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revista cadernos
de pesquisa da
escola da cidade
#2
2016
Artigos
Parecia com nossas casas, mas era bem maior:
introdução a uma pesquisa interdisciplinar
sobre a arquitetura yanomami
Thiago Magri Benucci
O patrimônio cultural do Brás: reflexões
sobre um trecho específico
Yasmin Darviche
Merci ma mère / Obrigado minha mãe
- um pedaço africano no Brás
Otávio de Oliveira Melo
Em uma fábrica cultural, um pensamento
popular: Lina Bo Bardi e o Sesc Pompéia
Laura Pappalardo
O teatro de Lina Bo Bardi:
preexistência, reposicionamento
da plateia e condicionantes cênicas
Thiago Ramos Reis
Crítica e projeto
Victor Assuar Panucci
Os Cadernos de Pesquisa da Escola da Cidade são um periódico da
Escola da Cidade criado com o objetivo de divulgar e publicizar as
ações de Iniciação Científica desenvolvidas por essa instituição. De
caráter acadêmico e científico configuram-se como um espaço de
discussão e reflexão dedicado às questões afeitas à pesquisa de
arquitetura e urbanismo – bem como áreas afins – em seus múltiplos
aspectos. Voltados para a publicação de trabalhos de pesquisa desenvolvidos por alunos de graduação, os Cadernos de Pesquisa da
Escola da Cidade buscam qualificar e fomentar as pesquisas desenvolvidas na Escola da Cidade, mas também chamar ao diálogo
pesquisadores de outras instituições
Comissão Editorial
Amália Cristovão dos Santos (EC)
Ana Claudia Scaglione Veiga de Castro (FAU-USP)
Eduardo Augusto Costa (EC / IFCH-UNICAMP)
Fabio Lins Mosaner (EC)
Fernanda Mendonça Pitta (EC / Pinacoteca SP)
Joana Mello de Carvalho e Silva (EC / FAU-USP)
Marianna Boghosian Al Assal (EC)
Pedro Lopes (EC)
Conselho Consultivo
Cristiane Checchia (ILAACH-UNILA)
Nilce Cristina Aravecchia Botas (FAU-USP)
Renato Cymbalista (FAU-USP)
Taisa Helena Pascale Palhares (IFCH-UNICAMP)
Editora Científica
Marianna Boghosian Al Assal
Projeto Gráfico e diagramação
três design
Associação Escola da Cidade
Anália M. M. C. Amorim (Presidente)
Escola da Cidade
Ciro Pirondi (Diretor)
Conselho de Graduação
Alvaro Puntoni (Coordenação)
Conselho Científico
Newton Massafumi Yamato (Coordenação)
Editora da Cidade
Anderson Freitas
Fabio Valentim
José Paulo Gouvêa
Editora executiva
Marina Rago Moreira
Revista Cadernos de Pesquisa da Escola da Cidade
Número 2 / set 2016
ISSN 2447-7141
Rua General Jardim, 65 – Vila Buarque
CEP 01223-011, São Paulo, SP, Brasil
Sumário
5
Apresentação
31
O patrimônio cultural do Brás: reflexões
sobre um trecho específico
Yasmin Darviche
43
Merci ma mère / Obrigado minha mãe
- um pedaço africano no Brás
Otávio de Oliveira Melo
57
Em uma fábrica cultural, um pensamento
popular: Lina Bo Bardi e o Sesc Pompéia
Laura Pappalardo
75
O teatro de Lina Bo Bardi:
preexistência, reposicionamento
da plateia e condicionantes cênicas
Thiago Ramos Reis
91
Crítica e projeto
Victor Assuar Panucci
111
115
120
154
VIII Jornada de Iniciação Científica da Escola da Cidade
Programação
Resumos dos trabalhos
Professores convidados
157
Normas para a submissão de textos
7
9
Artigos
Parecia com nossas casas, mas era bem maior:
introdução a uma pesquisa interdisciplinar
sobre a arquitetura yanomami
Thiago Magri Benucci
Apresentação
É com grande satisfação que trazemos a público o
segundo número da revista Cadernos de Pesquisa
da Escola da Cidade, periódico lançado em 2015
com o objetivo de tornar-se um espaço aberto à
reflexão e ao debate, em que alunos e professores
da Escola da Cidade e de outras instituições pudessem publicizar suas pesquisas, divulgar seus resultados, debater suas questões e encontrar seus
leitores. Num mundo saturado de palavras e
imagens, esperava-se que estes Cadernos pudessem
de fato se tornar um espaço de crítica, um espaço
de experimentação, espaço onde jovens pesquisadores pudessem experimentar com liberdade e
expressar suas ideias. Nesse sentido temos muito
a comemorar.
Por um lado, o conteúdo aqui expresso corrobora o crescimento e afirmação de um programa
de Iniciação Científica rumo a sua maturidade. Em
2016 a pesquisa na Escola da Cidade não só teve
seu número de bolsas financiadas pelo Conselho
Científico acrescidas em suas diversas modalidades
- Iniciação Científica, Pesquisa Experimental e
Vivência Externa em Pesquisa -, mas também pode
contar com outras formas de financiamento
externo, quer seja de agências tradicionais de
fomento, quer seja de projetos capitaneados pelo
Conselho Técnico da Escola da Cidade.
Por outro lado, a diversidade tanto de temáticas abordadas, quanto da origem dos pesquisadores - não apenas do estado de São Paulo, mas
também de outras partes do Brasil -, evidenciada
tanto na seção de artigos quanto na seção referente à VIII Jornada de Iniciação Científica da Escola
da Cidade, mostram o potencial da revista em
atingir seus objetivos iniciais, estimulando alunos
e professores a desenvolverem suas trajetórias
acadêmicas na instituição de maneira plena, bem
como contribuindo de forma mais ampla para a
formação de pesquisadores nos mais diversos enfoques das áreas de arquitetura e urbanismo.
O primeiro dos artigos apresentados nesse
número - “Parecia com nossas casas, mas era bem
maior: introdução a uma pesquisa interdisciplinar
sobre a arquitetura yanomami” -, de autoria de
Thiago Magri Benucci, procura contribuir com o
debate acerca dos diversos sentidos e significados
que permeiam a casa yanomami. Busca-se inicialmente desconstruir uma série de lugares comum
de forma mais geral sobre aspectos culturais e
linguísticos dos numerosos grupos que habitam a
região amazônica, e de forma específica sobre as
casas indígena - por vezes reforçados a partir de
explicações historiográficas que insistem em dividir
a arquitetura produzida entre matrizes eruditas e
práticas autóctones. O autor centra-se então em
apontar algumas das maneiras pelas quais a casa
yanomami ultrapassa seus significados físico-materiais, e assume outros sentidos ligados ao corpo,
às visões de mundo e ao universo dos espíritos.
Em seguida, a partir da pesquisa de Yasmin
Darviche, “O patrimônio cultural do Brás: reflexões
sobre um trecho específico”, novamente somos
levados do universo de uma arquitetura cujo valor
monumental é destacado para outra, segundo a
autora, “de caráter simples, proporções menores,
produzida sem pretensões à excepcionalidade”.
Nesse caso trata-se, de um lado dos bens tutelados
pelos órgãos de patrimônio como significativos do
caráter industrial do Brás, em São Paulo, e de sua
história - a estações de trem, a Hospedaria dos
Imigrantes e etc. -; e do outro sobretudo casas, mas
também dos espaços cotidianos que, como ressalta a autora, são significativos da cultura material
e imaterial das diversas ondas de imigrantes que
por ali passaram, e cuja preservação pode ser
entendida como um direito social à memória.
5
Do mesmo modo, Otávio de Oliveira Melo
também se interessa pelo Bairro do Brás em São
Paulo, seus habitantes migrantes e espaços de
sociabilidade procedendo, no entanto, para um
recorte diametralmente distinto ao concentrar-se
nos fluxos contemporâneos de imigrantes africanos
para São Paulo e mais especificamente o Brás. Seu
artigo, “Merci ma mère / Obrigado minha mãe - um
pedaço africano no Brás”, debruça-se inicialmente sobre parâmetros e perspectivas teóricas acerca
da migração e da condição de migrante, para então
lançar-se em um relato etnográfico sobre um restaurante do bairro, pertencente a um imigrante /
refugiado do Mali, procurando mostrar como esse
espaço se torna centro não apenas de sociabilidade, mas também de referência para alguns dos
imigrantes africanos recém-chegados à cidade.
Embora com enfoque bastante diferente, Laura
Pappalardo também toma como tema central
cultura popular e espaços de sociabilidade, concentrando-se, no entanto, no percurso e proposições da arquiteta Lina Bo Bardi e de forma mais
específica do Sesc Pompéia. O artigo “Em uma
fábrica cultural, um pensamento popular: Lina Bo
Bardi e o Sesc Pompéia” expõe assim os resultados
da pesquisa que procurou compreender e contextualizar os sentidos que “a função social do arquiteto” e que “cultura popular” assumiram para a
arquiteta ao longo de suas experiências e vivências
no Brasil; bem como enxergar, quer seja no projeto
original e seus detalhamentos, quer seja na apropriação pública que hoje se faz dos espaços do Sesc
Pompéia, os desdobramentos desses conceitos.
Ainda com o olhar voltado para Lina Bo Bardi,
Thiago Ramos Reis - em “O teatro de Lina Bo Bardi:
preexistência, reposicionamento da plateia e condicionantes cênicas” - destaca a atuação da arquiteta particularmente no que diz respeito aos edifícios teatrais construídos e às arquiteturas cênicas
desenvolvidas. A análise é construída a partir de
três eixos - as pré-existências e ruínas abarcadas
em seus projetos, o reposicionamento espacial e
de sentidos das relações palco e público, além das
possibilidades e condicionantes cênicas que lhe
orientam na elaboração dos projetos -; buscando
destacar a atualidade e inovação das propostas
trazidas por Lina Bo Bardi.
Por fim, ao levantar e abordar sistematicamente parte da bibliografia acadêmica e de textos críticos produzidos sobre o programa Minha Casa,
Minha Vida e posteriormente sobre o concurso
Renova São Paulo, Victor Assuar Panucci, na pesquisa “Crítica e projeto”, procura identificar alguns
dos pontos centrais pelos quais o programa é re-
6
preendido por um lado e o concurso exaltado por
outro e, a partir desses, esboçar impasses enfrentados não apenas pela crítica, mas pelo campo da
arquitetura e do urbanismo hoje, no Brasil de forma
geral e especificamente em São Paulo. Destaca
assim como e em que termos algumas narrativas
consagradas nas abordagens críticas e historiográficas da arquitetura moderna das décadas de 1940
e 1950 continuam a reproduzir-se repetidamente
como ideários, até a contemporaneidade no campo.
A revista conta ainda com uma seção dedicada
à VIII Jornada de Iniciação Científica da Escola da
Cidade, composta por um breve relato da Comissão
Científica acerca da organização do evento; o registro da composição das mesas; além da relação
dos professores convidados a comentar os trabalhos e dos resumos das pesquisas.
Agradecemos aos demais membros da Comissão Editorial, do Conselho Consultivo e do Conselho
Científico da VIII Jornada de Iniciação Científica
que em muito engrandecem a revista com sua
participação e envolvimento; e também à Diretoria
da Escola da Cidade, ao Conselho Científico e à
Editora da Cidade, por encamparem essa iniciativa de construção de uma revista científica dedicada ao debate, reafirmando a relevância da pesquisa acadêmica na Escola da Cidade. Cabe ainda
agradecer e parabenizar os autores dos artigos por
suas reflexões de grande interesse e qualidade,
que, com o vigor de suas pesquisas e pontos de
vista, lançam luz nos horizontes sombreados do
contexto atual.
Marianna Boghosian Al Assal
Editora dos Cadernos de Pesquisa
da Escola da Cidade
artigos
8
Parecia com nossas casas, mas
era bem maior: introdução a
uma pesquisa interdisciplinar
sobre a arquitetura yanomami
Looked like our homes, but it
was much bigger: introduction
to interdisciplinary research
on yanomami architecture
Parecía nuestras casas, pero
era mucho más grande:
introducción a una investigación
interdisciplinaria sobre
arquitectura yanomami
Thiago Magri Benucci1
Orientador: Prof. Dr. Pedro Cesarino (FFLCH-USP)
Pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida desde
outubro de 2015 com financiamento FAPESP
Este artigo é um excerto e um
primeiro esboço teórico da pesquisa interdisciplinar, ainda em
andamento, intitulada “Casa-aldeia: microcosmo”. A pesquisa
procura aprofundar-se no estudo
da casa yanomami, para além de
sua estrutura física, mas também
em consonância com sua concepção de espaço, corpo e mundo.
Aqui, inicialmente se introduz
brevemente o problema do desconhecimento da complexidade
intrínseca às habitações indígenas, sobretudo no campo da arquitetura dita erudita. Em
seguida, serão introduzidos
alguns dos direcionamentos teóricos a partir dos quais a pesquisa se estrutura, sobretudo a “antropologia da arquitetura”. Na
segunda parte, núcleo principal
do artigo, é ensaiado um mergulho no estudo da casa yanomami,
a fim de demonstrar, por fim,
como a casa extrapola seus
limites físicos e atinge outros
níveis conceituais.
Palavras-chave
arquitetura; antropologia;
habitação indígena yanomami
This essay is an excerpt and a
first theoretical draft of the
ongoing interdisciplinary research “Casa-aldeia: microcosmo”. The research seeks to
develop the study of the yanomami house, beyond its physical
structure, and in relation with
the yanomami house, space, body
and world conceptions and
notions. In this paper, initially
the problem of the ignorance
about the intrinsic complexity of
the indigenous dwellings, mainly
in the architectural field, will be
shortly presented. Next, some of
the theoretical lines and directions that structure the research
will be introduced, especially the
“anthropology of architecture”.
In the second part, core of the
paper, there is a dive into the
study of the yanomami house, in
order to demonstrate, lastly, how
the house extrapolates its physical limits and reaches other conceptual levels.
Keywords
architecture; antropology;
yanomami indigenous dwellings
Este artículo es un extracto y un
primer bosquejo teórico de pesquisa interdisciplinario, todavía
en desarrollo, intitulado “Casa-pueblo: microcosmo”, que
trata de profundar en el estudio
de la casa yanomami, además de
la estructura física, pero también
en consonancia con su concepción del espacio, cuerpo y mundo.
Aquí, será inicialmente introducido brevemente el problema do
desconocimiento de la complejidad intrínseca de la vivienda
indígena, especialmente en el
campo de la arquitectura dicho
académica, y luego se introducirá algunas de las direcciones que
la investigación se estructura, en
especial la “antropología de la
arquitectura”. En la segunda
parte, núcleo del artículo, se experimenta una inmersión en el
estudio de la casa yanomami con
el fin de demostrar, por último,
como la casa va más allá de sus
límites físicos y alcanza otros
niveles conceptuales.
Palabras-clave
arquitectura; antropología;
viviendas indígenas yanomami
9
1. Introdução a uma pesquisa interdisciplinar
1.1. O problema da “oca”
Esteja onde estiver não é raro deparar-se com a
ideia generalizante e reducionista da oca2, entendida, talvez inconscientemente e/ou inconsequentemente, como a tradicional casa redonda, de
madeira e palha, do índio no Brasil. Em 2010, foram
listados pelo censo do IBGE duzentos e quarenta
e seis (246) povos indígenas e mais de cento e
cinquenta (150) línguas e dialetos indígenas no
Brasil (IBGE, 2010), distribuídos em dois grandes
troncos linguísticos - Tupi e Macro-Jê -, em dezenove (19) famílias linguísticas - como é o caso da
família Yanomami, composta de pelo menos quatro
línguas, cada uma delas subdividas em vários dialetos (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.553)3 - e ainda
em diversas línguas isoladas (IBGE, 2010). Considerando, em linhas gerais para efeito de estimativa, que as habitações de um determinado tronco
ou família linguística, embora possuam certas
características em comum, são normalmente distintas entre si, como é o caso dos Yanomami; e
considerando o expressivo número de grupos indígenas listados pelo censo de 2010, podemos
estimar que hoje existem, no mínimo, cerca de
duzentas e quarenta (240) diferentes tipos de “ocas”
no Brasil. Entretanto, não se surpreendam se nem
todas forem redondas ou mesmo nem se chamarem
de oca. Estamos diante de uma complexidade intrínseca e imensa. Se para cada povo indígena
houver uma concepção e visão de mundo distinta,
não poderíamos então imaginar para cada um
destes uma ideia e uma concepção de casa, física
ou metafísica, também distinta?
Procuraremos adentrar na complexidade intrínseca e muitas vezes ignorada das habitações
10
indígenas, a partir do estudo do modo de habitar,
construir e conceber a casa coletiva yanomami.
Vale dizer que este artigo é um dos produtos iniciais
de uma pesquisa de Iniciação Científica em andamento, inconclusa e em constante transformação,
intitulada “Casa-aldeia: microcosmo”, orientada
pelo Prof. Pedro Cesarino (DA/FFLCH/USP). Essa
pesquisa tem como principal ferramenta metodológica a revisão e a reflexão sobre a bibliografia
teórica relacionada ao tema das habitações indígenas, sobre os Yanomami e tantas outras discussões próximas, seja do ponto de vista da arquitetura ou da antropologia. Trata-se, então, de um
trabalho, de certo modo, experimental e aberto a
críticas, sugestões, revisões etc.
Ressalta-se, de modo singelo e modesto, o valor
deste artigo tendo em vista que no campo da arquitetura essa ideia generalizante e reducionista
da oca não é muito diferente do que no senso
comum. É nítida a lacuna no pequeno número de
estudos no campo específico da arquitetura, frente
a tamanha diversidade, variabilidade e complexidade. De um modo geral, a história, o ensino e a
prática da arquitetura continuam ainda ofuscadas
com períodos, lugares, personagens, e com os
grandes mestres de nossa história. Há, de fato,
inúmeras dificuldades conceituais em situar as
habitações indígenas nas discussões historiográficas da arquitetura e, sem sombra de dúvida, uma
reflexão adequada sobre este problema seria
assunto, eventualmente, para outro artigo. Aqui,
entretanto, algumas das ‘dificuldades’ serão tratadas de modo ligeiro, com o objetivo de problematizar a questão e introduzir o tema.
Nos diálogos cotidianos, nas entrelinhas do
discurso ou mesmo em sua própria ausência, as
casas indígenas, ocas e malocas são comumente
postas como algo primitivo, referente aos primór-
dios. Aparentam-se assim como mortas, passadas.
E ao mesmo tempo em que não figuram nos quadros
da arquitetura antiga, não constam nas discussões
da arquitetura contemporânea, pois afinal e supostamente sempre foram realizadas da mesma
maneira. Com isso, acabam, na maioria das vezes,
por ser enquadradas em mais um termo reducionista como o da arquitetura vernácula, tradicional,
popular, regional e semelhantes. São diversos os
trabalhos que tratam das construções indígenas
desta perspectiva, como por exemplo, o livro “Arquitetura popular brasileira” do arquiteto Gunter
Weimer (2005). Além disso, são frequentemente
vistas como construções inferiores, efêmeras, precárias e pobres, fadadas a desaparecer. E ainda
oferecem mais um desafio à compreensão e ao
patrimônio uma vez que são cotidianamente destruídas, construídas e reconstruídas, ano após ano,
sem grandes singularidades, muitas vezes em
lugares distintos, de modo coletivo pela comunidade em que se situa e com isso sem um autor-arquiteto reconhecido a quem se referenciar. Diferentes, portanto, dos vestígios das grandiosas obras
mesoamericanas ou andinas, estudadas a fundo
por historiadores, arqueólogos, antropólogos e
arquitetos; e vistas, sob a perspectiva popular, mas
não só, como a suposta alta-cultura arquitetônica
pré-colombiana. Enfim, toda a complexidade intrínseca às habitações indígenas é constantemente situada à margem da arquitetura erudita e com
isso, em certa medida, são obscurecidas, ignoradas
e desconhecidas.
Silvana Rubino (1996) colabora com esta reflexão inicial em um instigante artigo sobre o nascimento da ideia de preservação no Brasil e os anos
primordiais do Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, o SPHAN (atualmente chamado
de Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, IPHAN), sob a direção de Rodrigo Melo
Franco de Andrade. Rubino (1996, p.97) observa
que nos primeiros anos do SPHAN foi intenso o
trabalho de identificação dos bens que se referiam
à dita “nação brasileira”, em uma clara operação
de passar a limpo a história do que chamamos de
Brasil. Segundo a autora, este inventário inventado do Brasil histórico e artístico “documenta fatos
históricos, lugares hegemônicos e subalternos,
mapeando não apenas um passado, mas um
passado que essa geração tinha olhos para ver e,
assim, deixar como legado” (RUBINO, 1996, p.97).
Com isso, ressalta como o SPHAN, frente a um
território imenso e complexo, desenvolveu suas
atividades e voltou seus olhares de modo marcadamente desigual. Estabelecendo um paralelo com
a discussão das construções indígenas, talvez bastasse mencionar que o Amazonas foi o último
estado da nação a entrar para o conjunto de bens
tombados, tendo como seu representante, por assim
dizer, o eclético Teatro Amazonas (RUBINO, 1996,
p.98). Com isso, como nota Rubino, “ao ganhar um
número de inscrição o bem adquire uma segunda
existência: passa a fazer parte do modelo reduzido
de um país imaginado” (1996, p.98), e assim por
vezes sobrepõe às múltiplas construções dos povos
autóctones, fatos e “personagens ilustres, que caminham entre pontes e chafarizes” (RUBINO, 1996,
p.98). Neste período que compreende os anos da
criação do SPHAN e da gestão de Rodrigo Melo
Franco de Andrade, de 1937 a 1967, esse conjunto
de mais de seiscentos bens tombados que, segundo
Rubino “podemos chamar de modelo reduzido,
seria a marca da cultura e da civilização, oposição
e resposta a categorias como território, paisagem,
natureza. [...] Rodrigo chegou a chamar esse conjunto de documentos de identidade” (1996, p.98).
Mais do que isso, “o conjunto eleito revela o desejo
por um país passado, com quatro séculos de história, extremamente católico, guardado por
canhões, patriarcal, latifundiário, ordenado por
intendências e casas de câmara e cadeia” (RUBINO,
1996, p.98).
De modo bastante contraditório, em 1936,
Rodrigo Melo Franco de Andrade, durante intensas
campanhas pela criação do SPHAN, “declarava que
o Brasil possuía valores artísticos que, embora não
tendo o mesmo porte daqueles encontrados na
Grécia, Itália ou Espanha, apresentariam grande
interesse se não fossem medidos apenas por um
modelo clássico” (apud RUBINO, 1996, p.103). Com
isso, segundo Rubino, “se uma das questões que
envolviam a criação [...] era igualar o Brasil às
nações civilizadas, aqui tínhamos o que na Europa
era cobiçado e admirado: o folclore, a arte etnográfica” (1996, p.103). As ideias expostas por Mario
de Andrade em seu projeto inicial para o SPHAN
eram de fato interessantes e promissoras:
[…] um inventário que abrangesse tanto a arte
primitiva como a de influência europeia terminaria por romper os limites cronológicos da
história de um país novo. Nossa história, afirmava, se alonga para trás muito além de 1500
e também não se sujeita aos limites espaciais,
abrangendo os três continentes e as nações de
que o Brasil procede. (RUBINO, 1996, p.103)
Em consonância com a conclusão de Rubino,
podemos pensar que “caso a prática do SPHAN
tivesse cumprido essa disposição mais etnográfica,
a preservação que marcou a história do barroco
11
no Brasil poderia ter trazido à tona esses itens mais
‘exóticos’” (1996, p.103), e com isso, provavelmente, teríamos outra relação com as construções e as
noções de casa e cultura dos povos ameríndios, “e
certamente no Amazonas, por exemplo, teríamos
mais do que o teatro do ciclo da borracha” (RUBINO,
1996, p.103).
De forma análoga nesse ponto à reflexão de
Rubino e, ao mesmo tempo, ampliando ainda mais
a questão, o arquiteto Paulo Mendes da Rocha, em
uma recente entrevista, questiona a possibilidade
de pensar uma “arquitetura brasileira”. Segundo
a reflexão sugerida pelo arquiteto, talvez assumir
a ideia de uma “arquitetura brasileira” seja corroborar com a invisibilidade e as violências cometidas
após séculos de omissões e violências físicas, territoriais, sociais e ontológicas da qual passaram os
povos indígenas brasileiros e americanos. Assim,
ao mesmo tempo, o arquiteto reforça, em certo
sentido e com outros termos, a proposta deste artigo:
Talvez seja melhor dizer que não há e nem
deveria haver uma “arquitetura brasileira”.
Não faz muito sentido, para mim, defender um
caráter nacional. O que, entretanto, se pode
imaginar de modo sadio é que há algo de peculiar na experiência da América. O colonialismo produziu horrores porque não soube (e
nem pretendeu) ler a experiência dos nativos.
(MENDES DA ROCHA apud WISNIK, 2012, p.209)
Há, nesta breve fala de Paulo Mendes da Rocha,
algo excepcionalmente instigante. Não se trata aqui
de defender um caráter nacional com base no que
chamamos e concebemos como História. Primeiramente, estamos dialogando com povos que simplesmente não concebem a História como nós
concebemos, não se pensam historicamente como
nós nos pensamos. Qual o sentido então de tentarmos inclui-los em determinada historiografia?
Bem, talvez nenhum. Mais importante do que isto,
talvez fosse justamente, como afirma Mendes da
Rocha, a experiência. Faltam-nos, na arquitetura
de um modo geral, a sabedoria e a pretensão de
ler, compreender, debruçarmos sobre essa experiência, em todos seus sentidos.
O historiador da arquitetura Joseph Rykwert
(2015) compartilhou dessa angústia em relação à
tremenda falta de profundidade em que as habitações dos povos autóctones costumam figurar em
ricamente ilustrados livros e catálogo de exposições
de arquitetura. Em particular, Rykwert (2012, p.7)
parece irritar-se com a célebre exposição realizada
no MOMA em 1964, conhecida pelo livro catálogo
que originou, relacionada ao arquiteto Bernard
Rudofsky, “Architecture Without Architects”, cujas
12
“sedutoras imagens [...] foram apropriadas pelos
críticos do modernismo como composições abstratas surgidas por acaso, isoladas de qualquer lugar
ou contexto conceitual” (Rykwert, 2015, p.20).
Rykwert (2012, p.7) afirma ainda que a resposta a
esse incomodo teria sido um de seus motivos condutores de sua rica pesquisa teórica. Contrário às
respostas dos ditos críticos do modernismo, Rykwert
resume então seu principal questionamento teórico,
e assim, compartilha também com este trabalho,
em linhas gerais, seu questionamento principal:
“[...] de que modo essas formas que admiramos
foram geradas pelo pensamento de seus construtores, e de que modo esse pensamento guiou a mão
que as executou me pareceu a questão mais interessante e mais urgente a ser considerada pelos
meus contemporâneos” (2012, p.7).
Corroborando com essa discussão, mesmo que
sob outro ponto de vista e alguns anos antes, Lévi-Strauss assinala que “existem alguns estudos desse
gênero, mas que raramente ultrapassam o nível
descritivo e, quando o fazem, é com notável timidez”
(2008, p.315). Embora Lévi-Strauss, escrevendo em
1958, referia-se as correlações que podem existir,
mesmo que ninguém tenha procurado, entre a
configuração espacial dos grupos e os demais aspectos de sua organização social - “[...] como se [a
aldeia] fosse uma espécie de diagrama [da estrutura social] traçado num quadro-negro” (LÉVI-STRAUSS, 2008, p.316) -, tratamos, em certa medida,
do mesmo assunto: a falta de profundidade versus
tímidas descrições no estudo das variadas habitações dos povos indígenas do Brasil e das Américas.
Entretanto, cinquenta e oito anos depois seria
injusto e insensato compartilhar a afirmação de
que “ninguém procurou” certo aprofundamento
no estudo das habitações dos povos autóctones e
as correlações possíveis entre as estruturas sociais
e as diferentes visões de mundo de cada povo
(LÉVI-STRAUSS, 2008, p.315). Uma série de pesquisadores, de fato, procuraram certo aprofundamento teórico, dentre arquitetos e antropólogos4, e
outros focaram em seguir por um método de cunho
descritivo, fazendo o notável esforço de situar as
habitações indígenas no panorama da história da
arte e arquitetura brasileira5. A questão que permanece, por outro lado, é que o conhecimento
geral e mesmo as discussões dentro da escola de
arquitetura sobre os mais variados modos de
habitar dos indígenas continua ainda deveras superficial e, no limite, inexistente.
É sabido que esta questão não é nova. Em 1923,
Le Corbusier fazia para si um questionamento
similar: “A maioria dos arquitetos não teria esque-
Figura 1. Différentes formes de huttes des sauvages
bréziliens (Diferentes formas de cabanas dos índios
brasileiros), de Jean Baptiste Debret, 1834. Em Voyage
pittoresque et historique au Brésil, Debret antecede
esta litografia com uma breve introdução e descrição
dos 11 abrigos representados e referentes aos índios
Puris (1); Pataxós (2); Mundurukus (3); povos nômades
em geral (4); Botocudos (5); grupos “já mais ou menos
civilizados” como os Puris, Camacans e Coroados (6);
Coroados (7); caboclos do Cantagalo, em São Pedro de
Cantagalo na província do Rio de Janeiro (8); Coroados
(9); e Guaianás (10-11). Reside aqui o interesse de
Debret em demonstrar a variedade dos tipos, formas e
soluções das diferentes cabanas dos indígenas e
caboclos brasileiros, vistos como “construtores”, como
ressalta o pintor e desenhista francês. Fonte: DEBRET,
Jean Baptiste. Voyage pittoresque et historique au
Brésil. vol.1, pl.26. Paris: Institut de France, 1834.
Acervo Digital Biblioteca Brasiliana Guita e José
Mindlin. Domínio Público. Disponível em: <http://goo.
gl/34K3Fm>. Acesso em: 29/02/2016.
13
cido hoje que a grande arquitetura está nas próprias origens da humanidade e que é função direta
dos instintos humanos?” (2009, p.44). Bem, tendo
em vista que a arquitetura não parte simplesmente de um instinto, ou um impulso natural independente da razão ou da faculdade do pensamento e
sim, é fruto justamente dessa construção racional,
a qual o próprio autor tratará (CORBUSIER, 2009,
p.43 et seq.), Le Corbusier estabelece um ponto
para reflexão bastante interessante. Se “a arquitetura é a primeira manifestação do homem
criando seu universo [...]” (CORBUSIER, 2009, p.43),
ou seja, é o estabelecimento da ordem contra a
desordem e o caos, não há então um “homem primitivo; há meios primitivos”, pois “potencialmente, a ideia é constante desde o começo” (CORBUSIER,
2009, p.43): abrigar, construir, criar, organizar e
ordenar o espaço, e com isso o próprio corpo e o
universo em que habita. Em outras palavras, Corbusier propõe que arquitetura dita primitiva seja
colocada no mesmo patamar hierárquico da arquitetura erudita, afinal sua única diferença lhes
são os meios, bem como seus métodos, modos,
maneiras e significados. Ou ainda, como diria Paulo
Mendes da Rocha (MENDES DA ROCHA apud
WISNIK, 2012, p.209), a experiência.
1.2 “Antropologia da arquitetura”
A fim de colaborar aos estudos relacionados ao
tema das habitações indígenas, bem como para o
preenchimento desta lacuna teórica, ainda que de
modo pontual, há de se pensar aqui, um método
alternativo a generalidade que permeia a discussão.
Um método, talvez, que se posicione mais próximo
do outro, através da experiência etnológica, e neste
caso, através dessa experiência interdisciplinar
arquitetônica e antropológica. Para isso, devemos
relativizar nosso próprio campo de conhecimento,
suspender nossas próprias crenças, valores e concepções, evitando assim conclusões precipitadas,
reducionistas ou preconceituosas, a fim de “construir uma experiência alargada” (MERLEUAU-PONTY, 1989, p.199) através do contato com outros
regimes de pensamento e outras noções de casa
que não as nossas. Em suma, aceitar o desafio
proposto pela antropologia e pela etnologia, através
da “[...] incessante prova de si pelo outro e do outro
por si” (MERLEUAU-PONTY, 1989, p.199). Assim, se
“o objeto é ‘outro’”, devemos nos transformar: “ver
o que é nosso como se fôssemos estrangeiros, e
como se fosse nosso o que é estrangeiro” (MERLEUAU-PONTY, 1989, p.200).
14
Entrar em contato com uma casa de uma cultura
distinta, distante e, em boa medida, desconhecida
não só implica essa troca de perspectiva de si pelo
outro, como equivale, em certa medida, a entrar
em um pensamento estrangeiro, em uma sensibilidade outra e em outro modo de ser que não o seu.
A partir dos trabalhos de Roger Neich acerca do
simbolismo6 cosmológico da casa coletiva maori, o
antropólogo Alfred Gell ilustra essa perspectiva:
To enter a house is to enter a mind, a sensibility;
[…] is to enter the belly of the ancestor and to be
overwhelmed by the encompassing ancestral
presence; overhead are the ribs of the ancestor,
in the form of the superbly decorated rafters,
which converge towards the ancestral backbone,
the ridge-pole - the fountainhead of ancestral
continuity. (GELL, 1998, p.253)
Entrar em uma casa é, portanto, entrar em uma
sensibilidade, um pensamento, um modo de ser,
ver, agir e viver. Consequentemente, é também
deparar-se com o Outro:
To enter another culture is to stand nervously in
front of an alien house and to step inside a world
of unfamiliar objects and strange people, a maze
of spatial conventions whose invisible lines get
easily scuffed and trampled by ignorant foreign
feet. (CARSTEN; HUGH-JONES, 1995, p.04)
É deste modo que Carsten e Hugh-Jones, na
introdução do livro About the House7, ilustram a
experiência do contato com uma cultura desconhecida, sob a perspectiva da pesquisa etnográfica, problematizando assim a abordagem normalmente dada pelo etnólogo em relação à casa:
But these first, revealing, architectural impressions, reinforced by the painful process of learning who is who, who and what lives where, and
what to do where and when, soon fade into the
background to become merely the context and
environment for the increasingly abstract and
wordy conversation of ethnographic research.
In time, for both anthropologists and their hosts,
much of what houses are and imply becomes
something that goes without saying. (CARSTEN;
HUGH-JONES, 1995, p.04)
Carsten e Hugh-Jones estabelecem assim uma
interessante ressonância com as ideias apresentadas anteriormente e sugerem, do mesmo modo,
que a casa, tanto pelo antropólogo quanto pelo
arquiteto, não deve ser compreendida isoladamente de um sistema espacial e social mais amplo. Deve
ser entendida como parte integrante da cultura e
da cosmologia de um determinado povo. Por outro
lado, reforçam também o interesse e a validade,
seja aos arquitetos ou aos antropólogos, em se
debruçarem mais atentamente e com mais profundidade sobre o tema da casa e com isso sugerem
uma oportuna e possível fusão entre campos: a
“antropologia da arquitetura” (CARSTEN; HUGH-JONES, 1995, p.02). Segundo os autores, ao mesmo
tempo em que a arquitetura tem sido em parte
negligenciada pela antropologia (HUMPHREY apud
CARSTEN; HUGH-JONES, 1995, p.03), a arquitetura
tem deixado de lado as informações e reflexões a
cerca da organização social dos que ali habitam
(CARSTEN; HUGH-JONES, 1995, p.04). Deste modo,
acreditam ser possível um passo adiante, uma
leitura mais holística da casa, em busca de uma
“linguagem alternativa” que permita unir aspectos
da casa anteriormente tradados separadamente.
De acordo com a proposta teórica interdisciplinar da antropologia da arquitetura, nas páginas
seguintes seguiremos com o objetivo principal de
aprofundar o estudo das habitações indígenas, em
particular a casa e as várias noções de casa yanomami. Neste sentido, procuraremos discorrer mais
do que sobre sua estrutura física, mas também sobre
suas outras facetas, outras noções em torno da ideia
da casa e da arquitetura yanomami, conduzindo-nos
a uma leitura mais abrangente e mais holística, em
consonância com a organização social yanomami
e suas concepções de espaço, corpo e mundo.
Tomaremos como início desta reflexão as variadas espécies vegetais utilizadas na construção
da casa, de modo que poderemos ver como determinada variabilidade opera não só no sentido
prático construtivo, mas também na concepção
das múltiplas formas de habitar e construir yanomami. Em seguida, veremos uma possível unidade
conceitual entre todas estas formas a partir do
ritual funerário sabonomo. Veremos também, como
se dá a relação intrínseca entre indivíduo-comunidade-casa-aldeia, tanto a partir da casa entendida como um importante referencial sócio simbólico da identidade coletiva, quanto da casa como
um nó de uma extensa rede de relações que
compõem o tecido social yanomami. Por fim,
veremos como a noção de casa extrapola a dimensão física e chega a outros níveis conceituais, visíveis e invisíveis, do corpo ao cosmos.
2. Yano, xapono ou sai a: a casa
como noção essencial
2.1 Entre os modos de construir e o modo de
conceber: uma unidade conceitual em uma
galáxia de variações infindáveis
A notável diversidade de espécies vegetais utiliza-
das na construção da casa coletiva de Watorikɨ8
demonstra um primeiro aspecto da complexidade
arquitetônica yanomami. Foram registradas cinquenta e duas espécies vegetais utilizadas dos
pilares à cobertura; no entanto, foram notadas
algumas nomenclaturas botânicas yanomami que
se referiam a mais de uma espécie, normalmente
do mesmo gênero ou família, sendo assim provável
que este número seja ainda maior. Como a espécie
sikäri a, que se refere a três espécies da família
Myristicaceae - angiospermas de troncos retos não
ramificados -, utilizadas, dentre outras espécies,
como vigas principais de cobertura, com cerca de
nove metros de comprimento (ALBERT; MILLIKEN,
1997, p.222). Em contrapartida, é igualmente
possível verificar a situação inversa, na qual mais
de um nome é utilizado para uma única espécie
numa mesma comunidade, possivelmente “em
razão da heterogeneidade de sua composição sócio
histórica (caso de uma aldeia formada por grupos
de falantes migrantes de regiões diferentes)”
(ALBERT; MILLIKEN; GOMEZ, 2009, p.28)9. Como,
por exemplo, a árvore Aspidosperma nitidum - popularmente chamada em português como carapanaúba - utilizada pelos Yanomami para fabricação
de cabos de machado e também para uso medicinal no tratamento da malária, e conhecida em uma
mesma aldeia tanto por hura sihi quanto por poo
hetohʰni (“árvore de cabo de ferramenta”) (ALBERT;
MILLIKEN; GOMEZ, 2009, p.102). Não existe,
portanto, um “saber etnobotânico yanomami fixo,
homogêneo no tempo e no espaço, potencialmente totalizável numa pesquisa” (ALBERT; MILLIKEN;
GOMEZ, 2009, p.28). O que existe, segundo afirma
Albert, Milliken e Gomez, é “uma imensa galáxia
de conhecimentos yanomami sobre as plantas, em
processo permanente - individual e coletivo, local
e regional - de recomposição e experimentação”
(2009, p.28). O mesmo poderia ser dito em relação
à casa: não existe um único modo de construir e
tampouco de habitar, e assim, não há um único
modelo fixo ou restrito à ser seguido. Pelo contrário, a casa se situa em complexa dinâmica de constantes transformações. Entretanto, como veremos
mais adiante, isto não quer dizer que não há ordem,
ou unidade, alguma.
É necessário recordar que o exemplo citado
acima trata de apenas uma casa e uma aldeia, uma
casa-aldeia10 por assim dizer, dentre um conjunto
de cerca de seiscentos e quarenta (640) comunidades. Desta maneira, essa aproximação das espécies
utilizadas na construção da casa de Watorikɨ ilustra
apenas uma pequena parte da complexa variabi-
15
lidade dos modos de construir e do saber etnobotânico yanomami, ambos em constante reorganização interna (ALBERT; MILLIKEN; GOMEZ, 2009,
p.28). Nessas mais de seiscentas comunidades, o
território yanomami conta com mais de trinta e
três mil (33.000) pessoas, subdivididos em cinco
subgrupos - Yanomamɨ, Yanomam, Sanöma (mais
comumente grafada entre os pesquisadores como
Yanomami e Sanumá), Ninam e Ỹaroam (FERREIRA, 2011) - com variadas línguas e dialetos aparentados e parcialmente inteligíveis, ocupando
uma área de aproximadamente duzentos e trinta
mil quilômetros quadrados (230.000 km²), próxima
da área total do Reino Unido, em ambos os lados
da fronteira entre o Brasil - nas bacias do Alto Rio
Branco e Rio Negro - e a Venezuela - nas bacias
do Alto Orinoco e Cassiquiare (KOPENAWA;
ALBERT, 2015, p.44). As comunidades são geralmente formadas por uma grande casa coletiva
(conhecida também como maloca) com forma
troncônica (como é o caso de Watorikɨ) ou cônica
(chamadas de yano ou xapono, respectivamente),
ou por várias casas coletivas menores, ou por uma
casa coletiva maior e pequenas habitações de
formato diverso, ou ainda por um conjunto de
pequenas casas retangulares (chamadas de sai a,
sendo esta mais comum entre o subgrupo sanumá)
[ver imagem 02].
Além disso, cada comunidade é em geral constituída de um conjunto de parentes cognáticos reais
ou classificatórios corresidentes, unidos por repetidos laços de intercasamento (KOPENAWA;
ALBERT, 2015, p.564) e considera-se politicamente
e economicamente autônoma, embora mantenham
relações multicomunitárias de troca matrimonial,
cerimonial e econômica com vários grupos Yanomami circunvizinhos através de uma extensa rede
de caminhos pela floresta (ALBERT; MILLIKEN;
GOMEZ; 2009, p.13). Dessas seiscentos e quarenta
comunidades, podemos dizer que cada uma dessas
possui uma configuração específica: variam não
só de subgrupo a subgrupo, como também de assentamento a assentamento, e de região a região.
Uma especificidade da casa de Watorikɨ apresenta um exemplo interessante desta variabilidade das técnicas de construção yanomami. Segundo
Albert, Milliken e Gomez, “as casas troncônicas
anteriormente habitadas pelo grupo, como ainda
é o caso na maioria das comunidades yanomami
da região, possuíam apenas um teto principal inclinado para fora e uma parede exterior” (2009,
p.86). Entretanto, a casa de Watorikɨ apresenta,
além do telhado cuja água aponta para o exterior,
um telhado interno inclinado para a praça central,
16
“que tem a vantagem de fornecer sombra durante
todo o dia” (ALBERT; MILLIKEN; GOMEZ; 2009,
p.86). Segundo os autores, esta foi uma “inovação
recente, emprestada dos Yanomami ocidentais da
aldeia de Kapirota u, localizada no rio Jutaí, afluente do rio Demini” (ALBERT; MILLIKEN; GOMEZ;
2009, p.86). Destacam ainda que, além das técnicas
de construção e da morfologia em si, é notável a
expressiva diferença de espécies utilizadas em
cada casa coletiva, variando de região a região:
“um rápido levantamento durante a construção
da casa coletiva de Tirei, na região de Homoxi,
demonstrou consideráveis diferenças na escolha
de madeiras em comparação com a casa de Watorikɨ” (ALBERT; MILLIKEN; GOMEZ; 2009, p.82).
Essa dinamicidade e, essencialmente, “essa
capacidade do modelo tradicional da casa yanomami de se reproduzir por meio de sucessivas
inovações materiais, técnicas e arquiteturais”
(ALBERT; MILLIKEN; GOMEZ; 2009, p.87), adquiridas e adaptadas com base em relações de contato
com outros povos indígenas vizinhos, como os
Yekuana, ou mesmo do contato com os napë (termo
em Yanomam, subgrupo da família linguística
yanomami, que designa os inimigos e forasteiros
não indígenas, e posteriormente os brancos), “constitui um exemplo microestrutural [...] do processo
de mudança na continuidade e de estabilidade na
transformação que caracteriza todas as dimensões
da sociedade e da cultural yanomami” (ALBERT;
MILLIKEN; GOMEZ; 2009, p.88). No entanto, nessa
“imensa galáxia de conhecimentos” (ALBERT;
MILLIKEN; GOMEZ; 2009, p.28) constituídas de
distintas formas de ocupação e construção com
dezenas, senão centenas, de variedades vegetais
em um amplo conjunto de mais de seiscentas
aldeias yanomami possuem uma unidade que
mesmo aparentemente ocultas na construção física
são reveladas, conceitualmente, através do ritual
funerário sanumá, o sabonomo11.
A casa sanumá, como foi mencionado anteriormente, difere consideravelmente das imponentes
e conhecidas construções cônicas ou troncônicas
(anulares) dos Yanomamɨ e Yanomam. Ao contrário, “são geralmente construções retangulares de
duas águas, várias em número, dispostas de
maneira aparentemente aleatória e até displicente, sem uma orientação definida” (RAMOS, 1990,
p.41). Também não possuem um pátio central
interno bem conformado e delimitado pela forma
circular da casa, considerado como “o coração
cerimonial dessas comunidades” (RAMOS, 1990,
p.41). No entanto, assim como para os outros subgrupos, são com os “rituais dos mortos, as discus-
Figura 2. Resultado de busca de imagens no Google
para a palavra “yanomami”. Nestas, são visíveis
a complexa variedade de tipos e formas de casas
coletivas yanomami, sejam estas troncônicas, cônicas,
várias casas coletivas menores, uma casa coletiva
maior e pequenas habitações de formato diverso,
ou ainda por um conjunto de pequenas casas
retangulares. Fonte: Imagens Google. Disponível em:
<https://goo.gl/IgNn5Q>. Acesso em: fev. 2016.
17
sões acaloradas, as grandes sessões xamanísticas,
os debates interfamiliares e intercomunitários, os
duelos e muita brincadeira de criança” que o espaço
entre as casas, aparentemente disforme e desordenado, é transformado em praça cerimonial,
mesmo que sem contornos físicos bem delimitados.
Segundo Ramos, a concepção da aldeia sanumá
“pode ficar bem mais complexa”, em comparação
às grandes casas coletivas dos outros subgrupos,
“se prestarmos atenção à linguagem que denuncia
dimensões escondidas nessa modéstia arquitetural”
(RAMOS, 1990, p.41).
As diferentes grafias para “casa”, entre os subgrupos linguísticos sanumá (sai a), yanomamɨ
(xabono, xapono ou shapono) ou yanomam (yano)
revelam que mesmo com essa diferença, nenhum
desses termos têm seu significado restrito à construção física da casa: “em cada um desses vocábulos está inscrita uma carga semântica muito mais
densa, fazendo das casas yanomami verdadeiros
microcosmos sociais e simbólicos” (RAMOS, 1990,
p.41). Deste modo, “tanto yano como xabono referem-se a casas redondas, comunais, com as fogueiras domésticas ao redor das paredes e o pátio
central, onde se realizam os cerimoniais dos mortos,
chamados de reahu” (RAMOS, 1990, p.43). A casa
sanumá (sai a), por sua vez, por mais que não apresente e não contenha a definição de um espaço
cerimonial claramente delimitado pela sua própria
forma ou vazio, segundo Ramos, esse espaço existe
conceitualmente através do ritual funerário sabonomo. Para os sanumá, o termo sabonomo corresponde ao termo em yanomam reahu, e apresenta
uma interessante relação do ponto de vista morfológico e semântico com o xabono. Segundo Ramalho,
sabonomo (ou xaponomou, como originalmente
refere-se o autor) “pode ser traduzido como ‘construir uma casa coletiva’” (2008, p.148). O significado da palavra shaponomou na língua Yanomamɨ
corresponde a esta afirmação: shaponomou quer
dizer também fazer, construir, reparar ou manter
uma casa coletiva (LIZOT, 2004, p.380).
Com algumas pequenas variações, pode-se dizer
que o rito funerário yanomami tem a mesma estrutura em todos os subgrupos (LIZOT, 2004, p.380).
A morte no universo yanomami, “além de reavivar
os feitos do morto [...] faz os parentes relembrarem
uma série de incidentes e eventos que marcaram
a vida da pessoa [...]” (GUIMARÃES, 2010, p.112).
Ao recompor esta espécie de biografia do falecido,
compõe-se também a história das relações sociais
mantidas por ele (GUIMARÃES, 2010, p.113). Retratando estes momentos, e principalmente os
conflituosos, é na cerimônia funerária o momento
18
de esquecê-los (falaremos também sobre o “esquecimento material” mais adiante). Para isso, é “necessário reapresentá-lo para depois destruí-lo”
(GUIMARÃES, 2010, p.112). Celebra-se o morto com
uma grande reunião de aliados, oriundos de diversas casas-aldeias dos arredores. Com isso, o
sabonomo se torna o lugar de selar alianças e de
criar ou reforçar a diplomacia entre as aldeias.
Deste modo, ao celebrar o morto e reunirem-se
com os aliados, os sanumá “fazem o xabono” (GUIMARÃES, 2010, p.115), como se o tratamento cerimonial do morto supusesse a convivência dele com
os outros, e, com isso, reforçasse alianças entre as
aldeias. Segundo complementa Guimarães, “além
da celebração do morto, o termo sabonomo enfatiza a necessidade de se reunir ou estar com outros”
(GUIMARÃES, 2010, p.112). Nesses momentos de
encontro entre aldeias trocam-se bens, informações
e relações sexuais e matrimoniais; além de rememorarem alianças e conflitos de outrora vividos
pelo falecido (GUIMARÃES, 2010, p.112). Com isso,
o sabonomo literalmente “faz o xabono” na medida
em que reforça e consolida alianças, e assim faz,
constrói, repara e mantém as comunidades. Neste
sentido, é interessante notar a palavra, em
Yanomam, yano thëri thëpë, que estabelece essa
correspondência entre casa-comunidade, assim
como foi sugerida pelo termo ‘casa-aldeia’ mencionado anteriormente: yãno a (yano) significa
‘casa’ e yano thëri thëpë, significa comunidade. Portanto, o ritual funerário sanumá além de
operar como espaço de troca simbólica intercomunitária, conecta e relaciona diretamente o modo
de construir e habitar sanumá aos seus respectivos
subgrupos. Deste modo, diferenças e transformações morfológicas e espaciais são superpostas por
seu sentido essencial, gerando assim uma unidade
conceitual. Ao “fazer o xabono” os sanumá concebem para si o espaço cerimonial que, “se algum
dia existiu em suas vidas, hoje se deixa antever no
imaginário do não-cotidiano” (RAMOS, 1990, p.43).
Com isso, percebemos que a casa para os Yanomami não se reduz simplesmente à sua forma física,
ou aos seus detalhes construtivos ou mesmo às
espécies vegetais utilizadas. As casas são, portanto,
mais do que um edifício, uma noção essencial
(CESARINO, 2011, p.53).
2.2. Somos a caça que mora em casas: identidade, comunidade e agência coletiva
A correspondência ‘invisível’ da casa sanumá (sai
a) com as demais tipologias construtivas yanomami
(xapono e yano, por exemplo) demonstra não
somente um sentido de unidade e uma ideia em
comum entre elas, mas extrema também a relação
sugerida por Lévi-Strauss (1996), em “Tristes Trópicos”, entre as concepções de espaço e as identidades coletivas. De modo que a casa não se configura somente como uma referência da organização
social e da identidade coletiva (LÉVI-STRAUSS, 1996),
mas é por si só um sujeito e, por essência, um sujeito
coletivo, um grupo-sujeito (RAMALHO, 2008, p.25).
Façamos uma breve incursão à cosmologia
yanomami. Nos tempos primeiros, antes mesmo
da existência do demiurgo Omama, recriador do
mundo ordenado em que estamos, os ancestrais
míticos eram humanos com nomes de animais,
incestuosos e canibais. Estes são chamados de
Yarori pë: a raiz yaro significa animal; -ri, refere-se ao que se refere ao tempo das origens, não
humano, superlativo, supernatural, monstruoso,
excessivo, de extrema intensidade; e pë, sua forma
plural (ALBERT, 2009, p.151). Após tempos e tempos
de práticas aberrantes e canibais, opostas as
normas sociais do presente, estes seres primeiros
foram divididos em duas classes, tais quais vemos
hoje, no presente. Alguns destes, perderam sua
proto-forma humana, e de humanos-animais
míticos, transformaram-se nos animais, urihi
tʰeripë, os verdadeiros habitantes da floresta como estes se consideram - e do ponto de vista
yanomami, em caça. Enquanto isso, os humanos,
ou o que chamamos de os Yanomami, descendentes de Omama, transformaram-se no que se autodenominam yahi tʰeripë, povo de casa (“house
people”), habitantes por essência das casas coletivas (ALBERT, 2009, p.151):
Os Yanomami [i.e. humanos] queixadas viraram
queixadas; os Yanomami veados viraram
veados; os Yanomami cutias viraram cutias; os
Yanomami araras viraram araras. Eles assumiram a forma dos queixadas, dos veados, das
cutias e das araras que habitam a floresta hoje
em dia. São esses antepassados transformados
que caçamos e comemos. [...] Eles eram humanos
e se transformaram em caça. Nós os vemos
como animais, mas são Yanomami. São simplesmente habitantes da floresta. Somos semelhantes a eles, também somos caça. Nossa carne
é idêntica, não fazemos senão trazer o nome
de humanos. No começo do tempo, quando
nossos antepassados ainda não tinham se transformados em outros, éramos todos humanos:
as araras, os tapires, os queixadas, eram todos
humanos. Depois, esses antepassados animais
se transformaram em caça. Para eles, porém,
somos sempre os mesmos, somos animais
também; somos a caça que mora em casas, ao
passo que eles são os habitantes da floresta
(KOPENAWA; ALBERT, 2003, p.75).
Ao perguntar a um determinado sujeito de uma
determinada aldeia (ou casa-aldeia), digamos que
da casa-aldeia de Watorikɨ, “o que ele é”12, ele responderá “sou watorikɨtheri”. Isto quer dizer que
“um Yanomami se define face a outro declarando
sua pertença a uma comunidade” (KOPENAWA;
ALBERT, 2003, p.24), aproximando assim a relação
entre indivíduo-comunidade-casa-aldeia. Isto se
expressa acrescentando o sufixo -teri ou -theri”13
no nome da respectiva aldeia a qual pertence
(KOPENAWA; ALBERT, 2003, p.75). Algumas variações deste modelo podem ocorrer, por exemplo
um grupo que muda para uma outra aldeia, com
um outro nome, e mantêm o mesmo nome da aldeia
passada etc (KOPENAWA; ALBERT, 2003, p.75).
Parece, portanto clara a importância da casa
e da aldeia como referência sócio-simbólica da
identidade. Mas como a casa pode ser entendida
como um sujeito, um sujeito coletivo ou mesmo
um grupo-sujeito?
Vale recordar brevemente o tabu em torno do
nome dos mortos e do sigilo que cerca os nomes
pessoais. O nome dos mortos representa um profundo desrespeito aos entes próximos do falecido
pelo simples fato de lembrar a existência passada
do sujeito, através de seu nome pessoal, no
momento ao qual, após o rito funerário, o mesmo
deveria ser completamente esquecido (KOPENAWA;
ALBERT, 2003, p.29). Em relação aos nomes pessoais, estes são e devem ser preservados, em certa
medida, do domínio público (RAMOS, 1990, p.228)14.
Não se trata aqui de aprofundarmos nesse assunto,
no entanto, o interesse reside justamente na consequência desse certo tabu ou sigilo em relação
aos nomes: nos relatos feitos pelos Yanomami
“jamais é adotado o ponto de vista de alguém ou
de uma família em particular - trata-se sempre da
comunidade, da aldeia” (RAMALHO, 2008, p.29).
De um modo geral, “todo Yanomami se define em
relação ao pertencimento a um coletivo discreto,
um nós” (RAMALHO, 2008, p.24).
Ramalho comenta sobre uso do pronome
inclusivo pëmakɨ (2ª pessoa do plural inclusiva),
utilizado principalmente entre os Yanomami
ocidentais.
Certamente, seu emprego, como o de todos os
pronomes, depende do contexto e é relativa ao
englobamento ou não do(s) interlocutor(es) ao
nós - no caso contário utiliza-se o pronome
yamakɨ. Entretanto, notei que a utilização do
19
pronome pëmakɨ em discursos e pronunciamentos públicos sempre se dava quando o auditório se reduzia aos próprios membros da
aldeia; ou seja, o limite do nós inclusivo se situa
nos muros da própria aldeia, ou melhor dizendo,
nas paredes do xapono. (RAMALHO, 2008, p.35)
Com isso, percebe-se que no “contexto de relações entre indivíduos e grupos Yanomami, a referência, o ponto de partida, é sempre essa comunidade” (RAMALHO, 2008, p.35), a casa-aldeia por
assim dizer, “é jamais a parentela imediata, ou um
grupo qualquer de comunidades” (RAMALHO,
2008, p.35). Aproximamo-nos assim de entendimento da casa como sujeito coletivo, ou ainda, da
ideia sugerida por Gell (1998, p.252) da casa como
detentora de uma agência coletiva15. Se o uso do
pronome inclusivo pëmakɨ só é utilizado quando
o nós refere-se exclusivamente aos habitantes da
mesma casa-aldeia e consequentemente quando
se situam dentro do xapono, podemos tirar algumas
conclusões em concordância com Ramalho (1998).
Uma vez que a casa faz parte da audiência da qual
o discurso é direcionado, poderíamos dizer que a
casa não só é o pano de fundo desta ação, mas é
também parte dessa coletividade e dessa comunidade, e assim pode ser entendida como “um dos
nós - tanto no sentido de uma identidade coletiva
quanto no de ‘nó’ de uma rede de relações [...]
talvez mesmo o mais importante nó da rede de
relações que compõem o tecido social yanomami”
(RAMALHO, 2008, p.35).
2.3. Não queimem nossa casa: apagamento
ritual e a casa dos espíritos
Ainda sobre tema da morte e dos ritos funerários
yanomami, ressalta-se mais um aspecto que pode
complementar a ideia da casa como uma noção
essencial, como um referencial de identidade, ou
mesmo como um sujeito ou um agente coletivo.
Refiro-me ao processo de pôr em esquecimento as
cinzas dos ossos dos mortos e o “apagamento ritual”
(KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.669), descrito em
Yanomam por Davi Kopenawa como õno kɨ wãriaɨ,
“destruir os rastros”. O procedimento se dá logo
depois que uma pessoa morre. Neste momento, as
pessoas mais próximas do morto “começam a destruir tudo o que ela possuía ou tocava quando em
vida” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.416), das
plantas de sua roça às árvores em que subiu. “A
casca dos postes da casa onde pendurava a rede e
a terra em que pisava na sua casa são raspadas.
As folhas paa hana do telhado acima de sua foguei-
20
ra são retiradas e queimadas” (KOPENAWA;
ALBERT, 2015, p.416). Apenas alguns pertences de
maior importância cerimonial, como os adornos
de plumas, serão poupados a fim de serem destruídos posteriormente, “durante as lamentações das
festas reahu [ou sabonomo, para os sanumá] em
que suas cinzas serão postas em esquecimento”
(KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.416).
Entretanto, a situação se dá de forma diferente no caso do morto ser um velho, grande e importante xamã: “quando um xamã morre, abandonamos e queimamos a casa onde as cinzas de seus
ossos foram enterradas. Construímos outra afastada dela, para continuar vivendo nela sem perigo”
(KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.489). Este procedimento segue a mesma lógica do apagamento ritual
das cinzas do morto no reahu e da destruição dos
rastros materiais logo após a morte do sujeito:
[...] Pouco depois do falecimento, despejamos
as cinzas dos ossos do defunto [neste caso o
xamã] num buraco cavado no chão ao pé de
um dos postes da casa, perto do fogo onde se
esquentava. Em cima jogamos também tabaco,
mingau de banana e yãkoana16 (KOPENAWA;
ALBERT, 2015, p.490)
Sua especificidade, portanto, é de que não basta
queimar seus pertences pessoais, mas sim a casa
toda. Por que a casa toda? Afinal, qual a relação
entre a morte do xamã e a destruição e o abandono da casa coletiva?
Este procedimento tem como razão e meta
afastar os espíritos maléficos do xamã, uma vez
que estes são muito poderosos, perigosos, agressivos e determinados a permanecer perto dos
rastros do falecido. Segundo o xamã yanomami
Davi Kopenawa:
Se não fizéssemos isso, não poderíamos evitar
os ataques dos espíritos maléficos do morto. É
assim. Quando procuramos afugentá-los, esses
xapiri17 [espíritos auxiliares] protestam com
muita raiva: ‘Ma! Não queimem nossa casa!
Não somos culpados por esta morte! Vão
embora! Queremos continuar vivendo aqui em
silêncio!’. Então, eles tentam reconstruir suas
próprias casas nas vizinhanças e, quando recuperam forças, atacam sem trégua os humanos
que andam pelas roças (KOPENAWA; ALBERT,
2015, p.489).
Há, todavia, um duplo sentido na expressão do
xapiri quando diz “não queimem nossa casa!”
(KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.489). Um primeiro
e mais óbvio entendimento é de que os xapiri e o
xamã falecido coabitavam a mesma casa coletiva
em vias de ser destruída para justamente afugen-
tá-los. Esta leitura é, de fato, possível. Uma vez que
os xapiri são os espíritos auxiliares do xamã, a casa
onde o xamã habita é, por sua vez, território
comum dos xapiri. Mas há também uma segunda
leitura, um tanto mais profunda e visível somente
através dos olhos do xamã, neste caso, do xamã
yanomami Davi Kopenawa. Segundo Kopenawa
(KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.157), estes espíritos
auxiliares, assim como os humanos, moram em
casas. No caso de serem espíritos que não foram
convocados por nenhum xamã, essas casas se encontram no topo das montanhas:
[...] Eles vivem no frescor das terras altas, longe
dos brancos e de suas cidades esfumaçadas. Vi
com meus próprios olhos as montanhas onde
ficam suas casas. Seus topos são cobertos de
uma brancura tão brilhante quanto um monte
de penugem branca (KOPENAWA; ALBERT,
2015, p.489).
As casas dos espíritos auxiliares convocados
por um determinado xamã têm, por sua vez, sua
clareira aberta no peito do xamã durante a iniciação xamânica. Com este procedimento, os espíritos,
após a dança de apresentação no peito do xamã
iniciado, resolvem fixar ali a sua residência e construir sua casa: “Hou! Se este lugar continuar vazio,
se não houver habitação para receber-nos, não
ficaremos aqui!” (KOPENAWA; ALBERT, 2015,
p.157). Entretanto, não é no peito do xamã em que
está casa será edificada, e sim fixada, como que
pendurada, no “peito do céu” - algo que poderíamos
relacionar com a parte visível da abobada celeste,
ou ainda, aproximando-se assim da concepção das
camadas do cosmos18 yanomami, a parte visível e
o lado côncavo de uma tigela, que é o céu, voltada
para baixo, em oposição às costas do céu que seria
o seu lado convexo. “Esses primeiros xapiri vêm
apenas preparar o terreno para a nova casa de
espíritos ser edificada. Por isso, assim que termina
sua dança de apresentação, desaparecem logo nas
alturas do céu” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.157).
Assim, após que essa clareira foi aberta no peito
do jovem xamã, “outros xapiri começam a descer
das lonjuras, trazendo consigo a nova casa de espíritos do iniciando, já toda construída” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.157).
