito, mas a pessoa tem que ter cuidado, né? Porque justamente os fiscais não apareceu
aqui em roça nenhuma, mas pode acontecer que ainda vai aparecer. Os técnico prepara a
gente direitim, pra usar as roupa tudo direitim pra não ter problema. Se ele preparar pode
prejudicar, mas é mais difícil. Preparar assim, máscara, proteção. Vamos supor, ce tem uma
máscara lá e ela é como um filtro. Ele não ultrapassa depois de ce coloca ela e ela tampa a
boca da gente e as narina, né? O que é que acontece? Ali ce pode suspirar e o veneno num
vai pro seu corpo. Que ,muitas vezes, quando ce ta passando o veneno e ce num ta protegido
na suspiração, quando ce suspira o veneno vai acumulando dentro das pessoas e aí vem
câncer, né? Oia, se a pessoa não se cuidar, não usar o EPI direitim, não fazer o exame de
sangue no fim do ano eu acho que vai ter uma certa complicação, né? Eu acho que pode
chegar a esse ponto que o povo num toma muito cuidado, né? Pode até acontecer que
ninguém sabe dizer, pode até ta por dentro, né? Mas, num tem como ce plantar tomate sem
agrotóxico.”
Produtores: 2, 9, 11, 12, 13, 16, 17 18 e 22.
IC3 – Eu acredito que não.
“Eu conheço gente que ta com mais de 80 anos e ta vivo ainda. Não tem problema nenhum.
Esse pessoal que começou, igual seu * mesmo morreu de idade, normal. Não foi nada de
problema de veneno. Tem muita gente mais velha do que eu que nunca falou assim: Olha, eu
127
adoeci foi por causa do veneno. Do tempo que eu trabaio até hoje num tô doente de tomate
não. Já plantei mais de 40 lavoura de tomate e num senti nada não”.
Produtores: 2 e 20.
Os produtores de tomate do distrito de Nova Matrona percebem os riscos que o uso de
agrotóxicos nas lavouras representa para a sua saúde, podendo causar até a morte, embora
desconheçam os limites destes riscos em função da sua invisibilidade e de sua difícil
mensuração.
A invisibilidade dos riscos, inclusive, é um dos fatores que parece minimizar a
percepção de riscos na análise feita a partir da seguinte fala: “A gente procura previnir. A
gente sulfata usando bota, luva, né? Na maioria das vezes, mas nem sempre. Até que na
bomba costal já não usa muito porque a pressão é pouquinha, né? Só que a gente não vê a
fumaça a gente acha que o veneno não vai prejudicar, mas com certeza prejudica”.
Um dos entrevistados ressaltou que o manejo do agrotóxico, principalmente associado
à outras doenças e a alguns hábitos bastante utilizados nas lavouras como fumar, tomar
bebida alcoólica e alimentar sem lavar as mãos, etc., poderá tornar-se ainda mais nocivo à
saúde humana, conforme se depreende da depoimento abaixo:
Que principalmente quem tem problema no sangue, quem tem problema de
anemia, cirrose, que tem muita gente usando (agrotóxicos) tomando uns goles aí na
roça. (...) Que eu acho que o mais certo mesmo era nem fumar dentro da roça. Lá na
Chácara Alvorada,região de Mogi Guaçu, lá tem fiscalização bem... lá é proibido
fumar, alimentar sem lavar as mãos, na hora de preparar o veneno é só um que
prepara. Com medo, né? Pega e livra ali, oh! (Produtor 5).
Outro entrevistado fez associou a utilização dos agrotóxicos à possibilidade de
doenças como o câncer, fato ilustrado no seguinte depoimento: “Que, muitas vezes, quando
ce ta passando o veneno e ce num ta protegido na suspiração, quando ce suspira o veneno vai
acumulando dentro das pessoas e aí vem câncer, né?” (Produtor 9).
De acordo com Koifman & Hatagima (2003), estudos epidemiológicos têm
documentado a vinculação entre a exposição de agrotóxicos e o desenvolvimento de câncer,
sobretudo em populações agrícolas, em diferentes localizações anatômicas e faixas etárias.
Resultado de investigações em diferentes países, mediante o emprego de metodologias
distintas, sugerem a natureza causal de muitas das associações descritas, como por exemplo,
os tumores hematológicos, sobretudo, linfomas não-Hodgkin, apesar de lacunas importantes
no conhecimento científico ainda permanecerem, como é o caso da controvérsia que existe
entre a exposição a agrotóxicos organoclorados e o desenvolvimento de câncer de mama.
128
No Brasil, devido à utilização progressiva de agrotóxicos na agricultura, a análise dos
efeitos deste tipo de exposição ambiental começa a registrar um perfil epidemiológico da
distribuição de câncer tanto para as populações diretamente expostas a esses produtos, quanto
para a população indiretamente afetada devido à contaminação alimentar e dos recursos
hídricos (id ibid).
Apesar da percepção de que os agrotóxicos são venenos, com potencial real de causar
problemas de doenças e provocar até morte, os produtores reconhecem que não encontram
outros meios que lhes possibilitem garantir o sustento próprio e de sua família, ou pelo
costume ou pela baixa escolaridade da maioria e, conseqüente, dificuldade em arranjar outra
forma de ocupação. Assim, concluem que não há coisa melhor para se fazer, no momento,
senão trabalhar nas lavouras de tomate, apesar dos riscos.
A percepção de que os agrotóxicos são danosos à saúde advém da experiência
concreta nas lavouras de tomate e da própria forma como conceituam os insumos agrícolas:
“agrotóxicos e, na maioria das vezes, “veneno”, demonstrando, desta forma, conhecer a
possibilidade de intoxicação da pessoa que lida com tais produtos,
bem como as
conseqüências da exposição crônica, fato ilustrado pelos depoimentos: “(...) isso pode causar
mais tarde problemas mais sérios, né?”; “(...) no futuro a gente pode ter problemas de saúde,
né?”.
Identificam-se também conflitos psicossociais entre a percepção de riscos e a
continuidade de exposição a estes através do trabalho nas lavouras, fato ilustrado no discurso:
“Talvez a gente, até eu, assim, se me perguntar hoje se eu acho bom tocar lavoura, não é
bom, não, porque a gente corre o risco sim de, no futuro, a gente ter conseqüência com a
saúde da gente. Só que infelizmente não tem como eu buscar outra coisa, né?” (Produtor 14).
Um aspecto observado, semelhante ao encontrado por Peres e outros (2005), em uma
região agrícola do Estado do Rio de Janeiro, diz respeito ao fato de os produtores atribuem o
risco de agrotóxicos à falta de cuidado ou imprudência de determinadas pessoas que não
estariam “preparadas” para lidar com o veneno, conforme se recomenda, relegando o
problema do uso de agrotóxicos á uma abordagem bastante simplista, diante da
complexidade e multidimensionalidade da questão.
Este fato origina-se na prática e discursos comumente observados no campo: a
culpabilização dos agricultores pelos riscos no uso dos agrotóxicos está presente nas falas de
técnicos de extensão e pesquisa rural, folderes, cartilhas e rótulos de produtos agrotóxicos, os
quais desencadeiam, de maneira perversa, a construção, por parte dos agricultores, de uma
auto-imagem negativa (PERES & ROZEMBERG, 2003; PERES e outros, 2005).
129
Percebe-se nos discursos uma atitude de conformismo diante da situação expressa em
discursos como “A gente sabe que esses agrotóxicos não faz bem, mas a gente tem que
trabalhar”, pois a idéia de “fatalismo químico”, descrita anteriormente, associada a outros
fatores, conforme podemos observar na fala “Não tem como ce plantar sem agrotóxicos”,
impede os produtores de visualizarem a possibilidade de outras formas alternativas de
produção menos agressivas à saúde e ao meio ambiente.
Percebe-se também contradição no discurso, como por exemplo, a do produtor dois
que ao mesmo tempo em que acredita que, provavelmente, poderá vir a ter problemas de
saúde, crê também que não, pois ainda não conseguiu associar nenhum problema de doença
ao uso de agrotóxicos e por não ter vivenciado nenhuma situação relativa.
Pergunta 9- O (a) senhor (a), alguém da sua família, companheiro de trabalho ou algum
conhecido já teve problemas de intoxicação por agrotóxicos?
IC1 – Sim, já houve casos de intoxicação e morte por agrotóxicos envolvendo familiares,
conhecidos e a mim próprio.
“Na família não, mas com um amigo aconteceu dele sentir uma alergia com agrotóxicos. Ele
trabalha na lavoura, mas ele não usa mais agrotóxicos. Na época ele procurou o médico e o
médico proibiu ele de mexer com agrotóxicos. Inclusive eu, por falta de cuidado, me
intoxiquei há muito tempo, mas por falta de cuidado.Teve um meeiro uma vez que passou
mal, aí tomou uns dois copos de leite e melhorou normalmente. Meu irmão mesmo foi um.
