de caboclo a índio

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de caboclo a índio
DE CABOCLO A ÍNDIO – JOSÉ AUGUSTO LARANJEIRAS SAMPAIO
DE CABOCLO A ÍNDIO:
Etnicidade e organização social e política entre povos indígenas contemporâneos no
nordeste do Brasil; o caso Kapinawá
José Augusto Laranjeiras Sampaio
À guisa de apresentação
Por: Maria Rosário de Carvalho
Este texto, elaborado há duas décadas e meia como projeto de pesquisa para a
Unicamp, no âmbito da qual o seu autor cursava o mestrado, obteve uma bolsa-prêmio

Este ensaio foi originalmente apresentado em 1986 como projeto de pesquisa ao curso de Mestrado do
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), tendo
então obtido "bolsa-prêmio" de pesquisa desse programa. Em 2001 atualizei algumas informações legislativas
e etnográficas, quase sempre em notas de rodapé. Por fim, em 2011, fiz pequenas modificações de caráter
estilístico apenas.

Bacharel em Ciências Sociais (Antropologia) pela Ufba. Professor de Antropologia na Uneb
(Universidade do Estado da Bahia). Membro da coordenação do curso de Licenciatura Intercultural em
Educação Escolar Indígena (Liceei) da Uneb. Secretário do Conselho Diretor e sócio fundador da Anaí
(Associação Nacional de Ação Indigenista). Pesquisador associado do Leme e do Pineb (Programa de Pesquisa
Povos Indígenas no Nordeste do Brasil, Ufba).
Cadernos do LEME, Campina Grande, vol. 3, nº 2, p. 88 – 191. Jul./dez. 2011.
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criada por essa instituição para os melhores projetos de pesquisa apresentados ao final da
realização das disciplinas, assim como logrou a aprovação de uma bolsa junto à FAPESB,
usufruindo de ambas, respectivamente, em 1986-1987 e 1987-1988. Esse êxito preliminar se
estenderia pela década seguinte, inaugurando uma nova fase nos estudos sobre os povos
indígenas no Nordeste. As dissertações então produzidas ao abrigo do Programa de
Pesquisas sobre Povos Indígenas do Nordeste Brasileiro (PINEB), criado por Pedro
Agostinho e sediado, desde 1971 (sob a denominação preliminar de Projeto de Pesquisa
sobre Populações Indígenas da Bahia), no Departamento de Antropologia e Etnologia da
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, foram por
ele muito inspiradas, o que lhe dá um caráter de texto-formador.
Inédito até agora, em boa hora o editor dos Cadernos do Leme, Rodrigo Azeredo
Grünewald, decidiu publicá-lo, o que constitui um testemunho adicional da sua força entre
antropólogos que compartilham o interesse pelo contexto etnográfico do nordeste. O jovem
leitor que não o leu e, portanto, por ele não se deixou inspirar, haverá de indagar se um texto
escrito em 1986, e sobre temática particularmente permeável a determinações de variadas
ordens, terá resistido à ação do tempo. Estou segura que sim, e tentarei, ao longo desta
deliberadamente sucinta apresentação, explicitar a minha posição.
Dois aspectos se me afiguram especialmente relevantes neste projeto/ensaio, cujo
propósito, claramente enunciado em seu longo e descritivo título, é duplo, i.e., tratar da
etnicidade e da organização política de povos contemporâneos no nordeste brasileiro,
tomando como eixo-condutor a sua transformação histórica (de caboclo a índio) e
estreitando o foco para se deter pouco mais no caso do povo Kapinawá. Um duplo
movimento, pois, em que o geral dá lugar ao particular ou específico, um informando ao
outro de modo complementarmente relacional, mediante o concurso da história, na diacronia
e sincronia. Se a especificidade do contexto etnográfico investigado revela-se na diacronia,
as suas peculiaridades deixam-se surpreender na sincronia, como parece enfatizar o autor,
nas primeiras linhas. Especificidade (histórica) e peculiaridade (cultural) constituem os dois
aspectos acima referidos que serão tematizados ao longo do ensaio, não obstante a ênfase
incida sobre o primeiro. O caso peculiar, assim apreendido, não corre o risco, tão frequente,
de ser tomado como exótico ou decorrente de uma ação meramente instrumental por parte
dos agentes sociais.
Por outro lado, um outro aspecto a ser destacado decorre do deslocamento teórico
que ele opera em relação à abordagem culturalista que, sob vários ângulos, guiou, em larga
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medida, os estudos produzidos entre as décadas de 1970-1980, entre os quais se inclui a
minha própria dissertação de mestrado sobre os Pataxó de Barra Velha/Porto Seguro-BA,
muito inspirada nas formulações de Roberto Cardoso de Oliveira sobre a fricção interétnica
(Os Pataxó de Barra Velha: seu subsistema econômico, 1977). É necessário lembrar,
todavia, que a pretensão de Cardoso de Oliveira ao lançar mão dessa abordagem, cujo foco é
o sistema de relações sociais, as relações de conflito/poder estabelecidas, era reduzir a força
da perspectiva culturalista. Nesse sentido, como o próprio autor enfatizou, muito
genuinamente, não foi por outra razão que ele utilizou o conceito de fricção interétnica e não
o de aculturação1 (“Problemas e Hipóteses relativos à Fricção Interétnica” In: A Sociologia
do Brasil Indígena,1972. p. 85-129.
De fato, a noção de fricção interétnica visava à descrição da situação de contato dos
povos já incluídos em sistemas interétnicos constituídos ou em processo de constituição, ao
passo que a noção de potencial de integração – características do sistema interétnico
(econômicas, sociais e políticas) passíveis de serem consideradas como as responsáveis pela
integração (p. 89) – asseguraria ao pesquisador efetuar o prognóstico. Mediante a avaliação
conjunta do grau de dependência indígena dos recursos econômicos não indígenas; da
capacidade dos grupos em contato (indígenas e regionais) para a mobilização com vistas a
determinados fins; e dos meios escolhidos para atingir tais fins (p. 88-97) seria possível
prever a integração dos índios ao contexto regional. Há, pois, uma correlação entre sistemas
interétnicos mais integrados e sociedades indígenas mais dependentes dos contextos
regionais, o que permitirá ao autor apreender a determinação do mercado sobre as
organizações indígenas, em razão mesmo de ele se apresentar como um grande obstáculo
para o seu desenvolvimento (idem, p. 139).
Guga Sampaio preconizará que se os apreenda, de modo sistemático, através da
mobilização política que eles desenvolviam, e continuam a desenvolver, nos planos interno e
externo, para o que utilizavam, e continuam a utilizar, os símbolos indígenas considerados
mais eficazes para o estabelecimento da sua distinção em face dos não índios. Entre esses
símbolos destacavam-se, tal como ainda hoje, os rituais, sob as modalidades Ouricouri,
Praiá, Toré ou Particular e, sobretudo, o uso ritual da jurema. Estudos subsequentes
salientariam a especial força ritual na mobilização étnica dos povos indígenas no nordeste.
Mais não digo para não retirar do leitor o direito de proceder às suas próprias
descobertas e avaliações através da fonte efetivamente autorizada, o autor, a quem saúdo,
1
Afinal, nessa década de setenta a oposição sociedade/cultura, entre outras distinções Durkheimianas,
havia sido erradicada pela antropologia Lévi-Straussiana.
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uma vez mais, pelo arrojo e rigor demonstrados na elaboração deste projeto/ensaio, tanto na
seleção e apropriação das fontes bibliográficas quanto das formulações produzidas.
Salvador, 31 de dezembro de 2011
Maria Rosário de Carvalho
Profa. Associada, Depto. de Antropologia, FFCH-UFBA
Uma antropologia política dos indígenas do nordeste?
Por: João Pacheco de Oliveira
Alguns textos devem ser lidos como unidade pois o autor neles colocou um
reconhecível ponto final. As remissões ao contexto histórico onde foram produzidos
parecem supérfluas, mera curiosidade. Outros respondem a inquietações múltiplas e
constituem sínteses provisórias em uma trajetória mais rica, pontuada por desafios e lutas.
São, como diria Pierre Bourdieu, atos de combate, que expressam uma dimensão bem
diversa do fazer sociológico. Na contramão do ponto final, neles o autor se esmera em
colocar vírgulas, deixar portas entreabertas, dialogar e inspirar-se permanentemente com
novas demandas e questões.
O trabalho De Caboclo a Índio: etnicidade e organização social e política entre
povos indígenas contemporâneos no nordeste do Brasil: o caso Kapinawá, de José Augusto
Laranjeira Sampaio, que o LEME ora disponibiliza aos leitores contemporâneos, deve a meu
ver ser lido com mais fecundidade nesta segunda sintonia. É uma leitura prazerosa, um texto
erudito que investe no levantamento de fontes históricas e bibliográficas até então pouco
frequentadas pelos antropólogos, uma ampla gama de referências teóricas até aquele
momento bem pouco conhecidas e citadas nos estudos sobre indígenas do nordeste. Destacase sobretudo o esforço do pesquisador efetivamente empenhado em ouvir os indígenas e
tomá-los como sujeitos históricos, refletindo sobre as suas criações (ao invés de naturalizálos ou exotizá-los, como ainda era a perspectiva dominante no Brasil). Muito se pode
aprender com este texto!
Seria uma tarefa inesgotável e mesmo insana recuperar os seus muitos méritos e
buscar aplicá-los a debates recentes. O que posso fazer nesta breve nota introdutória, é tocar
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em pontos que me aproximam bastante do seu autor em termos de postura intelectual e
política, seja naquele contexto de produção do texto seja em ocasiões posteriores em que as
nossas trajetórias se entrecruzaram. São aspectos que podem surpreender ao leitor atual e,
espero, possam ajudá-lo a percorrer ao reverso, não como história mas como arqueologia, os
vinte e cinco anos que nos separam da elaboração deste texto.
O leitor atual certamente buscará uma unidade teórica de referência. Ou seja, a partir
de que matrizes disciplinares (para recuperar aqui uma expressão de Roberto Cardoso de
Oliveira) o autor constitui seu objeto e propõe as questões antropológicas a investigar?
Embora dialogue amplamente, a sua análise não se inscreve de maneira alguma em escolhas
anteriores e então facilmente acessíveis. Tais alternativas seriam: a) a tradição dos estudos
culturalistas (onde a categoria de aculturação imperava por décadas); b) os trabalhos mais
sociológicos (baseados na noção de fricção interétnica); ou c) as analises baseadas no
método estruturalista (na época ainda iniciantes no Brasil e circunscritas aos trabalhos de
Roberto da Mata).
É em uma direção bem diversa que se move Sampaio (1986), debatendo com
diversos autores ingleses e norteamericanos (como Victor Turner, Marc Swartz, Richard
Adams e Raymond Fogelson) que a partir de duas coletâneas do final dos anos 60 e de outra
na década seguinte, foram com certa frequência agrupados sob o rótulo de “antropologia
política” 2. O uso mais sistemático dessa bibliografia na pós-graduação no Brasil iniciou-se
com um curso oferecido no PPGAS/Museu Nacional, em 1978, ministrado por Otávio Velho
e por mim (então como professor assistente e doutorando). O programa incorporava no
entanto outras preocupações (ausentes naquelas coletâneas), conectando a disciplina de
“antropologia política” no Brasil aos trabalhos dos africanistas ingleses (Evans-Pritchard e
Fortes) e mais especialmente a chamada “escola de Manchester” (sobretudo Max Gluckman)
bem como aos estudos sobre etnicidade (Fredrik Barth).
Nos anos seguintes várias vezes este curso foi ministrado no MN, inspirando
trabalhos de pesquisa não necessariamente relacionados com indígenas (inclusive vários
destes são citados por Sampaio em sua alentada bibliografia, própria de um leitor voraz e
meticuloso). Eu alternava esta disciplina com o curso que oferecia sobre “relações
interétnicas”, enquanto Otávio Velho seguia em outras direções. Foi esta a abordagem que
norteou a minha monografia sobre os Ticunas, tese de doutorado defendida somente em
1986, publicada em 1988, mas terminada de fato em 1984. Neste ano à convite de Mariza
2
Vide Swartz,Marc; Turner, Victor; and Tuden, A. (Eds) – Political Anthropology, 1966; Swartz,
Marc – Local level politics, 1969, Fogelson, Raymond & Adams, Richard - Political Anthropology, 1978).
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Correa, então coordenadora da pós-graduação da UNICAMP, eu dei um curso naquela
instituição, quando vim a ali conhecer Guga (permito-me chamá-lo assim, pois aqui entra
em cena não apenas o autor, mas o homem em sua trajetória). Aprendi com ele muito sobre
os índios do nordeste, seja nas discussões durante os seminários seja em conversas
informais.
A única ocasião em que lidara anteriormente com dados e estudos dessa procedência
fora no âmbito de um estudo comparativo sobre os indígenas enquanto uma modalidade de
campesinato de fronteira, em texto citado por Guga (como “manuscrito”) e que de fato não
cheguei a publicar. Em movimento simultâneo Guga começava a sistematizar suas fontes de
informação sobre os índios da Bahia (advindas da ANAI-BA e do PINEB/UFBA, onde se
beneficiava do convívio com Pedro Agostinho e Rosário Carvalho), pensando incorporá-las
a partir de uma experiência de campo (que faria em Pernambuco, com os Capinawás).
O mote porém da antropologia política (ao menos na versão abrasileirada) estava,
acho eu, bastante visível no projeto de pesquisa que concluiu dois anos depois. O mesmo
viés analítico pode ser encontrado no trabalho de Adalberto Rizzo de Oliveira, seu colega de
turma, em monografia muito posterior, de doutoramento sobre os índios Canellas (MA),
agora também em vias de publicação.
Dez anos depois do curso na UNICAMP, em 1994, voltei a debater mais
extensamente com Guga e colegas de ANAI e PINEB durante um período que estive na
UFBA como professor-visitante, ministrando a disciplina “relações interétnicas”.
Estimulado pela qualidade das pesquisas ali em andamento propusemos um GT na
ANPOCS onde vieram a cruzar-se pela primeira vez os estudos de coletividades indígena do
nordeste com os então iniciantes estudos sobre quilombolas. Além das demandas práticas
sobre os antropólogos – laudos judiciais e relatórios de identificação de terras – havia uma
forte importante convergência teórico-bibliográfica nestes estudos, o que antecipava um
importante debate futuro sobre identidades étnicas e modalidades de reconhecimento. A
comunicação apresentada por Guga, reelaborando o seu material Capinawá, foi um destaque
deste GT, sendo recomendado para publicação na RBCS (o que acabou acontecendo em
1996, em uma editada pela ANPOCS).
O uso do termo “antropologia política” progressivamente se esgarçou3, a ênfase nos
anos 90 deslocando-se crescentemente para a “etnicidade” (pensada segundo a perspectiva
3
No próprio Museu Nacional a linha de pesquisa que nos últimos 15 anos tem lecionado esta disciplina
é de estudos sobre “a antropologia da política”, referida sobretudo ao prof. Moacir Palmeira e aos trabalhos do
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de Barth, como parte de uma antropologia do conhecimento). O exemplo mais articulado
desta nova direção será uma coletânea da qual Guga não participou (por estar envolvido no
momento em outras pesquisas), mas na qual se incluía o trabalho de sua colega Sheila
Brasileiro sobre os Kiriri (objeto de sua dissertação de mestrado na UFBA). Intitulada A
Viagem da Volta: etnicidade, política e reelaboração cultural no nordeste indígena, tal
coletânea têve sua primeira edição em 1999, uma 2a. edição acontecendo em 2004.
O leitor atual pode estranhar a extensão (103 pgs), a extensa bibliografia (cerca de 30
pgs), a sólida base de conhecimentos que precede ao projeto de pesquisa, assim como as
hipóteses arrojadas e inovadoras formuladas. A classificação do texto como um projeto de
pesquisa se reporta menos a características encontráveis hoje em projetos de pesquisa do que
a uma estratégia conjuntural do autor. Em uma breve visita que fiz a Salvador em 1986
Guga me entregou uma versão deste texto, comentando que era o trabalho final do curso na
UNICAMP (que na realidade ainda não enviara). Fiquei surpreso e muito satisfeito ao
deparar-me com o excelente resultado.
Volto à metáfora da vírgula e do ponto final. Mesmo dando à público este projeto de
pesquisa, tão rico mas ao mesmo tempo tão distante (a ponto de nos propiciar reunir alguns
dados fragmentários para uma arqueologia dos estudos sobre os índios do nordeste), Guga
continua a ser uma referência imprescindível para os estudos e políticas relativas aos
indígenas do nordeste, uma figura importante nos debates atuais sobre laudos e perícias
antropológicas, um analista arguto e atualizado no debate sobre políticas públicas, direitos e
mobilizações indígenas. É com tal amplitude e a disposição em enfrentar desafios cada vez
maiores que devemos debater os padrões profissionais de trabalhos dos antropólogos
brasileiros, numa conjuntura onde há crescentes pressões para uma especialização entre os
domínios da antropologia, bem como para sua separação das suas repercussões e
responsabilidades sociais.
João Pacheco de Oliveira,
Professor Titular de Etnologia do Museu Nacional - UFRJ
Rio de Janeiro – dezembro de 2011
NUAP. As minhas entradas de curso tem sido outras, como Antropologia Histórica, Antropologia do
Colonialismo e Antropologia do Território.
Cadernos do LEME, Campina Grande, vol. 3, nº 2, p. 88 – 191. Jul./dez. 2011.
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DE CABOCLO A ÍNDIO: Etnicidade e organização social e política entre povos
indígenas contemporâneos no nordeste do Brasil; o caso Kapinawá
José Augusto Laranjeiras Sampaio
"Antigamente nós era conhecido por 'caboclo'... De
'caboclo' passou para 'índio'."
(Josias Patrício, conselheiro e ex-cacique kirirí –
entrevista em Mirandela, Bahia, maio de 1979).
I.
Por uma investigação sistemática de processos étnicos em segmentos sociais
indígenas no sertão do nordeste do Brasil
Introdução
Desde meados da década de setenta do século XX se tem observado um número
crescente de casos de tensão social e de conflito agrário envolvendo segmentos indígenas e
parcelas da sociedade regional no Nordeste do Brasil, bem como uma crescente mobilização
dos primeiros no sentido de fazer valer, perante o Estado e a sociedade nacional, os direitos
pertinentes à sua condição étnica.
Tais situações, frequentemente noticiadas tanto pela imprensa regional quanto pela
grande imprensa nacional1, sem duvida não se constituem em um fenômeno particular ao
Nordeste mas sim em uma parcela da mobilização que, em igual período, vem atingindo,
ainda que em níveis e de formas diversos, amplos segmentos dos povos indígenas no Brasil,
e que, por sua vez, se articula com fatos e mudanças sociais e políticas que dizem respeito ao
Estado e à sociedade nacionais.
1
Uma boa síntese destes noticiários na primeira metade dos anos oitenta pode ser obtida na publicação
anual "Povos Indígenas no Brasil" (Aconteceu, 1981 a 1985). Veja-se também, em igual período, o jornal
"Porantim", especialmente os números de 42 a 46 (1982), 52/53 e 57 (1983), 61, 65 e 67 (1984) e 76 a 79
(1985). As publicações da Comissão Pró-Índio (1979, 1981, 1982 e 1983) informam e discutem algumas das
questões políticas e legais que interessam diretamente aos índios no Nordeste. Alguns dos trabalhos
informativos e, ou, analíticos sobre a situação destes povos à época são: Anaí-Bahia (1980 e 1985), Antunes
(1984), Beltrão (1980), Carvalho (1982b, 1984 e 1988), Carelli (1984), CONDEPE (1981), Dallari e Dantas
(1980), Figueiredo (1981), Lea (1981), Magalhães (1980), Reesink (1983), Rocha Júnior (1982 e 1983) e
Sampaio (1984).
Cadernos do LEME, Campina Grande, vol. 3, nº 2, p. 88 – 191. Jul./dez. 2011.
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Por outro lado, o envolvimento crescente desses Estado e sociedade naquilo que se
tem correntemente denominado, um tanto inconvenientemente, "a questão indígena" pode
ser assinalado, no dito período, a partir da promulgação do Estatuto do Índio (Lei 6001 de
dezembro de 1973), da criação, no âmbito da Igreja Católica, do Conselho Indigenista
Missionário (Cimi), em 1972, e do surgimento de várias associações de "apoio ao índio" em
diversos estados a partir de 1978. Por sua vez, os próprios povos indígenas passariam a
constituir, já ao final daquela década, associações indígenas de caráter multiétnico, com a
criação, em 1980, da União das Nações Indígenas (UNI), certamente um marco nesse
processo.
O que parece dar um caráter específico e até certo ponto surpreendente aos
movimentos indígenas no Nordeste está relacionado com a própria história e com as
características culturais atuais destes povos, essas sim, sem dúvida, peculiares.
Com cerca de, em média, trezentos anos de contato intenso com a civilização
européia, sem falar - à exceção dos Fulni-ô - outra língua que não o Português, e
fenotipicamente muito assemelhados, quando não indiferenciáveis, da população regional
envolvente, com a qual se encontram, também, profundamente envolvidos econômica e
culturalmente, configurariam um caso extremo do que os estudiosos do "contato interétnico"
no Brasil costumavam classificar como "índio integrado", segundo qualquer das variantes da
noção de "integração" e suas correlatas em perspectivas teóricas diversas2.
Deste modo, é certamente compreensível que, com mais ênfase que em outras
situações, o movimento dos índios no Nordeste se caracterize por um grande esforço político
de articulação interna e externa e pelo acento e pela elaboração simbólicos e ideológicos
intensos em torno dos atributos culturais identificáveis como indígenas, com preocupações
2
Sobre os índios no Nordeste diz Galvão (1959):
"População estimada em 5.500 índios. A maior parte vive integrada na população regional, registrando-se
considerável mestiçagem e perda de elementos culturais tradicionais, inclusive a língua." (Galvão, 1959: 225)
Já Amorim (1975) diz:
"(...) imersos em sistema monetário de natureza capitalista (...) aqueles indígenas encontram-se integrados à
economia da região." (Amorim, 1975: 4)
E,
"decorridos quase cinco séculos de contato com o 'homem branco', os indígenas daquela região configuram,
segundo penso, caso-limite no processo de integração do índio à sociedade brasileira." (Idem: 5)
Veja-se também Schaden (1967), Ribeiro (1970), Cardoso de Oliveira (1960, 1964 e 1967) e Cardoso de
Oliveira e Faria (1969), para a discussão de "integração" e categorias afins como "aculturação" e "assimilação"
e suas aplicações a diversos casos no Brasil.
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muito nítidas em delimitar fronteiras sociais e em estabelecer distinções perante a sociedade
nacional de modo a marcar suas especificidades enquanto entidades sociais e étnicas
diferenciadas.
Voltarei adiante a estes processos. Por enquanto, gostaria apenas de referir que eles
atingem não apenas as etnias historicamente conhecidas e bem identificadas na região,
assistidas desde pelo menos meados do século XX pelo governo federal, como os Fulni-ô,
Pankararú, Kirirí e Potigwára; mas também grupos até então considerados extintos – Pataxó,
Karapotó3 – e sobretudo outros que adotam denominações étnicas desconhecidas na
literatura, como Kapinawá, Tingwí-Botó, Pankararé, Wasú, cujos
"aparecimentos"
provocaram, num primeiro momento, tanto surpresa quanto desconfiança quanto à sua
"autenticidade", seja por parte de segmentos da sociedade e dos poderes públicos regionais,
seja por parte da própria agência indigenista federal, a Fundação Nacional do Índio (Funai)4,
apesar de levantamentos históricos bastante simples poderem confirmar a pertinência da
"indianidade" em todos os casos5.
A emergência destes povos, bem como o caráter particular do contexto indígena
regional no qual ela se insere, certamente coloca questões teóricas e políticas de relevância.
Com efeito, os poucos autores que se interessaram em estudar estes povos no século XX
antes dos anos 70 em geral concordam em ressaltar seja sua "obstinada resistência" em
permanecer indígenas apesar da quase inviabilidade disto6, seja a iminência inevitável da sua
dissolução e incorporação completa aos estratos inferiores da sociedade nacional7.
3
A "extinção" destes grupos pode ser verificada em Nimuendaju (1946) e em Ribeiro (1970).