Talvez possamos propor uma relação entre a
operação que a casa dos espíritos sugere, ao ser
totalmente pré-fabricada, à um dos pilares do pensamento moderno na arquitetura. Deste modo, a
casa dos espíritos se aproxima da lógica do kit de
habitações seriadas e industrializadas proposto
pelo sistema Dom-ino de Corbusier em 1914-15
(CURTIS, 2008, p.83). O sistema Dom-ino “foi con-
cebido como um kit para habitações, para ajudar
à rápida reconstrução de Flandres, destruído pela
guerra. Jeanneret [Charles Edouard Jeanneret,
conhecido por Le Corbusier] esperava, de forma
otimista, que a guerra terminaria rapidamente, e
seu ideal era produzir em série um conjunto básico
de componentes [...] A ideia intrínseca era de que
componentes simples, retangulares e produzíveis
em série poderiam ser dispostos de forma a configurar residências e comunidades modernas”
(CURTIS, 2008, p.83). Neste sentido, ideais de velocidade, agilidade, praticidade e, de certo modo,
leveza, se aproximam de características dos espíritos-auxiliares xapiri, bem como do modo de construção e concepção de suas casas. Embora não há,
para os Yanomami, nada como um ideal moderno,
vale notar que os xapiri são sempre tidos como
seres excepcionais, exemplares, superiores e ideais
- assim como pressupõe o sufixo - ri, que indica
algo superlativo, supernatural, excessivo, de
extrema intensidade. As casas dos espíritos, portanto, são tidas como exemplares e superiores.
Diferentes das casas dos humanos, que levam
tempos e tempos para serem construídas e ainda
se deterioram após certos anos, as casas dos espíritos não só são pré-fabricadas como também são
fabricadas com os materiais mais resistentes possíveis e impossíveis; e, justamente, por essa repulsa
pela poeira e sujeira que suas casas se situam nas
alturas do céu, onde contemplam e controlam todos
confins da terra e do céu. Esta lógica da agilidade
e da leveza, bem como o grau de superioridade e
superlatividade se expressa claramente na construção, ou ainda na implantação, de suas casas
pré-fabricadas [ver imagem 03]:
Os espíritos macaco-aranha seguram e puxam
a ponta de seu teto, para enganchá-la no peito
do céu. Os espíritos celestes hutukarari sustentam todo o seu peso, enquanto os espíritos do
vendaval yariporari a empurram em direção
ao zênite. Todos esses xapiri trabalham duro,
todos juntos, pois os postes de uma casa de
espíritos são feitos de árvores comparadas às
quais da floresta parecem bem mirradas! Seus
troncos são imensos, inteiriços, e seu peso é
enorme. Não se trata de meros postes de
madeira cuja base acaba apodrecendo, como
os de nossas casas. São resistentes como barras
de metal. São estacas do céu, e pesam tanto
quanto ele. [...] Essas casas de espíritos não são
erguidas na terra como as nossas, e tampouco
são construídas da mesma maneira. São mesmo
outras! Os xapiri, enviado por Omama [demiurgo yanomami], trazem-nas consigo de muito
21
Figura 3. Desenho de Davi Kopenawa, publicado
no livro A Queda do Céu (2015), intitulado
“habitação, espelhos e caminhos dos espíritos”,
e adaptado aqui, com sua respectiva legenda a
partir das passagens narradas pelo próprio
Kopenawa (cf. KOPENAWA, ALBERT, 2015,
p.156-173). Legenda: fixação no peito do céu (1);
espíritos macaco-aranha (2); redes (3); xapiri (4);
espelho/praça central (5); caminhos luminosos (6).
Fonte: KOPENAWA; ALBERT, 2015.
longe, já prontas, com seus postes e o seu teto
já amarrados. Porém, como temem poeira e
sujeira, não dançam no chão dessas casas, como
fazemos nas nossas. A praça central delas
parece uma vasta superfície de vidro limpo,
liso e cintilante [...] Os tetos das casas de espíritos, como eu disse, não são feitos de palmas
paa hana como as nossas. São cobertas com
folhas sólidas, brilhantes como espelhos e salpicadas de penugem luminosa. (KOPENAWA;
ALBERT, 2015, p.157 et seq.)
Quando os xapiri são chamados pelos xamãs,
“não são suas casas inteiras que descem [...] são
somente seus espelhos19, que ficam suspensos nos
ares, sobre os quais fazem sua dança de apresentação” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.159). Assim,
descem até o xamã através de “caminhos resplandecentes de luz, cobertos de penugem branca, tão
fina quanto os fios das teias de aranha”20. É,
portanto, através dessas três dimensões, cruzadas
pelo caminho percorrido pelos xapiri, em que
podemos verificar uma correspondência instigante entre a casa dos espíritos fixada no peito do céu,
o corpo do xamã e a casa coletiva terrena.
Com isso, aos poucos retomamos ao tema do
apagamento ritual e da destruição da casa coletiva
em que habitava o grande xamã falecido. Por que
queimar a casa toda? Bem, há uma consonância e
uma correspondência entre a casa coletiva terrena
e a casa dos espíritos: a casa terrena é, por vezes,
vista como uma reprodução malfeita, com certo
grau de inferioridade em relação a casa exemplar
dos espíritos xapiri. Através do “tornar-se outro”
- característica, ou modo de agir, estruturalmente
presente na figura do xamã - o xamã é levado a
“assemelhar-se” (KOPENAWA; ALBERT, 2015) ao
outro referencial, neste caso os seres-imagens dos
tempos primeiros, os xapiri. Desta maneira, ao
22
mesmo tempo em que se o xamã se assemelha
também se diferencia, através de atos que recriam
e reinventam o mundo prototípico dos xapiri - e
neste meio figura o problema da casa - por meio
de suas próprias configurações e ações: “A referência a um outro mundo possibilita a criação de
novos mundos estéticos ou sociais” (GEBAUER;
WULF, 2004, p.09).
Contudo, a correspondência entre a casa e a
casa dos espíritos vai ainda mais além e perpassa
pelo corpo do xamã. Este, por sua vez, assume mais
do que a posição de mediador desta consonância,
uma vez que é ele que tem acesso e a possibilidade de transitar entre estes dois mundos, visível e
invisível, e entre as várias camadas do cosmos
yanomami, acompanhado pelos xapiri. A casa dos
espíritos, como já foi dito, não só nasce a partir de
uma clareira aberta do peito do xamã iniciado,
como o seu interior “reproduz” e “imita” o interior
do peito do xamã:
Uma casa de espíritos nada se assemelha a uma
casa comum. Seus esteios imitam o interior o
peito do xamã, o pai dos xapiri. As clavículas
de seu torso são as vigas que sustentam o círculo
do teto. Seus quadris são a base dos postes que
a assentam no chão. Sua boca e garganta são a
porta principal. Seus braços e pernas são os
caminhos que conduzem a ela. Seus joelhos e
cotovelos são clareiras-espelhos, onde os espíritos fazem uma parada antes de entrar (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.165).
Logo, podemos ver que há mais do que uma
eventual relação mimética entre a casa coletiva
terrena e a casa dos espíritos. Há, portanto, uma
correspondência - a ser aprofundada daqui em
diante - no pensamento yanomami entre casa(s),
corpo e cosmos.
2.4. Casa, corpo e cosmos: conexão,
caminhos e correspondências
Em uma descrição de Kopenawa (KOPENAWA;
ALBERT, 2015) sobre seu processo de iniciação, o
autor relata suas primeiras experiências com a
yãkoana, e através deste processo xamânico de
“tornar-se outro” é onde podemos nos aproximar
de uma compreensão da correspondência entre
casa-corpo-cosmos no pensamento yanomami:
Eu rolava e me debatia no chão, como um fantasma. [...] Minha pele permanecia estirada no
chão, enquanto os xapiri pegavam minha
imagem e a levavam para longe, muito ligeiros.
Eu voava com eles até as costas do céu, onde
vivem os mortos21, ou para o mundo subterrâneo dos ancestrais aõpatari (KOPENAWA;
ALBERT, 2015, p.98).
Desta maneira, é através do transe xamânico,
partindo do consumo da yãkoana, que os xapiri
conduzem o xamã pelas diversas camadas do
cosmos yanomami:
A yãkoana, como eu disse, é o alimento dos
xapiri. [...] Bebem-na sem descanso, com avidez.
Assim que sua força aumenta [a força, experiência, do xamã], eles a absorvem através de
seu pai, o xamã, pois a yãkoana penetra nele
pelo nariz, que é a entrada de sua casa de espíritos. [...] Logo depois de beber yãkoana, os
xapiri se apoderam da imagem de seu pai, o
xamã, e levam-na consigo para longe em seus
voos, enquanto a pele dele fica estirada no chão
(KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.136).
Quer dizer, se o nariz (corpo) do xamã - o qual
está localizado na casa coletiva firmada sobre
camada terrena - é a entrada de sua casa de espíritos - fixada nas alturas do peito do céu (cosmos)
- haveria uma conexão, um caminho ou mesmo
uma correspondência entre ambas as camadas,
mediadas pelo corpo interior do xamã. Como se
habitassem o mesmo corpo, embora em dois níveis
do cosmos distintos, a casa terrena e a casa dos
espíritos são ligadas pelo interior do corpo do xamã.
Além disso, há também um processo de identificação entre o xamã e os espíritos: “o xamã inala a
yãkoana que é bebida ‘através dele’ pelos espíritos
que, como ele e ao mesmo tempo que ele, ‘morrem’,
‘tornam-se fantasmas’ [morrer e tornar-se fantasma refere-se ao processo de alteração de consciência provocado pelo alucinógeno]” (KOPENAWA;
ALBERT, 2015, p.624). Um simples fluxograma
poderia resumir esta operação que gera a corres-
pondência, da qual nos ocupamos em desenvolver
até agora, entre casa, corpo e cosmos: casa coletiva > xamã > yãkoana > nariz > casa de espíritos >
xapiri > imagem do xamã > cosmos.
É esta correlação entre arquiteturas, ideias e
pessoas que permite imaginar a associação proposta por Blier (1987, p.2) de uma arquitetura, invariavelmente antropocêntrica, na qual as casas representam e objetificam não só mundo ao seu redor,
mas seu corpo, seu modo de ser e sua essência:
Architecture, like history, is invariably anthropocentric. Architecture is integrally identified
with human activity, experience, and expression,
for, in ordering space, architecture also orders
human action. […] The analysis of architecture
in this way closely parallels the study of humans
(BLIER, 1987, p.2)).
Como observa Blier (1987), é ordenando o
espaço, que a arquitetura também ordena a ação
humana. Segundo Ramos (1990, p.413), sobre a casa
sanumá, mais do que o feitio que as casas possuem,
ou mesmo seus detalhes, materiais e formas, “o que
deve ser ressaltado é que elas são, acima de tudo,
entidades socialmente constituídas”, isto é, resultado essencial da ação humana e das relações
sociais. Seja de madeira, palha, barro, pedra, metal,
vidro ou concreto, a arquitetura é e sempre será
feita de homens: “sempre é certo que após a morte
do rei Davi, [...] viria aquele que edificaria uma
casa à Deus, não de madeira e pedra, mas de
homens” (AGOSTINHO apud PULS, 2006, p.15).
Como complementa o sociólogo Mauricio Puls:
“O edifício nada mais é que o lugar do homem no
mundo” (PULS, 2006, p.13), mundo este que o
homem concebeu para si mesmo à sua imagem, e
“como se existisse um laço invisível” (PULS, 2006,
p.14) que os une - digamos, a priori, a faculdade
do conhecer, pensar e ordenar -, o edifício, o mundo
e o homem tornam-se um só. Mas então, retomemos
ao questionamento primeiro que originou essa
ligeira digressão. Por que não basta queimar seus
pertences pessoais, mas sim a casa toda. Quero
dizer, qual a relação, qual este laço invisível, entre
a morte do xamã e a destruição e o abandono
completo da casa coletiva? Bem, talvez a resposta
da pergunta esteja na própria pergunta, ou no
mínimo, na digressão que trilhamos até aqui.
Quando um xamã morre, ou está perto de morrer,
seus xapiri se afastam dele (KOPENAWA, ALBERT,
2015, p.489). Consequentemente, abandonam sua
casa de espíritos até que esta desabe por si mesma
(KOPENAWA, ALBERT, 2015, p.489). No entanto,
como vimos, nem todos xapiri vão embora com
tamanha facilidade. São os espíritos maléficos que
23
insistem em permanecer perto dos rastros do xamã
falecido, seu pai. Reside aqui, o problema do laço
invisível. Tendo o corpo do xamã como mediador,
a casa a ser queimada, na qual o mesmo habitava,
e a casa dos espíritos, situada no peito do céu, estão
intimamente e imutavelmente relacionadas, conectadas. Desta maneira, os espíritos que se
recusam a ir embora ou voltar de onde vieram
antes, permanecem próximos dos rastros do falecido. Lembremos, entretanto, que os rastros dos
quais Kopenawa referindo-se ao apagamento ritual
expressa como õno kɨ wãriaɨ, “destruir os rastros”
(KOPENAWA, ALBERT, 2015, p.669), são mais do
que o corpo ou as cinzas do morto. Incluem-se aí,
tudo o que a pessoa, e neste caso o xamã, “possuía
ou tocava quando em vida” (KOPENAWA, ALBERT,
2015, p.669), das plantas de sua roça às árvores em
que subiu, da terra em que pisava à casca dos
postes em que pendurava sua rede ou às folhas do
telhado acima de sua fogueira (KOPENAWA,
ALBERT, 2015, p.669). Assim, quando um xamã
morre suas cinzas são enterradas “num buraco
cavado no chão ao pé de um dos postes da casa,
perto do fogo onde se esquentava. [...] Depois, fechamos o buraco com uma pedra e a cobrimos de
terra, amassando-a bem com o calcanhar”. Trata-se, assim, de afastar os eventuais ataques dos
espíritos maléficos do morto e de desviar os olhos
de seu fantasma para longe dos parentes do falecido. Após este procedimento, a casa é enfim abandonada e queimada. Isto é, a morte do xamã implica
diretamente na morte da casa, de modo que o laço
invisível entre a correspondência casa-corpo-cosmos é rompido, queimado e posto em esquecimento (KOPENAWA, ALBERT, 2015, p.495).
3. Considerações finais: conclusão inconclusa
em constante reticência
Se para Guimaraes Rosa (2001, p.59), “o sertão é o
mundo”, aqui não poderíamos imaginar que a casa
é o mundo, que o homem é a casa, e por extensão,
que o mundo é o homem? Dada a importância
central e fundamental da casa dentro das relações
sociais, da identidade, do pensamento e da cosmovisão yanomami - como brevemente se procurou
mostrar - torna-se certamente evidente a completa impossibilidade racional de reduzir e minimizar
a arquitetura indígena à tal da “oca redonda”, de
madeira e palha, do índio no Brasil. Bem, em alguns
casos, as tais “ocas” são de fato redondas, de
madeira e palha, o que não quer dizer que se limite
a isto. É clara a complexidade, especialmente em
24
relação à gigantesca diversidade de povos e variabilidade de modos de construir e habitar, mesmo
que somente em território brasileiro.
Como vimos, a noção de casa extrapola a dimensão física e terrena e atinge outros níveis,
sejam estes sociais, identitários, conceituais, invisíveis, corporais ou cosmológicos. Além disso,
vimos como uma miríade de outras casas, visíveis
para os xamãs e invisíveis para nós, figuram no
pensamento yanomami e complexificam ainda
mais o estudo. Isto é, a fim de compreender em
profundidade a casa yanomami devemos abranger
as outras casas, as casas dos espíritos, que como
vimos, estão em relação constante e direta. Fica
evidente, portanto, a posição central que ocupa a
ideia de casa no pensamento yanomami e a complexidade arquitetônica intrínseca a esta ideia,
seja ela visível ou invisível.
Em um breve retrospecto vimos da complexa
galáxia de conhecimentos botânicos e construtivos
às mais variadas formas de habitar e sua unidade
conceitual; da casa como sujeito coletivo à casa
como um dos mais importantes nós da rede de
relações yanomami; da casa em correspondência
e correlação com o corpo e com o cosmos à, por
fim, a casa como noção essencial. Isto não quer
dizer, entretanto, que o assunto esteja esgotado.
Muito pelo contrário. Este é apenas um excerto e
um primeiro esboço teórico desta pesquisa.
Essa pesquisa interdisciplinar segue em ininterrupta transformação, sempre aberta a reinvenções, a novos caminhos e a críticas, estando assim
em constante reticência. Ou, como diria Davi Kopenawa embora se referindo à escala e grandiosidade da casa dos espíritos - ao mesmo tempo em que
poderíamos entender como uma sútil metáfora ao
problema ontológico do descobrimento e do conhecimento do eu e do outro nesta desconcertante, múltipla e aparentemente infindável concepção
de mundo, de casa e de ser, que defrontamos até
aqui -: “Parecia com nossas casas, mas era bem
maior [...]” (KOPENAWA, ALBERT, 2015, p.107).
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necessariamente, o modo como os Yanomami de cada
subgrupo consideram a questão. Em primeiro lugar, nem
todos os Yanomami têm conhecimento da existência de
todos os outros. Aqueles grupos mais afastados, como,
por exemplo, os Sanumá [ou Sanöma] ao norte e os
Yanomam ao sul do território Yanomami utilizam, se
tanto, um termo geral, difuso que se refere àqueles que
talvez existam a muitos quilômetros de distância. Em
segundo lugar, a proximidade social e geográfica desempenha um papel bem mais marcante nas classificações
locais do que considerações de idioma. Para alguns
Sanumá do Brasil, por exemplo, os Yanomam conhecidos
como Parahuri, da região da cachoeira de Tucuxim,
são-lhes mais próximos do que os Sanumá das comunidades mais distantes da Venezuela. Este fator parece,
portanto, ter maior relevância social do que a semelhança linguística pura e simples” (RAMOS, 1990, p.289). O
pesquisador de línguas indígenas Helder Perri Fereira
(FERREIRA apud. KOPENAWA, ALBERT, 2015, p.689), por
sua vez, considera a inteligibilidade mútua de todas as
línguas yanomami proporcional à frequência do contato
entre elas, mais do que, em certa consonância com Ramos
(1990), a alguma ausência ou presença de diferenças
fonológicas e morfossintáticas.
4. Dentre alguns dos que aprofundaram a questão, diretamente e indiretamente, e trataram, sobretudo das
construções ameríndias, vale mencionar novamente as
reflexões de Lévi-Strauss (1955/1996) acerca da indissociável relação entre a concepção do espaço e as identidades coletivas bororo, em “Tristes trópicos”, bem como
a seção destinada à organização social (e assim, também
à organização espacial) bororo, em “Antropologia estrutural” (LÉVI-STRAUSS, 1958/2008); as investigações de
Reichel-Dolmatoff (1971) e Béksta (1988) sobre o simbolismo da maloca tukano-dessana; a dissertação de Sá
(1982) sobre uma aldeia xavante; a importante coleção
de artigos organizada por Novaes (1983), intitulada “Habitações indígenas”; a tese de doutorado de Costa (1989)
sobre a habitação guarani; o trabalho de Guss (1990)
Notas
sobre o simbolismo yekuana da Venezuela; os diversos
trabalhos apresentados no livro “About the House”, organizado por Carsten e Hugh-Jones (1995), assim como
1. Aluno de graduação do curso de Arquitetura e Urba-
as pesquisas de Hugh-Jones (1993) sobre a maloca tukano;
nismo na Escola da Cidade e Bolsista FAPESP para o
o capítulo, em especial, sobre a casa maori de Gell (1998);
desenvolvimento de pesquisa de Iniciação Científica sob
e a pesquisa de Cesarino (2011), em Oniska, que trata,
a orientação do Prof. Dr. Pedro Cesarino, do Departa-
dentre outras questões, da noção (ampliada e interiori-
mento de Antropologia da FFLCH-USP.
zada) de maloca para o povo marubo. Dentre aqueles
2. A palavra oca tem origem tupi, oká, e significa casa
que se debruçaram sobre populações nativas de outras
(HOUAISS, 2009).
regiões e continentes, vale mencionar os trabalhos fun-
3. A antropóloga Alcida Rita Ramos (1990) problematiza
damentais de Rykwert sobre a antropologia da forma
esta classificação dialetal e sugere assim uma variabili-
urbana etrusca romana (2006), sobre a ideia arquetípica
dade linguística e construtiva possivelmente ainda maior,
da cabana primitiva na história da arquitetura (2009), e
ou no mínimo distinta, a depender do ponto de vista de
sobre a ideia de ordem, metáfora e mimese na arquite-
26
tura desde a antiguidade (2015); o clássico artigo de
ponto de vista das discussões em torno do parentesco, a
Bourdieu (1999) sobre a casa kabyle; as pesquisas do
ideia de casa como uma forma específica de organização
arquiteto Aldo Van Eyck (1975) sobre o povo dogon no
social. Este conceito, entretanto, é tido apenas como um
Sudão; o excelente trabalho de Blier (1987) sobre a tra-
pano de fundo, um propulsor inicial, que orienta a coleção
dição arquitetônica do povo Batammaliba no Togo e na
de artigos organizada por Carsten e Hugh-Jones (1995).
República do Benim; e o trabalho de Waterson (2009)
Os autores procuram ir além do conceito lévi-straussiano,
sobre as construções dos povos do sudeste asiático.
propondo uma abordagem mais holística da casa, para
5. Dentre os que permaneceram no nível descritivo, e
além das discussões especificamente sobre parentesco e
com isso também alguns dos que tentaram inserir as
organização social.
habitações indígenas no panorama da história da arte e
8. A casa coletiva de Watorikɨ está situada aos pés da
arquitetura brasileira, sem pretender uma abrangência
serra do Demini, no extremo nordeste do estado do Ama-
completa, vale citar os trabalhos de Zanini (1983), Costa
zonas, entre a bacia do rio Catrimani (tributário do rio
e Malhano (1986), Oliver (2003), Derenj (2002), Weimer
Branco) a leste, e a do rio Demini (afluente do rio Negro)
(2005) e Van Lengen (2013). Acredito que esta compilação
a oeste. A ampla casa coletiva se instalou nessa região
possa colaborar como uma introdução ao tema das cons-
em 1993, com oitenta e nove (89) habitantes. Em 2010,
truções de povos autóctones, a partir de distintos meios
sua população já era de cento e setenta e quatro (174)
de abordagem sobre o tema.
moradores, distribuídos em aproximadamente trinta
6. O termo “simbolismo” é mantido entre aspas pelo
(30) grupos familiares, instalados um ao lado do outro
próprio autor, o qual contesta a ideia do simbolismo
sob a cobertura circular, cada qual com seu espaço
considerando-a, neste caso, como imprópria, inapropria-
próprio, onde ficam penduraras as redes da família ao
da, “misnomer” (GELL, 1998, p.253). Sobre isto, os argu-
redor de uma fogueira. A conhecida aldeia é a casa do
mentos de Gell (1998, p.6) são fundamentais para repen-
líder indígena e xamã yanomami Davi Kopenawa. A casa
sar a constante associação que tendemos a fazer entre
de Watorikɨ tem forma troncônica, anular, de cerca de
arte e arquitetura como símbolo ou simbolismo de algo,
setenta (70) metros de diâmetro, com uma grande praça
como se existisse, de fato, um simbolismo intrínseco,
central aberta e fechada, em seu perímetro, por uma
divino, dentro de determinada obra de arte ou arquite-
pequena parede de ripas de madeiras diversas com menos
tônica que pudessem ser associadas com a linguagem,
de um metro e meio de altura.
por exemplo: “I entirely reject the ideia that anything,
9. Ramos (1990) complementa essa composição hetero-
except language itself, has ‘meaning’ in the intended
gênea, de origens sócio históricas, das aldeias e dos di-
sense. [...] Using language, we can talk about objects and
versos termos utilizados para mais de um objeto ou
attribute ‘meanings’ to them in the sense of ‘find some-
planta: “Apesar da quantidade de dialetos que despontam
thing to say about them’ but visual art objects are not
praticamente em cada vale, há uma grande inteligibili-
part of language for this reason, nor do they constitute
dade entre eles e até entre línguas Yanomami distintas,
an alternative language. […] We talk about objects, using
o que permite haver um bilinguismo parcial, em que é
signs, but art objects are not, except in special cases, signs
possível estender-se uns aos outros sem se falar a língua
themselves, with ‘meanings’ […]”(GELL, 1998, p.6). Com
ou o dialeto uns dos outros. Essa riqueza dialetal injeta
isso, Gell refuta a ideia de “simbolismo” e sugere novos
no vocabulário de cada comunidade, graças à grande
conceitos para pensar a arte e a arquitetura: “In place of
movimentação espacial entre elas, palavras e expressões
symbolic communication, I place all the emphasis on
que coexistem com outras de significado aparentemente
agency, intention, causation, result, and transformation.
idêntico, criando, entre outros efeitos, uma grande fonte
I view art as a system of action, intended to change the
de confusão para o etnógrafo” (RAMOS, 1990, p.49).
world rather than encode symbolic propositions about
10. O termo casa-aldeia é utilizado em diversos trabalhos
it.” (GELL, 1998, p.6). Neste sentido, Gell reitera que para
pelo antropólogo Bruce Albert (cf. KOPENAWA; ALBERT,
o caso da casa maori - bem como para reflexão aqui
2015; ALBERT; MILLIKEN; GOMEZ, 2009) e contém em
presente - não se tratam de símbolos e sim de índices de
si uma ideia bastante interessante. Ao mesmo tempo em
agênciamento, “indexes of agency” (GELL, 1998, 253),
que em diversos casos as aldeias são, de fato, formadas
coletivo e ancestral. Assim, a casa é entendida como um
por exatamente uma grande casa coletiva, como veremos
índice, uma guia, um instrumento, que orienta a percep-
adiante, politicamente e economicamente autônoma,
ção do coletivo e contém em si mesma a capacidade de
este termo ressalta uma característica intrínseca e muito
agir, de estabelecer e mediar relações e transformações.
interessante da organização sócio espacial yanomami:
7. A coletânea de artigos “About the House” (CARSTEN;
a relação de proximidade entre o âmbito doméstico e o
HUGH-JONES, 1995) pauta-se a partir do conceito de
público. Como sugerido pelo arquiteto Amos Rapoport
“sociétés à maison” (sociedade de casa) proprosto por
(1969, p.70), no caso das sociedades indígenas, a casa não
Lévi-Strauss. Nele, o antropólogo procura relacionar, do
deve ser considerada como algo isolado, de modo que a
27
aldeia não representa apenas um lugar a ser atravessa-
for the body. […] they are containers which, like the body,
do, de caráter secundário. A casa deve ser sempre vista
have entrances and exits. Houses are cavities filled with
e entendida em conjunto com a aldeia, sendo a casa
living contents […] they have strong bones and armoured
apenas uma parte deste domínio, mais íntima e mais
shells […] they have organs of sense and expression
resguardada. A casa e a aldeia estão integralmente co-
[…]”(GELL, 1998, p.252).
nectadas (radicalmente diferente de nossas cidades, por
16. Yãkoana refere-se à espécie arbórea virola elongata,
exemplo, no caso de entendermos a aldeia como um
ucuuba-vermelha. Com a resina retirada da parte interna
equivalente possível, em dimensões inferiores, de cidade).
de sua casca é fabricado o pó alucinógeno yãkoana, que
No caso dos yanomami isto não é diferente. Em vários
contém como principal princípio ativo a dimetiltripta-
casos, casa e aldeia formam um mesmo corpo.
mina (DMT). Seus efeitos psíquicos, segundo Albert (KOPE-
11. O termo referente ao rito funerário sanumá, sabo-
NAWA; ALBERT, 2015, p.612), são similares aos do LSD.
nomo (correspondente ao reahu Yanomam), é grafado
O pó é soprado nas narinas do xamã noviço, por outro
desta maneira por Ramos (1990) e por Guimarães (2010),
xamã, e ao fazer isto, diz-se que o xamã que o inicia lhe
e grafado por Taylor (1996) e Ramalho (2008) como xapo-
transmite seus espíritos auxiliares através de seu ‘sopro
nomou. Esta variação é comum e opta-se aqui por seguir
vital’, wixia ou wixi aka, em Yanomam (KOPENAWA;
a primeira forma de grafia, sabonomo.
ALBERT, 2015, p.612).
12. Segundo Ramalho (2008, p.24), “em yanomami, a
17. Para prosseguirmos sobre o problema da destruição
pergunta seria, literalmente, ‘que tipo de habitante/gente
da casa, é válido de se elucidar aqui quem são estes que
você é? [weti teri kë wamakɨ / weti theri wamakɨ?]”, o
traduzimos por “espíritos” e que Kopenawa chama de
que poderia ser traduzido para nossos termos como, “de
xapiri. Segundo nota explicativa de Albert: “Todo ente
que aldeia você é” ou “a que comunidade pertence?”
possui uma ‘imagem’ (utupë a, pl. utupa pë) do tempo das
(RAMALHO, 2008, p.24).
origens, que os xamãs podem ‘chamar’, ‘fazer descer’ e
13. Esta diferença fonética se deve a uma variação entre
‘fazer dançar’ enquanto ‘espírito auxiliar’ (xapiri a). Esses
o dialeto yanomami oriental e ocidental (RAMALHO,
seres-imagens (‘espíritos’) primordiais são descritos como
2008, p.3). Isso suscita uma relação com a palavra yano
humanoides minúsculos paramentados com ornamentos
thëri thëpë (comunidade) discutida anteriormente e
e pinturas corporais extremamente luminosos e coloridos.
entendida, deste outro ponto de vista, como “membros
Entre os Yanomami orientais, o nome desses espíritos
/ moradores do yano”.
(pl. xapiri pë) designa também os xamãs (xapiri tʰë pë).
14. Ramos (1990) adiciona que há uma variação em torno
Praticar o xamanismo é xapirimuu, ‘agir em espírito’,
do sigilo do nome dos mortos, uma vez que para os
tornar-se xamã é xapiripruu, ‘tornar-se espírito’. O transe
Sanumá - diferentemente dos outros subgrupos como o
xamânico, consequentemente, põe em cena uma identi-
estudado por Ramalho (2008) -, por exemplo, “não há
ficação do xamã com os ‘espíritos auxiliares’ por ele
nenhum tabu especial com relação aos nomes dos mortos.
convocados” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.610). Por
Estes são tratados do mesmo modo que os nomes dos
outro lado, como um complemento, segundo o próprio
vivos [...]” (RAMOS, 1990, p.229).
Kopenawa: “Os xapiri são as imagens dos ancestrais
15. Segundo Gell (1998, p.252), com base nos estudos de
animais yarori que se transformaram no primeiro tempo.
Neich, as casas são consideradas artefatos com caracte-
É esse seu verdadeiro nome. Vocês os chamam de ‘espí-
rísticas especiais o bastante para serem consideradas
ritos’ mas são outros” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.111).
como índices de uma agência coletiva, ou ainda, como
18. O cosmos yanomami, isto é, o universo como conce-
detentoras de agência coletiva, isto é, como um ser orgâ-
bido pelos yanomami, é composto por quatro níveis
nico, dinâmico e vivo, que representa e objetiva tanto o
(mosi) superpostos, cada um destes compostos de dois
modus operandi como o modus vivendi do homem.
lados (lado superior e inferior, concebidos como algo
Segundo Gell (1998, p.252) isto se dá por três razões.
similar a uma cumbuca cerâmica) cercados de um grande
Primeiramente, devido as casas serem, simplesmente,
vazio e sujeitos, no futuro, a uma nova queda do céu. Foi
coletivas: construídas e habitadas coletivamente - como
com este primeiro colapso, que se criou o presente estado
é o caso também dos Yanomami - e seus habitantes são
do universo. Sendo assim, as quatro camadas que estru-
assim unidos por ela. Em segundo lugar, pois as casas
turam o cosmos não são estáticas, ou infinitas, e sim
são entendidas por Gell (1998, p.252) como artefatos
vivas. E, sendo vivas, estão sujeitas a novos cataclismos,
complexos, organizados e concebidos como entidades
a uma nova queda do céu. De cima para baixo e, portan-
orgânicas, capazes de se desmontarem, remontarem,
to, do mais novo para o mais velho, são estes, segundo
remodelarem e redecorarem, e com isso, objetivarem
Kopenawa e Albert (2015, p.622): o “céu novo” (tukurima
processos históricos e relações sociais. Em terceiro e
mosi), o “céu atual” (hutu mosi), o “céu velho” (warõ
último lugar, complementa o autor (GELL, 1998, p.252),
patarima mosi) e o “nível embaixo” (pëhëtëhamɨ mosi).
pois as casas são vistas como corpos: “The house is a body
A camada superior (tukurima mosi) é entendida como
28
uma espécie de “céu jovem”, em gestação, embrionário,
20. Kopenawa exemplifica estes ‘caminhos resplande-
destinado a substituir o céu atual, ou o que chamamos
centes de luz’, comparando-os aos “faróis dos carros à
de abóboda celeste, após sua queda futura. O “céu atual”
noite” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.161), que avançam
(hutu mosi), possivelmente entendido como o que co-
numa “luminosidade ofuscante”, “projetando raios de
nhecemos por abóboda celeste, é o destino, segundo a
luz em todas as direções, como se agitassem espelhos à
escatologia yanomami, dos fanstasmas yanomami. Isto
sua volta” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.161).
é, ao morrerem, os fantasmas (pore pë) dos humanos
vão para as costas do céu, o seu lado superior. E após a
morte desses mesmos fantasmas, estes se metamorfosearão em seres moscas (prõõri) e urubus (watupari) e
passarão a habitar o “céu novo” (tukurima mosi). Entretanto, o que chamamos de abóboda celeste é somente o
“peito” do céu, a sua parte inferior e visível. Lá, habitam
os corpos celestes e é onde está fixada a cumeeira da casa
celeste dos espíritos. Acima do “peito” do céu, estão as
“costas” do céu. Esta camada é feita de terra, e sobre ela
há uma floresta, onde nunca falta caça, tudo é fértil,
grande e abundante. Tudo que existe na terra, existe
também nesta camada, com a diferença de que é habitada pelos espíritos e tudo é melhor, superior. Ou seja,
uma réplica idealizada da vida terrena, da qual a camada
terrestre não passa de um “modelo-reduzido” das “costas”
do céu. Na camada terrena, conhecida como o “céu velho”
(warõ patarima mosi), é onde se encontra a urihi a, a
terra-floresta. Para os Yanomami, a terra-floresta é considerada o centro do mundo terrestre, de modo que o
que está às margens são as terras dos estrangeiros-inimigos, os brancos, no caso. Por fim, a camada subterrânea: úmida e lamacenta, habitada por criaturas monstruosas e assustadoras. Somente os espíritos maléficos,
transmissores das epidemias e doenças, habitam ali e,
sem floresta para caçar, sobem a terra. Estes seres são
do tempo dos primeiros homens, antes da existência de
Omama, o demiurgo yanomami, criador da humanidade
e de suas regras sociais.
19. Segundo Viveiros de Castro (2006, p.333), “os ‘espelhos’
em que abunda a narrativa de Kopenawa são precisamente o instrumento de passagem entre as experiências
da intensidade luminosa e da inumerabilidade dos espíritos, isto é, à sua infinitude quantitativa. Como se foram
imagens da imagem, os espelhos se multiplicam na narrativa, ao mesmo tempo signo da presença e meio de
deslocamento dos xapiripë”. Entretanto, os espelhos de
que se refere Kopenawa, como nota Viveiros de Castro,
“não enfatizam a propriedade icônica que têm os espelhos
de produzir imagens”, quer dizer, não se tratam, portanto, de propriedades reflexivas. Pelo contrário, “o que os
espelhos sublinham é, antes, a propriedade [...] de ofuscar,
refulgir e resplandecer. Os espelhos sobrenaturais amazônicos não são dispositivos representacionais extensivos,
espelhos refletores ou ‘reflexionantes’, mas cristais intensivos, instrumentos multiplicadores de uma experiência luminosa pura, fragmentos relampejantes. [...] Luz,
não imagens” (VIVEIROS DE CASTRO, 2006, p.333-334).
29
O patrimônio cultural do Brás:
reflexões sobre um trecho
específico
The cultural heritage of Brás
neighborhood: reflections
about a specific portion
El patrimonio cultural del
barrio de Brás: reflexiones
sobre un trecho específico
Yasmin Darviche1
Orientadora: Profa. Dra. Beatriz Mugayar Kühl (FAU-USP)
Pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida entre 2013-2014 com
financiamento do CNPq
O presente artigo propõe-se a refletir sobre o patrimônio cultural
existente no bairro do Brás, como
resultado de uma pesquisa
voltada para o levantamento do
patrimônio edificado, construído
durante o período de formação e
consolidação do Brás como bairro
industrial. A pesquisa mostra que
a tutela oficial deste patrimônio
atendeu em maior escala a arquitetura de caráter monumental,
representada pelos grandes equipamentos da região - como a
estação de trem, a Hospedaria
dos Imigrantes, e a igreja do Brás
-, em detrimento da arquitetura
cotidiana. Sustenta que esta arquitetura, ainda presente em
grande parte do bairro, representada pelas vilas habitacionais,
casas independentes, fábricas e
galpões, constitui importante elemento de identidade para o
bairro. Não tutelada pelos órgãos
de patrimônio, a arquitetura de
caráter simples, proporções
menores, produzida sem pretensões à excepcionalidade, passa
por constantes modificações inseridas no contexto de mudança
da área como um todo e na dinâmica da metrópole.
Palavras-chave
patrimônio cultural; preservação; Brás
This paper intends to reflect
about the cultural heritage in the
Brás neighborhood in São Paulo,
as a result of a research about
built heritage, constructed in the
period of formation and consolidation of Brás as an industrial
neighborhood. The research
shows that the oficial custody of
this heritage paid attention to the
monumental architecture - that
has representative buildings as
the train station, the immigrantion office and the Brás
church - rather than ordinary
architecture. It supports that the
remaining “ordinary architecture” of the neighborhood, represented by the residential villas,
independent houses, factorys and
industrial sheds, composes an
important identity element of
this region of the city. As they are
not under custody of any governmental institution, these smaller
proportion buildings with
simpler characteristics and produced with no pretensions to be
exceptional, has suffered constant modifications as well as the
surrounding area in the context
of the metropole’s dynamics.
Keywords
cultural patrimony; preservation; Brás
La presente ponencia propone
una reflexión sobre el patrimonio cultural existente en el barrio
de Brás, como resultado de una
investigación orientada al
estudio del patrimonio edificado,
construido durante el período de
formación y consolidación del
barrio como industrial. Esta investigación muestra que la tutela
oficial de este patrimonio atendió
en mayor medida a la arquitectura de carácter monumental,
representada por las grandes
edificaciones de la región - como
la estación de tren, la “Hospedaria dos Imigrantes” y la iglesia
del Brás -, en detrimento de la
arquitectura cotidiana. Además,
en este trabajo se sostiene que
esta arquitectura, todavía presente en gran parte del barrio,
representada por viviendas,
casas independientes, fábricas y
galpones, se constituye como un
importante elemento de identidad del barrio. No tutelada por
órganos de patrimonio, la arquitectura de carácter sencillo, proporciones menores, producida
sin pretensiones a la excepcionalidad, pasa por constantes modificaciones involucradas en el
contexto del cambio del área
como un todo y en la dinámica
de la metrópolis.
Palabras-clave
patrimonio cultural; preservación; barrio Brás
31
1. Introdução
A formação urbana no bairro do Brás, iniciada em
fins do século XIX, se consolidou no primeiro quartel
do século XX (MORSE, 1970). Durante os anos que
se seguem a atividade industrial no bairro é
mantida, ainda que na década de 1950 surja uma
nova região industrial na metrópole, notadamente
a região do ABC. No período de implantação da
atividade industrial, a população imigrante de
origem italiana2 representava o grande grupo que
no Brás vivia e trabalhava e, nos anos seguintes,
seus filhos foram assimilados. Durante a década
de 1970, parte desses antigos habitantes, descendentes de italianos, transferiram-se para outras
partes da cidade, quando também tomou força a
migração nordestina para o bairro3. Atraídos pela
indústria, e consequente demanda por mão de obra,
a população nordestina foi absorvida, garantindo
a continuidade da produção têxtil no Brás, vista
ainda hoje como principal atividade da região4.
A atividade industrial no Brás seria afetada
com a crise econômica iniciada em fins da década
de 1970, perdurando por quase toda a década de
1980. Neste momento aconteceria o declínio da
produção industrial nesses antigos bairros - ocorrendo muitas falências -, e os grandes equipamentos destinados à produção entrariam em um forte
processo de abandono e obsolescência, dado seu
desuso, restando áreas e edifícios desocupados
durante toda a década. Entretanto, o padrão de
ocupação urbano - marcado pela coexistência de
grandes lotes, ocupados pelos galpões industriais,
e pequenos lotes, onde se instalavam as casas destinadas aos operários - se manteve até fins da
década de 1990.
Com a estabilização financeira da década de
1990, a matriz econômica antes voltada para a
32
produção industrial se transferiria para a financeira e seria retomado o interesse nesses locais.
Como aponta Luciana Gennari (2004, p.3): “o
caráter de construção e da ocupação das edificações
na área foi mantido praticamente igual até final
da década de 1990. Seu perfil mudaria apenas […]
nos últimos anos”. Ligada ao período de desindustrialização, a legislação urbana5, a partir da década
de 1990, entenderia então as antigas áreas industriais, principalmente as contíguas às grandes artérias urbanas - no caso a linha do metrô - como
passíveis de modificação, através da reorganização
de seus lotes. Assim, os grandes lotes que abrigavam
fábricas, ou formados a partir da agregação de
pequenos lotes antes habitacionais, cederiam
espaço para empreendimentos imobiliários, com
a construção de condomínios residenciais.
Construções modestas para habitação, fábricas
e galpões se tornaram, então, vulneráveis à destruição para dar lugar à tipologia do condomínio
residencial que conhecemos hoje - monofuncional,
sem diálogo com o entorno6 - ou a edifícios comerciais destoantes do conjunto, seja em volume ou
em suaarquitetura. O fomento a um novo tipo de
ocupação urbana é compreensível e benéfico, dado
que muitas estruturas podem se tornar ociosas,
entretanto, ele imprime uma nova dinâmica para
a área e pode modificar a constituição urbana da
paisagem, deixando de lado os valores urbanos do
local, sobrepondo-se a uma lógica preexistente
(SOUZA, 2001).
Estas ações sobre o conjunto edificado da área,
pontuadas brevemente acima, incentivaram os
órgãos de preservação, técnicos de planejamento
e pesquisadores, a mapear as reminiscências edificadas, indicando exemplares importantes para
a constituição do bairro, representantes da
memória do local.
Figura 1. Escola Estadual Romão Puiggari - detalhe da
fachada. Fonte: fotografia da autora, 2013.
Assim, no bojo de tais acontecimentos, estudos
relevantes sobre patrimônio constituinte dos
antigos bairros industriais, passaram a tomar corpo
no fim da década de 1970. Materializados em dois
inventários - o “CURA Brás-Bresser” e o “Patrimônio
Ambiental Urbano - Zona Metrô Leste”- esses
estudos indicariam exemplares remanescentes
importantes para a constituição da memória do
bairro, fornecendo base para estudos posteriores.
Alguns anos depois, estudos como os de Manoela
Rossinetti Rufinoni (2004; 2009) e Beatriz Mugayar
Kühl (2009), constituíram-se como referenciais para
a discussão sobre o tema da preservação do patrimônio de caráter industrial7 na cidade de São Paulo.
E, no que compete à ação dos órgãos estadual e
municipal, foi com o instrumento do tombamento,
aplicado na área a partir da década de 1980, que a
região passou a receber atenção institucional.
Segundo Manoela Rufinoni, a tutela do patrimônio industrial é importante pois abrange a
análise de diferentes eixos:
[...] como recurso educacional, como subsídio
aos estudos de história da técnica, dos processos produtivos ou equipamentos, ou ainda como
artefatos que permitem novas perspectivas de
análises e releituras históricas sobre o processo de industrialização e as transformações
sociais, espaciais, políticas e econômicas dele
derivadas. (RUFINONI, 2012, p.2)
O presente projeto de pesquisa surgiu então a
partir do interesse do Departamento do Patrimônio
Histórico da Secretária Municipal de Cultura em
estudos como este, pois seus resultados podem
oferecer fundamentos mais amplos para um novo
inventário sobre a área. Desenvolvida com apoio
da CNPq, a pesquisa esteve articulada com outros
projetos de iniciação científica propostos conjuntamente8, através de grupos de pesquisa da FAU-USP
e da UNIFESP, coordenados respectivamente pelas
Professoras Dras. Beatriz Mugayar Kühl e Manoela
Rossinetti Rufinoni, junto ao Núcleo de Apoio à
Pesquisa “São Paulo: Cidade, espaço, memória”.
Dividida em duas etapas de desenvolvimento,
a pesquisa inicialmente voltou-se ao conhecimento geral do bairro, baseada em estudos bibliográficos de fonte primária e secundária, análise de
documentos de arquivo, exame pormenorizado
da cartografia da área, e pesquisas de campo. E,
num segundo momento, de estudo aprofundado
sobre um perímetro específico, compreendido no
bairro do Brás.
2. O olhar para o monumental
Os resultados da pesquisa indicam a riqueza material e imaterial que o Brás concentra. Embora
tenha passado por transformações tanto de ordem
social quando física (de caráter sobretudo urbanística), o bairro, quando comparado com a Mooca9
- bairro com origem e desenvolvimento similar -,
despertou em menor escala o interesse do mercado
imobiliário. Ou seja, não sofreu tantas intervenções
de ordem física por parte da iniciativa privada.
Isso garantiu, de certo modo, a manutenção de sua
constituição territorial e seus principais exemplares edificados.
As primeiras iniciativas institucionais para
proteção desse patrimônio vieram do órgão estadual, na década de 1980, indicando a preocupação
dos órgãos de patrimônio para com as áreas que
foram abandonadas, ou perderam sentido quando
da desindustrialização. O Condephaat tombou, em
1982, a Estação do Brás e a Hospedaria dos Imigrantes. Em 1988, tombou ainda a Escola Estadual
Padre Anchieta (antiga Escola Normal do Brás).
33
Figura 2. Igreja do Bom Jesus do Brás.
Fonte: fotografia da autora, 2013.
Edifícios esses tombados ex-officio pelo Conpresp,
em 1991, marcando o início de sua atuação no
bairro.
Esses primeiros tombamentos indicam o
caráter dos bens reconhecidos como importantes:
a estação de trem, a hospedaria e uma escola.
Exemplares de arquitetura monumental, são
grandes elementos que marcam a paisagem e qualificam a dimensão industrial do bairro. Receber
uma estação de trem e uma hospedaria para os
imigrantes recém-chegados mostra quão importante o bairro foi para a dinâmica e afirmação da
lógica industrial na cidade. Não por acaso, foram
os primeiros a receber proteção legal em dois
níveis, municipal e estadual10.
Durante a década de 1990, após esses primeiros
tombamentos, não foram estabelecidos muitos
outros. Em 1992 o Conpresp tombaria a Tecelagem
de Seda Mariângela e o Moinho Matarazzo. Os
tombamentos desses dois exemplares, construídos
diretamente para a produção industrial, podem
ser entendidos como tentativa de proteção dos
exemplares da industrialização, ameaçados de
demolição para construção de condomínios residenciais, como mencionado. A proteção oficial é
retomada 16 anos depois, em 2008, com o tombamento da Estação de Bondes do Brás, em nível
estadual. No que tange a proteção da arquitetura
de maior representatividade na paisagem, de
caráter excepcional, muitos deles entraram para
a lista de bens tutelados durante os anos 2000.
Os últimos bens tombados pelo Condephaat
foram Gasômetro, as Escolas Estaduais Carlos de
Campos e Romão Puiggari [Figura 1], em 2010. Já
o Conpresp continuou atuando, com o tombamento ex-officio do Gasômetro - em 2012 -, da Estação
de Bondes, das Escolas Estaduais Romão Puiggari
e Carlos de Campos e da Igreja do Bom Jesus do
34
Brás, em 2014 [Figura 2]. Todos estes se encontravam, há pelo menos 10 anos, em processo de tombamento a nível municipal.
Além do caráter monumental, os bens protegidos oficialmente estão localizados, em sua
maioria, no eixo da Avenida Rangel Pestana, e da
linha do trem. O que pode ser uma forma de explicar a formação do bairro, dado que seus principais elementos, como a estação de trem, a Hospedaria dos imigrantes, escolas e grandes fábricas,
foram edificadas contíguas às estruturas de locomoção, tanto para a otimização da produção industrial como para facilitar a ligação com o centro,
realizada principalmente a partir da Avenida
Rangel Pestana, paralelamente à ferrovia. Esse
eixo viário se caracteriza como o mais importante
do bairro, organizando a estruturação urbana11.
Dado que o reconhecimento do bem como patrimônio insere-se em estudos capazes de selecionar os valores a serem tutelados, entende-se que
os valores escolhidos como memória desse bairro
foram os de excepcionalidade. Ideais estes inseridos na lógica de preservação, seja nas instâncias
municipal e estadual - atuantes na área em estudo
-, como na federal. Pode-se dizer que grande volume
de bens tutelados por esses órgãos ainda faz parte
de uma excepcionalidade que nem sempre é reflexo
da multiplicidade e interdisciplinaridade.
3. O olhar para o cotidiano
A pesquisa voltada para um perímetro menor,
compreendido entre as ruas Inácio de Araújo,
Bresser, Coimbra, Dr. Costa Valente, Dr. João Alves
de Lima, e Hipódromo, apresenta arquitetura de
diferente caráter das anteriormente mencionadas.
Desprovida de excepcionalidade, porém não menos
importante, a arquitetura das pequenas vilas - antes
operárias -, casas, edificações de uso misto, galpões
e fábricas marcam o interior do bairro - onde a
tutela do patrimônio ainda não chegou.
Um olhar generalizado para a área em estudo
não desperta grande interesse no que tange à qualidade da produção arquitetônica, principalmente
quando comparada aos grandes exemplares supracitados. Entretanto, a partir de pesquisas aprofundadas em documentos de arquivo12, atreladas
ao olhar cuidadoso de repetidas visitas ao local,
foi possível descortinar a paisagem de uma área
onde a arquitetura modesta, resultado do conhecimento empírico da mão de obra imigrante, em
muitos casos, mostra-se preservada. Foi preciso o
olhar aguçado para a paisagem do local, atentando
principalmente aos elementos das fachadas, para
mapear o patrimônio cotidiano do bairro.
A arquitetura de caráter modesto, representada principalmente pelas casas destinadas ao operariado é resultado da atuação direta dos imigrantes. Os mestres de obra italianos seguiam um
programa simples para construção de casas em
massa. Com poucos recursos, construíram casas
típicas operárias, geminadas e com planta simples.
Predominantemente térreas, continham: sala, uma
fileira de quartos, cozinha e quintal. Essa produção
apresenta solução bastante funcional para esse
tipo de casa, ou seja, a construção da unidade
mínima para satisfação das necessidades do operariado. Sua grande importância se dá pela aplicação do conhecimento do imigrante, principalmente com a disseminação da alvenaria de tijolo
(SALMONI; DEBENEDETTI, 2011).
A importância dos exemplares remanescentes
de arquitetura cotidiana, bem como destinados à
produção industrial, galpões e fábricas, ganhou
destaque em fins da década de 1970, a partir de
dois inventários produzidos para a região. Realizados em 1977 e 1978, pela EMURB, o “CURA Brás-Bresser”; e pela COGEP com o DPH, o “Patrimônio
Ambiental Urbano - Zona Metrô Leste13”, indicaram
as principais áreas passíveis de modificações
diretas por conta da implantação do ramal leste
do metrô, ou seja, do patrimônio cultural passível
de desaparecimento. Preocupados em estabelecer
uma abordagem ampla sobre os aspectos físicos,
ambientais e culturais da área de estudo, os levantamentos apresentam os exemplares a serem preservado, a partir de uma seleção de valores.
O texto de apresentação do trabalho “Patrimônio Ambiental Zona Metrô Leste”, de 1978, ecidencia seus objetivos:
É intenção preservar este repertório selecionado para a vida da Metrópole; mantê-lo funcio-
nal e socialmente ligado à contemporaneidade.
Neste sentido, procuramos desvincular - sempre
que necessário - a ideia de preservação daquela
de monumento, ou monumentalidade. Isto
porque acreditamos ser quando maximizada
e valorizada na presença da herança ambiental/
histórica no cotidiano das populações, que se
atinge o melhor desempenho desta mesma
herança em seu processo de identificação cultural e crescimento. (apud BAFFI, 2006, p. 170)
Estes trabalhos mostraram que a região possui
grande potencial de bens passíveis a preservação
e recuperação em termos de qualidade paisagística e ambiental (BAFFI, 2006). Apesar de engavetados, suas indicações e propostas são justificadas
ainda hoje14. As vilas habitacionais e os conjuntos
industriais significativos, apresentados como importantes para área, estão inclusos nos exemplares
indicados por essa pesquisa, o que denota
sua permanência.
Além disso, os únicos quarteirões inteiramente modificados na área em estudo foram indicados
pelos dois inventários como área propensa à modificação dada sua proximidade com a linha do
metrô. Estes quarteirões são, de fato, os únicos que
não apresentam a configuração original dos lotes.
Ocupados por condomínios residenciais, seguindo
a lógica dos empreendimentos imobiliários da
década de 1990, configuram-se como conjuntos
bastante destoantes do entorno, fechados por
muros, sem diálogo com as áreas adjacentes. Como
mencionado, a legislação urbanística estabeleceu
um dado padrão construtivo aos lotes urbanos, e
a especulação imobiliária definiu o preço da terra,
determinando o perfil social dos moradores. Para
as áreas contíguas às grandes artérias da cidade,
no caso a linha de metrô, essa regulação levou à
construção desse tipo de ocupação, cuja tipologia
já nasce segregada no espaço, arquitetônica e socialmente (OLIVEIRA, 2008).
Os outros quarteirões da área mantiveram, no
geral, configuração de lotes e volumetria, o que
pôde ser observado quando da comparação entre
o mapa Sara-Brasil, produzido na década de 1930,
e a configuração atual. A pesquisa mostrou a permanência tanto de exemplares em bom estado de
conservação [Figura 3], como de outros já degradados, mas ainda sim importantes para a ambientação do bairro. Entre as diretrizes propostas15,
indica-se esses exemplares como passíveis de preservação, dada sua importância, tal qual os bens
monumentais já mencionados. A representatividade, a permanência das características fundamentais, da herança arquitetônica e ambiental, e
35
Figura 3. Construção localizada na Rua Bresser.
Em bom estado de conservação, abriga uso misto:
comércio e habitação (albergue). Ao lado se pode
observar construções já modificadas. Fonte:
fotografia da autora, 2013.
o estado de conservação das construções, foram
os critérios adotados para a pesquisa em questão16.
Dessa forma, analisou-se os exemplares quanto à
permanência de sua configuração no lote, características arquitetônicas - a partir do levantamento fotográfico das fachadas, atentando para elementos ornamentais, platibandas, embasamentos,
configuração das aberturas, como portas e janelas
-, e relação com o entorno.
No eixo da Rua Bresser, importante polo comercial para o bairro - contido na área de pesquisa aprofundada -, são poucos os edifícios completamente modificados, mas também são poucos os
preservados em sua inteireza. O que se vê é a
adaptação estrutural para responder às demandas
atuais, em que junção de lotes, grandes aberturas
no térreo e pintura modificada são os principais
elementos que marcam essa adaptação. De caráter
negativo se pensarmos que os bens estão, em
partes, descaracterizados. Mas positivo se considerarmos que, mesmo com a ampliação para o
comércio, muitos não foram demolidos para a
construção de novas edificações. A proposta de
preservação se coloca, pois, no sentido de evitar
qualquer outra atuação que venha a descaracterizá-los completamente.
O tipo de apropriação para a habitação foi outro
fator considerado. No que tange a preservação de
sua materialidade, a maioria das residências conseguiu, ao longo dos anos e, mesmo com as mudanças no perfil dos moradores, preservar as características das construções. Por outro lado, muitas
receberam adição de pavimentos, abertura de
garagem e modificações completas em suas fachadas, acabando por se descaracterizarem. Mas
pode-se entender que a manutenção da configuração dos lotes, estreitos e profundos17, já representa um importante aspecto caracterizador do
36
bairro, mantido em praticamente todas as casas
[Figura 4].
Em contrapartida da manutenção de alguns
exemplares, ainda que com as adaptações citadas,
ocorrem no bairro constantes demolições que
podem vir a modificar significativamente a paisagem. Mesmo que pontualmente, estas modificações
acabam por criar elementos destoantes do entorno,
ou prejudicar a visibilidade de algum exemplar
remanescente.
Atrelado a esse processo, está a adaptação de
muitos lotes para a função de estacionamento.
Observado o grande fluxo de pessoas que se desloca
- de carro -, até o bairro, em função da atividade
comercial, é de interesse para empresas utilizarem
dos antigos - e muitas vezes abandonados - galpões
industriais para a criação de estacionamentos. Estas
empresas acabam por utilizá-los de forma inapropriada, destruindo parte das construções, muitas
vezes o interior dos lotes, fechando antigas aberturas, ou abrindo novas, e intervindo no tratamento das fachadas de forma a modificar o edifício em
tamanha escala, até levá-lo à descaracterização
completa. Esse movimento demonstra então uma
forte despreocupação com a importância desses
bens, e indica um processo que pode se repetir em
outros edifícios abandonados ou subutilizados.
Um caso a ser destacado é o do chamado “Castelinho da Bresser”, exemplar de importância para
a região, não protegido oficialmente. Originalmente sede de uma tecelagem, inaugurada em 1925, a
chamada Tecelagem de Seda Santa Magdalena,
passou a abrigar, em 1970, outra fábrica de tecidos,
Rendamira Indústria Têxtil. Em 2012 o conjunto
foi vendido para uma empresa de estacionamentos
que pretendia construir um centro de compras no
local. Após alguns impasses entre a prefeitura,
moradores da região, e a empresa, a reforma do
Figura 4. Casas na Rua Vieira Martins.
Fonte: fotografia da autora, 2014.
edifício foi permitida, tendo sido finalizada no
início de 2015. O edifício apresenta atualmente a
mesma configuração em fachada, porém foi pintado
com cores diferentes das anteriores. No térreo o
uso foi compartimentado, destinado ao comércio,
o primeiro nível ainda não recebeu uso, é um
grande salão, e o segundo é destinado a salas comerciais. Como em muitos outros casos, a apropriação não resultou em completa descaracterização do bem, mas poderia ter sido executada de
forma a respeitar de forma mais coerente sua
existência e representatividade para o bairro18
[Figura 6].
Este edifício exemplifica o foco da pesquisa,
cujo objetivo foi elencar os exemplares que, apesar
de modificados, se constituem como elementos
importantes para a memória do bairro, conservam
em si o caráter cotidiano, residencial ou fabril
originários, passíveis de serem contemplados com
alguma forma de proteção oficial. Podendo ser
utilizados para responder às demandas do bairro,
não precisariam ser demolidos.
Inicialmente acreditava-se que seriam poucas
as reminiscências edificadas, porém o olhar aprofundado indicou que a área está, de certa forma,
preservada em sua morfologia, uso e ocupação,
abrigando o mesmo uso no mesmo edifício, em
edifícios reformados, ou ainda outros usos em edifícios novos, mas mantendo um padrão de ocupação do lote em sua grande maioria (GENNARI, 2004).
As características de um antigo padrão de ocupação,
voltado para a ratificação da lógica industrial, a
partir do levantamento apresentado na pesquisa,
indicam uma área consolidada em termos de sua
estrutura, porém não imune a mudanças futuras.
Hoje não se pode mais dizer que a área abriga
predominantemente migrantes nordestinos. A
população habitante do bairro é constituída de
pessoas de diversas proveniências, muitas inclusive
nascidas na região. A possibilidade de permanência
dessas pessoas no bairro, e a consequente
manutenção de sua característica residencial, pode
ser desconstruída no futuro, caso os interesses da
especulação imobiliária adentrem na região. O
estado atual do patrimônio remanescente externa
a cultura de quem ali vive e com o passar dos anos
dali se apropriou. O conjunto que vemos atualmente é, portanto, o resultado de todas essas
camadas que intervieram na área, construindo a
paisagem que vemos atualmente, rica de vestígios
e memória popular, patrimônio imaterial que
também deve ser preservado.
4. Considerações finais
Em linhas gerais, a proposta que se apresenta é a
valorização do nosso patrimônio cotidiano,
tomando como estudo de caso o bairro do Brás.
Elevada ao mesmo nível de importância dos bens
monumentais mencionados, a arquitetura cotidiana é parte da memória de um bairro, reflete a
história da técnica, da imigração, da adaptação
para novos usos, da presença nordestina, da
chegada do metrô, de diversas raízes culturais,
entre outras, apresentadas como elementos de
nosso patrimônio de matriz industrial.
A preservação do patrimônio industrial deve
ser entendida no contexto de ampliação daquilo
que é considerado bem cultural (KÜHL, 2006). De
acordo com Beatriz Kühl (2006), a discussão teórica
aprofundada voltada para a realidade patrimonial
brasileira, responsável por abarcar uma série de
tipos cada vez mais variados, ainda é incipiente,
porém vem sendo ampliada. É nesse contexto que
o patrimônio industrial se insere.
37
Figura 5. Representação das novas construções
no Brás, juntamente com o mau estado de
conservação de alguns exemplares mais antigos.
Fonte: fotografia da autora, 201
Propõe-se que a preservação desses bens se
coloque no sentido de absorver a noção identitária
da população, ou seja, conservar a identidade cultural de um bairro que é relato das diversas
camadas que por ele passaram. Preservar esse
patrimônio significa cultivar a história como em
palimpsesto, os registros desde os primeiros moradores, até os atuais. A arquitetura remanescente é o relato de suas vivências, atividades e também
modificações. Dessa forma, a preservação é um
instrumento para compreensão da história e da
memória da área. Não se pretende, em nenhum
aspecto, diminuir o valor documental, estético ou
histórico dos bens tutelados, mas sim elevar a
produção arquitetônica simples, anônima, ao nível
de importância dos bens excepcionais, propondo
sua preservação.
É importante que os moradores reconheçam
o valor do bairro e se reconheçam como agentes
de manutenção daquela área, pois a participação
popular pode se configurar como um grande instrumento para proteger esses bens. Ou seja, o tratamento parcimonioso com o bem edificado, pode
ser o modo mais efetivo para se dar início a um
processo de tutela, principalmente quando se trata
de um conjunto não protegido oficialmente. Mencionou-se que essa área, não recebeu grandes investimentos por parte do setor imobiliário, por
isso de certa forma, mantém um antigo padrão de
ocupação urbano, porém esse quadro pode vir a
ser modificado, assim como aconteceu no bairro
da Mooca.
O levantamento das qualidades físicas e culturais, o consequente registro e propostas para sua
preservação, objetos da pesquisa em questão,
mostram o valor desse lugar e sinalizam a demanda
por uma intervenção institucional. Mas, seria o
tombamento a melhor saída? São muitos os casos
38
em que o tombamento não garante a manutenção
qualitativa do bem, sua conservação, nem mesmo
promove a qualificação urbana da área onde está
implantado. Muitas vezes ele é usado como um
instrumento político ou financeiro, dados os investimentos previstos pelo poder público e privado
em bens tombados.
Dessa forma, apresentadas as modificações
pelas quais a área passou, e indicando as que ela
pode vir a passar, a ideia de preservação vem no
sentido de orientá-las, de modo que as novas construções ou adaptações não descaracterizarem os
bens reconhecidamente importantes, rompendo
com a ambientação e lógica da área como um todo.
Entender a passagem do tempo é permitir que esses
bens, considerados de importância cultural, se
mantenham em bom estado, respondendo às dinâmicas do bairro, sem serem considerados obsoletos.