Esse que morreu agora de poucos dias, tem noventa e poucos dias hoje. Problema por causa
do tomate. * Ele morreu esses dias. Ele começou assim na roça sentindo uma coceira no
corpo né? E fazendo vômito diariamente. Aí, chegou no médico todo intoxicado e médico
falou: Isso foi causado pelo veneno que ce tava mexendo, por que ce era preparador do
veneno, e tava passando, fumando e passando o veneno. Puxando aquele ar pra dentro né?.
E o exame seu aqui deu problema sério, você tem que ir embora, deixar de veneno. Perante
agora mesmo quando ele morreu tava com uns seis anos que não mexia mais com veneno,
veneno nenhum. Era só ele passar ele intoxicava. Ele trabalhava lá na região de Mogi
Guaçu. Conheço também * aqui da Matrona que é só mexer com produto, só de entrar
dentro do tomate e tiver passando que nem eu passei ontem a tarde, se ele entrar aqui
dentro, ele sai todo intoxicado. A pele fica todo agitada, né? Assim, empolada, vermelha, da
cor daquele saquim ali (apontando para um saco vermelho). A pele fica todo vermelhinha e
aquilo dá umas pelotinha assim coçando e ele vai coçando, coçando e o que resolve é uma
pomada que ele usa agora, que ele passa e caba liviando, né? E não sara não. Na região de
São Paulo, que são pessoas daqui que plantam lá, muitos já se intoxicaram. Mas lá é mais
intenso o uso de agrotóxicos. A quantidade é bem maior, bem mais intensa. Eles correm o
risco maior de se intoxicar. Aqui não, agora em São Paulo já aconteceu muito. Amigo da
gente já foi pra lá e já intoxicou. Lá, o pessoal diz que lava tudo de veneno, molha roupa, o
cabelo tudo, tudo molhado. Aqui eu num conheço não, mas em São Paulo eu já ouvi falar
muito que gente intoxicava e tinha que ir às pressa pro hospital.Tem uma irmã minha mesmo
que ela não pode mexer com veneno. Ela sente o pulmão ficar todo agitado e sente falta de
130
ar. Ela não mexe mais. Às vezes acontece da pessoa usar aquele veneno e num dá certo com
aquele veneno e aí intochica, né? Tem hora que tem que ir inté pro médico, né? Aqui tem
hora que às vezes acontece. Passa mal, né? Tem uns veneno que é complicado, né? Tem o
caso do Furadan, um tal de Lanat. Tem gente que usa e não sente nada, né? Mais tem gente
que usa e num dá certo. São Paulo eu já conheci muito amigo meu que já intoxicou porque
antigamente passava o Furadan. Que era um veneno muito perigoso, forte. Quase todo
mundo que passava intoxicava que era muito forte. Só que aí, o pessoal foi tomando medo de
usar. Nós mesmo, já tem uns 6 anos que nós paramos de mexer com ele.Aqui em Matrona eu
acho que quase ninguém usa. É que ele é perigoso mesmo. Teve produtor numa época, por
exemplo, que teve que parar mode o tomate. Teve que parar de plantar o tomate porque dá
problema no sangue, dá muita coisa. Dá mesmo. Aí a pessoa num pode mais, num guenta,
né? O cara passa o veneno, igual eu te falei, tudo forte. No começo da lavoura ce cuida ali
direitim do tomate, tudo com luva e tudo. Depois, ce vai, chega numa hora rápida, evem uma
chuva, ce quer passar o veneno, dá uma araginha, ce quer passar o veneno, ce num cuida
direitim. Conheci, gente até que morreu dento do tomate Lá em São Paulo. Ah, tava tocando
tomate e quando foi no fim, acho que intochicou e morreu. Eu mesmo já fui um. Foi em São
Paulo, né? Lá eles jogam os veneno nas cova de tomate pra passar muda. Aí, eu fui
tampando as muda e fui mexendo, né? Passando a mão no veneno, né? Dentro das covas, o
dia todo. Foi ruim, viu? Vixe, nossa. Fui direto pro médico Eu vomitei, vermelhou tudo.
Tudo o que eu comia ou bebia eu vomitava tudo. Como é que chama aquele veneno lá? É...
ainda usa ele ainda ...furadan. Ainda usa ele na cova ainda? Aquele veneno é perigoso. Ele
é tipo açúcar, só que ele é preto, tipo porva, só que ele é pretim. Aqui na Matrona, morreu
uma prima minha com esse... veneno. Ah, ela jogava o veneno na ... Como é que chama?
Furadan... na covinha, né? De primeiro pegava nele assim mesmo, sabe? Hoje não. Hoje por
ele ser muito perigoso suspendeu ele, né? Ai ela passava as mudinhas e depois a mãe dela
chegou com o almoço. Acho que nem a mão ela lavou, sabe? Já pegou num pedaço de
frango e comeu. E depois que ela comeu, passado um instante ela já começou a passar mal.
Ah, vomitou e tontura e já levou pro hospital e já voltou no caixão”.
Produtores: 2, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 15, 17, 19, 20, 21 e 22.
IC2 – Não, não conheço nenhum caso de intoxicação por agrotóxico.
“Uma pessoa em mente eu num sei assim não. Inclusive, os meninos que trabalha comigo
nunca reclamou, né? Eu trabalho muito bem preparado. Chegar no conhecimento que a
pessoa teve um problema com aquilo, a gente não sabe, né? Que eu lembre não. Desde a
minha época, porque eu trabaio há mais de dezoito anos, não. Nunca. Também nunca senti
nada. Chegar no conhecimento que a pessoa teve problema com aquilo a gente num sabe”.
Produtores: 1, 14 e 19.
IC3- Provavelmente, mas não tenho certeza.
“Que foi constatado que foi por agrotóxico eu num conheço ainda não. Mais com certeza
essas coisas vem acontecendo aí, mais a gente acha que é outra coisa, mas no fundo no
fundo, esses agrotóxicos atrapalham sim a saúde da gente. Eu já conheci um que teve um
problema. Tudo indica que foi causado por veneno. O finado *, né? Ele tocava lavoura
comigo. Isso que aconteceu não foi na minha lavoura não. Já tinha uns dois anos que ele
tinha parado de tocar comigo, tava tocando noutro canto. Chegou um ponto de eu chegar e
falar com ele: Oh, *, prepara seu corpo pra poder sulfatar o veneno, pra sulfatar o tomate.
131
Que só com uma bermudinha, camisinha... a camisa igual essa aqui, ce ta entendendo? E o
rosto sem máscara, sem nada. Aquilo, quando ele saia de dentro da lavoura, ele saia todo
molhado com o produto que ele passava. Então, da forma como aconteceu a morte dele eu
acho que pra mim... (pausa) Eu tava na roça e quando cheguei, eu recebi a notícia que ele
tinha falecido, mas não foi na roça que ele faleceu não. Mas, não levou ele na cidade pra
fazer um exame pra saber o que é que foi não. Morreu de repente. Eu acho que foi um tipo
de infarto, mais eu acho que foi projudicado um pouco do problema do veneno. Não tenho
certeza não. Tudo indica. Pelo que o cara trabalhava e pelo que ce pensa. Não é que o cara
foi examinado pelos médicos pra poder confirmar se foi não, viu?. Eu acho que sim, pode
chegar a esse ponto”.
Produtores: 3, 9 e 16.
Pelos relatos ricos em detalhes, verifica-se que os produtores de tomate de Nova
Matrona têm percepção clara dos riscos a que estão expostos, fundamentada em experiências
concretas próprias e das experiências de outras pessoas, principalmente, nas lavouras de
tomate no Estado de São Paulo.
Os principais sintomas de intoxicação por agrotóxicos descritos pelos produtores em
seus relatos são semelhantes aos encontrados na literatura: alergia, coceira na pele, náuseas,
dor de cabeça, vômito, irritação nos olhos e tontura.
Interessante é que mesmo percebendo a nocividade dos agrotóxicos, os produtores
continuam lidando com os agrotóxicos, pois estes representam a garantia de maior
produtividade e, conseqüente, retorno financeiro, inclusive, em sua maioria, sem utilizar
devidamente os equipamentos de proteção individual, Ayres e outros (2003), citados por
Brito e outros (2005, p. 892), explicam que diante deste quadro é preciso compreender o
conceito de vulnerabilidade que se resume em:
Um movimento de considerar a chance de exposição das pessoas ao adoecimento
como a resultante de um conjunto de aspectos não apenas individuais, mas também
coletivos, contextuais, que acarretam maior suscetibilidade e menor disponibilidade
de recursos de todas as origens para se proteger (Ayres e outros, 2003, citados
por Brito e outros, 2005, p. 892).
Dizer que os trabalhadores não possuem nenhuma percepção quanto aos riscos
advindo da exposição aos agrotóxicos em suas lavouras, bem como nenhum receio ou
“espanto” conforme descreveu um deles, diante das possíveis conseqüências orieundas destes
riscos, é no mínimo bastante ingênuo, porque isto está evidente nas suas falas, silêncios,
conflitos e práticas discursiva, embora fique evidente também, que apesar desta percepção
continuam utilizando agrotóxicos e se expondo de forma, inclusive, bastante arriscada, sem a
adoção de medidas preventivas, como por exemplo, o uso de equipamentos de proteção
individual.