Conforme, por exemplo, Pierson (1981) e Motta & Mello (1982) para o caso kapinawá, e a matéria
"As Concepções de Indianidade do Coronel Zanoni" (Aconteceu, 1982:82-83) para o caso Tingwí-Botó.
5
Veja-se, por exemplo, o caso Kapinawá, tratado adiante e em Carvalho (1982b), ou trabalhos do
próprio âmbito administrativo da agência governamental sobre estas etnias como Magalhães (1980) e Beltrão
(1980), ou ainda Sampaio (1984).
6
Por exemplo, Bandeira (1926: 20), Oliveira (1937: 173), Hohenthal Junior (1954: 94, 1960a e 1960 b).
Este último autor diz:
"O que é surpreendente é que, a despeito da passagem de quatrocentos anos de dominação cultural européia,
essas pequenas comunidades indígenas ainda sobrevivem, particularmente tendo em vista o fato de que elas
foram, por tantos anos, sujeitas a muitas perseguições pelos colonos brancos do local, especialmente durante o
hiato entre o fim da Junta das Missões e o estabelecimento da Diretoria Geral dos índios, também entre a
extinção desta diretoria e a chegada do Serviço de Proteção aos índios na região. Estamos assim diante de um
caso verdadeiro de persistência cultural, que peleja contra forças sempre superiores,e cuja situação, analisada
mais profundamente,será com certeza de interesse para historiadores e antropólogos." (Hohenthal Junior,
1960a: 59)
7
Por exemplo, Trujillo Ferrari (1957), em suas conclusões a respeito dos Karirí de Colégio, diz:
"As considerações acima, (...) têm por finalidade apontar que o sentido de agrupamento tribal está se
dissolvendo e confundindo-se na configuração geral da sociedade local de Porto Real do Colégio." (Trujillo
Ferrari, 1957: 82).
Encontram-se considerações semelhantes relativas a outros casos em Amorim (1971) e mesmo em Silva
(1978).
4
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Escrevendo já em 1970, Ribeiro diz, após breve relato da situação nos diversos
grupos então melhor conhecidos, que: "(...) assim viviam os seus últimos dias os
remanescentes dos índios não litorâneos do Nordeste que alcançaram o século XX" (Ribeiro,
1970: 56).
Mas diz também:
"Eis o que restou no século XX dos índios do interior do
Nordeste, simples resíduos, ilhados num mundo estranho e hostil e
tirando dessa mesma hostilidade a força de permanecerem índios.
Pelo menos tão índios quanto compatível com sua vida diária de
vaqueiros e lavradores sem terra, engajados na economia regional."
(Idem: 57).
Vale ressaltar que esta ideia de situação limite é também, como se verá, bastante
recorrente na literatura, ainda que se apresente sob perspectivas diversas de analise. O
mesmo acontece com relação à sempre referida importância do papel diferenciador da
hostilidade.
Numa primeira tentativa de estudar os povos atuais na região enquanto um conjunto
etnológico, e empenhado na formulação de um modelo de campesinato indígena, Amorim,
identificando o processo de concentração da propriedade fundiária com uma crescente
pressão sobre os territórios indígenas já insuficientes - apesar das garantias legais e proteção
estatal, ressalta em uma perspectiva que me parece bastante limitada quanto à posição do
Estado na questão - e a consequente tendência à proletarização dos índios, conclui que tal
situação implicaria, ou melhor, já estaria implicando, na "perda da identidade étnica"
(Amorim, 1975: 1), já que esta se acha profundamente vinculada à posse de um território
grupal - as "reservas" - e à possibilidade da manutenção de uma economia camponesa8.
Que as pressões sobre os índios e seus territórios, identificadas por Amorim no inicio dos
anos setenta e mesmo por autores anteriores como Oliveira (1937)9 – para não se falar
também na farta documentação histórica - estejam sendo acompanhadas, no plano da
etnicidade, não pela sua "perda" mas por uma revitalização e por reelaborações bastante
8
"These tribal groups have been reached by a progressive proletarization process, in proportion to the
insufficiency of the 'reserves' in allowing the independent work of all their group. It means that it will became
necessary to sell manpower to the white man, the only way to assure the indispensable acquisition of money.
Together with this it will gradually occur the loss of ethnic identity that still exists, since the ones who are
forced to look for a job outside their tribal setting should disguise themselves in order not to be stigmatized by
the various prejudices against the indians." (Amorim, 1975: 17).
9
Ver especialmente páginas 178 a 180.
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efetivas que, sem dúvida, não deixam de reafirmar uma estreita vinculação dessa etnicidade
com uma "territorialidade"10, é o que me parece se constituir no aspecto central a ser tratado
no sentido de uma compreensão mas exata do que ocorre, ou tende a ocorrer, com grupos
étnicos em tais situações, bem como da própria etnicidade enquanto fenômeno social, ou do
seu alcance como categoria de analise em contextos sociais pluriétnicos ou pluriculturais11.
De fato, de onze grupos com cerca de 13.000 indivíduos assistidos por postos
indígenas da agência governamental em 197512, tinha-se, apenas dez anos depois, na faixa
compreendida entre o Norte da Bahia e o Piauí, dezessete povos etnicamente diferenciados,
em igual número de áreas e postos indígenas13, com uma população de cerca de 27.000
pessoas14.
Além desses, haviam então outros grupos cuja persistência étnica já se podia
vislumbrar por fontes e relatos diversos, pelo menos dois dos quais - os Karapotó de
Alagoas e os Tapeba do Ceará - já viviam processos reivindicatórios com vistas ao seu
"reconhecimento oficial" pelo Estado15.
Os seis povos reconhecidos pela Funai em 1985 e que não o eram ate muito
recentemente - Pankararé na Bahia, Xokó em Sergipe, Tingwí-Botó e Wasú em Alagoas e
Kapinawá
em Pernambuco - eram já indiretamente conhecidos de alguns estudiosos,
principalmente através de ligeiras referências a eles em Oliveira (1937) e, ou, em Hohenthal
Junior (1954 e 1960a), que deles obtiveram informações junto a outros grupos indígenas.
Vale ressaltar que, dentre estes, alguns se encontravam já totalmente proletarizados, sem
possuir, à época da deflagração dos seus movimentos de reivindicação étnica em fins da
década de setenta, qualquer parcela de território minimamente significativa em termos
econômicos, caso dos Tingwí-Botó em Alagoas e dos Xokó em Sergipe.
O que interessa aqui propor é, pois, a investigação sistemática da produção e
reprodução de uma consciência étnica social e politicamente orientada - uma etnicidade
10
Conforme Carvalho (1984 e 1988).
11
Penso aqui, entre outros, enquanto pontos de referência para estas preocupações, nas
importantes contribuições de estudos de caso como os de Cohen (1969), Barth (1984) e
Carneiro da Cunha (1985).
12
Conforme Amorim (1975: 2). Eram apenas 5.500 pouco mais que quinze anos antes segundo Galvão
(veja-se a nota 2 acima).
13
Funai (1983), Aconteceu (1984 e 1985).
14
"Porantim", número 79, de setembro de 1985.
15
Quinze anos após este escrito original, em 2001, há, na referida região, trinta e três povos indígenas
com uma população de aproximadamente 70 mil índios e habitando trinta e sete territórios indígenas (Anaí,
2001).
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(Barth, 1969; Cohen, 1969; Carneiro da Cunha, 1979) - entre os povos indígenas que vivem
hoje na faixa de Sertão do Nordeste brasileiro.
Pretendo aqui caracterizar os indígenas na região como uma unidade etnográfica e
política historicamente constituída, tomando nessa perspectiva o conjunto de práticas
políticas e culturais nas formas variáveis em que se apresentam em cada caso especifico.
Tratarei, a título de breve ilustração, de um destes casos, o dos índios Kapinawá, no sertão
oriental do estado de Pernambuco.
Penso, por outro lado, que a partir de uma tal perspectiva de unidade histórica
regional, se poderá estender mais consequentemente a investigação etnográfica a casos
diversos em particular, tendo em vista a proposição preliminar de algumas generalizações
como, por exemplo, para o caso dos segmentos sociais indígenas em situação ou em
processos contemporâneos de "emergência" étnica e política. A partir de etnografias mais
completas e da discussão das produções analíticas parciais se poderá então propor a
formulação de modelos mais gerais que possam dar conta dos processos e estruturas
organizacionais e simbólicos que revestem o fenômeno da etnicidade no referido contexto
indígena regional.
A elaboração do tema central de investigação, tal como aqui concebido, exige, tanto
com relação ao contexto regional tratado quanto aos seus casos particulares, e pensando em
um mesmo sentido em que Barth (1984) ou Carneiro da Cunha (1985), tanto um
aprofundamento histórico que permita compreender a gênese de suas situações atuais,
quanto à avaliação de suas posições estruturais perante contextos sociais significativos mais
abrangentes, tais como as determinações do campo socioeconômico regional ou local tomando aqui o sertão como unidade sociogeográfica relevante - os movimentos indígenas
nos planos regional e nacional, o indigenismo oficial em suas diretrizes e práticas etc.
A relação entre o problema teórico proposto - a constituição de identidades étnicas,
ou de etnicidade, no âmbito de determinados processos sociais, seus componentes e
determinantes políticos, sociais e simbólicos16 – e a escolha dos povos indígenas no
Nordeste como sujeitos de investigação, não é, como já se poderá antever pelo exposto
acima, ocasional. Sem dúvida, a afirmação étnica é uma preocupação constante e um
componente organizacional angular na vida social desses povos e disto provém uma rica e
16
Penso aqui, basicamente, na "dupla gênese" de que fala Carneiro da Cunha:
"(...) nos processos de identificação étnica assistimos a uma dupla e indissociável gênese: a formação de uma
cultura (...) e a constituição simultânea da comunidade que se pauta por ela, a qual, para ser mais precisa, essa
cultura serve de peso e de medida" (Carneiro da Cunha, 1985: 206).
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intensa elaboração política e simbólica cuja compreensão será certamente fértil e elucidativa
a respeito destes processos, bem como desses povos, de suas lutas atuais e passadas e das
expectativas com relação ao futuro que orientam as suas praticas.
Entendo que é justamente a ausência de um maior interesse de investigação, e a
correspondente insuficiência teórica no sentido da compreensão destes processos étnicos e
da sua contextualização, que está na base da falência de algumas notórias - e em geral
funestas - avaliações do futuro de diversas "situações de contato" envolvendo sociedades
indígenas no Brasil, como as contidas em etnografias como as de Wagley e Galvão (1949),
Laraia e Da Matta (1967) e Amorim (1971), necessariamente revistas pelos seus autores e,
mais que isto, pelos próprios fatos.
Além disso, é inegável que os índios do Nordeste e sua identificação étnica têm
estado no epicentro de polêmicas questões políticas e legais levantadas, quase sempre, por
iniciativa do próprio indigenismo oficial como, no supra referido contexto do final dos anos
setenta e início dos oitenta, a "questão da emancipação" (Comissão Pró-Índio, 1979) e a
tentativa, igualmente "emancipatória", de estabelecimento de "Critérios de indianidade"
("Porantim" 38, 1982; Carneiro da Cunha, 1983).
Em um país em que tanto na legislação17 quanto na "consciência nacional" (Cardoso
de Oliveira, 1965; Rocha, 1984; Sampaio, 1988) o índio ainda é concebido antes como o
"silvícola" distante18, há uma série de questões jurídicas e políticas apenas ensejadas por
debates como os aqui referidos, e para as quais um melhor entendimento da situação das
etnias indígenas contemporâneas no Nordeste do Brasil certamente terá muito a contribuir.
Penso aqui especialmente, e num momento de redefinições da própria sociedade
nacional, na importância que deve ter hoje a discussão da plurietnicidade desta sociedade19;
discussão que só tem sentido na medida em que se considere os segmentos indígenas como
parcelas etnicamente diferenciadas mas amplamente participativas nesta sociedade. Não
cabem aqui, pois, nem a imagem cada vez mais distanciada do real do "silvícola", que se
mantém diferenciado apenas em função do próprio distanciamento social; nem a do seu
oposto lógico e também cada vez menos sustentável no real, o "índio assimilado", esta
canhestra formulação teórica que busca a conceituação formal de "não-índio" ou de "ex17
Refiro-me aqui em especial ao "Estatuto do Índio", de 1973. A Constituição Federal de 1988 alteraria,
em seus artigos 231 e 232, significativamente esta perspectiva.
18
E bem ao contrário do que tende a ocorrer em outros países americanos.
19
Para uma abordagem das discussões a respeito de sociedades plurais ou multiétnicas veja-se MayburyLewis (1984) e aí, especialmente para o caso dos índios no Brasil, Cardoso de Oliveira (1984). Para outros
casos de presença indígena em sociedades nacionais na América Latina, veja-se, dentre outros, Primov (1980),
Gómez Quiñones (1982) e Varesi (1982).
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índio", algo próximo da ideia nativa de "caboclo", um personagem concebido como
"integrado", inclusive no sentido em que a ele, embora marginal, não se deve reconhecer nem se legitimar - pretensões de distintividade étnica. Aqui, mais uma vez, a compreensão
da situação dos índios no Nordeste e de sua mobilização política atual reveste-se de uma
relevância científica e pragmática destacável.
Índios no sertão: um esboço histórico
Se o século XVI foi marcado pelo contato entre o colonizador e as diversas tribos
tupí que dominavam o litoral nordestino, no século seguinte, quando esses se encontravam já
quase que completamente dizimados pelas epidemias e guerras havidas principalmente no
governo de Mem de Sá (1557-1572) e com a maior parte da sua população sobrevivente nas
capitanias da Bahia, Ilhéus e Pernambuco escravizada ou reduzida em aldeias missionárias
em rápido declínio (Hemming, 1978; Leite, 1945), foi a vez dos índios do Sertão.
A penetração nessa vasta área foi feita de início principalmente a partir da Baía de
Todos os Santos e através de numerosas boiadas conduzidas pelos grandes sesmeiros, dentre
os quais se destacaram, pelo seu poder, os d'Ávila, senhores da Casa da Torre20. Hemming
(1978) sintetiza bem o que foi ou, melhor, o que hoje sabemos da história do Sertão no
século XVII:
"Once cattle moved into an area they displace human beings.
The Tapuia tribes were forced to surrender their homes and huntinggrounds to provide grazing for these imported animals. Thomas
More wrote in 'Utopia’:’ These placid creatures, which used to
require so little food, have now apparently developed a raging
appetite, and turned into man-eaters. Fields, houses, towns,
everything goes down their throats'. The native resistance to this
cattle invasion was one of the most important stages in the conquest
of the Brazilian Indians. It was also the worst recorded, as always,
there is nothing from the Indian side. The natives left no written
record and no one recorded their version of the fighting. Most of the
tribes displaced by the cattle have disappeared." (Hemming, 1978:
346)
Na trilha das boiadas seguiram os missionários. Já na segunda metade do século
XVII fundaram-se missões jesuíticas na rota das boiadas, entre a capital da colônia e o rio
20
Há uma boa história desta dinastia por Calmon (1939).
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São Francisco e, em seguida, muitas mais às margens desse rio, de jesuítas, capuchinhos e
franciscanos (Leite, 1945; Primério, 1937; Willeke, 1974; Regni, 1988).
Os conflitos entre sesmeiros e religiosos dão a tônica deste período, com
intervenções de ambas as partes junto ao Governo Geral e à Coroa. O Frei Martin de Nantes,
um dos protagonistas desses episódios, deixou um interessante relato desses e de sua política
(Nantes, 1707). Há também uma vasta documentação acerca deles nos arquivos das ordens
(Regni, Willeke e, principalmente, Leite, ops. cits.) 21.
Um desfecho parcial dessa situação é marcado pelos alvarás régios de 1700 (23 de
novembro) e 1703 (22 de maio)
22
que determinam que "a cada missão se dê uma légua de
terra, em quadra, para instalação de índios e missionários" ("Informação...", 1749: 393), e
que cada uma seja composta de pelo menos cem casais.
Certamente essa legislação, que deve ter contribuído para o processo de concentração
de população e de etnias indígenas dispersas, não pôs fim às disputas territoriais, do mesmo
modo que a questão intimamente relacionada da liberdade dos índios não se encerrou, mas
foi se transfigurando paralelamente à copiosa legislação a esse respeito nos séculos XVII e
XVIII (Leite, 1945; Hemming, 1978; Beozzo, 1983). A importância daqueles alvarás,
entretanto, permanece até hoje. Com base neles e em documentos posteriores a eles
associados fundamentam-se historicamente - e, até certo ponto, também juridicamente - os
direitos e as pretensões territoriais de boa parte dos povos atuais na região (Dallari e Dantas,
1980; Baumann, 1982; Reesink, 1983b e 1984).
Enquanto as boiadas se expandiam na capitania da Bahia, ao norte do São Francisco
os colonizadores e suas missões restringiam-se ainda à zona da mata quando da ocupação
holandesa de 1630. Na verdade, apenas no inicio daquele século haviam se estabelecido as
primeiras fortificações coloniais no território dos Potigwára, nos locais das atuais capitais
dos estados de Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceara23.
Os holandeses desarticularam as missões já existentes na costa (Leite, 1945) mas, por
outro lado, mais preocupados com registros que os portugueses, deixaram importantes
relatos e iconografia sobre alguns povos indígenas do Sertão, com alguns dos quais foram os
21
Seria interessante comparar os relatos desses historiadores missionários com relação a estas disputas que envolveram diferentemente as principais ordens - e, do mesmo modo, comparar esses com o relato - que
quase não os menciona - do historiador dos sesmeiros (Calmon, 1939). Infelizmente faltam-nos relatos na
perspectiva da terceira parte envolvida.
22
Transcritos em "Informação..." (1749: 393-4 e 384 respectivamente).
23
As prolongadas guerras entre os portugueses e os Potigwára são bem conhecidas, por exemplo em
Gouvêa (1590). Veja-se também Hemming (1978, capítulo 8).
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primeiros a contatar pacificamente24. Deles provém quase tudo do pouco que hoje se sabe
sobre os Otxukayana (que em geral aparecem como Janduí ou Tarariyú nas fontes lusitanas),
aliados seus que dominavam os vales do Apodi e do Piranhas e que, como outros povos que
tiveram contatos pacíficos com os "flamengos" - Payakú, Ikó etc. - foram dizimados após a
restauração de 1654 por paulistas como Domingos Jorge Velho, especialmente importados
para tal.
Serafim Leite faz a importante e interessante observação de que é a partir da
restauração que surge, nos documentos da Companhia de Jesus, o termo "caboclos", com
referência aos falantes da"língua geral", aldeados na zona da mata e que haviam lutado ao
lado dos portugueses, e em distinção aos "índios bravos", os "Tapuia" do Sertão (Leite,
1945) 25.
Para o século XVII e início do XVIII dispõe-se, com relação ao Sertão, além dos
holandeses, apenas de pequenas obras missionárias com algum interesse etnográfico
relativas a povos da família linguística Karirí do vale do São Francisco (Nantes, 1707;
Nantes, 1709) e Norte da Bahia (Mamiani, 1698 e 1699)
26
. Merece menção ainda o relato
de Mascarenhas (1716) sobre os Proká do São Francisco. Dos historiadores missionários27,
apenas Serafim Leite reproduz documentos de interesse etnográfico, como a carta do Padre
Manuel Correia (1693) a respeito do ritual do Varakidzã, aparentemente praticado por
diversos grupos, karirí ou não (Leite, 1945: 276-8 e 298-9), além de fazer várias referências
ao que há de mais importante em Cronistas da Companhia como Vasconcelos (1663) e
Vieira.
Para o período anterior a 1630, entretanto, não há nada de significativo. Os cronistas
que produziram tão boas descrições dos Tupinambá na Bahia de Todos os Santos (Cardim,
1625; Soares de Souza, 1587) e no Maranhão (Abbeville, 1614; Évreux, 1614) trazem
apenas informações imprecisas e muitas vezes fantasiosas sobre os "Tapuias".
24
Os principais relatos da época disponíveis em português são os de Laet (1633), Herckmann (1639),
Marcgrave (1648), Beck (1649), Baro (1651), Barléu (1659) e Nieuhof (1682). Quanto à iconografia, refiro-me
principalmente às telas de Albert Eckhout.
25
Um cronista anônimo do século XVIII reserva as últimas linhas do seu extenso relato para definir as
"Qualidades de pessoas de que se compõe o Pays":
"Brancos - Pretos - Mulatos, que são filhos de brancos com negras. Caryóz, que são filhos de índia com negro,
que também lhe chamam mestiços. Mamelucos, que são filhos de índia com branco. Tapuyas, são os naturais
da terra, que vivem no sertão, e não falam uma língua geral, senão cada nação a sua particular. Caboclos, são
os que moram na costa, e falam língua geral. A estes naturais é comum o nome de índios, tanto aos que vivem
na costa, como no sertão. Caribocas, são filhos de mulato com negra, e também dão o mesmo nome aos filhos
de mamelucos com negra, e no sertão chamam a estes salta-atrás" ("Informação...", 1749: 484).
26
Tem-se em Rodrigues (1948) um bom exemplo de aproveitamento etnológico dessas obras.
27
Além dos já citados, também em Röwer (1942), Calderon (1970) e outros, encontramos algumas
informações sobre os aldeamentos missionários e as práticas dos seus dirigentes.
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O século XVIII, época de plena vigência da Junta das Missões nas Capitanias da
região ("Informação...", 1749; Hohenthal Junior, 1960a; Beozzo, 1983), marca o apogeu e a
decadência dessas missões que, tendo chegado a várias dezenas, sobretudo ao longo do
curso do submédio São Francisco, estão já depopuladas e em muitos casos abandonadas
quando da expulsão dos jesuítas em 1756 (Leite, 1945), e muito mais daí por diante. É o
período da pesada legislação integracionista do Marquês de Pombal, que certamente se
constitui na fase mais crítica para a sobrevivência dos aldeamentos indígenas no Sertão.
Entre meados do século XVIII e as décadas iniciais do XIX produziram-se algumas
importantes descrições cartográficas da região, como "Informação..." (1749), Couto (1757),
Caldas (1759), Vilhena (1802), Menezes (1814), Aires do Casal (1813), entre outras;
algumas bastante minuciosas e todas unânimes em referir a "decadência" e o "atraso" das
recém-criadas vilas de "índios mansos" ou de "caboclos" e, em muitos casos, a convivência
e miscigenação destes com população não indígena. O mesmo se observa com relação às
poucas aldeias-vilas visitadas ou referidas pouco depois por Spix e Martius (1823). É
também desta época o último relato conhecido a respeito da redução de índios no Sertão
(Frescarolo, 1802), os quais viviam então na área extremamente árida da Serra Negra,
Pernambuco.
Desse modo, já no início do século XIX, praticamente não havia mais "índios" mas
apenas "caboclos" no Sertão.
No inicio do período imperial são criadas, em cada uma das províncias, as Diretorias
de Índios, com diretores nomeados para cada aldeia. Em seguida, a nova Lei de Terras do
Império, de 21 de outubro de 1850, que "(...) manda incorporar aos próprios nacionais as
terras dos índios que já não vivem aldeados mas dispersos e confundidos na massa da
população civilizada" (Figueiredo, 1981: 130), provocou o que deve ter sido, no plano
oficial, a primeira grande questão de definição étnica na região e várias aldeias perderam as
suas terras. Até o final do século todas as diretorias haviam sido extintas, o que equivalia à
afirmação oficial da inexistência de índios na região nordestina, excetuando-se os grupos
ainda isolados nas matas do Sul da Bahia28.
As possibilidades de reconstituição de uma história indígena do Sertão não podem
ainda ser completamente avaliadas (Sampaio, 1985b). Entre meados dos séculos XIX e XX
houve grande interesse de estudiosos, principalmente da própria região, em proceder a esta
28
Evidentemente não incluo aqui a província do Maranhão que, em termos etnográficos e da história
indígena, não é identificada com o Nordeste.
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investigação, ainda que muitas vezes em obras de caráter mais geral29, mas a produção
resultante é quase sempre imprecisa, impressionista, pouco sistemática e pouco ou mal
referida às fontes primárias. Apesar disso, alguns destes trabalhos ainda contêm as melhores
pistas disponíveis para que se possa aprofundar o estudo através de outras fontes como, por
exemplo, no que diz respeito à área do Ceará e do Piauí.