Os temas ligados à preservação do patrimônio
industrial são, em comparação com outros temas,
algumas vezes negligenciados. Para Manoela Rufinoni é importante que se estabeleçam:
Análises atentas sobre a significação histórica
e estética desses bens, ou sobre a representatividade dos espaços da indústria na conformação de particulares dinâmicas de sociabilidade
e convivência, aspectos associados aos espaços
da memória na cidade. (RUFINONI, 2012, p.2)
Ademais, as propostas para preservação dessa
área devem contar com o instrumento do planejamento urbano como aliado, pois é notável a
desarticulação entre o planejamento e o patrimônio. Na prática são interpretados como opostos no
processo de construção e melhoramento da cidade.
Entretanto, se aplicados em consonância podem
gerar áreas de muito melhor qualidade urbana,
sem apagar importantes vestígios de nossa história, garantindo o direito à cidade e memória
Figura 5. Castelinho da Rua Bresser antes e
depois da reforma. Fonte: fotografias da autora,
2013 e 2016, respectivamente.
aos cidadãos.
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Notas
1. Aluna de graduação do curso de Arquitetura e Urbanismo na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo.
2. A população do bairro do Brás era constituída predominantemente por italianos, assim como a massa de
trabalhadores das fábricas era representada em sua
maior parte, por esse grupo. Algumas delas, chegaram a
empregar 90% de trabalhadores italianos, segundo
Alfredo Moreira Pinto (1979).
3. Atraídos pelos baixos preços dos aluguéis, dada a saída
da população que ali morava, e pela possibilidade de
trabalho na produção têxtil. Sobre a migração nordestina para a cidade, ver Paulo Fontes (2002).
4. Ainda que a atividade industrial tenha diminuído,
perduraram as pequenas oficinas e locais de armazenamento, principalmente, garantindo a característica da
área como produtora de roupas.
5. A primeira Lei de Zoneamento da cidade é sancionada
em 1972, imprimindo no bairro a tipologia resultante da
ocupação característica do bairro industrial. Porém o
declínio da indústria no Brás, na década de 1980, resulta
em uma área que já não tem mais a atividade industrial
como base, mas o zoneamento continuava o mesmo como indica Lara Melo Souza (2011). Porém em 1990 é
criada a Z19, uma nova zona de uso que prevê o reordenamento espacial da área contígua ao ramal leste do
metrô.
6. Condomínios residenciais construídos a partir da
década de 1990, murados, cujo projeto prevê o desenvolvimento de uma vivência social interna àquele espaço,
para o qual se cria uma espécie de parque para convi-
14. Mesmo que antigos, não podem ser considerados
vência estrita dos moradores. Além de apresentarem
obsoletos. Precisam ser atualizados a partir da visão
gabarito diferente, mais alto que o existente na área.
ampliada dos bens e experiências mais recentes.
7. Indicações referentes à preservação do patrimônio
15. O trabalho estabeleceu três diretrizes para inventariar
industrial estão compiladas na Carta de Nizhny Tagil.
o patrimônio da área: bens a serem preservados, ele-
Documento organizado pelo The International Commit-
mentos cuja volumetria deveria ser mantida e elementos
tee for the Conservation of the Industrial Heritage
que poderiam ser verticalizados.
(TICCIH), aprovado em 2003. De caráter consultivo, o
16. Critérios utilizados pelos técnicos responsáveis pelos
documento apresenta questões relacionadas à definição
inventários mencionados. Dada sua validade e impor-
de patrimônio industrial, bem como a abordagem da
tância, foram adotados para a seleção realizada durante
“arqueologia industrial”, seus valores, a importância do
essa pesquisa.
inventário, assim como indicações para proteção, con-
17. Essa maneira de parcelamento foi muito caracterís-
servação e manutenção dessa matriz patrimonial.
tica dos bairros operários, ela deu forma ao tecido urbano,
8. A pesquisa faz parte de um grupo de projetos com o
profundamente ligado à atividade industrial.
mesmo tema. Comuns no que diz respeito à justificativa
18. O “Castelinho da Bresser”, como chamado pelos mo-
e método, se diferenciam, entretanto, no perímetro de
radores é, para estes, um importante elemento de reco-
estudo, compreendido dentro do bairro do Brás. Dessa
nhecimento para a região. Como não é um bem tombado,
forma as áreas estudadas por cada uma das bolsistas,
recebe pouca atenção de autores no geral e também dos
quando vistas em conjunto, fornecem uma análise com-
órgãos de proteção, o que dificulta o conhecimento do
pleta e aprofundada do bairro como um todo. São também
bem. Foi somente através de pesquisa digital e conversas
autoras de pesquisas com o mesmo tema: Bruna Dedini
com moradores/ ativistas da região que algumas infor-
Silva, Gabriela Mascarenhas Piccinini, Renata Cima Cam-
mações foram obtidas. Assim, ainda são necessários
piotto, Tarsila Andriole de Sousa e Luiza do Carmo M.G.
estudos aprofundados para documentação e obtenção
Nadalutti.
de maiores detalhes sobre o caso. Entretanto se configu-
9. Na Mooca o mercado imobiliário levou à destruição
ra como um bom exemplo a ser destacado.
de grande parte do patrimônio residencial e industrial.
Como os terrenos de grande porte apresentavam maior
facilidade para compra, pois pertenciam a um único
proprietário, houve a construção de grandes condomínios
residenciais. No Brás, onde predominaram terrenos residenciais - de pequeno porte -, o interesse imobiliário
foi menor, o que dificulta, porém não impede, as negociações por parte dos investidores, com os proprietários
de cada um desses terrenos. Para aprofundamento no
tema do patrimônio da Mooca ver Manoela Rufinoni
(2004).
10. Não há, no Brás, nenhum bem tombado em nível
federal.
11. A Avenida Rangel Pestana se localiza no antigo
“caminho do Brás” (TOLEDO, 1983), foi a via a partir da
qual o bairro se estruturou, sendo atualmente sua grande
artéria. É citada por autores que trataram na história do
bairro como o local de festas, reunião da população que
ali vivia. Demonstrando que no Brás, isolado do centro
a partir da Várzea do Carmo, existia um núcleo intenso
de vida própria (ANDRADE, 1994).
12. Foram realizadas pesquisas no Arquivo Histórico
Municipal e nos arquivos do Departamento do Patrimônio Histórico.
13. Para aprofundamento do histórico de elaboração dos
primeiros projetos e propostas para a zona leste - produzidos antes das propostas finais dos inventários mencionados -, bem como da criação da EMURB, do Projeto
CURA, da COGEP, e do DPH, ver Andrade (2004).
41
Merci ma mère / Obrigado
minha mãe - um pedaço
africano no Brás
Merci ma mère / Obrigado
minha mãe - an African place
in the Brás neighborhood
Merci ma mère / Obrigado
minha mãe - un espacio
africano en el bario de Brás
Otávio de Oliveira Melo1
Orientadora: Profa. Dra. Ana Lúcia Duarte Lanna (FAU-USP)
Pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida desde agosto de 2015
com financiamento PIBIC-CNPq
O presente artigo parte do entendimento das imigrações internacionais como um fenômeno da
modernidade que se desdobra
na formação e constituição das
cidades. A cidade de São Paulo é
compreendida como produto das
presenças estrangeiras, pois elas
fazem parte de processos econômicos, sociais e culturais em
curso no espaço urbano. O artigo
então apresenta um estudo sobre
a população de imigrantes africanos na cidade, que constituem
espaços de sociabilidade. Um
desses espaços é o Merci ma mère
/ Obrigado minha mãe - um restaurante gerido por um imigrante do Mali, localizado no bairro
do Brás. O restaurante é lugar de
diversos usos e acontecimentos,
espaço central para estabilização
dos imigrantes africanos que
chegam na cidade.
Palavras-chave
imigrantes; africanos; antropologia urbana
Understanding international migrations as a phenomenon of
modernity that unfolds in the
formation and constitution of the
cities; and the city of São Paulo
as a product of foreign that are
part of economic, social and cultural processes of the urban
space; this paper presents a study
on the population of African immigrants in the city, which composes spaces of sociability. One
of these spaces is the Merci ma
mère / Obrigado minha mãe - a
restaurant run by an immigrant
from Mali, located in the neighborhood of Brás. The restaurant
is a place of many uses and
events and a fundamental space
for stabilization of African immigrants arriving in the city.
Keywords
immigrants; Africans; urban anthropology
Este artículo parte de la comprensión de las migraciones internacionales como un fenómeno de
la modernidad que se expande
en la formación y constitución
de las ciudades. La ciudad de Sao
Paulo, se entiende como un producto de presencias extranjeras,
ya que é parte de los procesos
económicos, sociales y culturales
que tienen lugar en el espacio
urbano. En el artículo se presenta un estudio sobre la población
de inmigrantes africanos en la
ciudad, que construyen espacios
de sociabilidad. Uno de estos espacios es el Merci ma mère / Obrigado minha mãe - un restaurante dirigido por un inmigrante de
Mali, situado en el barrio de Brás.
El restaurante es un lugar de
muchos usos y eventos, espacio
central para la estabilización de
los inmigrantes africanos que
llegan a la ciudad.
Palabras-clave
inmigrante; africanos; antropología urbana
43
Figura 1. Mapa dos lugares de
sociabilidade africana e imigrante
na região central de São Paulo.
Fonte: desenho do autor, 2016.
1. Introdução
Desde a colonização portuguesa, a história do
Brasil é analisada - entre outras formas - como
um processo construído por camadas e tempos
de migrações variadas. (...) uma cronologia de
nosso processo histórico, desde o século XVI ao
final do século XX, pode ser escrita a partir dos
deslocamentos populacionais que, assim, se confundem com a nossa história. (PAIVA, 2007, p.12)
Esta mesma noção do processo histórico, colocada sob perspectiva para entender a cidade de
São Paulo enquanto metrópole industrial, nos ajuda
a perceber o quão importante foram as presenças
estrangeiras para a cidade que, desde finais do
século XIX, recebe contínuos fluxos de imigrantes
estrangeiros que notadamente - utilizando a noção
de Paiva - adicionaram camadas ao processo de
desenvolvimento da cidade, operando transformações demográficas, econômicas, espaciais, culturais e sociais no espaço urbano.
A partir destas noções, reconheço o imigrante
como um ator social importante na conformação
do espaço urbano e a própria cidade atual como
produto das várias temporalidades e influências
de grupos estrangeiros, a ser compreendida a partir
da complexidade de interconexões, trânsitos e
apropriações imigrantes.
Ao pisar no território da cidade, o imigrante,
como assim passa a ser chamado pela sociedade
que o recebe (SAYAD, 1998), busca se fixar na cidade
através das relações de trabalho. A partir do
momento em que são absorvidos como força de
trabalho, os imigrantes imprimem suas marcas na
cidade, ao construírem suas redes de sociabilidade
que geram novos percursos, e alteram seus espaços
de trânsito e permanência.
O presente artigo partirá do reconhecimento
44
da presença do imigrante africano na região central
da cidade, identificando uma “mancha africana”
e reconhecendo esses lugares de pertencimento,
relações e trânsitos na cidade. O recente e importante fluxo de imigrantes africanos, e entre eles
refugiados, é interpretado como fator constituinte
de redes e práticas comuns.
O imigrante, peça chave no entendimento da
cidade é o grande tema deste artigo. O recorte sobre
a presença estrangeira na cidade incidirá sobre os
imigrantes africanos, população que faz parte de
um fluxo relativamente recente de migração para
a cidade. O objeto do relato etnográfico é o restaurante Merci ma mère / Obrigado minha mãe, no
Brás, gerido por Adama Konate, um imigrante /
refugiado do Mali2.
Por tornar-se um espaço de referência como
lugar da sociabilidade, auxílio mútuo e contato
com a África e por abrigar diversos problemas
fundamentais para entender a questão do imigrante na metrópole, escolhi este objeto. Desta maneira,
acredita-se ser possível identificar um pedaço, o
pedaço africano no Brás.
2. A questão migratória e a cidade: São Paulo
como produto de estrangeiros
As migrações não são um fenômeno recente. O que
se classifica como “migrações internacionais” só
pôde ser observado sobretudo a partir de finais do
século XIX, quando se consolidam os Estados-Nação. É neste período, de surgimento do mundo
moderno, que o sistema capitalista é adotado amplamente, baseando-se no trabalho como meio de
geração de capital. A aglutinação da sociedade em
torno de um mesmo corpo social-político, o Estado
Nacional, garantiria seu pleno desenvolvimento
econômico e social e consequentemente, o fortalecimento do próprio Estado enquanto ente político.
Nesta organização política, a fronteira nacional
é um dado fundamental para constituição e manutenção do funcionamento dos Estados: além de
preservar os limites do Estado enquanto entidade
política autônoma, a fronteira é primordial para
a definição de Estado, uma vez que ele se colocava
em relação aos outros [Estados] para a afirmação
de sua soberania internacional. As fronteiras,
então, passaram a operar como verdadeiros “fatos
sociológicos”, usando a definição de Simmel (1983)
nos indicando que elas são sua potência nas construções políticas e sociais, que especializadas, tem
o poder de reiterar controles sociais e culturais,
para além do dado controle territorial. Sob a regulação dos Estados, as fronteiras definiram o
caráter dos deslocamentos populacionais, que
sempre existiram, mas que, a partir de então, foram
classificados como “migrações internacionais”.
O fenômeno das migrações internacionais
adquire importância no bojo das relações internacionais e das políticas internas aos Estados, pois
estes deslocamentos populacionais, ao mesmo
tempo que reiteram as fronteiras nacionais ao
“forçarem” políticas públicas na sua concretização,
têm na sua essência, o questionamento da existência das fronteiras (culturais, sociais e físicas). É a
presença de imigrantes nos Estados Nacionais que
tenciona a fronteira, que a coloca em questão com
os conceitos estabelecidos de nacionalidade, e que
consequentemente, diferenciam os nacionais dos
estrangeiros.
As migrações internacionais, um fenômeno
inerente à modernidade, vêm transformando e
reconfigurando as sociedades que recebem as populações estrangeiras. É no mundo urbano que
essas mudanças podem ser percebidas de forma
ampla, cristalizada e contínua, pois é nele que se
concentram os conflitos e tensões relacionadas à
presença do imigrante. As cidades, locais de concentração do consumo, da produção de bens e das
trocas, são os lugares em que a presença de imigrantes se dá de forma sistemática, pois elas ao
existirem para os migrantes como “lugar das oportunidades”, existem também como lugar da espacialização dos conflitos inerentes à questão das
fronteiras, das trocas culturais e da contínua reiteração das diferenças entre nacionais e estrangeiros.
A cidade de São Paulo, então, ocupa um lugar
privilegiado de análise por se constituir enquanto
metrópole, também a partir de finais do século
XIX, com a chegada contínua de estrangeiros. A
cidade-metrópole foi inserida nos fluxos globais
de comércio, a partir do desenvolvimento da cafeicultura e de processos de industrialização, que
tiveram a cidade de São Paulo como ponto de irradiação na estrutura econômica do país e que
acabaram por consolidar a cidade como lugar de
dinamismo econômico e oportunidades de trabalho diversas.
A presença maciça de imigrantes na cidade,
que desde finais do século XIX, chegam em um
movimento contínuo e de certa forma permanente, consolidaram no imaginário da sociedade, a
cidade de São Paulo como metrópole “cosmopolita”. É importante ressaltar que esses imigrantes,
tanto os internacionais quanto os nacionais, não
encontraram uma sociedade (e cidade) amplamente acolhedora. Vale lembrar que os milhares que
aqui chegaram, em fluxo contínuo, buscaram estratégias diversas de inserção, construindo para
si um lugar de acolhimento, reunindo-se em comunidades de hábitos, linguagens e projetos em
comum.
É nesta dualidade permanente de acolhimento
e rejeição, incorporação e exclusão, dos
estrangeiros, sujeitos que carregam em si esta
indefinição, que a cidade é construída desde finais
do século XIX até a contemporaneidade (FAUSTO,
1997; HALL, 2004). A cidade é então, analisada a
partir dos desdobramentos deste longo período de
constituição da ideia de “metrópole cosmopolita”,
encarando as presenças estrangeiras como elemento fundamental, constitutivo da cidade, que
opera transformações espaciais, demográficas,
econômicas, sociais e culturais que a consolidaram
como “cidade de imigrantes”.
Diante deste quadro, a questão da imigração
representa uma porta aberta à compreensão da
cidade atual, que ainda reclama o título de “cidade
acolhedora” e “cosmopolita”, mesmo com as notáveis (e históricas) demonstrações dos limites e
tensões relacionadas a esta autodenominação. É
através desta perspectiva que procuro discorrer
sobre este processo contemporâneo de construção
da cidade, identificando algumas permanências
que vem desde finais do século XIX, mas sobretudo,
investigando formas correntes de produção da
cidade que ocorrem através dos territórios de
contato e de relações entre “os daqui” e “os de fora”.
3. Imigração e trabalho, uma forma de compreender a presença estrangeira
A ideia de São Paulo como metrópole diversa,
45
Figura 2. Croqui da planta do restaurante,
Merci ma mère / Obrigado minha mãe
desenhado durante uma das visitas à campo.
Fonte: desenho do autor, 2016.
multicultural, foi continuadamente construída pela
chegada de imigrantes e os desdobramentos relacionados à inserção destes na sociedade paulistana. Consolidou-se também a imagem de “cidade
do trabalho”, que opera “positivamente” para os
cidadãos dentro de uma lógica, por vezes perversa, de distinção entre outras cidades e regiões
brasileiras, mas que também fixa a cidade como
destino para àqueles que buscam oportunidades
de trabalho.
Entender a questão da imigração a partir do
universo do trabalho, em São Paulo, é uma escolha
que nos abre outros campos de questões e situações
diversas, pois o trabalho é um importante campo
de intermediação entre nacionais e estrangeiros,
pois ele produz, de fato, a cidade. O sociólogo
francês Abdelmalek Sayad (1998), ao estudar a
presença de imigrantes argelinos na França,
durante os anos 1970 e 1980 - período de grande
expansão econômica e oportunidades de trabalho
-, nos fornece uma visão importante acerca de
profunda ligação entre o imigrante e o trabalho.
Sayad parte da ideia de que é no universo do trabalho que o imigrante passa a existir para a sociedade, que “o trabalho que fez ‘nascer’ o imigrante,
que o fez existir; é ele, quando termina, que faz
‘morrer’ o imigrante, que o empurra para o nãoser.” (Sayad, 1998)
O universo do trabalho, a partir do momento
em que é tratado como “ponto de partida” da questão
imigratória, quando “nasce” o imigrante, contribui
com um dos aspectos principais (e mais problemáticos) na relação de estrangeiros e nativos na medida
em que ele posiciona o imigrante no campo do desconhecido, do “diferente”. Ou seja, o estrangeiro que
aqui chega só passa a “existir” a partir do momento
em que encontra alguma ocupação no universo do
trabalho livre, desta maneira, a sociedade receptora
46
se ausenta de (re)conhecer e compreender a história
pregressa das populações estrangeiras.
Esta existência profundamente vinculada ao
trabalho e, portanto, à situação econômica da sociedade receptora também imprime no imigrante
um permanente estado de provisoriedade, ainda
que seja notável em São Paulo, a permanência deles
mesmo em estado de crise econômica. Vale notar
que esta dualidade de estados, do “ser permanente”
e do “ser provisório” é sempre revista, negociada:
em cenários de expansão da economia, a “balança”
tende a oscilar para a permanência, e nas crises há
o “regresso” à condição de provisoriedade.
Enquanto a expansão econômica, grande consumidora de imigração, precisava de uma mão-de-obra imigrante permanente e sempre mais
numerosa, tudo concorria para assentar e fazer
com que todos dividissem a ilusão coletiva que
se encontra na base da imigração. [...] O resultado disso tudo foi que todos acabaram por
acreditar que os imigrantes tinham seu lugar
durável, um lugar à margem e na parte inferior
da hierarquia social, é verdade, mas um lugar
duradouro. (SAYAD, 1998, p.46)
Para os imigrantes recentes, há o sentimento
de não estarem sempre seguros de sua permanência - pois ela não é garantida -, exigindo um contínuo esforço de re-garantia, mesmo para aqueles
que tem como “certa” a permanência na sociedade
que os recebeu, com a continuidade da condição
de imigrantes. O mundo do trabalho é, portanto,
este lugar em que a própria condição de imigrante é constantemente revista e reiterada, por eles e
pela sociedade que os recebe, surgindo deste campo
de “negociações” os elementos que permeiam o
contato entre estrangeiros e nativos, refletindo na
complexidade de tempos e experiências percebidas
na cidade de São Paulo.
Figura 3. Restaurante Merci ma mère /
Obrigado minha mãe em dia movimentado.
Fonte: foto do autor, 2015.
Portanto, o universo do trabalho nos aproxima
de questões da imigração e da cidade de maneiras
distintas: ele relega ao estrangeiro sua condição
de “diferente”, determina “quando” o estrangeiro
passa a existir, além de que, ele é um dos pilares
fixos que constroem a ideia de São Paulo como
metrópole dinâmica e multicultural. Porém, para
o imigrante, ainda que todas essas dimensões
estejam colocadas e operem, de fato, nas vivências
dos estrangeiros na cidade, o trabalho é o para o
imigrante o fator de atração principal, o que dá
início ao processo de deslocamento de seu país de
origem e que intermedia as relações entre os estrangeiros e a cidade.
4. A cidade e o imigrante como lugar
de análise da antropologia urbana
São Paulo como uma cidade de imigração é lugar
de permanência da população estrangeira, do trabalho, do lazer, é onde criam-se os filhos nascidos,
onde desenvolvem-se laços com a comunidade de
imigrantes, com a sociedade e com o próprio território urbano. Estas “apropriações”, sendo profundamente vinculadas ao território urbano, nos
colocam a própria cidade como problema, na
medida em que ela possibilita, justamente relações
diversas dos imigrantes com o espaço.
A leitura da cidade pelos seus espaços urbanos
é importante para a pesquisa, porque é neles que
os imigrantes desenvolvem suas relações. Logo,
como determinados grupos se apropriam e constituem para si, relações distintas com lugares distintos, podemos afirmar que essas diferenciações
espaciais também são elementos que compõe uma
dada identidade étnica.
A persistência dos “lugares de estrangeiros”
em São Paulo nos indica que a ligação entre os
imigrantes e seus lugares de trânsito e permanência é um fator que dá sentido e constitui diversos
espaços da cidade, que é compreensível através
da articulação de sua materialidade, dos processos
de construção de alteridades e das redes de sociabilidade3. Os estrangeiros são os atores sociais de
um espaço socialmente construído. A cidade, portanto, não é um mero pano de fundo para o desenvolvimento das práticas sociais, mas um todo que
é inconcebível sem as presenças estrangeiras, sendo
produto e lugar de produção de encontros e desencontros, de tensões, disputas e negociações
constantes. Assim, avançamos na leitura da cidade
no nível em que o espaço e os atores sociais interseccionam-se e produzem a cidade.
Para entender os “lugares de estrangeiros” e
com eles se constroem e operam na metrópole, nos
valemos também do campo de questões propostos
pela Antropologia Urbana, principalmente àquelas
propostas por José Magnani4, com quem o presente estudo compartilha um modo de leitura da cidade
que nos ajuda a compreender os diversos grupos,
de imigrantes no caso da pesquisa, em sua relação
com o espaço urbano e na constituição de novas
identidades. Segundo Magnani,
Se o que está em pauta é o contexto urbano, é
preciso levar em consideração dois fatores constituintes: a paisagem e os atores sociais. Não se
trata, contudo, de um cenário já dado no qual
os atores desenvolvem suas práticas. Na
verdade, a paisagem urbana é o resultado
dessas práticas e das intervenções ou modificações impostas pelos mais diferentes atores,
em sua complexa rede de trocas. (MAGNANI,
2012, p.252)
Os lugares de imigrantes são compreendidos
como espaços de sociabilidade que surgem a partir
47
Figura 4. Moradia coletiva, visitada em
outubro de 2015. Fonte: foto do autor, 2015
do estabelecimento de uma rede trocas, encontros
e apropriações diversas das populações estrangerias. Ao reconhecer estes espaços como constituintes da experiência urbana, nos afastamos de uma
visão da cidade “macro”, àquela que compreende
a cidade como resultado de forças econômicas,
políticas, variáveis demográficas, interesses imobiliários, entre outros fatores.
Reconhecemos a influência destes “atores” e
seu potencial para constituir a cidade e seus
espaços, porém, reconhecemos também que as
questões colocadas por eles tornam difícil a percepção das vivências que “escapam” diante de
uma visão sistêmica, abrangente da cidade. A
Antropologia Urbana apresenta um modelo que,
reconhecendo a existência de várias centralidades
da cidade (FRÚGOLI JR., 2000), busca compreender
os múltiplos usos e apropriações que nelas e partir
delas ocorrem. Magnani (2012) propõe um modelo
etnográfico que relaciona uma visão de longe e
de fora, abrangente, com uma visão de perto e
dentro que nos permite identificar especificidades
na relação entre os indivíduos e seus locais de uso
na cidade5.
A especificidade do conhecimento proporcionado pelo modo de operar da etnografia, que,
de acordo com a hipótese que está sendo trabalhada, permite-lhe captar determinados aspectos da dinâmica urbana que passariam
despercebidos se enquadrados exclusivamente pelo enfoque das visões macro e dos grandes
números. (MAGNANI, 2012, p.261)
Este “olhar etnográfico” é o que nos permite
avançar para além da identificação dos lugares
de estrangeiros, abrindo caminhos para a investigação de como eles operam na cidade; constituindo redes de sociabilidade, auxílio mútuo,
lugares de identificação e representação. O método
48
proposto por Magnani, nos permite agrupar estes
lugares em torno de conceitos e categorias que
nos auxiliam a entender os lugares de estrangeiros
em torno de suas próprias constituições e relações
com a cidade, e também enquanto parte de uma
verdadeira rede, ou circuito, que os coloca como
integrantes de uma metrópole, no caso, a “metrópole multicultural” com suas múltiplas vivências
e lugares de estrangeiros.
A análise dos lugares de estrangeiros transita
entre aproximações e distanciamentos. A leitura
da cidade é organizada, a partir de então, através
de níveis de análise que partem de uma visão
menos aproximada, identificando os lugares estrangeiros em relação com o todo da cidade, para
uma visão que reconhece cada um desses lugares
a partir dos atores que deles fazem parte e os
constitui enquanto unidade de análise, identificando e reconhecendo regularidades e padrões de
comportamento. Vale ressaltar que, o olhar etnográfico supõe ainda, recortes bem delimitados para
a análise etnográfica, e que eles fazem sentido
tanto para os próprios atores, quanto para quem
os analisa, não sendo arbitrários, mas sim, empiricamente definidos.
A partir da percepção das presenças estrangeiras africanas como atores sociais constituintes da
cidade podemos mapear, a partir de seus trajetos,
uma mancha africana na cidade. A partir do olhar
de perto e de dentro sobre esta mancha, podemos
encontrar além das especificidades dos diversos
pedaços, regularidades e padrões que se constituem
através do uso cotidiano da cidade pelas populações
africanas. Estas categorias de análise, a mancha, o
trajeto, o pedaço, ao estarem sempre correlacionadas, demandam as aproximações e distanciamentos,
e é este movimento que nos permite apreender
aspectos importantes sobre os imigrantes estudados.
Essas categorias são importantes para a análise
aqui desenvolvida e a aproximação com os usos
da cidade e as presenças estrangeiras que estamos
propondo apresentar neste trabalho. Neste sentindo, vale explicitar o significado dessas categorias
e como elas articulam-se com a pesquisa.
O conceito de mancha, definido por Magnani
refere-se a um aglomerado de estabelecimentos e
lugares reconhecidos por seus frequentadores
como similares do ponto de vista dos serviços que
oferecem e da sociabilidade que propiciam, constituindo pontos de referência (MAGNANI, 2002).
Uma mancha não é um lugar de fronteiras definidas, mas a sua existência pressupõe a existência
de lugares particulares, de uso quase restrito, portanto, as fronteiras são implícitas aos seus frequentadores, ao mesmo tempo em que são bem demarcadas para os de fora. “Pois em uma determinada
mancha sabe-se que tipo de pessoas ou serviços se
vai encontrar, mas não quais, e é esta a expectativa que funciona como motivação para seus frequentadores” (MAGNANI, 2002, s.p.). Assim, identifico na cidade diversos estabelecimentos e lugares
de sociabilidade imigrante africana, são os pedaços,
que conformam a mancha africana, assim nomeada
no desenvolvimento da pesquisa.
Os lugares que compõe a mancha africana, os
pedaços, são todos aqueles percebidos enquanto
lugares de identificação, onde os frequentadores
não necessariamente se conhecem, mas se reconhecem, ao serem portadores dos mesmos símbolos que remetem a gostos, orientações valores,
hábitos de consumo e modos de vida semelhantes
(MAGNANI, 2012). Esses lugares, além do restaurante analisado, são compostos por lugares de
lazer, trabalho, religiosidade, compras, que constituem suas próprias sociabilidades e que permitem
conexões entre si, constituindo-se de fato como
uma rede. Como lugar de sociabilidades diversas,
esses pedaços africanos fazem parte das diversas
vivências da cidade experienciadas pelos imigrantes. Como veremos mais adiante, os imigrantes
africanos analisados aqui dão significados diferentes a esses espaços, mas de maneira geral, todos
eles operam na relação dos imigrantes com a
cidade, como formas de inserção na própria cidade.
São, portanto, espaços de intermediação entre os
estrangeiros e os nativos, pontos de contato e troca,
lugar da redefinição negociada das identidades
desses grupos étnicos e da própria sociedade.
5. Um mapa da sociabilidade: aproximação
aos lugares de estrangeiros
Apesar da presença marcante na cidade, os imigrantes africanos não fazem parte de um movimento de imigração massificado, capaz de se constituir como “problema social” ou “questão
humanitária”, como presenciamos nos atuais fluxos
de imigração que cruzam o mar Mediterrâneo em
direção à Europa, ou mesmo os bolivianos e / ou
haitianos em São Paulo. Antes de nos atermos à
imigração africana, é preciso esclarecer que a
presença de imigrantes na cidade é pequena se
comparada à sua população total, e menor ainda
se comparada à da região metropolitana. A população imigrante (legalizada) está na casa de 360mil,
porém, o número é certamente maior considerando que muitos ainda estão em situação de irregularidade. Estima-se que além dos 360mil, outros
185mil imigrantes estão atualmente irregulares.6
Porém, os imigrantes africanos representam uma
pequena parcela: estima-se que são apenas 4mil
vivendo atualmente na cidade.7
Estes números não incluem a população refugiada / requerente de asilo, que neste trabalho,
opto por incluir na mesma categoria de “imigrantes”8. Porém, como será apresentado mais adiante
em um dos locais analisados, a presença africana,
é marcada pela população refugiada, em condições
de fragilidade maiores que os migrantes voluntários, ou econômicos. Dados da ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) sobre
os solicitantes de refúgio mostram que o país
recebe refugiados africanos que vem principalmente do Senegal, Nigéria, Gana, República Democrática do Congo. Depois dos Sírios e Colombianos, as nações africanas são as que mais solicitam
refúgio no país.9
Os dados nos mostram que os imigrantes africanos provêm majoritariamente da África negra,
dos países localizados na região do Sahel (a
chamada África subsaariana) e da porção central
do continente, na região Equatoriana, dos países
localizados ao longo do Rio Niger. Deixam essas
localidades indivíduos negros, muitos deles muçulmanos, em sua maioria homens, que imigram
sozinhos, sem suas mulheres e filhos. São esses
indivíduos, portanto, que estão constituindo seus
espaços de trânsito e permanência na cidade,
reunidos majoritariamente no centro na cidade.
Espaços que conformam uma mancha africana.
A partir das contínuas visitas à campo, buscando compreender a cidade a partir do olhar de perto
e de dentro, foi produzido um “mapa das sociabilidades” africanas. Neste mapa podemos identificar
diversos locais em que africanos entram em contato
com seus pares, em suas determinadas redes de
49
Figura 5. Fachada do restaurante Merci
ma mère / Obrigado minha mãe.
Fonte: foto do autor, 2015.
sociabilidade. Esses lugares são marcados por usos
distintos, em diferentes horários, escalas e relações.
A partir deste mapa, identifico então, a existência
da mancha africana, que reúne dentro de si diversos “pedaços”, ou locais que são pontos chaves
dentro de uma grande rede de sociabilidades e
reconhecimentos dos imigrantes africanos.
Começaremos a nos aproximar desta rede de
sociabilidades percorrendo pontos importantes
que constituem este grande lugar dos imigrantes
na cidade. Na região da Sta. Efigênia, nos arredores
da Praça Júlio de Mesquita, existe um circuito bem
demarcado de restaurantes étnicos geridos por
imigrantes das mais diversas nacionalidades, cada
um podendo fazer parte de seu circuito próprio
de sociabilidade (o circuito dos bolivianos, peruanos, sírios na cidade). Entre eles estão alguns restaurantes africanos, que conferem à região um
lugar de trânsitos e presenças imigrantes.
Na região da República, nos arredores da Praça,
e da Avenida Ipiranga, existe o lugar de concentração dos vendedores ambulantes. A figura do
imigrante africano que vende relógios, fones de
ouvido e outros produtos é onipresente nas calçadas, nas saídas da estação do metrô e nas portas
das lojas “oficiais”. Aproveitando a vocação turística da região (Praça da República, Edifício Copan)
também estão presentes os que vendem artigos
africanos, que originam da África ou não, mas
emulam uma África palatável paras os possíveis
compradores turistas. São tecidos estampados,
colares de búzios, pulseiras e miniaturas de animais
da savana.
No Anhangabaú e entorno a presença imigrante é marcada e tem seu centro na Galeria Presidente, conhecida como Galeria do Reggae. O espaço,
é similar à famosa Galeria do Rock, porém suas
lojas são dedicadas à cultura black, um pedaço
50
negro que aglutina rapazes e moças em torno de
algumas características de negritude com determinada estética, música, ritmo, frequência a shows
e danceterias (MAGNANI, 2012). Os diversos boxes
abrigam lojas de roupas, capoeira e muitos cabeleireiros especializados em dreads, tranças e penteados black power. A partir do terceiro andar as
lojas tradicionais convivem com várias outras
geridas por imigrantes, que além de restaurantes,
e de lojas semelhantes às outras, possuem também
lan-houses e cabines telefônicas. Estas são importantes como lugares de contato entre os que aqui
estão e os que ficaram. No térreo da galeria, os
imigrantes tomam a calçada e misturam-se a uma
infinidade de outros vendedores / anunciantes que
chamam diretamente os clientes na rua, oferecendo uma infinidade de serviços.
A região que vai do Mercado Municipal, Parque
D. Pedro II e que se estende até o Glicério é o lugar
onde a presença imigrante africana é mais notada
e também região em que se encontra a população
mais fragilizada. Na Rua 25 de Março em sua
porção próxima ao Terminal Parque D. Pedro II,
concentra-se os lugares de moradia de uma parte
da população, e algumas habitações coletivas.
Ainda na rua 25 de Março, próximo ao terminal,
também se encontra o Restaurante Bom Prato,
programa social do Governo do Estado de São
Paulo que oferece um almoço completo R$1,00. O
restaurante atrai uma fila grande de moradores
de rua, vendedores ambulantes e muitos imigrantes africanos. Apesar das evidentes diferenças, a
convivência é pacífica, porém o local parece não
ser um local de sociabilidade.
No Glicério, a mancha tem um ponto focal na
Igreja Nossa Senhora da Paz, da Missão Scalabriniana Nossa Senhora da Paz, ou Missão Paz, que
iniciou suas atividades em 1940. A Igreja foi criada
para a acolhida dos imigrantes italianos que chagaram massivamente na cidade no início do século
XX, e permaneceu prestando auxílio às contínuas
levas de imigrantes e refugiados de diferentes
nacionalidades que chegam na cidade. Localizada
na Rua do Glicério, a Missão Paz faz um importante trabalho com a população imigrante e refugiada,
nos âmbitos da assistência, cultura, política, religiosa, pesquisa e estudo, além da mediação das
relações de trabalho e regularização de documentação. Atualmente, como o fluxo migratório principal a ser atendido pela Missão, é o dos africanos,
eles são os elementos mais presentes na paisagem
das redondezas.
Em um edifício anexo à Igreja funciona a Casa
do Migrante, abrigo com 110 vagas para pernoitar.
O local deve ser esvaziado (para que os imigrantes
procurem emprego, ou saiam para trabalhar e
realizar suas atividades, nas palavras da direção)
pela manhã e o retorno só é permitido no final da
tarde. Tal regra cria um fluxo diário constante, de
imigrantes que saem para a cidade e retornam ao
abrigo para dormir. Partindo deste ponto, os trajetos espalham-se pela mancha, com os diversos
desdobramentos do cotidiano. Os que retornam
mais cedo, usam o pátio / estacionamento da Igreja
como praça: conversam em grupos, falando sempre
em seus idiomas nativos, incompreensíveis, ou
descansam sozinhos. Muitos outros frequentam o
local para obter ajuda com documentação, procurar emprego e participar de reuniões, o que também
fortalece a noção de um lugar pulsante, onde imigrantes de vários países e culturas distintas relacionam-se.
A porção leste da mancha é a região do Brás /
Mooca, local do restaurante Merci ma mère / Obrigado minha mãe. A região é muito movimentada
na porção em que se concentram as lojas do Brás,
concentradas no Largo da Concórdia, que também
é local de muitos vendedores ambulantes imigrantes. Os africanos misturam-se aos latinos (bolivianos, peruanos, paraguaios) e também aos brasileiros, fazendo do local um lugar de múltiplas
vivências e redes.
6. Merci ma mère / Obrigado Minha Mãe pedaço africano no Brás
O primeiro contato com o lugar se dá pela internet:
Adama Konate, o proprietário, é usuário da rede
social Facebook. É em sua página que ele divulga
o restaurante, publicando fotos do local e do cardápio. Adama também tem o hábito de escrever e
divulgar poemas dos amigos em suas redes, de dar
entrevistas e participar de diversas palestras, demonstrando que as redes sociais são utilizadas
pelos imigrantes como um modo de “fazer-se
ouvir”, para sua própria rede de contatos e para
a sociedade que os recebem.10
O restaurante localiza-se no bairro do Brás. A
região é ocupada por muitos galpões, que aos finais
de semana permanecem fechados, tornando as
ruas do entorno vazias e sem circulação. Configura-se um pórtico no percurso de 300m entre a
estação e o restaurante: trata-se de espaços, marcos
ou vazios na paisagem urbana que configuram
passagens. Lugares da cidade que não fazem parte
de nenhuma mancha, sendo lugares de transição,
da indefinição de regras e classificações, são lugares
insegurança e perigo (MAGNANI, 2012). São os
“vazios urbanos”, estudados por Jane Jacobs em
“Morte e vida das grandes cidades”, nos anos 60.
O Merci ma mère / Obrigado minha mãe é o
térreo de um espaço comercial com 5m de frente,
com portas de metal abertas pintadas de verde,
amarelo e vermelho. Na porta é fixado um banner
com o cardápio inteiramente bilíngue, em português-francês. Ao chegar no horário pós-almoço,
por volta das 14 horas, a primeira impressão foi
de que cheguei em um lugar privado. Cerca de
vinte homens (não haviam mulheres no salão)
estavam nas mesas, sentados em rodas, dividindo
os espaços.
Adama chegou e pedi algo para comer, e Adama
foi à cozinha e ordenou um prato de carne frita
com banana, o que havia sobrado do almoço.
Adama contou que é formado em contabilidade
no Mali, natural de Bamako, capital do país. Desembarcou na cidade em 2012 como refugiado.
Sabia pouco do Brasil, mas reconhecia que “o Brasil
é um país irmão”. Adama tinha planos de continuar os estudos nos Estados Unidos, mas acabou
chegando ao Brasil e decidiu ficar. Chegando no
país, frequentava a Galeria Presidente, onde usava
as lan-houses para se comunicar com o restante
da família no Mali. Lá conheceu seus “irmãos”.
Decidiu abrir uma lan-house, pois percebia que
o deslocamento para a Galeria Presidente era “complicado” para a maioria dos irmãos. Contou com
um fiador, que já alugava para ele um quarto no
Brás e que o reconhecia como uma “boa pessoa”.
Com a lan-house montada, Adama se firmou definitivamente como referência para os que chegam.
As pessoas que ocupam o topo da hierarquia
nos meios sociais e culturais locais e que impulsionam sua etnização, são as mesmas que,
mais que quaisquer outras, provêm dos circui-
51
tos mais globalizados ou circulam neles. Elas
mostram, por sua própria atuação, que hoje há
uma relação direta entre globalização e etnicização do local. (AGIER, 2000, p.10)
Em um cômodo anexo, Adama organizou um
sistema de depósito, no qual os irmãos podem
guardar seus pertences para poderem circular pela
cidade, nas suas atividades cotidianas com mais
segurança. A lan-house está localizada em frente
a um terreno com 50m de fundo aproximadamente, onde são localizadas várias habitações. São casas/
cômodos para alugar, todos ocupados por imigrantes
africanos. Em cima, funciona uma “casa de
passagem”, em que os imigrantes podem pagar R$2
para passar a noite, tudo organizado por Adama.
Rapidamente os “irmãos” começaram a pedir
que Adama abrisse um restaurante. Ele que “nunca
pensou em trabalhar com isso”, resolveu alugar
mais um espaço e montar um restaurante. O Merci
ma mère / Obrigado Minha Mãe abriu, reunindo
no mesmo espaço uma lan-house, telefones, restaurante e lavanderia. O espaço possui uma dinâmica singular devido à multiplicidade de seus usos.
Em um dos cantos do salão, um biombo verde-amarelo-vermelho separa o salão de um espaço
de orações do Islã: um tapete de orações no chão,
sem nenhum tipo de símbolo além de um adesivo
com os dizeres “I (love) Allah”. O Mali é um país
de ampla maioria muçulmana, apesar de não ter
o Islã como religião oficial.
Uma cortina separa o salão da cozinha. Ao
adentrar no espaço úmido e escuro, conheço a
única mulher presente, muito tímida apenas me
cumprimentou em português. Preparava sozinha
todos os pratos.11 Ao lado da cozinha há duas máquinas de lavar novas. Funciona no local o serviço
de lavagem de roupas por R$1 cada peça lavada.
O pequeno “quintal” serve de depósito dos restos
da cozinha, varal de roupas, além de dar acesso a
um banheiro com chuveiro (os banhos também
são cobrados).
No fundo do salão, o cardápio em banner
mostra o que é servido: arroz fat (arroz com molho
de tomate, mandioca carne e repolho), sopa de
galinha, arroz com molho de amendoim, aloco
(carne com banana frita) e salada. No fim do banner
eram anunciados refrigerantes, com uma frase:
“Bom apetite / Bonne à petit”. Também nos fundos,
há um mural de bandeiras que denuncia a diversidade de nacionalidades que estão ou já estiveram
presentes no local: Benin, Burkina Faso, Costa do
Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné-Bissau, Mali, Nigéria,
República Democrática do Congo, Togo. As paredes
também continham fotos de personalidades afri-
52
canas como Patrice Lumumba (líder anticolonial,
Congo Belga, 1925 - 1961), Thomas Sankara (militar,
primeiro presidente de Burkina Faso, 1949 - 1987),
Nelson Mandela (líder político, primeiro presidente democraticamente eleito, África do Sul 1919 2013), Amadou Hampâté Bâ (escritor e etnólogo,
Mali, 1901 - 1991) e Muammar al-Gaddafi (Militar
e líder político, Líbia, 1942 -2011).12
As paredes também exibem as regras do local,
escritas inteiramente em francês: “Interdit de
vendre drogues ou autre chose interdite mauvaise...
le ou les suspects seront directement declarés á la
police sans pitié” (Proibida a venda de drogas ou
outra coisa ruim...o(s) suspeito(s) serão diretamente declarados à polícia sem misericórdia); “mès
chers amis cet endroit est pour nous tous sans distinction de nationalité ni race ou ethnie...” (Meus
queridos amigos, este lugar é para todos nós, sem
distinção de nacionalidade, raça ou etnia...); “cedez
la place au gens qui veulent manger” (ceda o lugar
para os outros que irão comer).
No fundo do restaurante um banner com uma
foto grande de Adama Konate diz a todos: “Espace
des africains Merci ma mère. Nous sommes touts
egaux dans la justice et solidarité, sans difference.
Soyez le bienvenus à la cabine internationale Merci
ma mère».
O pedaço africano criado por Adama é lugar de
alteridades, do reconhecimento enquanto iguais,
é lugar do respeito e do contato. Enquanto pedaço,
o restaurante é ponto chave em uma peculiar rede
de relações que combina laços de parentesco, vizinhança, procedência, vínculos definidos por participação em atividades comunitárias e desportivas,
é lugar dos colegas, dos chegados (MAGNANI, 2012).
A análise proposta por Sayad sobre a jornada
da imigração se mostra muito representativa, na
medida em que os imigrantes, ao buscarem nas
sociedades de imigração um local para a reconstrução de suas vidas, tendo o trabalho como eixo
estruturador [desta busca], necessitam também
de um lugar estável, onde possam desenvolver
laços com seus pares, bem como com a comunidade ao redor, fortalecendo uma rede de sociabilidade. Formada por conhecidos, vizinhos, amigos
e parentes, as redes de sociabilidade desenvolvidas
pelos imigrantes se mostram fundamentais o desenvolvimento da comunidade, pois elas são
também redes de auxílio.
Como vimos na trajetória do proprietário, a
preexistência de uma rede de sociabilidade surgida
a partir de um uso comum (das lan-houses na
Galeria Presidente), permitiu que ele fosse reconhecido entre seus pares e posteriormente conhe-
cido como ponto chave na sua própria rede de
sociabilidade, que se reúne em torno da existência
do restaurante. Os laços com a comunidade
próxima, também permitiram alguma facilidade
no processo de fixação (ao conseguir um fiador
brasileiro) e inserção (não há conflitos com os vizinhos do local). O funcionamento do local também
é baseado nos laços estabelecidos entre os imigrantes, pois além da atmosfera pacífica, sem conflitos,
todos conhecem e respeitam as regras do local,
“este é um local para todos”. Para além do discurso do restaurante, há de fato a criação de um local
em que a regra é o respeito mútuo.
A coexistência no local de imigrantes de diversas nacionalidades, idades e religiões diferentes
são permitidas primeiramente, porque todos que
ali estão se reconhecem em torno de uma categoria comum, no restaurante “todos são africanos”,
discurso que atenua as possíveis diferenças nacionais e reforça a ideia de que todos são “iguais”.
Podemos observar tanto na trajetória do proprietário, quanto na análise do restaurante, que essas
redes são também percebidas como essenciais para
que o processo da imigração se torne menos
traumático. Portanto, a existência do local é permitida e baseada na coexistência, o que torna o
local um lugar de referência para àqueles que
chegam na cidade e buscam alguma estabilidade
que os possibilita a busca por emprego, e por consequência a inserção na sociedade.
Por reunir muitos imigrantes em situação de
fragilidade e recém-chegados, o restaurante atua
para além de um lugar de reconhecimento, como
um lugar em que o desafio da inserção é o que dá
significado à sua existência, que o liga diretamente com a necessidade desses grupos étnicos de
estabelecerem redes de auxílio, que os projetam
para um contato com a sociedade. A cidade, lugar
de espacialização destes desafios, é também constantemente reconfigurada e ressignificada diante
desta pluralidade de experiências proporcionadas
pela presença de estrangeiros. Através do mapa
das sociabilidades, que nos mostra os diferentes
espaços de uso e apropriação, podemos perceber
a abrangência e importância das presenças estrangeiras na constituição de diferentes espaços.
Na pesquisa completa, pudemos desenvolver
análises que tangem diversos aspectos da dinâmica da inserção do imigrante africano na sociedade,
que é inescapável a todos os imigrantes que analisamos. O Merci ma mère representou dentro da
análise, o local em que nos apresentava a importância da existência de uma rede de sociabilidade
e auxílio para a inserção desta população no
mercado de trabalho, além de representar (para
nós e para eles) o esforço de uma comunidade que
ainda enfrenta muita resistência ao seu reconhecimento e inserção plena na sociedade que os
recebeu, e na cidade que problematicamente ainda
reivindica para si a nomeação de “cosmopolita”.
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dêmicos que mencionem seu nome e o lugar que ele
constitui. Para além do contexto atual de recrudescimento das políticas migratórias, bem como a rejeição à determinados setores imigrantes na sociedade paulistana,
Adama mantém-se como pessoa pública, e como veremos,
é partir desta existência “pública” que ele consegue
constituir seu espaço e suas relações.
3. Os bairros estrangeiros não se constituem em guetos
e nem mesmo em local de moradia permanente para as
sucessivas gerações de imigrantes. Ao contrário uma de
suas características é a permanente sucessão de grupos
estrangeiros. Ou seja, o que os caracteriza como bairro
de imigrantes não é a permanência exclusiva ou majoritária de um grupo étnico, mas a presença constante de
grupos e marcas estrangeiros.
4. José Guilherme Cantor Magnani é professor titular em
Antropologia Social na Universidade de São Paulo e coordenador do NAU – Núcleo de Antropologia Urbana da
USP, da revista eletrônica Ponto Urbe.
5. Magnani coloca uma ressalva: “No entanto, não se trata
de uma polarização entre um olhar de perto e de dentro,
contraposto ao de longe e de fora. Na verdade, é necessário calibrar o foco de acordo com o plano de análise.
Se, num primeiro momento, o “olhar de perto e de dentro”
busca a lógica que orienta a prática dos atores sociais, é
possível segui-los em suas redes, e para tanto é preciso
flexibilizar o olhar, de forma a variar os ângulos e escalas
de observação. É somente por referência a planos e
modelos mais amplos que se pode transcender, incorporando o domínio em que se movem os atores sociais”
(MAGNANI, 2012, p.278)
6. Ver a esse respeito a notícia “Um em cada três imigrantes está em situação irregular na cidade de São Paulo”
– Matéria publicada em 23/01/2014 no portal de notícias
UOL, elaborada com dados da Polícia Federal e da Secretaria Municipal de Direitos Humanos de São Paulo. É
importante esclarecer que a Polícia Federal não disponibiliza publicamente os dados acerca do número de
imigrantes na cidade (e no país). Os dados públicos sobre
o tema são do IBGE, do CENSO 2010, que foi desconsiderado, dada a distância temporal, que poderia implicar
em distorções na pesquisa. Dinponível em: <http://goo.
gl/KCxeVS>. Acessado em 08/2016.
Notas
7. Ver a esse respeito a notícia “Imigrantes africanos
tomam ruas de SP e revelam diversidade de estilos” –
Publicada na Folha Ilustrada em 21/02/2016. Disponível
1. Aluno de graduação do curso de Arquitetura e Urba-
em: <http://goo.gl/s0bkW4>. Acessado em 08/2016.
nismo na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
8. De acordo com a Convenção de Genebra (1951), toda
Universidade de São Paulo e bolsista PIBIC-CNPq para o
pessoa que está fora de seu país devido a um medo
desenvolvimento da pesquisa “Os estrangeiros em São
fundado de perseguição por razões de raça, religião,
Paulo; seus territórios de contato e relações com outro:
nacionalidade, pertencimento a um determinado grupo
a cultura gastronômica”.
social ou opinião política definida anteriormente, é con-
2. O proprietário, Adama Konate, autorizou a realização
siderada refugiada. Porém, ao ponto que em ambas as
da pesquisa, bem como a publicação de trabalhos aca-
categorias, de imigrante e refugiado, ocorre uma ruptura
54
entre o indivíduo e seu Estado de origem, e em ambas,
as experiências e estratégias de adaptação são próximas
e relacionáveis. Por estas razões opto por colocar o imigrante africano na mesma categoria do refugiado africano.
9. Os imigrantes não estão incluídos nos mesmos números
dos refugiados, porque o processo de solicitação de refúgio
é de responsabilidade do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) e do Ministério da Justiça. Os imigrantes
legais, aqueles que apenas necessitam de visto, são de
responsabilidade da Polícia Federal. Por esta razão, os
números apresentados provêm de fontes distintas e
também não são apresentados nas mesmas pesquisas. O
ACNUR é a agência da ONU responsável por conduzi e
coordenar ações de proteção dos refugiados. Pesquisa
“Refúgio no Brasil 2010 -2014” completa e disponível em:
<http://goo.gl/TemKwM>. Acessado em 08/2016
10. Há também no Facebook, diversos grupos de imigrantes (africanos ou não) dos quais faço parte. Eles reúnem
imigrantes, pesquisadores e representantes de ONGs.
Nestes grupos (Haitianos e Africanos imigrantes no Brasil
- 4.500 membros, Brasil País de Imigração - 5.300 membros,
entre outros) são compartilhados eventos, palestras,
oportunidades de emprego, comemorações, entre outros,
constituindo um universo de informação e conteúdo
relevante para imigrantes e outras pessoas interessadas
nestes assuntos. Foi em um destes grupos que encontrei
o restaurante, através da divulgação realizada.
11. A existência de uma única mulher no local (e sua
ocupação), demonstra que o local de fato é masculino e
claramente heterossexual. Como vimos, a pesquisas demonstram que a maioria dos imigrantes é homem, as
mulheres que aqui chegam enfrentam desafios inerentes
à sua condição feminina, dentro de sociedades masculinizadas (a nossa e a “deles”). Porém, a questão de gênero
não é um problema enfrentado pela pesquisa, esforço
que demandaria leituras e aproximações diferentes das
escolhidas para tratar do campo da imigração.
12. Me chamou a atenção as fotos de personalidades
diametralmente diferentes, lado a lado (Nelson Mandela
e Muammar al-Gaddafi). Questiono-me sobre quais aspectos do imaginário dessas pessoas esses símbolos
operam, se eles têm o mesmo significado para os nativos
deste ou aquele país, ou quais noções de poder, ou empoderamento do povo africano eles representam, etc.
55
Em uma fábrica cultural, um
pensamento popular: Lina Bo
Bardi e o Sesc Pompéia
In a cultural factory, a popular
thought: Lina Bo Bardi and the
Sesc Pompéia
En una fábrica cultural, un
pensamiento popular: Lina Bo
Bardi y el Sesc Pompéia
Laura Pappalardo1
Orientadora: Profa. Dra. Marina Grinover (EC e FAU-USP)
Pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida entre 2013-2014 com
financiamento do Núcleo de Pesquisa da Escola da Cidade
Neste trabalho investiga-se como
as ideias de cultura popular e de
função social da arquitetura formadoras do pensamento arquitetônico de Lina Bo Bardi estão presentes no projeto do Sesc
Pompéia, realizado de 1977 a
1986, em São Paulo. Procuro investigar aspectos projetuais, tais
como o detalhamento arquitetônico e a constituição dos espaços;
o projeto do mobiliário presente
nos diferentes ambientes; e a
relação do edifício com seu
entorno, de modo a compreender
como escolhas arquitetônicas refletiram ideias fundamentais do
pensamento da arquiteta. Outra
característica estudada é como
se estabelece a convivência nos
espaços que constituem o Sesc
Pompéia. Há, de fato, uma
vivência coletiva no espaço em
questão? Houve mudanças no
decorrer do tempo em relação ao
uso do espaço? Ou seja, ao pensar
o Sesc Pompéia como obra caracterizadora de um contexto, de
uma historicidade, objetivou-se
entender, por meio do estudo do
projeto, como o processo projetual e construtivo sedimentaram
o conhecimento da arquiteta.
Palavras-chave
cultura popular; Lina Bo Bardi;
Sesc Pompéia
This paper investigates how the
ideas of popular culture and
social function of architecture formers of the architectural
thinking of Lina Bo Bardi - are
present in the SESC Pompeia,
built from 1977 to 1986, in São
Paulo. Seeking to investigate
design aspects such as architectural detailing; the furniture
design in different environments;
and the building’s relationship
to its surroundings, in order to
understand how architectural
choices reflected fundamental
ideas held by the architect.
Another aspect studied is how to
establish the coexistence of diferent activities and public in the
same spaces. There is, indeed, a
collective experience? There
have been changes over time in
the use of space? In other words,
thinking Sesc Pompeia as a work
that characterizes a context, a
historicity, the aim was to investigate how the architectural
design and construction process
consolidated the architect concepts.
Keywords
popular culture; Lina Bo Bardi;
Sesc Pompéia
Este artículo investiga cómo las
ideas de cultura popular de y de
la función social de la arquitectura - ideas formadoras del pensamiento arquitectónico de Lina
Bo Bardi - están presentes en el
proyecto del SESC Pompeia, que
tuvo lugar desde 1977 hasta 1986,
en São Paulo. Busco investigar
aspectos proyectivos como los
detalles arquitectónicos y la creación de espacios; el diseño de
muebles; y la relación del edificio
con su entorno, con el fin de entender cómo las opciones de arquitectura reflejaram las ideas
fundamentales del pensamiento
de la arquitecta. Otra característica estudiada es la forma de establecer la convivencia en los
espacios que conforman el Sesc
Pompeia. Existe una experiencia
colectiva en el espacio? Se han
producido cambios a largo del
tiempo en el uso de los espacios?
En otras palabras, ao pensar Sesc
Pompeia como obra caracterizadora de un contexto, una historicidad, se buscou investigar, a
través del diseño, como el proceso
de diseño y construcción arquitectónica consolidou los concetos
de la arquitecta.
Palavras-clave
cultura popular; Lina Bo Bardi;
Sesc Pompéia
57
Figura 1. Totem sinalizador no
desenho de Lina Bo Bardi.
Fonte: acervo Instituto Lina Bo
e Pietro Maria Bardi
1. Aproximação com a cultura brasileira
Lina Bo Bardi e Pietro Maria Bardi vieram para o
Brasi em 1946, sendo que o principal motivo da
mudança foram as consequências após o período
da Segunda Guerra Mundial. Período esse durante
o qual, por conta da escassez de trabalho na área
de arquitetura, Lina trabalhou na edição de inúmeras revistas, entre elas a revista Domus, ganhando experiência com projeto de móveis, desenho de
interiores e desenho gráfico. Em 1946, fundou com
Bruno Zevi, a Revista A - Cultura della Vita, acumulando experiência em escrever a respeito da realidade social, cultural e política, olhando criticamente a sociedade e expondo suas ideias publicamente.
O casal chegou no Rio de Janeiro. No ano seguinte, mudaram para São Paulo, a convite de Assis
Chateaubriand para Pietro Maria Bardi participar
da fundação do MASP - Museu de Arte de São Paulo,
inicialmente instalado na rua 7 de Abril. Junto ao o museu, Lina Bo e Pietro Maria Bardi
criaram o Instituto de Arte Contemporânea, inaugurado em 1951. A escola tinha como objetivo
formar profissionais que pudessem atuar na indústria brasileira, de modo a vincular a produção
artística à pratica industrial. Seguia como modelo
o Institute of Design em Chicago, fundado em 1937,
conhecido por dar continuidade à forma de ensino
desenvolvida na Bauhaus (1919-1933), em Dessau,
na Alemanha. Sobre o programa de ensino, Lina
declara: “cursos especiais de desenho do natural,
história da música, curso de gravura, de fotografia
e um setor dedicado às crianças, com lições de
pintura, de música e de dança” (BARDI, 1993c, p.51).
Apesar de ter durado apenas três anos, o instituto pôde ser considerado uma escola de extrema
vanguarda, que criou a possibilidade de formação
em design, profissão ainda inexistente no Brasil,
58
e de onde saíram importantes nomes do design
nacional.
Em 1957 Lina Bo Bardi iniciou o projeto da
segunda sede do Museu de Arte de São Paulo, na
avenida Paulista e, no ano seguinte, viajou para a
Bahia, viagem fundamental para a transformação
de seu olhar, principalmente sobre nossa cultura:
Importante na minha vida foi a minha viagem
ao Nordeste e o trabalho que eu desenvolvi em
todo o Polígono da Seca. Aí eu vi a liberdade. A
não importância da beleza, da proporção,
dessas coisas, mas a de um outro sentido profundo, que eu aprendi com a arquitetura, especialmente as arquiteturas dos fortes, ou primitivas, populares, em todo o Nordeste do
Brasil. (BARDI, 1993b, p.10)
Permanenceu na Bahia de 1958 a 1964, onde
dirigiu o Museu de Arte Moderna e realizou o
projeto de recuperação do Solar do Unhão. No
nordeste, Lina reconheceu a força da criatividade
popular, apontando interesse pelos aspectos da
cultura que se estruturam nas atividades cotidianas
correspondentes às condições mais simples e fundamentais do homem. Assim, segundo a arquiteta,
do mesmo modo que a cultura popular diz respeito às características intrínsecas ao homem, nas
suas condições de vida mais miseráveis, a forma
do povo de construir é realizada para suprir suas
necessidades vitais e não para o desenrolar de
caprichos (BARDI, 1994).
Segundo Juliano Pereira, Lina Bo Bardi escreveu artigos na revista Habitat a respeito da arquitetura sem arquitetos, ou seja, uma arquitetura
feita a partir da pratica de atividades cotidianas,
que lidam com materiais de conhecimento herdado
de gerações anteriores. É interessante reparar que
características apontadas pela arquiteta como componentes dessa arquitetura empírica, do cotidiano,
são semelhantes a características presentes na
arquitetura moderna, tais como: funcionalidade,
proporção, racionalidade do espaço e elaboração
do programa arquitetônico a partir de elementos
essenciais para o uso cotidiano (PEREIRA, 2007).
Com isso, tal forma de construir, supostamente
não contaminada pela ostentação, revela os mais
simples meios de construção, sendo, porém, dotada
de uma força expressiva brutal.
Posteriormente, Lina Bo Bardi tentaria mostrar
para São Paulo e para o Brasil, esse universo que
lá encontrou, desconhecido, pois sendo de origem
pobre não se olhava para tal produção como possível referência. A arquiteta, em sua estadia no
sertão nordestino, notou que lá se conseguia viver
com muito pouco, sem recurso material, financeiro ou ferramenta. Se buscava a solução a partir
daquilo que tinham nas mãos, obtendo, assim,
resultados simples e econômicos, e ainda dotados
de poesia. Tal observação, porém, não significa
uma exaltação da miséria, pelo contrário, significa
o elogio à inteligência da possibilidade de produção
de objetos inteligentes e sintéticos em condições
de extrema pobreza.
É interessante notar que, uma vez reconhecida
tal aproximação, percebida em resultados da arquitetura moderna quando comparadas com a
arquitetura de origem popular, há a construção,
pela arquiteta, da possibilidade de se fundir, a
partir de uma visão crítica, valores populares e
modernos. Tal fusão acontece, por exemplo, na
construção do Sesc Pompéia, aonde estão presentes, ao mesmo tempo, o moderno e a construção
fundada na observação de raízes populares - por
isso o valor da cultura popular na leitura do centro
cultural Sesc Pompéia.
Em 1959, a arquiteta fez, em parceria com o
diretor da escola de teatro de Salvador Martim
Gonçalves, a exposição Bahia, no Ibirapuera, em
São Paulo. A exposição, inaugurada pelo então
presidente do Brasil Juscelino Kubitschek, fez parte
da V Bienal de arte e arquitetura, que naquele ano
colocava em destaque a arte concreta. Segundo
Juliano Pereira, a exposição foi composta por três
partes. Uma parte fixa, com fotos de hábitos da
população, sua arquitetura e a cidade, e um conjunto de objetos expostos: “peças de cerâmica
popular, ex-votos, carrancas de embarcações do
Rio São Francisco, peças de escultura negra, apetrechos miúdos de cozinha e de uso cotidiano do
povo, roupas, brinquedos, instrumentos de festas
populares e algumas peças de santos barrocos”
(PEREIRA, 2007, p.100). Outra parte móvel: capoeiristas, baianas vendedoras de comidinhas, tocado-
res de berimbau e de atabaques, de modo que as
pessoas e seus costumes eram mostradas diretamente ao público. A terceira parte que completava
a composição da mostra era um espaço destinado
à apresentação de slides, realização de palestras
com o antropólogo Edson Carneiro e o Escritor
Jorge Amado, e a apresentação do músico Dorival
Caymmi (PEREIRA, 2007).