132
A atitude de desprezo ao risco, como se o trabalhador não possuísse conhecimento
relativos aos riscos inerentes àquela atividade deve ser compreendida como uma estratégia de
defesa que nasce do pleno conhecimento do perigo, onde o trabalhador acrescenta ao risco
inerente ao processo de trabalho, o seu próprio risco, como forma de negar ou diminuir o
outro, numa estratégia denominada “ideologia defensiva”. A função dessa ideologia
defensiva seria possibilitar a sua sobrevivência em um processo de trabalho injurioso, por
intermédio da construção de um valor simbólico, onde o trabalhador é quem domina o risco e
não o contrário (DEJOURS, 1994, citado por PERES e outros, 2005).
Pergunta 10- O (a) senhor (a) utiliza os equipamentos de proteção individual (EPI) ao
aplicar os agrotóxicos nas lavouras de tomate?
IC1 – Sim, completo.
“Hoje usa. Ce usa as roupa que é vendida nas lojas. EPI e tudo, tudo certim pra proteger a
saúde, né? Antigamente, num usava não. Hoje usa os equipamento total. Inclusive, os técnico
exige muito que a gente use o EPI, é claro, né? Pelo bem da gente. E se tiver que aconselhar
alguém eu vou aconselhar sempre: tem que usar o EPI. A gente usa o EPI toda vez que
sulfata a lavoura pra previnir a saúde da gente, né? Num pode sulfatar sem EPI não. Eu e
meu colega ali usa bota, calça, máscara, avental, boné, luva. Completo. Tem que usar tanto
pra proteger.Se você passar o veneno com a roupa do corpo normal de trabalhar, ce
passava na parte da manhã e ce num agüentava trabalhar com aquela roupa fedendo
veneno, saindo aquele vapor. A hora que o sol esquentava, saia aquele vapor de veneno. Ce
ficava com aquele cheiro o dia todo no corpo. Depois que obrigou a usar o EPI é bom
dimais. Ce usa pra sulfatar, terminou, ce passa uma água nela, põe lá e pronto. Ce usa sua
roupa normal sem cheiro de veneno nenhum”.
Produtores: 1, 2, 3, 6, 8, 9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 22.
IC2- Sim, parcialmente.
“Às vezes, facilita um pouco ainda, mas usa. Às vezes, acontece de num usar completo. Aqui
nós usamos, mas nas lavourinha pequenininha até que não usa muito não. É mais nas
grandes que nós usamos”.
Produtores: 4 e 10.
IC3- Não.
“Usa não. Eles não exige, né? Não tem fiscalização nenhuma. O patrão também não chega
no ponto de falar: Ah, ce tem que fazer isso. Inclusive, nós põe aquela caixa ali, nós pega o
veneno e dispeja dentro da bomba, joga nas costa e sai passando aí. Não tem uma luva, não
tem uma máscara, não tem proteção nenhuma, né? Nem uma bota no pé. Às vezes, ce ta lá
trabaiando, a chuva evem, a gente corre pra debaixo de uma árvore dessa aí, chega aí,
panha a comida, vai comer com as mão suja e eles num ta nem aí. Descuidam e não usam. A
gente ta usando a (pulverização) mecânica, porque a costal é pior ainda porque a pessoa
tem que sentir o cheiro e ainda carregar nas costas”.
Produtor 5 e 7.
133
Os resultados encontrados apontam que a idéia mais expressiva dos entrevistados
revela que a utilização dos equipamentos de proteção individual (EPI's) completo é adotada,
entretanto, observa-se que na prática e nos discursos, há contradições, pois, ao longo dos
relatos, percebe-se a não observância quanto a esta recomendada medida de segurança do
trabalho, cuja explicação dada pelos produtores se resume ao desconforto ou ao calor intenso
característico da região do semi-árido norte-mineiro, corroborando os resultados encontrados
por Mendes (2006), em que foi observado que cerca de 98% dos agricultores acham que é
importante se proteger na hora de utilizar o produto, só que somente 2% desse total faz uso
do EPI. O restante não se protege suficientemente, cerca de 56% dos agricultores. Ou,
inclusive, não utiliza nenhuma proteção, 42%.
Figura 24 – Produtor pulverizando lavoura de tomate.
Então, se por um lado, eles têm plena convicção e crença acerca da importância de
utilizarem o EPI no momento de aplicar os agrotóxicos nas lavouras, tendo em vista se
protegem de possíveis danos à saúde, bem como possuem conhecimento da obrigatoriedade
de seu uso sob pena de serem penalizados em caso de fiscalização, a prática, conforme se tem
observado e como ilustra bem a foto acima, não condiz com o discurso.
134
Os equipamentos de aplicação mais difundidos no Brasil são os pulverizadores costais
manuais, que tanto são de concepção antiga, como também favorecem a exposição dos
aplicadores e apresentam problemas de vazamentos. Quanto aos equipamentos tratorizados,
existem alguns mais seguros dos que os comumente usados no meio rural brasileiro,
inclusive, que atendem até a padrões internacionais. Todavia, os aspectos econômicos, a
desinformação, o preparo do produtor e do trabalhador rural, a ganância dos fabricantes e a
falta de uma política de pesquisa que garantam a qualidade e a segurança dos equipamentos,
parecem constituir-se em limitações para o desenvolvimento e a difusão de sistemas de
aplicação de agrotóxicos mais seguros (GARCIA, 2001).
Figura 25 – Pulverizador costal comumente utilizado na região.
A utilização de EPIs é uma recomendação genérica como medida de segurança no
trabalho. Entretanto, faltam informações quanto à necessidade, ocasião e forma correta da
utilização desses equipamentos, fato que gera conseqüências como o desconforto, a sensação
de falta de segurança e o descrédito quanto à sua real necessidade de uso. Neste sentido, é
essencial o desenvolvimento de dispositivos que sejam mais apropriados e aceitáveis de
acordo com as condições de trabalho do meio rural. Há carência também de investimentos
públicos e privados para a fabricação, distribuição, fiscalização, difusão de informações e
treinamento para o uso correto destes equipamentos (id ibid).
135
Os produtores percebem a potencialidade dos riscos a que são expostos mediante o
manejo de agrotóxicos em suas lavouras de tomate, assim como são capazes também de
estabelecer uma relação de causalidade entre o uso destes “venenos”, conforme dizem, e os
problemas de adoecimento que poderão ocorrer, no entanto, continuam a usar
progressivamente os agrotóxicos, na maioria das vezes, sem tomarem as devidas precauções.
A reflexão que aqui se faz é a de que os produtores demonstram maior preocupação
em se protegerem dos riscos econômicos a que estão sujeitos a sofrer a qualquer momento da
cadeia produtiva, seja por ataque severo de pragas e doenças, seja por questões climáticas,
comercialização ou outras, em detrimento dos possíveis riscos à saúde e ao meio ambiente.
Por estratégia de defesa, já discutido e analisado anteriormente, optam por
construírem uma realidade onde tudo pareça transcorrer dentro das normas e regras
estabelecidas, tendo em vista enfrentar o “perigo” e salvar as suas lavouras, bem como
colocar seus produtos no mercado em condições de competir, para finalmente, saldar as
dívidas contraídas e melhorar as suas condições materiais de vida e a de seus familiares.
Gomide (2005) de acordo com Brito e outros (2005), esclarece que,
As situações de riscos a que estão expostos os agricultores resultam do modelo
de desenvolvimento vigente, das políticas públicas e das leis que regem a sociedade
e seu desenvolvimento. Assim, no contexto atual da produção agrícola brasileira,
observa-se um “senso comum” de que o uso de agrotóxicos é a melhor forma de se
garantir uma maior produtividade e rendimento financeiro (GOMIDE, 2005, de
acordo com BRITO e outros, 2005, p. 891-892).
Neste sentido, esta situação também deverá ser compreendida dentro do universo
simbólico de construção de estratégias conformistas de sobrevivência, como também de
defesa neste modelo de produção agrícola brasileira. Diminuindo os riscos reais, as chances
de se manterem nas lavouras de tomate e, sobretudo, concorrerem em condições de igualdade
no mercado capitalista, cada vez mais perverso, parece ser a alternativa mais viável.
Pergunta 11- Em sua opinião, a utilização de agrotóxicos causa modificações e
contaminação dos recursos naturais?
IC1 – Sim, certamente.
“Com certeza, né? O que acontece é que a chuva leva restos de agrotóxicos que fica lá no
chão. Quando ce vai por dentro da bomba, cai no chão, num tem como. Aquilo tudo vai
acabar dentro dos rios, né? Então, vai afetar o meio ambiente, vai matar os peixes. O
pessoal desmata muito nas beiras de rio pro plantio do tomate. Com certeza vem
degradando o meio ambiente sim. Têm vários tipo de veneno que prejudica até a terra, né?