Quanto a trabalhos mais recentes e mais rigorosos no levantamento e análise da
documentação, podia-se considerar satisfatória, até meados da década de oitenta do século
XX, apenas a produção relativa à pequena área correspondente ao atual estado de Sergipe,
graças principalmente aos trabalhos de Dantas (1973, 1976, 1984), mas também aos de
Figueiredo (1981) e Mott (1974). Na Bahia, além de alguns levantamentos preliminares da
documentação, o trabalho então apenas começava (por exemplo, Paraíso, 1984), o mesmo
ocorrendo em Alagoas (Antunes, 1984), e no Piauí (Mott, 1985). Nas demais áreas
praticamente nada havia sido feito.
Entretanto, um dos resultados significativos dos trabalhos citados é a demonstração
da possibilidade de se trabalhar, pelo menos no que diz respeito ao século XIX, com
documentação produzida pelos próprios índios, como cartas, petições etc.
Sabemos hoje que o sertão nordestino pré-colonial foi habitado por uma diversidade
muito grande de etnias. Ainda que seja muito difícil avaliar a extensão dessa diversidade, ela
contrasta flagrantemente com a relativa uniformidade dos grandes grupos Tupí da costa a
leste (Tupinambá, Tupinikím, Kaeté, Potigwára), falantes da mesma "língua geral", e dos
Timbira e Akwê, grandes grupos de língua jê dos cerrados a oeste.
Nimuendaju (1946) refere nada menos que oitenta diferentes etnônimos na área
situada entre as duas zonas referidas, isto é, no sertão propriamente dito – a caatinga – e em
suas faixas de transição para a mata costeira, o agreste, e para o cerrado, os cocais; com
grande concentração no curso do baixo e do submédio São Francisco. O nível das
informações relativas a esses etnônimos é extremamente variável e, consequentemente,
também o é a sua confiabilidade.
No plano linguístico, pode ser identificada a grande família Karirí, seguramente
majoritária em grande parte da região, e quatro das suas línguas – Kípea, Dzubukuá,
Kamurú e Sapuyá – chegaram a ser especificadas e parcialmente descritas (Lowie, 1946). A
inclusão nessa família de línguas de grupos como os Kanindé e Ikó foi tentada por autores
29
Alencastre (1857), Théberge (1869), Joffily (1892), Studart (1896), Jorge (1901), Bezerra (1902),
Pereira da Costa (1909), Barros (1923), Studart Filho (1926 e 1931), Pinto (1938), Pompeu Sobrinho (1939),
Costa Júnior (1942), Bezerra (1950) etc.
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como Pinto (1935-8), mas parece não haver dados suficientes para tal. Além disso, sabe-se
da filiação de duas línguas da região a famílias cujas demais línguas conhecidas estão todas
ao Sul: a dos Masakará com a família Kamakã e a dos chamados Pimenteiras com a dos
Botocudos, em ambos os casos ainda com base em Martius (1867). Pesquisas ainda mais
recentes com a única língua ainda falada, o Yaathê dos Fulni-ô, permitem localizá-la de
forma isolada no tronco Macro-Jê (Rodrigues, 1982). O parco material contemporaneamente
disponível sobre o Xukurú, o Xokó e o Pankararú não permite nada de conclusivo30.
De qualquer modo, parece que diferentes pequenos grupos humanos foram
pressionados para a zona semiárida das caatingas à medida em que os Tupí avançavam pelas
matas costeiras (Métraux, 1927). O avanço daqueles para o oeste, rumo às melhores terras
do cerrado, teria sido, por sua vez, impedido pela presença majoritária dos Jê centrais.
Vista nessa perspectiva, podemos pensar que a presumível diversidade cultural e
linguística do Sertão já comportava um embrião de unificação, no mínimo em termos
ecológicos, reforçada pela coexistência de vários grupos no vale do submédio São Francisco
(Nimuendaju, 1946; Hohenthal Junior, 1960a e 1960b) – uma faixa mais propícia a uma
agricultura mais intensiva – antes mesmo que as missões e as boiadas viessem reforçar a
concentração e a miscigenação, constituindo historicamente esta unidade.
De fato, grande parte dos índios no Nordeste hoje concentra-se ainda na área de
influência do baixo e submédio São Francisco, apesar de muitos terem tido que abandonar as
suas margens buscando áreas de refúgio nos brejos ou altos de serras próximos, casos,
dentre outros, dos Pankararú, Pankararé, Atikúm e Kambiwá.
Dentre as dezessete etnias acima referidas em meados dos anos oitenta31, incluem-se
duas não propriamente sertanejas, os Potigwára e os Wasú, situados na zona da mata, mas
que, apesar de sua ascendência Tupí – segura no primeiro caso e bastante presumível no
segundo – mantém hoje, como historicamente, estreita relação com os demais grupos aqui
considerados32.
30
Um levantamento linguístico realizado na região na década de cinquenta (Meader, 1974) demonstra
bem o quanto os informantes podem ser criativos para tentar satisfazer a grande curiosidade de seus
inquiridores e fazer juiz aos seus préstimos, e também o quanto é problemático o sentido científico disto.
31
Bem como dentre as trinta e três existentes ao se iniciar o terceiro milênio.
32
Excluem-se, por outro lado, desse total, os grupos indígenas no Sul da Bahia - em especial os Pataxó
do Monte Pascoal e os diversos povos reunidos já no século XX na reserva Caramuru-Paraguaçu e hoje
conhecidos como Pataxó Hã-Hã-Hãe - os quais, embora crescentemente relacionados aos povos aqui tratados
em seus movimentos políticos e étnicos, têm percurso histórico e bases ambientais muito diversas (ver,
respectivamente, Carvalho, 1977b e Paraíso, 1982), e se localizam muito longe do eixo delineado pelo curso do
baixo e submédio São Francisco, em torno do qual se articulam, ainda hoje, os índios no Nordeste.
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O conhecimento dos povos indígenas no sertão no século XX
No século XX, após a criação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), instalaram-se
progressivamente, até a extinção do órgão em 1967, nove Postos Indígenas na região, a
começar pela criação, no final dos anos vinte, do Posto Indígena Dantas Barreto para os
Fulni-ô de Águas Belas, Pernambuco. Em quase todos os casos a participação de religiosos e
de intelectuais foi decisiva (Dâmaso, 1931; Mello, 1929; Rosalba, 1976)
33
. Não há,
entretanto, pelo menos nos registros melhor conhecidos, destaque para a participação
indígena nestes processos de mobilização por reconhecimento étnico e por assistência pelo
Estado.
Com exceção dos Fulni-ô, que desde fins do século XIX têm despertado a atenção de
linguístas e estudiosos regionais (Branner, 1887; Mello, 1929; Oliveira, 1931; Pompeu
Sobrinho, 1935; Boudin, 1949; Pinto, 1956 e Hernández Díaz, 1983), o conhecimento dos
indígenas contemporâneos no Nordeste era praticamente inexistente até os anos cinquenta34
quando, sobretudo em consequência da grande pesquisa coordenada por Donald Pierson
sobre o vale do São Francisco (Pierson, 1959), alguma atenção lhes é dada e alguns
trabalhos são realizados, dando conta sobretudo dos Xukurú (Hohenthal Junior, 1954)
35
,
Karirí-Xokó (Trujillo Ferrari, 1956 e 1957 e Hohental Junior, 1960a) e Pankararú (Pinto,
1958 e Hohenthal Junior, 1960a). O estudo desses grupos, entretanto, não é aprofundado
posteriormente e destes trabalhos apenas Hohenthal Junior (1954) e Pinto (1958) fornecem
etnografias minimamente satisfatórias.
Apenas na década de setenta aparecem monografias sobre os povos da Bahia: a de
Bandeira (1972) sobre os Kirirí, um trabalho descritivo mas bem complementado por uma
interpretação dos seus dados em Carvalho (1977a), e as de Reesink (1978) sobre os Kaimbé,
e de Nássaro Nasser (1975) e Elizabeth Nasser (1975) sobre os Tuxá
36
, competentes
sobretudo no que diz respeito a economia e relações interétnicas.
33
A conferência pronunciada por Carlos Estêvão de Oliveira no Recife em 1937 (Oliveira, 1937), e
repetida alguns anos após no Museu Nacional no Rio de Janeiro, pode ser considerada um marco nesta
mobilização. Destacaram-se também neste sentido o jornalista Mário Mello e o Padre Alfredo Dâmaso em
Pernambuco, e o Padre Renato Galvão na Bahia.
34
Tinha-se então basicamente o relato de visitas de Oliveira (1937). Os curtíssimos artigos escritos por
Lowie e Métraux para Steward (1946) são quase que apenas históricos e classificatórios e dão uma boa ideia da
limitação do conhecimento a respeito dos grupos que então se costumava chamar de "remanescentes
indígenas".
35
Para os Xukurú veja-se também Mello (1935).
36
Dados sobre os Tuxá também em Hohenthal Junior (1960a) e Carvalho (1982c).
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Há ainda da época uma descrição dos Xukurú-Karirí de Alagoas (Antunes, 1973) e o
já referido trabalho de Amorim (1971) sobre os Potigwára da Paraíba, teoricamente afinado
com as idéias então hegemônicas a respeito de contato interétnico no Brasil e empenhado
em uma compreensão modelar do campesinato indígena, mas etnograficamente bastante
limitado37.
Dentre os onze povos com postos indígenas implantados antes de 1980, não havia,
até aquela década, qualquer estudo de possível caráter acadêmico sobre os Atikúm e sobre
os Kambiwá do Sertão de Pernambuco. Acerca desses e de outros povos em Pernambuco
merece referência o levantamento realizado pela Coordenação de Desenvolvimento do
Estado de Pernambuco (Condepe),em 1981, ao que tudo indica em atenção a perspectivas de
"estadualização" da assistência a índios passíveis de "emancipação".
A bibliografia então disponível sobre os povos "emergentes" era, como se poderia
supor, quase inexistente, excetuando-se o caso Pankararé, já melhor conhecido (Soares,
1976; Rocha Júnior, 1983; Sampaio, 1984; Luz, 1985). Para os demais dispunha-se então no
máximo de alguns bons relatórios administrativos como os de Beltrão (1980) para os Wasú,
e Magalhães (1980), para os Truká.
O movimento étnico dos povos indígenas no nordeste
Já me referi ao movimento indígena que tomou forma entre os anos setenta e oitenta
no Nordeste. Evidentemente, esse movimento, a rigor, não começou nesta época.
Praticamente todos os autores citados referem conflitos entre "brancos" e índios e registram
diversas iniciativas desses para garantir os seus direitos, inclusive bem antes da criação dos
postos. Duas ordens de fatores, entretanto, parecem ter contribuído, em um plano externo às
próprias comunidades indígenas, para modificar, àquela época, a natureza e a amplitude
destas iniciativas. Em primeiro lugar, parece ter havido um sensível aumento dos canais e
das facilidades de comunicação entre estes povos e a sociedade nacional, fazendo com que a
temática indígena chegasse mais facilmente à imprensa e à opinião pública. Em segundo
lugar e principalmente, mas em parte decorrente do anterior, passou a haver uma articulação
bem mais intensa entre os diversos povos, inclusive a nível inter-regional. A nível regional,
as assembleias de líderes indígenas, organizadas pelo Cimi, passam a ocorrer com
37
Para o conhecimento então disponível acerca dos Potigwára veja-se também Moonen (1975).
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frequência e, em seguida, as próprias organizações indígenas encarregam-se de promovêlas38.
Nesse âmbito, o nível das preocupações também mudou. Embora as aspirações de
cada etnia com relação à garantia de seus territórios e a outras questões ligadas ao
atendimento das necessidades de suas comunidades permanecessem num lugar central, elas
passam então a aparecer sempre vinculadas, nos discursos e avaliações críticas de líderes
indígenas, a um quadro de referência bem mais amplo. O seguinte trecho da carta-convite
enviada pelo cacique xokó aos demais povos da região para a Assembleia Indígena de 1985
dá bem uma ideia do que aqui se diz:
"Achamos o momento desta assembléia muito importante para
nós porque estão acontecendo muitas mudanças nas leis que apóiam
os índios e por isto achamos que devemos discutir estas coisas: a)
UNI (União das Nações Indígenas); b) Assembleia Nacional
Constituinte; c) Reforma Agrária; d) Funai" (Apolônio Xokó, julho
de 1985).
Também no plano interno ocorrem mudanças sensíveis. Já me referi ao "esforço de
organização política", o qual se traduz sobretudo pela redefinição e valorização de funções
como as de "cacique" e "pajé" e dos "conselhos tribais", e por um maior controle dos grupos
sobre os seus próprios limites, pressionando a definição de indivíduos e segmentos em
situações étnicas limítrofes ou pouco definidas39, estimulando as alianças internas entre os
grupos de família através, por exemplo, dos mutirões e roças comunitárias, e desencorajando
fortemente os velhos laços de parceria econômica e social, como o compadrio, com setores
da sociedade regional, especialmente aqueles política e economicamente dominantes.
Todos esses processos transparecem no plano religioso em práticas rituais coletivas e
regulares, caracterizadas pela incorporação pelos "mestres", ou outros especialistas
socialmente definidos, de entidades sobrenaturais, os "encantados", que frequentemente
podem também ser definidos como ancestrais. Tal é propiciado por danças e cantos
acompanhados pelo som de maracás e com trajes e outros aparatos específicos, nos quais
aparecem profusamente elementos simbólicos identificados como indígenas – plumas, arcos
e flechas, colares, fibras – e que são acompanhados do uso, em grande quantidade, de tabaco
38
A primeira dessas assembleias ocorreu em 1983 na "aldeia" Kirirí (Rocha Júnior, 1983) e a segunda
em setembro de 1985 na "aldeia" Xokó na Ilha de São Pedro, Sergipe (conforme adiante).
39
Um processo muitas vezes estimulado também pelo estado nacional, preocupado em delimitar a sua
administração e interessado também no controle político dessas fronteiras.
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e da ingestão da jurema, bebida alucinógena preparada com a entrecasca da juremeira
(Oliveira, 1937; Hohenthál Junior, 1954; Pinto, 1956; Martins, 1985).
Esses rituais, chamados "ouricuri", "praiá", "toré" ou "particular", comportam
diversas variações de etnia para etnia, mantendo, porém, o essencial das características
descritas. Aliás, o uso ritual da jurema é certamente um elemento privilegiado na autodefinição étnica destes grupos em seu conjunto, já que só eles, e todos eles, o praticam.
A importância desses rituais nos movimentos referidos pode ser atestada por sua
revalorização em muitos dos grupos e, mais, por sua adoção por parte de outros que não os
realizavam, como os Kirirí e os Atikúm, além de todos aqueles que aqui chamamos de
"emergentes". Para estes, tais práticas se apresentam, com frequência, como condição
necessária e em grande medida auto-imposta para o seu "reconhecimento" étnico.
De fato, o sentimento de "ser índio" apreendido no discurso desses povos passa
frequentemente pela participação nestes rituais; e ainda que, na verdade, em alguns casos,
apenas parcelas relativamente reduzidas das comunidades efetivamente o façam, esse
sentimento de participação transfere-se à sua totalidade. Por outro lado, os empréstimos
rituais, assim como os linguísticos tomados, por exemplo, ao Yaathê, são elementos a mais
de identificação entre os diversos povos do Nordeste, sem prejuízo, entretanto, das suas
individualidades, inclusive em função da intensa reelaboração ritual e simbólica. Como diz
Carvalho:
"(...) tais rearranjos têm lugar no âmbito de um projeto coletivo
que os circunscreve a todos, povos indígenas no Nordeste. É o
campo da luta política que torna possível tal projeto, inicialmente
projetos individualizados a nível de cada identidade especifica, que
vão se alargando como se fora em atendimento a certas exigências
históricas que só tornam possível alcançar a 'unidade' na
'diversidade'" (Carvalho, 1982a: 12).
Certamente muito há ainda a ser compreendido com relação a esses processos de
identificação étnica e organização política, e o que fiz aqui foi apenas descrever os seus
aspectos mais visíveis. As determinações socioeconômicas e políticas a nível regional e
local, a dinâmica das relações de clientelismo e, ou, hostilidade com os segmentos regionais,
o valor econômico e simbólico atribuído pelas partes aos territórios em disputa, o jogo de
pressões e acordos e a subordinação com relação ao órgão governamental tutelar, os
meandros das relações internas entre os diversos grupos familiares cujos poder e prestígio
são postos em cheque nestes processos, a constituição e o papel das lideranças, a elaboração
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ideológica e simbólica em torno dos rituais e a institucionalização destes face aos outros
sistemas religiosos presentes no campo etc. são outros tantos aspectos inegavelmente
importantes que merecem maior investigação e que, certamente, assumem configurações
variáveis nos diversos casos.
Há, enfim, o caso dos grupos "emergentes" que têm vivido todos esses processos
geralmente de forma bem mais intensa e crítica.
Evidentemente o movimento étnico empreendido por estes últimos também não
começou "de repente". A sua existência enquanto segmentos sociais etnicamente
diferenciados parece, na verdade, nunca ter deixado de ser nítida no plano local, e a
oposição que sempre mantiveram com relação aos segmentos não indígenas a esse nível
atesta bem a vigência anterior da sua afirmação étnica, até que a articulação regional dos
diversos povos indígenas, o agravamento da situação fundiária, a esperança depositada no
"reconhecimento" e, seguramente, uma série de outras variáveis ligadas aos aspectos
referidos acima, dessem oportunidade à expressão dessa afirmação em um movimento com
outra dimensão.
Um fato bastante recorrente nos processos de emergência étnica indígena no
Nordeste na época aqui tratada é a presença de vinculações mais estreitas e historicamente
marcadas desses povos "emergentes" com outros já "reconhecidos": dos Pankararé com os
Pankararú através da extinta aldeia missionária de Curral dos bois, dos Truká com os Tuxá
através da descendência comum dos Proká e das missões dos "Rodelas", dos Kapinawá com
os Xukurú e Kambiwá pela proximidade e por referências históricas comuns etc.
De resto, os seis povos reconhecidos, após alguns anos de luta, em meados dos anos
oitenta, e mais os dois então em processo de emergência mais recente, já referidos, não
eram, evidentemente, de modo algum, os únicos dos quais se esperasse que pudessem
empreender a uma tal "emergência". Era já bastante sabida a existência, no Sertão, de várias
comunidades rurais distintas que, como nos casos referidos, situam-se em áreas de antigos
aldeamentos missionários, ou nas proximidades desses, e que são, de algum modo,
historicamente referidas a esses aldeamentos, nas quais a identidade indígena permanece,
diríamos, como que no ar.
Referindo-se à população indígena no Nordeste à época, Carvalho diz:
"Este número, (...) tende a crescer tendo em vista fortes
indícios que dão conta da existência de outras populações,
consideradas 'caboclas' pelos regionais, e que provavelmente
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tenderão a desencadear um movimento de afirmação de sua
identidade étnica, à semelhança do que ocorreu mais recentemente
com os Pankararé (Bahia), Tingwí-Botó e Wasu (Alagoas) e
Kapinawá (Pernambuco)" (Carvalho, 1982a: 1).
A própria Funai demonstrava, então, ainda que com preocupações diversas, uma
compreensão similar dos fatos na região, o que seria expresso, por exemplo, em um
radiotelegrama "urgente confidencial", dirigido à sede do órgão em Brasíllia pelo seu
Delegado Regional no Recife à época da eclosão do caso dos Kapinawá:
"Face recentes ocorrências grupos se dizem descendentes
indígenas, área esta DR [Delegacia Regional] e possibilidade
processo tornar-se rotineiro virtude grande número caboclos todo
Nordeste, peço V.Sª. laudo antropológico situação grupo se intitula
Capinauá cidade Buíque este Estado (...). Acrescento, além dos 10
Postos Indígenas desta DR, apenas para os quais foi feita
programação financeira, esta unidade já conta mais cinco grupos:
Truká, Caríri-Shocó da Ilha de São Pedro, Waçu, Pankaré e
Capinawá. Aguardo brevidade possível orientação esse
Departamento sobre assunto" (Araújo, 1980).
Quanto à gênese desses movimentos, entretanto, Insistiria que esta deva ser
investigada em seus casos particulares40 antes de qualquer possível generalização.
Do quanto fica aqui dito, pretendo que afirmações aparentemente conclusivas como
"o toré – ou o praiá – reafirma a identidade étnica", ou "a disputa pela terra é a base dos
movimentos étnicos indígenas no Nordeste", ou ainda "a etnicidade representa um vínculo
organizacional poderoso", sirvam apenas para identificar questões gerais e orientar o
percurso a ser trilhado nas investigações. Sem dúvida é bom contar com essas idéias,
sabendo-se da sua devida dimensão explicativa.
Na verdade, nem mesmo a questão fundiária se apresenta de maneira tão uniforme
quanto parece, pois, por detrás da invariável presença de conflitos, há situações diversas
quanto à existência de demarcações, à aceitação destas pelas partes, sua homologação, a
presença e a quantidade de invasões, o estatuto histórico e legal das terras, sua extensão e
40
Tentei, neste sentido, em Sampaio (1984), uma abordagem preliminar do caso dos Pankararé e as
conclusões parciais apontavam uma grande diversidade de fatores, desde a estrutura fundiária local e o caráter
do poder político municipal, até a construção das grandes hidrelétricas de Paulo Afonso, uma maior presença
do governo federal na região e o forte fluxo migratório para São Paulo, e consequente acumulação e incipiente
hierarquização econômica na área, como alguns dos deflagradores de uma intensa polarização étnica, de resto
historicamente sempre presente, ainda que com graus e situações variadas de "latência".
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valor econômico, a qualidade dos solos, a densidade demográfica etc.41, o que faz com que,
também com relação a este aspecto, cada caso assuma uma configuração particular.
Se, entretanto, se tomar a presença efetiva de movimentos étnicos ou não e o
"reconhecimento" ou não pelo Estado nacional anteriormente a 1980 – ou seja, até uma
época em que passa a haver maior transparência dos movimentos – como duas variáveis
especialmente significativas, se pode chegar à proposição de quatro situações básicas no que
diz respeito à posição de diferentes povos indígenas face ao contexto étnico e político
regional:
1) povos "tradicionalmente reconhecidos" mas com mobilização étnica e reivindicatória
intensa;
2) povos "tradicionalmente reconhecidos" com presença pouco significativa de
mobilização étnica de caráter político organizacional ou reivindicatório;
3) povos não "reconhecidos" pelo Estado Brasileiro até a década de oitenta e com
presença marcante de mobilização do tipo acima referido;
4) povos não "reconhecidos" e que afirmam muito tenuemente uma identidade
etnicamente diferenciada, não a acionando com maior expressão política.
Tendo em vista o contexto de época aqui tratado – meados da década de oitenta –
podiam ser identificados, no primeiro caso, os Kirirí (Bahia), os Potigwára (Paraíba), os
Pankararú (Pernambuco), os Xukurú-Karirí (alagoas) etc.; no segundo os Xukurú e os
Kambiwá (Pernambuco); no terceiro evidentemente todos os então "emergentes", já
"reconhecidos" (Pankararé, Xokó, Tingwí-Botó, Wasú e Kapinawá) ou não (Karapotó,
Tapeba); e no quarto grupos como os Tremembé do litoral oeste do Ceará (Seraine, 1956;
Novo, 1976), os Akroá no Piauí, os Arikobé no oeste da Bahia, os Payaku de Caraúbas no
Rio Grande do Norte (Cabral de Carvalho, 1964)e certamente muitos outros42.
41
Para balanços e avaliações criticas da situação dos territórios indígenas no Nordeste, veja-se a série de
publicações "Povos Indígenas no Brasil" (Aconteceu).
42
Como não se trata de proceder, aqui, a uma classificação exaustiva, deixo de identificar, como
pertencentes ao primeiro ou ao segundo grupos, cinco dos povos "reconhecidos" antes de 1980, a saber: os
Kaimbé e os Tuxá na Bahia, os Karirí-Xokó em Alagoas e os Atikúm e Fulni-ô em Pernambuco; este último
povo constituindo-se, de resto, em uma situação étnica especial dada a presença de uma língua própria.