Com a exposição “Bahia”, Lina Bo Bardi e
Martim Gonçalves propuseram um contraponto
do foco temático proposto pela Bienal. Assim, conforme coloca Silvana Rubino, enquanto a maioria
dos países que participaram da Bienal exibiam
obras de seus artistas mais conceituados, na exposição “Bahia” encontrava-se um retrato cotidiano
do nordesde brasileiro, com sua arte “anônima e
popular” (RUBINO, 2002). Com a mostra, questionavam os limites entre “arte e Arte” (BARDI, 1993,
p.134) - sendo a “arte” um direito de expressão de
todo ser humano, “todo fato, ainda que mínimo,
que, na vida cotidiana, exprima poesia” (BARDI,
1993a, p.134); e a Arte “um discurso tão especializado sobre si mesma, (que) torna-se algo à margem
da sociedade” (PEREIRA, 2007, p.101).
2. Uma viagem à Bahia
Após a realização dessa exposição, a arquiteta foi
chamada pelo governador na Bahia para fundar
e dirigir o Museu de Arte Moderna. Lá deveria
acontecer um centro de documentação e estudos
da arte popular, com o intuito de promover a “passagem de um pré-artesanato primitivo à indústria
moderna” (BARDI, 1993d, p.152) através da criação
de uma “Escola de Desenho Industrial partindo do
artesanato ligado às bases populares do nordeste”
(PEREIRA, 2007, p.172).
O Solar do Unhão, edifício originário do final
do século XVI que abrigaria o museu, foi restaurado pela arquiteta de forma antes inédita no Brasil
(PEREIRA, 2007). O projeto foi desenvolvido no
canteiro de obras, tal como ocorreu posteriormente no Sesc Pompéia, em São Paulo, e na igreja Espírito Santo do Cerrado, em Uberlândia. Segundo
o arquiteto André Vainer, o restauro do Sesc
Pompéia pode ser considerado uma forma mais
madura de restauro a partir da experiência de
restauro do Unhão (VAINER, 2014).
Lina Bo Bardi, ao propor o que deveria ser feito
no local, apresentava-se contra o engessamento
da condição espacial original, defendendo uma
atualização do lugar frente às necessidades contemporâneas, para assim assegurar a sua utilidade
59
Figura 2. Uniforme de goleiro no desenho
de Lina Bo Bardi. Fonte: acervo Instituto
Lina Bo e Pietro Maria Bardi
após o restauro (PEREIRA, 2007). Pode-se aqui,
fazer um paralelo com o pensamento de Argan
acerca da ideia de patrimônio cultural: “A proteção
dos patrimônios culturais deve certamente ser
conservacionista, mas não conservadora” (ARGAN,
1998, p.88). E complementa, ainda: “a conservação
integral é objetivamente impossível, não se pode
pretender que o ambiente da vida contemporânea
permaneça indentico ao do passado” (ARGAN, 1998,
p.87), de modo que a relação entre o antigo e o
moderno deve ser estabelecida por meio de metodologias críticas claras.
Para Lina Bo Bardi, as intervenções realizadas
deveriam ficar em evidência, sem a tentativa de
imitação da aparência original do edifício, de modo
a ser possível diferenciar experiências passadas
de experiências atuais. As intervençoes de Lina no
espaço são claras: a escada, com seu sistema construtivo pensado a partir de encaixes de carros de
boi; e janelas e portas que, pintadas de vermelho,
representariam casas de bairros populares da
Bahia, aonde muitas vezes portas e janelas são
vermelhas. Assim, pode-se perceber que tais intervenções não eram escolhas gratuitas, já apresentavam qual seria o valor da arte popular para o
futuro uso daquele espaço, conforme declara
Silvana Rubino (RUBINO, 2002).
Havia, ainda, outra espacialidade do museu
pensada pela arquieta como um espaço vivo: a
praça aberta à beira do mar do Solar do Unhão.
Segundo coloca Juliano Pereira, lá seria um espaço
para “o comércio de artesanato, apresentações de
música, dança, capoeira, samba de roda, teatro e
outras manifestações populares coletivas”
(PEREIRA, 2007, p.198).
A inauguração do Museu de Arte Popular foi
realizada com a exposição “Nordeste”, na qual seria
exibido o levantamento sobre a produção popular
60
nordestina de objetos. Tais objetos seriam futuramente convertidos em protótipos que se vinculariam com a produção industrial, de modo a possibilitariam uma nova abordagem do desenho
industrial (RUBINO, 2002). O objetivo final do museu
seria a Escola de Desenho Industrial, na qual
mestres e aprendizes artesãos entrariam em contato
com estudantes de desenho industrial, de modo a
trocarem conhecimentos técnicos e teóricos, com
o intuito de desenvolver um desenho industrial de
alta qualidade, baseado em valores culturais da
tradição popular brasileira (RUBINO, 2002).
Nas palavras de Darcy Ribeiro “Lina queria
que o Brasil tivesse uma indústria a partir do seu
artesanato, a partir das habilidades que estão na
mão do povo, do olhar da gente com originalidade”
(apud MICHILES; FERRAZ, 1993, s.p.). Porém tal
ideia não foi colocada em prática, pois, com o golpe
militar um ano depois, há a imobilização do
trabalho de Lina na Bahia.
A viagem ao nordeste, portanto, fortaleceu sua
concepção de uma arquitetura de meios simples,
que tem como compromisso fundamental sua
função social, devendo, em primeiro lugar, tomar
conhecimento de como vive o povo.
Com a instauração do regime militar no país,
em 1964, Lina Bo Bardi voltou para São Paulo. Lá,
a arquiteta retomou o projeto do Museu de Arte
de São Paulo, que seria inaugurado em 1968. Lina
declara que, ao projetar o MASP, não procurou a
beleza, procurou a liberdade: “Os intelectuais não
gostaram. O povo gostou ‘sabe quem fez isso? Foi
uma mulher!’ ” (apud MICHILES; FERRAZ, 1993,
s.p.). Em 1977, Lina iniciaria o projeto do Centro
de lazer Fábrica da Pompéia, sobre o qual falaremos
adiante.
Durante sua vida, Lina Bo Bardi sempre usufruiu da escrita como forma de pensamento,
Figura 3. Usos diversos da canaleta
para água da chuva. Fonte: foto da autora, 2014.
dizendo ser muito perigoso começar a projetar de
forma precipitada. Segundo ela, seria necessário
conhecer a fundo o local no qual se inserirá a obra,
quais as necessidades reais de cada indivíduo que
frequenta e habita a região, de modo que o arquiteto desenvolveria quase uma espécie de método
cientifico de como se avaliar o que lá se encontra,
em que se faz perguntas das reais necessidades de
cada um, de modo a manter uma visão critica da
realidade (FERRAZ, 2014). Pode-se observar que,
em seus últimos projetos, há muito mais texto
escrito do que desenhos.
3. Função social da arquitetura
para Lina Bo Bardi
A arquitetura verdadeira é um processo total,
que cuida dos relacionamentos econômicos,
politicos e sociais do ser humano. A poesia da
forma é vital. Mas sem o sentido social da arquitetura tudo isso se perde. O homem é o objetivo final da arquitetura. (BARDI, 2013a, p.32)
Para tratar do tema da função social da arquitetura, é importante contextualizar essa ideia no
Brasil moderno. O assunto, já bastante fundamentado previamente, foi tema do I congresso Brasileiro de Arquitetura, realizado em janeiro de 1945,
que colocava a seguinte questão, segundo as palavras de Vilanova Artigas: “qual o papel social do
arquiteto nas modificações necessárias para um
novo Brasil que se estava querendo projetar?”
(ARTIGAS, 2004, p.190). O tema “A Função Social
do Arquiteto”, foi o título atribuído ao concurso
prestado por João Vilanova Artigas para professor
titular da disciplina de Projeto na Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo, em 1984.
Conforme coloca Sérgio Ferro, para Vilanova
Artigas a militância na arquitetura era constante,
de modo que qualquer traço desenhado tinha como
fundamento uma crítica, uma implicação social
(FERRO, 2006). Já segundo Artigas, a arquitetura
seria uma arte que tem como finalidade a necessidade de exercer função no campo social (ARTIGAS,
2004), e ainda complementa:
Enquanto a ligação entre os arquitetos e as
massas populares não se estabelecer, não se
organizar, enquanto as obras dos arquitetos
não tiver a suma glória de ser discutida nas
fábricas e nas fazendas, não haverá arquitetura popular. (ARTIGAS, 2004, p.49)
Já para Lina Bo Bardi, o arquiteto está a serviço
da sociedade, devendo desempenhar uma função
sociopolítica em seu trabalho, ou seja, é dever do
arquiteto implementar uma visão crítica em sua
arquitetura. Assim, ao construir “cidades, bairros
e casas populares”, desempenha o papel de agente
no campo da justiça social, conforme a arquiteta
coloca:
[...] o arquiteto é um operário qualificado que
conhece o seu ofício não só prática como teórica
e historicamente, e tem precisa consciência que
a sua humanidade não é um fim em si mesma,
mas se compõe, além da própria individualidade, dos outros homens e da natureza. (BARDI
apud RUBINO; GRINOVER, 2009, p.8)
Segundo Juliano Pereira, a arquiteta sempre
viu a profissão como meio de resposta aos problemas cotidianos “relativos à sobrevivência material
e espiritual dos seres humanos” (PEREIRA, 2007,
p.210).
Ao comentar produção arquitetônica durante
uma aula de arquitetura na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, texto publicado em
maio de 1979 na revista PINI, porém, Lina diz que
61
os arquitetos perderam a posição critica, não há
mais um fim para o qual se projeta pois houve o
“desligamento total do arquiteto dos verdadeiros
problemas reais” (BARDI, 2009, p.143). E complementa: para ser possível voltar a conversar com
os princípios da arquitetura moderna, é necessária
a recuperação da função social da arquitetura
(BARDI, 2009, p.143).
É interessante reparar que tanto Artigas quanto
Lina Bo Bardi apresentavam uma “vinculação forte
entre arquitetura, ideologia e um projeto de formação nacional”, além da “irritação visceral pelos
fetiches da cultura burguesa” (ROCHA, s.d.), o que
pode ser constatado, por exemplo, no discurso de
Lina Bo Bardi ao fazer as cadeirinhas de madeira
sem estofamento no teatro do Sesc Pompéia, de
modo a ir contra ao conforto alienante, em busca
de uma apoximação atenta e critica do espectador.
Pode-se, ainda, pensar a relação do projeto
para o Sesc Pompéia de Lina Bo Bardi com sua
concepção de arquitetura dotada de função social
a partir da ideia de uso do espaço de forma coletiva: com as mesas de uso coletivo, a contínua rua
central que se transforma em calçada ao chegar
na rua Clélia, trazendo a escala da cidade e, com
isso, a concepção de espaço público para dentro
de sua espacialidade. Constitui-se, assim, com o
projeto de Lina Bo Bardi, um espaço que visa uma
vivência política, de modo a refletir a respeito da
concepção de um espaço público socialmente funcional, acessível para todos.
4. Lina Bo Bardi e as formas de pensar a cultura
A partir de sua formação e do contexto em que
viveu, Lina Bo Bardi defende ter a arte um valor
educativo, de introdução a um pensamento crítico
da existência. Para ela, a expressão humana antecede o formato arquitetônico, ou seja, é necessário
entender o caráter de cada localidade, formado
por quem o habita, para, apenas após profunda
pesquisa e entendimento das reais necessidades
de cada lugar, projetar. Com isso, antes de projetar
escrevia muito, de modo a compreender qual seria
a solução válida para cada localidade.
[…] tenho inibições arquitetônicas, é uma
doença, não é pose. Sou incapaz de projetar um
banco, uma mansão particular, um hotel. Teria
amado projetar talvez um hospital, escolas,
casas populares. Mas nunca aconteceu. No
fundo vejo a arquitetura como serviço coletivo
e como poesia, alguma coisa que nada tem a
ver com arte. Uma espécie de aliança entre
62
dever e pratica científica. (apud MICHILES;
FERRAZ, 1993, s.p.)
Lina Bo Bardi defendia a criação de uma identidade nacional brasileira baseada na cultura
popular, cotidiana, por ser essa cultura fundamentada a partir das reais necessidades do homem,
além de ser desinstitucionalizada e dotada de liberdade, uma liberdade coletiva e ciente de sua
responsabilidade social. A cultura popular, portanto, não tem como objetivo a erudição, mas sim
a busca de solução para que todos adquiram as
mínimas condições necessária para se viver.
Segundo a arquiteta, a cultura popular “é o nordestino do couro e das latas vazias, é o habitante
das vilas, é o negro e o índio. Uma massa que
inventa, que traz uma contribuição indigesta, seca,
dura de digerir” (BARDI, 1994, p.12)
A arquiteta declara: “Arte popular é o que mais
longe está daquilo que se costuma chamar Arte
pela Arte. (...) Arte popular, neste sentido, é o que
mais perto está da necessidade de cada dia” (BARDI,
1994, p.25). A arte popular, portanto, seria composta por objetos que exercem funções verdadeiras,
cotidianas, enquanto a cultura popular é todo e
qualquer costume cotidiano, simples, fundamental.
Objetos de uso, utensílios da vida cotidiana. Os
ex-votos são apresentados como objetos necessários e não como ‘esculturas’, as colchas são
colchas, os panos com aplicações são ‘panos
com aplicações’, a roupa colorida, roupa colorida, feita com as sobras de tecidos, ainda com
as marcas das grandes fábricas do Sul, que as
mandam de caminhão para o Sertão do Nordeste. (BARDI, 1994, p.33)
Lina reitera assim o objeto, nunca como enfeite,
mas sim em sua forma funcional, distante portanto de certa glorificação: “a glorificação (especialmente no sul do pais) já começou com os fifós,
cerâmicas e latarias, enfeites da classe media e
alta” (BARDI, 1994, p.33). Portanto, a crítica colocada pela arquiteta era justamente contra o objeto
essencialmente decorativo (FERRAZ, 2014).
É importante ressaltar que, conforme dizia
Lina Bo Bardi, a cultura popular não deve ser
confundida com o folclore. O folclore, idealizado
por uma visão paternalista, aliena o objeto de seu
verdadeiro significado popular, ou seja, há a distorção da produção popular pelo interesse da
cultura elitizada, atribui-se outro significado a essa
produção, de modo a eliminar posições incomodas
existentes em seu significado popular original.
Para Lina, quando se analisa a produção popular
como folclore, a cultura popular deixa de existir
(BARDI, 1994).
No filme documentário sobre Lina Bo Bardi,
há uma declaração de Caetano Veloso, dizendo ter
sido “dona Lina”, que viu de forma mais profunda
a força da criatividade popular na Bahia. E ressalta que a arquiteta dizia, muito claramente: “não
como folclore, não como documentação de um
estilo exótico, ou divertido, ou curioso, mas como
verdadeira força cultural”. (MICHILES; FERRAZ,
1993, s.p.) Seria, portanto, característica fundamental do brasileiro a “grossura” presente em seu
cotidiano: uma cultura livre das amarras da civilizção ocidental. Assim, a força cultural estaria
nessa forma fundamental do homem, forma mais
simples e original, não digerida. Conforme coloca
Zeuler de Lima, mostrar a grossura do povo brasileiro, de modo a não se mascarar mais a pobreza
brasileira, era, para Lina, uma escolha política
(LIMA, 2007).
Assim, a partir de sua crescente ligação com a
manifestação popular, Lina Bo Bardi passa a se
dedicar à valorização da cultura brasileira, sempre
buscando em suas obras arquitetônicas a concretização de tal valorização cultural. A cultura
popular seria, portanto, a cultura cotidiana, que
soluciona questões reais:
[…] esta parte da humanidade, levada pelas
necessidades a resolver por si mesma o próprio
problema existencial e não possuindo essa pseudocultura (cultura erudita), tem a força necessária ao desenvolvimento de uma nova e verdadeira cultura. (BARDI apud RUBINO;
GRINOVER, 2009, p.89)
Podemos, aqui, fazer um paralelo com o pensamento da arquiteta ao projetar o Sesc Pompéia.
O projeto previa a integração de objetos e costumes
oriundos da cultura popular com a cidade na qual
o projeto se insere e com as pessoas que nela
habitam, de modo a trazer a força da cultura
popular nordestina para o sudeste do país. Objetos
populares, como a flor de mandacaru, e elementos
de referência nordestina, como o espelho d’água
Rio São Francisco não estão colocados no espaço
de forma gratuita. Do modo como se inserem na
trama do projeto, tem o significado de uso cotidiano e de possibilidade de analise crítica da sociedade atual quando contraposta aos valores apresentados pela cultura popular: trazer consigo a força
da simplicidade e a valorização da vida cotidiana.
Assim, segundo a arquiteta, a cultura estaria nas
pessoas andando no sesc, estando o lado popular
presente no simples ato cotidiano (FERRAZ, 2014).
Quando Lina Bo Bardi foi avisada pela diretoria do Sesc que o nome do centro seria “Centro
Cultural e Desportivo Dr. Fulano de tal” (segundo
Marcelo Suzuki não se sabe mais o nome), Lina
exclamou:
- Não! Eu não sei quem é esse fulano, ninguém
sabe. E não é cultural. Nem desportivo. É um
centro de lazer, cultural só afasta as pessoas,
assusta. E arte já não interessa mais a ninguém
e eu quero aqui cheio de gente. E esporte
também é para lazer, sou contra esporte competitivo. Vai chamar Centro de Lazer Fábrica
da Pompéia e acabou! (SUZUKI, 2010, p.21)
Pode-se fazer um paralelo entre o pensamento
da arquiteta e o filósofo Antonio Gramsci, conforme Juliano Pereira: “ao discurso de Lina é possível
estabelecer uma série de comparações e a constatação de uma influência direta dos escritos de
Gramsci acerca da idêntica problemática discutida
por este autor sobre a situação da Itália” (PEREIRA,
2007, p.193). Gramsci coloca:
Na Itália o termo “nacional” tem um significado muito restrito ideologicamente e, de qualquer modo, não coincide com “popular”, já que
os intelectuais estão afastados do povo, isto é,
da nação, estando ligados, ao contrário, a uma
tradição de casta, que jamais foi quebrada por
um forte movimento político popular ou nacional vindo de baixo. (GRAMSCI apud PEREIRA,
2007, p.193)
No mesmo sentido, Lina Bo Bardi apresenta
crítica bastante semelhante à do filósofo ao questionar o distanciamento evidente entre intelectuais brasileiros, com sua forma de pensar uma
cultura excludente, e a cultura popular oriunda
do Nordeste (PEREIRA, 2007).
É importante, aqui, ressaltar que a retomada
de valores populares estava ocorrendo no mundo
do pós-guerra como um todo: com o segundo pós-guerra, se busca uma volta à origem popular e o
distanciamento da ideologia do “milagre tecnológico”, uma vez vistos os danos que as novidades
mecânicas poderiam ocasionar, como ocorreu com
a devastação das cidades durante a guerra:
[...] nos primeiros anos desse século centros
artísticos como Paris, Roma, Berlim descobriram
tesouros nos carregamentos de mercadores
iniciando a voga da arte negra, [...] Picasso incorporou as máscaras africanas em sua pintura
trazendo uma renovação que seria soberba da
escultura africana. (RUBINO, 2002, p.147)
Outra maneira de pensar presente de forma
recorrente no trabalho da arquiteta é a ideia de
“presente histórico”, ou seja, a capacidade de entender historicamente o passado, sabendo distinguir o que poderia servir para situações atuais.
Conforme coloca Lina, não se deve simplesmente
63
jogar fora o passado e toda a sua história, se deve
conhecer a história para saber distinguir o que
não deve ser repetido, e o que do passado ainda
está vivo hoje, ou seja, deve haver a busca do
diálogo entre o passado e o presente, respeitando
o contexto em que se insere (BARDI, 2009).
A arquiteta falava, ainda, da arquitetura como
arquitetura pobre. Pobre no sentido de simplificação, uma arquitetura que visa a recuperação do
modo de construção introduzido pelo povo, de
maneira simples e funcional (BARDI, 2013a). Um
exemplo de tal pensamento seria a Igreja do Espírito Santo do Serrado, que, segundo a arquiteta,
“foi construída com materiais muito pobres, é uma
arquitetura pobre, mas não no sentido da indigência, e sim no sentido artesanal que exprime comunicação e dignidades máximas através dos menores
e humildes meios” (BARDI, 2013a, p. 31)
Também pode-se retomar tal ideia quando
olhamos para o projeto do Sesc Pompéia. Segundo
Lina Bo Bardi:
A Pompéia vai ser um exemplo de arquitetura
‘pobre’, arte ‘pobre’. O povo virá aqui e terá que
se sentir bem com certos dados básicos, que
são a solidariedade e a poesia. Não precisa de
sofisticação. Pretendemos criar uma atmosfera
humana, de simpatia. Uma coisa ‘pobre’ é
também o máximo de sofisticação. (BARDI,
2013a, p.31)
Nesse sentido, ela retoma, aqui, o conceito de
cultura popular no modo como o povo constrói o
objeto com sua utilidade máxima, porém a partir
dos mais humildes meios, dotados de uma simplicidade plasticamente bela, sem excessos.
5. Velha fábrica
O local em que se situa o Sesc Pompéia é, em sua
origem, uma fábrica, construída pela firma alemã
Mauser & Cia Ltda, em 1938. Constitui-se espacialmente por galpões, distribuídos de forma semelhante a projetos ingleses característicos do período
inicial do século XX. Em 1945, a fábrica é comprada pela Indústria Brasileira de Embalagens Ibesa,
fabricante de tambores e, posteriormente, é atribuído ao local o uso direcionado à produção de
geladeiras à querosene.
Segundo Lina Bo Bardi, quando entrou pela
primeira vez na antiga fábrica, em 1976, encontrou
um lugar abandonado, porém lhe chamou a
atenção sua estrutura pioneira de concreto armado
desenvolvida pelo engenheiro François Hennebique (1842-1921). Antes do inicio da revitalização
64
da fábrica, a arquiteta percebe que o espaço já era
dotado de vida: durante o final de semana pessoas
de todas as idades freqüentavam o local, uns
jogavam futebol, outros preparavam churrascos,
pessoas passeavam entre os galpões. Com isso, Lina
decide o que deveria ser feito: manter o que lá já
existia, fazer com que aquela vivacidade permanecesse. O projeto, então, visou recuperar e manter
a velha fábrica, acrescentando algumas intervenções de caráter contemporâneo (BARDI, 2013a).
Encontramos uma fábrica com uma estrutura
belíssima, arquitetonicamente importante, original, ninguém mexeu. Nós colocamos apenas
algumas coisinhas: um pouco de água, uma
lareira. Fizemos também um esforço para dignificar a posição humana. Esse é o dado mais
importante (SUBIRATS, 2013, p.83)
Assim, ao projetar, a arquiteta não apagou os
vestígios de que lá era uma fábrica. Ao transformar
a antiga fábrica em um centro de lazer, fez uma
junção entre o trabalho fabril, que, segundo Lina,
é uma das condições mais violentas de trabalho,
com o lazer, condição de respeito à necessidade
do ócio, do descanso. Promoveu-se, assim, um
espaço de vida coletiva em sociedade, porém mantendo o olhar crítico de que lá antes fora um ambiente de trabalho árduo, criando um espaço de
lazer e vivência coletiva; dotado, ainda, de embasamento político presente na vivência coletiva e
no valor histórico do espaço como trabalho fabril.
Assim, ao não apagar os vestígios da fábrica, Lina
Bo Bardi valorizou o trabalho que lá foi realizado,
valorizou o homem como trabalhador.
É interessante ressaltar, segundo entrevista
efetuada com Glaucia Amaral, o fato de que antes
da arquiteta Lina Bo Bardi ser convidada pela
instituição para fazer o restauro do Sesc Pompéia,
já havia um projeto pago para ser efetuado pelo
arquiteto Julio Neves, que consistia na demolição
da antiga fábrica, com o objetivo de construir dois
espigões. Não concordando com a demolição prevista, funcionários do Sesc, que eram a favor do
restauro, indicaram a arquiteta Lina Bo Bardi para
o projeto, pois conheciam seu trabalho de restauro no Solar do Unhão.
Por ser uma obra realizada já na idade mais
madura de Lina Bo Bardi, poderia se dizer que o
projeto do Sesc Pompéia reflete valores acumulados pela arquiteta ao longo dos anos: sua formação
na Itália, a estadia no nordeste brasileiro, a importância da cultura popular e a busca da formação
de uma identidade brasileira. Desse modo, os conceitos de cultura popular e do fazer arquitetônico
com base na ideia da função social da arquitetura
Figura 4. Sesc Pompeia.
Fonte: desenho da autora, 2014
estão presentes na origem da obra do Sesc Pompéia
(SUBIRATS, 2013).
O projeto do Centro de Lazer Fábrica da
Pompéia iniciou-se em 1977 com a transformação
da antiga fábrica de tambores em um centro
voltado para o lazer. A restauração dos galpões
teve como base os princípios da Carta de Veneza
e da Declaração de Amsterdã - respectivamente de
1964 e 1975 - que discorriam sobre o modo de
restauração e conservação de monumentos e sítios,
deixando visíveis as diferentes técnicas utilizadas,
além de evidenciar a história do edifício (BARDI,
2013a). Pode-se observar esse cuidado com a evidência histórica do edifício, por exemplo, ao se
observar o fato de que nenhuma parede constituinte das novas espacialidades do Sesc Pompéia
encosta em paredes da antiga fábrica, de modo a
preservar o espaço original de forma íntegra.
Assim, o restauro propunha a integração entre o
contemporâneo e o antigo (VAINER, 2014).
Durante a construção, Lina montou seu escritório dentro da obra, assim estaria sempre a par
do que se fazia. Conforme colocou Marcelo Ferraz,
essa condição possibilitou uma vivência real do
espaço, permitindo a experimentação de qual seria
a solução mais adequada, a partir realidade cotidiana se percebiam indicações do que deveria ser
feito (FERRAZ, 2014). É importante ressaltar que,
além de passar praticamente uma década no canteiro de obras do Sesc Pompéia, Lina Bo Bardi trabalhou no Sesc após sua inauguração, pensando as
atividades a serem desenvolvidas em seu espaço.
Ao projetar o Sesc Fábrica da Pompéia, a arquiteta queria que a relação existente na antiga
fábrica, antes de sua revitalização, se mantivesse,
que as pessoas que ali perto moravam continuassem a frequentar aquele espaço. Dizia que o centro
esportivo deveria ser utilizado, especialmente, por
jovens das redondezas, das quitandas, dos supermercados, das lojas, dos açougues, como ela viu
acontecer na década de 70 (BARDI, 2013a).
O centro foi inaugurado em 1982, e o bloco
esportivo em 1986. Seu espaço é conformado por
uma rua interna que liga a entrada da rua Clélia
aos diferentes ambientes: o espaço de convivência,
a biblioteca, o restaurante que vira choperia a
noite, o teatro com duas platéias, ateliês de criatividade, o deck usado como solarium, galpão de
exposições e o bloco esportivo, com quadras, piscinas e vestiários. Os dois prédios esportivos se
comunicam por meio das passarelas de concreto.
Enquanto os galpões permanecem camuflados
no tecido urbano existente, o bloco esportivo destaca-se de forma marcante na paisagem, virando
referência urbana para quem o observa da rua,
além de suas passarelas e janelas enquadrarem a
paisagem em diferentes perspectivas, gerando um
novo ponto de vista da cidade.
Ao se modificar um espaço existente, tal como
Lina Bo Bardi fez com o Sesc Pompéia, é preciso
pensar o que permanecerá e o que será modificado nesse espaço, sendo essa escolha vinculada à
intenção do projeto. Por exemplo, a decisão de qual
parte do edifício deve ter destaque em meio a
paisagem e qual parcela se integra de forma homogênea com o tecido urbano, ou o fato da rua
interna do Sesc ser uma continuação da rua urbana,
de modo a trazer a cidade para seu interior, não
seriam apenas decisões projetuais, mas também
políticas e sociais. Podemos, assim, estudar cada
elemento, de modo a entender qual a intenção do
arquiteto ao projetá-lo para aquele espaço, e qual
o seu significado cotidiano para aquele lugar. Detalhes presentes no Sesc, como pedaços de azulejos
coloridos na parede do banheiro, quadras coloridas
de acordo com as estações do ano, o desenho
65
rendado na caixa d’água, trazem fragmentos de
memórias vivenciadas e valores construídos pela
arquiteta ao longo do tempo.
Lina Bo Bardi colocava a pergunta fundamental: como fazer o projeto? Há essa investigação na
medida em que há a busca pela valoração do trabalho humano, principalmente ao considerar o
trabalho manual, muito respeitado pela arquiteta
(FERRAZ, 2014). Como então poderiam ser incorporados os vestígios do trabalho no resultado da
obra? E como trazer o valor da cultura popular
para quem frequenta a espacialidade do Sesc
Pompéia? Por exemplo, ao deixar o material aparente da forma como é em sua origem, em sua
forma bruta, tal escolha faz com que a obra mostre
o trabalho lá realizado, tal como o pré-artesanato
brasileiro mostra como foi feito o objeto sem acabamentos que apagam os vestígios do trabalho
humano. O material em sua forma construtiva
mostraria a realidade brasileira, uma realidade
simples, pobre (BARDI, 1994). Assim, o resultado
arquitetônico das obras da arquiteta consistiam
na verdade dos materiais, sem polimento ou revestimento algum, ou seja, uma arquitetura pura
no sentido de ser o que você vê (FERRAZ, 2014).
Por outro lado, há, na construção do Sesc
Pompéia, tecnologias complexas: lajes protendidas,
pontes que vencem vãos extensos, de modo que
todas as técnicas lá usadas eram as mais avançadas
naquele momento. Mas, tais soluções, ainda que
sofisticadas em sua origem de funcionamento
técnico, são, da forma como foram resolvidas, fruto
de soluções simples e do universo de valores do
modernismo. Há, portanto, a mistura da alta tecnologia com materiais simples e diretos (FERRAZ, 2014).
Há de se considerar, também, o contexto histórico em meio ao qual o Sesc Pompéia é projetado
e construído. Em primeiro lugar, pode-se discutir
o contexto no qual foi construída a fábrica em sua
concepção inicial: o ano de sua construção, em
1938, insere-se no período da ditadura de Getulio
Vargas, o Estado Novo (1937-1945). Durante seu
governo houve incentivos para a promoção do
capitalismo nacional do pais e da industrialização,
de modo que o Estado agia diretamente na economia, realizando uma política de industrialização
para viabilizar a substituição de importações após
a quebra da bolsa de Nova York, em 1929. Assim,
a indústria paulista, que já se destacava ao se comparar com o resto do país, cresce ainda mais a
partir da década de 30.
Posteriormente, no ano em que se inicia o
projeto de Lina, em 1977, o presidente do Brasil
era Ernesto Geisel, primeiro período de abertura
66
política da ditadura que culminará com a promulgação da nova constituição, em 1988. Já durante
a inauguração do Sesc Pompéia, em 1982, se encontra um período de efervescência política, com
o início do movimento das “diretas já” durante os
dois anos seguintes, sendo a vida política no contexto em questão bastante influente no modo de
como se usa a cidade, no uso do espaço urbano
como forma de protesto e de reivindicação de direitos civis.
Assim, quando se considera a história da cidade
de São Paulo e o desenrolar referente ao seu desenvolvimento industrial, construir um Sesc em
uma antiga fábrica em São Paulo tem sentido histórico social. Manter os vestígios da fábrica e do
trabalho fabril na obra do Sesc faz com que a história do desenvolvimento industrial da cidade de
São Paulo se mantenha viva.
Segundo Rosseti, tal caráter fabril está presente na linguagem arquitetônica constituinte do Sesc:
desde instalações aparentes, os materiais em sua
forma bruta, até a racionalidade da planta, a continuidade entre os diferentes espaços e as atividades que envolvem um grande número de pessoas.
Assim, pode-se dizer que a linguagem e a escala
do Sesc têm como fonte direta o universo industrial
e seu o funcionamento, que se configura em, desde
a forma de atendimento do restaurante, até as
relações entre os espaços (ROSSETTI, 2007).
6. O desenho do projeto
Um recurso muito utilizado por Lina para pensar
como deveria ser o futuro espaço projetado é o
desenho. Porém, destaco aqui não o desenho
técnico, mas desenhos coloridos, que representavam qual seria a vida daquele lugar: crianças brincando, pessoas sentadas, uns ouvindo música,
outros conversando no balcão do bar. Algumas
vezes fazia colagens. Em seus desenhos aparecem
os espaços externos e internos do Centro de Lazer
Fábrica da Pompéia: desenhos do paisagismo, do
mobiliário, do uniforme dos funcionários e da
equipe de futebol, placas de sinalização, carrinhos
de sorvete, pipoca e hot dog, desenhos de pisos e
paredes, o cardápio do restaurante, além de estudos
para o jornal Sesc Fábrica da Pompéia. Assim, ao
se observar os desenhos da arquiteta, percebe-se
que há ali resoluções em todas as instâncias, como
ocorre no ideal moderno de desenhar todas as
escalas do projeto.
Segundo André Vainer, os uniformes desenhados pela arquiteta não foram feitos, mas a partir
Figura 5. Sesc Pompeia.
Fonte: desenho da autora, 2014
da marca criada pela arquiteta foram feitos os
pratos e as xícaras (VAINER, 2014). O arquiteto
destaca um dado curioso: se olharmos todos os
croquis anteriores a sua permanência no canteiro
de obras, podemos notar que muito mudou - os
croquis teriam sido feitos todos feitos em 77 e
apresentados para o Sesc como proposta de como
seria essa nova fábrica. A ideia apresentada, porém,
prevaleceu como sentimento, não como projeto
real, uma vez que foi necessária a adequação a
soluções específicas percebidas no canteiro de
obras. Um exemplo de tal mudança seria o desenho
das rampas imaginadas por Lina Bo Bardi, passando entre a estrutura. O desenho das rampas não
foi possível, uma vez que não havia pé direito
suficiente, mas o espírito de ter um espaço totalmente aberto, integrado, prevaleceu.
É importante, ainda, fazer a ressalva, conforme
coloca Marcelo Suzuki:
Menos divulgados, seus desenhos técnicos sao
também muito importantes para que não se
tenha de Lina a visão de que ela teria feito tudo
apenas com desenhos livres e aquarelas. Pelo
contrario, sabendo desenhar muito bem e fazer
aquarelas, os desenhos para arquitetura apresentados assim são fruto de quem também
dominava muito bem a linguagem técnica.
(SUZUKI, 2010, p.146)
A respeito do espaço resultante do projeto,
Cecília Rodrigues dos Santos coloca:
Povoando esta obra dura, de inegável clareza
estrutural e verdade construtiva, multiplicam-se os gestos menores, as tais licenças poéticas
que invadem o Sesc Fábrica: sob os antigos
telhados dos três galpões industriais, serpenteia
um riacho recortado no piso de pedra, referência ao principal rio do Nordeste, o São Francisco; nas canaletas de água pluvial que ladeiam
a rua central, salpicam os seixos rolados,
memória de tantos outros riachos brasileiros;
no piso dos sanitários se desencontram díspares fragmentos coloridos de cerâmica; no espaço
de junção das passarelas com os dois edifícios
da área esportiva, elementos de proteção
brotam como flores de mandacaru, o cacto mais
encontrado na caatinga; na cozinha e na piscina-açude, flutuam azulejos com motivos marinhos e de plantas tropicais. E ainda, entre outras
tantas, ao longo dos anéis da caixa d’água cilíndrica, a arquiteta faz escorrer o concreto na
medida certa para fazer pensar que ali enrolam
suas prendas as mulheres rendeiras de cajazeiros. (SANTOS, 2013, p.145)
Estruturado por doze galpões existentes e pelas
construções posteriores do bloco esportivo e da
caixa d’água, o espaço que constitui o Sesc Pompéia
manteve sua situação original de implantação dos
galpões, ou seja: uma rua que divide duas grandes
alas de galpões, e em sua extremidade final se
acessa o córrego das águas pretas.
Entre os diferentes usos encontrados no interior
dos galpões e prédios, estão: restaurante, choperia,
espaço de convivência, bloco esportivo, oficinas,
área de convivência, rua central, área de exposições,
teatro, e a rua central, espaço fundamental de articulação entre os diferentes usos e a rua externa.
O espaço de convivência, composto pelo conjunto de cinco galpões, compreende ao mesmo
tempo um ambiente de estar, espaço para leitura
e biblioteca, exposições e jogos de salão. Três elementos se destacam em seu interior: a lareira, o
espelho d’água e as plataformas de leitura. A
lareira, situada entre o espelho d’água e a plataforma, é pensada como um ponto de reunião, principalmente em dias frios, quando pessoas se juntariam a seu redor, promovendo o encontro dos
67
usuários. Já o espelho d’água adquire o nome de
Rio São Francisco, carregando o valor cultural do
rio nordestino, referência territorial e histórica: o
Rio São Francisco é para o nordeste um manancial
de águas, de riquezas, área fértil no meio do sertão.
Com isso, colocar o rio da integração nacional, tal
como é chamado por começar em Minas Gerais e
terminar em Alagoas, faz com que o espelho d’água
constitua uma metáfora, trazendo o nordeste para
o território paulista (BARDI, 2013a). A presença da
água no espaço de convivência produz reflexos e
altera a luminosidade do ambiente, além de melhorar o conforto térmico interno. Seu caráter
lúdico, crianças tentam pulá-lo, e de estar, com
pessoas simplesmente sentadas ao seu redor,
confere uma sensação espacial agradável.
Em relação às seis plataformas de leitura, são
constituídas por estruturas de concreto aparente
e organizam-se a partir de dois níveis diferentes.
Com isso, podem gerar usos diversos, como espaço
para leitura e estudos em um nível, enquanto no
outro nível acontecem atividades infantis ou campeonatos de xadrez e dama. As plataformas servem,
ainda, como um “mirante” do espaço de convivência (ROSSETTI, 2007). No espaço de convivência,
merece destaque também o mobiliário presente
no salão, composto por mesas redondas grandes
que se tornam coletivas, módulos triangulares de
mesas e cadeiras que se encaixam e se rearranjam
conforme a demanda e o número de pessoas, e
diversos bancos de madeira espalhados ao longo
do espaço.
Há, ainda, detalhes mais sutis, que muitas vezes
passam despercebidos por olhares mais desatentos,
sendo um exemplo a presença de riscos, marcas
de serra, nas lajes e pilares da biblioteca, sob as
plataformas de leitura: Lina queria que o resultado do concreto de tais elementos não fossem fôrmas
tradicionais de concreto, queria que houvesse
marcas, então pediu para que os pedreiros fizessem
como achassem que deveria ser feito, criando
marcas de alguma forma. Outro detalhe está presente nas pedras constituintes do chão da sala de
convivência: enfileiradas em um sentido com as
mesmas dimensões, no outro sentido apresentam
tamanhos diferentes, de modo que em um sentido
estão alinhadas, já no outro estão desalinhadas
(VAINER, 2014).
Característica muito valorizada por Lina Bo
Bardi no projeto é o lugar das refeições: a choperia
/ restaurante configura, ao mesmo tempo, espaço
de refeições, convivência e bar. Segundo a arquiteta, nesse ambiente há o convívio democrático,
simples, sem a preocupação de como se vestir ou
68
se comportar, um espaço completamente livre
(BARDI, 2013a). Lá, é enfatizada a ideia da mesa
coletiva, e a comida a ser servida como parte do
projeto arquitetônico. Defensor desse partido,
Ferraz afirma: “arquitetura, para mim, é ver um
velhinho, ou uma criança, com um prato cheio de
comida atravessando elegantemente o espaço de
nosso restaurante à procura de um lugar para se
sentar, numa mesa coletiva” (FERRAZ, 2013, p.123).
Na lanchonete, situada hoje em dia ao lado do
restaurante, há mesas cuja forma remete aos
caxixis, brinquedo típico do nordeste. É interessante notar que a arquiteta, ao trazer elementos
da cultura popular nordestina como inspiradores
na conformação do espaço em questão, coloca uma
visão política, tal como ocorre com a presença da
flor de mandacaru nos vãos das passarelas de
concreto no bloco esportivo. Esses elementos não
pretendem aparecer como enfeite, mas como meio
para se chamar a atenção para a importância do
olhar para a força existente na parte pobre do
nosso país (VAINER, 2014).
Em relação ao teatro, a arquiteta escolhe uma
configuração de duas platéias, uma oposta à outra,
de modo que os espectadores possam ver a expressão no rosto dos outros durante o espetáculo. É
importante ressaltar, porém, o fato de que a solução
do teatro com platéias opostas não é de origem
prática projetual: para ser possível a capacidade
de mil pessoas para o teatro, de modo a manter o
pé direito fixo, dado o galpão existente, não seria
possível fazer uma platéia única (SUZUKI, 2014).
É interessante perceber qual o motivo das cadeiras do teatro estarem sem estofamento. Ao ser
questionada a respeito, Lina Bo Bardi responde
retomando o princípio dos teatros Greco-romanos,
nos quais não se tinham cadeiras estofadas, eram
assentos de pedra, ao ar livre. Cadeiras com estofamento surgem apenas no Setecentos, em teatros
das cortes, porém continuaram até hoje, enfatizando o conforto da sociedade de consumo. Assim,
ao fazer a cadeira sem estofamento, Lina faz uma
crítica à postura do espectador, de modo que a
cadeira não deve deixar seu usuário confortável,
mas sim atento ao que vê (BARDI, 2013b). Tal ideia
retoma o conceito brechtiano de “distanciar e envolver” (ROCHA, s.d.), ou seja, a ideia de se obter
certo distanciamento entre o espectador e o que
ele vê, de modo a pensar o que vê de forma critica
e não apenas de forma passiva, desligada do contexto em que se insere.
Há ainda outro motivo que pauta as cadeirinhas
do teatro de madeira sem estofamento, por conta
da durabilidade do mobiliário. Por esse motivo, a
Figura 5. Deck-solarium.
Fonte: foto Wolfgang Tillmans,
catálogo exposição MAM - 2012
maioria dos móveis projetados pela arquiteta para
o Sesc Pompéia são de madeira, o usuário pode
subir na cadeira para ver o show sem a preocupação de estragar (LATORRACA, 2014).
No galpão das oficinas, Lina Bo Bardi busca a
manutenção do saber-fazer e da habilidade manufatureira existente no nordeste, tal como o ofício
da carpintaria, da xilogravura e da cerâmica. Como
coloca Eduardo Rossetti, alguns consideram que
as oficinas do Sesc Pompéia seriam uma tentativa
de retomar o projeto cultural do museu de arte
popular na Bahia, no Solar do Unhão (ROSSETTI,
2007). Há, porém, outras correntes que discordam
de tal continuidade, tal como colocou o arquiteto
André Vainer (2014).
Seguindo adiante no eixo da rua interna, encontra-se o deck solarium: um espaço de uso livre,
que cria o caráter de uma “praia urbana”, de modo
que a solução torna possível a ocupação do espaço
onde situa-se o Córrego das Águas Pretas, de caráter
non aedificanti. Como equipamentos complementares ao deck, projeta uma lanchonete e uma
pequena cachoeira.
Ao final do deck, está a piscina coberta, que
constitui o andar térreo do bloco esportivo. Esta
não possui medidas oficiais, de modo a quebrar o
espírito competitivo, criando um ambiente de lazer
e de uso livre. A piscina não possui eixos de marcação em seu fundo, apresentando azulejos desenhados no lugar (ROSSETTI, 2007). Cria-se, assim,
outro tipo de relação com sua espacialidade, incentivando o uso lúdico da água.
O bloco esportivo, por sua vez, é constituído
por duas torres: uma, com pé direito duplo, que
abriga as quadras esportivas, e a outra, com pé
direito simples, contém os vestiários e espaços para
ginástica. A articulação entre os dois blocos se
estabelece por meio de passarelas assimétricas
que possibilitam a vista de diferentes ângulos e
alturas da cidade.
A ventilação do bloco esportivo é feita por meio
de trinta e duas janelas-buraco, ou seja, grandes
buracos de caráter irregular, que garantem uma
ventilação cruzada permanente, além de
permitirem um novo e inusitado enquadramento
da cidade. Segundo Lina, as janelas-buraco
remetem à imagem de entradas de cavernas primitivas, o primeiro abrigo dos homens (BARDI
2013a). Tais janelas foram desenhadas após uma
viagem da arquiteta para o Japão, até então as
aberturas seriam aberturas regulares, quadradas
(VAINER, 2014).
Há, ainda, dois elementos intrigantes na constituição do Sesc Pompéia: a caixa dágua, e a calha
aberta, que acompanha a rua central do Sesc ao
longo dos galpões. A caixa d’água, projetada com
setenta metros de altura, serviria como novo marco
vertical e emblema à origem industrial do conjunto, uma vez que foi demolida a antiga chaminé da
fábrica pouco antes das obras começarem. Porém
Lina Bo Bardi não queria um resultado ordinário,
gostaria que todas as etapas da concretagem ficassem marcadas, como uma renda. Foi, assim, feita
a concretagem, com apenas dois conjuntos de
forma de madeira, e com panos no fundo das
formas que gerariam a aparência de renda.
Segundo Lina, essa foi uma homenagem às Torres
Satélite de Luis Barragán, na Cidade do México
(VAINER; FERRAZ, 2013). A calha aberta de seixos
rolados, por sua vez já existia na antiga fábrica, e
Lina decidiu mantê-las assim, a céu aberto. O intrigante é que esse espaço, hoje, é muito utilizado,
com crianças brincando na calha e pessoas sempre
nela sentadas.
Por último, é interessante ressaltar um detalhe
existente na rua interna, componente do eixo prin-
69
cipal de locomoção do Sesc Pompéia: é feito, em
parte da rua interna, o desenho do piso com uma
faixa de pedra lisa, com o intuito de facilitar a
mobilidade de usuários de cadeiras de rodas no
interior do conjunto. Originalmente a rua é constituida por paralelepípedos, material considerado,
por Lina Bo Bardi, um documento importantíssimo
da história da humanidade: pedras cortadas a mão,
contém o registro do carimbo da técnica e da mão
de obra utilizada (FERRAZ, 2014). Porém, com a
simples mudança de uma parcela do material componente piso por uma faixa de um piso homogêneo,
houve mudança singificativa na dinâmica de uso
da rua: a princípio projetada para cadeirantes, a
faixa passa a ser preferência de percurso de pessoas
idosas, mães com carrinhos de bebê, mulheres de
salto alto. Cria-se, com a simples mudança de
textura do piso, a intensificação de um eixo de
passagem (VAINER, 2014).
7. Espaço de vivência: uso para exposições
Após a inauguração do Sesc, Lina Bo Bardi participou coordenando atividades e organizando exposições. A ideia seria a de um espaço de convivência para as horas livres, a cultura como
convívio e liberdade (SUBIRATS, 2013). As exposições que organizou foram de extrema importância
para a formação cultural do Sesc. Com caráter
bastante lúdico, porém sempre com embasamento crítico, foram grandes atrativos. Entre elas, destacam-se: “Design no Brasil: historia e realidade”
(1982), “Mil brinquedos para a criança brasileira”
(1982-83), “Caipiras, capiaus: pau-a-pique” (1984),
“Entreato para crianças” (1985), “O belo e o direito
ao feio” (1982).
Em meio as exposições efetuadas, a “Design no
Brasil: historia e realidade” foi de extrema importância no sentido de ter feito um contraponto entre
o que era a produção artesanal e o que é a produção industrial (VAINER, 2014). É interessante perceber, porém, que tal contraponto aparece na
maioria das exposições efetuadas no Sesc Pompéia.
Para melhor entender a lógica de projeto das
exposições pensadas pela arquiteta no o Sesc
Pompéia, podemos retomar sua posição relativa
aos museus, bastante crítica em relação à sua situação contemporânea: “no quadro da cultura
contemporânea, o museu ocupa lugar poeirento e
inútil” (RUBINO; GRINOVER, 2009, p.99). E complementa, ainda: “museu que deverá ter a sua imposição didática para ser um museu ‘verdadeiro’,
vivo, e não um ‘museu’ no sentido mais superado
70
da palavra” (RUBINO; GRINOVER, 2009, p.101).
Lina Bo Bardi encarava a montagem das exposições como forma de se colocar uma posição política e educativa, propondo o contrário de uma
relação passiva e alienada. Ao se pensar forma de
apresentação do objeto a ser exposto, a arquiteta
pensa um jeito no qual a funcionalidade da cultura
e da arte popular esteja lá representada, tal como
ocorre na exposição Nordeste, que inaugurou o
Museu de Arte Popular na Bahia, conforme coloca
Juliano Pereira: “A mostra é realizada com recursos muito simples: caixotes de madeira evocando
a maneira como esses objetos encontravam-se
originalmente expostos nas feiras e mercados populares” (PEREIRA, 2007). Outro exemplo do modo
expositivo evidentemente político proposto pela
arquiteta foi o constituido no MASP, aonde se quebrava todos os canônes dos museus europeus,
colocando todas as épocas e estilos para conviver
juntos, misturando as escolas. Tal modo de expor
incomoda até hoje, tamanha foi a força de sua
proposta.
Em relação às exposições especificamente feitas
no Sesc Pompéia, é importante ressaltar o fato de
que Lina foi sempre contra, enquanto estava lá, a
ter exposições de arte, justamente por acreditar
ser aquele um espaço de convívio, e não destinado
aos museus. Hoje em dia, cada vez mais exposições
chegam às unidades dos Sescs, de modo que
viraram parte dos museus hoje, e acontece frequentemente de parcelas significativas da unidade
do Sesc Pompéia ser destinada às exposições, ocupando lugar destinado à convivência das pessoas.
8. Espaços de vivência: uso de lazer e atelier
Como se da o uso atual desse espaço? Me pergunto se, de fato, os conceitos pensados por Lina Bo
Bardi ao projetar o espaço são efetivos em seu uso
cotidiano.
Segundo o arquiteto André Vainer, no Sesc
Pompéia Lina criou o que se pode chamar de cidadela: um lugar em que se pode passar o dia todo,
você come, vai no banheiro, faz esporte, vê exposições, vai no teatro. Sem dúvidas o Sesc Pompéia
exerceu influência no modo de ser dos outros Sescs
(VAINER, 2014).
É importante ressaltar o caráter da “rua
interna”, na qual ocorre uma fusão entre a cidade
e o espaço interno do Sesc, de modo que a cidade
participa no sesc Pompéia. Tal relação faz com que
o projeto estabeleça outra permeabilidade entre
o espaço público e privado, oferecendo equipa-
mentos urbanos complementares à trama urbana
que o rodeia, como restaurante e bar, área de
descanso, atividades culturais, bancos para se
sentar, sanitários.
Nota-se, porém, algumas mudanças em relação
ao uso de alguns espaços do Sesc hoje, em contraposição a como foram pensados pela arquiteta ao
projetá-lo. Uma delas seria referente ao espaço que
originalmente foi destinado à lanchonete do deck
solarium, e que hoje tem o uso de espaço de informática. A lanchonete do bloco esportivo mudou
quando o sesc desistiu da ideia de ter duas lanchonetes, de modo que decidiram juntar a lanchonete
com o restaurante, o que ocorreu já nos anos 90.
Outro espaço que é pouco utilizado com sua proposta original é a cascata, criada também na região
do deck, para refrescar em dias quentes. O uso como
cascata raramente é ativado, e o espaço é bastante
utilizado por crianças, brincando ao seu redor.
Outro espaço que entrou em desuso é a abertura do teatro direta para a rua. A ideia original da
conexão em questão seria para que o teatro pudesse
funcionar até depois da hora de funcionamento do
Sesc, porém tal proposta não funcionou por conta
do controle da quantidade de pessoas. Hoje as
passagens funcionam apenas como apoio para
entrada e saída de cenários e materiais de apoio.
Um aspecto que pode ser ao mesmo tempo limitador e muito enriquecedor do espaço é o fato
de que, tanto peças de teatro, quanto exposições,
para serem exibidos na espacialidade do Sesc
Pompéia, é necessário que ambos sejam pensados
e montados exclusivamente para aquele espaço,
por não seguirem os padrões originais de teatros
e espaços de exposições.
Há, ainda, outras mudanças de uso do espaço,
tais como a criação da academia em uma das antigas
quadras do bloco esportivo e a transformção de
um galpão, que antes servia para manutenção, para
servir de múltiplo uso. Em entrevista com o arquiteto André Vainer, ao perguntar sobre as mudanças
do espaço ao longo do tempo, o arquiteto declarou
ser a instituição Sesc dinâmica, e que é natural que
ocorram mudanças ao longo do tempo. O importante é que o espaço em questão continua extremamente democrático e vivo. Nesse sentido, para
a manutenção da convivência democrática, a comunicação horizontal entre o restaurante, ateliês,
biblioteca, exposições, é fundamental, conforme
colocou o arquiteto Marcelo Ferraz em entrevista.
Porém, há questões ainda hoje polêmicas: a
cadeirinha de madeira que, pensada como forma
de oposição crítica às cadeiras estofadas provenientes da época das cortes, é atualmente julgada des-
confortável por muitos. Porém, será que cabe, hoje,
a crítica proposta por Lina em relação ao conforto
da cadeira, enquanto temos tantos fatores “confortáveis” atualmente que nos rodeiam e tiram a
atenção da realidade que nos rodeia? Para o arquiteto Marcelo Suzuki, a crítica da cadeirinha proposta por Lina hoje virou uma utopia (SUZUKI, 2014).
9. Considerações finais
Com o desenvolvimento da pesquisaque aqui se
apresenta consegui organizar o início de uma inquietação. Sendo, portanto, este trabalho, o início
de um caminho, levanto questões, a partir de todo
esse campo que se abriu, para serem continuadas.
Em primeiro lugar, elenco a importância em
investigar novos significados a serem atribuidos
a espaços degradados, tanto no quesito espacial,
de projeto, quanto ao uso do espaço em questão,
do seu cotidiano. Quando Lina faz do logotipo da
nova fábrica da Pompéia uma chaminé que solta
flores, faz uma alusão direta a essa transformação
do espaço: mostra o trabalho pesado que virou
lazer. Assim, sem apagar suas características originais, mas ao mesmo tempo carregando o espaço
de significado atual, a arquiteta consegue fazer
um restauro crítico do espaço. Como exemplo atual
da investigação da composição entre a dualidade
antigo X novo, tive como exemplo, em palestra na
Escola da Cidade, o trabalho do arquiteto francês
Frédéric Druot. O arquiteto trouxe como princípio
de trabalho dar novos significados a espaços existentes sem a necessidade da demolição. Além de
salvar custo de trabalho e de energia, visa, com
esta forma de trabalho, o aproveitamento da situação particular de cada conjunto já existente.
Em segundo lugar, este trabalho me deixa como
questionamento a relação atual entre o desenvolvimento do projeto, a obra, e seu tempo de execução. Percebi que o fato da obra do Sesc Pompéia
ter sido executada ao longo de nove anos e, principalmente, sua execução diretamente no canteiro
de obras, foi fundamental para um resultado
apurado de quais seriam as reais necessidades para
a revitalização daquele espaço. Um tempo que
aparenta longo de dedicação ao desenvolvimento
de um projeto na verdade será mínimo quando
comparado com o tempo de uso do espaço gerado.
Aprendi na aula de projeto do segundo ano que
devemos projetar pensando em como será aquele
espaço daqui 50 anos. Assim, o que são 10 anos em
50? E em 100? Talvez seja absurda a comparação,
pois são tempos diametralmente distintos, mas ao
71
observar a construção da cúpula de Bruneleschi
para a catedral de Santa Maria del Fiore, em Florença, cuja construção iniciou-se em 1296 e finalizou-se em 1436, ou seja, com a duração de cento e
quarenta anos de obras, ao observarmos seu resultado hoje, em 2014, ainda em extrema evidência
como fator fundamental de formação da identidade urbana de Florença, coloco a questão: o que são
cento e quarenta anos de construção em setecentos
e dezoito anos de vivência daquele espaço na
cidade? Se pensarmos de acordo com a lógica atual
individualista gerada, entre outros fatores, pelo
sistema capitalista vigente, cento e quarenta, ou
mesmo nove anos, é muito tempo. Mas se pensarmos no tempo da cidade, elemento cuja profissão
que me propuz cursar tem como foco principal,
cento e quarenta anos são pouca coisa.
Ainda com a questão do tempo de desenvolvimento do projeto, aprendi com o estudo da arquiteta Lina Bo Bardi, a importância de não tomar
decisões por impulso. Antes de decidir como deverá
ser o partido de um projeto, é preciso estudar antes
de fazê-lo, escrever muito. Lição bonita que aprendi
com Oscar Niemeyer assistindo ao documentário
“A vida é um sopro” é sua pratica de, após desenhar,
escrever um texto argumentando o porque daquelas decisões. Se não encontrar argumentos para
cada resultado, se deve repensar aquela decisão.
Com isso, vem a importância do desenho e da
escrita a mão, que hoje vem se diluindo com o uso
do computador, celulares e Ipads cada vez mais
presente. Com o estudo de documentos deixados
pela arquiteta Lina Bo Bardi tive a confirmação do
que já acreditava ser verdade: a tecnologia nunca
substituirá o desenho analógico, a escrita a mão,
ou a leitura do livro que se pode pegar, fechar e
abrir, sentir a gramatura de sua folha. A tecnologia
complementa o analógico, traz avanço maravilhosos,
mas não substitui.
Ficou latente para mim, ainda, a necessidade
de mudança da forma de ensino da arquitetura,
questão essa que era colocada pela arquiteta Lina
Bo Bardi ao pensar IAC e a Escola de Pré-artesanato do Solar do Unhão. A arquiteta já questionava o
distanciamento do estudante de arquitetura e design
do canteiro de obras, questão fundamental de ser
repensada até hoje. Com o estudo da arquiteta Lina
Bo Bardi, vejo, também, outras duas questões fundamentais a serem repensadas no estudo e na
prática arquitetônica: a visão política estabelecida
a partir do projeto arquitetônico, visão essa que
perdemos principalmente com o golpe militar de
1964; e o domínio técnico do que projetamos. Pode-se
dizer que há um problema em como se dá o estudo
72
da técnica hoje, considerado chato por muitos estudantes, embora questão fundamental para quem
um dia quer fazer arquitetura. Lina Bo Bardi até
hoje é exemplo de uma arquiteta com extremo
domínio do conhecimento técnico. Então, fica a
pergunta: como retomar o interesse pela técnica?
Aprendi, ainda, com o estudo da arquiteta a
importância do olhar para a produção de baixa
técnologia, seja num tempo que já passou, seja nos
dias de hoje. Fica, para mim, a partir do estudo dos
conceitos de arte popular e cultura popular para
Lina Bo Bardi, em primeiro lugar, a importancia
da síntese no que se produz, do olhar para as reais
necessidades e disponibilidades materiais do
espaço em que nos inserimos. Em segundo lugar,
fica a importância da produção de espaços democráticos, simples e funcionais, sem erudição, mas
dotados de uma visão política, podendo, assim,
funcionar da forma mais simples e mais essencial.
Um espaço de todos.
Por último, a partir do espelho d’água Rio São
Francisco, da florzinha de mandacaru, e das mesas-caxixis, entre outros elementos elaborados pela
arquiteta a partir de sua vivência no nor- deste
brasileiro, aprendi a importância de criar, a partir
de elementos cuidadosamente escolhidos, um imaginário produzido pela da presença de elementos
dotados de uma visão política, crítica. Assim, o
espaço dotado de elementos que remontam a realidade nordestina, retoma a importância do olhar
para a cultura popular, a extrema riqueza presente na produção pobre.
Ao perguntar para Marcelo Suzuki se ele achava
possível de alguma forma dar continuidade às
ideias que aprendeu durante seu período de trabalho com a arquiteta Lina Bo Bardi, o arquiteto
disse achar difícil: seus projetos são feitos da
maneira mais simples possível, buscando fazer
projetos sociais ou institucionais. Marcelo Suzuki,
até hoje, desenha cadeiras sem estofado.
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br/revistas/read/arquitextos/07.084/243>. Acessado
em ago. 2016.
Entrevistas realizadas pela pesquisadora
73
AMARAL, Glaucia. 2014. Entrevista concedida em
junho de 2014.
FERRAZ, Marcelo. 2014. Entrevista concedida em
junho de 2014.
LATORRACA, Giancarlo. 2014. Entrevista concedida em agosto de 2014.
SUZUKI, Marcelo. 2014. Entrevista concedida em
junho de 2014.
VAINER, André. 2014. Entrevista concedida na
Escola da Cidade em junho de 2014.
Notas
1. Aluna de graduação do curso de Arquitetura e Urbanismo na Escola da Cidade - Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo.
74
O teatro de Lina Bo
Bardi: preexistência,
reposicionamento da plateia e
condicionantes cênicas
The theater of Lina Bo Bardi:
preexisting, repositioning
the audience and scenic
constraints
Thiago Ramos Reis1
Orientadora: Profa. Dra. Ana Castro (FAU-USP)
Pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida entre 2011-2012 com
financiamento do Núcleo de Pesquisa da Escola da Cidade
Esse artigo pretende discutir a
obra da arquiteta Lina Bo Bardi
dedicada ao teatro, à luz de três
eixos principais: pré-existências
e construção a partir de ruínas;
reposicionamento das relações
cena / público, palco / plateia e
atuante / espectador; e possibilidades e condicionantes cênicas.
A análise é primordialmente
sobre os edifícios teatrais construídos e as arquiteturas cênicas,
mas inclui também o estudo mais
amplo dessa produção cênica:
trajes, design gráfico e mobiliário, desenvolvidos para cada
projeto, do nosso ponto de vista,
indissociáveis da concepção do
edifício. A discussão parte da
ideia de que a produção analisada é um contraponto ao edifico
teatral de palco italiano e as cenografias de profundidade ilusória que dominaram a cena teatral
brasileira, afim de destacar para
contemporaneidade das soluções
empregadas nos projetos
que ainda hoje chamam a
atenção pela inovação.
This paper discusses part of the
work by the architect Lina Bo
Bardi dedicated to the theater on
the light of three main elements:
pre-existence and construction
from ruins, repositioning of relations staging / audience, stage
/ seating plan, performer / viewer
and scenic possibilities as well as
constraints. These analyses are
mainly about the constructed
theater buildings and the staging
architecture, but it also includes
a wider study of this kind of creation: costumes, furniture and
graphic design, developed for
each project, understood as inseparable from the design of the
building. The argument starts
from the idea that the analyzed
production is a counterpoint to
the theatrical building of Italian
stage and the set designs of illusory depth that dominated Brazilian theatre scene; in order to
highlight to the contemporaneity
of the solutions employed in
these projects that still today call
attention for innovation.