O Fuzilade, O Seinco, Randap, ce usa na terra aí, o mato igual ta esse aqui. Se ce passar
136
agora, quando for amanhã o mato ta todo sequim. É o chamado mata-mato. Caba
prejudicando até a terra, onde ce passa ele um ano no outro ano nem o mato num sai que
presta. Só sai se passar bastante adubo químico. Já está causando problemas e eu acho que
teria que ter uma fiscalização. Os rio estão secando e a margem dos rios estão degradando
muito, então teria de ter uma fiscalização pra que a gente nem gradeasse perto dos rios, né?
Esta parte aí é bem notável e visível. A questão do solo, por exemplo, o solo vai degradando
porque a plantação de tomate requer bem do solo, puxa as forças minerais. A questão da
água também. O tomate requer muita água.O rio vai secando antes do tempo dele secar.
Antigamente o rio corria o ano inteiro, hoje não corre porque a lavoura de tomate puxa.
Então, o rio começa a secar e é de baixo pra cima, não é de cima pra baixo. Daí, falta água,
principalmente, no tempo da seca porque as pessoas fazem mini-barragens no rio e tapa a
passagem da água para usar na lavoura. Só que esquecem que tem gente mais embaixo,
pessoas que moram mais em baixo que precisam muitas vezes para sobreviver, falta água.
No ar é grande também. Na pulverização é perceptível. Quem ta dentro da roça de tomate,
com máscara ou sem máscara, o odor é muito forte, muito forte mesmo. A gente respira
aquilo e o agrotóxico fica muitas vezes até a noite. A gente sente dor de cabeça, muitas vezes
as pessoas mais alérgicas, né? Muita dor de cabeça. E o ar vai degradando. Quando ce
passa o veneno no tomate talvez o veneno fica no pé. Quando o tomate ta grande, não. Mais
quando o tomate ta pequeno, a terra também recebe aquele veneno. O que acontece? Ocê
vai aguar o tomate, a água vem nas leiras e sai no carreador. Se ele cair dentro da água que
ce ta puxando pra moiar o próprio tomate pode contaminar. É por isso que, às vezes, a gente
pede pra vir um órgão do governo pra fiscalizar porque tem gente que num ta nem aí não,
joga na beira do rio e num ta nem aí mesmo. E acha que num vai acontecer nada. Tem gente
que ainda queima o produto, né? Outros enterra. Só que têm pessoas que não ta nem aí com
isso, infelizmente deixa as coisas de acordo ele imagina, né? Hoje em dia já ta acontecendo
muita coisa que é culpa do ser humano mesmo, né? Essas coisas que a gente vê acontecendo
hoje em dia, tempestade, esses fenômenos que acontecem, por um lado é isso, né? É culpa
do homem mesmo que não cuida da natureza, né? Ah, claro, né? Porque os produto é muito
forte, né? Químico, né? Então, vai sim, prejudicar sim. Então se jogar no chão talvez vai
atrapalhar o solo. Pros rios é pior ainda, né? Que a água leva, né? Aqueles vidros, então,
tem que ter muito cuidado com as embalagem. Com certeza o agrotóxico sempre projudica,
né? Porque gado vai beber a água desse rio. De repente, sai um pouquim pra eles também.
Eu acho que causa porque tem gente que utiliza o veneno e deixa a enxurrada cair dentro da
roça, dentro do rio. O certo é não deixar, né? Eu já vi morreno que jogou num taque e
morreu os peixim tudo”.
Produtores: 1, 3, 4, 5, 7, 8, 9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 22.
IC2 – Provavelmente poderá causar danos.
“Acho que não, né?A não ser se você plantar perto assim de um tanque, algum rio e deixar
assim as coisa , litro vazio cheio de veneno cair dentro, né? Mas, se você põe tudo dentro
dum saco, num lixo e deixa queimar, eu acho que não. Eu acho que é perigoso prejudicar,
né?Agora, do modo que você prepara é difícil, né? Pela água mesmo do modo que nós
planta é muito difícil prejudicar, porque nós não planta mais perto do rio, mas é água de
depósito, de tanque, lagoa. Também tiramos sempre a curva de nível pra que não desce pro
rio. Pelo cultivo aqui da região nossa, assim, um ajuda o outro, mas, pra fora, igual lá nos
Estados Unidos que é o maior produtor, que usa um sistema mais desenvolvido, eles falam
de aquecimento global, mas aquecimento global não é só de defensivos. Mais é indústrias,
veículos, isso aí tudo, junta tudo, né? A produção do tomate em si pode até ajudar, mas
ocasionar um aquecimento global por causa do veneno de tomate mesmo, isso aí não. Se
137
juntar o que acumula tudo, o que produz num dia aí pode ajudar. (risos) Oh, aqui, num sei.
Aqui é muito pouco olhando pra fora, né? Igual, nós já trabalhou em São Paulo, né? Lá que
é dimais. Mas, num deixa de num estragar, né? Que hoje já ta bem avançadim e com certeza
causa, né? A gente previne, faz as curvas de nível, né? Procura não deixar os vidros
derramar pra águas, pros rios. Mas fica na terra, né? Então, quando a chuva vem, por
maior cuidado que a gente tem, eu acredito que passa, né?”.
Produtores: 2, 6, 10, 20 e 21.
A percepção dos produtores acerca da possibilidade da utilização intensiva dos
agrotóxicos nas lavouras de tomate vir a causar problemas de contaminação e degradação dos
recursos naturais é clara. O principal risco ambiental relatado refere-se à degradação e
contaminação dos recursos hídricos, seguido da degradação do solo e ar, flora e fauna,
sobretudo, mortandade de peixes, como também a contaminação de animais domésticos, de
forma direta e indireta.
Os produtores demonstraram entender os fatos que a literatura vem mostrando: os
agrotóxicos embora sejam aplicados, em sua maioria, diretamente nas plantas, têm como
destino final o solo, sendo levados através da ação da chuva ou da água de irrigação. No solo,
os produtos infiltram até as camadas mais profundas podendo atingir o lençol freático. O
transporte do agrotóxico se dá pelo processo de lixiviação, bem como na superfície do solo
juntamente com as águas de enxurradas, podendo levar à contaminação dos recursos hídricos
por resíduos de agrotóxicos. A lixiviação é a principal forma de contaminação das águas
subterrâneas enquanto o escoamento superficial tem papel fundamental na contaminação das
águas superficiais, como rios, lagoas, açudes e outras.
Garcia (2001) alerta que a contaminação das águas poderá ocorrer por meio de
aplicações e lavagens de plantas, pela lixiviação e erosão do solo que podem carrear 0,5 a
15% dos produtos aplicados para o sistema aquático, resíduos de embalagens vazias e de
lavagem de equipamentos contaminados e efluentes de indústrias de agrotóxicos.
Segundo Freitas & Sá (2001), espécies animais como insetos, peixes e pássaros, etc.,
tiveram suas populações reduzidas porque se alimentam de culturas que foram pulverizadas
por agrotóxicos ou porque têm seu habitat restrito a solo e água contaminados.
Os produtores, em sua maioria, associam, inclusive, as ações de degradação do
homem, através do uso exacerbado de agrotóxicos nas lavouras, a uma das causas
importantes para muitos problemas ambientais enfrentados na atualidade como, por exemplo,
o aquecimento global. O depoimento de um deles ilustra bem o fato: “Essas coisas que a
gente vê acontecendo hoje em dia, tempestade, esses fenômenos que acontecem, por um lado
é isso, né? É culpa do homem mesmo que não cuida da natureza, né?” (Produtor 14).
138
Alguns produtores apontam ainda a urgente e necessária fiscalização por parte dos
órgãos competentes para evitar que estes problemas se agravem ainda mais num futuro bem
próximo, pois, se por um lado, existem pessoas preocupadas em conservar os recursos
naturais, por outro, existem aquelas movidas apenas por uma visão utilitarista da natureza,
não se preocupando e nem tomando os devidos cuidados para este fim.
Augusto (2001) adverte ainda que a contaminação ambiental no semi-árido brasileiro
torna-se mais grave devido à escassez dos recursos hídricos, à prática de reservar água
superficial através de açudes, bem como, pela falta de uma política de acesso e de controle da
qualidade da água para consumo humano e produção, fatores que ameaçam substancialmente
os poucos mananciais existentes.
Verifica-se que esta percepção nasce da experiência concreta e da relação do homem
do campo com a natureza, de maneira especial, com os recursos hídricos. O homem,
sobretudo, no semi-árido mineiro tem plena consciência de que a água tem um valor
inestimável para a sua sobrevivência. Somam-se a isso, as informações que lhes chegam
diariamente através dos meios de comunicação, em especial, a televisão que, aliás, constituise na principal forma de lazer e objeto de consumo dos produtores e da população de Nova
Matrona de modo geral.
Observou-se que um dos produtores, embora acreditando que a utilização de
agrotóxicos possa vir a causar problemas ambientais, procurou minimizar os possíveis danos
argumentando que a produção do distrito de Nova Matrona é pequena se comparada, por
exemplo, a do estado de São Paulo:
“ (...)Que aqui é coisa mínima, né? Agora, em São Paulo pode ser. Aqui, 10 anos
o povo num planta aqui o que um só planta em São Paulo. Lá tem quem planta 4
milhões de pé. Aqui num ano num planta 500 mil! Eu creio que não prejudica quase
nada(...)” (Produtor 2).