Por outro lado, conforme dito na nota 15 acima, há, em 2001, outros dezesseis povos indígenas
perfeitamente identificados na região aqui tratada. Desses, oito estão já "reconhecidos" pelo Estado em 2001 e
outros oito ainda não. São eles:
Povos já "reconhecidos": Pankarú e Kantaruré na Bahia, Karapotó e Jeripankó em Alagoas, Tapeba,
Tremembé, Pitaguarí e Jenipápo-Kanindé no Ceará.
Povos ainda não "reconhecidos": Tumbalalá na Bahia, Kalankó e Karuazú em Alagoas, Pipipã em
Pernambuco - estes uma "dissidência étnica" dos Kambiwá - Kanindé, Tabajára, Potigwára do Ceará e as
comunidades indígenas na cidade de Crateús no Ceará, sem dúvida o estado em que o processo aqui tratado se
fez mais intenso nos últimos quinze anos.
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Dentre os quatro tipos propostos, dedico aqui atenção especial, enquanto situações
para investigações em torno do tema da etnicidade, aos casos do terceiro tipo, dada à
intensidade, nesses, do processo de identificação étnica, entendido aqui como a produção de
uma "cultura" e, simultaneamente, da "sociedade" que porta e se pauta por essa cultura
(conforme Carneiro da Cunha, 1985).
No plano político, a atenção a esses casos possibilita, ainda, o acompanhamento dos
processos de "reconhecimento" étnico, podendo-se surpreender aqui, inclusive, os
procedimentos em torno da implantação efetiva da tutela do Estado sobre estes segmentos
sociais indígenas, com todas as alterações à vida de suas comunidades que isso tende a
provocar, inclusive quanto aos parâmetros de definição e aos limites étnicos.
Descrevo a seguir, em linhas gerais e a título de ilustração, conforme dito, um desses
casos de "emergência étnica", o dos Kapinawá, que me parece de especial interesse pelo
pouco conhecimento histórico acumulado sobre esse povo anteriormente à eclosão do seu
movimento étnico – se comparado a outros povos em situação semelhante – pelas relativas
rapidez e autonomia na ascensão desse movimento – pouco mais articulado justamente com
os povos menos envolvidos, à época, com movimentos étnicos indígenas no Nordeste, os
Xukurú e os Kambiwá – e, por fim, pela diversidade de níveis de identificação étnica entre
as comunidades formadas, no presente, pelo conjunto da população historicamente referida
ao aldeamento missionário original, Macacos; níveis esses orientados, basicamente, por
diferentes graus de envolvimento na situação de disputa fundiária subjacente ao processo de
emergência, a qual atingiu mais diretamente uma dessas comunidades, a do sítio Mina
Grande, com cerca de trezentos indivíduos e cinquenta famílias (Vicente et al., 1985).
Kapinawá
"Em 23.01.80, a 3ª DR [Delegacia Regional] informou ao
DGO [Departamento Geral de Operações] através do RDG
[radiograma] nº 106/3ª DR, o comparecimento dos senhores José
Antonio dos Santos e Pedro Manuel dizendo-se remanescentes de
um grupo indígena 'KAPINAWá', localizado no município de
Buíque – PE. Informaram na oportunidade: 1) ser o grupo composto
de 500 pessoas aproximadamente; 2) possuírem documento de
doação das terras, assinado pelo Imperador D. Pedro II e Princesa
Isabel em 30.07.1874; 3) a existência de um antigo cemitério; 4)que
a imprensa estava divulgando amplamente o assunto. Solicitaram a
designação de antropólogo para verificar o grupo" (Pierson, 1981:
1).
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Este foi o primeiro contato dos Kapinawá com o Estado Brasileiro. De fato, o "Diário
de Pernambuco" da data do supra referido "comparecimento" anunciava, em manchete, que
"Pajé pede proteção contra fazendeiros". Alguns dias antes, o primeiro dos indivíduos
mencionados, o pajé, havia sido mais uma vez preso pela Polícia, no município de Buíque, a
mando de um conhecido grileiro de terras local – Zuza Tavares – "testa de ferro" de um
grande empresário do Recife – Romero Maranhão – ambos empenhados em tomar dos
índios o sítio Mina Grande, uma área de 1.600 hectares onde viviam então 48 de suas
famílias (Pierson, 1981).
Cinco dias depois, a Funai responderia, de Brasília, à consulta de sua DR no Recife
afirmando "desconhecer a existência de aldeamento em Buíque" e que "os índios Kapinawá
são considerados extintos no Brasil mas existem no Peru" (apud Pierson, 1981).
De qualquer modo, uma funcionária do órgão seria enviada à área no mês seguinte e
o seu relatório (Pierson, 1981), datado de doze meses depois, nada diz de conclusivo a
respeito da "detecção étnica" a que se havia proposto, referindo nada ter encontrado sobre os
Kapinawá no Arquivo Publico em Recife ou no do Museu do Índio no Rio de Janeiro.
Propõe, por outro lado, a criação de um Grupo de Trabalho para efetuar novas investigações.
O relatório traz em anexo a cópia de um registro de doação imperial de 1874,
concedendo uma gleba de terra aos "índios de Macaco". Esse define os limites da
propriedade através de referências a mais de uma dezena de marcos físicos naturais, e cita
nominalmente todos os chefes de família beneficiários da doação.
Um informante idoso autorizado pela comunidade, Firmino Gomes da Silva, ouvido
pela citada pesquisadora (Pierson, 1981) e por mim próprio em 1981, era capaz de recitar, de
memória, toda a longa descrição de limites e de fazer a narrativa, idêntica nos dois
depoimentos, da história do lugar, resumida a seguir:
Um bisavô do informante, o Alferes Felix Machado Gomes da Silva, o mesmo que
encabeça a lista de nomes no registro de doação, índio "civilizado", pacifica e cristianiza um
grupo de "índios brabos" da Serra do Puiú, parte da Serra Negra, a Oeste da Mina Grande.
O cacique desses índios, em retribuição, indica ao Alferes uma fonte secreta de água
e lhe concede as terras à sua volta para que este aí se estabeleça com a sua gente.
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A fonte dos Macacos existe até hoje no local da antiga aldeia, a pouco mais de uma
légua da Mina Grande. Lá fica o cemitério e lá viveram e estão enterrados o avô e o pai do
informante43.
Durante os anos de 1980 e 1981 a tensão e os conflitos fizeram-se crescentes na
Mina Grande, aliando-se a morosidade da Funai em dar prosseguimento a "identificação" do
grupo, a pressa dos grileiros em estabelecer o fato consumado com relação às terras antes de
qualquer possível intervenção do órgão federal. Pude verificar em agosto de 1981 as
diversas marcas de balas nos troncos das árvores e os sinais das cercas muitas vezes
derrubadas e reerguidas de parte a parte.
Essa situação chegaria a um clímax a 7 de fevereiro de 1982 quando, rompendo o
cerco determinado pelo supra citado grileiro Zuza, alguns índios foram à feira na vila do
Catimbau e aí se envolveram em um conflito armado com alguns regionais, prepostos do
grileiro, no qual resultariam mortos dois destes44.
Só então um outro preposto da Funai seria enviado ao local, auxiliando a Polícia na
identificação e prisão de índios (Levay, 1982). O pajé Zé Índio (José Antonio dos Santos),
líder do movimento kapinawá e personagem mais visado pelos seus oponentes,
permaneceria preso vários meses, após o que, face às ameaças, não ficaria vivendo por
muito tempo mais junto à comunidade.
No mesmo mês de fevereiro chega à Mina Grande o Grupo de Trabalho
recomendado por Pierson um ano antes (op. cit.) e no mês seguinte estaria pronto o seu
relatório (Motta & Mello, 1982), desautorizando cabalmente a "indianidade" dos Kapinawá.
Esse documento informa muito pouco sobre os Kapinawá, mas certamente diz muito
do nível de competência e seriedade com que questões desse tipo eram tratadas pelo órgão
indigenista à época. Consiste basicamente em uma lista de 42 "Conclusões" e 22
"Sugestões" quase que invariavelmente descabidas. As primeiras determinam que "(...) a
própria formação do grupo enquanto indígena, É FALSA", e chegam à "(..) formulação da
hipótese de que A IDENTIDADE DO GRUPO FOI INDÍGENA" (Motta & Mello, 1982: 8,
grifos originais). Já nas "sugestões", se propõe "(...) aceitar a limitação do conceito
sociocultural de auto-identificação, no reconhecimento quanto à necessidade de sua revisão,
43
Essa narrativa guarda uma série de correspondências com outra do mesmo gênero mantida e relatada
por dois outros respeitados informantes idosos dos Pankararé (Sampaio, 1984 e Luz, 1985).
44
As ocorrências fatais não são infrequentes nos conflitos envolvendo índios no Nordeste e o saldo,
como seria de se esperar, é negativo para os índios. Desde o assassinato do cacique dos Pankararé, no final de
1979, ocorreriam, até 1985, além do caso mencionado, as mortes de dois posseiros em um tiroteio com os
Truká em 1982, de um índio Wasú e do chefe do Posto Indígena Atikum em 1983, e de um Kirirí e outro Wasu
em 1984, além de lesões graves em um Xokó e em um Pataxó Hã-Hã-Hãe.
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ao lado da humildade em perceber a limitação da ciência antropológica", propondo a
substituição desse conceito por outros com base na Antropologia Física (idem: 10).
Naquele ano, porém, já cresciam inapelavelmente as pressões dos movimentos
indígena e indigenista pelo reconhecimento oficial dos seis povos emergentes então "em
luta" no Nordeste, com muitos casos de conflito armado e repercussão na imprensa regional
e nacional, de modo tal que o próprio órgão indigenista governamental acabaria por rever a
sua política em relação a estes casos no sentido do "reconhecimento".
Nesse novo contexto, os documentos até então produzidos por técnicos do órgão a
respeito dos Kapinawá (Pierson, 1981; Levay, 1982 e Motta e Mello, 1982) devem ter se
tornado testemunhos incômodos no processo de implantação da administração federal junto
ao grupo, tanto que a direção do órgão, informada da visita à área, em 1981, de uma equipe
do PINEB (Programa de Pesquisa POvos Indígenas no Nordeste do Brasil) da Ufba
(Universidade Federal da Bahia), passou a solicitar, insistentemente, à sua coordenadora, um
breve parecer sobre o caso, o qual (Carvalho, 1982b) seria emitido ainda em 198245.
O Posto Indígena Kapinawá seria finalmente criado, por Portaria da Presidência da
Funai, em novembro de 1982, e implantado no ano seguinte. Em seus primeiros anos de
existência funcionava, como os demais novos postos recém-implantados na região, em
condições muito precárias de assistência às comunidades indígenas, tendo tido, contudo, o
efeito de arrefecer significativamente a intensidade dos conflitos pela posse da terra.
Antes disto, porém, Conforme informa o "Porantim", em agosto de 1982, "o grileiro
Romero Maranhão mandou seus jagunços invadirem a área Kapinawá com tratores. Bastante
sofisticados, até mesmo um helicóptero deu cobertura a invasão", em uma operação que
rendeu aos agressores cerca de 800 hectares de terra (Porantim, 45, novembro, 1982) 46.
45
Anos mais tarde, em 1993, quando se encaminhava o processo de demarcação da Terra Indígena
Kapinawá, os referidos documentos, contidos no processo administrativo, voltariam a ser percebidos como
complicadores em seu andamento junto ao Ministério da Justiça, e mais uma vez a direção do órgão viria a
solicitar um parecer a um pesquisador acadêmico com experiência de trabalho junto ao grupo, desta vez eu
próprio. O trabalho resultante, encaminhado a Funai naquele ano, seria em seguida publicado, com pequenas
alterações, sob forma de artigo (Sampaio, 1995).
46
O estudo de identificação e delimitação da Terra Indígena Kapinawá seria realizado em 1984
(Sant'Anna, 1984), ocasião em que a Funai negociou com o novo proprietário da fazenda em litígio com os
índios da Mina Grande, o deputado federal Ricardo Fiúza, a desocupação dos 800 hectares tomados à
comunidade em 1982, conforme referido na matéria citada. A dita área deveria permanecer desocupada de
parte a parte até que a Funai se pronunciasse sobre o estudo de delimitação da Terra Indígena. Entretanto, os
Kapinawá reocupariam por conta própria a área em 1988, diante de infrutíferos protestos junto à Funai de já
um terceiro proprietário da fazenda.
Conforme dito na nota anterior, o processo de demarcação da Terra Indígena só seria diligenciado pela
Funai junto à instância superior encarregada, o Ministério da Justiça, em 1993. Por sua vez, somente três anos
mais tarde, em 1996, este Ministério publicaria a Portaria reconhecendo a área como de posse indígena e
determinando a sua demarcação física, o que seria realizado pela Funai no ano seguinte, 1997.
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Uma abordagem preliminar dos episódios acima permite supor que a denominação
Kapinawá tenha sido, muito provavelmente, adotada por esses índios no próprio curso
inicial do seu processo contemporâneo de afirmação étnica, e não surpreende que os
pesquisadores da Funai não a tenham encontrado nos arquivos históricos.
Se, entretanto, se houvesse seguido a pista da aldeia de Macacos, destacadamente
presente na memória social dos Kapinawá e referida no documento insistentemente
apresentado por eles – e que reporta um registro original de 1874 – se poderia encontrar,
mesmo sem ir a arquivos, já na "informação geral da Capitania de Pernambuco", escrita em
1749 por um autor desconhecido, a seguinte referência à existência então, na Freguesia do
Ararobá, de uma: "Aldeia de Macaco, não tem missionário, e o que teve era sacerdote do
hábito de Sam Pedro, tem uma nação de Tapuios Paraquióz, e 182 pessoas" ("Informação...",
1749: 422).
Um outro cronista da época, aparentemente baseado, ao menos em parte, no anterior,
situa Macacos na "Ribeira Panema" (COUto, 1757: 170), da qual, efetivamente, não é
distante.
Essas duas crônicas foram publicadas pela Biblioteca Nacional em seus "Annaes" na
primeira década do século XX e Hohenthal Junior, em um trabalho publicado em 1954, já
menciona haver "documento da Biblioteca Nacional", do século XVIII, que refere a aldeia
de Macacos ou do Macaco (Hohenthal Junior, 1954: 100).
Não disponho de outras referências à aldeia de Macacos anteriores ao registro de
1874. É sabido, porém, que, por volta de 1800, índios não submetidos a aldeias missionárias
ainda perambulavam pela Serra Negra, que fica imediatamente a Oeste do território de
Macacos, separada deste pelo vale do rio Moxotó. Esses índios seriam aldeados nesta época
pelo Padre Vital de Frescarolo, nas localidades de Jacaré e Gameleira, conforme relato do
próprio padre (Frescarolo, 1802).
Em 1999 o Presidente da República assinaria o decreto de homologação da demarcação da área,
autorizando, enfim, o seu registro como Terra Indígena nos cartórios competentes. Permaneciam, contudo, no
interior da área, algumas poucas dezenas de posses de não índios nela intrusadas anteriormente ao contexto das
grandes disputas fundiárias a partir da década de setenta, e que ainda ocupavam as melhores terras dos
Kapinawá das comunidades de Ponta da Vargem e Julião.
Finalmente, a 17 de janeiro de 2001, o Diário Oficial da União publicaria Portaria da Funai
determinando o pagamento, aos referidos ocupantes não índios, de indenizações por benfeitorias por eles
implantadas "de boa fé". É o primeiro passo para que os Kapinawá possam vir a ocupar pacificamente a
totalidade de sua Terra ainda esse ano.
Entre 1988 e 2000 nada menos que seis kapinawás foram assassinados em circunstâncias não
esclarecidas, quase sempre em emboscadas solitárias nas estradas que ligam as comunidades indígenas às
povoações regionais próximas.
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Foram, na verdade, aldeamentos de existência efêmera. Escrevendo em 1813, Aires
do Casal refere que aqueles índios já começavam a "desertar de suas aldeias" (Aires do
Casal, 1813: 254), voltando a vagar livremente pelas áridas serras da região47. Só voltariam
a ser administrativamente aldeados quando da implantação, já na segunda metade do século
XX, dos Postos Indígenas Atikum e Kambiwá.
Penso que a narrativa resumida acima sobre o contato entre índios "civilizados" e
"brabos" possa, de fato, ser uma alusão a contatos entre índios da Serra Negra e aqueles já
anteriormente aldeados em Macacos e Cimbres – respectivamente Prakió e Xukurú – na
primeira metade do século XIX.
Sabe-se que as aldeias de índios em Pernambuco foram formalmente extintas em 27
de março de 1872 (Hohenthal Junior, 1960a: 41) e isto explicaria a "doação" de 1874, feita
às famílias indígenas, nominalmente, provavelmente de parcela do território original da
"extinta" aldeia48.
A memória dos Kapinawá costuma associar esta doação à participação dos índios na
guerra do Paraguai, o que é atestado historicamente. Vale lembrar que o principal
representante dos índios à época da "doação" é um alferes. Hohenthal Junior (1954) e
Barbalho (1977) atestam fartamente essa participação para o caso dos vizinhos Xukurú.
Sobre relações entre os índios de Cimbres, ou do Ururubá – os Xukurú – e os de
Macacos, o primeiro desses autores diz:
"Historically, the nearest neighbors of the Shucuru of the
Cimbres-Serra de Ararobá region were the Paratió, living at Aldeia
do Macaco. According to Shucuru informants in 1951 there were
'many' of the Paratió some sixty years ago, at which time they lived
apart from the Shucuru."
47
Aires do Casal diz mais sobre estes índios:
"Eram quatro nações, cada uma de poucas famíllias, e distinguidas pelos apelidos de Pipipã, Chocó,
Umã e Vouvé; cada uma com o seu idioma particular; mas que mostram ter uma mesma origem." (Aires do
Casal, 1813: 254)
Seguem-se informações etnográficas relativamente detalhadas que demonstram que o então vigário do
Crato, não muito longe dali, conheceu a estes índios ou dispôs de informações seguras sobre eles. Esse relato,
somado ao do próprio Frescarolo (1802), constituem exceções no parco acervo de informações sobre o contato
com índios no Sertão antes do século XX.
48
Não disponho de informações sobre a possível extensão original do território de Macacos. A descrição
de limites de 1874 permite estimar um território de cerca de 25 mil hectares, o que confere com os testemunhos
dos Kapinawá, quando das primeiras visitas de pesquisadores à área, que informam que o "terreno" a que
teriam direito mediria seis léguas, ou seja, seis léguas quadradas, isto é, em se considerando a légua de
sesmaria de 6.600 metros, precisamente 26.136 hectares.
O território identificado pela Funai em 1984 e demarcado em 1997 corresponde, "grosso modo", à
metade norte do dito "terreno" e mede 12.260 hectares.
Para mais considerações sobre a constituição da Terra Indígena Kapinawá veja-se Sampaio (1995).
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"The Shucuru call these Paratió 'índíos pretos' or 'índios
macunha'. Descendants of these so-called 'black indians' were
encountered in the Serra de Ararobá" (Hohenthal Junior, 1954: 108).
Parece provável, por essas indicações, que em algum tempo após a "extinção" de
1872, e antes da implantação do Posto Indígena Xukuru na década de quarenta, grupos de
índios de Macacos tenham daí se retirado, pelo menos por algum tempo, possivelmente já
face a pressões fundiárias, o que é corroborado por testemunhos atuais dos Kapinawá,
permanecendo por algum tempo entre os Xukurú e aí deixando descendentes ainda
identificáveis, conforme Hohenthal Junior, em 1951.
A presença dos "Paratiós" em convivência com os Xukurú na área de influencia da
Serra do Urubá – ou Ararobá – com centro na vila de Cimbres, é atestada também pela
tradição oral na região, como refere Barbalho (1977: 46, 49 etc.), desde o século XVII, ainda
que a documentação escrita aparentemente não seja muito precisa a respeito.
Os atuais Kapinawá aparentemente não "recordam" a denominação Paratió – ou
Parakió, como aparece nas fontes do século XVIII – o que pode ser tomado como uma
indicação de que esta lhes fosse atribuída apenas por terceiros, como os Xukurú, e de que
tenha, ao que parece, um sentido pejorativo.
Seja como for, intercâmbios relativamente intensos entre diferentes populações
indígenas na região central do Estado de Pernambuco certamente não são apenas recentes
nem se têm articulado somente em função de mobilizações étnicas com maior repercussão
externa. O pajé Zé índio, já mencionado e com mais de cinquenta anos à época da eclosão
do movimento dos Kapinawá, nasceu e se criou entre os Xukurú, na Serra do Urubá. Ao
final dos anos sessenta estabeleceu-se como pajé entre os Kambiwá, pouco antes da
implantação aí de um Posto Indígena. Em seguida veio a estabelecer um "terreiro" na
pequena cidade de Ibimirim, a meio caminho entre os territórios dos Kambiwá e dos
kapinawá, e, a partir daí, passou a desenvolver um contato regular com as comunidades do
"terreno" de Macacos, vindo, por fim, a se estabelecer na Mina Grande, ao final da década
de setenta, para ensinar o Toré aos do lugar e com eles dar início á prática regular de suas
atividades rituais, par-e-passo com a luta pela manutenção da ameaçada posse da terra.
O dia em que os Kapinawá "levantaram o cruzeiro da jurema", no centro do terreiro
preparado para os rituais, signo da sacralização deste e, por extensão, do próprio território,
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15 de janeiro de 1979, costuma ser referido por eles como a data de fundação de sua "aldeia"
e, também, do início da luta pela posse da terra49.
Os Kapinawá moravam á época em habitações simples que seguiam o padrão típico
regional, dispersas entre as roças familiares de mandioca e milho principalmente, num
extenso vale dominado por uma imensa rocha – a Mina Grande – em cujas bases se
encontram diversas grutas com ossadas e farto material cerâmico. Em várias das paredes
externas e internas destas grutas há desenhos, geralmente em vermelho, representando seres
humanos, animais etc., muito típicos do que os especialistas chamam "Tradição Nordeste".
Essas marcas, muito importantes na afirmação étnica dos Kapinawá, eram insistentemente
mostradas aos visitantes.
A privação da maioria das famílias era aparentemente muito grande. Além das roças
havia reduzida criação doméstica e apenas duas ou três famílias tinham algumas poucas
cabeças de gado. A migração, temporária ou não, em busca de assalariamento na região, ou
nos grandes centros, especialmente São Paulo, prática que atinge em graus diversos todos os
povos indígenas na região50, ocorria também com frequência entre os Kapinawá.
As terras da Mina Grande, contudo, são consideradas boas na região em função da
presença de olhos-d'água e de um pequeno riacho que corre ao longo do vale. Sem dúvida o
aspecto da área contrasta com o da caatinga extremamente árida imediata mente a oeste,
onde vivem os Kambiwá.
Além disso, não sei se havia então outro motivo especial para a cobiça sobre estas
terras, mas os Kapinawá afirmavam que, por diversas vezes, geólogos já haviam andado
fazendo "levantamentos" na rocha da Mina Grande.
Os vizinhos dos Kapinawá são em geral também pequenos e médios agricultores. Há
porém alguns grandes fazendeiros como aqueles que lhes ameaçaram mais diretamente.
O já referido curso d'água, que na maior parte do ano não chega propriamente a sê-lo,
separa os municípios de Buíque e Tupanatinga, ambos na microrregião de Arcoverde,
mesorregião do Agreste Pernambucano (IBGE, 1981).
As feiras semanais dos Kapinawá eram feitas preferencialmente na Vila do Catimbau
– 825 habitantes em 1980 (IBGE, 1981) – pouco mais que uma légua a Nordeste; ou no
povoado de Cabo do Campo, uma légua ao sul. Nas mesmas direções estão as sedes
municipais, respectivamente Buíque (4914 habitantes, idem), a dezesseis quilômetros, e
49
Informações sobre os Kapinawá, quando não indicado, provêm do material de campo da equipe do
PINEB que os visitou em agosto de 1981, e da qual participei, ainda como estudante de graduação.
50
Veja-se, por exemplo, Luz (1985), para o caso Pankararé.
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Tupanatinga - que os índios costumam designar pelo seu antigo nome de Santa Clara - (2681
habitantes, idem), um pouco mais distante.