Palavras-chave
Lina Bo Bardi; teatro; arquitetura cênica
Keywords
Lina Bo Bardi; theater; scenic
architecture
El teatro de Lina Bo Bardi:
las preexistencias, el
reposicionamiento
de la audiencia y las
limitaciones escénicas
Ese artículo tiene por objetivo
discutir las obras proyectadas
por la arquitecta Lina Bo Bardi
para el teatro a la luz de tres elementos principales: el preexistente y la construcción a partir
de las ruinas, el reposicionamiento de las relaciones / escenario
público y activo / espectador y
las posibilidades y limitaciones
escénicas. El análisis es, en
primer lugar de los edificios teatrales e de las arquitecturas escénicas, pero incluye también
parte del estudio de la amplia
producción escénica de Bo Bardi:
realización de trajes, muebles y
diseño gráfico, desarrollado para
cada proyecto, que a menudo son
inseparables desde el diseño del
edificio. La discusión tiene base
en el entendimiento de que la
producción en analice es un contrapunto a los teatros tradicionales de palco escénico italiano y
escenarios de diseños de profundidad ilusoria, que dominaron la
producción brasileña; con la intención de destacar la contemporaneidad de las soluciones
empleadas en los proyectos que
llaman la atención aun hoy por
la innovación.
Palabras-clave:
Lina Bo Bardi; teatro; arquitectura escénica.
75
Figura 1. Croqui de Lina Bo Bardi (1959) para
“Ópera dos três tostões” no Teatro Castro Alves
de Salvador” - Diagrama de movimentação dos
atores entre palco/plateia. Fonte: acervo
Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi
1. A construção do espaço da representação
Edifícios teatrais são mais do que construções marcantes no tecido urbano. São símbolos de uma
organização social, de uma cultura. Se o movimento teatral e o teatro falam da sociedade em suas
diversas épocas, o documento incontestável da
presença do teatro na cidade é o edifício que o
abriga. Nesse sentido, sua materialidade lhe dá
uma condição real de existência que não pode ser
desprezada. Até meados do século XX, vemos como
o edifício teatral foi o espelho da cidade que se
modernizava, sendo ele mesmo um elemento conformador da cidade e um símbolo de progresso,
um monumento no tecido urbano. Ao pensarmos
em São Paulo, por exemplo, o Theatro Municipal
inaugurado em 1911 talvez tenha sido o ícone mais
significativo dessa presença, coroando as reformas
urbanas empreendidas no início do século pelo
prefeito Antônio Prado num centro que se queria
moderno, europeizado, e que teve nesse edifício
um dos símbolos mais marcantes do período
(CAMPOS, 2002). Mas não apenas o Municipal.
Podemos ter uma apreensão semelhante para os
diversos edifícios teatrais que surgem na cidade a
partir do final do século XIX e ao longo do XX que
se apresentam como pontos focais da cultura. Se
não símbolos tão evidentes como foi o Municipal,
aqueles teatros seriam pontos de atração que marcaram a cidade de outra forma. Não impactando
a paisagem pela construção em si, mas fazendo
daqueles endereços lugares de encontro, pontos
de sociabilidade e que do ponto de vista simbólico
deixaram suas marcas. Basta pensarmos no Teatro
Brasileiro de Comédia - TBC (no Bexiga) e no Teatro
de Arena (na Consolação), e o que estes teatros (e
seus grupos de atores) representaram para o movimento teatral de vanguarda dos anos 1940, 50 e
76
60, décadas de real metropolização da cidade
(ARRUDA, 2005).
Já nos anos 2000, vimos renascer uma cena
teatral na Praça Roosevelt, antes completamente
abandonada pelo poder público, e que a partir
justamente da ocupação de coletivos teatrais (Parlapatões, Os Satyros) seria reformada, protagonizando um movimento de renovação urbana conduzido pelo próprio mercado imobiliário, o que
paradoxalmente parece estar levando esses próprios coletivos a buscar novos lugares na cidade2.
Por isso, pode-se afirmar que entender a presença dos teatros na cidade nos dá pistas não apenas
sobre o desenvolvimento da arquitetura, mas dos
caminhos da sua urbanização e da própria sociedade em que eles se inserem. Se os teatros paulatinamente diluem-se na crescente metropolização,
eles não perdem seu posto de polos de cultura,
reinventando-se e se dispersando por novos endereços, a partir do crescimento dos grupos teatrais
e das novas propostas do movimento teatral no
Brasil. Nesse sentido, os teatros de Lina Bo Bardi
permitem ter uma compreensão mais geral também
dos processos urbanos engendrados neste largo
arco temporal que cobre sua produção. Lina Bo
Bardi chega ao Brasil em 1947 e logo se radica em
São Paulo, justamente num período de intensa
movimentação cultural na cidade, quando sua identidade se forjava numa cena cultural que se pretendia de alcance nacional (ARRUDA, 2005). Desde
suas primeiras intervenções, nota-se uma preocupação em cada projeto em modernizar os espaços,
unindo suas referências europeias à situação local3.
Ao longo de sua carreira, Lina desenvolve muitos
projetos para teatro, entendidos aqui de maneira
ampla, pensados como espaços que abriguem encenações. Em todos os projetos, há uma intenção
de discutir o espaço cênico: o lugar do ator, do es-
pectador e a construção da cena, e por consequência, o lugar dos cidadãos e a construção cidade. A
arquitetura para teatro de Lina Bo Bardi não pretende ser um marco do progresso, nem documento da modernização, como tinham sido os teatros
tradicionais até então. Com Lina, o edifício teatral
passa de alguma forma a abrigar a cidade, voltando sua atenção nova possibilidades de construção
do fazer teatral (LATORRACA, 1999).
Nos teatros da arquiteta sempre existiu a preocupação de que a cidade fizesse parte da construção do espaço de encenação: o pano de vidro ao
fundo do palco do Polytheama, a janela do Oficina
ou o buraco do Gregório de Mattos, podem ser
vistos como manifestos da sua vontade de incidir
nas questões da cidade, respectivamente: o centro
de Jundiaí e a necessidade de reocupar o Polytheama; o terreno do Grupo Silvio Santos que naquele
momento impedia a construção do Teatro Estádio;
e o Conjunto Nossa Senhora da Barroquinha, ainda
não restaurado. Os espaços teatrais da arquiteta,
como vários outros de seus projetos, são concebidos entre a técnica e as questões culturais, que
acabam por resultar espaços com caráter tátil, não
abstrato, democráticos, condizentes com a realidade e a contextualização dos usos.
Na unidade do SESC na Pompéia a arquiteta
projetou um espaço que também se relaciona com
a cidade, mas de uma nova forma. Um edifício que
serviu a outro contexto, um galpão de uma antiga
fábrica de tambores, num bairro operário, foi recuperado para receber um edifício teatral, criando
uma extensão da rua dentro do centro de cultura
e lazer4. O resultado é um “teatro de arena revisitado”, um teatro sanduíche5, com possibilidades
de abrigar peças de teatro, espetáculos circenses,
shows musicais, e que por suas particularidades
espaciais acaba por influenciar a montagem, que
tem que se haver com um novo espaço cênico,
pouco convencional, onde a arquiteta combinou
elementos além das dimensões físicas, pensando
no acabamento, na qualidade da arquitetura e no
formato da plateia e subvertendo a lógica do palco
italiano tornando invisível a linha de separação
entre atuante e a audiência6.
O rompimento do palco italiano proposto pela
arquiteta em todos os seus projetos teatrais recondicionam o lugar do espectador na cena, construindo um espaço democrático. Lina constrói uma
concepção de teatro ao longo da sua trajetória, a
partir de um conceito que se torna cada vez mais
claro do uso ou dos múltiplos usos. No Teatro
Oficina, de 1984, uma fase madura de sua produção,
a arquiteta pretendeu “expor o ator e uma condição
francamente humana ao público” (AMARAL, 2005).
Esse, talvez, seja seu projeto mais radical, onde ela
congregou o longo caminho que a leva a pensar as
soluções para coxia, urdimento e espaços técnicos
sempre aparentes, permitindo a todo o momento
a prova da não abstração, estando em acordo com
uma crítica marxista do modernismo, seguindo as
reformulações cênicas de Brecht, pautadas pela
necessidade da não ilusão do espectador (SILVA,
2005). O que coloca o trabalho do arquiteto como
fundamental para concepção do espetáculo.
O reposicionamento das plateias e pré-existências desenharam as arquiteturas cênicas de Bo
Bardi, por exemplo, nos projetos das peças brechtianas “Ópera dos três tostões” e “Na selva das
Cidades”. Na ocupação do Teatro Castro Alves de
Salvador e no Oficina em São Paulo, Lina propõe
a apropriação do teatro em moldes diferentes aos
de Bina Fonyat7 e de Rodrigo Lefréve e Flávio
Império, concretizando uma arquitetura menos
ligada às convenções tradicionais da arquitetura
teatral (PEREIRA, 2007, p.169-172)8. Segundo Carolina Leonelli, é onde se nota como Lina continua
desenvolve suas ideias de “apropriação” e “desvio”,
por retirar da condição existente, a matéria prima
para construção da cena. Um material que é ressignificado em cena sem deixar de pertencer a seu
lugar de origem.
O TCA teve suas obras terminadas em 1958 e
poucos dias antes da inauguração sofreu um incêndio, de causas desconhecidas ainda hoje, na
época a mídia noticiou que fogo começou em curto-circuito na instalação elétrica. No ano seguinte
a sala foi inaugurada não oficialmente, com a
“Ópera dos três tostões”, com trajes e arquitetura
cênica de Bo Bardi em 1959. A arquiteta ocupou
as ruínas do Teatro Castro Alves, no foyer do teatro
instalou o Museu de Arte Moderna da Bahia e na
sala de espetáculos projetou, a pedido da Escola
de Teatro da Bahia, as arquiteturas cênicas de
“Ópera dos três tostões” e “Calígula”9. Mais tarde,
no Museu de Arte Moderna da Bahia (MAMB), no
espaço do Solar do Unhão usado ocasionalmente
como espaço cênico (PEREIRA, 2007).
As experiências de redesenho de arquitetura
com outra função permeiam toda a produção da
arquiteta, no caso dos edifícios teatrais, elas são
condicionantes na atuação de Lina. E são essas
experiências de arquitetura cênica que vão
desembocar na concepção dos edifícios teatrais
construídos entre as décadas de 1970 e 1980.10
A opção pela “arena revisitada” do SESC
Pompeia é uma solução espacial muito próxima à
proposta cenográfica de “Na selva das cidades”11
77
Figura 2. “Na Selva das Cidades” no teatro Oficina
em 1969 - Atores em cena no ringue. Fonte: acervo
Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi
para o Oficina anos antes. No Teatro Polytheama
de Jundiaí12, projeto de 1986, Lina diz ser de grande
importância recuperar um espaço da cultura
popular da cidade, ressaltando que ele seria um
dos últimos exemplos de “teatro polivalente” no
país, portanto, um espaço de múltiplo uso, e que
deveria em sua essência ser um teatro moderno
de possibilidades diversas de ocupação. Lina
propõe um pano de vidro aos fundos do teatro,
deixando que a cidade seja o último e real pano
de fundo de todas as montagens. Essa postura
projetual da arquiteta é bastante semelhante a que
ela desenvolve no projeto Barroquinha nos anos
1980 em Salvador, na implantação do Teatro Gregório Matos, quando Lina abre a parede do fundo
desse espaço cênico para o complexo histórico da
Igreja Nossa Senhora da Barroquinha13. Em diversos desses projetos, o pré-existente e a arquitetura
como documentação histórica são questões guias
para as intervenções, e é essa discussão que pretendemos levar adiante aqui.
Além de teatros, como se sabe, Lina projetou
também alguns auditórios que eventualmente
cumpririam a função de espaços cênicos: o do
MASP da Rua Sete de Abril (1947), o do MASP Paulista (1968)14 e do MAM (1982). Esses projetos de
Lina parecem subverter essa divisão estrita de
teatro e auditório, trazendo à tona questões como
a versatilidade do espaço, a exemplo dos auditórios
do MAM e do MASP, onde a arquiteta projeta um
mobiliário que possa ser retirado da sala permite
por si só o uso do salão livre ou simplesmente a
reconfiguração dos lugares. Como afirmou Leonelli,
“para Lina, a distância entre palco e plateia apresentava-se de fato como um problema a ser resolvido” (LEONELLI, 2011, p.27). Assim como Walter
Gropius em seu Teatro Total, que acreditava no
teatro como instrumento de mudanças sociais -
78
Onde a plateia devesse deixar de ser apenas observadora para tornar-se parte atuante do espetáculo -, Lina defendia que ambas poderiam
eventualmente estar em um mesmo espaço, eliminando-se as barreiras físicas entre espectador e
ator15. Portanto os projetos para teatro da arquiteta não estaria ligada a questão da imagem ou a da
recriação de uma realidade aparente, mas na possibilidade de ressignificação do objeto arquitetônico16 e das relações dos usuários com e no edifício17, por isso a análise das obras será feita a luz
dessas questões presentes em toda produção da
arquiteta para teatro: pré-existências e construção
a partir de ruínas; relação cena / espectador - palco
/plateia; e possibilidades e condicionantes cênicas.
2. Os edifícios teatrais construídos e a
construção do edifício através da cena
2.1. Na Bahia, o Teatro Castro Alves incendiado:
as primeiras experimentações
Desde as primeiras experiências na produção para
teatro, Lina Bo Bardi recondicionou o lugar da
atuação: a cena é estendida para além do espaço
do palco, invade a coxia e plateia buscando o espaço
da cidade. A cena estática, com lugar marcado para
acontecer, não traz problemas ao espectador, e a
inércia do público não é o que desejou a arquiteta.
Em toda sua produção Bo Bardi subverteu a experiência teatro tradicional em suas aproximações
com as artes cênicas. Em sua primeira estadia na
capital baiana18, Lina teve como primeira atividade profissional a instalação do Museu de Arte da
Bahia no foyer do Teatro Castro Alves incendiado,
e em parceria com a Escola de Teatro da Bahia,
sob a tutela de Martim Gonçalves19, construiu na
Figura 3. Plateia, palco e plateia do teatro do
Sesc Fábrica da Pompeia, fotografado por
Marcelo Ferraz em 1982. Fonte: acervo Instituto
Lina Bo e Pietro Maria Bardi
sala de espetáculos do TCA as arquiteturas cênicas
de “Ópera dos três tostões” de Bertold Brecht e
“Calígula” de Albert Camus.
Na arquitetura cênica para obra de Brecht a
arquiteta eliminou qualquer possibilidade de ilusionismo da cena: os vários lugares necessários
para a representação da ópera foram colocados
simultaneamente em cena, ligados por escadas e
passarelas de madeira, o que dispensou a troca de
cenários. Os fios, refletores, araras de roupas,
cordas e mecanismos ceno-técnicos aparentes
faziam com que o público estivesse todo o tempo
consciente de que estava diante de uma representação. Lina propôs letreiros luminosos e telas para
projeção, que chamavam o público a reflexões
externas ao espaço do teatro, e as projeções traziam
para cena acontecimentos externos. Dessa maneira,
quebravam a “quarta parede” do edifício teatral.
Lina, na arquitetura de “Ópera dos três tostões”,
construiu a cena nos moldes sugeridos por Bertold
Brecht20. Observando os desenhos para essa arquitetura cênica é possível perceber a preocupação
da arquiteta em eliminar as predeterminações do
que era o lugar da atuação e o que era reservado
ao público. A opção em colocar a pequena orquestra junto aos atores é uma clara oposição ao limite
do palco italiano que ali existiu, onde a separação
era dada justamente pelo fosso da orquestra e pela
boca de cena, que também foi eliminada.
Por fim, é nessa arquitetura cênica que Bo Bardi
enfrenta pela primeira vez o caráter efêmero do
fazer arquitetônico21. Se é evidente que a efemeridade é uma condição de projetos cenográficos, nos
projetos da arquiteta essa condição é radicalizada.
Na montagem da “Ópera dos três tostões”, a utilização de elementos precários traz esse questionamento, o que permearia toda a produção cenográfica da arquiteta.
2.2. Em São Paulo, a chegada do elevado
e a “cidade-ringue”
No período entre 1968 e 1976, ou entre a inauguração do MASP Paulista e da Igreja Espírito Santo
do Cerrado de Uberlândia, a produção de Lina Bo
Bardi é bastante restrita, e é nesse momento que,
a arquiteta se aproxima da produção artística brasileira (LIMA, 2009).
Nesse período, Lina é apresentada por Glauber
Rocha22 a José Celso Martinez Corrêa, diretor do
Teatro Oficina. Em sua primeira aproximação com
o grupo23 ela desenvolve em 1969 a arquitetura
cênica da peça de Brecht “Na Selva das Cidades”,
e dois anos mais tarde, a arquitetura cênica e o
figurino de “Gracias Señor”. Em “Na Selva das
Cidades” Lina traz para São Paulo suas ideias de
“teatro pobre”, já experimentadas nas arquiteturas
cênicas realizadas para Escola de Teatro da Bahia
no começo dos anos 1960. Segundo a própria arquiteta, a ideia de um “teatro pobre” é desdobramento da “arquitetura pobre”: pobre no sentido
de simplicidade na construção da cena, não no
sentido econômico, mas na simplicidade dos meios
de comunicação24.
A cena desejada nessa primeira construção
para o Oficina tem a ver em muito com a experiência anterior do projeto de “Ópera dos três
tostões”. Se na montagem baiana, o incorporar à
construção da cena a memória recente do TCA
incendiado condicionou o projeto, na montagem
paulista, a chegada do “Minhocão” no bairro do
Bexiga foi matéria prima na concepção e construção de “Na selva das Cidades”. Essa matéria-prima
da arquitetura cênica foi justamente o entulho
deixado pelas ruas do bairro histórico na construção do Elevado Costa e Silva. As madeiras, tijolos
e restos de concreto trouxeram para dentro do
79
teatro a experiência urbana: a de Chicago dos anos
1920 narrada na obra de Brecht e a de São Paulo
dos anos de 1970 incorporado na montagem do
Teatro Oficina. A opção por conceber no centro da
cena um ringue segue as indicações de Brecht, que
sugere no texto uma constante luta na (selva da)
cidade. É nessa montagem que a efemeridade da
arquitetura cênica é extremada por Bo Bardi: a
cada apresentação, o cenário era completamente
destruído pelos atores e refeito no dia seguinte.
José Celso Martinez Correa, a respeito do cenário
da peça, disse:
A Lina Bardi, que fazia a cenografia da Selva,
pegava o Lixo do Bexiga e trazia para o palco.
Tanto que a gente não pagou quase nada para
o cenário. Ela saía feito uma doida no meio da
rua: ‘Que bonito! Que maravilha!’ Os maquinistas pensavam que a mulher estava maluca;
ela catava o que havia de mais sórdido, triava
e botava no cenário.” (CORREA, 1998)
Nessa montagem, o espectador se torna parte
da cena, pois ele também está “Na selva das cidades”.
Lina transformou o palco italiano de Império e
Lefréve em um “teatro sanduíche”, relação espacial
próxima a que mais tarde projetou no SESC Fábrica
da Pompeia. Nas laterais do palco eram dispostas
mesas em uma espécie de cabaré ocupado pelo
público, e nessa concepção cenográfica não era
possível distinguir quem era ator ou espectador.
Para Zé Celso, “Na selva das cidades” foi de fato
um momento de ruptura dentro do teatro e da
cidade. O Bexiga, que até aquele momento era visto
como um bairro encortiçado, marginal, passaria
por grandes modificações com a chegada do “Minhocão”, que partiu o bairro ao meio. E ao mesmo
tempo o Oficina rompe de vez com os padrões que
o aproximava do teatro engajado de esquerda25. É
com a experiência catártica de “Na Selva das
Cidades” que o grupo, capitaneado por Zé Celso e
Lina, viu a necessidade de construir um novo
“Oficina” livre da quarta-parede, um “teatro-rua”,
um “sambódromo”. O contato com a terra do Bexiga
na montagem do texto de Brecht trouxe a necessidade latente de abandonar o teatro construído
nas antiquadas estruturas sociais e buscar um
teatro “dionisíaco”, o que resultou nas primeiras
experiências do grupo com o que eles chamam
atualmente de “te-a-t(r)o”, “teatro rito”.
2.3. Na fábrica de tambor, uma arena revisitada
O teatro de vanguarda brasileiro no final dos anos
de 1970 já tinha posto em xeque algumas vezes as
80
relações convencionais do lugar da cena e do espectador, e é nesse cenário que Bo Bardi desenvolve o projeto do teatro do SESC Fábrica da Pompéia.
O desenho do edifício, segundo a arquiteta, deveria
ser concebido para possibilitar a difusão da cultura
e incluir a classe operária - deveria, assim, ser
coerente a necessidade de comunicação do projeto,
onde a cidadania cultural poderia ser exercida de
forma plena26.
O projeto do SESC Pompeia, de 1977, é divido
em duas partes: o bloco esportivo e o bloco cultural e de serviços. Para o primeiro, foi construído
um novo edifício e o segundo bloco foi abrigado
na antiga fábrica de tambores. O teatro foi projetado entre dois dos galpões da antiga fábrica: o
foyer fica no vão entre os blocos, coberto por telhas
de vidro e fechado por treliças de madeira, a sala
de espetáculos foi instalada em um dos galpões
pré-existentes. Para abrigar o teatro, Lina projetou
várias intervenções, todas alinhadas às proposições
do restauro crítico27, intervenções feitas a com
formas e matérias do presente, nunca de maneira
mimética ao pré-existente, ideia que permeou toda
sua atuação em prédios históricos e ruínas28.
Lina optou por projetar um “teatro sanduíche”29: arquibancadas opostas separadas por um
palco retangular. Nas palavras da arquiteta, “uma
arena revisitada”. Tal conformação espacial possibilitaria estímulos à reinvenção do cotidiano na
cena e que aos homens (espectadores) apresentaria uma significativa liberdade. O teatro dos comerciários deveria valorizar o trabalho e o lazer
em igual proporção, e para tal deveria levar o
trabalhador a se questionar sobre seu papel e sua
atuação no mundo, sendo estimulado por situações
de desconforto e estranheza da própria realidade.
Em seu primeiro edifício teatral construído, o
do SESC, Bo Bardi se valeu de vários elementos já
experimentados em seus projetos de arquitetura
cênica e auditórios nas décadas anteriores. No
teatro da Pompeia, a arquiteta manteve a clara
decisão de que naquele espaço, não só o espetáculo, mas as arquiteturas deveriam ser capazes de
possibilitar a experiência teatral como um todo:
texto, atuação e espaço, não podem ser lidos isolados nem no fazer teatral e nem no arquitetônico.
Espacialmente, o teatro foi discutido genericamente entre a arena e o palco italiano, e ao longo
da história, uma dessas formas sempre pareceu
mais adequada para o tipo de representação desejada que a outra. Lina, com um gesto poético de
sua arquitetura, coloca dentro do cubo (italiano)
o círculo (arena) no SESC Pompéia. Tal gesto não
seria, portanto, uma aproximação do Teatro Total
Figura 4. Estudo para grande abertura do palco no
novo Teatro Polytheama de Jundiaí. Croqui de Lina
Bo Bardi, André Vainer, Marcelo Ferraz e Marcelo
Suzuki (1986). Fonte: acervo Instituto Lina Bo e
Pietro Maria Bardi
de Gropius, já que na fábrica a arquiteta não deseja
fazer um teatro que consiga receber qualquer tipo
de espetáculo. Ao contrário, Lina quer um espaço
que condicione a montagem e que esteja em acordo
com o que se deseja para sua “cidadela”. Não existe
uma clara separação entre o palco a plateia, gesto
afirmativo de que o lugar da atuação não deveria
estar separado do público, assim como a ausência
de um “palco” mais alto ou separado visualmente
dos espectadores: o palco nesse teatro está no
mesmo nível que a primeira fileira de cadeiras30. Por fim, Lina diz criticar no projeto do SESC a sociedade de consumo, optando por fazer uma “arquitetura pobre” que atenta a estética da honestidade, deixando as paredes sem revestimento, as
estruturas e os métodos construtivos aparentes.
No teatro, isso está colocado nas controversas poltronas sem estofados31, nas arquibancadas e frisas
de concreto aparente e mais radicalmente na opção
de condicionar o fazer teatral sem criar ilusões,
onde o ator é visto por todos os lados e o público
é livre para receber a cena de diversas maneiras,
o palco central sem claras separações espaciais
avisa o espectador que aquilo não se trata de uma
“caixa mágica”, mas sim do lugar da representação.
2.4. A experiência síntese da produção teatral
de Bo Bardi: um teatro aberto ao Bexiga
O Teatro Oficina nasceu como grupo no final dos
anos de 1950, formado por estudantes de Direito
encabeçados por José Celso Martinez Corrêa e
Renato Brorghi. Logo em seus primeiros anos de
existência o grupo alugou no Bexiga o antigo Teatro
dos Novos Comediantes para ser a sua sede. Em
seu pouco mais de meio século de “(re)existência”
o edifico teatral do Oficina passou por diversas
propostas espaciais.
O primeiro projeto, construído a pedido do
grupo pelo arquiteto Joaquim Guedes ainda no
final dos anos de 1950, já era um “teatro-sanduíche” (plateias colocadas frente a frente e entre
elas o palco). Esse projeto foi substituído em 196732
por uma proposta de palco italiano, pensada por
Flávio Império e Rodrigo Lefévre. Esse é o teatro
que recebeu as arquiteturas cênicas “Na Selva das
Cidades” e “Gracias Señor” de Lina Bo Bardi: uma
extensa arquibancada de concreto com acessos
em meio nível e no palco (italiano) uma plataforma giratória33.
Em 198334, recém-voltado do exílio político, o
diretor do grupo sugeriu o que foi a grande virada
na produção da companhia: o te-at(r)o, o teatro
rito antropofágico, proposições que a companhia
persegue ainda hoje. Nesse contexto, Lina Bo Bardi
em parceria com Marcelo Suzuki fez uma nova
proposta de ocupação para o teatro, que não seria
construída. Em 1984, Lina, juntamente a Edson
Elito, projetou o teatro que foi construído e inaugurado em 1993, um ano após a morte da arquiteta. Esse é o Teatro Oficina que conhecemos hoje,
pensado como um “teatro passarela”, ou nas palavras do diretor do grupo, “teatro-sambódromo”,
ou ainda para arquiteta “teatro-rua”.
No terreno ao lado do teatro a arquiteta desejava construir o “teatro-estádio”, que foi re-esboçado anos mais tarde por Paulo Mendes da Rocha.
O arquiteto apresentou uma proposta de ocupação
do terreno baseada em uma releitura do minhocão:
o viaduto invadiria o terreno e ligaria a cidade a
uma “oca-estádio” para cerca de 5000 pessoas. O
“Teatro-estádio” ainda hoje não foi construído e
tem sido alvo de muitas discussões desde o começo
dos anos 2000, quando o Grupo Silvio Santos, proprietário do terreno, demonstrou interesse de
81
construir algo no local. Para essa área foram feitos
desde então inúmeros projetos. O arquiteto Júlio
Neves a pedido do proprietário do terreno fez o
projeto de um shopping, algo que imediatamente
seria rechaçado pela companhia. Como tentativa
de conciliar os interesses do Grupo Silvio Santos
e do Teatro Oficina, Silvio Santos encomendou ao
escritório Brasil Arquitetura um projeto chamado
“Shopping Bexiga”, que abrigaria o centro comercial e teatro estádio, mas a proposta também foi
abandonada. Os proprietários do terreno ainda
fizeram um projeto de torres comerciais no terreno.
Em 2010, o Grupo Silvio Santos passou uma crise
financeira e acabou deixando de ter interesse pelo
terreno, momento em que o terreno foi cedido ao
Oficina para que realizasse suas atividades teatrais
no local. Aventou-se ainda a possibilidade de se
trocar o terreno por outro de igual valor na cidade
de São Paulo, com a intermediação do poder
público. Nesse momento o diretor da companhia
encomendou outro projeto ao arquiteto João Batista
Martinez Corrêa, seu irmão, que além do teatro
estádio abrigaria a “Universidade Antropofágica”
e a “mata do Bexiga”. Por fim, o que se defende
atualmente é que seja feito outro projeto que se
aproxime das ideias esboçadas por Bo Bardi e Elito
(CORREA, 2012).
O espaço cênico proposto por Lina é uma
grande caixa cênica onde não existe separação do
lugar do espectador e da cena. O teatro funciona
como uma extensão da rua35, um beco que deseja
ser aberto ao estacionamento do “baú da felicidade”. Não existem lugares marcados para o espectador ou para a atuação. A ideia da arquiteta e do
grupo é que não existam espectadores, mas participantes que tornem possível o te-at(r)o36, expondo
os atores a uma “condição francamente humana”.
Enquanto rua, é desejável que a separação do
espaço externo para o espaço do teatro seja natural,
e para tal, Lina abriu a parede norte do teatro para
cidade, criando um pano de vidro que faceia o
estacionamento vizinho. No telhado, existe uma
cobertura retrátil, que quando aberta deixa ver o
céu e expõe a sala de espetáculos às condições da
natureza: chuva, vento, dia e noite. Por fim, na
parede oposta à entrada do teatro Lina criou aberturas nos arcos pré-existentes, que sinalizam que
aquela parede deve ser derrubada em busca da
construção do teatro estádio, nas palavras de Lina
“o teatro aberto ao Bexiga”.
Ainda de acordo com a atuação do grupo, Bo
Bardi propôs para o espaço cênico elementos
ligados à natureza, possibilitando a realização
naquele local do teatro-rito e do teatro antropofá-
82
gico: além das aberturas já citadas, no centro do
teatro existe uma “cachoeira” de tubos aparentes
que desaguam em um espelho d’agua, e sob a passarela central há uma faixa de terra coberta por
pranchas de madeira, no ponto mais alto do teatro
uma tubulação de gás permite que seja acesa uma
fogueira. Existem ainda pedras, plantas tropicais
e, do lado de fora rente a janela, uma árvore totem.
Todos esses elementos da natureza foram combinados a um sistema de televisores e de mecanismos
ceno-técnicos aparentes que resultam no que é
chamado por Zé Celso de “terreiro eletrônico”. Para
Lina: “do ponto de vista da arquitetura, o Oficina
vai procurar a verdadeira significação do teatro
- sua estrutura física e tátil, sua não abstração-que
o diferencia profundamente do cinema e da tevê,
permitindo ao mesmo tempo o uso total dos meios”
(BARDI, 1999, p.3)37.
A permanência da antiga fachada, resistiu a
todos os projetos de arquitetura para o Oficina é
documento patente da história do lugar, não só na
parede, mas nos tijolos aparentes e nos arcos
”romanos” descobertos por Lina, que nesse projeto
atua como “arqueóloga urbana”, como quer Zé
Celso. Essa condição é radicalizada no gesto da
arquiteta em abrir sob a passarela-palco uma
espécie de trincheira buscando a memória mais
remota do lugar, que não está no edifício construído, mas na terra no Bexiga.
2.5. O restauro das possibilidades:
o polivalente Polytheama
Sobre a restauração do Polytheama, Bo Bardi ressaltou a necessidade de entender o objeto histórico sobre qual se intervém: o teatro de Jundiaí
era naquele momento um dos últimos exemplares
do teatro polivalente do país. Da mesma maneira
que operou nas obras de adequação da Fábrica
da Pompeia, a arquiteta faz ali um apelo para que
seja mantido o espírito de ocupação popular
daquele teatro.
O modelo “polivalente” do começo do século
já não satisfazia as necessidades do teatro moderno,
porém, para a arquiteta era necessário que a
memória dessa tipologia estivesse presente no
novo Polytheama. Se no começo do século os teatros
polivalentes deveriam ser capazes de abrigar espetáculos teatrais, musicais e circenses, o novo
Polytheama deveria suportar um conjunto de possibilidades que passasse pelas atuações tradicionais, espetáculos alternativos e projeções de vídeo.
Bo Bardi relaciona o teatro de Jundiaí ao primeiro
Figura 5. Cadeiras Frei Egydio no espaço de
configurações diversas de plateia do Teatro
Gregório de Mattos de Salvador.
Fonte: fotografia de Nelson Kon; acervo
Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi
polivalente, o “La Maison du Peuple” em Bruxelas,
teatro que representou na Europa uma avançada
possibilidade de expressão artística e comunicação
popular. O novo teatro de Jundiaí deveria estar
apto a receber múltiplas possibilidades de ocupação: a plateia poderia se configurar de diversas
maneiras, e para tal receberia cadeiras móveis; as
frisas nas primeiras alturas e arquibancadas nos
últimos andares permitiriam ao público assistir
espetáculos sob outros pontos de vista.
Nos diversos desenhos depositados no Instituto Pietro Maria Bardi e Lina Bo Bardi é notável a
preocupação da arquiteta em outra vez projetar
dentro das proposições do restauro crítico. Todas
as intervenções da arquiteta para o novo Polytheama seriam feitas com forma e materiais contemporâneos: o edifício proposto anexo ao edifício
histórico seria construído em concreto e abrigaria
uma choperia e programas complementares ao
teatro, os acessos aos diversos níveis do projeto
aconteceriam por dentro de tubo náuticos e dentro
da sala de espetáculos, as arquibancadas deveriam
ser construídas em concreto, como a base das arquibancadas do Teatro da Pompeia, as poltronas
soltas seriam estofadas de azul cobalto, a mesma
cor utilizada nos praticáveis do Oficina.
Mesmo restaurando um teatro com forma bastante próxima ao palco italiano, Lina projeta
algumas condicionantes para as futuras montagens
cênicas no teatro de Jundiaí, experimentadas em
suas obras cenográficas para o teatro de vanguarda:
a quarta parede do Polytheama não deveria ser
quebrada apenas no palco, mas também entre o
edifício e a cidade. Dentro do edifício, a arquiteta
elimina o fosso da orquestra e a boca de cena da
mesma forma que procedeu na intervenção para
a “Ópera dos Três Tostões” em Salvador e na Fábrica
da Pompéia. O palco e o chão da plateia podem se
tornar um único espaço, quebrando a “quarta
parede” interna, e a outra “quarta parede”, a do
fundo do teatro, deixa de existir com a instalação
de um “pano de vidro” que abre o teatro para cidade,
trazendo para o palco a profundidade real da cena,
que nesse caso não se resolve na concepção cenográfica, mas na arquitetura. Sobre as múltiplas
possibilidades propostas para teatro, Lina disse:
“Com outras inovações do palco, o Polytheama
poderá vir a ser o centro de Jundiaí - e não somente
de Jundiaí” (BARDI apud FERRAZ, 1993, p.280).
O restauro proposto por Bo Bardi, por razões
políticas acabou por não ser construído. Em 1994,
após a morte da arquiteta, o escritório Brasil Arquitetura38 foi convidado a rever o projeto da arquiteta e tocar as obras do teatro que foi inaugurado em 1996. É perceptível que muitos dos desejos
de Bo Bardi para o espaço não estão presentes na
obra: o pano de vidro ao fundo da sala de espetáculos não foi realizado, as poltronas são fixas e a
diferenciação pré-existente/intervenção se limitou
a pintar o edifício histórico de branco e executar
as novas intervenções em concreto aparente39.
Diferenças projetuais a parte, é inegável que o
maior desejo de Lina foi contemplado no projeto
construído: o Polytheama voltou a ser a casa do
povo, tem uma programação diversa e se tornou
símbolo da cidade.
2.6. Na Bahia: o teatro no conjunto histórico
O último edifício teatral construído projetado por
Lina Bo Bardi, o Teatro Gregório de Mattos, faz
parte de um plano urbano da arquiteta para o
Largo da Barroquinha em Salvador40. O projeto
chamado por Lina de “Projeto Cultural Barroquinha” é composto pela restauração da Igreja Nossa
83
Senhora da Barroquinha, que passou a ser um
centro comunitário, pelo estacionamento que deu
lugar a uma feira de ervas, e a parte da frente do
um antigo cassino deu lugar ao Cine Glauber Rocha,
com fachada inspirada no cartaz de “Deus e Diabo
na Terra do Sol”, por fim, a parte de traz do cinema
foi transformada no Teatro Gregório de Mattos.
Além do centro do plano urbano, Bo Bardi propôs
diretrizes para a ocupação do entorno que deveria
ser ocupado por uso misto, e que não foram realizados em sua totalidade.
A arquiteta aproveitou toda estrutura da antiga
casa noturna Tabaris para abrigar o Cine Glauber
Rocha e o Teatro Gregório de Mattos. O espaço,
mesmo antes da intervenção da arquiteta, já
recebia espetáculos, e para atender às novas necessidades foram inseridos poucos elementos. O
térreo do teatro passou a ter um bar e um grande
espaço vazio para exposições, o andar superior,
de planta idêntica, recebeu a sala de espetáculos.
Para ligar os dois pavimentos, Bo Bardi projetou
uma “escada-escultura” em concreto41. Nas palavras
da arquiteta: “como o projeto é muito simples e o
ambiente será maior de simplicidade, embora
nobre, precisava de um elemento que fosse um
ponto de interesse fundamental para um ambiente assim tão despido”. Outra vez, tudo que é intervenção no prédio histórico é marcado por formas
e materiais contemporâneos: a escada é construída em concreto, as novas tubulações e outras pequenas intervenções estão aparentes.
Para a sala de espetáculos, Lina projetou um
grande vazio, uma praça, ocupada apenas por
cadeiras dobráveis “Frei Egydio”. Na aquarela
“Varais e teatro” depositada no acervo da arquiteta, percebe-se que é nesse projeto que Lina mais
se aproxima da arena greco-romana, as cadeiras
são dispostas ao redor de um tablado retangular,
entretanto, essa não é única possibilidade espacial
da sala. As possibilidades espaciais do último
espaço de ocupação cênica construído por Bo Bardi
são muito próximas as de outros projetos: aos
auditórios do MASP 7 de Abril e do da Paulista, do
auditório improvisado na rampa do TCA ou do
auditório do MAM Ibirapuera. Nessa “praça” (como
a arquiteta se refere à sala de espéculos do TGM)
o lugar da encenação é “tudo”, pois não existe
nenhuma separação do que é espaço da atuação e
o que é espaço do espectador.
Os poucos aparatos ceno-técnicos existentes estão
aparentes ao público, o piso é único e conforma no
mesmo plano o lugar da cena e o lugar da plateia, a
“quarta parede” é inexistente no edifício, foi “quebrada” para a cidade por um “buraco” semelhante
84
aos do bloco esportivo da Fábrica da Pompeia e os
do Restaurante do Coaty, outra vez, esse gesto avisa
o espectador de que ali é um lugar da não ilusão, e
a atividade teatral deve ser agente de transformadora da sociedade e não entretimento.
2.7. O Teatro da Liberdade
A quase ausência do “teatro” no Conjunto da Barroquinha desembocou no último projeto de ocupação cênica de Lina Bo Bardi, o Teatro das Ruínas
em Campinas. O projeto do Teatro das Ruínas é o
vazio, trata-se apenas de uma cobertura, uma tenda
que abriga o fazer teatral e algumas ruínas de uma
casa-grande, proposição que parece antever as
ocupações teatrais dos anos 2000. Esse último
projeto teatral da carreira da arquiteta não foi
construído, e existem poucos registros do que se
pretendeu para esse lugar: algumas fotos do
terreno, alguns poucos croquis, uma planta e um
corte e o depoimento em que diz42:
E o teatro onde está? Onde estão as poltronas,
os “corredores” e o “palco”? Onde isso está, os
urdimentos, os apetrechos, os bandos de refletores? O que vemos aqui é um espaço livre e
despido como uma Praça. É preciso aproveitar
todos os espaços de uma Cidade, encontrando
também, junto ao respeito rigoroso pelo
Passado, o moderno Teatro da Liberdade
(BARDI apud FERRAZ, 1993, p.311).43
3. Lina e o a construção da cênica de
vanguarda: algumas considerações
Pretendíamos encontrar elementos e características que construíssem uma narrativa da atuação
de Lina Bo Bardi para as artes cênicas. Depois de
levantada toda a produção da arquiteta para teatro
e confrontá-la com a sua atuação nas cidades onde
trabalhou, com a cena teatral de vanguarda do
período e com a aproximação de outros arquitetos
com o teatro, algumas observações se fazem necessárias:
Como já dito anteriormente, muitos elementos
e desejos de projetos são recorrentes na construção
do espaço da representação de Bo Bardi. Desde a
ocupação do Teatro Castro Alves, sua primeira
arquitetura cênica, a arquiteta já dava indícios do
que seria essa produção. O desejo de não esconder
os mecanismos ceno-técnicos, mostrando que o
teatro moderno não deveria ser o lugar da ilusão,
mas sim da reflexão, já estava presente na monta-
Figura 6. Estudo para tenda que abrigaria o
fazer teatral e ruínas de uma casa-grande
no Teatro das Ruínas. Croqui de Lina Bo
Bardi, Marcelo Ferraz e Marcelo Suzuki
(1989). Fonte: acervo Instituto Lina Bo e
Pietro Maria Bardi
gem da “Ópera dos três tostões” em 1959.
Anos depois de sua primeira estadia na Bahia,
no projeto de “Na Selva das Cidades” para a Oficina,
em 1969, Lina traz de suas experiências em Salvador não só o reposicionamento da plateia, que
estava presente nas arquiteturas cênicas já realizadas, mas também a ideia de “teatro pobre”, uma
transposição da “arquitetura pobre” defendida
pela arquiteta nessa montagem para o grupo de
José Celso Martinez Correa, quando leva ao extremo
a condição efêmera de se projetar a arquitetura
cênica. Com o Oficina desenvolve um projeto de
caráter efêmero, na construção da cena, cuja condição é extremada no cenário que é descartado
durante a apresentação e reconstruído com novos
entulhos do elevado a cada apresentação.
Em seu primeiro edifício teatral construído, o
teatro do SESC Pompeia (1977), a arquiteta traz
para o projeto a relação palco-plateia experimentada uma década antes em “Na Selva das cidades”
(1969). Para Lina, o “teatro sanduíche”, ou em seus
termos, a “arena-revisitada”, era a configuração
desejada para aquele lugar, onde uma plateia de
frente para outra permitiria ao espectador se ver
na reação do outro, estando pronto para responder
ao espetáculo apresentado. Ainda nesse projeto é
importante notar que as proposições do restauro
crítico foram contempladas pela arquiteta: não
existe destruição de sua pré-existência e tampouco tentativas de mimese ou de falseamentos históricos. Todas as intervenções foram feitas de forma
e materialidade contemporâneas, indicando o
caminho que a obra deveria seguir no futuro.
Em sua obra mais conhecida de teatro - o Teatro
Oficina - Lina, que já havia feito arquitetura cênica
para o grupo ainda no teatro projetado por Flavio
Império e Rodrigo Lefèvre, nos anos 1980 faz duas
propostas para o novo edifício teatral no Bexiga.
A primeira, em parceria com Marcelo Suzuki e a
outra com Edson Elito, cujo projeto construído
manteve os tijolos e os arcos pré-existentes descobertos por Lina na montagem de “Na Selva das
Cidades” aparentes. No edifício, as plateias são
dispostas ao longo do que ela chama de “teatro-rua”, como se a Rua “Jaceguay” entrasse no teatro,
gesto muito próximo à rua da “cidadela” do projeto
do SESC, outra proximidade com a obra da Pompeia
são os tijolos aparentes e as intervenções sobre as
pré-existências muito marcadas com matérias e
formas construtivas contemporâneas. Nas duas
proposições para o Oficina, Lina sugere junto ao
teatro já existente o que ela chama de “teatro-estádio”: um grande teatro aberto que ligaria as ruas
do bairro e criaria uma espécie de ágora no terreno
pertencente desde essa época ao grupo Silvio
Santos. É para o teatro estádio e, se referindo a ele,
que Lina esboça a ideia de “teatro aberto ao Bexiga
(cidade) ” que a acompanharia nas próximas obras
para teatro, onde abre uma grande janela que deixa
ver a cidade: o minhocão, a degradação do bairro
e o próprio terreno de Silvio Santos.
Quando convidada dez anos mais tarde pensar
o restauro do Polytheama de Jundiaí (1986), Lina
traz da experiência do projeto para a companhia
de Zé Celso o “teatro aberto para a cidade” e propõe
que toda a parede ao fundo do palco seja uma
grande janela aberta para o centro de Jundiaí, o
que permitiria o espectador pensar o teatro inserido na cidade. Da fábrica da Pompéia e de projetos anteriores, sobretudo nos da Bahia, como o
Solar do Unhão, Lina traz a preocupação de ocupar
essas pré-existências, restauradas, com programas
populares. Por fim, a memória do antigo teatro
polivalente é respeitada na materialidade, mas
principalmente nas possibilidades de uso: a plateia
deveria receber cadeiras removíveis para permitir
85
diversos ajustes na relação palco/plateia.
Os reposicionamentos múltiplos da plateia experimentados no projeto de Jundiaí estão presentes no edifício teatral subsequente da arquiteta.
Na segunda estadia na Bahia, quando Lina faz o
projeto de reestruturação do conjunto histórico do
Largo Barroquinha (1986), propõe que o espaço
do teatro seja o espaço da possibilidade. O Gregório de Mattos é vazio, uma praça a ser ocupada,
tem poucos os aparatos cenotécnicos e as cadeiras
Frei Egydio podem configurar diferentes plateias.
Por fim, põe-se dizer que o projeto da Barroquinha
já dá pistas da última proposição teatral da
arquiteta: o Teatro das Ruínas, em Campinas (1989),
onde é projetado apenas uma cobertura e esse é o
lugar da cena.
Se olharmos para edifícios teatrais construídos
de Lina Bo Bardi percebemos que mesmo que as
primeiras proposições estejam muito distantes do
que estava sendo feito no teatro brasileiro, com o
passar dos anos talvez seja possível falar que os
teatros da arquiteta tornam-se cada vez menos
formais e ainda mais distantes do teatro tradicional, indicando na última obra, mesmo que não
construída, que o lugar do teatro passaria ser a
cidade, que é o que vemos de mais atual na cena
de teatro brasileiro dos anos 2000. Para exemplificar isso podemos pensar, por exemplo, que o
lugar do espectador se torna cada vez mais indefinido na trajetória cênica da arquiteta das cadeiras de louro claro da Pompéia até a ausência de
cadeiras em Campinas, passando pelos múltiplos
lugares de sentar no Bexiga e as cadeiras dobráveis
do Gregório de Mattos. Podemos ainda pensar que
a cada projeto as possibilidades de ocupação são
uma questão cada vez mais presente no projeto,
porém é importante dizer que não se trata de uma
flexibilização sem que seja possível trazer um
espetáculo pronto para esses lugares. Todos os
projetos têm implicações muito próprias que condicionam a cena representada ali. Ou ainda, que
os edifícios teatrais vão se abrindo para a cidade
da caixa escura do Sesc até a tenda Ruínas, passando por janelas cada vez maiores.
Sabemos que Lina Bo Bardi tem uma trajetória
de exceção, se comparada a outros arquitetos modernos brasileiros. Por razões diversas, ela pode
trabalhar em frentes muito diferentes da arquitetura, o que talvez justifique a quantidade de estudos
dedicados à sua produção na última década. Após
estudar toda sua produção para teatro é importante perceber que a nossa hipótese ainda vale: as
grandes pesquisas arquitetônicas para o teatro de
vanguarda brasileiro são de Bo Bardi. Não foi en-
86
contrado no percurso dessa investigação outro
arquiteto que tenha se dedicado a uma pesquisa
profunda do espaço da atuação. Não se pode, entretanto, deixar de destacar a atuação de Flávio
Império, que em muitos momentos tem sua produção relacionada à de Lina; e outras experiências
de edifício teatral, como os teatros do Centro Cultural São Paulo de Eurico Prado Lopes e Luiz
Telles, ou ainda a experiência de Serroni e Elito
no teatro Santa Cruz, o Teatro do Morro Querosene de Antônio Carlos Barossi, ou mais recentemente o Teatro da Unicamp do Una Arquitetos e os
espaços para teatro do escritório mineiro Vazio
S/A, como experiências que certamente bebem na
fonte de Lina, em maior ou menor grau. Mas ainda
assim, o que se nota é que se ainda hoje são escassas proposições na construção de uma arquitetura
teatral de vanguarda e que os grandes exemplos
na produção nacional são os de Lina Bo Bardi,
preocupada em criar um teatro democrático, reflexivo e possível através do fazer arquitetônico.
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Notas
1. Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela
Escola da Cidade - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
(2013).
2. O diretor dos Satyros, Ivan Cabral, demonstrou algumas
vezes durante 2013 o interesse de que a companhia se
mude para região da Luz. A mudança deve-se em grande
parte ao valor dos alugueis cobrados na Praça Roosevelt
pós reforma (ROLNIK 2012).
3. Sobre a presença de Lina Bo Bardi em São Paulo, ver
entre outros, RUBINO, 2002. O trabalho de Rubino procura
responder questões em relação ao campo da arquitetura
e da experiência social de Lina, baseando-se na análise
de sua trajetória, relações pessoais e profissionais a partir
de duas obras significativas: o MASP e MAMB.
4. Não apenas o edifício teatral, mas também os espaços
expositivos e de oficinas, e os restaurantes ocupam os
antigos galpões; o programa esportivo ocupa outros dois
edifícios construído especialmente para tal.
5. A tipologia “teatro de arena” tem como característica,
o palco central, envolvido pelos espectadores. Formalmente, pode ser disposto de várias maneiras: Circular, semicircular, triangular, quadrado, oval. A disposição de duas
plateias frente a frente, separadas pelo palco central é
chamada na arquitetura de teatros de “Teatro Sanduíche”.
6. O projeto ceno-técnico do teatro do SESC Pompéia é
de Flavio Império. Assim como Bo Bardi, Império ao
longo de sua extensa produção cenográfica trabalhou
com materiais de baixo custo que transfigura o caráter
lúdico do teatro, chamado por Lina em sua produção de
“arquitetura pobre”.
7. O Teatro Castro Alves pretendeu ser o maior teatro do
país: no projeto original a sala principal era um teatro
de ópera (palco italiano) com capacidade para mais de
dois mil espectadores.
8. Sobre a atuação de Lina em Salvador, o trabalho de
PEREIRA, 2007 é valiosa fonte. Também RISÉRIO, 1995,
nos dá elementos para contextualizar os anos de efervescência cultural na Bahia, bem como o livro de memórias de Caetano Veloso (VELOSO, 1997).
87
9. Lina, entre os anos de 1959 e 1963, ocupou em parce-
em criar espaços de teatro como as da antiguidade: per-
ria com a Escola de Teatro da Bahia (Martim Gonçalves)
tencentes a população e ela destinado, se opondo ao
o TCA. O teatro foi cedido pelo governo do estado a Uni-
teatro aristocrático e se aproximando do teatro como
versidade da Bahia para abrigar diversas atividades
rito proposto por Artaud e do teatro político de Brecht.
culturais.
18. Em meados dos anos de 1950 Salvador fervilha cul-
10. Os rebatimentos das primeiras arquiteturas cênicas
turalmente: é nesse momento que a capital baiana
da arquiteta, as de Salvador e “Na selva das cidades”, na
anuncia a Tropicália e Cinema Novo que mudaria o
construção dos edifícios serão exploradas nas análises
cenário estético-cultural brasileiro nos anos seguintes.
de obra.
(RISERIO, 1995; VELOSO, 1997).
11. Em “Na Selva das Cidades” em 1969 de Bertold Brecht,
19. A parceria com Gonçalves iniciou na exposição “Bahia
Lina projeta a arquitetura cênica dentro do “Oficina” de
no Ibirapuera” em 1959 e se estendeu por toda a primei-
Rodrigo Lefèvre e Flavio Império. O projeto dos arquite-
ra estadia de Lina na Bahia.
tos era teatro de palco italiano com uma grande arqui-
20. Bertold Brecht em carta ao Theater Union de Nova
bancada de concreto que acompanhava o declive do
York diz que poucas alusões são suficientes para ambien-
terreno e morria no palco com uma plataforma giratória
tar uma peça.
instalada para a peça “Galileu Galilei”, na arquitetura
21. Os projetos construídos em São Paulo - o MASP Sete
cênica de “Na Selva das Cidades” Lina propõe no palco
de Abril, O MASP Paulista, o teatro e a sala de exposições
um ringue e outra arquibancada de frente a já existente,
do SESC Fábrica da Pompeia e Teatro Oficina - são bons
criando uma condição espacial bem próxima a do teatro
exemplos de como os espaços de múltiplas ocupações
do SESC Pompeia.
que necessariamente condicionam as montagens expo-
12. O projeto construído em Jundiaí é de autoria do es-
gráficas e cênicas que recebe.
critório Brasil Arquitetura em 1995 concebido a princípio
22. Glauber Rocha e Lina se conheceram no começo dos
com as premissas projetuais de Bo Bardi.
anos 60 em Salvador e juntos fizeram projetos para a
13. Para uma visão mais aprofundada sobre os projetos
Escola de Teatro da Bahia, além de relatos de que Glauber
urbanos de Lina Bo Bardi ver OLIVEIRA, 2008.
trabalhava em seus roteiros dentro da MAPB e que Lina
14. Na performance “Um ônibus chamado Archi-Lina
teria ido ao sertão gravar “Deus e o Diabo na Terra do Sol”.
Bardi: acupuntura urbana para o centenário do arquite-
23. As experiências cenográficas de Lina para o Oficina
to” em 2013 o diretor do grupo de Teat(r)o Oficina Uzyna
aconteceram no edifício teatral desenvolvido por Império
Uzona, Zé Celso Martinez Corrêa, chamou atenção para
e Lefréve, o de autoria da arquiteta só foi inaugurado
o fato de que o auditório do MASP Paulista seria, em sua
em 1992.
concepção original, um Teatro Artaudiano, com cadeiras
24. Em “O Design no impasse” Lina explica o que entende
removíveis e a possibilidade de encenação em torno dos
como arquitetura pobre (BARDI, 1994).
espectadores, nas passarelas laterais de concreto. Essa
25. Sobre a inserção do Teatro Oficina e da peça “Na
“lembrança” confirma nossa hipótese de que Lina pensa
Selva das Cidades no movimento tropicalista, ver WISNIK,
seus espaços teatrais sempre de forma múltipla.
2012. Esse autor contextualiza a atuação de Lina buscan-
15.O Teatro Total foi pensado na Bauhaus para atender
do aproximações de sua obra com as de Oiticica e Artigas.
a necessidades diversas do ponto de vista técnico e es-
26. Sobre o projeto do SESC Pompeia o livro “Cidadela da
pacial, permitindo, por exemplo, que o público participe
Liberdade” é uma importante fonte documental do projeto
ativamente da cena. Essa concepção teatral buscava
da unidade e da sua ocupação ao longo dos trinta anos
juntar em um espaço três formas fundamentais para o
de atividade. O livro originalmente lançado em 1999 para
teatro: a arena redonda (circo), semi-arena (anfiteatro
a IV Bienal Internacional de Arquitetura ganhou uma
greco-romano) e o placo em profundidade (italiano).
reedição comemorativa aos 30 anos de existência da
Sobre o teatro na Bauhaus- Teatro Total (Walter Gropius)
unidade com desenhos e depoimento inéditos em 2013.
e Teatro U (Farkas Molnár) ver ARGAN, 2005 e LAUTENS-
27. O Restauro Crítico proposto por Cesare Brandi em 1963
CHLAEGER, 2007.
em “A Teoria da Restauração” fixou dois axiomas que
16. Leonelli (2011) chama atenção para como a partir
norteariam o trabalho de conservação e restauro: “restau-
das ruínas Lina promove a experiência do conteúdo
ra-se somente a matéria da obra de arte” e “A restauração
histórico da arquitetura e a direciona para possibilidades
deve visar ao restabelecimento da unidade potencial da
de ocupação de uso contemporâneo, sempre deixando
obra de arte, desde que isso seja possível sem cometer um
com que a imagem de cidade seja elemento imprescin-
falso artístico ou um falso histórico, e sem cancelar nenhum
dível na relação do edifício pré-existente e a sua arqui-
traço da passagem da obra de arte no tempo”. Para o autor
tetura do teatro.
as partes restauradas devem ser visíveis, os restauros
17. Em estudo publicado recentemente Lima e Monteiro
reversíveis entendendo que o trabalho do restauro é um
(2012) chamam a atenção para a clara intenção de Lina
processo criativo, que não parte da obra em si, mas de sua
88
materialidade naquele tempo e passa, portanto, por um
tuais com Marcelo Suzuki.
percurso de dedução a partir de metodologia e operações
36. Sobre a o público atuante, LIMA (2008) chama atenção
do tempo presente (BRANDI, 2004).
para paralelos entre as obras de Hélio Oiticica e a pro-
28. Sobre a atuação de Bo Bardi em sítios e prédios his-
dução do Teatro Oficina Uzyna Uzona: em ambas espe-
tóricos e ruínas a dissertação “A experiência de Lina Bo
culações o público é agente fruidor da obra, o indivíduo
Bardi no Brasil” de Mirandulina Azevedo (1995) traz
é convidado a romper as relações entre corpo e mente,
importantes considerações a respeito da visão social e
razão e imaginação.
estética nas obras de restauro da arquiteta.
37. Tanto as proposições de Brecht quanto as Artaud para
29. Visitando a obra e através de registro de ocupação
o teatro moderno indicavam uma participação do público
desse teatro é possível perceber que as proposições de
na vida representada em cena. Negando qualquer pos-
Lina são aceitas em espetáculos musicais, porém, a grande
sibilidade de ilusão no fazer teatral, o que como vemos,
maioria dos espéculos teatrais abrigados no edifício
é coincidente com as proposições para teatro de Bo Bardi.
optam por isolar uma das arquibancadas, apresentan-
38. O escritório Brasil Arquitetura surgido no começo
do-se para apenas um lado do “sanduíche”, conforman-
dos anos de 1990 tem como sócios Marcelo Ferraz e
do a forma recusada pela arquiteta do palco italiano.
Francisco Fanucci além de ter parcerias com Marcelo
30. Atualmente o teatro recebeu um palco elevado o que
Suzuki e André Vainer, todos colaboradores da Lina Bo
descaracteriza a proposição inicial da arquiteta.
Bardi a partir da obra do SESC Pompeia em 1977.
31. Em texto sobre o projeto para Fábrica da Pompeia,
39. O projeto construído está publicado de forma
Lina a respeito das poltronas do teatro disse: “Os teatros
detalhada no livro-catalogo do escritório (FANUCCI;
greco-romanos não tinham estofados, eram de pedra, ao
FERRAZ, 2005).
ar livre, e os espectadores tomavam chuva, como hoje
40. Sobre os planos urbanos da arquiteta, “Permanência
nos degraus dos estádios de futebol, que também não
e inovação: o antigo e o novo nos planos urbanos de Lina
tem estofados. Os estofados apareceram nos teatros
Bo Bardi”, dissertação de Raíssa de Oliveira (2008) é
áulicos das cortes, nos Setecentos e continuam até hoje
valiosa fonte a respeito dos projetos da arquiteta para o
no comfort da Sociedade de Consumo. A cadeirinha de
centro histórico de Salvador e para o Vale do Anhagabaú
madeira do Teatro da Pompeia é apenas uma tentativa
em São Paulo.
de devolver ao teatro seu atributo de distanciar e envol-
41. Sobre a escada de concreto do TGM calculada por
ver, e não apenas de sentar-se” (BARDI, 2013).
Nervi, o mesmo calculista do MASP, Lina publicou na
32. O Teatro Oficina foi completamente destruído por
Revista AU- arquitetura e urbanismo o texto “A escada”
um incêndio em 1966.
em maio de 1987.
33. O mecanismo giratório foi instalado no teatro em
42. Os poucos croquis existentes do Teatro das Ruinas
virtude da cenografia de Galileu Galilei, esse mesmo
estão disponíveis em versão digital no site do Instituto
aparato ceno-técnico está presente nas proposições do
Pietro Maria Bardi e Lina Bo, as fotos do terreno e o texto
Total Theater de Gropius.
da arquiteta foram publicados no Livro-catalogo da obra
34. Nesse mesmo ano o Oficina é tombado pelo CON-
da arquiteta organizado por Lina no começo dos anos
DEPHAAT (órgão de defesa patrimonial estadual) pela
de 1990 e finalizado em 1992 por Marcelo Ferraz e lançado
sua significação no processo de transformação do teatro
pelo Instituto.
brasileiro, o parecer técnico de Flávio Império deixa claro
43. A ideia de que a ausência do construído aproximava
que a materialidade sobre qual se incide a proteção não
do “Teatro da Liberdade”, assim chamado por Lina, já
interessa, mas sim o a manutenção da atividade realiza-
havia sido apresentada na arquitetura cênica de “Ubu
da naquele espaço.
- Folias Physicas, Pataphysicas e Musicaes” para o Teatro
É importante notar que no momento do tombamento
do Ornitorrinco em 1985, quando ao ser premiada pelo
pelo órgão estadual (que opera protegendo a
projeto declarou: “Agradeço ao júri pelo prêmio a mim
materialidade) não estavam construídos nem o teatro
atribuído. Na realidade, o público pode perguntar: que
de Império e Lefévre e nem o de Bo Bardi- tal fato é
cenografia é esta onde não tem nada? A este ponto eu
bastante importante para as recém discussões sobre a
cito Lautreamont: ‘a arte deve ser feita por todos e não
construção de torres no terreno ao lado e a proteção do
por um só. O Teatro é a vida e na ausência de dados
bem e de sua área envoltória.
‘pré-estabelecidos’, uma cenografia ‘aberta’ e despojada
O Teatro foi tombado também pelo CONPRESP (órgão
pode oferecer ao expectador a possibilidade de ‘inventar’
municipal de defesa patrimonial) em 2003 e pelo IPHAN
e ‘participar’ do ‘ato existencial’ que representa um es-
(órgão nacional de defesa patrimonial) em 2009.
petáculo de Teatro. Assim nascem a ‘neve’, o jantar sem
35. Em vários croquis depositados no Instituto é possível
nada, o Palácio que não existe, os pequenos paramentos
perceber que ideia de fazer um “teatro rua” é persegui-
laterais. Tenho certeza que Jarry teria gostado. Num certo
da pela arquiteta desde as primeiras proposições proje-
sentido, a cenografia tradicional é o contrário da arqui-
89
tetura e a ausência de ‘cenografia’ é, como dizia Walter
Gropius, pura arquitetura. Agradeço ao júri por ter compreendido tudo isso” (BARDI apud FERRAZ, 1993, p.260).
90
Crítica e Projeto
Criticism and design
Crítica y diseño
Victor Assuar Panucci1
Orientadora: Profa. Dra. Joana Mello de Carvalho e Silva (EC e
FAU-USP)
Pesquisa desenvolvida como Trabalho de conclusão de curso junto
à Escola da Cidade em 2015
Pautando-se na análise da bibliografia produzida a respeito do
Programa Minha Casa, Minha
Vida e do Concurso Renova São
Paulo, o presente artigo propõe
o lançamento de um olhar questionador sobre a produção contemporânea da crítica no campo
arquitetônico paulistano, atento
para o encadeamento de algumas
narrativas recorrentes, nas quais
a legitimação de uma certa produção arquitetônica hegemônica,
bem como de seus valores simbólicos, acabam por coibir alternativas à produção habitacional
e uma análise efetivamente
crítica. Examina-se o estado de
crise na disciplina em sua relação
com as instâncias projetuais do
campo, assim como a dificuldade
dos arquitetos dialogarem efetivamente com a cidade real.
Palavras Chave
habitação social; crítica; arquitetura contemporânea brasileira
Guided by the bibliography concerning “Minha Casa, Minha
Vida” and the “Renova São Paulo”
Competition, this paper proposes
an inquisitive insight in the contemporary production of architectural criticism in São Paulo,
attentive about the construction
of some common narratives - particularly those that legitimates
the hegemonic architectural production and its symbolic values,
restraining alternatives to habitational solutions as well as an
effective critical analysis. This
disciplinary crisis in its relation
with the projectual instances of
the field and the distance
between Architecture and the
real city will be examined.