Pergunta 12- Qual é o destino para as embalagens vazias dos agrotóxicos?
IC1 – Como ainda não existe um destino correto, elas são acondicionadas em sacos e/ou
queimadas.
“Isso é o problema nosso na Matrona que todo produtor faz o mesmo que eu faço. Gente
pega as embalagem e coloca toda vez num saco lá deles, né? A gente guarda e deixa lá,
esperando um tempo pra eles vir pegar que é os donos das casas de lavoura. Mais, nunca
aconteceu isso aqui na Matrona não. Tem que queimar que não tem aonde é que guarda a
embalagem. É um problema sério isso aí. Que os donos das loja é que tinha que fazer o
139
barracão e nunca fez, né? Isso é que o fiscal do IMA veio, né? Por causa disso mesmo. Num
tem aonde é que deposita, né? Quando a gente não queima, fica lá ensacado lá na roça e
vai ficando por lá mesmo. Na chuva, a enxurrada leva. Porque eles falam que vêm pegar,
mas não pega. Aqui ninguém manda essas embalagens de volta. Aqueles que não queimam,
marra num saco, deixa lá na roça lá. Com o tempo o saco apodrece e o que acontece é que a
chuva vai levar embora mesmo. Isso aí é fato. Não temos local onde colocar essas
embalagens. Acredito que a gente vai ter que conseguir isso de alguma forma Essa é uma
preocupação da gente Mas, no momento ainda não conseguimos uma solução. É uma coisa
que a gente quer conseguir. Hoje o que faz é muntuar tudo dentro dum saco e quando
termina a lavoura as vezes tem hora que a gente põe fogo ou a gente acaba terminando a
lavoura e jogando essas embalagem em qualquer lugar, né? Um vidrim de...veneno, né? Um
perigoso qualquer acaba ficando no meio da estrada, né? Fica cabando no mato, ai jogado.
O gado pega um saco plástico, né? Dum Tamaron, dum Manzate ou Cruzate e caba
cumendo como eu já vi muitas vezes, vixe! Seu * mesmo é chá deu ver isso lá, o gado
mastigando o próprio saco que vem com veneno, mastigava e engolia. Daí a pouco tirava o
leite daquela vaca de tarde. Amanhã pegava, matava aquele gado e comia a carne. De
agora pra frente pode ser que vai fazer um conserto disso aí. Gente sentindo alergia de
qualquer jeito, dor nos estomago, essas gastrites que evem dando de antigamente pra cá,
principalmente nós. Eu mesmo se eu tiver passando veneno no tomate, daí a pouco começo
a sentir queima, aquela queima assim que se o veneno demorar muito de eu sulfatar, eu
tenho que sair tomar uma água ou café que seja, pra poder acabar aquele queima. Eu acho
que é algum tipo de veneno. Tem uns que eu sinto que nem o Cipitrim, o Tamaron, Lanate,
esse tipo de veneno assim. O povo queima o trem aí. As embalagem, antigamente, muitas
pessoas jogava à toa. Jogava pra aqui, jogava pra acolá. Quando o rio dava cheia, eu já
cansei de ver vários... (pausa) litros de veneno vazio... (pausa) a água levando. Mais hoje, já
não ta dessa forma. Na minha roça pelo menos, ela é toda, toda, toda, colocada num saco.
Vou recolhendo elas, todos os litros e colocando. Inclusive ta lá, a que eu terminei. Todas
dentro dos sacos. Mas, que o vendedor é obrigado a receber elas. A gente guarda, vai
guardando, guardando até que um dia aparece, né? Vai guardar separadim pra não joga na
terra, perto do rio, não poluir o meio ambiente porque não pode. Antigamente jogava pelo
chão, pela beira do rio. Hoje, a gente já ta tendo já muito aconselhamento, né? Que a gente
tem que guardar os vasilhame pra depois colocar em algum deposito, né? Que a lavoura,
hoje, ela gasta muito veneno. Então, é muito litro jogado pelo chão, então não pode mais.
Mas, até hoje a gente não tem um depósito pra colocar esses veneno. Nesse ponto, o
lavrador ta sendo coerente. Eles tão pegando os vasilhame e guardando direitim. Não tão
queimando, não tão jogando fora, eles tão guardando, esperando que as empresas peguem,
né? Declaram um lugar, um depósito pra a gente colocar os vasilhame. As embalagens
precisam ser devolvidas, ou seja, as pessoas que vendem têm a responsabilidade de receber
os frascos. Mas, até hoje nem todas as pessoas fazem isso. Às vezes a gente coloca dentro de
um buraco e queima, né? Mas é preciso devolver. Esse é o caminho a ser seguido. Depois
que a gente usa, a gente queima, né? Pra não ter contato com rios, com nascentes, né? Tem
que ponhar num saco, né? Amontoar tudo. Aqui eles num buscam, num devolve pra loja não.
Lá em São Paulo é tudo devolvido. Aonde ce comprou ce devolve tudo as embalagem pra
eles. Pra nós aqui, ainda estamos queimando. Falar logo a verdade. Eu mesmo queimo.
Porque ninguém vem pegar! Se eu deixar lá, no tempo, é pior. Que ele vai correr e as
enxurrada vai levar pros rios. E eu queimando ele o problema é só a fumaça que vai ficar no
espaço, né? Ué, já teve até umas reunião ai, falando que é pra recolher essas embalagem.
Até hoje ninguém nunca recolheu. Eu mesmo já juntei um monte aí. Diz que ia vir os cara
recolher, né? Num apareceu ninguém pra recolher gente sentou fogo nesse trem. Num tem
ninguém pra recolher, então, nós vai juntando trem toda vida?. Olha, agora eles não ta
140
pegando, mais sempre encomeda pra gente guardar. Já tem as sacolas pra eles colocar as
embalagem tudo. Lavar certim e colocar e depois devolver. A embalagens é o seguinte: Nós
guarda, mas num tem um lugar onde nós põe. Eu, ultimamente, tô jogando dentro de uma
privada. Onde a gente não ta utilizando mais, eu jogo dentro. A maioria das embalagem nós
pega e guarda numa casa velha nossa que nós não usamos na roça, deixa num quarto
separado lá. Ou então quando nós vamos pra Montes Claros, por exemplo, leva pra Montes
Claros porque lá tem um ponto de arrecadação. Queimar, nós num queima não. Sempre nós
leva pra Montes Claros ou guarda. É, deixa lá. Aqui num vem ninguém. Muitos enterra.
Outros ainda queima, sabe?”.
Produtores: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 22.
Outro problema relacionado aos agrotóxicos apontado por todos os produtores
entrevistados diz respeito à questão do descarte ou destinação inadequada das embalagens
vazias, representando riscos de contaminação ambiental sérios que poderão causar efeitos
adversos para a saúde humana, degradar os recursos naturais e exterminar e/ou contaminar
animais silvestres e domésticos.
Segundo Peres e outros (2003),
Apesar da obrigatoriedade dos usuários devolverem essas embalagens as
estabelecimentos comerciais e da responsabilidade das empresas produtoras e
comercializadoras pelo recolhimento e destinação adequada das suas embalagens
vazias, prevista desde 6 de junho de 2000, quando da publicação da Lei 9.974,
alterando a Lei 7.802/89, a sua grande maioria ainda não está sendo devolvida e
portanto recolhida. Anualmente, os agrotóxicos comercializados no pais, estão
sendo colocados no mercado por meio de cerca de 130 milhões de unidades de
embalagens e são recolhidas e destinadas adequadamente, somente, 10 a 20 %. O
que será que está acontecendo com as demais embalagens vazias? (PERES e outros,
2003, p. 38-39).
A falta de destinação adequada para as embalagens vazias de agrotóxicos vem
preocupando, sobremaneira, os produtores entrevistados. Mas, apesar de demonstrarem
conhecimento de suas responsabilidades legais quanto à devolução destas às lojas
revendedoras de insumos, os produtores alegam que não as devolvem porque as lojas não
possuem um local adequado onde possam ser guardadas. Somente um deles revelou que
quando é possível, leva as embalagens para serem devolvidas na cidade de Montes Claros,
norte de Minas Gerais. Ainda assim, não se sabe sob que condições isso se dá.
Conforme se depreende dos depoimentos, alguns as acondicionam em sacos por um
determinado tempo a espera do recolhimento. Como não são recolhidas as embalagens são
queimadas,
enterradas,
jogadas
em
uma
vala
qualquer
ou
ainda,
descartadas
inadequadamente no solo porque, segundo um produtor: “Num tem ninguém pra recolher,
então, nós vai juntando trem toda vida?”.