A definição étnica dos Kapinawá parecia então perpassada em grande medida pela
disputa territorial. Quando indagados sobre quantos seriam, a resposta dominante era a de
que quarenta ou quarenta e poucas famílias "estão na luta", ou seja, estavam na área
ameaçada ou de algum modo ligados às que lá estavam, compondo o que se poderia definir
como a comunidade da Mina Grande, os Kapinawá. Mas se se indagava acerca da existência
de outros índios nas redondezas, referiam, além dos Xukuru e Kambiwá, vários núcleos
rurais e povoados vizinhos, dentro ou próximos da área definida em 1874, dentre os quais
três em que havia terreiros e pajés: Quiri d'Alho, Santa Rosa e Meirim (na sede do município
de Ibimirim), situados a oeste da Mina Grande. Diziam, por outro lado, que apesar de haver
aí índios, não havia "aldeias", no sentido de que não as consideravam comunidades
territorial e politicamente organizadas, apesar dos terreiros.
Não conheci então estes núcleos nem como se definia sua gente. É provável que
afirmassem vínculos com "Macacos", ou mesmo com os antigos bandos da Serra Negra, mas
certamente não "estavam na luta", nem procuravam a Funai então.
Os números fornecidos por essa, 286 indivíduos em 1983 (apud "Aconteceu", 1984)
e 322 em 1985 (Vicente et al, 1985), faz crer que sua tutela não se estendia então muito além
das quarenta e oito famílias previamente identificadas (Motta & Mello, 1982).
Subjacente ao "estar na luta", aos marcos territoriais e históricos na Mina Grande e
em Macacos, aos rituais e a relação sempre ambivalente com a Funai, há certamente uma
rica história e uma intensa elaboração intelectual e política que tem orientado este pequeno
segmento social na sua crítica situação. Acredito que este breve relato, impressionista em
muitos aspectos, dá porém uma boa ideia da fertilidade que possa vir a ter aí uma
investigação sobre processos étnicos.
II.
Campo teórico: definições
Etnicidade
Ao lidar com a questão da etnicidade parto sobretudo do marco teórico representado
pelos trabalhos de Barth (1969) e Cohen (1969). No caso do primeiro autor, tal marco
significou básica mente a revisão definitiva das perspectivas culturalistas segundo as quais
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os grupos étnicos definiam-se por portarem "culturas" próprias e especificas, produzidas
através e em função do seu isolamento em relação a outras "culturas", e desse modo
passíveis de perder suas características e sua definição uma vez em contato com outros
universos culturais. De fato, os chamados "estudos de aculturação" marcaram os trabalhos
no campo das relações interétnicas nestas perspectivas51.
Assim, para Barth, "las dístinciones étnicas no dependem de una ausencia de
ínteraccion y aceptación sociales; por el contrario, generalmente son el fundamento mismo
sobre el cual están construidos los sistemas sociales que las contienen" (1969:10).
Desse modo, "los grupos étnicos son categorias de adscripción y identificación que
son utilizados por los actores mismos y tienen, por tanto, la característica de organizar
interacción entre los indivíduos" (idem: 10-11).
A definição hoje clássica de que a noção de grupo étnico designa "una comunidad
que (...) cuenta con unos miembros que se identificam a sí mismos y son identificados por
otros y que constituyen una categoria distinguible de otras categorias del mismo orden"
(idem: 11), é desde então a base de qualquer critério antropológico de identificação e
definição étnicas e, especialmente no Brasil, tem sido, como se sabe, um instrumento
frequentemente utilizado por especialistas nas discussões suscitadas pelas questões surgidas
em torno do "reconhecimento" oficial de povos indígenas52.
Ao adotar uma perspectiva que privilegia o aspecto interacional e a "característica de
autoadscrição e adscrição por outros" (idem: 15), Barth possibilitaria e estimularia a
ascensão da noção de "identidade" a um lugar central nos estudos imediatamente posteriores
nessa área, ainda que não a tenha elaborado exaustivamente em seu trabalho de 1969. Podese entretanto ter uma ideia da sua importância no argumento pela afirmação de que "una
adscripción categorial es una adscripción étnica cuando clasifica a una persona de acuerdo
con su identidad básica y más general, supuestamente determinada por su origen y su
formación" (idem: 15).
Voltaremos adiante à questão da noção de "identidade". Finalmente, ao definir o
grupo étnico como "um tipo de organização social" (idem: 13), Barth desloca o eixo da
questão do "conteúdo" objetivo destes grupos para os seus "limites" e suas relações com
outros grupos do mesmo tipo, redefinindo assim o estatuto e o papel dos elementos culturais:
51
Para uma síntese do modelo teórico da "aculturação", veja-se Redfield et al (1936) e Siegel et al
(1954). Há uma avaliação crítica de ambos em Cardoso de Oliveira (1964).
52
Toda a discussão a respeito de critérios de identidade étnica está admiravelmente sintetizada em
Carneiro da Cunha (1983).
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"Los razgos que son tomados en cuenta no son la suma de diferencias 'objetivas', sino
solamente aquellas que los actores mismos consideram significativas" (idem: 15), de modo a
construir oposições e classificações socialmente operacionais e simbolicamente relevantes.
Já a contribuição fundamental da monografia de Cohen consiste no uso que faz da
categoria "etnicidade", tomada enquanto a dimensão política de grupos organizados
("polity") informalmente com base em atributos e num "idioma" étnicos, de modo a atuarem
como "grupos de interesse" no âmbito da sociedade envolvente.
Interessado no fenômeno de "retribalização", que envolve diversos segmentos étnicos
no contexto dos grandes centros urbanos emergentes na África negra, Cohen preocupa-se em
demonstrar o caráter inovador e dinâmico desses movimentos, ao contrário do que ainda
então se lhes atribuía: "To the casual observer it will look as if there is here stagnation,
conservatism, or a return to the past, when in fact we are confronted with a new social
system in which men articulate their 'new roles' in terms of traditional ethnic idioms"
(Cohen, 1969: 196).
Assim, "(...) tribalism involves a dynamic rearrangement of relations and of customs,
and is not the outcome of cultural conservatism or continuity" (idem: 199). Reencontramos
aqui a colocação crítica central de Barth na afirmação de que "contemporary ethnicity is the
result of intensive interaction between ethnic groupings and not the result of complete
separatism" (idem: 198).
Mas, acima de tudo, Cohen revela que "ethnicity is essentially a political
phenomenon, as traditional customs are used only as idioms, and as mechanisms for political
alignment", e que "ethnic groupings is essentially informal, It does not form part of the
official framework of economic and political power within the state"53; concluindo de modo
definidor que, "it is only when, within the formal framework of a national state or of any
formal organization, an ethnic group informally organizes itself or political action, that we
can say that we are dealing with ethnicity" (idem: 200).
No Brasil a gênese do que se poderia hoje reunir sob o rótulo de estudos de
etnicidade é anterior mesmo as obras acima referidas, e esses podem ser acompanhados em
praticamente todos os seus desenvolvimentos através da obra de Roberto Cardoso de
Oliveira.
53
Esse caráter informal, embora inegavelmente característico da organização étnica típica, deve
evidentemente ser relativizado e problematizado ao se tratar do caso dos povos indígenas no Brasil, haja visto
o seu estatuto jurídico diferenciado etc.
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Partindo também de uma crítica aos estudos de aculturação, até então amplamente
dominantes no Brasil54, e tomando como objeto básico o "contato interétnico" – entendido
sobretudo enquanto uma dimensão e uma resultante de processos coloniais – Cardoso de
Oliveira (1962, 1964, 1967) incorpora, principalmente através de Balandier (1955), as
noções e posturas teóricas que vinham se desenvolvendo também na Inglaterra, onde suas
etapas mais significativas são marcadas pelas monografias de Gluckman (1940) e de Turner
(1957), e que representam o produto de uma revisão critica das primeiras tentativas da
Antropologia funcional em lidar com as questões do "contato interétnico" e da "mudança
social", expressas fundamentalmente nos trabalhos teóricos de Malinowski (1938, 1945) a
respeito.
Aquelas noções podem ser sintetizadas nas categorias analíticas de "processo" e de
"situação", exemplarmente elaboradas por Cardoso de Oliveira em sua aplicação ao estudo
do contato entre índios e não-índios no Brasil. Trata-se assim, por um lado, da "elucidação
dos mecanismos que norteiam a passagem da ordem tribal à ordem nacional em que se
transfiguram ou tendem a se transfigurar as populações aborígenes"; e por outro, de estudar
a "situação" – "tomada como 'totalidade sincrética'" – de "fricção interétnica", definida como
"situação de contato entre duas populações dialeticamente 'unificadas' através de interesses
diametralmente opostos, ainda que interdependentes, por paradoxal que pareça" (Cardoso de
Oliveira, 1962: 127-8) 55.
O modelo da "fricção interétnica", em seguida ampliado e complementado com o do
"potencial de integração" (Cardoso de Oliveira, 1967) – que busca dar conta das variáveis
estruturais que orientam as perspectivas e os níveis da articulação e da participação de
segmentos indígenas na sociedade nacional – seria responsável, nos anos sessenta, por uma
significativa ampliação da compreensão das relações interétnicas envolvendo povos
indígenas no Brasil (Cardoso de Oliveira, 1964; Laraia & Da Matta, 1967; Melatti, 1967,
entre outros).
54
55
Há boas sínteses históricas destes trabalhos em Galvão (1953) e em Schaden (1969).
Quanto à noção de "fricção interétnica", que define aqui tanto um objeto quanto um modelo de
análise, veja-se também o seguinte trecho:
"Chamamos 'fricção interétnica' o contato entre grupos tribais e segmentos da sociedade brasileira,
caracterizados por seus aspectos competitivos e, no mais das vezes, conflituosos, assumindo esse contato
muitas vezes proporções 'totais', i.e., envolvendo toda a conduta tribal e não-tribal que passa a ser moldada pela
situação de fricção interétnica" (Cardoso de Oliveira, 1962: 128).
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Na década seguinte, já incorporando as formulações de Barth (1969), Cardoso de
Oliveira dirige sua atenção especialmente para a "identidade étnica" (1971, 1973, 1976),
questão que já lhe havia sido despertada no estudo do fenômeno que denominou
"caboclismo" (Cardoso de Oliveira, 1964), e que diz respeito às diferentes representações
que os indígenas fazem de si mesmos e dos outros à medida que incorporam concepções,
sobretudo a seu respeito, produzidas pela sociedade envolvente na situação de fricção
interétnica.
Preocupado com uma conceituação antropológica de "identidade", Cardoso de
Oliveira articula esta noção à de "representações coletivas" (Durkheim, 1912) e sobretudo à
de "ideologia" (Berger & Luckmann, 1966; Poulantzas, 1969), retendo como essencial e
condição de inteligibilidade e eficácia dessas categorias, a "condição de serem referidas aos
sistemas de relações sociais que lhe deram origem" (Cardoso de Oliveira, 1974: 51).
A noção de "identidade étnica" assim construída tem também como característica
definidora a sua natureza "contrastiva" e situacional, e busca sobretudo complementar o
modelo sociológico da "fricção interétnica" acrescentando-lhe uma categoria de análise
capaz de compreender o sistema interétnico a nível das suas representações e "ideologias",
no universo das quais, ainda segundo Cardoso de Oliveira (1978), a identidade, e aqui em
especial a identidade étnica, ocupa posição nuclear56.
A fecundidade dos estudos de caso daí decorrentes pode ser observada em trabalhos
como os de Aquino (1977) e Barros (1977).
Os estudos de etnicidade tiveram ampla propagação na década de setenta,
principalmente nos Estados Unidos57, tendo chegado a um nível de dispersão que fez surgir
a necessária revisão crítica já a partir do final da década. Tomamos como exemplo
significativo desta revisão uma recente comunicação do próprio Barth (1984), em que este
ocupa-se, entre outras coisas, em delimitar com mais precisão o alcance das suas ideias de
1969:
"I have argued emphatically (Barth, 1969), and most writers
seem to agree, that ethnicity is best used as a concept of social
organization; one that allow us to depict the boundaries and relations
of social groups in terms of the highly selective repertoire of cultural
56
Sobre este ponto ver também a posição de Da Matta (1976).
Uma amostra dessa propagação pode ser fornecida pelo volume das coletâneas de estudos na área,
como por exemplo as dirigidas por Gelfand & Lee (1973), Bell & Freeman (1974), Cohen (1974), Bennett
(1975), De Vos & Romanucci-Ross (1975), Glazer & Moynihan (1975), Esman (1977), Dofuy & Akinsola
(1980), Keyes (1981) e Whitten Junior (1981), não necessariamente as mais significativas.
57
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contrasts that are employed emblematically to organize identities
and interactions. For that very reason, ethnicity provides only a very
oblique and deceptive framework for investigating the actual bodies
of beliefs, values and practices that are distributed in a population,
though it no doubt serves to identify the set of forces that affects this
distribution" (Barth, 1984: 80).
Interessado agora em dar conta do "pluralismo cultural", e trabalhando com o
exemplo de uma pequena comunidade urbana (Sohar, Oman) onde diversas tradições
culturais e religiosas bastante vigentes e efetivas interpenetram-se e atingem diferentemente
os vários estratos sociais e segmentos étnicos, Barth demonstra a necessidade de, na
investigação do pluralismo, proceder-se, por um lado, a uma descrição minuciosa
("depiction") de todo o contexto social no qual as tradições culturais em causa se inscrevem:
"(...) since these component traditions or cultural streams are so weakly bounded, we need to
depict the whole context in which they are realized" (idem: 86); o que implica tanto na
abordagem de sua organização social e política quanto em, por outro lado, "give an account
of their history – not in the sense of the origin of the tradition or the origin of its contents,
but an account of the nature of continuity insofar as it can be ascertained" (idem: 80), haja
visto que "the things that are associated in the plurality – the cultures or traditions or streams
- are things that change both their boundaries and their contents" (idem: 79) 58.
Embora esteja interessado em um caso do gênero que Barth certamente classificaria
como típico de "etnicidade", se adotar a distinção entre "etnicidade" e "pluralismo cultural"
– que, para esse autor, parece ser, quase sempre, interessante – essas recomendações –
dirigidas sobretudo contra o uso abusivo da categoria "etnicidade" como dimensão
explicativa nas mais diversas situações socioculturais – me parece inegavelmente
apropriadas; ainda mais que, no fundo, elas estão apenas nos remetendo, mais uma vez, no
sentido da atenção metodológica e teórica as "situações" e "processos", imprescindível quer
estejamos lidando apenas, como diria Barth, com etnicidade, quer com realidades culturais
de maior complexidade.
Ainda mais importante, porém, para uma reorientação dos estudos de etnicidade, me
parece ser a contribuição de Carneiro da Cunha (1979, 1985).
No primeiro destes trabalhos, a autora discute o sentido da especificidade da
etnicidade enquanto modalidade de organização e de discurso político-sociais. Apontando a
insuficiência nesse sentido em defini-la simplesmente como ideologia, distingue-a de outras
58
Ver também o desenvolvimento inicial dessas questões em Carneiro da Cunha (1977).
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formas sociais de organização e expressão pela evocação que traz a uma origem (tradição,
história) e a uma cultura comuns, recolocando aqui criticamente a noção de "cultura".
Vejamos o que diz:
"tentei mostrar que a etnicidade pode ser melhor entendida se
vista em situação, como uma forma de organização política: esta
perspectiva tem sido muito fecunda e tem levado a considerar a
cultura como algo constantemente reelaborado, despojando-se então
esse conceito do peso constituinte de que já foi revestido, mas essa
perspectiva acarreta também que a etnicidade não difere do ponto de
vista organizatório de outras formas de definição de grupos, tais
como grupos religiosos ou de parentesco. Difere, isto sim, na retórica
usada para se demarcar o grupo – nestes casos uma assunção de fé
ou de genealogias compartilhadas, enquanto na etnicidade se
invocam uma origem e uma cultura comuns" (Carneiro da Cunha,
1979: 38).
Tal implica em afirmar que, "portanto, não mais que estes outros grupos, a etnicidade
não seria uma categoria analítica, mas uma categoria 'nativa', isto é, usada por agentes
sociais para os quais ela é relevante, e creio ter sido um equívoco reificá-la como tem sido
feito" (idem: 38-39).
A autora retoma essas questões em sua monografia de 1985 elaborando a redefinição
de "cultura" consoante seu lugar na etnicidade, através do que chama – apenas por
conveniência, ressalta – de "cultura da diáspora":
"Os estudos da etnicidade, essa construção de uma cultura da
diferença, põem em causa a própria noção de cultura. Doravante
parâmetro, a 'cultura da diáspora' é coisa diversa do que poderá ter
sido. 'Seleção' elaborada de traços culturais tidos por autênticos,
tradicionais, imemoriais, poderia até, no limite, ser composta de
'todos' os traços de uma eventual cultura de origem: no entanto,
mesmo neste improvável caso, sua condição de parâmetro, de pedra
de toque da identidade, altera-lhe essencialmente a natureza"
(Carneiro da Cunha, 1985: 207) 59.
59
É interessante notar que, ao fazer estas considerações, a autora tem em mente justamente a situação
dos índios no Nordeste, como se pode verificar logo a seguir:
"Suponhamos que um grupo indígena, desses que lutam pelas suas terras invadidas e pelo seu
reconhecimento, consiga recuperar plenamente a língua dos seus antepassados, suas técnicas, suas tradições.
(Essas) (...) não serão mais estritamente o que foram na origem (...). É em bloco, agora, que (elas) passam a
marcar relações e privilégios entre 'todos' desse grupo e um grupo 'outro'" (Carneiro da Cunha, 1985: 207).
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No balanço critico que faz daqueles estudos Carneiro da Cunha reafirma que o que se
ganhou com os estudos de etnicidade foi a noção clara de que a identidade é construída de
forma situacional e contrastiva, ou seja, que ela constitui "resposta política a uma
conjuntura, resposta 'articulada' com as outras identidades em jogo, com as quais forma um
sistema. É uma estratégia de diferenças" (idem: 206).
E mais adiante: "é nesse sentido que a questão da etnicidade é análoga à do
totemismo: se este usa espécies naturais para pensar grupos sociais, a etnicidade usa
espécies culturais para pensar um conjunto social de novo tipo, a sociedade multiétnica"
(idem: 208).
Importante observar aqui como, desse modo, os estudos de etnicidade se inserem
num campo de preocupações mais amplo e mais tradicional na Antropologia Social –
sobretudo a francesa – que podemos definir, 'grosso modo', como o dos "processos e lógicas
sociais de classificação", entendendo-se por classificações o conjunto de representações da
sociedade a respeito, sobretudo, de sua própria ordem – organização social – mas também de
ordens cósmica, natural etc., temática que nos traz desde os trabalhos clássicos de Durkheim
e Mauss (Durkheim & Mauss, 1903; Durkheim, 1912; Mauss, 1938), atinge sua dimensão
cognoscitiva e elaboração teórica máximas na obra de Lévi-Strauss (especialmente 1962a e
1962b), como em Dumont (1966), desenvolvendo-se mais recentemente – e ao meu ver um
tanto diluentemente – em Bourdieu (1979).
Se tomamos a etnicidade como um modo especial de pensar e articular ordens sociais
em que a "cultura" – e certamente a "história" como constituinte fundamental dessa –
aparece como elemento definidor, certamente podemos e devemos tomá-la como categoria
nativa, ainda que, enquanto tal, passível da nossa elaboração teórica secundária.
Oriento-me assim, basicamente, pela posição de Carneiro da Cunha (1979, 1985),
inclusive na medida em que esta incorpora o essencial das contribuições de Barth(1969) e,
principalmente, Cohen (1969); sem perder de vista entretanto o legado da moderna etnologia
brasileira no estudo de sistemas interétnicos, em especial no que diz
respeito ao
desempenho estrutural e ideológico das sociedades indígenas, conforme Cardoso de Oliveira
(1964 etc.).
Voltando agora ao nosso interesse nos movimentos indígenas no Nordeste, julgamos
a noção de etnicidade, tal qual delimitada acima, pertinente à descrição e análise dos seus
processos fundamentais. É preciso deixar claro, porém, que ao tomá-la como fio condutor
das nossas reflexões, o fazemos – como não poderia deixar de ser – enquanto uma categoria
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que remete a uma ordem de fatos essencialmente políticos e marcadamente históricos, em
vista do que se torna imprescindível à eficácia e coerência dessas reflexões o recurso a
outros elementos teóricos de análise que nos permitam compreender as fundamentais
dimensões político-organizacional e temporal daqueles movimentos. Em outras palavras, o
que quero dizer é que, sendo as situações sociais das quais nos ocupamos informadas,
organizadas e reproduzidas em termos de uma etnicidade, tais processos só nos serão
inteligíveis através de uma Antropologia em sentido mais amplo – e mais ou menos nos
termos propostos por Barth (1984) – em especial uma Antropologia Política. É elementar,
mas sempre bom lembrar, que o essencial do nosso material de análise se constitui de
relações sociais e suas representações.
Caberia aqui ainda esclarecer a opção que faço por "etnicidade" em lugar de
"identidade étnica", que poderia, à primeira vista, lhe ser equivalente, e que tem um uso
mais estabelecido, pelo menos na Etnologia brasileira. Tal se deve, em primeiro lugar, a uma
intenção em marcar a natureza essencialmente política do que estamos tratando – ou seja,
nos termos em que o coloca Cohen (1969) – e, em segundo lugar, para contornar a polêmica
epistemológica e sociológica em torno do conceito de "identidade" (conforme por exemplo
Lêvi-Strauss et al, 1977), cuja extrema difusão parece ter debilitado sua eficácia
cognoscitiva e explicativa, além de trazer
questionamentos importantes aos seus
fundamentos nas Ciências Sociais. É evidente que sabemos que ao se tratar de etnicidade
estaremos forçosamente lidando com "identidades sociais", seja lá como se possa defini-las
exatamente – e a diversidade de acepções aqui é certamente ampla – o que entretanto não
parece ser motivo suficiente para que se privilegie analiticamente um conceito que se tem
revelado tão "difuso"60.
É sabido também, por outro lado, que dentro dos limites de investigação que aqui se
propõe, tal conceito – o de uma "identidade étnica" – pode ser suficientemente bem
delimitado e operacionalizado, como bem o demonstra Cardoso de Oliveira (1976, 1978) 61.
Dentro desses limites, porém, "etnicidade" parece suprir a demanda teórica com vantagens
significativas.
Antropologia política
60
Ao meu ver, uma delimitação sociológica mais segura da noção de "identidade", se possível, exigiria
antes que tudo uma reavaliação das suas matrizes psicológica e filosófica, pelo menos até Erikson (1950, 1968)
e Hegel (por exemplo 1802), senão até Aristóteles (século VI A.C.); tarefa à qual, naturalmente, não me
disponho.
61
Ver também Héritier (1977) e Izard (1977).
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Já referi de passagem os desenvolvimentos da Antropologia Social britânica no
sentido de introduzir em seus estudos noções como "mudança" e "contato". De fato tal
necessidade surge fundamentalmente do trabalho na África negra, onde antropólogos
frequentemente prestavam assessoria ao governo colonial, em função sobretudo da
implantação do sistema de 'indirect rule', que exige uma articulação e um conhecimento
próximos dos sistemas políticos locais tradicionais. Típica deste período é certamente a
coletânea organizada por Fortes e Evans-Pritchard (1940) sobre os sistemas políticos
africanos. Voltada ainda principalmente para a compilação e comparação extensivas de
diversos casos, já traz uma preocupação transparente, sobretudo na Introdução assinada
pelos editores, com a discussão da noção de "poder" e a proposição de conceitos a ela
associados como os de "força organizada" e "correlação de forças", intentando delimitar no
plano teórico e empiricamente um campo próprio do "político" – essencialmente das
relações de poder – delineando-o também em seus vínculos com o parentesco, a demografia,
a base territorial, os "valores místicos" etc.. Discutem-se questões como "chefia" e ou
"governo", os "limites" do "grupo político" e, enfim, as respostas desses sistemas ao
"domínio europeu", abrindo-se um espaço, ainda que limitado, para formulações em torno
da ideia de "conflito" e onde a "mudança estrutural", além da própria noção de "estrutura
social", se colocam de modos diversos daqueles até então amplamente estabelecidos,
especialmente a partir da obra de Radcliffe-Brown (por exemplo 1940).