Keywords
social housing; critic; brazilian
contemporary architecture
Guiado por el análisis bibliográfica acerca del programa “Minha
Casa, Minha Vida” y de lo concurso “Renova São Paulo”, este
artículo propone una mirada
cuestionadora en lo tocante a
producción contemporánea de
la crítica arquitectónica paulistana, vigilante a la construcción
de algunas narrativas recurrentes en que la legitimación de una
cierta producción arquitectónica
hegemónica, bien como sus
valores simbólicos, refrenan alternativas habitacionales y una
análisis critica efectiva. La crisis
disciplinaria y su relación con las
instancias proyectuales del
campo, como la distancia entre
la arquitectura e la ciudad real
serán examinadas.
Palabras-clave
vivienda social; crítica; arquitectura contemporánea brasileña
91
1. Introdução
A mudança no papel da utopia no discurso arquitetônico ao longo do século XX deixou feridas profundas. O arcabouço teórico modernista, por
exemplo, teve seus postulados generalizantes enfaticamente contestados pela crítica a partir da
década de 1960. A ortodoxia deslumbrada com as
inovações tecnológicas que propunha a casa como
“máquina de morar” para um ser humano universal foi progressivamente debatida em favor de
outras aproximações mais humanistas. Foi crucial
nessa crítica, que implicou em uma inflexão teórica
no modo de pensar a própria arquitetura, a desconstrução da historiografia do movimento
moderno. Nesse contexto, o papel do crítico, ao
lado do historiador e do teórico, assemelhava-se
ao do arqueólogo à procura das origens discursivas
do modernismo. Entretanto, a sua atuação foi, ao
mesmo tempo, similar à do iconoclasta, no ímpeto
de expor as chagas da operacionalidade das narrativas historiográficas modernas.
O crítico, contudo, inserido no contexto brasileiro, encontrou a inglória tarefa de se confrontar
não só com a própria cosmogonia do movimento
moderno, mas também com uma construção historiográfica canonizada pelas instâncias eruditas
de legitimação e preservação de bens simbólicos.
Ademais, no Brasil a utopia modernista foi associada ao projeto de superação do subdesenvolvimento, cujo discurso ainda rege uma porção significativa da produção arquitetônica.
Embora a crítica de arquitetura no Brasil tenha
atingido um grau de maturidade na década de
1980, contestando o papel do arquiteto demiurgo
e do edifício como ferramenta pedagógica, invoca-se com frequência os mitos de arquitetos canonizados pela historiografia tradicional, mesclan-
92
do-se obra e autor, política e estética. Nesse sentido,
marginaliza-se a postura crítica ou de autorreflexão
em favor de uma “militância desenvolvimentista
incapaz de parar a máquina projetual” (CARMONA,
2015, p.127). Assim, os avanços da historiografia
nem sempre se fazem visíveis na crítica, ainda
muito comprometida com a produção arquitetônica. Distante também, estão esses avanços da
reflexão dos arquitetos vinculados à prática projetual, sobretudo, e não por acaso, aqueles mais
valorizados pela crítica.
Diante desse contexto, é necessário se embrenhar no campo da crítica arquitetônica paulistana
orientado pelo espírito investigativo do arqueólogo e do iconoclasta, para, assim, tocar em algumas
das suas chagas disciplinares. Almeja-se com isso
contribuir para o debate historiográfico e crítico
da arquitetura e, num sentido indireto, para a
reflexão e o fazer arquitetônico2. Para tanto, será
analisado o movimento da crítica a partir do exame
de sua produção textual - especificamente, das
publicações disponibilizadas pelo portal Vitruvius
- e da articulação de agentes legitimadores da produção do campo arquitetônico ao tratar de dois
programas de habitação de interesse social distintos: o Minha Casa, Minha Vida (MCMV) e o Concurso Renova São Paulo.
2. Minha Casa Minha Vida: pressupostos
de uma leitura crítica
Esse artigo pretende, à luz de três publicações que
tratam criticamente a produção de HIS sob ópticas
distintas – “Origens da Habitação Social no Brasil”
(1998) de Nabil Bonduki, que a partir de um recorte
histórico, faz uma leitura do contexto político dessa
produção e de seus programas governamentais;
“Minha casa, e a cidade? Avaliação do programa
Minha Casa Minha Vida em seis estados brasileiros”
(2015), organizado por Caio Santo Amore, Lúcia
Zanin Shimbo e Maria Beatriz Cruz Rufino, que
baseia sua crítica nos relatos dos moradores de
diversos conjuntos; e “Produzir casas ou construir
cidades? Desafios para um novo Brasil Urbano”
(2012), livro coordenado por João Sette Whitaker
que ensaia soluções arquitetônicas alternativas
para os empreendimentos -, arriscar um panorama
que, ao mesmo tempo, coloque em questão alguns
pressupostos que a maioria dos textos consultados
no portal Vitruvius não explicita, nem examina a
fundo, buscando nas entrelinhas as intenções discursivas daquilo que é exposto e omitido.
Nos textos do portal geralmente, questiona-se
a má “qualidade urbana” dos conjuntos do MCMV,
apontada em sua reprodução ad infinitum da mesma
solução tipológica em extensos conjuntos monofuncionais, sem preocupação com a especificidade
do lugar (COSTA, 2014; COSTA, 2015; COLOSSO,
2014; ALVIM; JANOT, 2014; MARQUES, 2014; MAGALHÃES; SILVA, 2014; MARICATO, 2013; SANCHES;
MORETTI, 2013; GHIONE, 2012; LARA, 2012; MAGALHÃES S., 2012; JANOT, 2011; FERREIRA, 2011;
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LOBO, 2011; SANTOS; SCAGLIUSI, 2011; MUXÍ, 2010;
VIOLA, 2010). Tais soluções são apontadas como
sintomas da atuação do mercado imobiliário ávido
por lucro, despreocupado com a qualidade arquitetônica (BENATTI; SILVA, 2015; JANOT, 2014a; FIGUEIREDO, BALTRUSIS, 2013; IAB, 2013; MARICATO, 2013; SANTANA, 2013; JANOT, 2012; 2013;
AKKERMAN, 2012; GHIONE, 2012; LARA, 2012;
MAGALHÃES S., 2012; LOBO, 2011; OLIVEIRA, 2010;
SOBREIRA, 2010). Evidencia-se, com isso, um primeiro pressuposto implícito no tratamento deste
tema: a valorização do problema urbano.
Discursivamente, a naturalização dessa noção
se desdobra em dois problemas: primeiramente,
num posicionamento de irredutível antagonismo
contra o mercado imobiliário, distanciando o
campo arquitetônico de um dos principais agentes
de construção da cidade contemporânea e, com
isso, abrindo mão de uma reflexão aprofundada
sobre a atuação do setor e também da dos arquitetos em relação a ele. Caberia pensar em como
atuar e, sobretudo, regular o mercado imobiliário
de modo a construir espaços urbanos e habitacionais melhor resolvidos. O segundo problema consiste na ausência de uma reflexão de fato sobre
desenho urbano. Apesar da atenção à cidade ser
uma constante, ocorre que nem nessas análises,
nem nos projetos alternativos à produção do MCMV,
apresentam-se propostas efetivamente mais interessantes e melhor relacionadas à cidade existente. Ela é, no fundo, pensada como mera composição
de edifícios, e não como um organismo complexo
atravessado por várias forças sociais.
Pode-se afirmar que nos textos supracitados a
abordagem preferencialmente política à produção
do MCMV, assim como o esforço em se desvincular
da cidade do capital financeiro, criticando duramente o mercado imobiliário, reforça a ênfase na
escala do objeto que marcou a produção arquitetônica moderna no Brasil desde os anos 1930, além
de desconsiderar os conflitos urbanos e os vários
agentes em sua constituição, idealizando a cidade.
Um ponto determinante na difusão dessa
maneira de pensar a arquitetura, está manifesta
claramente na produção brutalista paulistana do
final da década de 1960, como Guilherme Wisnik
descreve em sua tese de doutorado:
Quase uma década depois da inauguração de
Brasília, o centro de gravidade da produção
arquitetônica nacional já se havia deslocado
do Rio de Janeiro para São Paulo, o pólo industrial e financeiro do país. Surgido no interior
da Escola Politécnica, e não da Escola de Belas
Artes - como no caso do Rio -, o ensino de arquitetura em São Paulo ganhou um acento mais
técnico. Paralelamente, seus edifícios trataram
de incorporar a opacidade e a aspereza de uma
cidade que cresceu de modo muito rápido e
caótico, sob o impulso predatório da especulação imobiliária. (WISNIK, 2012, p.72)
Em seguida, ele considera:
O que arquitetos como Vilanova Artigas e Paulo
Mendes da Rocha estavam procurando, naquele
momento, era urbanizar a vida doméstica, isto
é, abolir ao máximo possível a intimidade, extirpando as marcas idiossincráticas pessoais
ligadas à ideia romântica e burguesa de lar realizando, por exemplo, uma fusão entre arquitetura e mobiliário em peças contínuas. O
que desejavam, assim, era abolir os segredos e
confortos do espaço privado familiar em prol
de uma ideia cívica de vida inteiramente
pública: a casa como um fórum da vida coletiva da cidade, onde cada um tem a sua liberdade pautada pela liberdade do outro, pois as
regras da ordem social controlam o arbítrio da
subjetividade pessoal (WISNIK, 2012, p.76-9).
A potência plástica e o engajamento político
da produção brutalista são extremamente relevantes na construção da narrativa crítica arquitetônica pois estabeleceram alguns paradigmas para a
produção contemporânea “erudita”. Sua projeção
93
se deve, em larga medida, à atuação política de
Vilanova Artigas, tanto no Partido Comunista Brasileiro (PCB), quanto na sua articulação dentro do
IAB. Igualmente importante é sua participação no
desenho da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Ela
reitera, como se indicou acima, a tradição arquitetônica brasileira de dar maior destaque e importância à escala do edifício, em detrimento da escala
urbana. Essa tradição se vincula a um desejo recorrente de projetar uma cidade idealizada, além
da falta de intenção e de instrumentos de reflexão
para análise e atuação na cidade real, o que faz
com que os edifícios se isolem e os conjuntos pouco
dialoguem com a malha urbana existente. Nessa
chave, a crítica ao PMCMV é, em grande parte,
estruturada segundo essa tradição de valoração
de um ideal de cidade que não incorpora a aposta
na introversão das dinâmicas urbanas na moradia
como fizeram os paulistas nas suas “Casas-Manifesto”, mas se coloca contrária à especulação imobiliária em prol da valorização de uma vida pública,
também ela idealizada.
Por isso o ponto fundamental dessa crítica será
a inserção urbana dos conjuntos que, via de regra,
localizam-se nas franjas da cidade. Reiterando a
lógica de expansão horizontal, esse tipo de inserção,
cria extensos bairros-dormitório que incrementam
o movimento pendular da população e reforçam
o transporte sobre rodas como a matriz de deslocamento principal. A análise crítica para nessa
escala, não avançando de fato sobre a implantação
e as relações entre os conjuntos e o entorno existente. Assim, como indicado anteriormente, apesar
de tratar da cidade e coloca-la no centro do debate,
esses textos não avançam porque, no fundo, compartilham das mesmas metodologias projetivas,
reduzindo, em última análise, a complexidade da
cidade e buscando domina-la, com os recursos da
prancheta do escritório de arquitetura.
2.1 Bases de uma crítica militante
O posicionamento crítico relativo à implantação
dos conjuntos nas franjas da cidade, tal como seus
resultados urbanísticos e sociais leva frequentemente a um paralelo entre a produção do MCMV
e a financiada pelo BNH (BENATTI; SILVA, 2015;
JANOT, 2014a; FIGUEIREDO; BALTRUSIS, 2013;
LARA, 2012; MAGALHÃES S., 2012; FERREIRA, 2011;
NASCIMENTO; TOSTES, 2011; MAGALHÃES S., 2011;
MARICATO, 2011; MUXÍ, 2011). Essa comparação
está calcada em uma crítica sistematizada desde
94
a década de 1980, discutida em profundidade por
Nabil Bonduki nos livros “Origens da habitação
social no Brasil” (1998) e “Pioneiros da Habitação
Social” (2014), interpretando as relações entre as
políticas urbanas e suas respectivas proposições
arquitetônicas. Estendendo sua análise do final do
século XIX até meados do século XX, Bonduki cobre
um período fundamental na formação das cidades
brasileiras tanto em seu modelo de desenvolvimento, quanto na construção de uma certa mentalidade urbana do país, ainda recorrente. Um dos
pontos mais relevantes da sua exposição - e que
permeia as elaborações críticas sobre o BNH e o
MCMV - é a explicação acerca do mecanismo de
arrecadação e financiamento da habitação popular
e a construção de um vínculo entre o direito à
Cidade e a propriedade privada.
Bonduki aponta que, apesar da finaceirização
da produção de moradia ter sido determinante
para o funcionamento do BNH, o fato da captação
se dar a partir de um depósito compulsório dos
salários dos trabalhadores formais, via Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), criou uma
estratificação econômica que restringiu, a priori,
o alcance do sistema, uma vez que a parcela mais
vulnerável da população - informalmente empregada ou desempregada - não podia contribuir e
era, por fim, excluída dos programas. De fato, como
se sabe, o BNH financiava apenas unidades
habitacionais para trabalhadores assalariados
regularmente que ganhassem a partir de 3 salários
mínimos (SM), enquanto o déficit habitacional se
concentrava entre aqueles cuja renda estava entre
0 e 3 SM.
O Sistema Financeiro de Habitação (SFH), portanto, acabou sendo o responsável por reiterar a
relação tradicional entre propriedade e direito à
cidade. Cabe apontar também, que se reafirmou
não apenas essa relação perversa, mas também a
própria ideologia da propriedade privada. Afinal,
como alega Sandra Cavalcanti, primeira presidenta do BNH: “a casa própria faz do trabalhador um
conservador que defende o direito à propriedade”
(BONDUKI, 2014, p.63). Além disso, tendo em vista
o número expressivo de unidades financiadas no
período - 4,3 milhões em 22 anos -, pode-se ter a
escala de difusão desse ideário conservador, ainda
mais considerando que a maior parte dos favorecidos pelos financiamentos pertenciam às parcelas
da população menos vulneráveis.
A opção pela construção de unidades novas que
insiste na valorização da propriedade privada e a
manutenção de um sistema financeirizado de
crédito e de compra de unidades perduram no
PMCMV e, por isso, são criticados pela maioria dos
autores, pelos mesmos motivos já apontados com
relação ao BNH. A crítica, contudo, também aponta
uma distinção fundamental na concepção dos dois
programas em questão: a abrangência pelo PMCMV
de rendas inferiores a 3 SM através do subsidio
estatal quase integral na compra de unidades.
Apesar da inclusão de parcelas economicamente
vulneráveis ser um avanço, Nabil Bonduki, em
“Pioneiros da habitação social” (2014) mostra que
do total de unidades contratadas pelo MCMV para
faixa 1 (de 0 a 3 SM) entre 2009 e 2012, nem a metade
da meta prevista foi atingida (BONDUKI, 2014). Tal
recorrência, bem como os limites enfrentados pelos
programas têm relação com a recusa desde o
governo militar a qualquer tentativa de estruturação de política fundiária ou de reforma urbana, ao
mesmo tempo em que a iniciativa privada tomava
as rédeas da produção habitacional.
Outro problema recorrente na produção de
edifícios financiada pelo BNH e pelo MCMV é a
ausência de cuidado arquitetônico no desenho dos
edifícios e a implantação desarticulada dos conjuntos em relação à malha e infraestrutura urbana
existente. Esses pontos são citados como prova da
ação predatória do mercado imobiliário tanto no
âmbito do urbanismo, quanto na escala do objeto
arquitetônico.
Do ponto de vista dos críticos, o estabelecimento de um preço máximo para a construção das unidades, enfrentado com a determinação de uma tipologia padrão para os conjuntos denota o descaso
para com a qualidade do desenho arquitetônico dos
empreendimentos. Não contemplar os diferentes
tamanhos de família, oferecendo tipologias com
metragens variadas, e a desconsideração da necessidade de eventuais rearranjos nas plantas dos
apartamentos pelo uso de alvenaria estrutural, por
exemplo, revelariam o caráter mercadológico dos
empreendimentos. Além disso, a utilização de materiais de baixa qualidade, assim como a falta de
transparência nos procedimentos são apontados
como práticas comuns das incorporadoras e depõem
contra o MCMV. Os resultados arquitetônicos obtidos
e sua baixa qualidade seriam resultado, portanto,
de cálculos e objetivos unicamente monetários.
De forma similar, o PMCMV atua seguindo
muitos dos parâmetros de implantação aplicados
pelo BNH, investindo na produção massiva de unidades novas sem o desenvolvimento de uma política habitacional urbana, o que faz com que o preço
da terra aumente significativamente o valor do
empreendimento e, considerando que o programa
fixa um teto para o preço de cada unidade, opta-se
por construir os conjuntos nas periferias onde a
terra é mais barata, mas a oferta de empregos e
serviços é extremamente reduzida. Essa equação
induz também o tipo de implantação e as soluções
padronizadas dos edifícios, construídos da maneira
menos onerosa possível para a incorporadora.
Essa problemática foi elencada pela crítica
antes mesmo da elaboração do PMCMV e problematizou suas prioridades amparando-se nas análises das experiências anteriores para alertar sobre
as desvantagens de uma política habitacional que,
ao priorizar a produção de novas unidades, fica
suscetível aos princípios mercadológicos de incorporação imobiliária e do setor da construção civil,
pautados na produção visando o lucro e a especulação do preço da terra;
Alguns textos que se adiantaram na reflexão
sobre os possíveis impactos do programa chamavam a atenção para o descolamento entre
déficit e metas de produção: afinal, se 90% do
déficit estava nas faixas de renda de até três
salários mínimos, por que apenas 40% das unidades era direcionada a essa faixa? Apontavam
também a prevalência dos interesses dos setores
imobiliário e da construção civil no processo
de formulação do Programa, pois os 60% restantes das moradias para rendas superiores já
tinham se consolidado como mercado para
esses setores pelo menos nos cinco anos que
antecederam o lançamento do Minha Casa
Minha Vida (...). O perigo de se repetirem os
erros reconhecidos do BNH, de produção periférica em locais mal servidos por infraestrutura urbana, já era mencionado, tendo em vista
a desarticulação da produção habitacional em
relação às matérias urbanísticas, em relação
às ações municipais de regulação do uso e ocupação do solo, que estariam apoiadas na efetivação da função social da propriedade, na implementação dos instrumentos do Estatuto da
Cidade, na elaboração dos Planos Diretores em
bases diferentes daquelas que os tinham caracterizado durante os anos 1970 e 1980. A questão
da terra, o nó da política urbana brasileira, e
da segregação socioespacial eram enfim apontadas como o principal gargalo que o Minha
Casa Minha Vida não enfrentava, com consequências ainda difíceis de serem previstas
(AMORE, 2015, p.17-8).
Se os apontamentos feitos pela crítica ao MCMV
já estavam anunciados antes mesmo da implantação do programa e já tinham sido sistematizados
na reflexão arquitetônica, como se justifica uma
produção habitacional que insiste em equívocos
95
tão exaustivamente expostos? Deve-se reforçar,
no entanto, que a financeirização, assim como a
mentalidade patrimonialista de construção de
cidade apontada pela pesquisa de Nabil Bonduki
está alinhada, desde o início do processo de urbanização do país, à rentabilidade do setor imobiliário e aos projetos políticos da elite. Sobre a dinâmica econômica do campo durante o governo
Vargas, o autor coloca:
Assim, a habitação sempre apareceu de maneira
ambígua entre as finalidades dos IAPs: ora como
objetivo importante, ligado à ideia da seguridade social plena, ora como mero instrumento
de capitalização dos recursos captados e, portanto, desprovido de fins sociais. (BONDUKI,
1998, p.101)
Mais adiante, conclui:
Os institutos foram, de fato, essenciais para a
viabilização das incorporações imobiliárias,
sobretudo no Rio de Janeiro. Seus financiamentos possibilitaram o intenso processo de verticalização e especulação imobiliária que Melo
(1992) chamou de “boom” do século. (BONDUKI,
1998, p.105)
Logo, percebe-se que a elaboração de políticas
habitacionais foi instrumentalmente utilizada ao
longo da história pelo seu potencial de movimentação econômica e oferta de mão de obra não especializada, mostrando-se eficaz no combate às
crises financeiras do capital internacional. O enfrentamento da problemática urbana e o gerenciamento do déficit habitacional fica, preponderantemente, em segundo plano. É possível vincular
todos os grandes programas de moradia a políticas
econômicas de combate às crises do Capital internacional: os projetos executados pelo Instituto de
Aposentadoria e Pensões, durante o governo
Vargas, estão intimamente relacionados à política
de substituição de importações vigente durante a
Segunda Grande Guerra; a produção do BNH pode
ser lida, em parte, como uma resposta à crise do
petróleo na década de 1970; sobre o PMCMV, Caio
Santo Amore, descreve:
É, na origem, um programa econômico. Foi
concebido pelos ministérios de “primeira linha”
- Casa Civil e Fazenda - em diálogo com o setor
imobiliário e da construção civil, e lançado
como Medida Provisória (MP 459) em março
de 2009, como uma forma declarada de enfrentamento da chamada crise dos subprimes americanos que recentemente tinha provocado a
quebra de bancos e impactado a economia financeirizada mundial (AMORE, 2015, p.15).
A partir dessa perspectiva, pode-se afirmar que
96
grande parte da crítica ao PMCMV, do mesmo modo
da que se fez ao BNH, baseia-se num posicionamento político que é comum entre diversos autores,
o que implica, por diversas vezes, numa análise
que aponta equívocos arquitetônicos justificando-os por um modelo econômico nocivo ou uma
gestão autoritária. Nesse sentido, o discurso arquitetônico se torna unívoco e elege um inimigo
comum personificado pelo mercado imobiliário e
pelo não enfrentamento do problema habitacional,
ou seja, pela produção de HIS como medida econômica de aquecimento do mercado da construção
civil e de absorção de mão de obra não especializada, ao invés de uma elaboração de uma política
habitacional urbana pautada na inclusão social.
Esse posicionamento é, sem dúvida, extremamente pertinente em muitos aspectos e tem grande
relevância ao analisarmos a crise urbana enfrentada pelas metrópoles brasileiras. Porém, deve-se
evitar a adoção de axiomas na crítica arquitetônica. Seria equivocado vincular uma solução formal
a um posicionamento político sem considerar suas
intermediações e mudanças de sentido. Esse nunca
será inerente àquela e vice-versa. O vínculo entre
o projeto de arquitetura e a agenda política só se
dá de fato através da construção teórica e a naturalização dessas relações pode, facilmente, reiterar
relações opressivas de poder. À crítica, portanto,
cabe o desafio insistente desses pressupostos discursivos e a busca pelo debate constante, como
explicita Montaner: “O trabalho da crítica, como
o da filosofia, parte da dúvida e da indagação, e
deve, inclusive, aceitar erros e mudanças. Nesse
sentido é diametralmente oposto à argumentação
política” (MONTANER, 2007, p.16). Ou seja, apesar
de reconhecer a pertinência dos apontamentos
elaborados pela crítica militante, é preocupante
considerar que eles esgotam a problemática habitacional que o PMCMV desvela. Apesar da sua
relevância inquestionável, a baixa qualidade dos
conjuntos habitacionais do Governo Federal não
pode ser explicada apenas pelo aspecto político.
2.2. Uma crítica a partir da demanda
A questão abordada é examinada sob outra óptica
na pesquisa elaborada pelo Observatório das Metrópoles e que resultou na publicação Minha Casa...
e a Cidade? Avaliação do programa minha casa
minha vida em seis estados brasileiros. Fruto de
investigação exaustiva, a pesquisa traz uma pluralidade de olhares sobre a produção do programa.
Essa abrangência denota que a crítica foi
pautada por um exame profundo do programa,
objetivando o fomento de um debate que contribua
na criação de uma política habitacional mais integrada às demandas da população. Essa intenção
fica clara na metodologia de investigação ao estipular eixos analíticos que compreendem o desenho
institucional do PMCMV, os agentes que nele atuam,
o perfil dos moradores, o processo de cadastramento, bem como a análise tipológica dos edifícios
e sua inserção na malha urbana.
Destaca-se a pesquisa desenvolvida pela equipe
da PUC - SP que se debruçou sobre o Conjunto
Residencial Flor de Jasmim - primeiro empreendimento do PMCMV no município de Osasco - e a
atuação do Departamento de Trabalho Social (TS)
na região, analisando sua relação com o PMCMV.
A abordagem da pesquisa, ao pretender responder
“Quais necessidades sociais estão sendo atendidas?
Que cidades estão sendo construídas?” (ARREGUI;
BLANCO; PAZ; RODRIGUES, 2015, p.256) e aprofundar-se em questões tais como o desenvolvimento do TS, revela um câmbio hierárquico no tratamento do PMCMV: inicialmente, indaga-se sobre
inclusão social e, a partir dela, sobre a construção
da cidade.
A ocupação do empreendimento foi marcada
por diversas conquistas do TS. Entre elas a criação
de um Índice de Prioridade de Atendimento Habitacional que estabeleceu critérios de vulnerabilidade prioritários no atendimento do programa e
abriu de canais de diálogo com a população. Nesse
contexto, definiu-se a composição da demanda para
o empreendimento a partir de remoções de famílias
em áreas de risco. Entretanto, o estudo aponta que
a discrepância na trajetória e na área de origem
das famílias que compuseram a demanda do empreendimento foi determinante no surgimento de
conflitos entre os moradores: há tráfico de drogas
no empreendimento. A violência contribui para o
isolamento ainda maior das famílias e o abandono
das áreas comuns do condomínio. As entrevistas
feitas com moradores do conjunto revelam que
mais da metade dos entrevistados consideram-no
mais violento do que a moradia anterior.
De fato, a mudança e o desenho do projeto
habitacional proposto geraram nova geografia
nas relações de sociabilidade e de convivência
com o tráfico e a polícia. O modelo condominial
não só é externo à cultura da população que
provém de favelas e assentamentos, como
também tendeu à privatização e regulamentação dos espaços públicos e ao confinamento
intramuros de uma situação de violência que
reedita uma nova situação de risco (ARREGUI;
BLANCO; PAZ; RODRIGUES, 2015, p.256).
Ademais, através das declarações dos moradores, revelam-se dois aspectos distintos que contribuem com a aparecimento de práticas ilegais nos
conjuntos e que, comumente, são negligenciadas
pela crítica: o modelo condominial de moradia de
classe média, no qual os padrões do PMCMV são
baseados, pressupõe uma normativa social absolutamente externa à cultura da população advinda
de assentamentos precários. Esse modelo acaba
dissolvendo as articulações preexistentes nas comunidades e minando a participação dos moradores, centralizando na figura do síndico a liderança
do condomínio. O outro, é o acréscimo do custo da
moradia formal e da sua infraestrutura básica nas
despesas diárias dos moradores que passam a arcar
com a prestação do imóvel, o custo condominial,
além das tarifas de serviço inexistentes num assentamento informal, uma vez que são acessados frequentemente por ligações clandestinas.
Segundo o estudo, a performance do TS nas
estruturas administrativas no município de Osasco
representou um avanço no diálogo entre o poder
público e a sociedade civil, tal como na criação da
demanda prioritária para o PMCMV, entretanto é
necessária a sistematização de um acompanhamento social consistente durante todo o processo
de realocação e ocupação dos conjuntos habitacionais que garanta a interlocução entre os moradores e as equipes envolvidas com o empreendimento, assim como na criação de um canal de diálogo
entre as famílias beneficiadas, auxiliando o desenvolvimento de uma “cultura de vizinhança”
baseada nas dinâmicas relacionais identificadas
nas comunidades.
Uma questão central para repensar novas estratégias de trabalho é olhar para além do empreendimento, do conjunto habitacional, e focar
no território, nos sujeitos e nas relações que se
estabelecem; olhar para as potencialidades e
fragilidades manifestadas nos territórios, à luz
do conceito de moradia digna. Esse é o desafio:
trabalhar para além dos muros do empreendimento, da unidade habitacional. Nessa direção,
o PMCMV precisa ter abertura e financiar
planos de TS que inovem nas estratégias e ações
nos territórios (ARREGUI; BLANCO; PAZ; RODRIGUES, 2015, p.256).
A investigação revela, portanto, a necessidade
de enfrentar um outro conjunto de questões sociais,
além das técnicas e políticas, que impactam os
modelos de desenho e gestão dos empreendimentos. O modelo condominial induzido por uma implantação que privilegia o espaço interno do con-
97
junto em detrimento dos diálogos com o entorno
imediato e pela legislação, traz um conjunto de
problemas que a pesquisa apresenta e que, de
novo, coloca desafios cujo enfrentamento deve se
dar tanto na escala do desenho, quanto na da gestão
e da política institucional. Assim, nota-se por outro
ângulo a importância de estudar a escala intermediária entre o território e a unidade habitacional,
entre o programa e o indivíduo, entre a política e
a disciplina.
É notório, a partir da crítica feita pelas pelo
Observatório das Metrópoles, que seu discurso foi
elaborado de maneira diferente daquele
apresentado pela maioria dos textos consultados
pelo portal Vitruvius. Embora as conclusões das
leituras sejam, em ampla medida, compatíveis, a
construção de suas narrativas é bastante diferente nos seus pressupostos. Isso revela intenções
distintas na crítica arquitetônica que devem ser
expostas, no sentido de aprofundar o debate. A
metodologia de pesquisa que resultou na publicação da Rede Cidade e Moradia parte de um olhar
distinto: o do depoimento do morador. Essa operação despe o discurso de um modelo ideológico
ou paradigma arquitetônico, a priori, na intenção
de aproximar-se da vivência do habitante. Cumpre
ressaltar que a ideologia não é, de forma alguma,
o alvo da crítica. Nota-se inclusive, que é compatível àquela adotada pelo Observatório:
São aspectos que preocupam os pesquisadores,
todos militantes da luta pelo direito à cidade,
pois um programa habitacional que atende
primordialmente aos interesses do setor
privado, sem os vínculos necessários com uma
política urbana e fundiária que lhe dê suporte,
estimula, como efeito de seu próprio êxito, o
aumento do preço dos imóveis da cidade e tem
gerado péssimas inserções urbanas, correndo
o risco de cristalizar, na velocidade alucinante
das contratações, novos territórios de guetificação e segregação social (AMORE; SHIMBO;
RUFINO, 2015, p.419).
Isto posto, convém considerar que a militância
política pelo direito à cidade e a pesquisa se dão
numa via de mão dubla com o projeto e com as
proposições de políticas habitacionais. Observa-se
que, para os autores citados, a crítica sistemática
e o levantamento do existente têm como fio condutor a necessidade da atuação efetiva sobre o
território que considere a cidade em sua complexidade. Aquela fornece o aporte teórico para o
projeto dessa, mudando o olhar do projetista, sensibilizando-o ao outro.
98
2.3 O desenho como cidade
O protagonismo da cidade no pensamento arquitetônico, como visto anteriormente, pode levar a
perspectivas díspares ao tratar da produção de HIS.
Em grande parte da crítica, no entanto, a naturalização de um discurso que valoriza sobremaneira
o desenho de arquitetura acaba por ocultar um
número significativo de questões que transbordam
as diretrizes do projeto propriamente dito.
Um sintoma claro desse vício crítico consiste
na leitura da cidade a partir das relações formais
estabelecidas pelo objeto arquitetônico com a
malha urbana, ao invés de uma que parte das
relações sociais e das necessidades da população.
É preciso sublinhar que essa interpretação resulta
não só de um posicionamento político cultivado
inexoravelmente na Academia, que identifica a
atuação do mercado imobiliário como prejudicial,
mas de uma narrativa historiográfica da arquitetura que valorizou o projeto como obra de arte.
Estende-se, dessa forma, o entendimento do objeto
arquitetônico, que passa a assumir, para uma
parcela significativa da crítica, a função do urbanismo, valorizando o desenho em detrimento das
relações sociais, necessidades e anseios do morador.
Percebe-se essa relação com muita clareza na escala
do desenho de implantação dos edifícios.
Na publicação “Produzir casas ou construir
cidades? Desafios para um novo Brasil urbano”
produzida pelo Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos (LabHab) da FAU-USP, há um
capítulo dedicado a estipular parâmetros de qualidade urbanística. Todavia, a despeito das várias
escalas, as análises na publicação organizada por
Whitaker parecem se centrar em duas: a do território e a do edifício. A relevância dessas questões é
indiscutível, porém a ausência de uma análise da
demanda que compôs o empreendimento investigado compromete a objetividade da pesquisa, uma
vez que os parâmetros de qualidade habitacional
para um arquiteto são construídos de maneira muito
discrepante daqueles apreciados pelos moradores
do conjunto. Corre-se o risco, pois, de assumir a
posição de arquiteto demiurgo, cujo desenho pretende contemplar as necessidades do outro.
É inédita, contudo, a apreciação, mesmo que
incipiente, da sustentabilidade energética das
unidades, indicada pela adição de painéis
fotovoltaicos em ensaios para tipologias
alternativas. Essa investigação pode indicar
soluções para o problema gerado pelo custo elevado
que a infraestrutura formal tem na renda das
famílias que habitam os empreendimentos
destinados à faixa 1, reduzindo, consequentemente,
a inadimplência.
Outro mérito do livro organizado pelo LabCidade é o de fazer, a partir de três propostas elaboradas por escritórios de arquitetura, um detalhado
orçamento no intuito de contrapor as soluções
tipológicas repetitivas dos empreendimentos construídos pelas incorporadoras com proposições
consideradas arquitetônica e urbanisticamente
mais adequada. Considerou-se o valor máximo por
unidade de R$ 130.000,00, teto da faixa 1 do PMCMV.
O orçamento foi decomposto em custo de construção; de projeto, gestão e lucro; além do preço do
terrenos, reais. Esses elementos compõem respectivamente 60%, 30% e 10% do valor total do imóvel
(WHITAKER, 2012, p.129).
O objetivo é evidenciar como, da prancheta
desses arquitetos, sairiam ideias que, ainda que
dentro das condicionantes da nossa realidades,
fujam das soluções automatizadas que o
mercado produz, valorizando aspectos de boas
soluções arquitetônicas que são raras no cenário
urbano atual (WHITAKER, 2012, p.128).
Observa-se, contudo, que a maioria dos ensaios
apresentados pelos escritórios de arquitetura insistem numa intervenção volumétrica extremamente contrastante com a morfologia da malha
urbana existente, facilitando o cercamento de
largos trechos da cidade e contribuindo, em última
análise, para a construção de uma mentalidade
privatista calcada no modelo condominial de
moradia. Identifica-se, então, algumas das premissas adotadas pelos escritórios, que podem ilustrar
alguns vícios formais da metodologia projetual
empregada na composição do objeto arquitetônico compreendido como desenho urbano. A análise
a seguir leva em consideração a descrição do processo projetual descrito na publicação.
O exame das propostas apresentadas indica,
em todos os casos, uma tentativa de solucionar
com o objeto arquitetônico, a questão da urbanidade. Porém, o desenho do espaço público desejado não é suficientemente detalhado em nenhum
dos ensaios apresentados. Um indicador desse
problema metodológico é a escala dos desenhos
de implantação, deflagrando uma tendência formalista de pensar inserção urbana como composição escultórica. Essa conclusão é reforçada pela
insistência no modelo de implantação do edifício
isolado no lote ou inserido num contexto condominial, tal como pela frequente ausência de detalhamento das áreas comuns e pelo desenho paisagístico arbitrário. Constata-se, portanto, uma séria
deficiência numa prática arquitetônica que pretende dar conta da cidade a partir do edifício sem
se debruçar na escala intermediária entre o conjunto, a quadra, o pavimento tipo e o entorno imediato. Também é necessário considerar que os
enfrentamentos propostos na publicação desconsideram, em absoluto, as relações sociais de um
grupo de moradores. Como visto anteriormente,
no estudo desenvolvido pelo Observatório das
Metrópoles, as especificidades sociais que compõem
a demanda do edifício são determinantes para a
criação de HIS adequada. Sendo assim, um ensaio
projetual para população de baixa renda que não
leva em conta o morador acaba traduzindo o profundo formalismo da produção arquitetônica brasileira.
Cabe, nesse contexto, buscar uma justificativa
histórica para a consagração paradigmática do
objeto arquitetônico no centro do discurso urbanístico e simultaneamente como obra de arte no
âmbito da habitação social. Tal formulação, conforme já foi mencionado nesse ensaio, na produção
contemporânea paulistana, deve muito à figura de
João Vilanova Artigas e a criação do curso de arquitetura da FAU-USP. Entretanto, identifica-se em
grande parte dos textos consultados um elogio aos
projetos de habitação financiados pelos Institutos
de Aposentadorias e Pensões (IAPs) e pela Fundação
Casa Popular (FCP). Logo, aproximar-se criticamente dessa produção é necessário para que entendamos os valores consagrados pela produção erudita.
A dimensão dessa leitura é tamanha que todas
as obras contempladas pela coleção “Pioneiros da
Habitação Social” foram financiadas com esses
fundos. Em seu livro anterior, Nabil Bonduki investiga profundamente a produção desse período
e ressalta sua qualidade arquitetônica.
Do ponto de vista qualitativo, a produção dos
conjuntos habitacionais pelos IAPs merecem
destaque tanto pelo nível dos projetos como
pelo impacto que tiveram, definindo novas tipologias de ocupação do espaço e introduzindo
tendências urbanísticas inovadoras (BONDUKI,
1998, p.127).
É preciso ter em conta que grande parte dessa
produção foi conceitualmente construída, a partir
das reflexões arquitetônicas modernistas
elaboradas nos Congressos Internacionais de
Arquitetura Moderna no final da década de 1920:
a temática da habitação mínima explorada em
1929, assim como a Carta de Atenas publicada pelo
4o CIAM em 1933 são dois exemplos comuns do
que foi, na realidade, a elaboração teórica mais
potente na definição do léxico modernista. Nessa
99
chave, é pertinente citar outro grande fator de
consagração da arquitetura moderna brasileira
como símbolo: a exposição e publicação “Brazil
Builds” (1942-43), feita pelo MoMA e que inseriu a
arquitetura brasileira na vanguarda artística.
Outro parâmetro determinante para a consagração simbólica dessa produção foi a presença
de arquitetos nos órgãos públicos responsáveis
pelos projetos dos conjuntos habitacionais, notoriamente Carmen Portinho e Alfonso Eduardo
Reidy no Departamento de Habitação Popular,
fundado em 1946 que, no ano seguinte, seriam
responsáveis pelo conjunto habitacional de interesse popular mais paradigmático da arquitetura
Brasileira: o Conjunto Pedregulho. Nele “aparece
de forma mais acabada a relação entre habitação
social, modernização, educação popular e transformação da sociedade” (BONDUKI, 1998, p.139).
Identifica-se, com o Pedregulho, a noção de HIS
que grande parte do campo “erudito” da arquitetura baseia sua crítica. Todavia, não se pode perder
de vista a carga simbólica que o período tem na
construção da narrativa arquitetônica nacional e
que o conjunto está inserido num contexto político desenvolvimentista, no qual a ortodoxia do viver
moderno desenvolvido nos CIAMs, encontrava-se
com o mito do progresso num Brasil recém-saído
da ditadura Vargas. À revelia da maestria formal
do objeto arquitetônico, o morar moderno foi
imposto à população.
Independentemente dos indiscutíveis méritos
de Reidy no projeto dos equipamentos comunitários e demais blocos, sua grande inovação
está na concepção do imenso edifício serpenteante, construído na parte elevada do terreno
(...). Este bloco concretiza magistralmente a
proposta de Le Corbusier para a Unité d’habitacion, inovando na criação de uma nova
relação paisagem-espaço construído. (BONDUKI,
1998, p.170).
Os posicionamentos críticos destacados até
aqui, buscam construir um panorama dos discursos que pautam a produção de HIS principalmente no contexto paulistano. Examinando-os, pode-se
apontar algumas narrativas comuns aos posicionamentos, sendo a mais evidente aquela em que
a cidade está no centro do debate arquitetônico.
Ela, entretanto, é idealizada pela crítica que,
calcada num antagonismo unânime ao mercado
imobiliário, estrutura-se para combater um projeto
político, ao invés de investigar na própria produção
arquitetônica “erudita” elementos para aprofundar
o debate. Dessa forma, o protagonismo da cidade
no pensamento arquitetônico permanece uma
100
utopia, enquanto o desenho de projeto continua
debruçado sobre a escala do edifício ou do território, despreocupado com a escala intermediária
que faz a relação com a cidade real e com a complexa rede de forças sociais que a permeia.
3. O Concurso Renova SP:
muito texto e pouca crítica
O movimento de uma parcela da crítica arquitetônica aqui representado pelo conjunto de artigos
publicados no portal Vitruvius sob as palavras
chave “Renova São Paulo”, ao tratar do concurso
promovido pela Prefeitura de São Paulo, é muito
similar àquele observado na parte anterior: um
consenso retumbante. O posicionamento, no
entanto, é contrário, cobrindo de elogios o concurso e os projetos vencedores.
É preciso notar, no entanto, que o número de
artigos no portal que tratam do concurso é
consideravelmente menor do que o de textos que
citam o programa federal. Ademais, o caráter dos
textos é, também, bastante distinto daqueles que
o analisam. Majoritariamente, trata-se de anúncios
de eventos, lançamento de livros e palestras
(TEMPO..., 2015; VIGLIECCA..., 2013; CAMARGO,
2012; SEHAB..., 2012; POLÍTICA..., 2012; CRUZ, 2012;
EXPOSIÇÃO..., 2012; SOMEKH, 2011; VIII SEMINÁRIO, 2012; SEHAB..., 2011; RENOVA, 2011). Há ainda
textos que anunciam vencedores do prêmio da
Associação Paulistana de Críticos de Arte (APCA):
em 2011, o concurso é citado no texto de premiação
do jornalista Raul Juste Lores da Folha de São Paulo
(SOMEKH, 2011) e, em 2012, ao premiar Hector
Vigliecca na categoria Urbanidade por projetos de
habitação social (CAMARGO, 2012). Outro artigo
anuncia a entrega do primeiro prêmio Vilanova
Artigas, organizado pelo IAB de São Paulo à Elisabete França pela sua atuação na Sehab (CRUZ,
2011).
Nessa chave, pode-se arriscar uma análise da
unanimidade elogiosa da crítica em relação ao
concurso, uma vez que nenhum texto do portal
aponta o que Patrícia Samora questiona num artigo
da revista AU:
O concurso não rediscute a presente dinâmica
urbana paulistana, fortemente relacionada com
a desigualdade no acesso à terra urbana e à
moradia digna, que resultou numa enorme
periferia onde abundam assentamentos precários (SAMORA, 2011, s.p.).
Tendo em vista a articulação política da crítica,
bem como sua coerência e agilidade na elaboração
argumentativa - já havia reflexões sobre as metas
de produção do PMCMV antes mesmo dele ser
lançado -, além da vasta bibliografia dedicada à
análise dos dois primeiros anos de operação do
programa federal, cujas conclusões enfatizam, em
grande parte dos casos, os problemas na construção dos grandes condomínios distantes dos centros
urbanos, vinculando-os ao crescimento horizontal
da malha urbana e, consequentemente, ao agravamento da inequidade sócio espacial. Seu silêncio
ao se deparar com uma proposição que insiste na
criação de novas unidades habitacionais nas periferias da cidade é espantoso.
Inegavelmente a atuação da Sehab na criação
do Sistema de informações para Habitação Social
na Cidade de São Paulo (Habisp) foi louvável. O
trabalho de levantamento e cadastramento de
assentamentos precários, assim como o diagnóstico de áreas de risco é inédito e precioso, essencial
para a elaboração de projetos urbanísticos mais
contundentes. Entretanto, a escolha pela construção de novos edifícios nas periferias, mesmo que
amparados pelo projeto urbano que o concurso
previa ao invés, por exemplo, da readequação de
imóveis desocupados no centro, revela uma incongruência grave nessa narrativa arquitetônica que
diagnosticara, poucos anos antes, esse mesmo erro
no MCMV.
3.1. O modelo do concurso de arquitetura
A noção de que o concurso de projeto garantiria a
qualidade arquitetônica de um edifício carrega em
si a naturalização de uma narrativa que enaltece
a autoria do projeto, subvertendo o protagonismo
do usuário do edifício em favor da criação de uma
figura genial. Notoriamente os agentes promotores
do Renova SP, consideram o desenho do arquiteto
- na verdade de certos profissionais -, como sinônimo de qualidade, conjecturando um contraponto aos conjuntos habitacionais construídos pelo
mercado imobiliário, a grande maioria deles, afinal,
também desenhados por arquitetos, mas não os
valorizados pela crítica dominante.
Daí emerge um duplo fetiche pelo desenho
arquitetônico. Considerado como gesto potencialmente civilizatório e indicador de novas maneiras
de viver, ele passa a ser lido como um manifesto
político, um modelo ético. Leitura materializada,
por exemplo, nas análises das casas-manifesto
construídas na segunda metade do século XX em
São Paulo, que introjetam signos políticos à materialidade da obra e assim por diante.
Ao mesmo tempo, o apelo formal do desenho
propriamente dito ganha uma relevância excessiva no contexto da competição de projetos, transcendendo o mero registro bidimensional de um
edifício para atingir o status de obra de arte. Isso
se dá pois a representação arquitetônica, além de
trazer consigo a “assinatura” do escritório / arquiteto-gênio que lapidou demoradamente sua “linguagem”, torna-se, no concurso, a principal ferramenta de distinção entre os concorrentes e o
interlocutor mais contundente e convincente entre
o participante e a comissão julgadora.
A lógica dos concursos incrementa drasticamente o valor da imagem no projeto arquitetônico,
passando a ditar, inclusive, o modo de sua exposição para o público em geral e reitera, com as
sedutoras imagens renderizadas, a fetichização,
não só do objeto construído, mas do próprio
desenho do projeto.
Historicamente o concurso de arquitetura no
Brasil destinou-se à construção obras paradigmáticas como o Palácio Capanema, o Pavilhão de Lúcio
Costa e Oscar Niemeyer para a Feira de Nova Iorque
em 1939, ou o Plano Piloto de Brasília. Obras nas
quais o apelo formal do edifício era determinante,
pois contribuiu para construção de uma identidade nacional, criando, assim, uma narrativa de um
projeto de país sintetizada nos edifícios. Não é por
acaso que os exemplos citados se tornaram obras
antológicas da arquitetura brasileira e definiram
o léxico projetual das principais escolas modernistas do país: havia um projeto político por trás da
seleção dos projetos premiados, assim como houve
um recorte histórico arbitrário responsável pela
consagração dessa produção. Nesse sentido, a valorização formalista da arquitetura no Brasil tem
uma longa história.
Esse breve exemplo se mostra suficiente para
indicar a tenuidade da linha que separa a história
das ideias da história das obras na arquitetura
brasileira. A contaminação da análise de um edifício pela trajetória política de seu autor - e mais
ainda, pela narrativa de sua trajetória política ganha força justamente no modelo do concurso de
projeto, pelo protagonismo que dá criador. A partir
dessa leitura, a competição se torna um ponto
chave para a legitimação simbólica da arquitetura
como obra de arte e para a autonomização do
campo projetual: “Um concurso é a melhor oportunidade para o arquiteto dizer o que quiser, de
modo público. Fica publicada a curiosidade indagativa, criativa, da arquitetura, do urbanismo”
(ROCHA, 2011, p.16).
A cultura de valorização do concurso é exten-
101
samente divulgada e celebrada pelo IAB, que,
segundo Fabiano Sobreira e Vanessa Cristina, foi
responsável por 59,18% das competições organizadas de 2005 a 2014 (SOBREIRA, WANDERLEY,
2015). Nota-se também, que todos os textos consultados no portal Vitruvius que foram redigidos
por comissões vinculadas ao instituto apresentam
algum tipo de argumentação em favor do modelo.
Ainda convém destacar que o site possui uma
sessão exclusivamente dedicada à divulgação de
editais para concursos, o que enfatiza a importância do modelo no campo “erudito”.
Apesar da importância do modelo para o processo de difusão e consagração do campo, a pesquisa organizada pelo Observatório das Metrópoles no livro “Minha Casa... e a Cidade? Avaliação
do programa minha casa minha vida em seis
estados brasileiros”, apresenta algumas questões
que parecem incompatíveis com a dinâmica de
um concurso e até mesmo do caráter arquitetônico dos projetos premiados. Indaga-se, pois, se uma
obra carregada dos maneirismos projetuais consagrados pelo IAB e coberta pelos signos políticos
de determinado “artista” é, de fato, a casa que
supre as necessidades cotidianas dos potenciais
moradores e correspondem de alguma maneira
às diferentes concepções de habitar com que o
usuário está familiarizado.
Questiona-se ainda a magnitude do concurso
em relação ao tempo dado ao júri para avaliar a
proposta: seriam 3 dias suficientes para um corpo
de júri integrado por 6 pessoas - dois estrangeiros
- debater cada uma das 109 propostas distintas
(BARDA; FRANÇA, 2011)? Dividindo-se o número
de propostas pelas vinte e quatro horas de trabalho
acumuladas durante os três dias, obtém-se uma
média de avaliação de aproximadamente uma
proposta a cada 20 minutos. Tendo em mente que
cada projeto lidou necessariamente com demolições e reassentamento de um número considerável
de famílias, a agilidade no processo de indicação
dos vencedores do concurso parece temerária.
A composição do júri também é passível de
contestação. Integrado exclusivamente por arquitetos sem vínculo algum com as regiões em que o
Renova São Paulo pretendia atuar, o concurso
insiste em excluir o morador das tomadas de
decisão. Ora, considerando a crítica ao PMCMV
apresentada na pesquisa do Observatório das Metrópoles que destaca a importância de um diálogo
sistemático com a população que habitará os conjuntos habitacionais, qual o significado de um júri
no qual nenhum dos integrantes tem contato com
os moradores dos assentamentos contemplados?
102
Esse posicionamento revela um descompasso grave
entre o campo de pesquisa arquitetônica e a produção projetual de HIS.
O conjunto de fatores elencados nessa reflexão
aponta, portanto, para uma atuação impositiva do
concurso ao selecionar os projetos vencedores
desconsiderando as particularidades sociais de
cada comunidade e, possivelmente, premiando um
modo de morar estranho a elas. Soma-se a isso,
uma seleção corporativista de júri que, além de
não considerar a participação de representantes
das comunidades na seleção dos projetos, foi composto por arquitetos de trajetórias semelhantes,
favorecendo a premiação de um único tipo de
arquitetura.
É preciso entender, inclusive com propósito de
desmistificar a produção arquitetônica, que a
dinâmica de participação em um concurso de
arquitetura é extremamente custosa para os
escritórios. Para cumprir os exíguos prazos de
entrega, as equipes se sujeitam a jornadas
estendidas de trabalho em horários extracomerciais, uma vez que os outros projetos não
são suspensos. Além disso, há o custo adicional da
inscrição na competição, da produção de maquetes
físicas e eletrônicas, imagens renderizadas e
diagramas. Observa-se, então, que as competições
selecionam, a priori, um tipo de escritório com
mão de obra disponível para jornadas extras de
trabalho e com caixa suficiente para arcar com os
custos extras de funcionamento do escritório pelos
períodos estendidos da produção, sem qualquer
garantia de retorno financeiro. Outra prática
comum é a contratação informal de estagiários
para os períodos de concurso (KOGAN, 2011).
Esboçou-se, com o Renova São Paulo, uma produção de HIS que aposta mais nas soluções formais
da arquitetura do que num desenho urbano calcado
na sua relação com o usuário. Reafirma-se assim,
o papel do arquiteto demiurgo que pretende determinar, desde a prancheta do escritório, o modo
de morar de indivíduos com trajetórias discrepantes da sua própria. Isto posto, nota-se que o concurso de projeto é determinante para a manutenção do narcisismo arquitetônico que concebe o
desenho do edifício como obra de arte. Esse mecanismo de contratação, ao tratar de grandes quantidades de unidades habitacionais, pode se tornar
autoritário se não considerar as particularidades
das comunidades afetadas pelos projetos, alienando os moradores da construção de suas casas, resultando em diversos problemas de pós-ocupação.
O argumento de que o concurso de projeto é
uma oportunidade de debater novas ideias arqui-
tetônicas é também comprometido ao considerarmos que os membros do júri têm perspectivas semelhantes em relação à qualidade arquitetônica,
dada a similaridade de suas trajetórias. Nessa chave,
a competição, pelo regime de trabalho que impõe
às equipes, bem como pelos custos de produção,
não é um modelo que garante democraticamente
oportunidade de contratação aos participantes.
Pode-se medir o grau de autonomia de um
campo de produção erudita com base no poder
de que dispõe para definir as normas de sua
produção, os critérios de avaliação de seus
produtos e, portanto, para retraduzir e reinterpretar todas as determinações externas de
acordo com seus princípios próprios de funcionamento (BOURDIEU, 2003, p.106).
Nesse âmbito, deve-se refletir sobre o papel do
IAB na promoção de concursos dessa sorte: qual
o interesse em insistir num modelo de contratação
que dá ampla margem de vantagem aos escritórios
cuja renda permite a participação nas competições,
ou que contratam funcionários em regime de subemprego? Torna-se necessária uma crítica sistemática desse modelo de contratação, assim como
aos projetos premiados.
Por outro lado, tratando-se de projetos de
grande porte, inacessíveis para escritórios pequenos por indicação, o concurso de arquitetura democratiza, em determinada medida, o acesso de
escritórios aos projetos. E, inegavelmente, é um
modelo melhor do que a desastrosa licitação por
preços. Não obstante, refletir criticamente sobre o
modelo de concurso pelo qual o IAB advoga é essencial para o impedimento da oligopolização do
campo erudito da arquitetura. A participação de
escritórios de trajetórias distintas e origens menos
abastadas deve ser estimulada para que novas
soluções sejam expostas e reverberem nas instâncias de legitimação e difusão do campo, expondo-as,
inclusive à crítica. Um novo modelo para competição e contrato de projetos é essencial para a democratização real do campo e, consequentemente,
para a atuação efetiva da arquitetura na cidade.
3.2. A revista Monolito e uma crítica
operacional da arquitetura
Os processos do campo de produção erudita
em direção à autonomia caracterizam-se pela
tendência cada vez mais marcada da crítica
(recrutada em grande parte no próprio corpo
de produtores) de atribuir a si mesma a tarefa,
não mais de produzir os instrumentos de apro-
priação que a obra exige de modo cada vez mais
imperativo na medida em que se distancia do
público, mas de fornecer uma interpretação
“criativa” para uso dos “criadores”. Destarte,
constituem-se “sociedades de admiração
mútua”, pequenas seitas fechadas em seu esoterismo e, ao mesmo tempo, surgem os signos
de uma nova solidariedade entre o artista e o
crítico (BOURDIEU, 2003, p.107).
Entendendo a relevância da publicação como
instância de consagração da produção de arquitetura “erudita”, é auspicioso examiná-la buscando
identificar os pressupostos discursivos que justificam o alinhamento da crítica aos autores dos projetos. Almeja-se, dessa forma, discutir a operacionalidade da crítica paulistana das últimas décadas.
Em seu trabalho de conclusão de curso “Crítica
de Arquitetura no Brasil 1985 – 2010”, Jaime Solares
Carmona aponta uma operação de seleção historiográfica semelhante na exposição “Ainda Modernos?” organizada por André Corrêa do Lago e Lauro
Cavalcanti em 2005. Nela, a supressão completa
das décadas de 1970 e 1980, pretende traçar um
paralelo direto entre a produção da década de 1940
e 1950 - período chave na consagração internacional da arquitetura moderna brasileira e, via de
regra, canonizada exaustivamente pela crítica com as obras feitas a partir dos anos 1990. Carmona
denuncia o fato da produção contemporânea
possuir, segundo Cavalcanti e Lago, “uma clara
influência e inspiração nos projetos modernistas
históricos brasileiros dos anos 1940 e 1950 (...) o
moderno é tomado como linguagem e não mais
como ideologia”:
Ou seja, a arquitetura contemporânea seria,
afinal, uma continuação amaneirada, que se
utiliza da linguagem moderna como faziam os
ecléticos em relação aos estilos clássicos, românticos, etc., numa composição linguística
esvaziada de seu sentido original (CARMONA,
2015, p.118).
A seguir Carmona destaca a exposição “Coletivo: arquitetura paulista na cidade”, organizada
pelos próprios escritórios expoentes e analisada
posteriormente por três críticos convidados, como
um evento representativo do “espírito contemporâneo” da arquitetura paulistana3. A crítica, nesse
contexto, sem papel curatorial, foi apenas convidada pelos autores a comentar as obras, e o termo
“coletivo”, mesmo aparecendo como contraponto
à ideia de autoria individual, não discute essa noção
de fato, apenas desloca seu foco, dando o protagonismo da obra ao escritório. A análise confirma a
placidez do posicionamento crítico em relação à
103
produção “erudita” paulistana. A reboque das arbitrariedades estilísticas, de relações interpessoais
e institucionais, a crítica se relegou aos cândidos
comentários, ou às análises elogiosas, deixando de
expor as contradições de uma produção que a
contrata para defende-la. Esse impasse descreve
a situação da disciplina e começa a fornecer uma
justificativa para a míngua do debate arquitetônico das últimas décadas e para a consensualidade
observada nos artigos do portal Vitruvius.
Não é surpreendente, portanto, que a revista
Monolito se posicione escancaradamente em favor
do Concurso Renova SP. Alguns dos membros de
seu conselho editorial tem relações a serem
notadas: chefiado por Fernando Serapião que
integra a comissão de júri da APCA; ainda conta
com Agnaldo Farias - orientador do doutorado de
Guilherme Wisnik que também compõe o júri da
APCA, foi convidado como crítico pelos escritórios
do “coletivo” e curador da X Bienal de arquitetura
(2013); e André Correia do Lago que, como apontado anteriormente, contribuiu, a partir da exposição “Ainda Modernos?” (2005), com a construção
da narrativa que ambicionava legitimar uma
parcela produção invocando a tradição modernista. Isto posto, cumpre notar que, dos seis escritórios
que compunham o “coletivo”, três são contemplados pela sétima edição da Monolito, dois foram
indicados ao primeiro prêmio do concurso Renova
SP e um ficou em segundo lugar.
Ressalta-se, então, a importância da impessoalidade do projeto de arquitetura. Ao expor as
diversas relações pessoais entre os arquitetos produtores e difusores do campo “erudito” torna-se
nítida a relevância que o sujeito/autor assume na
produção paulistana. Essa personificação do arquiteto em sua obra fortalece a noção de projeto
como objeto de arte e, consequentemente, mistifica a autoria, prejudicando em demasia a ação da
crítica que ao indicar defeitos em um projeto é lida
como inimiga pessoal dos autores. Nesse contexto,
cabe questionar para quem, afinal, o projeto de
arquitetura se destina? A ênfase na autoria faz
parecer que o arquiteto projeta para si. Entretanto, ao tratarmos de habitação coletiva de interesse
social, o tecido de relações humanas em que o
objeto arquitetônico é inserido foge, e muito, de
qualquer devaneio autoral.
Sendo assim, é preciso retomar a produção
celebrada pelo periódico com o rigor crítico observado nos textos que examinaram o PMCMV, despindo-se das prerrogativas discursivas que povoam
os textos da crítica e ensaiando, pois, uma análise
dos objetos arquitetônicos em sua relação com a
104
cidade, desconsiderando qualquer narrativa elaborada para justificar arbítrios de um pretenso artista
para que a história das ideias e os maneirismos
modernistas não atenuem um possível autoritarismo de uma intervenção e que o debate no campo
arquitetônico não poupe a produção legitimada por
suas instâncias de consagração tradicionais.
A sétima edição do periódico, dedicada à Habitação social em São Paulo, tem seu editorial intitulado “A guerrilheira Urbana” que se ocupa em
descrever um dia de trabalho de Elisabete França,
como vimos, personagem central na articulação
de uma política urbana integrada durante o período
e da promoção do Concurso. Nesse artigo, lê-se: “O
sucesso de seu desempenho está baseado em um
orçamento mais robusto (...) e uma metodologia
de trabalho que, entre outras coisas, valoriza a
atuação dos arquitetos” (SERAPIÃO, 2012, p.19). É
celebrado, desse modo, o concurso como mecanismo de valorização do arquiteto, insistindo na relevância da autoria e do desenho. Simultaneamente, o texto centraliza na figura de França um ideal
político, personificando a gestão e vinculando-a
diretamente às obras expostas pela revista.
Se por um lado a atuação da arquiteta evidencia a força de uma articulação entre os órgãos
políticos gestores da cidade e aqueles com conhecimento técnico para desenha-la - fomentando uma
reflexão aprofundada sobre política urbana, bem
como a produção de um número significativo de
obras -, é preciso, por outro, reconhecer a operação
historiográfica de injeção de significados políticos
às obras publicadas: ao referir-se à secretária de
habitação como “guerrilheira urbana” e destacar
seu engajamento no movimento estudantil e ao
partido comunista, Serapião vincula a arquiteta a
uma ideologia progressista insinuando, veladamente, um paralelo com a trajetória política de
Vilanova Artigas. Novamente, o movimento dessa
parcela da crítica é o de tecer relações entre a
produção contemporânea e os arquitetos mais
consagrados do país, numa tentativa de legitimação
naturalizada pela ação política.
Também é curiosa a maneira com que o texto
se posiciona ao comentar as urbanizações realizadas durante o mandato de Luiza Erundina (1989
a 1993):
(...) a linha priorizada por Nabil Bonduki era o
mutirão, na qual os próprios moradores, após
participarem da elaboração do projeto de arquitetura, construíam suas unidades. Com viés
ideológico, a linha do mutirão era dominante
no ambiente acadêmico da esquerda paulista,
influenciada pelo pensamento de Sérgio Ferro
(que via no projeto de arquitetura um instrumento de dominação). Essa linha ainda hoje
prevalece os escalões técnicos do Partido dos
Trabalhadores, mesmo com muitas baixas pós-mensalão. Por consequência, também influencia as ações do Ministério das Cidades. Após
analisar a atuação do Ministério, Joan Villá,
arquiteto historicamente envolvido com habitação social, disse-me em uma entrevista que
“parece que não gostam de arquitetura” (SERAPIÃO, 2012, p.22).
Essa argumentação explicita uma ideia de antagonismo entre a gestão de Elisabete França na
Sehab, que valoriza o projeto de arquitetura, e a
de Nabil - acadêmica -, que, contaminada por uma
ideologia de esquerda, apostava no envolvimento
dos moradores no processo de projetação e construção das unidades. Ora, é um tanto contraditório
um posicionamento que enaltece o engajamento
político da arquiteta, vinculando-a à imagem da
guerrilha urbana e, ao mesmo tempo, acusa o
posicionamento dos mutirões de ter “viés ideológico”. Estará Serapião alegando que a Sehab,
durante o mandato de Gilberto Kassab, atuou de
maneira imparcial? Qual o interesse por trás dessa
argumentação? Além disso, é notável o desconhecimento do crítico das revisões historiográficas já
realizadas sobre o tema, notadamente do trabalho
de Ana Paula Koury, que mostrou não ser totalmente verdadeira a recusa por parte do Ferro do
projeto, assim como também não é a partir dele
que se constrói a ideia de mutirão, como mostram
outros autores, entre eles Caio Santo Amore.
O raciocínio no trecho reproduzido dá a entender, ainda, que a qualidade arquitetônica dos projetos construídos através de mutirão é “inferior”
àquela dos projetos desenhados pelos escritórios
contratados por França. Além disso, insinua uma
ojeriza à academia, ao vinculá-la a uma metodologia de projeto “inferior”. Outra associação que
não se sustenta na análise comparativa entre as
produções das duas gestões em questão.