Com as chuvas, o problema é agravado, pois as embalagens são levadas pelas
enxurradas para rios, lagoas, açudes, etc., ou acabam sendo consumidas pelos animais que
141
pastam por ali, representando um sério problema de segurança alimentar para a população,
conforme destaque dado ao relato de um dos entrevistados:
O gado pega um saco plástico, né? Dum tamaron, dum lannate ou cruzate e caba
cumendo como eu já vi muitas vezes. Vixe! Seu * mesmo é chá deu vê isso lá, o
gado mastigando o próprio saco que vem com veneno, mastigava e engolia. Daí a
pouco, tirava o leite daquela vaca de tarde. Amanhã pegava, matava aquele gado e
comia a carne (Produtor 9).
Pelos depoimentos, percebe-se que os produtores têm convicção de que são as lojas
revendedoras de insumos agrícolas que têm a responsabilidade legal de recolher as
embalagens. Por isso, aguardam uma solução para o problema que julgam da mais alta
gravidade.
Figura 27. Situação comumente encontrada na região: embalagens de agrotóxicos descartadas
inadequadamente no solo.
Entretanto, embalagens de agrotóxicos descartadas inadequadamente no solo é uma
situação comumente encontrada nas lavouras de tomate da região e/ou próxima a elas. Na
foto acima, observa-se embalagens dos seguintes agrotóxicos: lannate BR, kasumin,
boroplus, score, frowncide, cyptrin e sumidan encontrados numa lavoura de tomate por
142
ocasião da pesquisa, apontando para um cenário de contaminação ambiental e humana
preocupante.
Mendes (2006) apontou em seu trabalho que cerca de 19% dos agricultores
entrevistados limpam o pulverizador costal diretamente no tanque de uso doméstico e cerca
de 31%, diretamente no campo. Com relação às embalagens, cerca de 70% dos produtores
queimam ou enterram, quase 6% não manifestaram, e, aproximadamente 2% lavam nos rios e
nas lagoas e cerca de 29%, improvisam um tanque no campo e lavam nele e o restante
apontou outras alternativas.
Assim, além de concordar com os resultados apontados acima, acredita-se que a sobra
dos agrotóxicos e as embalagens continuam sendo bastante problemáticas no distrito de Nova
Matrona, exigindo ações eficazes dos órgãos responsáveis pela fiscalização.
Apesar dos riscos assumidos no manejo com agrotóxicos, os produtores não
demonstraram interesse em mudar de atividade, seja pela tradição, seja pela falta de
oportunidades de emprego ou ainda porque gosta da vida de “tomateiro” como dizem, fato
ilustrado no depoimento abaixo:
Sei lá... a gente sonha como todos sonha. (...) Mas se o tomate não fosse uma
coisa tão degradante a saúde da gente ou que põe muito em risco a situação
financeira! A gente ama plantar tomate. É gostoso. É sofrimento? É. É luta? É. É
arriscado? É. Mas, quando você ta ali, no dia a dia, fazendo uma coisa e outra, no
tomate, com as pessoas que você gosta, rindo e tudo, é bom demais. Porque o
tomateiro tem este espírito, sabe? Se o tomateiro perder uma lavoura num ano, o
tomateiro tem este espírito assim de revitalizar. Não só o tomateiro, mas todas as
pessoas que mexem com a agricultura. A gente não pode desanimar. Tem que
erguer a cabeça e viver (Produtor 8).
Questionados sobre quais as maiores dificuldades encontradas no ofício de produtor
de tomate, uma das reclamações feitas diz respeito à falta de apoio do poder público
municipal. As razões apontadas para justificar a necessidade de maior atenção, segundo os
produtores, estão relacionadas ao fato de que a produção de tomate do distrito, nas últimas
décadas, vem trazendo significativos benefícios, emprego e renda para a população, ajudando
a diminuir, inclusive, o êxodo rural e movimentando em cerca de 90% a economia local.
Os produtores apontaram também como uma séria dificuldade encontrada o difícil
acesso aos créditos rurais junto às instituições bancárias para financiamento das lavouras. De
acordo com os produtores, essa dificuldade está associada à questão de que a lavoura de
tomate é considerada por essas instituições como uma “lavoura de risco”.
A falta de assistência técnica por parte da EMATER – Empresa de Assistência
Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais, agência local, juntamente com a falta de
143
fiscalização, principalmente, no tocante à devolução das embalagens vazias também
representam graves empecilhos sob a percepção da maioria dos produtores.
Outra dificuldade apontada com menor recorrência, porém de grande importância, diz
respeito à falta de um canal direto de comercialização que possibilite aos produtores
agregarem mais valor à produção, além da necessidade de melhorias das estradas vicinais, às
quais estão em péssimo estado de conservação dificultando o tráfego e o escoamento da
produção de tomate.
Assim, aguardam políticas públicas municipais, maior apóio dos extensionistas, bem
como das instituições financeiras, que possam sanar ou minimizar essa situação de
dificuldade, afinal, segundo depoimentos:
A economia de Nova Matrona é o tomate, noventa por cento, porque quem não
trabalha com o tomate, depende dos trabalhadores. Porque quem tem supermercado
depende da gente colher, produzir, ganhar dinheiro. A gente compra mais. Então,
uma coisa ta ligada a outra, né? Por exemplo, a cerâmica, se a gente ganha dinheiro
a gente constrói mais. Uma coisa ta ligada a outra. Todo mundo ta voltado para a
economia do tomate mesmo (Produtor 3).
Se eu tivesse jeito de mandar uma entrevista dessa pra um governo ou pra
alguma coisa, eu pedia que olhasse aqui pra nossa região. Um pessoal trabalhador.
Nunca vi um povo trabalhador igual o povo da Matrona não. Tem coragem. É de
criança ao velho. O povo tem vontade de trabalhar, de vencer na vida, só que não
tem ajuda do governo, né? (Produtor 1).
São muitos os relatos de histórias de sucesso contadas pelos produtores a respeito da
produção de tomate, revelando de acordo com eles mesmos que “plantar tomate vira vício”,
porque, embora arriscado, pode possibilitar ganhos financeiros significativos:
Tem uns anos que não vale a pena, né? No ano trasado (2007) mesmo eu perdi
noventa mil reais. Mas, tem época boa. Em 2004, eu ganhei cento e cinqüenta mil
reais. Ano passado (2008) eu ganhei cem mil. Tem hora que é bom, tem hora que é
ruim, né? (Produtor 17).
Todos disseram com muito orgulho que o tomate que cultiva ou o de qualquer outro
produtor sempre fez parte de sua mesa.
Apesar da firme convicção dos sérios riscos a que estão expostos em suas atividades
laborais, todos os entrevistados revelaram-se descrentes e resistentes acerca da adoção de
alternativas de cultivo menos agressiva para a saúde humana e para o meio ambiente,
demonstrando a escassez de informações seguras e, principalmente, de experiências
concretas de sucesso, conforme se depreende do depoimento abaixo:
Eu acho que é impossível plantar tomate sem usar agrotóxicos, porque usando já
é difícil de formar a lavoura e sem ele? O pessoal vem com uma conversa aí de usar
144
produto natural, cinza. Isso não existe. (...) Eu quero ver é que forma. Eu plantei um
tomate dentro de uma estufa, se eu não passasse o veneno nem o tomate saia. Que a
doença entrava ali, né? Tentei no início. Com pouco começou a doença entrar, a
minadora riscar a folha, começou uma bactéria e teve que passar veneno, num teve
jeito (Produtor 20).
Assim, concorda-se com Moura (2005) quando afirma que por mais que o produtor
deseje mudar as formas de cultivo ele não o faz porque se sente inseguro, desinformado e
desamparado pelas políticas públicas existentes, apesar de que a literatura vem mostrando
que produtores rurais em vários países já estão utilizando métodos agrícolas regenerativos e
de baixa aplicação de agrotóxicos e fertilizantes inorgânicos O uso de controles biológicos de
pestes, fertilizantes orgânicos, além de outros métodos sustentáveis de cultivo, vêm
resultando, inclusive, em ganho econômico líquido ao produtor, como também em maior
produtividade, a longo prazo, da terra.
145
7. Considerações finais
Não há nada que mais contradiga e comprometa a emersão popular, uma
educação que não jogue o educando às experiências do debate e da análise dos
problemas e que não lhe proporcione condições de verdadeira participação.
(Paulo Freire)
A partir da implantação do monocultivo de tomate no distrito de Nova Matrona,
percebeu-se que o trabalho na região passou a organizar-se em função das demandas do
mercado capitalista e, assim, a relação com a natureza passou a ser permeada por uma visão
utilitarista. Neste contexto, os agrotóxicos apareceram em cena, primeiramente, como um
discurso profilático para logo se transformarem em um recurso sem o qual os produtores
consideram impossível produzir.
Essa idéia de “fatalismo químico”, traduzida na impossibilidade de se garantir as
safras sem a utilização de agrotóxicos, segundo os produtores, deve-se ao fato de que as
pragas e doenças aumentaram muito e representam um sério risco de perda física das
lavouras, sobretudo, nos últimos anos, embora tal procedimento eleve os custos e diminua a
margem de lucros.
Assim, os produtores tornaram-se reféns da tecnologia e do desequilíbrio ecológico a
partir da implantação de um modelo de produção voltado para o lucro e a produtividade em
detrimento da saúde humana e ambiental.