O trabalho mais significativo então é sem duvida o de Evans-Pritchard a respeito dos
Nuer (1940 a e b), em que se descreve o modo segundo o qual essa grande sociedade
"descentralizada" se organiza segmentarmente em tribos, clãs, linhagens e sublinhagens,
construindo oposições e alianças significativas ou não segundo níveis estruturais e situações
diversas. A análise exemplar desse princípio organizacional – a "segmentaridade" – está, ao
meu ver, na base da já referida concepção "situacional" e "contrastiva" segundo a qual se
pensam hoje as "identidades sociais", assim como de concepções mais dinâmicas a respeito
de "estrutura social".
No mesmo ano, mas através de uma perspectiva algo diversa, Gluckman chega, em
seu ensaio sobre a Zululândia (1940), a resultados próximos aos de Evans-Pritchard.
Partindo da constatação de que as "situações sociais" constituem a matéria-prima do trabalho
etnológico, mas que nem sempre aparecem convenientemente explicitadas no resultado final
das pesquisas, obscurecendo-se o desenrolar do processo analítico; Gluckman propõe uma
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descrição minuciosa de "situações", selecionadas sobretudo em função da importância social
nelas investida e vivenciada pelos próprios atores, seguida de uma interpretação bastante
direta, ainda que informada pelo conhecimento de outros fatos e situações, através da qual se
procura lograr uma demonstração da "estrutura social", tal qual se apresenta em contextos
social e historicamente datados62. A essa altura a noção de "situação social", embora
angular, não parecia requerer muita elaboração teórica e, de qualquer modo, os objetivos
finais da analise de caráter essencialmente morfológico eram ainda dominantes: "we called
these complex events 'social situations', within these situations to exhibit the nature of the
social structure. But it was still the social morphology that we were aiming to present"
(Gluckman, 1967: XIV).
Entretanto, uma preocupação já bastante explícita da "análise situacional" era
também dar conta da mudança social, e isto marcaria o seu desenvolvimento subsequente.
Pretendia-se então, como o próprio Gluckman faria questão de ressaltar ainda muitos anos
após (1959, 1967), combinar os progressos do método etnográfico desenvolvido por
Malinowski (1922 etc.) com uma revisão do casamento mal sucedido entre a sua teoria
funcional e as questões impostas pela necessidade de se lidar com a mudança e o "contato"
(Gluckman, 1946, 1947) 63.
Tem-se assim, por um lado, uma ênfase sempre crescente no estudo e na descrição
sistemática de "casos", entendendo-se por "casos" uma sequência temporal relativamente
longa de "situações" correlatas (Gluckman, 1957, 1959 etc.), e contra o que se chamou de
"método da ilustração adequada" ("method of apt illustration"), em que "cada caso era
selecionado de acordo com sua adequação a um item particular da argumentação, (...) não
havia conexão regularmente estabelecida entre as séries de incidentes nos casos citados em
diferentes momentos da analise" (Gluckman, 1959: 66); e por outro, mas através dessa
mesma ênfase nos "casos", um interesse decrescente nas "estruturas", enquanto expressões
acabadas da morfologia social, dando lugar ao estudo das transformações, da flexibilidade e,
eventualmente, da contradição nos sistemas sociais; o que é feito sobretudo através de um
acompanhamento etnológico a bem mais longo prazo, quando não propriamente histórico. O
próprio Gluckman sintetiza o resultado desse desenvolvimento teórico e metodológico do
62
No caso desse ensaio de Gluckman se pode definir esse objeto de demonstração como a sociedade
colonial da Zululândia por ocasião da consolidação administrativa do domínio britânico, imediatamente
anterior à Segunda Guerra.
63
No primeiro desses artigos, Gluckman crítica demolidoramente as concepções malinowskianas de
"dinâmica cultural", em especial sua tentativa de considerar os dois segmentos sociais envolvidos numa
situação de contato como sistemas autônomos. No segundo, delimita a contribuição, hoje sobejamente
reconhecida, da obra de Malinowski para a Antropologia Social. Ver também a respeito Durhan (1978).
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seguinte modo: "se pretendemos penetrar mais profundamente no processo real pelo qual
pessoas e grupos convivem com um sistema social, sob uma cultura, temos que utilizar uma
série de casos conexos ocorrendo dentro da mesma área da vida social" (idem: 69).
"O uso mais fecundo que se pode fazer dos casos consiste em
tomar uma série de incidentes específicos ligados às mesmas pessoas
ou grupos, no decorrer de um período suficientemente longo, e
demonstrar como esses incidentes, esses casos, se relacionam com o
desenvolvimento e a mudança das relações sociais entre essas
pessoas e grupos, agindo no quadro de sua cultura e do seu sistema
social. Sempre que se aplicou este método a monografias que
usavam o método da ilustração adequada, emergiu um quadro muito
diferente do sistema social: mais complexo, menos rígido, menos
amarrado" (idem: 68).
Enfim, numa avaliação bastante posterior do seu ensaio pioneiro de 1940, Gluckman
reconhece que, já então, "I was (...) on the way to making the kind of analysis of how the
many different components in a social system operate with varying weight in different types
of situation" (Gluckman, 1967: XX).
Gluckman dedicaria boa parte da sua produção nos anos quarenta e cinquenta –
reunida principalmente em 1955 e 1963 – à discussão do "conflito" em suas relações com as
estruturas sociais, seja enquanto elemento rotinizado, ritualizado e absorvido por esta (1952,
1954a, etc.), seja como agente modificador (por exemplo 1954b), inclusive exógeno, sempre
com base no seu rico material etnográfico banto.
A expressão mais acabada de uma análise de variabilidade estrutural, entretanto, é
certamente a monografia de Leach (1954) sobre as diferentes ordenações políticas dos povos
Kachin do Norte da Birmânia, onde, ao lado de uma demonstração etnologicamente
cuidadosa dos complexos princípios que operam essa variabilidade, têm-se conclusões que
instigam a discussão em torno da definição teórica da noção de "estrutura social".
Já em Turner (1957), a série de questões que acompanhamos ao longo da obra de
Gluckman desaguam no pleno desenvolvimento metodológico do que viria a ser designado
"método de caso desdobrado" ("extended case method") e na formulação do conceito de
"drama social", relativo ao eixo temático da série de situações abordadas, constituindo, por
assim dizer, o seu enredo. Sem abrir mão de uma competente descrição morfológica da
"estrutura social" da aldeia que estuda e dos "princípios abstratos" que orientariam a
constituição dessa estrutura, Turner acompanha a vida da aldeia e dos seus habitantes ao
longo de vinte anos, descritos sistematicamente numa sequência de episódios relacionados,
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fundamentalmente, com as disputas em torno da sucessão à chefia – em que aqueles
princípios estruturais são vistos em sua ação e manipulação – tomados como vetor principal
para caracterização do "drama social" em torno do qual se desenrola a análise que, por sua
vez, pretende demonstrar, basicamente, "how certain principles of organization and certain
dominant values operates through both schisms and reconciliations, and how the individuals
and groups concerned try to exploit the varied principles and values to their own ends"
(Gluckman, 1957: XI).
A apropriação das ideias e posturas próprias da chamada "escola de Manchester" na
constituição teórica de uma Antropologia Política com diretrizes e procedimentos bem
definidos pode ser observada nos trabalhos reunidos por Swartz, Turner e Tuden (Swartz et
al, 1966) e por Swartz (1968), e nas "Introduções" desses a estas coletâneas em que,
acompanhando o desenvolvimento dos trabalhos na área, observam que "There has been a
trend (...) away from the early preoccupation with the taxonomy, structure, and function of
political systems to a growing concern with the study of political processes" (Swartz et al,
1966: 1).
A adoção de uma perspectiva "processualista" – como de fato se tornaria conhecida –
mais atenta aos "eventos" (Swartz, 1968), desenvolve uma delimitação marcadamente
teleológica do "político", orientada sobretudo para a definição e busca de metas coletivas
("public goals"): "the study of politics (...) is the study of the 'processes' involved in
determining and implementing public goals and in the differential achievement and use of
power by the members of the group concerned with those goals" (swartz et al, 1966: 7) 64.
Pensando em termos bem práticos, Swartz diz que "our first task in a political study
is to determine what public goals are present and to move from there to the investigation of
the social arrangements, principles, and values which are involved in the processes centering
around those goals" (Swartz, 1968: 3).
Essa delimitação do "político" permite, por outro lado, estudar a sua presença em
terrenos diversos da vida social, mais além que apenas nas esferas ou "estruturas"
tradicionalmente identificáveis como políticas. Por exemplo, "if we look at the religious
ceremony from the point of view of the processes by which the group goals are determined
and implemented (how it was decided that a ceremony was to be held, how the time and
64
No trabalho seguinte (1968), Swartz contesta a necessidade da presença de "poder" na definição do
"político", considerando principalmente a possibilidade de "metas" envolvendo de modo uniforme todo o
grupo considerado. Essa perspectiva porém parece muito centrada no "nível local" e exige a elaboração da
dicotomia "campo" X "arena", como se verá a seguir.
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place were determined, how the things to be used in the ceremony were obtained etc.) and
by which power is differentially acquired (which ritual experts are successful in telling the
'laity' what to do, how these experts marshal support for their power and undermine that of
their rivals etc.) we are studying politics" (Swartz et al, 1966: 7).
Desse modo, "political anthropology no longer exclusively studies – in structural
functionalist terms – political institutions of cyclical, repetitive societies. Its unit of space is
no longer the isolated 'society', it tends to be the political 'field'. Its unit of time is no longer
'structural time'; it is historical time. The combined unit is a spatial-temporal continuum"
(Swartz et al, 1966: 8).
É importante notar contudo que tal não implica na exclusão da investigação daquelas
instituições, ou da estrutura social; apenas que essas devem ser tomadas em sua ação no
"campo" político. A noção de "campo" ("field"), aqui desenvolvida, busca tanto maior
fluidez e abrangência quanto aos fatos a serem tratados, como uma melhor integração da
investigação com os dados e com uma perspectiva históricos. "'Field' is a concept which
allows for both continuity and change in the relations among the participants in politics and
it does not have the rather rigid quality carried by such more common terms as 'political
system' or 'political structure'" (Swartz, 1968: 6).
"The greatest value of the 'political field' view is to broaden the
scope of data collection at the same time it brings about closer
scrutiny of social behaviour that might be neglected were we to
assume an already known boundary to political activity on the
beginning of our political investigation or a predetermined basic
outcome of that activity" (idem: 8).
Swartz chega entretanto a tentar uma delimitação mais formalizada do que venha a
ser um "campo". "A field is defined by the 'interest and involvement of participants' in the
process being studied and its contents include the values, meanings, resources and
relationships, employed by these participants in that process" (Idem: 9).
Dada a necessária fluidez desses limites à medida que os indivíduos e grupos
envolvidos, assim como seus valores, interesses etc., mudam de posição e de conteúdo, ou
mesmo saem e entram no "campo"; Swartz propõe a caracterização de uma "área
sociocultural espacial e temporalmente adjacente ao 'campo'", que ele chama de "arena",
composta pelos indivíduos e grupos de algum modo relacionados àqueles presentes no
"campo", seu repertório cultural de valores, crenças, interesses, etc., seus recursos, bem
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como todos esses atributos possuí dos pelos membros do "campo", mas não diretamente
acionados no processo em estudo (Swartz, 1968: 9ss.).
Tentando sintetizar o que me parece essencial no desenvolvimento teórico acima
resenhado, e mais uma vez voltando a pensar mais explicitamente em termos dos interesses
de pesquisa aqui delineados, vale dizer que julgo fundamental no estudo de grupos políticos
de pequenas dimensões, ou "de nível local", a investigação detalhada das genealogias,
parentelas e redes sociais envolvidas65, aliada a um acompanhamento o mais duradouro e
próximo possível, por parte do pesquisador, das práticas sociais e políticas no grupo em
questão. A possibilidade de articulação crítica e descritiva do material assim obtido com os
dados históricos – tanto os da história oral quanto os de documentos escritos etc. – é
seguramente indispensável à compreensão e delimitação de todo o processo que compete
investigar; e o que se nos apresenta à investigação é, sem dúvida, um processo histórico: a
constituição de um grupo local indígena, se possível desde antes do seu aldeamento pelo
colonizador até a emergência de um "movimento étnico" na segunda metade do século XX,
as relações sociais internas e externas desse grupo, e suas representações e os
desdobramentos contemporâneos desse movimento.
Outra possibilidade interessante que se nos apresenta é a de delimitarmos um
"campo" político com base na articulação entre seus membros e nos objetivos desse
movimento. Poderíamos ter assim algo como, apenas a título de exemplo, por um lado a
auto-delimitação étnica do grupo, a instituição e distribuição de posições de destaque
(cacique, pajé etc.), a adoção de práticas coletivas com uma organização prévia (rituais,
roças comunitárias); e por outro a retomada e garantia do território, o "reconhecimento", a
"assistência" governamental, a consolidação interna de uma série de valores e posições
sociais etc., aspectos com relação aos quais certamente encontraremos internamente
diferenciais de opiniões e avaliação, conflitos, clivagens, reordenações; enfim, fatos e
fatores que se poderá certamente dispor numa
sequência lógica e cronológica
estruturalmente ao estilo de um "drama social". Teríamos assim, parece-me, uma boa base
lógico-descritiva para ordenação do material etnográfico, mas também para orientação da
analise.
Uma questão com a qual teremos que lidar diz respeito à articulação do nosso
"campo" com as instâncias externas a ele relacionadas e que nele interferem. É certo que
65
Com relação aos levantamentos genealógicos como método de pesquisa, ver Barnes (1967). Penso o
conceito de "parentela" no sentido em que o utiliza Campbell (1963). Para uma discussão da noção de rede
social e suas aplicações, ver especialmente Barnes (1968) e Bott (1971).
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muitas dessas "interferências" poderão ser analiticamente subsumidas ao próprio "campo",
mas, de qualquer modo, teremos que pensar- e estou interessado em fazê-lo – nos diversos
planos de relacionamento com os povos indígenas vizinhos, os núcleos camponeses
próximos – "indianizáveis" ou não – o movimento indígena a nível regional e nacional, a
sociedade local envolvente, o governo etc.. Poder-se-á talvez pensar em termos próximos
aos da dualidade "campo-arena" em Swartz (1968), mas muito provavelmente não de modo
tão esquemático.
Com relação ao sentido e à abrangência em que devemos tomar a categoria
"política", parece fundamental poder-se dimensionar em termos políticos todo um conjunto
bastante vasto de relações sociais e principalmente de representações, ou ideologias; e isso
não apenas pela necessidade de acompanhar desdobramentos políticos em áreas diversas do
social – do modo bem característico de boa parte da obra de Turner (1966, 1968, 1969, 1974
etc.), pelo menos com relação aos rituais – mas sobretudo pela abertura que isso da no
sentido de se poder pensar, de modo amplo, a dimensão eminentemente simbólica da própria
"política".
Penso em especial na formulação aqui adotada para "etnicidade" como um modo
particular de se constituir ordens sociais, o que equivale a dizer, acima de tudo, de pensá-las,
representá-las; com o que se quer também dizer tratar-se de uma modalidade especial de
"política". Sabemos que no plano da nossa investigação estaremos certamente sendo levados
a dimensionar todo o "campo político" fundamentalmente em termos de uma etnicidade66.
Finalmente, alguns dos elementos teóricos tratados parecem interessantes (conforme
Van Velsen, 1967) na medida em que permitem – sem que se tenha que entrar mais
profundamente na discussão das relações entre "estrutura" e "acontecimento" ou
"estratégias", ou no sentido de uma revisão radical das concepções de uma "estrutura social"
(Sahlins,1976,1981; Bourdieu, 1972) – dirigir a investigação tanto para as instâncias
socioculturais mais estáveis e recorrentes, quanto para a vida social em sua atividade
cotidiana constantemente criadora e "imponderável" (conforme Malinowski, 1922) – ou, se
se quiser, em suas "práticas" (Bourdieu, 1972). Sabemos que se, por um lado, estaremos
sempre nos defrontando com padrões mais ou menos recorrentes de organização e
66
Eximo-me aqui de resenhar toda a vasta discussão em torno das dimensões simbólicas do universo
político – e que teria que incluir, entre outros aspectos, a própria noção de "ideologia política" – ou mesmo até
em torno da dimensão política do universo simbólico. Acredito que, nesse terreno, a discussão da "etnicidade"
seja já suficiente para os nossos objetivos de analise. Vale a pena mencionar porém, e ficando apenas num
campo mais propriamente antropológico, as contribuições do próprio Principalmente o capítulo 9, "Micropolitique et
Segmentarité": 253-283. Cohen (especialmente 1968, 1969b, 1974) e, numa outra perspectiva, algo da produção
posterior de Balandier (por exemplo 1980), no sentido de uma certa "simbologia política".
Cadernos do LEME, Campina Grande, vol. 3, nº 2, p. 88 – 191. Jul./dez. 2011. 138
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representação das relações sociais – as "estruturas" que, sem dúvida, podemos elaborar e
aprisionar em "modelos" (conforme Lévi-Strauss, 1952 etc.) – sabemos por outro que estas
instâncias só ganham sentido e expressão no uso que delas fazem os indivíduos e grupos, e
que, para mais além desses padrões, a vida social é moldada sobre fatos e situações sempre
novos, ainda que basicamente sob efeito e em resposta a determinações múltiplas; elementos
sobre os quais, assim como sobre as "estruturas", os seres humanos aplicam sua irrefreável
capacidade de reflexão, de escolha e de inovação.
A adoção, ainda que diferencial, de boa parte das ideias aqui esboçadas pela
Antropologia brasileira contemporânea no estudo da política a nível de pequenos grupos
sociais, tem revelado sua propriedade tanto em casos de sociedades indígenas em convívio
com a sociedade nacional (Oliveira Filho, 1977; Barata, 1981; Barbosa, 1983), quanto em
situações muito diversas (Velho, 1975; Santos, 1981; Barsted, 1982; Zaluar, 1985, entre
outros).
Antes de passarmos a outras questões, vale a pena ao menos referir a possível
contribuição de outras vertentes teóricas para uma Antropologia Política. Penso aqui em
especial nas idéias e pesquisas – polêmicas mas sempre instigantes – de Foucault
(especialmente 1979); e talvez também nas de Deleuze e Guattari (1982)
67
. Ainda que
colocado de modo e em bases bem diversos, podemos quiçá vislumbrar em um método
"genealógico" de compreensão do real, e numa intenção, através de uma ótica "micro", em
perseguir o poder nos seus mais recônditos interstícios, algo não muito distante daquilo que
os antropólogos têm procurado fazer.
Outras questões teóricas
Há ainda algumas questões de relevância teórica que gostaria de discutir
preliminarmente, ou ao menos mencionar, tendo em vista mais diretamente a situação atual
dos povos indígenas no Nordeste. Nomeadamente questões relacionadas à territorialidade, as
classes sociais, ao "campesinato indígena", à tutela, às ideias de "revitalização cultural", ao
"contato" e sistema interétnicos e ao quadro socioeconômico regional.
Já assinalei o lugar central do território no movimento dos índios no Nordeste,
importância reafirmada constantemente no atual contexto de lutas. Como bem observa Lea,
"se existe uma palavra-chave ou um símbolo para os índios do Nordeste me parece ser
67
Principalmente o capítulo 9, "Micropolitique et Segmentarité": 253-283.
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arame farpado ou cerca. O que eles têm em comum é dizer que o fazendeiro fulano levanta
cerca, e que eles cortam as cercas dos invasores de suas terras. Para todos os grupos o
problema da posse da terra é fundamental" (Lea, 1981: 1).
Já assinalei também o papel do território na definição étnica desses grupos. Arrisco
mesmo dizer que ele é o suporte básico sobre o qual se constroem as etnicidades específicas
na região. Enquanto em vários dos outros aspectos culturais há uma tendência à
identificação entre os diversos grupos, inclusive no sentido da consolidação de uma
identidade de "índios do Nordeste"; é fundamentalmente enquanto detentores de um direito
histórico e protagonistas de uma disputa particulares sobre um território específico que se
constituem os Kapinawá, os Potiguara, os Kiriri etc.. Para Carvalho, "a figura do território
perpassa (...) todo o quadro das relações interétnicas, parecendo se constituir no elemento
crucial do engendramento da identidade dos povos considerados" (Carvalho, 1984: 177), o
que é aqui afirmado sobre uma inconteste e rica base etnográfica68.
Pensando em termos mais amplos acredito poder afirmar que, ainda que em graus
diversos, a territorialidade é um dado cultural que, como a "tradição", a origem, tem sempre
um papel indispensável nas definições étnicas; e isso mesmo quando o "território de
referência" esteja ausente, caso das diversas situações de diáspora (por exemplo Carneiro da
Cunha, 1985), ou seja puramente imaginário, ideal, como a "terra sem mal" de alguns povos
tupís (Clastres, 1975) 69.
Pretendo com essas considerações, ao tempo em que afirmar o vínculo radical do
território com a etnicidade, especialmente realçado na situação aqui tratada, afastar as
equações primárias que podem daí advir, como "perda do território – perda da identidade"
(como em Ribeiro, 1970; Amorim, 1975 etc.). Revendo criticamente a ideia de um "índio
genérico", frequentemente associada a esse tipo de resolução através da identificação de
"perdas culturais", que seriam diretamente consequentes da perda da base econômica e
territorial, Carvalho afirma:
"O despojamento do patrimônio original, por mais crítico que
seja, não pode ser encarado como conduzindo inevitavelmente a uma
68
É impressionante, entre outras coisas, a devoção que os grupos têm, e o valor simbólico atribuído, aos
marcos físicos dos seus territórios e das suas histórias. Isso inclui, além das capelas e cemitérios das antigas
missões respectivas a cada etnia, relações como, entre outras, a dos Kapinawá com a "Mina Grande", dos
Pankararu com as cachoeiras sagradas de Itaparica, dos Pankararé com a "Fonte Grande", dos Xukuru com a
Serra do Urubá e – a mais tocante também para nós – a dos Pataxó com o Monte Pascoal e a Coroa Vermelha.
69
Aliás, num certo sentido, pode-se dizer que essa referência "territorial" da etnicidade, que chamo aqui
"territorialidade", é sempre, em alguma medida, imaginária.
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identidade de 'índio genérico', sob pena de tomarmos cultura em
termos absolutos, o que se torna tanto mais equivocado ao se tratar
de uma 'cultura de contato'. E por se tratar de uma cultura que se
reelabora por força do contato, não se pode pensar simplesmente em
perdas, ou fusões, mas em rearranjos múltiplos sob a égide da
oposição que se impõe como fator dominante. Portanto, há que
analisar mais detidamente a figura desse 'índio genérico', buscando
situá-lo historicamente, sob pena de aceitarmos uma espécie de
condenação a supostos vencidos" (Carvalho, 1982a: 5-6).
Pensando do mesmo modo certamente se pode também rejeitar outras tantas
resoluções simplistas do gênero, como a que vincula a "sobrevivência étnica" à permanência
de um "modo de produção" próprio à etnia em questão, como em Gomes (1977). Sabemos
obviamente que as "relações de produção" e as "forças produtivas" que envolvem os índios
no Nordeste, assim como sua cultura, têm se modificado substancialmente desde os
primeiros contatos com o colonizador, e tendem, naturalmente, a continuar mudando; e que
sua "sobrevivência étnica" deve ser compreendida na medida da reelaboração constante de
uma etnicidade. Se, hoje, essa não pode ser dissociada de sua condição histórica de índios
camponeses, tal não implica em que ela não possa acompanhar prováveis novas
transformações, como bem procura demonstrar Luz (1985) estudando subsegmentos urbanos
desses povos indígenas70. O que faz uma determinada etnia desaparecer ou não enquanto tal
deve estar relacionado com conjunções bem mais complexas de fatores e determinações, o
que torna o trabalho do etnólogo muito mais interessante que o simples exercício de –
suposta – demonstração de um punhado de equações fáceis.