A publicação se detém sobre cinco projetos
vencedores do Concurso Renova São Paulo. Além
de um breve memorial descritivo dos projetos,
nenhuma avaliação crítica é feita. Observa-se,
contudo, em todos os projetos destacados, uma
ausência notável de detalhamento da escala do
pedestre, assim como uma tendência a implantar
os edifícios recuados dos limites do lote, soltos nos
terrenos, negando a relação com a malha urbana
a partir de sucessivos remembramentos de lote e
criando extensas áreas não edificadas que interrompem a lógica de ocupação da cidade, o que
facilita o cercamento de quadras inteiras.
A exposição feita pelo periódico é suficiente
para ilustrar sua omissão no debate arquitetônico
e na exposição das contradições evidentes na
atuação de colegas. Enquanto as instâncias de
consagração da arquitetura “erudita” insistirem
em legitimar uma produção através da construção
de paralelismos histórico-formalistas e de mistificações sobre a autoria projetual, o campo permanecerá hermético para o público geral e, consequentemente, a construção das nossas cidades se
dará à revelia das discussões arquitetônicas.
4. Considerações Finais
O movimento da crítica arquitetônica carrega um
potente indicador da crise teórica em que o campo
está inserido. Enquanto a recusa generalizada aos
conjuntos do PMCMV é construída com grande
perícia tanto no ambiente acadêmico, quanto pelos
projetistas, apontando-se para uma série de problemas na inserção urbana dos conjuntos, ao surgir
a oportunidade para atuar nesse contexto, as proposições arquitetônicas premiadas pelo concurso
Renova São Paulo apresentam, em grande parte
dos casos, os mesmos equívocos acusados pelos
próprios participantes da competição nos conjuntos do programa federal. Nesse caso, porém, a
crítica cede seu lugar à celebração do concurso e
à visibilidade dos arquitetos vencedores.
A assimetria da articulação crítica, bem como
a quase unanimidade dos posicionamentos elencados deflagram, além da ausência de debate do
campo “erudito”, um juízo fundamentado, em larga
medida, numa promiscuidade conceitual profunda, naturalizada nos discursos das mais diversas
instâncias de produção e de consagração. Fundada
na invenção do modernismo brasileiro, cuja historiografia, operacionalizada magistralmente por
Lúcio Costa, exaltou a produção das décadas de
1940 e 1950 de maneira tão enfática que a blindou
de julgamento crítico, essa permeabilidade integrou a imagem da arquitetura à ideologia política,
ou seja, às utopias desenvolvimentistas de um
restrito grupo no seus mais variados momentos
históricos e proposições arquitetônicas.
Ao insistir num vínculo direto entre soluções
formais e posicionamentos políticos, naturaliza-se
uma narrativa na qual, a noção de urbanismo se
dá exclusivamente a partir das relações do edifício.
Ou seja, a solução projetual do edifício informa a
qualidade urbana do território a partir das relações
que estabelece com o entorno. Nesse contexto,
105
surge a valoração desmedida do desenho que, aos
poucos, passa a ser considerado um objeto de arte
autoral, uma vez que a relevância do discurso
também ganha prestígio equivalente ao do objeto
arquitetônico, tal como a crítica ao mercado imobiliário cuja “qualidade” arquitetônica dos edifícios
é inferior uma vez que não é concebida como arte,
mas como mercadoria. Idiossincrasia que, se por
um lado colaborou com a consagração da produção
arquitetônica brasileira no circuito cultural
“erudito” internacional, por outro erigiu uma barreira entre a arquitetura e a vivência cotidiana
da cidade.
Ainda hoje essa imprecisão do limite entre a
história das ideias e a das obras pode ser identificada na atuação da crítica ao justificar um arbítrio
formal ou atestar a qualidade da obra pela invocação da sua similaridade formal para com um
dos cânones modernistas. Reiterada pelas instâncias de consagração do campo - academia, institutos, publicações - que insistem na valorização artística do objeto arquitetônico, fetichizando-o, e
do arquiteto como gênio criador, essa operação
marginaliza a crítica real, considerando um juízo
que aponta incoerências na obra, uma ofensa
pessoal ao “artista”. Sob essa óptica, identifica-se
uma dupla autonomização das instâncias produtoras da arquitetura num primeiro aspecto, em
relação ao usuário/morador/cliente, absolutamente alienado do processo de construção; em segundo,
em relação às demais instâncias de consagração,
uma vez que as instâncias de projeto se tornam
autossuficientes na definição e regulação das
normas de sua própria produção. É o caso do concurso de arquitetura organizado pelo IAB, em que
os agentes que se articulam para gerir têm as
mesmas pretensões daqueles que se inscrevem,
que são idênticas às do corpo de júri e à da crítica
que, posteriormente, exaltará os vencedores.
É preocupante para a construção, tanto de HIS,
como da própria cidade, a oligopolização do campo
arquitetônico resultante da autonomização das
instâncias de projeto que aliciaram parte da crítica.
Buscou-se, com os ensaios, desconstruir algumas
prerrogativas consagradas que, naturalizadas nos
discursos, tornaram-se quase tabus. Entre eles, a
prerrogativa modernista do projeto como resposta
definitiva deve ser abandonada em favor da criação
de uma cultura de projeto como pesquisa e como
processo, sempre em parceria com os futuros
usuários do edifício em diálogo de fato com a cidade
existente e os agentes envolvidos na sua construção,
públicos ou privados.
Além disso, procurou-se apontar brevemente
106
os enfrentamentos que ainda são raros na prática
projetual de HIS: o detalhamento da escala do
pedestre e o estudo aprofundado da relação entre
o edifício e a cidade são imperiosos para a prática
do projeto habitacional.
Portanto, acredita-se que a crítica tem papel
fundamental na ruptura do marasmo produtivo
da arquitetura paulistana. Para tal, é preciso interromper o seu ciclo de submissão ao projeto,
libertando-se da noção provinciana de vínculo
pessoal entre autor e obra. E, ao invés de propor
uma resposta, conscientizar-se da própria arbitrariedade, numa cultura de auto-reflexão e debate
constantes.
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Notas
1. Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela
Escola da Cidade - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
(2015).
2. Contribuiu para a construção dessa análise o trabalho
de Pierre Bourdieu (2007).
3. Exposição organizada pelos seis escritórios paulistanos
de arquitetura: MMBB, Projeto Paulista, Núcleo de Arquitetura, Puntoni - SPBR Arquitetos, UNA e Andrade
Morettin em 2006 no Maria Antônia, com o intuit de
divulgar seus principais trabalhos. Wisnik, Nobre e Milheiro foram convidados como críticos para analisar tais
obras (NOBRE; MILHEIRO; WISNIK, 2006).
109
VIII jornada
de iniciação
científica
VIII Jornada de Iniciação Científica
da Escola da Cidade
A Jornada de Iniciação Científica, promovida anualmente desde 2009 pela Escola da Cidade, foi
concebida como oportunidade de difusão e de
debate de pesquisas fomentados pela própria
escola. Em sua VIII edição, a Jornada desse ano de
2016 se reafirma como esse espaço prolífico de
debate inicialmente idealizado, bem como evidencia a diversidade e as múltiplas possibilidades
assumidas pela pesquisa de graduação na Escola
da Cidade ao assumir um caráter nacional. Buscando assim ampliar suas conquistas e objetivos,
o evento deste ano mantêm a profícua experiência
iniciada em 2014, abrindo espaço para a apresentação de pesquisas de iniciação científica de arquitetura e urbanismo (e áreas afins) também realizadas em outras universidades, faculdades e
escolas de ensino superior. A possibilidade de
colocar em diálogo os trabalhos realizados na
Escola da Cidade com aqueles feitos em outras
instituições de ensino é uma oportunidade única
de ampliação das perspectivas de debate, fundamental para o adensamento do pensamento crítico
no âmbito da pesquisa científica em arquitetura e
urbanismo.
Diante do sucesso dos últimos anos e da alta
procura dos jovens pesquisadores, a Comissão da
VIII Jornada de Iniciação Científica da Escola da
Cidade entendeu que a ampliação das mesas seria
um ganho positivo para toda a comunidade. Neste
sentido, a VIII Jornada de Iniciação Científica
contará com 12 mesas, que abarcam 60 pesquisas
de alunos de graduação de todo o país, e que contarão com os comentários de profissionais respeitados em seus campos de atuação, o que uma vez
mais só têm a nos honrar.
A mesa Território, planejamento e direito à
cidade conta com o Prof. Dr. Caio Santo Amore,
docente da FAU-USP, e busca debater sentidos e
significados em torno dos instrumentos do planejamento urbano e seus desdobramentos quanto
ao direito à cidade. Nesta linha, planos diretores,
cartografias, particularidades da ocupação do território, bem como a própria arquitetura são identificados como lugares de expressão e investigação
de tais questões. Já a mesa Processos e projeto
em arquitetura traz contribuições significativas
para a investigação em torno de práticas e experiências associadas ao projeto arquitetônico. Com
contribuição da Profa. Dra. Marta Bogea, docente
da FAU-USP, busca-se constituir e explorar um
conjunto de trajetos investigativos, que sinalizam
para processos projetuais não apenas de arquitetos
consagrados, mas, também, de experiências colaborativas e associadas aos usuários dos edifícios.
A Profa. Dra. Sabrina Studart Fontenele, do
CPC-USP e pós-doutoranda no IFCH-UNICAMP, participa da mesa Memória e cidade, onde noções de
patrimônio aparecem articuladas. Neste sentido,
trata-se de inventários, arquivos e conjuntos documentais ou arquitetônicos, que trazem à luz
aspectos significativos para a reflexão em torno
de transformações urbanas e a cristalização de
certas narrativas e discursos acerca da memória.
Em Modos de habitar, a Profa. Dra. Glória Kok,
pesquisadora do MAE-USP e professora da EC,
contribui com um conjunto de investigações que
têm seus objetos de pesquisa associados às noções
do habitar. Tomando obras clássicas, periódicos
ou mesmo certos conjuntos edificados e as práticas
que ali se dão, esta mesa propõe enfrentar diferentes aspectos dos sentidos do habitar relacionando-os com aspectos diversos da cultura, sociedade e história.
Projeto, pressupostos e técnicas construtivas
é uma mesa dedicada às edificações a partir de
aspectos essencialmente ligados ao fazer e à cons-
113
trução. O Prof. Dr. José Eduardo Baravelli, docente
junto à FAU-USP e à FIAM-FAAM, é o convidado
desta mesa e com sua experiência ligada a este
universo busca-se uma reflexão em torno de concepções projetuais particulares e coletivas, bem
como dos aspectos técnicos e/ou construtivos que
antecedem e dialogam com o fazer arquitetônico.
A Profa. Dra. Paula Santoro é a convidada da mesa
Habitação social e políticas públicas, que busca
enfrentar este que é um dos temas da arquitetura
e do urbanismo que mais tem concentrado esforços investigativos. Neste sentido, os trabalhos aqui
reunidos procuram dar destaque a algumas experiências icônicas das atuais políticas brasileiras.
Tenham sido elas realizadas no plano municipal
ou federal, tais investigações sinalizam para desdobramentos territoriais locais, regionais ou nacionais que como política alcançam.
Em Olhares e representações da metrópole,
a cultura visual é colocada em debate, em seus
mais variados aspectos e manifestações, através
de um conjunto de pesquisas que tem a cidade e
a arquitetura através de suas representações como
centro do debate. Para tanto, esta mesa conta com
a contribuição da Profa. Dra. Silvana Rubino, professora do IFCH-UNICAMP, debatendo coleções e
conjuntos fotográficos, a produção cinematográfica, além da relação das comunidades e indivíduos
com a produção destes documentos. Tomando a
cidade como objeto de investigação, na relação
direta com seus habitantes, a mesa Cidade, espaços
e sujeitos lança olhar para as dinâmicas sociais
em torno da memória e do cotidiano nas cidades.
Com participação da Profa. Dra. Ana Castro, docente
da FAU-USP e ex-professora da Escola da Cidade,
esta mesa abarca reflexões em torno de conjuntos
históricos da cidade e o lugar de seus atores na
cidade contemporânea. A cidade contemporânea
é também o centro do debate articulado em torno
da mesa Cidade, arquitetura e dinâmicas do
capital. Para tanto, conta com a presença da Profa.
Dra. Beatriz Kara José, do Senac, e procura pensar
as articulações e embates entre alguns dos processos econômicos contemporâneos e as dinâmicas
de produção da cidade e da arquitetura em escalas
que vão do edifício ao global.
Diálogos entre arte, cidade e arquitetura
sinaliza para o importante e presente diálogo entre
a arte e a arquitetura, nos seus mais diferentes
aspectos, especialmente na relação com a sociedade contemporânea. Neste sentido, a mesa conta
com a Profa. Dra. Taisa Palhares, docente do IFCH-UNICAMP, para estabelecer reflexões acerca destas
relações, especialmente articuladas em torno da
114
fotografia e do cinema, além das recepções de
certas manifestações e eventos artísticos. Sinalizando ainda, embora de maneira distinta, para os
nexos culturais, mas também identitários, presentes em nossas cidades e arquiteturas, a mesa Arquitetura e identidades construídas ou imaginadas busca apontar para certos diálogos
estabelecidos entre cidades, arquitetos e a construção de movimentos artísticos. Neste sentido, a
Profa. Dra. Maria Lucia Bressan Pinheiro, docente
da FAU-USP, é a convidada desta mesa que pretende marcar, através dos trabalhos aqui apresentados, percursos de compreensão da história da
arquitetura em diálogos com identidades construídas ou imaginadas.
Por fim, Trabalho, trabalhadores e memória
é uma mesa dedicada aos embates pela memória
e história da cidade e suas construções, em algumas
de suas chaves de reflexão específicas. Para tanto,
a convidada desta mesa é a Profa. Dra. Ana Lanna,
da FAU-USP, que tem como foco de reflexão os
processos de construção e consolidação da cidade
e seus espaços habitáveis, na relação com a história e a memória dos trabalhadores e do trabalho
na construção - ou seus apagamentos.
Comissão Científica
Prof. Dr. Eduardo Costa
Prof. Ms. Fábio Mosaner
Profa. Dra. Fernanda Pitta
Profa. Dra. Joana Mello
Prof. Dr. Luis Octavio de Faria e Silva
Profa. Ms. Maira Rios
Profa. Dra. Marianna Boghosian Al Assal
Prof. Ms. Pedro Lopes
Programação
20 de setembro de 2016
MESA 1
Território, planejamento e direito à cidade
comentário: Prof. Dr. Caio Santo Amore (FAU-USP)
coordenação: Profa. Dra. Marta Lagreca (EC)
MESA 2
Processo e projeto em arquitetura
comentário: Profa. Dra. Marta Bogea (FAU-USP)
coordenação: Profa. Ms. Maira Rios (EC)
2. Reflexos dos Planos Diretores nos
indicadores de infraestrutura urbana dos
municípios mineiros e paulistas
Juliana Manami Yoshida e Lucas Corrêa Maia
Freitas (DAU-UFV / Bolsa PIBIC-FAPEMIG)
orientação: Prof. Dr. Tiago Augusto da Cunha
(DAU-UFV)
2. O processo de projeto paramétrico
e a experiência da arquitetura
Amon Christian Lasmar
(UFSJ /Bolsa PIBIC-FAPEMIG)
orientação: Profa. Dra. Marcela Alves de Almeida
(UFSJ)
1. Observa SP: potencializar a pauta do direito
à cidade na política urbana de São Paulo
através da comunicação
Caroline Nobre Taveira
(FAU-USP / Bolsa Cultura e Extensão USP)
orientação: Profa. Dra. Paula Santoro (FAU-USP)
3. Considerações sobre o padrão de expansão
da área urbana dos municípios mineiros.
Blanca Valadares Ferreira
(DAU-UFV / Bolsa PIBIC-FAPEMIG)
orientação: Prof. Dr. Tiago Augusto da Cunha
(DAU-UFV)
4. As representações cartográficas oficiais e
não oficiais sobre Belo Monte: uma
comparação
Bruna Ribeiro e Maytê Coelho (IFSP e EC / Estágio
em pesquisa Projeto Contracondutas - EC)
orientação: Profa. Dra. Marta Lagreca (EC), Prof.
Dr. José Paulo Gouveia (EC) e Prof. Dr. Paulo
Roberto de Albuquerque Bomfim (IFSP)
5. Conviver com o Semiárido: a arquitetura
como uma ferramenta de apoio à resistência
das comunidades sertanejas
Yuka Perdigão Ogawa (DAU-UFC)
orientação: Prof. Dr. Renato Pequeno (DAU-UFC)
1. Conceitos e procedimentos projetuais
na obra de Peter Eisenman
Leandro Barros Nascimento
(USJT / Programa PIVIC-USJT)
orientação: Prof. Dra. Maria Isabel
Imbronito (USJT e FIAM-FAAM)
3. O desenho e os processos de produção da
arquitetura: os projetos do acervo de Ícaro de
Castro Mello
Glauber Triana Chacra e Sofia Villela Borges (EC /
Bolsas PE - Conselho Científico EC)
orientação: Prof. Ms. Fábio Mosaner (EC)
4. Arquitetura de usuários
Tatiane dos Santos Vidal
(Belas Artes SP / Bolsa IC - Belas Artes SP)
orientação: Prof. Dr. Ademir Pereira dos Santos
(Belas Artes SP e UNITAU)
5. A historicização do pensamento inclusivo
- uma análise histórica da inclusão de pessoas
com deficiência física por meio de uma
arquitetura acessível
Julia Lara Bayma de Souza Lima
(EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)
orientação: Prof. Ms. Pedro Lopes (EC)
115
MESA 3
Memória e cidade
comentário: Profa. Dra. Sabrina Studart Fontenele
(CPC-USP e IFCH-UNICAMP)
coordenação: Prof. Ms. Fábio Mosaner (EC)
1. Inventário do patrimônio
cultural de Limeira-SP
Matheus Januário da Silva
(FIEL / Bolsa PAPIC-FIEL)
orientação: Prof. Dr. Marcelo Cachioni (FIEL) e
Profa. Ms. Juliana Binotti Scariato (FIEL)
2. Memórias de Parelheiros: reconhecendo as
referências culturais da colonização alemã
Leila Silva de Souza (USJT / Programa PIVIC-USJT)
orientação: Profa. Dra. Andréa de Oliveira
Tourinho (USJT)
3. Avenida Rio Branco: transformações
e permanências em sua história urbana
(Rio de Janeiro, 1960 a 1989)
Andréia Feitoza de Oliveira
(FAU-USP / Bolsa FAPESP)
orientação: Profa. Dra. Flavia Brito do Nascimento
(FAU-USP)
4. A Praça XV do Rio de Janeiro: transformação
urbana na segunda metade do século XX
Laís Miki Inoue Nagano
(FAU-USP / Bolsa PIBIC-CNPq)
orientação: Profa. Dra. Flavia Brito do Nascimento
(FAU-USP)
5. Buenos Aires: memórias de dor
na paisagem urbana
Rebeca Lopes Cabral (EC / Bolsa FAPESP)
orientação: Profa. Dra. Marianna Boghosian Al
Assal (EC)
MESA 4
Modos de habitar
comentário: Profa. Dra. Glória Kok (MAE-USP e EC)
coordenação: Prof. Ms. Pedro Lopes (EC)
1. Casa-Aldeia: microcosmo
Thiago Benucci (EC / bolsa FAPESP)
orientação: Prof. Dr. Pedro Cesarino (FFLCH-USP)
2. A configuração física e simbólica dos espaços
domésticos segundo Gilberto Freyre
Gabriella Gonçalles (EC / Bolsa IC Conselho Científico EC)
116
orientação: Profa. Dra. Joana Mello
(EC e FAU-USP)
3. O Morar Moderno: o processo de
transformação do espaço da casa e da vida
doméstica pela revista o cruzeiro
Beatriz dos Santos Alves Ventura Fernandes
(FAU-USP / Bolsa FAPESP)
orientação: Profa. Dra. Joana Mello
(EC e FAU-USP)
4. Cidade habitada: percepções dos meios de
habitar o Conjunto Habitacional Jardim Edite
Ana Flávia de Siqueira Simão
(SENAC / Bolsa SENAC)
orientação: Prof. Ms. Ricardo Luis Silva (SENAC)
5. Relato de ocupação: moradia e imaginário
a partir do Hotel Cambridge
Bárbara Fernandes e Fernanda Colejo
(EC / Bolsas PE - Conselho Científico EC)
orientação: Prof. Dr. Gilberto Mariotti (EC)
MESA 5
Projeto, pressupostos e técnicas construtivas
comentário: Prof. Dr. José Eduardo Baravelli
(FIAM-FAAM e FAU-USP)
coordenação: Profa. Dra. Joana Mello
(EC e FAU-USP)
1. Concepções espaciais e práticas
pedagógicas: análise de obras arquitetônicas
referenciais no ensino público paulista
Miranda Zamberlan Nedel
(IAU-USP / Bolsa FAPESP)
orientação: Prof. Dr. Givaldo Luiz Medeiros
(IAU-USP)
2. Por uma arquitetura social: o legado
de Mayumi Watanabe de Souza Lima
Bruna Marchiori Souto
(EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)
orientação: Profa. Dra. Joana Mello
(EC e FAU-USP)
3. O emprego de estruturas metálicas
tridimensionais em quatro obras de Eduardo
de Almeida
Ugo Breyton Silva
(EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)
orientação: Prof. Dr. Cesar Shundi Iwamizu
(EC e FAU-USP)
4. Análise crítica da Pré-Fabricação e seus
canteiros de obra - os casos do Terminal 3 do
Aeroporto de Guarulhos e do Centro
Internacional SARAH de Neurorreabilitação e
Neurociências (RJ)
Carolina Bosio Quinzani e Mably Rocha (EC /
Estágio em pesquisa Projeto Contracondutas - EC)
orientação: Profa. Dra. Anália Amorim (EC e
FAU-USP) e Prof. Valdemir Lucio Rosa (EC)
5. Tipologia habitacional e o processo de
projetos participativos: análise crítica do
desenvolvido e tipologia do conjunto
habitacional COPROMO
Nathália Conte Mendes Batista
(FAU-MACK / Bolsa PIBIC-MACK)
orientação: Prof. Ms. Paulo Emilio Buarque
Ferreira (FAU-MACK)
MESA 6
Habitação social e políticas públicas
comentário: Profa. Dra. Paula Santoro (FAU-USP)
coordenação: Prof. Dr. Luis Octavio de Faria e Silva
(EC e USJT)
1. Locação Social em São Paulo: o caso do
Parque do Gato
Larissa Gomes (USJT / Programa PIVIC-USJT)
orientação: Prof. Dr. Luis Octavio de Faria e Silva
(EC e USJT)
2. Os Planos Locais de Habitação de Interesse
Social (PLHIS) e a política ambiental
Edson Maia Villela Filho (PUCPR)
orientação: Prof. Dra. Zulma das Graças Lucena
Schussel (PUCPR)
3. A construção do discurso dos atores
envolvidos na produção do Programa Minha
Casa Minha Vida
João Vitor Ferrari Rabelo e Eduarda Assis Carmo
(UFMG / Bolsa FAPEMIG)
orientação: Profa. Dra. Denise Morado
Nascimento (UFMG)
4. Casa para quem precisa: desequilíbrios
entre público alvo e atingido pelo Programa
Minha Casa, Minha Vida em Minas Gerais
e Espírito Santo
Lorena Gomes Ravazzi e Jorge Lira de Toledo
e Gazel (DAU-UFV / Bolsa PIBIC-FAPEMIG)
orientação: Prof. Dr. Tiago Augusto da Cunha
(DAU-UFV)
5. Avaliação da política pública do
governo brasileiro para a programação
de habitação social
João Paulo Gobbo de Sousa (UNITAU)
orientação: Prof. Dr. José Oswaldo Soares de
Oliveira (UNITAU)
MESA 7
Olhares e representações da metrópole
comentário: Profa. Dra. Silvana Rubino
(IFCH-UNICAMP)
coordenação: Profa. Dra. Fernanda Pitta
(EC e Pinacoteca-SP)
1. A cidade de São Paulo através de seus rios:
estudo de imagens fotográficas de fins do
século XIX até meados do século XX
Alexandre Kok Martins
(EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)
orientação: Profa. Ms. Amália Cristovão
dos Santos (EC)
2. Centro de São Paulo: identidade e cotidiano
a partir da produção de imagens fotográficas
Fiona Susan Platt (SENAC)
orientação: Prof. Ms. Ralf José Castanheira Flôres
(SENAC)
3. Cidade E Cinema: representações da
periferia no cinema brasileiro (Rio de Janeiro
e São Paulo)
Vinícius Okada Micheletto de Moraes D’Amico
e Jeanne Alves Vilela (IAU-USP / Bolsas PUB-USP)
orientação: Prof. Dr. Ruy Sardinha Lopes
(IAU-USP)
4. Aprendendo com as diferenças: comunidades
informais e autoconstrução em São Paulo
e Copenhagen
Julia Park (EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)
orientação: Prof. Dr. Luis Octavio de Faria e Silva
(EC e USJT)
5. Do lirismo ao caos: experimentação gráfica
sobre São Paulo a partir de Walter Benjamin
Guilherme Paschoal Ribeiro (EC / Bolsa PE Conselho Científico EC)
orientação: Prof. Ms. Alexandre Benoit (EC)
MESA 8
Cidade, espaços e sujeitos
comentário: Profa. Dra. Ana Castro (FAU-USP)
117
coordenação: Profa. Ms. Amália Cristovão dos
Santos (EC)
1. Patrimônio edificado no Brás
Yasmin Darviche (FAU-USP / Bolsa CNPq)
orientação: Profa. Dra. Beatriz Mugayar Kühl
(FAU-USP)
2. Área central do Rio de Janeiro: patrimônio
cultural, participação social e políticas urbanas
(1970-2000)
Renata Satie da Cruz (FAU-USP / Bolsa FAPESP)
orientação: Profa. Dra. Flavia Brito do Nascimento
(FAU-USP)
3. A Praça da Bandeira em São Paulo: ideias em
conflito, realizações e projetos interrompidos
Gustavo Marques dos Santos (FAU-USP / Bolsa
PIBIC-CNPq)
orientação: Prof. Dr. Renato Cymbalista (FAU-USP)
4. Na altura do olhar: três aproximações
sobre a Gal. Jardim
Tali Liberman Caldas
(EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)
orientação: Prof. Dr. Eduardo Costa (EC)
5. Análise comparativa de lugares públicos na
metrópole contemporânea: estudo sobre a
Praça Sílvio Romero e o Shopping Tatuapé,
São Paulo - SP
Teresa Cristina Barroso Vieira
(FAU-USP / Bolsa PIBIC-CNPq)
orientação: Prof. Dr. Eugenio Fernandes
Queiroga (FAU-USP)
orientação: Profa. Dra. Andréa de Oliveira
Tourinho (USJT)
3. São Paulo: duas cidades em uma. Um estudo
sobre a Galeria Metrópole e o Conjunto Cidade
Jardim
Debora Cristina da Silva
(EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)
orientação: Profa. Dra. Marina Grinover (EC /
FAU-USP)
4. Arquitetura e cidade na era do capital
financeiro - os espaços aeroportuários
Bianca Feliz Okamoto e Gabriel de Paula Biselli (EC
/ Estágio em pesquisa Projeto Contracondutas - EC)
orientação: Profa. Dra. Marianna Boghosian Al
Assal (EC) e Prof. Ms. Guilherme Petrella (EC e
USJT)
5. Desconstruindo o canteiro: o caso do
Terminal 3 - Aeroporto de Guarulhos
Rafaella Luppino e Stela Mori Neri Silva (EC /
Estágio em pesquisa Projeto Contracondutas EC)
orientação: Profa. Dra. Anália Amorim (EC e
FAU-USP) e Prof. Valdemir Lucio Rosa (EC)
MESA 10
Diálogos entre arte, cidade e arquitetura
comentário: Profa. Dra. Taisa Palhares (IFCHUNICAMP)
coordenação: Prof. Dr. Gilberto Mariotti (EC)
MESA 9
Cidade, arquitetura e dinâmicas do capital
comentário: Profa. Dra. Beatriz Kara José (Senac)
coordenação: Prof. Ms. Guilherme Petrella
(EC e USJT)
1. Fenomenologia da forma construída olhares tecidos sob as lentes ofuscadas pela
contemporaneidade: a metrópole na fotografia
de Michael Wesely
Beatriz Gomes Ferreira
(FAU-USP / Bolsa PIBIC-CNPq)
orientação: Prof. Dr. Guilherme Wisnik (FAU-USP)
2. Transformações e permanências na Barra
Funda: a área envoltória do Teatro São Pedro
Larissa Tesubake de Farias (USJT / Programa
PIVIC-USJT)
3. Moholy-Nagy e as representações estéticas
da metrópole através do audiovisual:
mapeamento e apreensão da realidade
1. Cidade Compacta e observação da Operação
Urbana Consorciada (OUC) Bairro do
Tamanduateí
Aline Gomes (USJT / Programa PIVIC-USJT)
orientação: Prof. Dr. Luis Octavio de Faria e Silva
(USJT)
118
2. Olhar feminino: a presença da mulher na
cidade moderna, percebida através da
fotografia de Alice Brill, Berenice Abbott e
Vivian Maier
Caroline Pimenta Medeiros
(SENAC / Bolsa SENAC)
orientação: Prof. Ms. Ricardo Luis Silva (SENAC)
José Tiago Belarmino de Lima
(SENAC / Bolsa SENAC)
orientação: Prof. Ms. Ricardo Luis Silva (SENAC)
4. A recepção do III salão de maio entre
movimentos artísticos brasileiros
Olívia Mendes Tavares
(EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)
orientação: Profa. Dra. Fernanda Pitta (EC e
Pinacoteca-SP)
5. Experiência, espaço, desenho: um olhar para
a obra de Lina Bo Bardi e os Neoconcretos
Pedro Feris Araujo
(EC / Bolsa PE - Conselho Científico EC)
orientação: Pro. Dr. Gilberto Mariotti (EC)
MESA 11
Arquitetura e identidades
construídas ou imaginadas
comentário: Profa. Dra. Maria Lucia Bressan
Pinheiro (FAU-USP)
coordenação: Profa. Dra. Marianna Boghosian Al
Assal (EC)
1. A Mesquita de Santo Amaro como
representação da cultura árabe em São Paulo
Henrique Garcia Prado
(USJT / Programa PIVIC-USJT)
orientação: Profa. Dra. Andréa de Oliveira
Tourinho (USJT)
2. A obra residencial de Severiano Porto em
Manaus: levantamento e análise comparativa
Isabella De Bonis Silva Simões
(EC / Bolsa VE - Conselho Científico EC)
orientação: Profa. Dra. Joana Mello
(EC e FAU-USP)
3. Modernos e brasileiros: o diálogo do Brasil
Arquitetura com o trabalho de Lina Bo Bardi e
Lucio Costa
Luana Espig Regiani (FEC-UNICAMP / Bolsa
FAPESP)
orientação: Profa. Dra. Silvana Rubino (IFCHUNICAMP)
4. Latin American Architecture since 1945:
história e historiografia
Laura Levi Costa Sousa (EC / Bolsa FAPESP)
orientação: Profa. Dra. Marianna Boghosian Al
Assal (EC)
5. Habitação social e identidade nos
Congressos Panamericanos de Arquitetura
Bruna Carolina de Souza Pereira (FEC-UNICAMP /
Bolsa PIBIC-CNPq)
orientação: Profa. Dra. Josianne Francia Cerasoli
(IFCH-UNICAMP)
MESA 12
Trabalho, trabalhadores e memória
comentário: Profa. Dra. Ana Lanna (FAU-USP)
coordenação: Prof. Dr. Eduardo Costa
(EC e IFCH-UNICAMP)
1. Patrimônio ferroviário na cidade de São
Paulo: a importância da linha Santos-Jundiaí
para os bairros do Tamanduateí
Paloma Silva Viana (USJT / Programa PIVIC-USJT)
orientação: Profa. Dra. Andréa de Oliveira
Tourinho (USJT)
2. Inventário das Arquiteturas do Patrimônio
Cultural Ferroviário na Associação dos
Municípios da Região Carbonífera - AMREC
Lays Juliani Hespanhol e Alice Bortoluzzi (UNESC
/ Bolsa PIC-SC)
orientação: Profa. Ms. Aline Eyng Savi (UNESC)
3. Chafarizes e a memória da
escravidão em São Paulo
Artur Santoro (FFLCH-USP / Estágio em pesquisa
Projeto Contracondutas - EC)
orientação: Profa. Ms. Amália Cristovão dos
Santos (EC) e Prof. Dr. José Guilherme Magnani
(FFLCH-USP)
4. Análise qualitativa da vila operária da
Companhia Antarctica Paulista
Denis Jesus Mignoli (USJT / Programa RIC-USJT)
orientação: Profa. Dra. Ana Paula Koury (USJT e
IEB-USP)
5. Etnografia do canteiro
e a cultura do trabalho escravo
Juliana Barbosa (FIAM-FAAM / Estágio em
pesquisa Projeto Contracondutas - EC)
orientação: Prof. Ms. Pedro Lopes (EC), Profa. Ms.
Amália Cristovão dos Santos (EC) e Prof. Dr. José
Eduardo Baravelli (FIAM-FAAM e FAU-USP)
119
Resumos dos trabalhos
MESA 1
Território, planejamento e direito à cidade
comentário: Prof. Dr. Caio Santo Amore (FAU-USP)
coordenação: Profa. Dra. Marta Lagreca (EC)
1. Observa SP: potencializar a pauta do direito
à cidade na política urbana de São Paulo
através da comunicação
Caroline Nobre Taveira (FAU-USP /
Bolsa Cultura e Extensão USP)
Orientação: Profa. Dra. Paula Santoro (FAU-USP)
O projeto ao qual esta pesquisa de iniciação científica se insere, o ObservaSP, tem como objetivo
analisar e monitorar políticas urbanas e intervenções urbanísticas implementadas através de instrumentos de transformação urbana, como Parcerias Público-Privadas ou concessões urbanísticas,
contribuindo para o fortalecimento da sociedade
civil organizada e suas redes através da qualificação do debate público em torno desses temas. Além
disso, o projeto traz como desafio produzir conhecimento crítico a partir da sua rede de pesquisadores, que envolve, além do LabCidade na FAU-USP,
equipes de outras instituições: em Belo Horizonte,
os grupos indisciplinar e Praxis, ambos da UFMG;
no Rio de Janeiro e em Fortaleza, pesquisadores
da IPPUR/UFRJ e do Lehab/UFC, respectivamente.
Assim, este projeto de iniciação colabora com apoio,
produção de conteúdo e imagens que dão suporte
a produção e disseminação de informações e conteúdos qualificados, por meio de ferramentas de
comunicação como o Blog ObservaSP (observasp.
wordpress.com), redes sociais como Facebook e
Twitter, além de uma newsletter mensal. Com isso,
e privilegiando o uso de linguagem acessível ao
público não especializado, procura difundir informações para a sociedade em geral, fomentar
120
debates e fortalecer as perspectivas do direito à
cidade na política urbana de São Paulo, de modo
a contribuir para a formação de uma opinião
pública capaz de influir no processo de tomada de
decisão e implementação destas políticas. Esta
pesquisa tem colaborado, inicialmente, com a definição dos temas que serão tratados nos textos
semanais disponibilizados no blog e nas redes
sociais, além de acompanhar a disseminação desse
conhecimento. Como a pesquisa está diretamente
ligada à acontecimentos que transformam a cidade,
decide-se coletivamente qual será a melhor ferramenta para movimentar/informar a sociedade civil
de acordo com o tema. Assim, a pesquisadora
decidiu quais ferramentas gráfico-políticas alternativas podem ser exploradas para se conseguir
acessar cada vez um número maior e mais qualificado de pessoas interessadas como vídeos curtos,
animações, ilustrações, mapas interativos, etc. A
pesquisa também preparou e disseminou o conteúdo de eventos acadêmicos, dialogando com professores, alunos e participantes externos. Para
alguns destes foram disponibilizados, além de
textos, os vídeos dos eventos na íntegra, diversificando a forma de disseminação dos conteúdos e
ampliando o número de acessos. Além destes
vídeos, mais longos, a equipe do projeto, incluindo
esta pesquisadora, fez uma campanha através de
um vídeo curto de animação, para explicar aos
cidadãos os efeitos de uma Medida Provisória em
debate no Congresso Nacional, a MP 700. Esta diversificação de linguagens - incluindo vídeos, animações, mapeamento dinâmico, ilustrações, entre
outros - procurou estimular a criatividade e caminhou frente aos desafios de ampliar a comunicação
direta com os cidadãos
2. Reflexos dos Planos Diretores nos
indicadores de infraestrutura urbana dos
municípios mineiros e paulistas
Juliana Manami Yoshida e Lucas Corrêa Maia
Freitas (DAU-UFV / Bolsas PIBIC e FAPEMIG)
orientação: Prof. Dr. Tiago Augusto da Cunha
(DAU-UFV)
A pesquisa investiga a correlação entre os Planos
Diretores e a qualidade da infraestrutura urbana
através dos preceitos da Lei Federal nº 10.257/2001,
também conhecida como Estatuto da Cidade. Infere-se que o Estatuto foi determinante para o
progressivo incremento da qualidade de vida
urbana, consequente do desenvolvimento dos serviços infraestruturais básicos: rede de abastecimento de água, rede de coleta de esgoto, resíduos
sólidos e energia elétrica. Pressupondo uma correlação direta e positiva entre ambas, entende-se
que quanto mais tempo houver para a maturação
de um Plano Diretor, melhor seria o acesso à infraestrutura básica. A Lei em questão entrou em
vigor no dia 10 de outubro de 2001, fruto dos Art.
182 e 183 da Constituição Federal de 1988, sendo
um de seus preceitos basilares o direito social da
propriedade. Nesse contexto, o Plano Diretor socialmente inclusivo é uma das ferramentas indicadas para garantir o direto às cidades sustentáveis,
e a infraestrutura, uma das benesses da urbanização que podem atuar para amenizar a desigualdade socioterritorial. Tendo em vista a implantação
dos Planos Diretores, foi estipulado um prazo
máximo de cinco anos após a aprovação da Lei,
ou seja, até o dia 10 de outubro de 2006. Dessa
forma, o recorte temporal adotado, de 2004 a 2013,
contempla situações anteriores e posteriores ao
prazo final de elaboração dos Planos, caracterizando a evolução da sua cobertura territorial e, da
mesma forma, suas implicações nas condições de
infraestrutura locais. Além disso, dois Estados diferentes foram selecionados como recorte territorial, para fins comparativos: Minas Gerais, devido
aos seus indicadores, em geral, apresentarem similaridade à média nacional e São Paulo, por representar uma realidade mais urbanizada e populosa, onde boa parte dos municípios cumprem os
quesitos da Lei 10.257/2011, fazendo com que os
efeitos dos Planos Diretores nos indicadores de
infraestrutura sejam possivelmente mais evidentes.
Por fim, foi criado um índice de infraestrutura
urbana (IIEU) que mapeia os domicílios particulares permanentes contemplados pelos serviços
básicos, sintetizando-os através de uma média
aritmética simples expressa em porcentagem.
Sendo assim, um dos principais objetivos dessa
investigação é compreender se a implantação do
Plano Diretor reflete no desenvolvimento da infraestrutura urbana, analisando o desenrolar de
sua cobertura territorial e, para alguns casos, os
desdobramentos de sua perenidade. Para tal, foram
utilizados dados da Pesquisa de Informações
Básicas Municipais - MUNIC, elaborada anualmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), onde apresenta a existência (ou não)
de planos diretores nas cidades mineiras e paulistas no período de 2004 a 2013. Também foi utilizada a Malha Digital Municipal (MDM) do IBGE (sem
escala, projeção cartográfica) para a criação de
cartogramas. Compreender a correlação entre
Planos Diretores e infraestrutura poderá elucidar
a eficácia dos mesmos no combate à desigualdade
socioterritorial. Algumas análises preliminares já
demonstram baixa correlação entre os distintos
âmbitos, evidenciando a existência de empecilhos
para a aplicação dos Planos, reforçando processos
de reprodução de desigualdades.
3. Considerações sobre o padrão de expansão
da área urbana dos municípios mineiros.
Blanca Valadares Ferreira (DAU-UFV / Bolsa PIBIC)
orientação: Prof. Dr. Tiago Augusto da Cunha
(DAU-UFV)
Os critérios de definição de áreas urbanas no Brasil
são estritamente administrativos. Na maioria dos
casos, a expansão das áreas urbanas não advém
de uma real necessidade a fim de fazer frente às
questões de adensamento populacional, controle
do custo fundiário, déficit habitacional, entre
outros. Na ausência de fundamentação técnica, o
meio urbano torna-se o alvo de interesses espúrios
de determinadas classes ao se transformar em
mercadoria. Por certo, o resultado do padrão de
crescimento urbano que floresce dessas bases é
discutível, pois gera mais passivos do que os
abranda. Não é exagero dizer que o solo se tornou
um dos principais produtos comercializados pelos
gestores municipais. Enfim, é tratado como produto
simplesmente e não como bem ou direito coletivo
e social. Por meio de dados do último Censo Demográfico observou-se a intensificação do processo de expansão da área urbana dos municípios
brasileiros, ilustrado pelo incremento do grau de
urbanização. Presume-se que, em grande medida,
este processo de crescimento urbano manifestou-se através de um padrão de propagação disperso
da malha urbana, regimes fundiários especulativos
e segregação, sobretudo socioespacial, dado as
121
carências infraestruturais ainda abismais em diversas localidades brasileiras. Por outro lado, as
taxas geométricas de crescimento populacional
arrefeceram nas últimas décadas. Em outras palavras, a elevada variação positiva da área urbana
não condiz com o crescimento populacional nestes
mesmos municípios ao longo do período determinado. Nesse sentido, interessa ao presente estudo
pesquisar a possível disritmia entre expansão
urbana e dinâmica populacional, ao menos indiciando processos de transformação de antigas áreas
rurais em urbanas e as implicações deste crescimento desenfreado e não pautado. Para isso, elege-se o Estado de Minas Gerais como recorte territorial. Opta-se por ele por em geral apresentar
valores - de diversos âmbitos - semelhantes à média
nacional. Ademais, há uma pluralidade tipológica
de municípios em Minas Gerais, desde regiões
metropolitanas de destaque até um universo de
pequenos municípios de menor expressão, onde
a especulação fundiária pode estar emergindo com
intensidade. Complementarmente, a década 20002010 é encarada como recorte temporal. Ela foi
escolhida por motivos práticos: não há dados suficientes de décadas anteriores. A partir dela é
possível comparar a situação de 120 dos 853 municípios mineiros. Será utilizada a variação da área
declarada urbana dos municípios de acordo com
os Censos Demográficos de 2000 e 2010, obtida por
meio do cômputo da área total dos seus setores
censitários segundo situação de domicílio (urbanos
e rurais) em razão da sua área total. Logo, as ferramentas SIG serão essenciais para a elaboração
deste exercício, particularmente o software ArcGis.
A partir disso, pretende-se associar este primeiro
dado a outros de caráter eminentemente demográfico, como: variação da população total, variação da população urbana e dos domicílios particulares permanentes urbanos ao longo do mesmo
período, grau de urbanização e taxa geométrica
de crescimento populacional anual. Espera-se que
o presente estudo esclareça distintas realidades
mineiras, aperfeiçoamento estratégias de planejamento local e regional.
4. As representações cartográficas oficiais e
não oficiais sobre Belo Monte: uma
comparação
Bruna Ribeiro e Maytê Coelho (IFSP e EC / Estágio
em pesquisa Projeto Contracondutas - EC)
orientação: Profa. Dra. Marta Lagreca (EC), Prof.
Dr. José Paulo Gouveia (EC) e Prof. Dr. Paulo
Roberto de Albuquerque Bomfim (IFSP)
122
A Usina Hidrelétrica de Belo Monte é a terceira
maior hidrelétrica do mundo, construída na bacia
do rio Xingu, próximo ao município de Altamira,
no norte do Pará. O projeto da concessionária Norte
Energia S.A. é uma obra contida no PAC - Plano de
Aceleração de Crescimento, programa do governo
federal lançado em 2007, que visa a construção de
obras de infraestrutura a fim de alavancar o desenvolvimento nacional, analogamente a planos
anteriores no Brasil. Desde o início, tal projeto é
acompanhado de controvérsias, principalmente
atreladas a impactos socioambientais. Dentre estes,
está a desterritorialização da população ribeirinha
e indígena, impactando diretamente o modo de
vida dessas comunidades, que já estão em condições vulneráveis, esquecidas e invisibilizadas por
esse mesmo ideal de planejamento que prevê a
construção dos grandes empreendimentos de infraestrutura. Além disso, há um grande contingente de trabalhadores para a construção deste empreendimento, oriundos de diversos estados
brasileiros, gerando uma migração complexa e
causando um inchaço na densidade demográfica
dos municípios lindeiros à usina, com consequências como: o aumento da criminalidade, de denúncias de violência contra a mulher, de drogadição,
exploração sexual, além da possível ocorrência de
trabalho análogo ao escravo, um fator ligado a
grandes obras da construção civil. Desse modo, a
presente pesquisa busca compreender e ressaltar
os processos geradores de conflitos sociais desencadeados pela construção de Belo Monte a partir
de procedimentos cartográficos e textuais, entendendo que a representação do espaço é ao mesmo
tempo produto da sociedade e indicador de como
ela é impactada. A importância da cartografia veio
da própria necessidade do indivíduo de reconhecer
o espaço e representá-lo intencionalmente. Espaço
este que contempla tanto as forças produtivas
quanto as relações de produção, portanto além de
espaço físico, arcabouço de matéria-prima, ele
também se torna mercadoria, desse modo, demonstrando que a cartografia também revela as formas
de construção social do espaço. Buscamos, através
da análise de representações cartográficas oficiais
e não oficiais, identificar suas convenções, perspectivas e período histórico. Descarta-se a premissa de neutralidade científica, observando o espaço
além desta visão quantitativa, a partir de uma
cartografia simbólica e real das relações sociais e
culturais, pela ótica da análise das ausências, afim
de compreender os processos ignorados ou ocultos
nos levantamentos oficiais. Portanto, visamos discutir esta rede de impactos, criticá-los a partir de
uma representação cartográfica que busque representar a organicidade dos conflitos sociais
gerados. A forma escolhida para a utilização deste
espaço deixa ausente, propositalmente, intenções
políticas, econômicas e sociais, carregando consigo
o caráter simbólico do desenvolvimento moderno.
Principalmente no presente estudo de caso, o qual
está situado em uma região marcada pela carência
de infraestrutura básica e por um ambiente de
violência, gerado pela ocupação irregular do território, grilagem de terras, dentre outras mazelas
as quais essa localidade foi condicionada em decorrência das políticas de planejamento implementadas no país
5. Conviver com o Semiárido: a arquitetura
como uma ferramenta de apoio à resistência
das comunidades sertanejas
Yuka Perdigão Ogawa (DAU-UFC)
orientação: Prof. Dr. Renato Pequeno (DAU-UFC)
Enfrentando a pior estiagem dos últimos 30 anos,
diversas comunidades no sertão nordestino brasileiro estão vulneráveis e sofrem com a falta de água,
sem a assistência técnica rural e os apoios governamentais necessários. Tal fator culmina em problemas sociais que atingem não só as regiões do
campo, mas alastram-se também na esfera urbana.
Um enorme contingente rural migra para cidades
despreparadas e desprovidas de infraestrutura
para o excedente populacional. A presente pesquisa visa investigar estratégias de convivência com
o semiárido que busquem evitar os processos de
êxodo rural, destacando o papel da arquitetura no
contexto da reconstrução das comunidades sertanejas. Diante das diversas catástrofes naturais enfrentadas no cenário mundial, em muitos casos de
maneiras devastadoras, os impactos gradativos que
vêm sendo provocados pela seca que atinge a região
semiárida brasileira desde o começo de 2012 não
recebem a assistência necessária. A seca ou estiagem é um fenômeno climático inevitável, mas o
processo de desertificação pode ser prevenido,
entendendo esse termo tanto no âmbito da natureza quanto da sociedade rural e urbana. Assim, o
trabalho tem como objetivo levantar estratégias de
desenvolvimento de projetos infraestruturais para
o contexto apontado, coletando um banco de dados
de experiências e projetos implementados no sertão.
A investigação de programas desenvolvidos por
organizações como a ASA (Articulação Semiárido
Brasileiro) - dentre eles a implementação de casas
de sementes, bancos de mudas, hortas, cisternas e
farmácias vivas - associado a um importante pro-
cesso de entrevistas e participação comunitária,
culminarão em um produto arquitetônico final de
infraestrutura que possa exercer um papel de mediador entre as populações afetadas e o acesso a
tais infraestruturas.
MESA 2
Processo e projeto em arquitetura
comentário: Profa. Dra Profa. Dra. Marta Bogea
(FAU-USP)
coordenação: Profa. Ms. Maira Rios (EC)
1. Conceitos e procedimentos projetuais na
obra de Peter Eisenman
Leandro Barros Nascimento (USJT / Programa
PIVIC-USJT)
orientação: Prof. Dra. Maria Isabel Imbronito
(USJT e FIAM-FAAM)
Peter Eisenman é um importante arquiteto estadunidense da segunda metade do século passado,
considerado um dos mais intensos agitadores da
crítica arquitetônica contemporânea e responsável
por desenvolver uma nova postura disciplinar,
tangenciada pelo experimentalismo de vanguarda
e pela abordagem conceito-ficcional. Sua arquitetura, embasada na autonomia da forma e na supremacia do processo, busca ser atemporal, atonal,
abstrata, atópica, arbitrária e sintática; ignorando
em muitos casos as demandas do lugar, do tempo,
do programa e do sujeito. Uma arquitetura não-clássica influenciada pelo anti-humanismo pós-estruturalista, expressa por ausências; e cuja maior
relevância se encontra na aflição inovadora dos
instrumentos tradicionais de legitimação do discurso arquitetônico e no estudo por novas estratégias de projetação, tais como a desconstrução e
o processo diagramático. Esta pesquisa tem como
proposta analisar a produção teórico-projetual de
Peter Eisenman, bem como situá-la e estabelecer
relações com os desdobramentos paradigmáticos
das narrativas recentes da arquitetura. Trata-se
de um trabalho bibliográfico e comparativo, subsidiado por textos críticos de autoria do próprio
arquiteto e de outros autores da disciplina e ainda
pela produção de diagramas explicativos, que
servem de intermediadores na compreensão do
discurso do arquiteto e sua realização prática por
meio do projeto. A pesquisa está dividida em duas
partes: (I) Contexto histórico, onde se faz uma breve
análise do discurso arquitetônico desde as vanguardas modernas até as arquiteturas contemporâneas da linguagem, enfatizando as transforma-
123
ções na ideia de lugar, sujeito (arquiteto e usuário),
forma e contexto; e (II) Conceitos e projetos, onde
são selecionados vinte ideias canônicas que estruturam a obra do arquiteto estudado e as relaciona
com dez projetos de sua autoria (construídos ou
não), por aplicá-las ou discuti-las. São abrangidas
três fases da carreira de Eisenman: Forma ou Casas
seriadas (1968-1978); Memória ou Cidades de escavação artificial (1978-1988) e Evento ou Dobra
(1988-atualmente).
2. O processo de projeto paramétrico e a
experiência da arquitetura
Amon Christian Lasmar (UFSJ / Bolsa PIBIC-FAPEMIG)
orientação: Profa. Dra. Marcela Alves de Almeida
(UFSJ)
A pesquisa de iniciação científica teve como objetivos: (1) Identificar práticas e metodologias de
desenvolvimento de projetos paramétricos que
são capazes de gerar arquiteturas menos determinadas e mais abertas à experiência espacial dos
usuários; (2) Indicar possibilidades de estender e/
ou transpor a lógica da parametrização, que ocorre
no processo de geração da forma, aos espaços
construídos; (3) Familiarizar-se com os sistemas
computacionais paramétricos visando entender a
lógica de funcionamento dos mesmos para o uso
corrente em propostas de projetos; (4) Obter produtos por meio de investigações projetuais paramétricas a nível experimental que visem à condição da experiência espacial/estética do usuário no
espaço construído; e, (5) A criação de um blog para
a divulgação dos resultados da pesquisa (http://
geometriasativas.tumblr.com/). A metodologia utilizada foi organizada em duas etapas: (E1) investigação teórica - que se refere à realização de uma
revisão bibliográfica para introdução e compreensão do tema abordado utilizando de materiais como
livros, artigos acadêmicos, de revistas, dissertações,
teses, web sites de arquitetura e design; criação de
um banco de dados a partir de uma pesquisa inicial
na internet para seleção de escritórios e projetos
paramétricos executados do qual foi feita uma
seleção de trinta projetos relevantes para investigação a respeito do processo de criação realizado
pelo escritório responsável; e (E2) investigação
prática - que se refere à realização de exercícios
básicos práticos para a compreensão e entendimento de modelagem paramétrica; neste caso optou-se pelo software de modelagem digital Rhinoceros em conjunto com o plugin Grasshopper; e,
por fim, a concepção de dez propostas projetuais
124
paramétricas experimentais. Dos resultados
obtidos, conclui-se que dos processos projetuais
paramétricos analisados e dos parâmetros gerais
de trabalho mencionados nos memoriais dos projetos apresentados pelos arquitetos responsáveis,
todos podem ser caracterizados como um exercício
intensivo de criação em busca de composições
geométricas complexas e inovadoras aliado a um
bom discurso midiático. Uma busca incessante por
produtos formais criativos e fortemente imagéticos.
Sobre a questão da experiência da arquitetura nos
trinta projetos selecionados (projetos de Zaha
Hadid Architects, Coop Himmelblau, Gehry Partners, Foster + Partners, UNStudio, HHDFUN e Mad
Architects), pode-se dizer que a experiência desta
“arquitetura inquieta” está vinculada a condição
do despertar de sensações nos corpos humanos
presentes, como de estranhamento e/ou deslumbramento, ao se adentrar em espacialidades que
aparentemente induzem a algum tipo de movimento e composição distorcida e também ao visualizar na paisagem urbana um corpo arquitetônico diferente, com uma composição duvidosa,
diferente do habitual, estranha: um tipo apenas
de experiência imagética da arquitetura. Além
disso, com a realização experimental dos dez
ensaios projetuais foi possível determinar um
caminho para o exercício do projeto paramétrico
crítico. O exercício consistiu em buscar identificar
e estabelecer vários diálogos com as possíveis
escalas presentes no sítio de intervenção com o
objetivo de proporcionar novas espacialidades que
sejam muito mais do que funcionais, que possibilitem a experiência espacial/estética do corpo
humano sem abrir mão da criatividade e da alta
tecnologia e que ao mesmo tempo respeite a identidade e memória do lugar.
3. O desenho e os processos de produção da
arquitetura: os projetos do acervo de Ícaro de
Castro Mello
Glauber Triana Chacra e Sofia Villela Borges (EC /
Bolsas PE - Conselho Científico EC)
orientação: Prof. Ms. Fábio Mosaner (EC)
A pesquisa pretende investigar os processos de
produção da arquitetura através da análise dos
desenhos de projetos do acervo do arquiteto paulista Ícaro de Castro Mello (1913-1986). O que move
nosso interesse é estudar a produção da arquitetura sob a perspectiva do ofício da profissão, dos
modos de trabalho, das escolhas técnicas envolvidas e das diferentes relações do arquiteto com a
produção da obra. Os desenhos são documentos
centrais para o estudo deste campo do conhecimento e exigem desenvolvimento e aplicação de
metodologias específicas de análise. Esta pesquisa
está inserida no contexto de uma crescente linha
de pesquisas acadêmicas no Brasil que procuram
delinear especificidades e metodologias para o
estudo do projeto de arquitetura. Por se tratar de
Pesquisa Experimental, pretendemos recorrer a
algumas metodologias de estudo aplicadas nas
recentes pesquisas acadêmicas neste campo, principalmente as metodologias que extrapolam a
produção textual, como análises gráficas, re-desenhos dos projetos, produção de modelos eletrônicos e maquetes.
4. Arquitetura de usuários
Tatiane dos Santos Vidal (Belas Artes SP / Bolsa IC
- Belas Artes SP)
orientação: Prof. Dr. Ademir Pereira dos Santos
(Belas Artes SP e UNITAU)
A pesquisa desenvolvida tem como base relatos
de arquitetos e urbanistas que se envolveram na
área que mais se aproxima do usuário; Hassan
Fathy, Hundertwasser, Paulo Bicca, Charles Jencks,
Joan Villá e o próprio movimento Do it yourself são
alguns autores estudados. Podemos encontrar na
teoria e na história da arquitetura autores que
questionam o arquiteto como o profissional
exclusivo e mais indicado para ser o responsável
por todo o processo de se conceber um projeto e
executá-lo. Há aqueles que dizem que a participação
do usuário é um fator significante e até mesmo
essencial para se conseguir um projeto íntegro no
que diz respeito ao seu potencial. E existem aqueles
que defendem a ideia de regressar às nossas
origens, quando o Homem produzia a arquitetura
de forma espontânea (conhecida como arquitetura
vernacular), como se fazia muito antes do
surgimento da figura do arquiteto. Afinal, qual a
postura que os arquitetos e urbanistas devem
adotar perante tamanha crise habitacional,
educacional, social, da saúde, econômica, e ética
que a sociedade está vivendo, levando em consideração que tais profissionais são capazes de
decidir e até mesmo influenciar na definição desse
quadro tão discrepante? Podemos dizer que o
nosso objeto de estudo monográfico é o próprio
ser humano e como este se relaciona com a produção do espaço. Será que é suficiente a exclusiva
responsabilidade deste profissional, ou não seria
conveniente e necessária a participação direta e a
vivência daquele a quem o próprio projeto se
destina? O arquiteto egípcio Hassan Fathy (1900-
1989) foi um dos primeiros a não importar ideologias arquitetônicas do Ocidente. Ele reconhecia
a arquitetura tradicional como resposta e uma
sábia fonte de técnicas e formas adequadas àquele
meio cultural e material, resultante de soluções
encontradas pela população para adaptarem-se ao
contexto no qual estavam inseridos. Ele apropriava-se desse conhecimento milenar, os aplicava e
traduzia em uma arquitetura correspondente ao
seu tempo. Outro autor estudado é o artista austríaco Friedensreich Hundertwasser (1928-2000),
que ganhou destaque na década de 1950 por sua
produção peculiar, que chegou a ser comparada a
de Antonio Gaudí. Suas obras carregavam um
posicionamento ideológico muito forte e se tornaram provas vivas de seus manifestos, nos quais ele
desenvolveu uma concepção impactante sobre a
relação do ser humano com o meio em que se
encontra. Acreditava que cada um de nós deveria
ser responsável pela construção da própria habitação e defendia que a presença da natureza e sua
essência orgânica era extremamente importante
para nos proporcionar qualidade de vida. Estas
duas breves apresentações apontam para visões
distintas sobre o ato arquitetônico. Perspectivas
diversas foram estudadas, mas um traço marcante percebido foi a estreita relação que deve haver
entre o “profissional” (arquiteto) e o “leigo” ou
usuário, para que se atinja um grau adequado de
satisfação. O estudo contempla manifestos, projetos, obras e até mesmo sistemas construtivos cuja
metodologia contemple a participação e o conhecimento técnico do usuário/leigo como aspecto
essencial da identidade necessária entre usuário-produtor e a arquitetura.
5. A historicização do pensamento inclusivo
- uma análise histórica da inclusão de pessoas
com deficiência física por meio de uma arquitetura acessível
Julia Lara Bayma de Souza Lima (EC / Bolsa IC Conselho Científico EC)
orientação: Prof. Ms. Pedro Lopes (EC)
O projeto de pesquisa proposto pretende abordar
em uma perspectiva histórica as barreiras e conquistas do movimento de pessoas com deficiência
no Brasil, dando prioridade à análise do discurso
da acessibilidade e inclusão. Procura-se sobretudo
discutir os desdobramentos da luta por acessibilidade dentro do campo da arquitetura, de forma a
compreender como esta reage e se transforma com
o tempo em paralelo aos desenvolvimentos das
conquistas das pessoas com deficiência no campo
125
da acessibilidade. Para tanto é necessário compreender alguns conceitos sobre deficiência que
mudaram a forma de se lidar com essas questões.
Para isso a pesquisa parte dos trabalhos da escritora Débora Diniz e o seu livro O que é Deficiência
e de Romeu Sassaki, pesquisador há 40 anos da
área de acessibilidade. Além disso se entende necessária a análise da aplicação prática destes conceitos para a arquitetura, e, portanto, propõe-se a
análise de duas obras contemporâneas da arquitetura brasileira, que tenham relevância no contexto arquitetônico e de acessibilidade. O objeto
da pesquisa é fornecer uma coleta de dados históricos sobre o tema, entendo que ainda há muito
silêncio sobre a questão da acessibilidade no campo
da arquitetura. A intenção é trazer para a discussão
da arquitetura do século XXI o debate recente
acerca do Desenho Universal, em conjunto com
uma análise crítica de como arquitetos se posicionam acerca da questão desde o início de seu debate
em 1950 até hoje.
MESA 3
Memória e cidade
comentário: Profa. Dra. Sabrina Studart Fontenele
(CPC-USP e IFCH-UNICAMP)
coordenação: Prof. Ms. Fábio Mosaner (EC)
1. Inventário do patrimônio
cultural de Limeira-SP
Matheus Januário da Silva (FIEL / Bolsa PAPIC-FIEL)
orientação: Prof. Dr. Marcelo Cachioni (FIEL) e
Profa. Ms. Juliana Binotti Scariato (FIEL)
Inventário é um instrumento de proteção do patrimônio cultural, reconhecido na Constituição
Federal em conjunto com o tombamento e o registro, como instrumento de tutela. Trata-se de minuciosa pesquisa de identificação e descrição de
bens culturais, utilizando critérios técnicos, históricos, sociais e artísticos, permitindo a catalogação
das principais características físicas e culturais.
Apresenta-se como meio eficaz de proteção, já que
as informações detalhadas recolhidas e catalogadas
servem de parâmetros para futuras intervenções
no bem. Caracteriza-se também como uma das
mais antigas formas de proteção do Patrimônio
Cultural em nível internacional, havendo registros
desde o século XIX na França como medida de
proteção de seus bens culturais e recomendada
pela Carta de Atenas. Enquanto o tombamento
normalmente tem como objetivo a salvaguarda de
126
bens considerados notáveis, o inventário tem
alcance mais amplo, podendo ser utilizado para a
proteção de bens culturais mais singelos, que
guardam elementos identitários de uma época,
comunidade ou lugar, reconhecendo o valor cultural de um bem e sua importância para a coletividade, visando sua preservação. Apesar de normalmente realizado pelo Poder Público, esta prática
não vem sendo realizada no município de Limeira-SP. Por meio do curso de Arquitetura e Urbanismo das Faculdades Integradas Einstein de Limeira,
a experiência vem sendo cumprida por meio da
disciplina Técnicas Retrospectivas, na qual os
alunos realizam o exercício de inventariamento.
