Gran Torino - Portal do Envelhecimento

Transcrição

Gran Torino - Portal do Envelhecimento
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“Gran Torino”
Rafaela Moura de Souza
Ruth Gelehrter da Costa Lopes
Sinopse
Em Gran Torino (2008) Walt Kowalski (Clint Eastwood) é um veterano e
sobrevivente da Guerra da Coréia que enfrenta problemas familiares,
agravados com a morte de sua esposa, de forma que seus filhos e netos não
têm uma preocupação real com ele.
Walt tem uma cadela com que passa o dia todo. Por vezes faz consertos em
casa, lava e lustra o carro, um Gran Torino 1972, mas na maior parte do tempo,
fica sentado em sua varanda, fumando e tomando cerveja, ficando evidente o
quanto é sozinho e sem amigos.
A história toma um rumo diferente quando uma família de descendência
asiática muda para a casa ao lado a de Walt, que tem uma enorme antipatia e
desprezo pelo povo asiático. Thao, o caçula da família vizinnha, um garoto
pacífico, inteligente, e que vivia conflitos típicos da adolescência, tenta roubar o
Grand Torino de Walt, como uma espécie de iniciação numa gangue de
asiáticos que o pressionava para fazer parte desta, já que tinham salvado o
garoto das mãos de uma gangue latina.
Thao se arrepende, e sua mãe e Sue, sua irmã mais velha, pedem a Walt que
permitam que Thao trabalhe para ele para compensar a tentativa de roubo.
Contrariado Walt aceita e fica mais próximo ao garoto. Também cria laços de
amizade com Sue, que começa a lhe ensinar sobre a cultura hmong. Walt
passa a influenciar Thao em decisões importantes para um garoto, como
procurar emprego, sair com a garota que ele gostava, e principalmente ser
justo e honesto.
A gangue asiática continuava perseguindo Thao, e Walt frequentemente a
ameaçava, exigindo que se afastasse da família do garoto. Até que depois de
uma dessas ameaças, a gangue, num ato de vingança, metralhou a casa de
Thao, que levou um tiro de raspão no pescoço. Sue não estava em casa no
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momento, mas a gangue a encontrou na rua e a espancou e violentou
sexualmente.
Walt percebe que a gangue jamais deixaria a família de Thao em paz e decide
fazer justiça. Ele vai até a casa em que a gangue mora, e da forma como o
filme acontece, o expectador fica com a impressão de que ele matará a todos,
já que durante o filme ele mostra intimidade com armas de fogo, e conta
quantos asiáticos já matou na guerra. Mas de modo surpreendente, é
exatamente o contrário que acontece. Walt provoca uma discussão com os
rapazes, e chama a atenção de toda a vizinhança. Os rapazes, acreditando
que o veterano da guerra estava lá para matá-los, atiram diversas vezes contra
Walt, que morre.
E aí é que estava o grande plano de nosso herói: um idoso, ele próprio,
absolutamente desarmado é assassinado por uma gangue com diversas
pessoas como testemunha. Resultado: a gangue inteira é presa, e a família de
Thao se vê livre dela.
Tudo isso foi premeditado por Walt que, antes de partir, preparou um
testamento no qual deixava a casa para doação e seu Gran Torino para Thao.
Entrevista
(sexo feminino, psicóloga, 55 anos)
A partir do filme como é possível pensar o envelhecimento?
Como sendo sempre possível realizar algo em que se acredita.
Como o envelhecer de Walt mudou depois que conheceu Thao e sua
família?
A vida estava sendo vista simplesmente como se finalizando; a morte de sua
esposa, pareceu provocar a visão sobre sua família, como desconhecida e
decepcionante. A nova família vizinha era o novo, o desafio diante do que
podia ser construído com dignidade.
Como a família de Walt o enxergava?
Como um velho, ranzinza, que mal podia se cuidar e que deixaria uma herança
que lhes interessava.
Por que você acha que Walt não queria ir para casa de repouso? Será que
envelhecer é sinônimo de vida pacata?
Depois de tudo que viveu, não conseguia simplesmente ficar parado e ser
cuidado, precisava manter seu livre arbítrio, sentir-se dono de seus atos, de
sua vida, com obrigações que executava, pois até o cansaço permitia a ele
sentir-se vivo.
Além do envelhecimento, que outros assuntos podem ser levantados a
partir do filme?
Os grupos sociais, as diferenças entre culturas, gangs, valores morais
(respeito, responsabilidade, caráter e outros), sentido da vida, exploração,
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justiça, guerra, trauma, preconceito, religião, ética, princípios, relações
familiares, laços afetivos, e por aí afora.
Você acredita que alertar sobre esses temas é também função da
indústria do cinema?
Com certeza.
Por fim, você gostou do filme?
Sim, é emocionante e faz pensar. Provoca um mal-estar, um certo "tenho que
fazer algo...”
Análise
A primeira vez em que assisti Gran Torino estava num cinema da Av.Paulista,
na sessão de uma tarde nublada. Éramos poucos na sala de cinema, e eu, com
meus 20 anos, me vi rodeada de senhorzinhos e senhorinhas atraídos por um
filme que trataria de diversos assuntos, inclusive o envelhecimento. Ao longo
da sessão todos, independente da idade, nos emocionamos e nos
identificamos com as situações vividas por Walt Kowalski (Clint Eastwood), pois
abordam o que temos em comum: nossa condição humana, e todos os
sentimentos e vivencias que esta condição acarreta.
Em Gran Torino, o envelhecer se apresenta na figura de Walt, a princípio como
um processo em que se está sozinho, um momento de recolhimento, de
passividade perante a vida. Entretanto, a partir da aproximação com a família
hmong, Walt tem a chance de resgatar uma vitalidade que se perdera ao longo
dos anos, e o envelhecer passa a ser vivido com grande garra e força, o que
devolve a ele o sentido se estar vivo.
Em toda a trama, o grande ganho de Walt foi perceber que apesar do
envelhecer, das limitações naturais do corpo, da maior fragilidade frente ao
adoecimento, ainda havia tempo... tempo para novas vivências, para criar
novos laços, mudar, construir e reconstruir, conquistar.
E em se falando de envelhecer, não há como não pensar sobre vida e morte.
No decorrer do filme, Walt percebe que sabe mais sobre a morte do que sobre
a vida, e constata que passou a maior parte de seus dias sobrevivendo, e não
vivendo. E o real sabor do viver, com sentimentos, emoções, e compartilhando
momentos começou quando, por acaso, conheceu Thao e sua família. E esse
real valor do viver só veio na velhice, e talvez o apropriar-se da própria vida de
uma forma nunca imaginada antes tenha influenciado Walt na escolha e
planejamento da própria morte, oferecendo a Thao e sua família a chance de
se livrarem da gangue que os atormentava, e pudessem viver em paz,
sentimento este que Kowalski nunca vivenciara antes de conhecer a família
hmong.
Referências
EASTWOOD, C. Gran Torino. [Filme-DVD]. Estados Unidos, 2009. Warner
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