Apesar do uso excessivo de substâncias químicas sintéticas, o convívio com a lida
diária dos produtores revelou que é prática comum a não utilização de equipamentos de
proteção individual embora os produtores reconheçam a importância destes para a sua
proteção. Com freqüência pulverizam as lavouras com a roupa do corpo ou apenas utilizam
camisetas como máscaras.
Assim, é possível afirmar que poderá haver riscos, visto que a escolha do produto a
ser aplicado e a aquisição deste se dá por orientação própria ou por sugestão de outro
produtor quando se trata de uma situação de praga ou doença do conhecimento de senso
comum do produtor ou por parte dos técnicos das lojas revendedoras de insumos quando
aparece uma situação nova. Há, assim, a probabilidade do risco de se adquirir um produto
inadequado.
No que se refere ao armazenamento dos produtos, este é feito em pequenos depósitos
próximos às residências, em casas velhas ou ranchos construídos próximos às lavouras sem
uma infra-estrutura adequada. Aí também se observa o provável risco do produto ter a sua
146
eficácia comprometida em razão da exposição ao sol e ao calor, como também às mudanças
de temperatura.
O inadequado descarte das embalagens poderá vir a causar riscos de contaminação
dos solos e dos recursos hídricos que são utilizados para as necessidades domésticas, a
dessedentação dos animais e, conseqüentemente, poderá constituir-se em risco para a saúde
humana.
A percepção dos agrotóxicos como um risco ocupacional, como também de
contaminação do meio ambiente é notória em razão da associação aos fatos já presenciados
ou ouvidos mediante terceiros, ocorridos na região ou em outros estados, contudo eles
posicionam-se de forma defensiva uma vez que necessitam trabalhar visando garantir o
sustento de suas famílias. Apesar disso, revelem medo e preocupação frente às conseqüências
que poderão advir em função da continuada exposição a estas substâncias perigosas em suas
falas e silêncios.
Os riscos muitas vezes negados ou minimizados pelas estratégias de defesas
psicológicas refletem a impotência diante do inevitável, da falta de controle sobre as pragas e
doenças, sobre a comercialização, dentre outras, expressas nas preocupações com os riscos
econômicos a que estão sujeitos a sofrer, nas reclamações sobre a carência de políticas
públicas, de maior assistência técnica e de financiamento por parte das agências bancárias
para este, que conforme dizem é “povo é bom e trabalhador”.
Dados referentes ao tempo de utilização dos agrotóxicos, a freqüência do uso e a não
observância das normas de segurança ao longo da cadeia produtiva, permitem inferir acerca
da possibilidade dos produtores, como também da comunidade e dos recursos naturais
estarem expostos a um grave quadro de contaminação humana e ambiental, somado aos
problemas socioeconômicos que já se encontram presentes na vida desta gente do Vale do
Jequitinhonha, do semi-árido mineiro.
O distrito de Nova Matrona é marcado pela escassez de saneamento básico, lazer,
educação, saúde, trabalho e renda e, neste contexto, no nosso pensar, os processos de
degradação ambiental desencadeiam-se muito mais em função de deficiências na atuação do
poder público, de ações educativas e de comunicação de riscos, de assistência técnica por
parte das empresas de extensão rural do que das práticas sociais e tradições culturais de
apropriação do meio.
Infere-se dos discursos dos produtores que os fatores psicossociais que contribuem
para aumentar os níveis de preocupação dos produtores quanto ao uso de agrotóxicos dizem
respeito, principalmente, à convicção de estarem lidando com “venenos” em suas lavouras de
147
tomate. A crença de que estes poderão estar “envenenando” a terra, o ar, a água,
contaminando os animais, os alimentos etc. é perceptível em seus discursos.
Outro fator essencial é a capacidade de associarem problemas de adoecimento e
morte ou efeitos imediatos à exposição aos agrotóxicos em suas atividades. Outros,
igualmente importantes, dizem respeito ao confronto freqüente com questões relacionadas ao
modo como as embalagens são descartadas inadequadamente no solo, as quais são levadas
pelas águas da chuva para os recursos hídricos, ou ainda consumidas por animais domésticos,
bem como a usual não utilização de EPIs no momento de pulverizar as lavouras.
Identifica-se, assim, um trilema conflituoso: um tríplice dilema constituído pelos
aspectos – recursos naturais – saúde e econômicos. Há, é evidente, preocupação com os
conseqüentes danos à saúde e ao meio ambiente no uso dos agrotóxicos em suas atividades
laborais recorrente nas falas, práticas e silêncios, entretanto os riscos econômicos parecem se
sobrepor, pois a sobrevivência neste cenário de semi-aridez física, social, política e humana
exige que se faça escolhas que acabam gerando contradições e conflitos.
A questão do uso inadequado dos agrotóxicos e a conseqüente contaminação humana
e ambiental que dela decorre é uma questão de saúde pública de grande relevância para toda
a população. Entretanto, esta é ainda uma questão que precisa de vozes para se fazer ouvir
em todas as instâncias da sociedade.
Afinal, o homem ao transformar o ecossistema em agroecossistema precisa conhecêlo e manejá-lo bem para produzir com menor impacto ambiental e social, com maior
sustentabilidade e menor dependência de insumos externos. Sustentabilidade em agricultura
significa a capacidade de garantir a permanência da produtividade, ao mesmo tempo em que
se mantêm a base de recursos, não comprometa a força de trabalho do campo e a
rentabilidade da produção.
Entende-se que alguns princípios precisam ser adotados para que a agricultura seja
praticada de modo ecologicamente correto, economicamente viável, socialmente justa,
humana e adaptável.
Entretanto, esta abordagem exige uma mudança de paradigmas e sair da “zona de
conforto” nem sempre é tarefa fácil, pois o novo sempre assusta, incomoda e causa
resistências. Contudo, é possível reverter o declínio ambiental se houver compromisso
fundamentado no diálogo e envolvimento de todos os atores sociais em direção a um futuro
sustentável capaz de atender as necessidades desta e das gerações futuras.
O cenário da complexa realidade de intensa utilização de agrotóxicos por parte dos
produtores de tomate do distrito de Nova Matrona, bem como, a percepção de riscos
148
econômicos, à saúde humana e ao meio ambiente dos produtores que se mostraram presente
neste trabalho, resultando em um fato bastante preocupante, aponta para a necessidade de se
desenvolver estratégias de comunicação e informação apropriadas para esta comunidade que
leve em consideração o saber e o fazer destes produtores porque segundo Freire (1998) o
homem é um corpo dotado de consciência a qual está ligada diretamente à realidade,
tornando-o um ser em constantes relações com o mundo. Por intermédio dessas relações a
subjetividade toma corpo na objetividade, constituindo-se com ela “uma unidade dialética”
gerando um conhecer solidário com o agir e vice-versa (Freire, 1998).
Assim, é preciso estar aberto para o diálogo com o outro sem o (pré) conceito, sem o
pré (julgamento) a partir de um único saber, como se fosse preciso “estender” o
conhecimento àqueles que nada sabem. Um saber que pensa e faz pelos outros, que respeita
as crenças e a sabedoria popular.
Desta forma, é preciso compreender de que maneira as experiências e o senso comum
dos produtores constroem suas cadeias de significados, preceitos, conflitos, crenças, etc. e o
quanto as várias informações que recebem diariamente são influenciadas pelas condições
econômicas, sócioculturais, ambientais, relações com as instituições, contexto tempo/espaço,
bem como pelas relações com os demais atores sociais.
Conclui-se que este trabalho atingiu com êxito os objetivos a que se propôs. A
recomendação é que os seus resultados possam fornecer subsídios ao poder público do
município, tendo em vista a implementação de estratégias de educação ambiental para uma
futura intervenção integrada no uso de agrotóxicos, a fim de minimizar os riscos para o meio
ambiente e para a saúde da população.
Que possam ainda auxiliar no planejamento do desenvolvimento sustentável da
região, na definição de políticas de saúde e de comunicação de riscos, levando-se em conta
que a região apresenta importância sócioeconômica e cultural para o município de Salinas.
Os resultados da pesquisa poderão ainda estimular os atores sociais a refletirem sobre
suas práticas laborais, distinguindo as causas/conseqüências e responsabilidades na
preservação/conservação, recuperação e melhoria da qualidade de vida da população e do
meio ambiente, bem como gerar novos conhecimentos a partir da compreensão que os
produtores têm de sua situação, refletindo sobre ela, com a finalidade de transformá-la.
149
150
8. Referências bibliográficas
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155
9. Apêndices
Roteiro de perguntas para contextualização e reconstituição do processo de
implantação do tomate no distrito de Nova Matrona.
1-Quanto tempo faz que o(a) senhor(a) mora na região?
2-Em sua opinião, quais as principais dificuldades enfrentadas pela comunidade?
3-O que o(a) senhor(a) acha que precisa para melhorar estas dificuldades encontradas
pela comunidade?
4-Hoje as coisas são mais fáceis ou mais difíceis?