Outra questão para a qual penso que o estudo da situação dos índios no Nordeste
possa contribuir é a da relação entre "etnia" e "classe social" – ou talvez mais
especificamente entre suas respectivas consciências – tão relevante na Antropologia
mexicana (Bonfil Batalla, 1970; Varese, 1977; Cardoso de Oliveira, 1979). Não poderei já
aqui apontar o senti do teórico dessa contribuição, mas apenas indicar alguns dados que
parecem interessantes. Os índios do Sertão mantêm tradicionalmente, com segmentos da
classe dominante regional, como já referido, vínculos de clientelismo muito típicos da região
(Andrade, 1963; Leal, 1975; Queiroz, 1976; Costa, 1978 etc.). Nesse quadro, a oposição
étnica tende geralmente a colocar os índios – ou, melhor dizendo no caso talvez, os
"caboclos" – em confronto com outros segmentos locais camponeses, concorrentes seus
pelos "favores" e relações de trabalho oferecidos; e isso naturalmente com desvantagens
70
Com relação a índios em situações urbanas no Brasil, ver Cardoso de Oliveira (1968), Romano (1982)
e Figoli (1984).
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para os índios, pois temos aí um campo fecundo ao exercício dos preconceitos e estereótipos
negativos. claro que nessas circunstâncias há um espaço limitado para as oposições de
classe. Os conflitos pela terra, por sua vez, tendem a reforçar inicialmente o mesmo tipo de
confronto, já que muitas vezes são os pequenos camponeses e trabalhadores rurais os
agentes mais diretos da espoliação de territórios indígenas, lançados que são como "pontasde-lança" dos grandes proprietários. O desenvolvimento dos movimentos indígenas
entretanto, e sua articulação a nível mais amplo, têm conduzido inevitavelmente a uma
identificação mais acurada das forças sociais em jogo. Já mencionei o fato de que esses
movimentos étnicos desestimulam enfaticamente as relações acima referidas, incompatíveis
com os novos termos em que o confronto é colocado, e com a própria redefinição de valores
étnicos. Permanece entretanto em algumas situações a oposição a outros segmentos
subordinados, vistos ainda como aliados dos poderosos.
A emergência de um movimento sindical rural desatrelado dos antigos vínculos,
como ocorre em alguns municípios do Sertão onde há índios, daria em principio a chance
para modificação desse quadro. Não é tão simples porém, já que os arraigados preconceitos
são difíceis de remover e as diferenças de estatuto legal, de relações com as instâncias
governamentais e nos próprios objetivos e estratégias dos dois movimentos concorrem em
sentido oposto71. A existência paralela dos movimentos sindical e Indígena já chegou
mesmo a desencadear conflitos, como o que ocorreu há alguns anos, e de forma grave, na
área pankararu. Apesar disso ouve-se com frequência, de ambas as partes, que "os pobres
têm que se unir", e as "boas intenções" recíprocas e os esforços no sentido de viabilizar
alianças são, em vários casos, evidentes e, pelo menos no que diz respeito aos Xokó e
Potiguara, já pareciam chegar a alguns resultados positivos em meados da década de oitenta.
Assim sendo, a emergência desses movimentos, ainda que bem diferenciados entre
si, parece de fato dar alguma base para o desenvolvimento de perspectivas comuns apoiadas
numa "consciência de classe", sobretudo na medida em que ambos questionam os vínculos
tradicionais de dominação; questionamento esse que, no caso dos índios, é levado a cabo
através de um redimensionamento de valores étnicos. O que quero dizer com isso, a título de
avaliação provisória da questão, é que, no caso desses grupos, a emergência de uma
consciência de classe, longe de ficar obscurecida ou retardada pela vigência de uma
"consciência étnica", parece ao contrário passar "necessariamente" por essa72.
71
72
O caso pankararé tratado em Rocha Júnior (1982) é bem ilustrativo do que digo.
Compare-se essa situação com a analisada por Aquino (1977).
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A produção brasileira de monografias sobre sociedades indígenas camponesas
(Cardoso de Oliveira, 1960; Amorim, 1971; Diniz, 1972; Santos, 1973; Helm, 1974;
Carvalho, 1977b etc.) tem de modo geral se limitado, no que diz respeito à caracterização
dessas sociedades enquanto tais, à demonstração do seu enquadramento a alguns padrões
socioeconômicos gerais definidores do que seja uma sociedade camponesa, passando daí a
uma descrição – centrada quase sempre basicamente em seus aspectos econômicos – da
articulação desses segmentos camponeses etnicamente diferenciados à sociedade mais
abrangente.
Por outro lado, as interpretações mais gerais a respeito dessas sociedades chegaram
apenas a algumas poucas tentativas altamente exploratórias (Cardoso de Oliveira, 1970;
Amorim, 1975; Oliveira Filho, 1979). Sem dúvida é importante reconhecer, com Cardoso de
Oliveira, que "a noção de campesinato indígena integra a 'questão indígena' na problemática
nacional, já agora como uma questão agrária" (Cardoso de Oliveira, 1970: 150).
Amorim (1971), por sua vez, chega a caracterização de um componente de sobreexploração associado à dimensão étnica desses segmentos, o que, sem dúvida, é pertinente;
embora Isto possa ser tomado de modo simples e direto, como bem o demonstrou Reesink
(1983a), a partir de dados de Nasser, N. ( 1975).
Na verdade não interessa tanto a possibilidade de construção de modelos gerais de
campesinato indígena no Brasil, que talvez não possam mesmo ir muito além da mera
superposição, como faz Amorim (1971, 1975), de uma certa dimensão étnica a modelos já
conhecidos, ou previsíveis, de campesinato regional73.
Gostaria entretanto de, reconhecendo o avanço representado por aquelas
monografias, sugerir o aprofundamento da questão numa outra direção.
Se há possibilidades de caracterização, ainda que de modos diferenciados, de um
"modo de ser" das sociedades camponesas, de uma "condição" inerente a essas74 (Redfield,
1965; Galeski, 1972; Shanin, 1980 etc.), é certo que se tem desenvolvido um campo teórico
próprio – senão homogêneo, coerente quanto a algumas questões e temáticas básicas – ao
estudo dessas sociedades75; e não apenas ao de sua economia (conforme em Firth & Yanley,
1964; Bohannan & Dalton, 1965; Thornee et al, 1966 etc.), mas também de suas relações
73
Tentamos uma avaliação crítica de algumas perspectivas de análise sobre o campesinato indígena no
Nordeste em Sampaio (1985a).
74
E isso num sentido análogo, talvez, ao que os etnólogos usam quando se referem a um "modo de ser"
das sociedades Tupí (Viveiros de Castro, 1984) ou Jê (Maybury-Lewis, 1979).
75
Para uma visão mais contemporânea de "condição camponesa", ver a revista "Actes de la Recherche"
(por exemplo Grignon, 1975; Bourdieu, 1976, 1977).
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sociais e representações peculiares, ou típicas (por exemplo Potter et al, 196776), do seu
"papel político" (por exemplo Shanin, 197177) etc.
Interessa-me em particular as contribuições referentes a relações como o
"compadrio" (Arantes, 1975 e 1982), e às diversas formas de "patronato" e "intermediação"
("brokerage") (por exemplo Wolf, 1955; Paine, 1971), cuja relevância na situação aqui
tratada já observei, e à qual voltarei a seguir, com relação à questão da "tutela".
Acredito que um melhor aproveitamento do arsenal teórico e das experiências
desenvolvidas no estudo de sociedades camponesas para a abordagem do campesinato
indígena possa inclusive ser útil à revelação de adaptações de novas formas de organização a
modelos tradicionais indígenas. Se se puder obter algum sucesso por essa via, certamente se
poderá redimensionar a própria questão dos modelos de campesinato indígena. Infelizmente,
no nosso caso, não se dispõe ainda de uma produção quantitativa e qualitativamente
satisfatória relativa ao campesinato no Sertão nordestino78, como se tem, por outro lado,
para a zona da mata (por exemplo Heredia, 1979; Garcia Júnior, 1983). Certamente há aí um
interessante trabalho a ser desenvolvido.
A condição legal de tutelados que tinham os índios no Brasil até a Constituição de
1988, e a permanência de práticas a isso associadas mesmo após a promulgação dessa,
parece também colocar algumas questões ainda pouco exploradas, com relação, mais que à
própria condição legal, ao legado da tutela em práticas do antigo órgão tutelar e de outros
organismos governamentais, bem como as diversas representações indígenas frente a essa
condição. Já referi as atitudes ambíguas que os índios e seus movimentos são ainda levados
a ter perante a tutela, situação agravada pelo fato de o antigo tutor dispor-se muitas vezes
ainda a usar o velho instituto como instrumento de Coerção sobre os grupos e movimentos
indígenas, estabelecendo todo um jogo de punições e recompensas e, em muitos casos,
transformando as reservas em algo próximo de verdadeiras "instituições totais" (conforme
Goffman, 1961). Como observou Carvalho:
"A tutela, enquanto instrumento jurídico (...) tem se tornado
efetivamente um instrumento cerceador, impondo restrições à
liberdade de manifestação e até mesmo de deslocamento físico. Na
prática, tais restrições visam primordialmente não apenas minimizar
76
Ver aí especialmente os artigos de Mintz & Wolf (1950), Foster (1967), Geertz (1959) e Silverman
(1965).
77
Por exemplo Shanin (1971) e Wolf (1971).
Para uma boa avaliação geral, inclusive bibliográfica, sobre camponeses no Sertão, ver Reesink
78
(1981).
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reivindicações a nível interno a cada sociedade indígena, porém
obstar a viabilização de um movimento indígena que, ao tentar
romper os limites imediatos, alargando o nível de articulação, pode
tender a subverter a própria tutela no que esta contém de repressivo"
(Carvalho, 1982a: 2).
Por outro lado, esses mesmos movimentos "necessitam" da "tutela", o que é
especialmente verdadeiro no caso do Nordeste, onde esta aparece como legitimação por
excelência da condição étnica frente a sociedade envolvente, e mesmo, frequentemente,
como garantia de sobrevivência num meio social hostil. É preciso lembrar também que, nas
lutas pelo "reconhecimento", a tutela é buscada, em grande medida, como solução para que
se viabilize o rompimento dos laços clientelísticos tradicionais, que já são percebidos como
altamente desfavoráveis. Trata-se aqui pois, certamente, de uma substituição de tutelas,
buscando-se aquela em que, presumivelmente, a marca étnica teria, ao contrario da anterior,
um sentido positivo. Nessa percepção contudo, o caráter essencial da relação não se altera
significativamente.
Um uso sociológico abrangente do conceito de "tutela", aplicado a relacionamentos
diversos entre pequenos grupos étnicos e várias instâncias e segmentos de estados e
sociedades nacionais é exercitado, com bastante sucesso, nos trabalhos dirigidos por Paine
(1971, 1977) com populações dos Inuit (Esquimó) no Ártico79.
Por sua vez, dois breves estudos de caso de Rocha Júnior sobre o movimento
indígena no Nordeste, nos quais se verifica a produção de discursos e atitudes muito
significativos com respeito à tutela, dão também uma demonstração magistral das
possibilidades de análise com foco nessa relação. Vemos aqui, no primeiro caso (Rocha
Júnior, 1982), como os Pankararé, pressionados pelo Sindicato de Trabalhadores Rurais e
por órgãos estaduais no sentido da titulação de posses dentro do seu território, argumentam a
ilegitimidade da ação desses sobre si, ao tempo em que reivindicam da instância competente
a garantia dos seus direitos: "o índio é federal". No segundo (Rocha Júnior, 1983), temos um
relato do movimento dos Kiriri, provavelmente um dos mais bem sucedidos na região à
época, no qual vemos como esses, após conquistarem a demarcação e a remoção do maior
invasor de suas terras, através de longas e intensas pressões sobre a Funai, refluem –
(estrategicamente?) – num momento de crise política interna e do próprio órgão tutelar, a
uma posição de submissão a este na busca da estabilização interna e externa das suas
79
Para uma aplicação igualmente interessante do conceito de "tutela" à relação do Estado com a própria
sociedade nacional num regime autoritário, ver Reis (1983).
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DE CABOCLO A ÍNDIO – JOSÉ AUGUSTO LARANJEIRAS SAMPAIO
conquistas e de proteção diante dos seus temporariamente derrotados mas sempre perigosos
inimigos. Nessas circunstâncias, "o índio é de menor".
Por fim, gostaria de assinalar que parece interessante tentar, através do estudo da
"tutela", entendida de modo bastante abrangente, no sentido de conter o máximo possível
das relações do tipo patrono-cliente e semelhantes, uma compreensão mais integrada de toda
uma rede de relacionamentos que envolve as sociedades indígenas ou seus segmentos
discretos com setores externos diversos, de algum modo colocados entre essas e algo além
na pirâmide do poder e das tomadas de decisão. E essas "intermediações" incluem "o
governo", os mandantes locais, a Igreja, as entidades e representações indígenas, as
"entidades de apoio", o antropólogo...
Por sua vez, a questão da "liderança", sempre tão cara a qualquer Antropologia
Política (Barth, 1959; Clastres, 1974, 1980), pode também, além de outras vias de
compreensão, ser entendida em função dessas redes, nas quais se constitui sempre em
posição estratégica, ainda que nem sempre cômoda80.
O estudo de movimentos semelhantes aos aqui tratados em diversas partes do mundo
conduziu ao desenvolvimento das noções de "revivalismo" e "revitalização" (conforme, por
exemplo, Wallace, 1956, 1972), que tendem desse modo a caracterizá-los como situações
nas quais grupos sociais em estado profundo de crise buscam misticamente um "retorno" ao
passado, idealizado como um período de paz e prosperidade; retorno esse intentado através
da adoção de praticas e símbolos culturais identificados como "tradicionais", com destaque
para os rituais. Penso que uma definição desse tipo, ainda que refletindo semelhanças
evidentes com o nosso caso, levaria a uma análise profundamente empobrecedora e
equivocada do movimento político dos índios no Nordeste.
O que identificamos como móvel angular desses movimentos é um projeto radical e
inovador de futuro, no qual a reconexão dos laços violentamente rompidos com o passado que naturalmente não deixa de ser idealizado – assume o caráter de uma recuperação de
informações e de vínculos – sobrenaturais mas também e fundamentalmente de direitos que permita aos seus protagonistas seguir adiante como senhores do seu devir. Penso, assim,
nos mesmos termos em que Carvalho, no sentido de que:
"Estes direitos fundam-se num passado que se torna o vetor da
história, garantindo sua reafirmação no presente, tendo em vista a
sua projeção num futuro que se impõe conquistar. Passado, presente
80
Ver Friedrich (1968).
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e futuro são, pois, elos de uma mesma cadeia que se busca
reconstituir, desta reconstituição dependendo a sua viabilização
como sujeitos da sua própria história" (Carvalho, 1982a: 10).
"Nesta cadeia, que não tem nada de circular, onde o futuro não
é de modo algum idealizado como igual ao passado, o movimento de
hoje se traduz numa busca tenaz de transformação das condições
objetivamente dadas, visando revertê-las politicamente para o
fortalecimento da sua identidade étnica" (idem: 10).
Fortalecimento esse que, por sua vez, se traduz principalmente no resgate do "índio",
em lugar do "caboclo" (Reesink, 1983b). Como eles próprios dizem: "o índio tem ciência e
idioma e o caboclo não tem nada. Índio vem da ciência, vem do berço" (Citado em
Carvalho, 1984: 183).
Nesse processo, a superação da "privação étnica", representada pela imagem do
"caboclo", aparece como condição, essencial mas não única, à superação de toda uma
situação de privação.
A reelaboração de identidades parece, assim, "buscar contê-las num horizonte social
e político mais amplo que possa romper com as limitações impostas pelo presente,
viabilizando o futuro (...)".
"Urge, pois, dominar o futuro. Fazê-lo implica em idealizar o
passado, transformando-o numa força suficientemente eficiente que
possa conduzí-los à superação das relações de sujeição, em geral
imputadas à situação de privação. Em outros termos, trata-se
prioritariamente de superar a privação, desmascarando-a como fator
absoluto, relativizando-a historicamente mediante o resgate
cuidadoso dos fragmentos históricos, materiais pré-constrangidos
que são recombinados tendo em vista a sua recontextualização"
(Carvalho, 1982a: 11).
Podemos entender assim a dimensão de importância dos rituais, na medida em que se
constituem na "ciência" que possibilita um contato "direto" com o passado, inclusive através
de uma língua específica, indígena, articulada no momento do transe81.
Deixo assim em princípio de lado categorias como "revitalização", tal qual hoje
concebidas, à espera inclusive de que o estudo de movimentos como o dos índios no
Nordeste possa lançar alguma luz no sentido, talvez, da sua reelaboração.
81
É interessante notar que essa "possibilidade" de contato com o passado parece afastar a ideia de uma
"busca" constante e sempre irrealizável, como seria típico da maioria dos chamados "movimentos de
revitalização" (conforme Wallace, 1956).
Cadernos do LEME, Campina Grande, vol. 3, nº 2, p. 88 – 191. Jul./dez. 2011. 147
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É evidente também, por outro lado, a natureza diversa desse movimento com relação
a movimentos messiânicos (Queiróz, 1965) como os estudados em sociedades indígenas no
Brasil por Melatti (1972), Carneiro da Cunha (1973) e Wright & Hill (1984). Entretanto,
possivelmente não será demais, tendo em vista a qualidade desses estudos e, sobretudo, a
forte marca étnica presente nesses movimentos, buscar aí subsídios à comparação e reflexão
sobre o nosso caso.
Ainda mais relevante porém será certamente a avaliação da produção sobre
movimentos e organizações indígenas na América Latina82 e no Brasil. Embora não possa
identificar ainda nessa produção conclusões de alcance mais amplo, tem-se já, em alguns
casos, um considerável material etnográfico a ser explorado nesse sentido83.
Resta, por fim, situar com mais clareza em nossa investigação o lugar do "sistema
interétnico" e da noção de "contato". A esta altura já estará evidente que o objetivo aqui é a
sociedade indígena e não o sistema interétnico do qual faz parte. Este participa da
investigação, como já assinalado, apenas na medida em que se constitui numa dimensão
indispensável ao entendimento daquela sociedade. Desse modo, não se estará entretanto
procedendo de modo diverso do que tem sido tipicamente feito pela Etnologia brasileira no
estudo de sociedades indígenas em contato com a sociedade nacional, em que, ainda que
muitas vezes se anuncie um estudo de relações interétnicas, em geral não se busca a
investigação direta do chamado "segmento regional", quase sempre restrito a ligeiras
caracterizações descritivas gerais84.
Certamente não poderia ser de outro modo, por razões metodológicas evidentes. Um
pesquisador não pode dar conta simultânea e convenientemente de segmentos sociais em
confronto, a não ser talvez em situações muito excepcionais de pesquisa. O estudo de
segmentos regionais em contato com sociedades indígenas constitui uma lacuna nem sempre
percebida em nossa Etnologia, apesar de alguns estudos terem procurado tratar desses (por
exemplo Velho, 1972), ainda que não muito diretamente com relação à situação de contato.
Vale enfim ressaltar que, em se tratando de um estudo de etnicidade enquanto
expressão de um movimento político, o foco só pode ser mesmo o respectivo "grupo étnico",
o que, a rigor, diz respeito no nosso caso apenas à sociedade indígena (Cardoso de Oliveira,
82
Ver a esse respeito, entre outros, Salazar (1977), Bonfil Batalla (1978), Santana (s.d.), Smith (1983)
etc. Para a América do Norte ver McNickle (1973), com uma boa perspectiva histórica. Seria interessante
tomar em conta também o farto material produzido pelos próprios movimentos indígenas.
83
O estudo mais sistemático dos movimentos indígenas no Brasil apenas se esboçava em meados da
década de oitenta. Por exemplo em Barbosa (1983), Barros (1983) e Lea (1983); além da bibliografia então
recente sobre índios no Nordeste.
84
Cardoso de Oliveira (1964, capitulo VI) é uma boa exceção a isso.
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DE CABOCLO A ÍNDIO – JOSÉ AUGUSTO LARANJEIRAS SAMPAIO
1976; Carneiro da Cunha, 1979); não significando isso entretanto que se esteja subestimando
a dimensão "interacional","contrastiva" etc., desses fenômenos.
A noção de "contato interétnico", por sua vez, foi engendrada, em seus múltiplos
aspectos, para dar conta de situações coloniais ou de "fronteira", em que etnias minoritárias
se viam na contingência de intensas transformações culturais, muitas vezes em função da
simples presença de um agente externo até muito recentemente completamente ausente. Me
parece que a noção de "contato" – especialmente como elaborada em Cardoso de Oliveira,
com base na ideia de "fricção" – ainda que tenha
sido aplicada a diversas situações
interétnicas, todo o seu aparato conceitual envolvendo noções como "frente de expansão" e
"potencial de integração", revela-se bem mais eficaz e elucidativo ao lidar com aquelas
situações de fronteira, em que a ação modificadora das "frentes" é ainda bem nítida, e com
sociedades minoritárias com não muitas gerações de "contato" mais intenso, e bastante bem
diferenciáveis, sociologicamente, dos padrões regionais, como é ainda hoje o caso de boa
parte do Brasil central e amazônico.
Talvez não estivesse necessariamente errado se tentasse aplicar esse arsenal teórico
às condições do Sertão nordestino; sem dúvida podemos falar em "contato", existe "fricção"
e há uma "integração" na qual poderíamos até identificar diferenciais de "potencial", de
acordo, por exemplo, com as situações locais dos movimentos indígenas, das terras, do gráu
de hostilidade presente na oposição étnica etc.. Decerto as "frentes" econômicas, sob novas
formas, permanecem atuantes. Entretanto, uma tal caracterização me parece, no mínimo,
excessiva, e preferiria deixar os conceitos reservados aos contextos em que possam revelar,
mais integralmente, sua operacionalidade.
De qualquer modo, é indiscutivelmente interessante que se possa dar conta de
determinantes socioeconômicos no quadro regional, no sentido de uma melhor compreensão
do seu movimento indígena. No nosso caso, tenho a impressão que noções como
"colonialismo interno" (Casanova, 1962; Cardoso de Oliveira, 1966), como outras que
ajudem a entender a situação de dependência que caracteriza tanto a região nordestina, em
especial o Sertão, no plano nacional, quanto internamente os seus segmentos camponeses,
entre os quais os indígenas, podem revelar-se esclarecedoras.
Em outro lugar (Sampaio, 1984), procurei desenvolver algumas ideias no sentido de
identificar algumas injunções entre as mudanças sociais provocadas pela construção da
grande hidrelétrica de Paulo Afonso nos anos cinquenta e alguns aspectos do
desenvolvimento do movimento étnico dos vizinhos Pankararé. Acredito que, de um modo
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DE CABOCLO A ÍNDIO – JOSÉ AUGUSTO LARANJEIRAS SAMPAIO
geral, a interferência mais direta do Estado na região através de grandes direcionamentos
econômicos – hidrelétricas, açudes, incentivos agrícolas – identificável mais intensamente a
partir de meados dos anos cinquenta, e tendo como marco a criação da Sudene (Cohnn,
1976), pode ser tomada como um dado básico a partir do qual se possa acompanhar
algumas hipóteses de injunções sobre a situação indígena.
III.
Método, técnicas, procedimentos
O que intentarei construir como objeto de pesquisa é algo que poderia ser muito
vagamente denominado o "ser" da sociedade Kapinawá. Em que tal consiste, objetivamente,
não sei, mas tenho, como procurei demonstrar, algumas "pistas", factuais e teóricas, cujo
trilhar, pelas vias da ação (investigação) e da reflexão, espero possa conduzir à apreensão e
construção desse objeto enquanto "totalidade concreta" (Marx, 1859). Totalidade que
espero, como também já procurei delinear, possa servir de base, pela articulação a outras
totalidades do mesmo nível, à formulação de outras totalidades, mais gerais e mais
abrangentes.
Sabemos que um objeto de pesquisa nas Ciências Sociais é fundamentalmente um
produto da elaboração constante inerente à própria dinâmica de pesquisa, através do que se
pode chamar um "processo de objetivação" (conforme, por exemplo, Bruyne et al, 1977). A
expressão metodológica mais acabada e mais lúcida desse "processo" acredito encontrar-se
na proposição que faz Marx (1859) de um método para a Economia Política. Segundo este, a
partir de uma percepção inicial caótica do "todo", sob forma de um "concreto figurado":
"(...) passaríamos [pela análise] a abstrações cada vez mais
delicadas até atingirmos as determinações mais simples. Partindo
daqui, seria necessário caminhar em sentido contrário até se chegar
finalmente de novo à população [o 'todo' no caso], que não seria,
desta vez, a representação caótica de um todo, mas uma rica
totalidade de determinações e de relações numerosas" (Marx, 1859:
218).