5-Deseja algum dia sair daqui? Em caso afirmativo, por quê? e para qual localidade?
6-O(a) senhor(a) é casado(a), tem filhos?
7-Quando e como começou o cultivo de tomate na comunidade?
8-Há quanto tempo cultiva tomate?
9-Como começou a produzir?
10-Com quem e onde aprendeu a técnica de cultivo do tomate?
11-Qual o produtor de tomate mais antigo de Nova Matrona?
12-Havia ou há pessoas na sua família que cultivava/cultiva tomate?
13-Quem eram ou são estas pessoas?
14-Quais foram os motivos que o (a) levaram a escolher o tomate e não de outro produto?
15-Em sua opinião, o que mudou na comunidade a partir da implantação do tomate?
16-Como é o seu dia-a-dia como produtor de tomate?
17-Com relação ao modo de produção do tomate hoje é diferente de quando se iniciou?
18-Quando e como surgiu a idéia de se criar a Associação de Produtores Rurais,
Trabalhadores e Moradores da Nova Matrona?
19-Há quanto tempo faz parte da Associação?
156
20-Qual foi o motivo para o(a) senhor(a) se associar?
21-Houve melhorias após a criação da Associação?
22-Em caso afirmativo, quais melhorias?
23-Quais as principais dificuldades encontradas pela Associação.
24-Tem alguma história sobre a produção de tomate entre os seus familiares e amigos que
gostaria de contar?
25-Tem alguma história sobre a venda de tomate entre os seus familiares e amigos que
gostaria de contar?
26-Tem alguma história sobre o consumo de tomate entre os seus familiares e amigos que
gostaria de contar?
27-Nova Matrona é considerada a terra do tomate. Em sua opinião, a que se deve esta
fama?
28-O que acha que o tomate representa para Nova Matrona?
157
Roteiro para entrevista semi-estruturada para avaliar a percepção de riscos econômicos,
ambientais e â saúde dos produtores de tomate do distrito de Nova Matrona no uso de
agrotóxicos em suas atividades laborais.
Riscos Econômicos
1-Qual a área média em relação à área
total utilizada para o plantio do
tomate?
2-O (a) senhor (a) utiliza critérios para
a escolha da área de plantio?
3-O (a) senhor (a) é proprietário,
arrendatário, parceiro, meeiro?
4-Quem são os trabalhadores que se
contrata na produção de tomate?
Possui algum grau de parentesco? Ou
o trabalho é em forma de parceria?
5-Poderia descrever as etapas do
processo de produção do tomate?
6-Qual o período mais propício para a
produção de tomate? Por quê?
7-O (a) senhor (a) considera a
produção de tomate uma atividade de
risco econômico?
8-Em sua opinião, quais os fatores
condicionantes de riscos econômicos?
9-Qual é o retorno econômico?
10-Apesar dos riscos econômicos,
vale a pena cultivar o tomate? Por
quê?
11-Qual o momento considerado mais
importante na produção de tomate?
12-Qual o momento em que se fica
mais preocupado? Tem algum cuidado
especial para se tomar nesse
momento?
13-Como se dá a comercialização do
tomate aqui na comunidade?
14-Existe muita inadimplência?
Riscos ambientais e à saúde humana
15-O (a) senhor (a) utiliza agrotóxicos no
cultivo do tomate?
16-Em caso afirmativo, quais os principais
agrotóxicos utilizados?
17-Onde adquire estes produtos?
18-Quem orienta o (a) senhor (a) na utilização
destes produtos: técnico, vendedor, outros?
19-Exige-se receita agronômica no momento
de se adquirir estes produtos?
20-Há algum tipo de fiscalização quanto ao
uso de agrotóxicos?
21-O (a) senhor (a) acha que com o uso
progressivo de agrotóxicos aumentou o
número de pragas e doenças?
22-Em caso afirmativo, por que e quais as
principais pragas e doenças observadas no
cultivo de tomate hoje?
23-O (a) senhor (a) acha que com o cultivo do
tomate, sobretudo com o uso de agrotóxicos,
poderá vir a ter problemas de saúde
futuramente?
24-Alguém da família ou conhecido já teve
problema de intoxicação por agrotóxicos?
25-Em caso afirmativo, quais os principais
sintomas ou problemas?
26-O (a) senhor (a) faz uso do equipamento
de proteção individual ao aplicar os
agrotóxicos na lavoura de tomate? Por quê?
27-Qual a mão-de-obra utilizada na aplicação
do produto?
28- O (a) senhor (a) utiliza alguma técnica
cultural para se proteger dos riscos na hora da
aplicação do produto, tomar cachaça, por
exemplo??
29-Qual é o destino dado para as embalagens
dos produtos químicos?
30- (a) senhor (a) acha que é possível cultivar
o tomate sem a utilização de agrotóxicos? Por
quê?
31-O (a) senhor (a) conhece técnicas
alternativas eficientes de cultivo de tomate
menos agressiva à saúde e ao meio ambiente,
158
sem levar prejuízos financeiros?
32-Em caso afirmativo, por que não as
utiliza?
33-O (a) senhor (a) tem alguma idéia do que
poderia ser mudado no plantio do tomate para
garantir maior saúde ao produtor e ao meio
ambiente?
34-Em sua opinião, a utilização de
agrotóxicos
causa
modificações
e
contaminações dos recursos naturais?
35-Em caso positivo, quais modificações e
contaminações o (a) senhor (a) tem
observado?
36-Gostaria de mudar de atividade?
37-Em caso afirmativo, porque não o faz?
159
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e Autorização
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Prezado (a) Senhor (a)
Você está sendo convidado (a) para participar, como voluntário (a), em uma pesquisa que
servirá para avaliar como os tomateiros de Nova Matrona percebem os riscos vindos dos
agrotóxicos utilizados em suas lavouras de tomate para a economia, à saúde humana e ao
meio ambiente. No caso de aceitar fazer parte da pesquisa você responderá a uma entrevista
que será gravada por meio de um gravador. A pesquisa será feita pela pesquisadora, sendo
realizada na sua residência ou onde achar melhor, durando em média de 30 a 40 minutos. Se
concordar você será fotografado durante a entrevista.
A sua participação será importante para ajudar a entender a questão da utilização de
agrotóxicos e os possíveis riscos em conseqüência da utilização dos mesmos, como também
contribuir para futuras ações de educação ambiental em Nova Matrona. Você terá liberdade
para perguntar sobre qualquer dúvida, bem como para desistir de participar da pesquisa em
qualquer momento que quiser, sem que isto leve a qualquer problema. Os riscos e
desconfortos de sua participação na pesquisa serão mínimos.
Como responsável por este estudo, tenho o compromisso de não divulgar dados pessoais
confidenciais, bem como de indenizá-lo(a) se sofrer algum prejuízo físico ou moral por
causa do mesmo.
Assim se está claro para o senhor a finalidade desta pesquisa e se concorda em participar
como voluntário peço que assine neste documento.
Meus sinceros agradecimentos por sua colaboração.
Santina Aparecida Ferreira Mendes
Pesquisadora Responsável – Tel: (38)3841-2707/7000
Eu, ________________________________, RG______________, aceito participar das
atividades da pesquisa para avaliar como os tomateiros de Nova Matrona percebem os riscos
vindos dos agrotóxicos utilizados em suas lavouras de tomate para a economia, à saúde
humana e ao meio ambiente. Fui devidamente informado que responderei a uma entrevista
que será gravada por meio de um gravador e se concordar, serei fotografado.
Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto
leve a qualquer problema, e que os dados de identificação e outros pessoais não relacionados
à pesquisa serão tratados confidencialmente.
Salinas-MG,____/____/____.
___________________________________
Assinatura
160
AUTORIZAÇÃO
Eu, _____________________________________________________, portador(a) de cédula
de identidade nº ______________________, autorizo a Santina Aparecida Ferreira Mendes
fotografar, gravar e veicular minha imagem e depoimentos em qualquer meio de
comunicação para fins didáticos, de pesquisa e divulgação de conhecimento científico sem
quaisquer ônus e restrições.
Fica ainda autorizada, de livre e espontânea vontade, para os mesmos fins, a cessão de
direitos da veiculação, não me cabendo por isso receber algum tipo de remuneração.
Salinas-MG, _____ de _______________ de 20___.
Ass.___________________________________
161
AUTORIZAÇÃO
Eu, _____________________________________________________, portador(a) de cédula
de identidade nº ______________________, autorizo a Santina Aparecida Ferreira Mendes
fotografar, gravar por meio de um gravador e veicular minha imagem e depoimentos em
qualquer meio de comunicação para fins didáticos, de pesquisa e divulgação de
conhecimento científico sem quaisquer ônus e restrições.
Fica ainda autorizada, de livre e espontânea vontade, para os mesmos fins, a cessão de
direitos da veiculação, não me cabendo por isso receber algum tipo de remuneração.
Salinas-MG, _____ de _______________ de 20___.
A rogo do Sr. _______________________________________________, assinam:
_________________________________
Assinatura da Testemunha 1
_________________________________
Assinatura da Testemunha 2
“marca do polegar”

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