Assim:
"o concreto é concreto por ser a síntese de múltiplas
determinações, logo, unidade da diversidade. É por isso que ele é
para o pensamento um processo de síntese, um resultado, e não um
ponto de partida, apesar de ser o verdadeiro ponto de partida e
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portanto igualmente o ponto de partida da observação imediata e da
representação. O primeiro passo reduz a plenitude da representação a
uma determinação abstrata;pelo segundo as determinações abstratas
conduzem à reprodução do concreto pela via do pensamento" (idem:
218-219) 85.
É nos termos desse processo que procuro entender a construção de "categorias
científicas" através de um "diálogo" entre as "categorias nativas" e as abstrações do
pesquisador. Num exemplo que me parece bastante pertinente, as categorias nativas – ou,
melhor dizendo no caso, "nativizadas" – de "caboclo" e "índio”
86
se nos apresentam hoje,
tal como ocorrem entre os povos indígenas no Nordeste, como variantes que vão desde
sinônimos absolutos até opostos diametrais, com um processo político de redefinição de
conceitos que parece conduzir, cada vez mais, do primeiro ao segundo caso. Poderíamos
absorver esse processo e essa relação de categorias reelaborando-os no sentido de uma
melhor compreensão do movimento indígena no Nordeste?
Acredito que o essencial do que teria a expor com relação a um método mais
especificamente antropológico de investigação e analise esteja já contido na discussão
teórica acima, e possa muito claramente ser dela depreendido. Apenas a título de síntese,
refiro o que Van Velsen (1967) identifica como elementos fundamentais no "método de caso
desdobrado" ou, como prefere, mais simplesmente, "análise situacional"; tomada aqui como
paradigma da investigação antropológica sobre a dimensão ética das representações e
relações sociais.
"This approach calls not only for the recording and
presentation of the 'imponderabilia of actual life' (Malinowski, 1922:
18) but also for coordinate accounts of the action of specified
individuals. Barnes (1958) has noted the 'shift away from the
collection of statements about the customs and the details of
ceremonial behavior. to the study of complex social relationships...
[with the consequent] emphasis on actors rather than informants'.
Thus records of actual situations and particular behaviour have found
their way from the fieldworker's notebooks into their analytical
descriptions, not as 'apt illustrations' (Gluckman, 1961a: 7) of the
85
Ver também o seguinte trecho, numa contestação a Hegel:
"A totalidade concreta, enquanto totalidade-de-pensamento, é de fato um produto do pensamento, da
atividade de conceber; ela não é pois de forma alguma o produto do conceito que engendra a si próprio, que
pensa exterior e superiormente à observação imediata e à representação, mas um produto da elaboração de
conceitos a partir da observação imediata e da representação" (Marx, 1859: 219).
86
A respeito da produção e do percurso da categoria colonial de "índio", ver Bonfil Batalla (1972).
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authors' abstract formulations but as a constituent part of the
analysis" (Van Velsen, 1967: 139-140)87.
Num trabalho de campo desse modo orientado, devemos estar empenhados acima de tudo no
exercício do conjunto de procedi mentos que, ainda que muito pouco homogêneos e
padronizados, aprendemos desde Malinowski (1922) a designar como "observação
participante” 88. Essa técnica mais geral entretanto, seguramente pressupõe o uso de outras,
mais específicas, e não exclui jamais o recurso a "informantes", apesar da ênfase em
"atores".
Como ponto de partida à investigação, no caso, decerto deve-se fazer um censo, o
que, numa população de poucas centenas de indivíduos e algumas dezenas de "famílias",
acredito possa ser feito com uma "proximidade" de relacionamento com os informantes, em
geral pouco comum a esse nível, que nos permita talvez já aí esboçar as "redes" sociais
(Barnes, 1968; Bott, 1971) sobre as quais estaremos trabalhando.
A execução de um levantamento genealógico, ainda que limitado, certamente se
revelara esclarecedora. As dimensões desse, bem como a extensão da pesquisa sobre
ramificações sociais de parentesco e outras para fora do grupo local, dos Kapinawá, só
poderão ser devidamente avaliadas durante a própria pesquisa. importante observar que a
esse nível trata-se apenas de "esboçar" relações sociais mais complexas. Só se poderá
entendê-las mais profundamente em suas múltiplas articulações e implicações observando-as
em suas práticas e convivendo com elas.
No tipo de pesquisa que se pretende desenvolver, e tendo em vista a necessidade de
lidar com representações mais elaboradas dos informantes, ou, em outras palavras, com um
discurso destes; não podemos minimizar a importância das entrevistas, mas, por outro lado,
e ainda em função do objetivo pretendido, não faz sentido algum elaborar questionários ou
empreender entrevistas "diretivas". A solução no caso parece ser o exercício – sempre mais
difícil mas também mais proveitoso – de entrevistas "não diretivas" (Thiollent et al, 1982),
com todas as imprecisões e subjetividades inerentes a essas. Numa reflexão sobre minha
experiência de pesquisa disse:
87
Há certamente uma vasta discussão a ser travada entre a "analise situacional" e a proposta de uma
"descrição densa" em Geertz (1973). As proximidades e discrepâncias aqui parecem-me curiosamente
extensas.
88
Para algumas considerações bem práticas sobre "observação participante", ver Foote-Whyte (1943) e
Berreman (1962).
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"Meu interesse pela 'não-diretividade' surgiu principalmente a
partir da descoberta de que, ao deixar o informante falar livremente
durante períodos relativamente longos de tempo – quando esse se
dispõe a isso, evidentemente – poderia colher informações e
impressões insuspeitas e inatingíveis num processo padrão do tipo
'pergunta e resposta'. Daí achar que a situação ideal de entrevista é
aquela na qual o investigador fala o mínimo possível, intervindo
apenas no sentido de esclarecer pontos do discurso e principalmente
no de estimular o desenvolvimento das ideias e temáticas sugeridas
pelo informante, sem procurar jamais redirecionar ou fragmentar-lhe
o discurso" (Sampaio, 1985c: 5-6).
Como disse, o desempenho técnico de tais entrevistas porém, não é fácil. De princípio um
grau alto de familiaridade e confiança recíprocas entre o informante ou grupo de informantes
e o pesquisador é um pré-requisito indispensável e que só pode ser obtido anterior e
exteriormente à relação de entrevista, através de uma convivência prolongada. Também não
se pode esquecer que essa relação, como qualquer relação social, deve ser vista
"situacionalmente", isto é, com atenção a como, quando, onde, quem mais estava presente
etc. Dito de outro modo, é preciso que se esteja ciente de que os informantes, mesmo
enquanto tais – e, em alguns casos, talvez, sobretudo – são também "atores".
Uma questão importante que se coloca ao referido desempenho técnico diz respeito à
possibilidade de adoção, por parte do pesquisador, de algumas técnicas próprias à pratica
psicanalítica; em especial a "atenção flutuante" e a "livre associação". Particularmente tenho
a impressão que tal recurso possa ser tentado frutiferamente, desde que se empreenda o
necessário redimensionamento dessas técnicas, levando-se em consideração as evidentes
diferenças de situação entre a psicanálise e a entrevista sociológica não-diretiva89.
Vislumbro, de qualquer modo, nesse desenvolvimento técnico, a possibilidade de um
enriquecimento considerável da análise simbólica em Antropologia que, mesmo quando
desenvolvida e complexificada em direções diversas (por exemplo em Leach, 1970), se
revela sempre mais fecunda, ainda, na medida em que atenta a princípios estruturais básicos
identificados por Freud (já em 1900 e 1901), e desenvolvidos – diversamente quanto às
técnicas de apreensão – em Lévi-Strauss (1949a e b, 1958 etc.).
Voltando a questões mais próximas, mas ainda com relação a um aspecto relevante
na entrevista, ou na coleta mais direta de dados de modo geral, o da seleção dos informantes,
remeto-me, mais uma vez, às minhas próprias reflexões:
89
Desenvolvi um pouco mais essa questão em Sampaio (1985c). Uma aproximação metodológica
bastante abrangente e exploratória entre psicanálise e etnologia é tentada por Devereux (por exemplo 1957).
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"A respeito da escolha de informantes, nunca empreguei
critérios muito especiais, deixando ao contrário essa tarefa muito
mais a cargo deles próprios, quando fatores como simpatia pessoal,
disponibilidade e interesse contavam bastante. Também nunca
consegui distinguir com muita precisão entre bons e maus
informantes, acreditando que todo mundo sem exceção deveria ter
algo de interessante a comunicar, ainda que o grau de dificuldade
nessa comunicação seja bastante variável. Um aspecto importante
nesse item diz respeito aos 'especialistas' que toda sociedade produz
para dar conta de tarefas e assuntos determinados, e que são
imediatamente apresentados ao etnólogo quando esse revela
interesses específicos no setor de competência de algum deles.
Naturalmente admito que toda atenção deva ser dada à palavra do
especialista, mas é importante cotejá-la com a de informantes menos
comprometidos com a 'guarda' de saberes especiais e que
frequentemente enriquecem e reelaboram as visões 'oficiais'"
(Sampaio, 1985c: 8).
Ao lidar com dados históricos, em especial de história oral, devemos atentar para
questões análogas às tratadas acima no que diz respeito ao "controle de informações".
Vansina (1961) desenvolveu um minucioso método de coleta e análise de narrativas orais,
mas suas cuidadosas e úteis recomendações em momento algum problematizam a situação
de pesquisa ou a relação pesquisador-informante durante a coleta.
Um ponto fundamental a observar aqui é o "papel" da história na sociedade estudada.
Sabemos, e especialmente em casos como o nosso, que as tradições são sempre reinventadas
e que, no sentido contrário, o "passado" tem uma importância decisiva no presente
(Hobsbawn, 1972; Thompson, 1978 etc.), ou seja, em síntese, que "The voice of the past
matters to the present" (Thompson, 1978: X).
Assim, parece-me que uma investigação com base em história oral – e em especial
uma investigação antropológica – deve procurar dar conta, antes de mais nada, do processo
de "produção" de um passado; da elaboração que as sociedades fazem sobre suas
informações históricas, da a percepção que têm do "tempo" e do lugar social da
"memória"90; E, só num segundo movimento, não necessariamente mais importante,
trabalhar criticamente sobre o material coletado no sentido de uma "reconstituição"
histórica, se tal for relevante.
90
A respeito desses temas, dos mais ricos em Antropologia, Ver, entre outros, Evans-Pritchard (1940b,
cap. 3), Leach (1953), Vernant (1956, cap. II) e, no Brasil, Sigaud (1980) e Viveiros de Castro & Carneiro da
Cunha (1985).
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As "histórias de vida", por sua vez, que podemos tomar aqui como uma categoria
particular de "história oral", devem ter seu lugar dentro da mesma perspectiva. No nosso
caso, como vimos, o movimento kapinawa parece articular-se em torno de algumas posições
e personagens centrais (o primeiro pajé, os caciques...). Seria interessante, além de tomarlhes diretamente "histórias de vida", tentar reconstituí-las através de outros informantes, para
os quais a presença e atuação dessas personagens teve ou tem tido uma importância muito
grande.
Devo notar aqui que não estou especialmente interessado em fazer História, no
sentido em que a fazem os historiadores; mas em poder investigar e compreender dados
históricos indispensáveis numa pesquisa antropológica que, como a que se pretende
desenvolver, lida com uma sociedade profundamente marcada pela história e por uma
"historicidade". Como percebe muito bem Cardoso de Oliveira, a "'historização' das
sociedades indígenas viabiliza extraordinariamente a própria historiografia, como também
estimula pesquisas mais aprofundadas, no duplo sentido da penetração no tempo, na
reconstrução de processos regressivos às origens de tal ou qual movimento que diga respeito
à constituição do sistema interétnico; tanto quanto no que se refere à apreensão pelo
etnólogo do processo de mistificação ou ideologização dos eventos históricos (ao nível do
grupo) e biográficos (ao nível do indivíduo) pelos agentes étnicos (...). A recuperação da
História como parte de uma metodologia que vise dar conta da identidade, da etnia e da
estrutura-social, [deve] ser posta como alvo imediato do etnólogo, se quisermos alcançar
progressos seguros nos estudos étnicos no Brasil" (Cardoso de Oliveira, 1978: 124).
Por fim, no que diz respeito à investigação histórica, devo dizer o que me parece
possível fazer com fontes escritas. Em primeiro lugar, deve haver algumas informações
sobre a área indígena em questão, certamente não muitas mas talvez muito significativas, e
inexploradas, em arquivos públicos no Recife, ou em arquivos de ordens religiosas; menos
provavelmente em arquivos locais. Procurarei investigar o que é possível descobrir por essa
via.
Outras fontes inexploradas, e que talvez possam trazer surpresas positivas, são as
crônicas regionais. Além das crônicas históricas que se poderá também utilizar e que, como
se viu, não são muitas, há em Pernambuco uma vasta produção de crônicas locais, relativas a
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municípios ou microrregiões (por exemplo Barbalho, 1977; Albuquerque, 1960 etc.), cuja
exploração pode ser útil, no mínimo, à compreensão do quadro local e regional91.
Deixando agora de lado os procedimentos mais puramente técnicos, gostaria de fazer
algumas considerações rápidas a respeito de algo que lhes é, metodologicamente, anterior.
Trata-se do relacionamento, num sentido amplo, a ser construído entre pesquisador e
universo social pesquisado. Limitarei-me aqui porém a retomar sinteticamente questões que
propus em outro lugar (Sampaio, 1985c).
Tentei então de início avaliar algumas posturas metodológicas que me pareciam
muito "idealizadas" com relação ao papel e ao "lugar" do antropólogo em campo. A posição
de Seeger (1980), por exemplo, ao definir-se em tal circunstância como "uma criança no
mundo", enfatizando o necessário processo de ressocialização pelo qual passa sempre o
etnólogo em situação de pesquisa, em especial em sociedades muito diversas da sua própria,
parece comprometer a imprescindível consciência de que se é um membro – e um membro
amplamente socializado – de uma sociedade dominante com relação àquela em que se está;
dominação essa, de resto, evidente na própria quantidade de técnicas e de bens que a suposta
"criança" manipula em seu trabalho. Conclui-se então, facilmente, pelo prejuízo que tal
perspectiva significa, tanto à busca de algumas "simetrias" básicas na relação da pesquisa,
quanto à própria dimensão de realidade dessa relação.
O misto de distanciamento metodológico e melancolia existencial identificado, por
sua vez, por Da Matta (1978) como característica do antropólogo em campo, no que chama
de 'anthropological blues', parecia-me interessante enquanto dimensão viabilizadora da
transposição lógica do "estranho" ao "familiar" e vice-versa, inerente ao fazer antropológico.
Disse, por outro lado, que:
"Estados agudos de 'anthropological blues' podem ser
sintomáticos de falta de 'dialogicidade' entre pesquisador e sujeitos,
no sentido em que Tedlock (1979) usa este termo; isto é, um
procedimento de pesquisa no qual as descobertas são impulsionadas
e discutidas através de um 'diálogo' entre os dois polos envolvidos na
relação de pesquisa, os quais tenderiam, por essa via, a se
aproximarem de uma posição de equilíbrio e identificação"
(Sampaio, 1985c: 10-11).
91
Não insistirei, também aqui, na necessidade de se fazer uma abordagem crítica, "contextualizada" etc.,
das crônicas. Mesmo porque parece não haver muito consenso sobre "como" fazê-lo. Para algumas
recomendações interessantes no trato com cronistas, ver Oliveira Filho (1982).
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Introduzia assim uma discussão das possibilidades de uma "dialogicidade" na
situação da pesquisa, em oposição à fórmula clássica do "estranhamento", do qual o
'anthropological blues' é "sintoma". A "dialogicidade" entretanto, levada a seus extremos,
parecia-me buscar uma redução absurda de papéis irredutíveis no processo de pesquisa, com
comprometimentos para a "eficácia critica" da investigação. Busquei então algumas brechas
que permitissem dizer que:
"Talvez mesmo os dois procedimentos não sejam assim
necessariamente excludentes (...). De qualquer modo, se o 'insight'
antropológico é realmente uma experiência individual – e até certo
ponto solitária como quer Da Matta [pelo menos num momento
inicial em que este ocorre] – e tenho a impressão que assim o é,
então a dialogicidade tem seus limites, o que também nos parece
correto embora não saibamos exatamente onde estão estes e até que
ponto possam ser questionados. O que parece claro porém é que a
postura de "estranhamento", típica do antropólogo (...), não pode
nem deve ser confundida com ausência de compartilhamento com os
sujeitos das questões e interpretações" (idem: 11).
Compartilhamento que me parecia, em larga medida, viável através das técnicas nãodiretivas, sem prejuízo do "estranho metodológico". O que no fundo pretendia – e
certamente sem chegar a respostas muito palpáveis, o que de todo modo não invalida a
busca – era procurar algumas medidas de relativização entre as perspectivas que definem o
etnólogo como "decodificador" e "tradutor" da cultura nativa, num alto grau de onipotência
científica; e aquelas que tendem a encará-lo como mero "interlocutor", ou "testemunha"
dessas culturas, ocupado em pouco mais que apenas "fragmentar", pela sua "escritura", a
"prática" viva das mesmas.
Passaria daí a considerações sobre a inserção do etnólogo em uma sociedade
politicamente diferenciada internamente, e de como procurar chegar a posições o mais
próximas possíveis de uma equidistância com relação aos diversos "grupos de interesse"
presentes. No que diz respeito às relações que viabilizem a manutenção do pesquisador em
campo e o seu trabalho de "coleta" de informações, procurei desenvolver, a partir da minha
própria experiência, a ideia de "reciprocidade", sempre tão presente nas sociedades com as
quais trabalhamos, como orientação, nas suas diversas formas, para estabelecimento de um
"modo básico" de convivência e de exercício das necessárias trocas – econômicas e
simbólicas – com os sujeitos da pesquisa.
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Coloca-se aqui então o problema das diversas "demandas" que esse sujeito dirige ao
pesquisador, de acordo com anseios e expectativas não só com relação à pesquisa, mas ao
próprio pesquisador enquanto agente externo "interessado" em seus problemas e aspirações.
Dizia então:
"Evidentemente a demanda dos sujeitos pelas muitas formas de
relacionamento com os pesquisadores – enquadráveis ou não nas
diversas categorias estabelecidas, como clientelismo, paternalismo,
intermediação, assessoria etc. – varia de acordo com os níveis de
organização, participação e consciência política daqueles próprios,
muito mais que em função de posturas adotadas ou sugeridas pelos
últimos. Responder, discutir ou desencorajar estas demandas é uma
questão pessoal e política a ser enfrentada por cada pesquisador em
cada situação particular, e decidida de acordo com sua consciência e
sua sensibilidade. Não acredito em fórmulas de uso geral para tanto
(...). Pessoalmente tenho procurado me comportar com relação a isto
de acordo com diretrizes políticas que me parecem claras e que julgo
comprometidas com as causas vitais dos próprios sujeitos, o que não
quer dizer que tenha sempre claro (...) o melhor caminho a seguir. A
única atitude realmente improcedente entretanto, embora não
infrequente, parece-me ser a de tentar fechar os olhos à essas
demandas, buscando envolver a situação de pesquisa numa
atmosfera artificial de distanciamento e 'neutralidade', claramente
impossíveis" (idem: 14-15).
Chegava assim enfim, inevitavelmente, a questão mais candente da "participação" do
antropólogo nas "lutas" dos segmentos sociais envolvidos em suas pesquisas; e na discussão
daquilo que se tem um tanto vagamente definido como "pesquisa participante" (por exemplo
em Brandão, 1981), e que é muitas vezes tomado, facilmente, como um "rótulo" capaz de
legitimar social e politicamente qualquer pesquisa e, às vezes, em detrimento de uma maior
atenção aos procedimentos científicos utilizados.
Procurei, naquela ocasião, refletir sobre minha própria prática, reconstituindo a
articulação que sempre buscara entre uma "participação" – política – e minhas pesquisas "científicas". Hoje talvez saiba mais claramente da natureza radical e indissolúvel desse
vinculo, nos termos em que o expressa Viveiros de Castro (1980), ao comentar posições
que:
"Consideram o trabalho teórico – dos 'antropólogos
acadêmicos' – como irrelevante, alienado, desvinculado das lutas
concretas dos povos indígenas. Ao contrário dos que sustentam
aberta ou veladamente esta posição, não creio haver nenhuma
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contradição em princípio entre a lógica própria da atividade
científica e o compromisso ideológico e prático com o trabalho
indigenista, isto é, com os índios. O juízo muito comum 'é absurdo
estudar parentesco (ou mitologia, ou música) quando os índios estão
lutando pela terra ou morrendo de fome' é, em si mesmo, absurdo,
por ser 'terrorista' no sentido que Sartre dá a este adjetivo: isto é, por
reduzir a variedade e a riqueza das situações e motivações a uma
lógica abstrata, formalista, que se recusa intransigentemente a
distinguir e diferenciar. Certamente é absurdo 'estudar' qualquer
coisa - mesmo a fome e a luta pela terra – em certas situações; (...)
Mas o que precisamos nos perguntar – e é esse o trabalho teórico e
essa a nossa responsabilidade – é se, como – e, sobre tudo – por que
o parentesco, a mitologia ou a musica são tão importantes para
homens que lutam pela terra e morrem de fome. Se não pudermos e
soubermos entender isso nosso compromisso de antropólogos não
passará do estágio de uma indignação abstrata, genérica e estéril
diante dos crimes contra os índios e de uma solidariedade abstrata e
'humanista' para com essa luta. Ou, pior ainda, cairemos numa
prática indigenista concreta que, imaginando estar 'ao lado' dos
índios, é cega para o que faz daqueles homens, índios, quanto as
forças que combatemos são cegas para o que faz daqueles índios,
homens" (Viveiros de Castro, 1980: 5, grifos originais).
E é certamente por sabermos da eficácia especifica do nosso saber e da nossa prática
– antropológicos – na compreensão dessa "luta" específica, e da importância dessa
compreensão para estas mesmas "lutas", que insistimos em desenvolver trabalhos de
pesquisa entre povos indígenas no Brasil, apesar das crescentes dificuldades que a isto se
tenta impor.
Termino aqui tentando voltar à questão inicial deste tópico, a da "construção do
objeto", e o farei, desta vez, através do que pude repensar sobre o meu próprio trabalho, há
algum tempo atrás. Reproduzo-o aqui apesar de a situação hoje, ao terminar a elaboração
desse plano de pesquisa, ser já, necessariamente, ligeiramente diversa:
"Ainda apegado a uma imagem 'idealizada' de índios, tinha
inicialmente um maior interesse pelos rituais, talvez por localizar aí
os aspectos culturais mais 'puros' numa sociedade profundamente
alterada historicamente, acamponesada e assemelhada à população
envolvente. Descobri nesses rituais a busca da afirmação daquilo que
realmente os preocupa: sua identificação étnica enquanto grupos
diferenciados perante uma sociedade que insiste em estigmatizá-los
ao mesmo tempo em que negar-lhes tal condição. 'Ser índio' é, de
fato, uma ocupação quase cotidiana de boa parte dessas populações
do Sertão do Nordeste e, assim, dirigindo meu interesse para as
questões da etnicidade, cheguei aos meandros políticos internos e
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externos por onde passam as discussões e articulações relativas a
cada grupo étnico em particular, através dos quais estes constroem
seus discursos e viabilizam suas lutas. A etnicidade fornece o suporte
ideológico-organizacional de um amplo processo de reconquistas
territoriais e, trabalhando com os índios no encaminhamento dessas
lutas, descobri a relevância das informações históricas e o próprio
interesse que os índios demonstram neste sentido (...). Assim, meus
interesses atuais de pesquisa têm a ver com uma tentativa de enfeixar
todas estas diretrizes temáticas e pô-las em discussão com algumas
questões teóricas pertinentes. Tenho a impressão – e a intenção – que
isto possa ser caracterizado como a construção de um objeto de
pesquisa junto com seu próprio sujeito" (Sampaio, 1985c: 16-17).
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