Também, no âmbito do Programa de Iniciação
Científica da instituição, doze alunos realizam o
inventariamento de bens imóveis no município
desde agosto de 2015. O grupo foi dividido em três
equipes com o objetivo de levantar dados históricos, fotografar e desenhar os bens que comporão
as fichas de inventário. Os principais objetivos do
trabalho são: identificar e documentar os bens;
cadastrar e sistematizar as fontes documentais,
bibliográficas e cartográficas, para incentivar a
pesquisa histórica e iconográfica e possibilitar a
produção de estudos técnicos e autorais dos alunos
do curso; compreender o contexto histórico e social
dos bens e avaliar como se encontra a área estudada; preservar imagens e informações de imóveis
que eventualmente virão a desaparecer; envolver
os alunos nos levantamentos de campo a fim de
apreender os sentidos e significados atribuídos ao
patrimônio cultural e introduzir as discussões
acerca dos processos de descaracterização; subsidiar a implantação de uma Política de Educação
Patrimonial adequada ao município de Limeira;
entregar o produto final do inventário ao conselho
municipal, com o objetivo de subsidiar as ações de
preservação; publicar, em meio impresso e digital,
parte de seu conteúdo para conhecimento do
grande público. A elaboração compreende: levantamento e identificação dos bens; levantamento
de campo dos bens identificados e selecionados;
pesquisa histórica e arquitetônica; organização
sistemática das fichas; listagem final dos bens inventariados; mapeamento dos bens; preenchimento da ficha de cada bem inventariado com informações relativas à designação, localização,
propriedade, responsável, autoria, época, materiais, marcas, legendas, situação de ocupação,
análise do entorno, histórico, descrição, caracterização (técnica, estilo e iconografia), usos, proteções
legais existentes, análise do estado de conservação,
fatores de degradação, medidas de conservação e
intervenções realizadas, além de documentação
fotográfica.
2. Memórias de Parelheiros: reconhecendo as
referências culturais da colonização alemã
Leila Silva de Souza (USJT / Programa PIVIC-USJT)
orientação: Profa. Dra. Andréa de Oliveira Tourinho (USJT)
Parelheiros é um distrito da cidade de São Paulo
que se localiza no extremo sul da capital e caracteriza-se por muitos contrastes devido à sua ocupação por diferentes culturas. Porém sua característica significativa deve-se colonização alemã e
recebeu esse nome devido às corridas de cavalos
(Parelhas) entre os alemães e os brasileiros. Não
existe nenhum patrimônio cultural reconhecido
oficialmente pelos órgãos de preservação do patrimônio, exceto por sua cratera, situada em área
de proteção ambiental. Talvez, por esse motivo, a
maior parte dos estudos na região refere-se à sua
geomorfologia e seus problemas sociais. Existem
poucos estudos sobre o tema referências culturais,
e a maior parte do material escrito refere-se a
artigos, reportagens e comentários disponíveis na
internet. A pouca divulgação sobre o tema e o
desconhecimento por parte da população são aspectos negativos, que podem vir a ser remediados
com estudos de maior divulgação. Além disto, falta
uma visão integrada do tema, que concilie os aspectos históricos, sociais e ambientais envolvidos
na preservação do patrimônio daquela área. Desta
forma, a pesquisa pretende contribuir com uma
visão integrada destes aspectos visando à identificação dos lugares de memória da colonização
alemã em Parelheiros buscando trabalhar fora do
paradigma de se reconhecer um edifício ou lugar
como patrimônio apenas pelas suas características
construtivas ou arquitetônicas, mas adicionalmente identificar e reconhecer as referências culturais
para a proteção das memórias daquele grupo.
3. Avenida Rio Branco: transformações e
permanências em sua história urbana (Rio de
Janeiro, 1960 a 1989)
Andréia Feitoza de Oliveira
(FAU-USP / Bolsa FAPESP)
orientação: Profa. Dra. Flavia Brito do Nascimento
(FAU-USP)
A presente pesquisa tem como objetivo mapear a
transformação urbana da Avenida Rio Branco,
localizada na área central da cidade do Rio de
Janeiro, entre os anos de 1960 e 1989, isto é, entre
a década de mudança da Capital nacional para
Brasília e o período de redemocratização. A Avenida
é símbolo das forças republicanas e a imagem de
modernidade buscada na época de sua construção
no início do século XX, sob a administração do
Prefeito Pereira Passos. Contudo a imagem construída foi substituída por outras com o passar do
tempo, através da construção dos arranha-céus e
de outras linguagens arquitetônicas. Por meio do
levantamento de informações das edificações e
das ações urbanísticas, em relação às suas datas
(construção e demolição), seus arquitetos, as políticas urbanas, as transformações e os agentes
sociais e jurídicos envolvidos, pretende-se mapear
essas mudanças visando a realização de uma cronologia construtiva da Avenida. Sendo assim, pretende-se compreender parte dos processos de
transformação urbana, problematizando a renovação do espaço urbano e buscando entender o
quanto a Avenida foi transformada nesse período.
Para aprofundar o escopo da pesquisa serão utilizadas diversas fontes, tais como imagens fotográficas, cartografia, planos urbanísticos, documentos
textuais, teses, artigos e periódicos consultados em
instituições públicas e privadas da cidade de São
Paulo e do Rio de Janeiro. Estas informações serão
organizadas com o auxílio de tabelas Excel e do
software livre de georreferenciamento GQIS, o qual
utiliza da linguagem SIG (Sistema de Informação
Geográfica).
4. A Praça XV do Rio de Janeiro: transformação
urbana na segunda metade do século XX
Laís Miki Inoue Nagano
(FAU-USP / Bolsa PIBIC-CNPq)
orientação: Profa. Dra. Flavia Brito do Nascimento
(FAU-USP)
A pesquisa tem por objetivo principal compreender
os processos de transformação urbana na Praça
XV de Novembro do Rio de Janeiro na segunda
metade do século XX. Iniciando o período foco da
pesquisa, a construção em 1956 da Avenida Perimetral, via elevada que contornaria o centro do
Rio de Janeiro no seu limite com a Baía de Guanabara, afetou duramente a Praça XV, comprometendo a fruição de seus espaços bem como sua relação
visual com a o mar. Durante o período da ditadura civil-militar, importantes alterações nela foram
realizadas, como a construção de edifícios comerciais de mais de dez pavimentos sobre as edificações históricas, caracterizando um processo de
consolidação de um centro financeiro e de serviços
bem como do início de uma afirmação como um
127
polo cultural. A reação a tais processos de descaracterização levou às políticas de preservação dos
anos 1980 e início dos anos 1990, como as do projeto
do Corredor Cultural e tombamento da Praça XV
pelo IPHAN, de forma a tentar conciliar os espaços
existentes com o crescimento da cidade. Atualmente, poucos estudos trataram da transformação da
cidade no período da ditadura e dos projetos viários
e urbanísticos que se realizaram nas décadas de
1960 e 1970, ou seja, do processo de preservação
nas dimensões sociais, culturais e urbanas na sua
relação com as mudanças físicas da cidade. Sendo
assim, somando o fato da Praça XV possuir grande
significado na historiografia, a pesquisa possui
caráter inédito por estudar a transformação urbana
em suas imediações nesse período e como ela foi
tratada pelo poder público, quais as proteções
incidiram sobre ela e como os edifícios foram
mudando de feição, permitindo o entendimento
no que se refere à abertura de novos acessos,
aterros, demolições e grandes obras públicas. O
estudo dessas mudanças está sendo realizado por
três eixos principais. Primeiro, com a compreensão
das políticas de preservação na região central do
Rio, através de pesquisa e leitura de referências
textuais, documentais e legislativas. Além disso,
foi realizada a identificação, por meio da cartografia e iconografia, das transformações na Praça XV
e nas edificações de sua envoltória, majoritariamente, de lote e de gabarito, realizando-se uma
espécie de acervo. Como resultado, está sendo finalizado o mapeamento cartográfico da evolução
em linguagem SIG (Sistema de Informação Geográfica). Os mapas gerados são de três períodos
relevantes (1953/antes da Perimetral, 1975/depois
da implementação da Perimetral e 2015/processo
de demolição da Perimetral) e retratam a própria
evolução urbana, verticalização, tombamento, uso
do solo e cronologia construtiva. Como detalhamento desses mapas, estão sendo geradas algumas
vistas a partir da praça, bem como mapas mais
específicos acerca da legislação, principalmente
os planos de alinhamento em seu entorno imediato. O uso de programas na linguagem SIG na área
do patrimônio cultural vem crescendo como ferramenta de estudo, e, neste caso, os mapeamentos
são fundamentais para a compreensão dos processos sociais e transformações urbanas no conjunto
urbano da praça, sendo um resultado gráfico de
uma pesquisa que conta também com embasamento teórico e iconográfico.
5. Buenos Aires: memórias de
dor na paisagem urbana
128
Rebeca Lopes Cabral (EC / Bolsa FAPESP)
orientação: Profa. Dra. Marianna Boghosian Al
Assal (EC)
A pesquisa estuda as relações dinâmicas e muitas
vezes conflituosas que história e memória estabelecem com o espaço urbano. Constituem o objeto
central desta pesquisa as memórias relacionadas
à violência de Estado argentina referentes à última
e mais violenta ditadura vivida pelo país, entre os
anos 1976 e 1983. Com o fim da ditadura, os lugares
de memória coletiva relacionados às violências
de Estado foram reivindicados enquanto provas
jurídicas, espaços de significados políticos e simbólicos. Nesse contexto, disputas entre os diferentes grupos da comunidade deram origem à diversas formas de representações espaciais dessa
memória de dor. Para olhar esta questão, o estudo
conforma-se em duas frentes: a primeira atenta-se
à conformação dos percursos e caminhos que
formam uma topografia da dor na capital argentina; a segunda aproxima-se de um desses lugares,
o Parque de la Memoria - Monumento a las Víctimas
del Terrorismo de Estado. Objetiva-se, assim, compreender como essas memórias dolorosas foram
social e espacialmente construídas e representadas a partir e através da cidade de Buenos Aires.
MESA 4
Modos de habitar
comentário: Profa. Dra. Glória Kok (MAE-USP e EC)
coordenação: Prof. Ms. Pedro Lopes (EC)
1. Casa-Aldeia: microcosmo
Thiago Benucci (EC / bolsa FAPESP)
orientação: Prof. Dr. Pedro Cesarino (FFLCH-USP)
Constitui o objeto central dessa investigação as
diversas formas de habitar e construir a casa yanomami vista através de reflexões e estudos sobre
a sóciocosmologia yanomami. Essencialmente,
pretende-se demonstrar como a casa e a arquitetura yanomami transcendem aspectos puramente
formais, físicos, materiais, climáticos e tecnológicos.
Neste sentido, procura-se ensaiar sobre dimensões
outras que a arquitetura yanomami atinge e
dialoga, desde as relações entre a casa e aspectos
da organização social e ritual yanomami, passando pelas relações e intersecções entre a casa e o
xamanismo, até as relações entre a casa terrena e
as múltiplas casas nos diversos patamares do
cosmos yanomami. Através deste estudo, a dimensão que a casa ocupa no pensamento yanomami
se desdobrou para contornos outros, extrapolando
a dimensão física e atingindo outros níveis conceituais, visíveis e invisíveis, do corpo ao cosmos.
Mostrando-se assim para além da construção, uma
noção essencial. Desta maneira, pretende-se estruturar uma multiplicidade de assuntos, conceitos e
problemas relacionados ao tema da casa e da arquitetura yanomami. Além disso, vem sendo construída uma a rede de referências, comparativos e
paralelos constituída de outros exemplares de
arquitetura ameríndia, especialmente em território sul-americano e brasileiro, a fim de buscar
semelhanças e diferenças estruturais, formais ou
conceituais entre a casa yanomami e as diversas
outras habitações estudadas. Pretende-se assim
contribuir para o aprofundamento dos estudos das
habitações indígenas através de um estudo interdisciplinar, aproximando os campos da arquitetura e da antropologia, sobre os aspectos socioculturais que agem na produção e concepção do espaço
e da casa desta sociedade. Vale dizer, para concluir,
que o Trabalho de Conclusão a ser realizado neste
último semestre de graduação na Escola da Cidade
concretizará, em forma de ensaio teórico, o estudo
acerca da arquitetura e da noção de casa entre os
Yanomami, a partir do extenso referencial teórico-bibliográfico construído e consolidado durante
a pesquisa “Casa-aldeia: microcosmo”. Neste
sentido, o Trabalho de Conclusão desdobra-se como
uma possibilidade tanto de dar continuidade a esta
investigação quanto de consolidar e concretizar a
reflexão construída.
2. A configuração física e simbólica dos espaços
domésticos segundo Gilberto Freyre
Gabriella Gonçalles
(EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)
orientação: Profa. Dra. Joana Mello
(EC e FAU-USP)
Percorrer o universo doméstico é percorrer as
entranhas que orientaram as decisões não só técnicas para a sobrevivência sob o clima externo
mas também sob as decisões feitas para nos proteger contra tudo que não se assimile a ideia de
útero. Por mais anônimo e carregado de interesse
em solucionar problemas técnicos que seja os atos
na construção da habitação, eles são carregados
de intencionalidades de proteger o que é mais
intrínseco - por mais que o ato seja no princípio
funcional, ele carrega o desejo também de guardar
a alma humana. Apesar do caráter não conclusivo
e muitas vezes passional de dissertar de Gilberto
Freyre, o autor foi escolha central para a aproxi-
mação à influência que os espaços tiveram na
formação do brasileiro e como as condições econômicas e sociais que nos moldaram agiram sob
o desenho de nossa arquitetura do período da
colônia até começo do XX. O autor também foi
fundamental para o tema porque Freyre não se
atém somente ao plano funcional e técnico da
arquitetura da casa brasileira como reflexo das
mudanças no país, mas também a questões de
cunho subjetivo: o desenho de certos ambientes
mudava em razão de desejos de controle, pressões
hierárquicas dentro da casa e para proteger os
bens de uma família patriarcal. Freyre dá então
essa dimensão: de que as mudanças plásticas dos
ambientes muitas vezes não estão subordinadas
a questões técnicas, concretas e visíveis somente.
Muitas delas são explicadas pelos desejos de cobiça,
ego e poder de seus habitantes. Isso porque a casa
é, na verdade, o centro mais importante de adaptação do homem ao meio e que por isso a habitação
a ser construída tem que refletir o oposto do clima
inóspito exterior. Entender as escolhas tomadas
para a construção da habitação do brasileiro é
também conhecer o indivíduo que nela habita, sua
intensa formação patriarcal e semipatriarcal que
ainda continua atuar sobre ele em varias regiões
menos afastada, é um tipo social em quem a influência da casa se acusa em traços de maior significação. Ou seja, entender a casa descrita por Freyre
é entender o indivíduo que mora nela sem deixar
de ter em vista que o ambiente e o indivíduo são
dois componentes que se relacionam entre si e
influenciam um ao outro. Elementos de ordem
política, social, técnica, climatológica e psicológica
desenham os ambientes internos da habitação
assim como o indivíduo - que também fora constituído parte pelo meio - age na configuração plástica dos espaços. Adotada a casa como ponto de
partida analítica na obra Freyriana, palco onde se
materializou as irreconciliáveis polaridades do
sistema patriarcal e espaço para o seu amaciamento e mediação, na casa se irradiaram modelos de
comportamento, comandos, símbolos e, sobretudo,
relações sociais, a casa configura material e simbolicamente a base da sociedade. Tendo em vista
que “(...) os indivíduos são formados subjetivamente através de sua participação em relações sociais
mais amplas; e, inversamente, os processos e as
estruturas são sustentados pelos papéis que os
indivíduos neles desempenham” (HALL, 2011, 30)
a pesquisa visou compreender como a casa (entendida como habitat e lugar de estabilização psíquica) contribuiu para a formação do indivíduo e
como os elementos sociais exteriores a ela influen-
129
ciou em sua organização. Trata-se, portanto, de
enfrentar, como fez Freyre, as esferas histórico-sociais e o individuo nas suas inter-relações.
3. O Morar Moderno: o processo de transformação do espaço da casa e da vida doméstica pela
revista o cruzeiro
Beatriz dos Santos Alves Ventura Fernandes
(FAU-USP / Bolsa FAPESP)
orientação: Profa. Dra. Joana Mello
(EC e FAU-USP)
A pesquisa procurou avaliar o papel da imprensa
na divulgação dos preceitos da arquitetura
moderna entre o público leigo nos anos 1950, focalizando na leitura da revista ilustrada brasileira
O Cruzeiro. Interessava investigar em que medida
tais preceitos encontravam ecos na sociedade brasileira dos anos 1950 e, portanto, como as mudanças sociais em curso e nos padrões de domesticidade podem explicar a sua aceitação por um
público mais amplo de clientes privados. Para
tanto, foram analisados 132 exemplares da revista
- referentes a cada mês do período entre
janeiro/1950 e dezembro/1960 e disponíveis no
acervo da Biblioteca e Centro de Documentação
do MASP - registrando-se os conteúdos dos mesmos
em tabelas com os seguintes temas: papel da
mulher; funcionalidade e racionalidade no uso e
organização dos espaços; praticidade dos objetos
e relação com a máquina; sugestão de materiais
ou técnicas construtivas; sociabilidade doméstica;
e representação da arquitetura. Paralelamente,
textos de apoio permitiram a compreensão do
contexto histórico-cultural e arquitetônico e o entendimento dos papéis da mulher e da imprensa
na sociedade da época, auxiliando na problematização do material da revista. Tal metodologia
revelou que a principal contribuição da revista à
divulgação da arquitetura e domesticidade modernas se deu através de reportagens sobre arquitetura moderna brasileira, colunas sobre comportamento feminino e cuidados com a casa, além de
propagandas de eletrodomésticos, móveis, utensílios domésticos e materiais para construção e
reforma. Os eletrodomésticos aparecem com destaque, com diferentes produtos e opções de marca
para auxiliar na realização das tarefas da cozinha
e de limpeza da casa. Os aparelhos prometiam
economia de tempo e esforço e maior qualidade
nos serviços, chegando até mesmo a ser apresentados como equivalentes às empregadas domésticas. Concluiu-se que a revista O Cruzeiro contribuiu
para a promoção de um estilo de vida metropoli-
130
tano e para a formação de um repertório moderno
que contemplava a preocupação com a economia
e a flexibilização dos espaços; a mecanização das
tarefas domésticas e configurações menos formais
de sociabilidade, que apontaram o período como
um momento de transição de padrões estéticos e
de comportamento. Embora possa se considerar
uma contribuição da revista à modernização da
casa e da domesticidade, é importante apontar que
sua influência diz respeito sobretudo a classes
médias e altas de São Paulo e Rio de Janeiro, não
refletindo portanto o todo da população brasileira.
Além disso, há contradições nesse processo de
modernização, como por exemplo, a presença ainda
extensiva de empregadas domésticas e a reafirmação de valores tradicionais relativos à família e ao
papel da mulher.
4. Cidade habitada: percepções dos meios de
habitar o Conjunto Habitacional Jardim Edite
Ana Flávia de Siqueira Simão
(SENAC / Bolsa SENAC)
orientação: Prof. Ms. Ricardo Luis Silva (SENAC)
A “Cidade Habitada”, que dá nome a este projeto,
está inserida na linha de pesquisa “Cidade
Mapeada”, do programa de Iniciação Científica do
Senac. Trata-se de questões, ainda em desenvolvimento, do habitar coletivo, estudado a partir do
Conjunto Habitacional Jardim Edite, situado na
Zona Sul da cidade de São Paulo. As maneiras de
atuação do corpo humano sobre o espaço, nas diferentes épocas e em diferentes lugares, originam
o habitar, diretamente relacionado com o surgimento da existência do homem na Terra. Estabelece-se então uma relação entre o habitante e o
lugar habitado, uma experiência afetiva, na qual
o homem domestica o espaço, e em que as maneiras de se habitar tornam-se parte da essência do
seu ser e demonstram sua identidade, mais do que
ato de apenas morar. A arquitetura tem papel fundamental nesta ação, uma vez que abriga esse
habitar. O habitar coletivo, mais complexo e presente nas cidades contemporâneas, se dá por meio
de uma arquitetura que atende as questões estruturais de moradia atrelada as vivências de seus
moradores, agora habitantes. O objeto de estudo
proposto, um conjunto habitacional, é um elemento significativo da cidade contemporânea pois reúne
elementos como a habitação unifamiliar e equipamentos públicos, como uma creche, um posto de
saúde e um restaurante escola, que propiciam melhores condições para o habitar. Diante de uma
ação tão simples do cotidiano do homem e tão cheia
de significados tanto para ele quanto para o meio
em que habita, o entendimento dessas relações
afetivas com o espaço contemporâneo foi embasado pelas teorias de quatro autores selecionados:
Martin Heidegger (1889-1976), filósofo alemão considerado um dos principais pensadores da fenomenologia; Christian Norberg-Schulz (1926-2000),
arquiteto, autor, professor e teórico de arquitetura;
Juhani Pallasmaa (1936-), arquiteto, professor e
pesquisador; e Friedensreich Hundertwasser (19282000), artista austríaco, conhecido como o pintor-rei
das cinco peles. A forma de escrita destes autores
permitiu a seleção de palavras que dão significados
específicos ao habitar, como o “resguardo” e o “espaço-entre”, de Martin Heidegger, “paisagem” e o
“assentamento”, de Christian Norberg-Schulz, entre
outras selecionadas que formam um glossário singular, e que serão identificados posteriormente no
objeto habitado escolhido.
5. Relato de ocupação: moradia
e imaginário a partir do Hotel Cambridge
Bárbara Fernandes e Fernanda Colejo
(EC / Bolsas PE - Conselho Científico EC)
orientação: Prof. Dr. Gilberto Mariotti (EC)
Admitindo desde o princípio a organicidade e incertezas presentes na Ocupação no Hotel Cambridge na região central da cidade de São Paulo, coordenada pela FLM (Frente de Luta por Moradia),
o trabalho é o resultado de uma coletânea de registros, relatos e reflexões da experiência vivida
pelas pesquisadoras durante os dez meses de
estudo. Inicialmente a pesquisa se desenvolveu a
partir de visitas à ocupação transcritas em relatos
produzidos separadamente entre as duas pesquisadoras. Tal formato pluralizou a discussão sobre
as circunstâncias do lugar em determinado recorte
no tempo - os dias de visita - alimentando a percepção do local para o desenvolvimento do trabalho. A própria dinâmica da pesquisa, ao se colocar
suscetível ao encadeamento de eventos da ocupação, fez com que a cada ida o olhar sobre a mesma
fosse se transformando, questionando e redirecionando as ideias iniciais da pesquisa, bem como os
próprios relatos. Um fato importante para a FLM
e que influenciou diretamente no andamento da
pesquisa foi o denominado Abril Vermelho, quando
numa madrugada dezesseis imóveis sem função
social na cidade foram ocupados. Tais ocupações
são um ato de denúncia que revelaram a quantidade de edifícios vazios na cidade, principalmente no centro, e o descaso do poder público em
relação a questão habitacional da cidade, mostran-
do também à sociedade a existência de um movimento altamente organizado em busca do direito
à moradia, mesmo que a mídia de alta circulação
reporte uma visão tendenciosa sobre os fatos, principalmente chamando-os de invasão. Assim progressivamente a esfera coletiva do movimento se
tornou cada vez mais predominante no trabalho,
aproximando-se da líder Carmen Silva, culminando em uma conversa que evidenciou em seu discurso os conceitos e práticas políticas na ocupação,
vivenciados ao longo da pesquisa. Juntamente às
visitas, a pesquisa contou com um embasamento
bibliográfico (contendo livros e filmes) apoiando
questões notórias do período de vivência com o
movimento. O texto “O Narrador” de Walter Benjamin foi fundamental para o desenvolvimento da
pesquisa, uma vez que se optou por vivenciar a
ocupação através de visitas, relatando as experiências espacial e social que tivemos; “Ideologia”
de Terry Eagleton e “A Invenção do Cotidiano” de
Michel de Certeau, que fomentaram a discussão
sobre o discurso político da luta por moradia e a
espacialização do mesmo.
MESA 5
Projeto, pressupostos e técnicas construtivas
comentário: Prof. Dr. José Eduardo Baravelli
(FIAM-FAAM e FAU-USP)
coordenação: Profa. Dra. Joana Mello
(EC e FAU-USP)
1. Concepções espaciais e práticas pedagógicas: análise de obras arquitetônicas referenciais no ensino público paulista
Miranda Zamberlan Nedel
(IAU-USP / Bolsa FAPESP)
orientação: Prof. Dr. Givaldo Luiz Medeiros
(IAU-USP)
Intrinsicamente associada à consolidação e difusão
das premissas modernas em São Paulo, a arquitetura escolar pública reúne diversos exemplos em
que as concepções espaciais promovem novas
possibilidades de relações sociais e de formação.
Aborda-se os edifícios de ensino segundo a relação
entre arquitetura e concepção pedagógica, compreendendo a condição espacial como elemento
determinante na constituição de um ambiente
educacional, enquanto Paideia (NOSELLA, 2002).
Com o fim de avaliar o papel da arquitetura escolar
na formação dos indivíduos e cidadãos, buscou-se
realizar um estudo historiográfico da relação entre
arquitetura e educação, centrado na produção
131
pública paulista, a partir do Convênio Escolar
(1949), abrangendo o Instituto de Previdência do
Estado de São Paulo (IPESP, 1959-1966), o Fundo
Estadual de Construções Escolares (FECE, 19601976), a Companhia de Construções Escolares do
Estado de São Paulo (CONESP, 1976-1987) e a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE,
1987-). Por meio de procedimentos metodológicos
voltados essencialmente à coleta, análise e síntese
de material bibliográfico e iconográfico, se desenvolveram aproximações sucessivas ao tema da
pesquisa, amparadas por análises do contexto e
das políticas públicas vinculadas ao ensino. Pretendeu-se, pelo método histórico comparativo,
elaborar uma análise das obras mais representativas de cada período, a fim de formar um quadro
crítico e inferir considerações a respeito do vínculo
entre arquitetura e educação. A pesquisa visa contribuir para a compreensão dos processos consequentes à constituição da arquitetura brasileira,
assim como dos contextos históricos, sociais, políticos, econômicos e culturais que a engendraram.
Para verificar as implicações entre concepções
espaciais e práticas pedagógicas em um período
chave para a constituição das políticas públicas no
estado de São Paulo, abordou-se, conjuntamente,
a formulação, definição e consolidação das práticas
pedagógicas adotadas contemporaneamente no
ensino público. O percorrer do aparelhamento
institucional da educação comparece enquanto
forma de compreensão da importância da demanda
educacional para a revisão das concepções a respeito do espaço de ensino, assim como das atribuições das escolas e da constituição do que viria a
ser denominado enquanto Escola Paulista. Sintomático de tais discussões, se não é possível afirmar
uma correspondência e efetivo diálogo entre pedagogos e arquitetos, através da aparente autonomia das soluções arquitetônicas frente às concepções pedagógicas, percebe-se na proposição dos
arquitetos modificações de ordem programática,
que revelam a importância da escola enquanto
reduto de formação social e cultural mais ampla.
Assim, através das permanências e variações arquitetônicas ao longo dos períodos estudados prenunciam-se interferências pedagógicas distintas,
devido à conformação de ambientes escolares
variados e às diferentes relações pedagógicas pretendidas, através da importância atribuída aos
espaços de sociabilidade (manifestos na recorrência dos espaços dos recreios cobertos e pátios externos), da continuidade espacial proposta e o
entendimento do potencial crítico social da arquitetura, de sua função política, a qual consolidará
132
as escolas públicas enquanto o grande equipamento social do estado de São Paulo. Escolas como
ensaios das concepções sociais de seus arquitetos,
as quais almejam irradiar-se para as cidades e que
constituem o ambiente fundamental para discussão da relação entre a prática educacional e os
espaços nas quais se desenvolve.
2. Por uma arquitetura social: o legado de
Mayumi Watanabe de Souza Lima
Bruna Marchiori Souto
(EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)
orientação: Profa. Dra. Joana Mello
(EC e FAU-USP)
O objeto da pesquisa aqui apresentada foi estudar
a obra da arquiteta nipo-brasileira Mayumi Watanabe de Souza Lima (1934-1994), cuja carreira e
maior parte das obras se concentrou em São Paulo
(1976 - 1993). Graduada na FAU-USP em 1956,
Mestra em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília em 1965, e Doutora em Educação
pela FE-USP em 1989, Mayumi contribuiu significativamente para a reflexão acerca das questões
sociais das cidades, sobretudo a moradia popular
e o ensino básico. Assumindo um posicionamento
crítico e investigativo sobre o desenho dos espaços
coletivos, sempre sob o viés do usuário, a arquiteta publicou dois livros: “Espaços Educativos - Uso
e Construção” (1988) e “A Cidade e a Criança” (1989).
Através de fotografias, excertos de jornais, desenhos e outros materiais do acervo pessoal da arquiteta - localizado no Centro de Memória Sérgio
Buarque de Holanda (Fundação Perseu Abramo,
SP), investigou-se sua trajetória ao longo dos anos
como militante, docente e arquiteta no setor
público. A seleção de projetos analisados para a
pesquisa concentrou-se no período final de sua
carreira, onde houve maior produção de espaços
coletivos - sobretudo escolas infantis -, quando
existia a fábrica CEDEC (Centro de Desenvolvimento de Equipamentos Urbanos e Comunitários) de
elementos de argamassa pré-fabricada, técnica
estudada por Mayumi e João Filgueiras Lima “Lelé”
quando trabalharam juntos no CEPLAN de Brasília
na década de 60. Mayumi era a coordenadora geral
dos trabalhos da EMURB (Empresa Municipal de
Urbanização), chefe do EDIF (Departamento de
Edificações) e diretora do CEDEC, quando Luiza
Erundina era a prefeita de São Paulo nos anos 90.
A pesquisa pretendeu compreender qual a amplitude dessa arquitetura social defendida por
Mayumi e de que forma podemos encarar e repassar seu legado, tão recente e pouco divulgado - até
mesmo dentro do ensino de Arquitetura e Urbanismo nas Universidades brasileiras.
3. O emprego de estruturas metálicas tridimensionais em quatro obras de Eduardo de Almeida
Ugo Breyton Silva
(EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)
orientação: Prof. Dr. Cesar Shundi Iwamizu
(EC e FAU-USP)
As estruturas metálicas aparecem logo no início
da larga produção de Eduardo de Almeida, em
pequenos projetos residenciais de estrutura mista
nos primeiros anos da década de 1960. Essa produção se desdobra em projetos de forma e escalas
radicais para os concursos nacional e internacional
do Pavilhão Brasileiro na Exposição Universal de
Osaka e do Centro Georges Pompidou, na passagem
para a década de 1970, com o emprego de treliças
metálicas tridimensionais. Esta solução estrutural
se repete nos projetos para a fábrica Altemio
Spinelli e no Escritório da Morlan, construídos em
São Paulo. Estes quatro projetos foram selecionados para pautar uma investigação acerca do
emprego de estruturas metálicas tridimensionais
na obra de Eduardo de Almeida, localizando-a
dentro dos contextos da produção arquitetônica
nacional e internacional a partir da metade do
século XX. Essa investigação deve ocorrer a partir
de duas frentes de pesquisa: 1) um amplo levantamento bibliográfico a respeito da pós-modernidade (na perspectiva apresentada por Fredric
Jameson) e da produção (nacional e internacional)
em arquitetura neste período, discutida por uma
gama de teóricos da arquitetura (Wisnik, Montaner,
Banham, Rouilard, entre outros); 2) e uma análise
minuciosa dos desenhos e modelos tridimensionais
produzidos por Eduardo de Almeida para estes
projetos, assim como a produção de um novo material (re-desenhos e modelos tridimensionais)
destes.
4. Análise crítica da Pré-Fabricação e seus
canteiros de obra - os casos do Terminal 3 do
Aeroporto de Guarulhos e do Centro Internacional SARAH de Neurorreabilitação e Neurociências (RJ)
Carolina Bosio Quinzani e Mably Rocha (EC /
Estágio em pesquisa Projeto Contracondutas - EC)
orientação: Profa. Dra. Anália Amorim (EC e
FAU-USP) e Prof. Valdemir Lucio Rosa (EC)
A presente pesquisa insere-se no Projeto Contracondutas, que parte de questões abertas pela fis-
calização e flagrante de situações relacionadas ao
trabalho escravo em uma grande obra em Guarulhos - Aeroporto Internacional Terminal 3 - para,
através de pesquisas acadêmicas entre outras estratégias, levantar, analisar, debater, problematizar e comunicar de forma abrangente a situação
do trabalho análogo ao escravo na indústria da
construção civil, refletindo sobre seus rebatimentos na produção da arquitetura e do planejamento urbano de infraestrutura na escala do território
nacional. No caso especifico dessa pesquisa, será
feita uma análise crítica a partir do sistema construtivo pré-fabricado usado no aeroporto, e de sua
comparação com outro exemplo emblemático nas
reflexões sobre pré-fabricação. Toma-se assim
como objeto o Terminal 3 do Aeroporto de Guarulhos e o Centro Internacional SARAH de Neurorreabilitação e Neurociências (RJ). Os dois projetos
serão comparados em aspectos que vão desde o
desenho do pré-fabricado até o encaixe das peças,
passando por todo o processo construtivo. A comparação pretende mostrar como os diferentes mecanismos empregados na obra influenciam na
eficiência econômica, na questão ambiental e,
principalmente, na qualidade laboral no canteiro
de obras. O projeto de João Filgueiras Lima (Lelé)
surgiu como contraponto significativo para essa
pesquisa visto que o arquiteto conseguiu criar um
canteiro de obras em que os trabalhadores estariam
expostos a jornadas de trabalho menos exaustivas,
tanto do ponto de vista das horas trabalhadas
quanto do ponto de vista da ergonomia; também
mais educativas, devido ao trabalho nas oficinas
no Centro de Tecnologia da Rede Sarah (CTRS),
onde os trabalhadores aprenderam novos ofícios
e não perderem seus respectivos empregos, já que
ele participou de todas as etapas do projeto e da
obra. Entretanto, na maioria das construções o
arquiteto participa apenas até o projeto preliminar
e tal processo permite casos como o do Terminal
3, que violou os direitos dos trabalhadores por
expô-los a uma situação de trabalho não formal,
em que eles foram privados da proteção prevista
pela CLT, além de deixá-los em uma situação degradante de insalubridade, alimentação e moradia
enquanto eram mantidos como uma mão de obra
de reserva para o canteiro desta obra. Com a análise
crítica da tecnologia e do planejamento usados no
canteiro de obra, essa linha de pesquisa pretende
encontrar possíveis atitudes que o arquiteto pode
ter para humanizar o canteiro, com uma intenção
clara de resgatar a ideologia de João Filgueiras
Lima. Pretende-se, então, tecer reflexões sobre as
implicações sociais das escolhas técnicas, de ma-
133
teriais e de trabalho adotadas pelo arquiteto que
podem culminar na realização de um canteiro de
obra mais humanizado ou não.
5. Tipologia habitacional e o processo de
projetos participativos: análise crítica do
desenvolvido e tipologia do conjunto habitacional COPROMO
Nathália Conte Mendes Batista
(FAU-MACK / Bolsa PIBIC-MACK)
orientação: Prof. Ms. Paulo Emilio Buarque
Ferreira (FAU-MACK)
O artigo desenvolve uma análise tipológica do
conjunto habitacional COPROMO, construído pela
CDHU com a assessoria técnica USINA-ctah, em
1992, período considerado paradigmático na construção habitacional para baixa renda no Brasil.
Trabalha-se com um exemplo de mutirão autogerido, tendo um processo de desenvolvimento que
parte do princípio da simbiose entre arquitetos e
moradores na elaboração conjunta de projeto,
gerenciamento e execução da obra. Apresenta-se,
assim, o conjunto habitacional construído a partir
de um sistema participativo, com a produção de
mil unidades habitacionais de mesma tipologia.
Os estudos desta pesquisa se iniciaram a partir da
investigação de conjuntos habitacionais que
tiveram como característica o processo de construção participativo e mutirão, adotando este fator
como um elemento de escolha do estudo de caso
que norteia a pesquisa, COPROMO. Dado o seu
processo de concepção e execução, apresentando
uma tipologia curiosa que foge dos padrões de
habitação popular, o método construtivo adotado
acabou limitando um valor projetual importante
no contexto da habitação de interesse social, a
flexibilidade tipológica. Diante da arquitetura, a
qualidade de flexibilidade pode ser direcionada a
duas vertentes: flexibilidade conceitual e flexibilidade permanente, termos abordados nos referentes artigos de Perreira (2013) e Tramontano
(1993). A flexibilidade conceitual permite ao
morador ter um papel participativo na definição
e escolha de um “programa funcional” do projeto,
adequado a sua dinâmica e cotidiano, personalizando o espaço doméstico de acordo com suas
necessidades. A flexibilidade permanente refere-se
à fase de utilização, na qual a habitação pode sofrer
ou não modificações na característica física do
espaço. Atribuindo aos espaços domésticos a capacidade de polivalência no que se refere ao uso
dos distintos compartimentos. Dado este panorama,
o objetivo desta pesquisa é justamente investigar
134
os fatores e diretrizes que nortearam o COPROMO;
busca-se compreender como e porque o conceito
flexibilidade, em um projeto que questiona os
métodos e resultados usualmente utilizados em
projetos de habitação de interesse social e que traz
os moradores a participarem desde a concepção a
execução, não está presente em sua tipologia final.
Parte-se do levantamento de seu contexto histórico, para o desenvolvimento de uma análise crítica
sobre as soluções tipológicas adotadas. Questionam-se não apenas as soluções técnicas, mas
também o modo como seus atuais moradores se
apropriam do espaço; apresentam-se, portanto,
diferentes olhares sobre o COPROMO: o olhar
histórico de produção habitacional no Brasil entre
as décadas de 30-90; olhar do processo de mutirão
autogerido e participação do morador; olhar da
obra; olhar dos moradores e olhar do arquiteto.
MESA 6
Habitação social e políticas públicas
comentário: Profa. Dra. Paula Santoro (FAU-USP)
coordenação: Prof. Dr. Luis Octavio de Faria e Silva
(EC e USJT)
1. Locação Social em São Paulo: o caso do
Parque do Gato
Larissa Gomes (USJT / Programa PIVIC-USJT)
orientação: Prof. Dr. Luis Octavio de Faria e Silva
(EC e USJT)
Os programas de habitação social no Brasil têm
tido como modalidade preponderante (quase única)
a aquisição de unidades de moradia. Para algumas
situações, seja por dinâmicas familiares, seja por
questões financeiras, é interessante oferecer a
modalidade de locação social, algo pouco praticado
no caso brasileiro. O presente trabalho tem como
objetivo de estudar a modalidade de locação social
como possibilidade de habitação social, tendo como
base a observação de parâmetros referentes na
cidade de São Paulo, suas normativas e conjuntos
construídos, na intenção assim, de contribuir desta
maneira para a compreensão dessa possibilidade.
A locação social tem como objetivo desvincular o
valor do aluguel do custo do imóvel e o vincular
às possibilidades de pagamento das famílias. Assim,
mantendo o imóvel como propriedade pública
impedindo que a população beneficiada fique submetida à pressão do mercado imobiliário, ou que
seja expulsa com a valorização das áreas centrais
onde se encontra o programa de locação social que costuma ser confundido com outros progra-
mas, como o aluguel social. Assim sendo, são necessárias a definição de Locação Social, Aluguel
Social e Bolsa Aluguel nesse trabalho; além do
levantamento da legislação referente à locação
social em São Paulo atual e na sua criação, fazendo
também comparação com outras legislações, como
a de Curitiba no Paraná; e na análise específica do
caso Parque do Gato. Foram levantados os problemas encontrados, na busca de entender a transição
para propriedade individual e também a definição
de como é hoje o conjunto habitacional, assim
explicando o modo de financiamento utilizado, os
termos contratuais, para entender como este é
burlado, e o modo que todo o processo ocorre até
a situação atual.
2. Os Planos Locais de Habitação de Interesse
Social (PLHIS) e a política ambiental
Edson Maia Villela Filho (PUCPR)
orientação: Prof. Dra. Zulma das Graças Lucena
Schussel (PUCPR)
A área habitacional no Brasil sofreu várias intervenções em suas bases e estruturas, além de uma
nova composição em sua política nacional desde
o início do século XXI, principalmente pela aprovação do Estatuto das Cidades. O Ministério das
Cidades elaborou a Política Nacional de Habitação
(PNH), o Sistema Nacional de Habitação (SNH) e o
Plano Nacional de habitação (PlanHab) para gerenciar recursos e o equacionamento das necessidades brasileiras. Coube aos municípios desenvolverem Planos Locais de Habitação de Interesse
Social (PLHIS) para orientar a tomada de decisões,
corrigir irregularidades e conseguir recursos para
ações habitacionais. Porém, com a criação do Programa Federal Minha Casa Minha Vida em 2009,
a política habitacional foi atingida pela falta de
planejamento e integração com o novo plano. Essa
pesquisa busca relacionar os PLHIS de cada município pois eles possuem questões e ações em
comum. O desenvolvimento do trabalho foi dividido em três partes: fundamentação teórica, visitas
/ entrevistas e análise dos Planos de Habitação. A
primeira foi realizada com a leitura de artigos e
elaboração de resenhas. A etapa seguinte corresponde a comparação realizada entre a teoria e a
prática. Por último, a análise dos Planos foi executada com a elaboração de tabelas para cada município: Araucária, Campina Grande do Sul,
Colombo, Curitiba, Pinhais, Quatro Barras e São
José dos Pinhais. Os resultados dessa análise são
muito parecidos, pois foram elaborados pela
mesma empresa (Ecotécnica Tecnologia e Consul-
toria Ltda.) ou apresentam necessidades em
comum. Foi visível uma falta de integração entre
os Planos das cidades vizinhas, pois somente com
o planejamento conjunto será possível solucionar
problemas comuns.
3. A construção do discurso dos atores envolvidos na produção do Programa Minha Casa
Minha Vida
João Vitor Ferrari Rabelo e Eduarda Assis Carmo
(UFMG / Bolsa FAPEMIG)
orientação: Profa. Dra. Denise Morado Nascimento (UFMG)
Entendendo o campo das políticas habitacionais
como permeado por interesses econômicos e políticos, buscamos na presente pesquisa analisar
como empreendimentos de produção habitacional
para famílias de baixa renda que visam a redução
do déficit habitacional, mais especificamente o
Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), se
consolidaram e se legitimaram enquanto práticas.
O PMCMV, subsidiado pelo governo federal, fundamenta-se sobre uma imposição ideológica do
modelo de propriedade privada a ser adquirida
ao longo do tempo, negando o debate historicamente presente na construção das políticas habitacionais por meio da participação dos movimentos de luta pela moradia. O programa busca
implementar, em nível nacional, um modelo de
prédios padronizados de apartamentos de 40m2
em sua grande maioria, erigidos em áreas
periféricas da cidade com inserção urbana
questionável, os quais são entregues às famílias
de baixa renda cadastradas pelo poder público
local. Péssimas localizações; grandes deslocamentos
urbanos a que têm sido submetidas boa parte das
famílias beneficiárias; expansão horizontal das
cidades com criação de vazios especulativos;
segregação urbana nas diversas escalas;
padronização da produção por todo o país
independentemente das condições bioclimáticas
e culturais; baixa qualidade construtiva; altos
custos de manutenção; falta de regulação pública
da produção são algumas das características que
têm sido frequentes nas avaliações feitas do
programa. À vista disso, partimos do pressuposto
de que o processo de construção de uma realidade
social, enquanto simbolicamente constituída, não
está alheio à existência de relações de poder e que
estas se expressam também na linguagem sob a
forma de discursos, entendidos aqui como espaços
de disputa ideológica por excelência. Com efeito,
a compreensão da consolidação de práticas
135
similares ao PMCMV como estratégias eficientes
no combate ao déficit habitacional perpassa o
âmbito do discurso que as legitima socialmente.
Nesse cenário, a posição privilegiada da mídia na
construção simbólica da realidade é inegável, ainda
que seja um ambiente heterogêneo e em constante
disputa. Sendo assim, a proposta pretende analisar
conteúdos jornalísticos eletrônicos que tratam do
PMCMV na Região Metropolitana de Belo Horizonte,
Minas Gerais, com o objetivo de desvelar o discurso
midiático que cristaliza as políticas habitacionais.
É importante ressaltar que a intenção não é fazer
uma análise sobre a forma como indivíduos
internalizam o conteúdo dos meios de comunicação,
mas explorar como o discurso midiático é compatível com a realidade social das estruturas de produção do espaço urbano exatamente por constituí-la, enquanto imposição ideológica dominante.
Reportagens digitais que tratam do tema do PMCMV
e dos empreendimentos presentes nas cidades da
RMBH foram coletadas para, em seguida, serem
classificadas por categorias e analisadas pelos conteúdos. Espera-se, ao final, explicitar a construção
do discurso dos atores envolvidos na produção da
moradia.
4. Casa para quem precisa: desequilíbrios entre
público alvo e atingido pelo Programa Minha
Casa, Minha Vida em Minas Gerais e Espírito
Santo
Lorena Gomes Ravazzi e Jorge Lira de Toledo e
Gazel (DAU-UFV / Bolsa PIBIC-FAPEMIG)
orientação: Prof. Dr. Tiago Augusto da Cunha
(DAU-UFV)
Após 2002, novos instrumentos e objetivos foram
adicionados à política habitacional nacional, voltados à inclusão e equidade social ao garantir
acesso à habitação à população financeiramente
mais carente. Nesse sentido, interessa ao presente
estudo investigar a acurácia do Programa Minha
Casa, Minha Vida (PMCMV), elucidando se os
aportes estão, de fato, atingindo a população mais
privada de meios físico-financeiros para adquiri-la.
A bibliografia recente aponta o contrário. Presume-se, portanto, que a relação público alvo/público
atingido divirja. Para tanto, investiga-se as possíveis
incongruências no abrandamento do déficit habitacional, destrinchando Minas Gerais e Espírito
Santo, haja vista a pressão por novas moradias a
partir do crescimento populacional e sua concentração espacial. Pretende-se então averiguar se as
habitações do PMCMV estão sendo acessadas pela
população menos abastada (0 a 3 salários mínimos).
136
Nesse sentido, espera-se contribuir com a formulação (ou reformulação) de políticas públicas habitacionais de âmbito regional e nacional. Para
isso, se fez necessária a caracterização do déficit
habitacional absoluto segundo municípios de MG
e ES, com base em dados provenientes da Secretaria Nacional de Habitação (SNH), da Caixa Econômica Federal (CEF) e da Fundação João Pinheiro.
Os dados, por sua vez, compreendem os empreendimentos aprovados - não necessariamente
executados - até 2013 nos estados em questão.
Opta-se por utilizá-los como recorte territorial,
haja vista que apresentam os mais significativos
valores absolutos de déficit habitacional da União.
Os empreendimentos do Programa Minha Casa,
Minha Vida nos estados de MG e ES, foram mapeados com o auxílio do software ARCgis, ora separados por faixa de renda, ora por demanda e acesso.
Embora recentemente tenha ocorrido um reavivamento da política habitacional tanto em termos
conceituais como econômicos - com a injeção de
grandes somas de recursos financeiros, frutos de
um cenário macroeconômico favorável - a questão
do déficit básico perdura. Há indícios que estratos
populacionais mais carentes continuam delegados
a um segundo plano, fomentando o ciclo de reprodução e acentuação de desigualdades socioespaciais. O corrente projeto se enquadra como um dos
primeiros objetivos de um projeto de pesquisa
mais amplo denominado “Os efeitos do Programa
Minha Casa, Minha Vida no abrandamento das
desigualdades infraestruturais regionais brasileiras”, encabeçado pelo grupo registrado no Diretório CNPq “Território & Desigualdades” da Universidade Federal de Viçosa (UFV), contando com a
colaboração de diversos pesquisadores de outros
centros de estudos.
5. Avaliação da política pública
do governo brasileiro para a programação
de habitação social
João Paulo Gobbo de Sousa (UNITAU)
orientação: Prof. Dr. José Oswaldo Soares de
Oliveira (UNITAU)
O desenvolvimento da Política Social do governo
brasileiro no período compreendido entre 2003 e
2014 propiciou um novo patamar de inclusão social
do contingente de moradores abrangidos pelo Programa Minha Casa, Minha Vida, em detrimento de
possíveis percalços enfrentado pela implantação
das atividades do setor construtivo inerentes a sua
inclusão no meio urbano em expansão nas médias
e grandes cidades, atrelados a processos especu-
lativos da terra, a situações de dificuldades de
acesso ao transporte e até mesmo de problemas
construtivos presentes nos edifícios resultantes. A
pesquisa, por meio empírico, se desenvolverá de
modo a compreender a situação dos programas de
habitação social no município de Taubaté. Optando
por um trabalho de fontes primárias, buscando
entender as expectativas dos moradores dos programas de habitação de políticas públicas, será
elaborado um roteiro temático com auxílio do
Grupo de Pesquisa Socioambiental - UNITAU e do
LAPSI-USP. O roteiro será divido em duas fases:
questionário aberto e questionário dirigido. Tal
questionário será aplicado a uma parcela de 2%
desta população, para que tenhamos subsídios
para uma posterior análise do grau de satisfação
dos habitantes em relação a seu abrigo e ao meio
urbano do qual está inserido.
MESA 7
Olhares e representações da metrópole
comentário: Profa. Dra. Silvana Rubino
(IFCH-UNICAMP)
coordenação: Profa. Dra. Fernanda Pitta
(EC e Pinacoteca-SP)
artigos servirão como base teórica tanto do estudo
da cidade de São Paulo quanto da discussão da
fotografia como documento histórico.
2. Centro de São Paulo: identidade e cotidiano
a partir da produção de imagens fotográficas
Fiona Susan Platt (SENAC)
orientação: Prof. Ms. Ralf José Castanheira Flôres
(SENAC)
Este projeto busca estudar a(s) memória(s) e a(s)
identidade(s) da cidade de São Paulo a partir da
produção de representações visuais de sua paisagem urbana - fotografias - e sua difusão por compartilhamento em redes sociais, mais especificamente o Instagram, aplicativo para smartphones.
As imagens analisadas foram selecionadas a partir
da hashtag (indexador) “centro de São Paulo” ou,
na linguagem do aplicativo, #centrodesaopaulo, e
estão em um recorte temporal estabelecido entre
os meses de agosto a dezembro de 2014. Produzidas
por pessoas comuns, estas imagens constituem um
acervo documental digital espontâneo e coletivo,
em constante crescimento e, através delas, acredita-se poder identificar elementos para a construção de uma identidade para a cidade.
1. A cidade de São Paulo através de seus rios:
estudo de imagens fotográficas de fins do
século XIX até meados do século XX
Alexandre Kok Martins
(EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)
orientação: Profa. Ms. Amália Cristovão dos
Santos (EC)
3. Cidade E Cinema: representações da
periferia no cinema brasileiro
(Rio de Janeiro e São Paulo)
Vinícius Okada Micheletto de Moraes D’Amico e
Jeanne Alves Vilela (IAU-USP / Bolsas PUB-USP)
orientação: Prof. Dr. Ruy Sardinha Lopes
(IAU-USP)
A pesquisa tem como objetivo compreender a
relação criada entre a cidade e os quatro principais
rios de São Paulo - Anhangabaú, Tamanduateí,
Tietê e Pinheiros -, no período que se estende do
fim do século XIX até meados do século XX. O estudo
se baseará numa análise comparativa entre fotografias dos rios tiradas no período destacado, buscando apontar também como se deu a expansão
da cidade e quais os motivos que levaram a que
fossem realizadas as grandes obras de intervenções
nos rios. As fotografias, que serão a principal fonte
de documento da pesquisa, serão levantadas e
selecionadas a partir de estudos em acervos fotográficos, como Brasiliana Fotográfica, Arquivo
Público do Estado de São Paulo, Arquivo Histórico
da Cidade de São Paulo, Acervo Fotográfico do
Museu da Cidade de São Paulo (Casa da Imagem)
e o acervo online do Instituto Moreira Salles. Paralelamente a isso, a leitura de alguns livros e
As presentes pesquisas têm por objetivo analisar
a representação social e arquitetônica das periferias das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo no
cinema nacional brasileiro dos anos 1950 até a
atualidade, no sentido de apreender as mutações
da imagem do “ser da periferia” e sua articulação
com os processos de empresariamento da cidade,
em curso desde a década de 1990. Está baseada no
levantamento bibliográfico e cinematográfico
acerca das periferias carioca e paulistana, sua
análise e sistematização em busca de suas principais características e especificidades. Os chamados
megaeventos fizeram surgir no Rio de Janeiro uma
nova postura com relação à periferia. Existe um
esforço em tornar os morros, favelas e comunidades segregadas parte integrante da cidade asfaltada e em transformar o imagético desses territórios,
mesmo que para essa transformação seja necessário o emprego de violência por parte da polícia.
137
O que antes era visto como território de violência
e pobreza agora passa a ser visto como mercado
consumidor em potencial, gerador de conteúdo
artístico e fonte de empreendimentos. A mídia
surge como consolidadora desse esforço em promover a imagem da favela pacificada, agindo por
meio do apoio e exaltação das novas políticas públicas em andamento. Ela aparece como instrumento fundamental para o sucesso das manobras
que visam transformar a carência das favelas em
potencialidade. Da mesma maneira, o cinema
acompanha o contexto de mudanças históricas das
comunidades. A construção de três imagens distintas da periferia através dos tempos (a favela
romantizada do cinema de 1950, a periferia tomada
pela violência no cinema das décadas de 1990/2000
e a favela em processo de pacificação veiculada
pela mídia a partir de 2008) não caracteriza apenas
um reflexo de como as periferias são encaradas
nesses diferentes momentos, mas também interfere no modo como elas são vistas pela sociedade.
De maneira análoga, a cidade de São Paulo apresenta uma história segregadora, cujo crescimento
urbano sempre se deu de modo a “empurrar” as
comunidades mais pobres para as zonas periféricas, cada vez mais longe dos centros e perto das
áreas menos nobres. Nas primeiras décadas do
século XXI, alguns fatores acarretaram a necessidade de mudança do perfil imagético antes propagado a respeito da periferia. Novamente a mídia
surge como consolidadora desse esforço e o cinema
nacional auxilia na construção desse novo imagético urbano. A partir dessas percepções, as presentes pesquisas buscam compreender a importância
do cinema na criação e modificação do imaginário
sobre as periferias, bem como a maneira pela qual
essas comunidades são influenciadas e atingidas
por este.
4. Aprendendo com as diferenças: comunidades informais e autoconstrução em São Paulo e
Copenhagen
Julia Park (EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)
orientação: Prof. Dr. Luis Octavio de Faria e Silva
(EC e USJT)
O objeto de estudo desta pesquisa é a produção
vernacular de duas comunidades informais em
contextos opostos localizadas nas cidades de São
Paulo e Copenhague, nas quais observamos analiticamente práticas e técnicas de autoconstrução.
Como situações em contextos tão diferentes - climáticos, ambientais, materiais, econômicos, sociais
e culturais - poderiam se aproximar através das
138
práticas e técnicas da autoconstrução? Existem
padrões similares de técnicas e práticas de autoconstrução entre comunidades em contextos tão
diferentes? Toda construção carrega um processo
‘biográfico’ que é moldado a partir dos diferentes
processos de mudança e adaptação, sendo isto
especialmente relevante para as construções dos
territórios marginalizados onde a produção original está caracterizada pelas limitações econômicas,
espaciais e humanas e nas quais projetam-se desejo
de uma futura continuação de expansão. Acreditamos que a transmissão de conhecimentos tradicionais e práticas - formais e informais - passa por
um processo criativo onde os sujeitos “negociam,
interpretam e adaptam o conhecimento e as experiências adquiridas ao presente” (Vellinga, 2006).
Os espaços de moradia marginalizados alteram as
noções de centro-periferia e de nação-cidadania a
partir da apropriação desses espaços e de suas
práticas culturais. Para Michael Rios, são novos
espaços de imaginação, reivindicação que geram
“material thinking and collaborative human action”
e questiona o modo como urbanistas planejam e
atuam em cima de diretrizes fixas. O interesse em
estudar as comunidades informais dessas cidades
provém do fato de que ambos os casos, incontestavelmente, são parte da realidade local. São Paulo
com suas favelas e Copenhague com Christiania.
Em cada situação as comunidades reagem e utilizam de recursos que dispõem conforme suas necessidades e disponibilidade, dinâmica que está
diretamente relacionada a sua produção arquitetônica. Por estarem inseridos em sistemas mais
orgânicos e menos restritos, as construções locais
refletem esse caráter mais espontâneo. Esta pesquisa se dedica a tentar compreender como as
práticas construtivas dessas comunidades levaram
a tais resultados. No primeiro período de pesquisa,
uma extensa pesquisa bibliográfica foi feita. Articulou-se a caracterização e descrição tanto das
cidades quanto das comunidades escolhidas, detalhando as características contextuais geográficas,
históricas e socioeconômicas dos dois lugares, além
de afinar os conceitos utilizados e alinhar a argumentação com uma seleção de autores. Já um
segundo período pode ser caracterizado por uma
pesquisa de campo, incluindo entrevistas feitas in
loco e procurando obter importantes fontes e para
se estabelecer um critério de comparação benéfico para o estudo, a partir das práticas e procedimentos de construção das comunidades. Alimentada de materiais documentados e fotografados,
esta etapa culminou no Catálogo Analítico Comparativo, que propõe a caracterizar paralelamente
os bairros Jardim Colombo e Christiania, tanto na
sua materialidade, quanto na composição. Através
da categorização de elementos e situações presentes no cotidiano de ambas, se procura encontrar
similaridades e disparidades entre elas, para que,
somado às informações adquiridas da bibliografia
e entrevistas, se possa compreender visualmente
e concluir o que as comunidades poderiam extrair
uma da outra.
5. Do lirismo ao caos: experimentação gráfica
sobre São Paulo a partir de Walter Benjamin
Guilherme Paschoal Ribeiro (EC / Bolsa PE - Conselho Científico EC)
orientação: Prof. Ms. Alexandre Benoit (EC)
O trabalho tem a ambição de compreender o autor
Walter Benjamin em seu tempo e sua leitura de
cidade. Para tal, enxergamos no “Obras escolhidas
III: Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo” o grande cerne de nosso intuito de pesquisa, pois entendemos que seja nesta obra onde
Walter Benjamin a partir dos poemas de Charles
Baudelaire conceitua a modernidade e consequentemente as mudanças vividas na cidade. A partir
desta leitura, extrapolamos alguns dos conceitos
e exercícios propostos por Benjamin para o Brasil
e nossas cidades, em especial São Paulo, afim de
investigar graficamente formas de representar
alguns espaços públicos desta cidade. A pesquisa
terá como objetivo a elaboração de um livro-objeto, no qual a própria narrativa amarre estas formas
de pensamento (teoria e desenho).
MESA 8
Cidade, espaços e sujeitos
comentário: Profa. Dra. Ana Castro (FAU-USP)
coordenação: Profa. Ms. Amália Cristovão dos
Santos (EC)
1. Patrimônio edificado no Brás
Yasmin Darviche (FAU-USP / CNPq)
orientação: Profa. Dra. Beatriz Mugayar Kühl
(FAU-USP)
A pesquisa, desenvolvida entre agosto de 2013 e
julho de 2014, tratou do levantamento do patrimônio edificado em um perímetro específico do bairro
do Brás, delimitado pelas Ruas Inácio de Araújo,
Bresser, Coimbra, Dr. Costa Valente, Dr. João Alves
de Lima, e Hipódromo. Dadas as modificações na
conformação urbana do bairro - desde o estabelecimento do padrão de ocupação típico de um bairro
industrial, até os dias atuais - resultantes da dinâmica da metrópole, a pesquisa procurou identificar
os elementos estruturadores da área que pudessem
ser de interesse para preservação. Considerando
que os últimos levantamentos desse tipo foram os
inventários realizados pela EMURB, e pela COGEP
com o DPH, na década de 1970, surgiu o interesse
do Departamento do Patrimônio Histórico, da Secretária Municipal de Cultura, em estudos como
este, pois seus resultados podem oferecer subsídios
para a elaboração de um novo inventário e políticas públicas de preservação para o bairro. A pesquisa esteve articulada com outros projetos de
iniciação científica, propostos conjuntamente
através de grupos de pesquisa da FAU-USP e da
UNIFESP, coordenados respectivamente pelas Professoras Dras. Beatriz Mugayar Kühl e Manoela
Rossinetti Rufinoni, junto ao Núcleo de Apoio à
Pesquisa “São Paulo: Cidade, espaço, memória”,
cabendo ao grupo da FAU-USP o estudo do Brás.
Participaram do projeto as alunas: Bruna Dedini,
Gabriela Piccinini, Renata Campiotto, Tarsila
Andriole e, atualmente, Luiza Nadalutti. Os projetos levam o mesmo tema e seguem mesma metodologia, porém estudam perímetros diferentes no
bairro para que, quando vistos em conjunto, forneçam um diagnóstico aprofundado e completo
sobre o patrimônio do Brás. Durante a primeira
etapa de trabalho foi estudada a bibliografia básica
de história da cidade, história do bairro, e história
da arquitetura, para construção de conhecimento
sobre a área tratada e criação de domínio sobre
as questões a serem enfrentadas. Além disso, foram
analisados documentos de arquivo, a cartografia
da área e levantados os bens tombados em nível
municipal e estadual. O aprofundamento dos
estudos para o perímetro específico, realizado
durante a segunda etapa, baseou-se em análises
cartográficas - comparando a organização urbana
atual da área com mapas antigos, principalmente
o Sara Brasil -, e visitas a campo, buscando exemplares de interesse para a pesquisa. Como forma
de organização dos elementos levantados, foram
realizados mapas indicativos da volumetria, das
características arquitetônicas e dos elementos que
compõem a dinâmica da região - edifícios voltados
para o comércio. Como forma de proposta foi organizado um mapa no qual são indicados os elementos passíveis de serem preservados. A pesquisa apresenta a permanência de exemplares
históricos do bairro industrial na área em estudo.
Porém, estes exemplares estão em risco de demolição dadas as modificações pelas quais a área vem
passando, seja por consequência de planos urba-
139
nísticos, ou por parte da especulação imobiliária.
A região apresenta muitos remanescentes da arquitetura de caráter cotidiano, sendo pequeno o
número de edifícios de arquitetura monumental,
e nenhum bem tombado. Muitas vilas, casas e
antigos galpões ainda permanecem, respondendo
às dinâmicas locais. Embora alguns estejam em
mau estado de conservação, o patrimônio se
mantém, materializando a memória do bairro.
2. Área central do Rio de Janeiro: patrimônio
cultural, participação social e políticas urbanas
(1970-2000)
Renata Satie da Cruz (FAU-USP / FAPESP)
orientação: Profa. Dra. Flavia Brito do Nascimento
(FAU-USP)
A proposta da pesquisa é estudar o processo de
preservação da área central da cidade do Rio de
Janeiro no decorrer do século XX. Para tanto, procura-se compreender as intervenções urbanísticas
executadas ou apenas projetadas desde o início do
século até a década de 1970, além das medidas
tomadas para garantir a preservação e “revitalização” do centro histórico pela administração
pública municipal, estadual, federal e pela participação da sociedade civil. Dentre as estratégias
para preservar o patrimônio urbano, a prefeitura
do Rio de Janeiro optou pela aplicação do Corredor
Cultural, projeto que foi elaborado de maneira que
possibilitasse a união na abordagem da preservação do patrimônio cultural ao do planejamento
urbano. O projeto do Corredor Cultural foi aprovado em 1983 e sua nomenclatura provém da identificação de espaços da área central que possuem
função cultural e que se organizam de maneira
contínua no núcleo urbano. A área demarcada
inicia-se na Lapa, segue pelo Passeio, Cinelândia,
Largo da Carioca, Rua da Carioca, Largo São Francisco, Praça Tiradentes, Saara, Campo de Santana
e Praça Quinze.
O principal objetivo do Corredor Cultural é criar
condições de “revitalização” das atividades culturais e recreativas, através de instrumentos de legislação e desenho urbano. No projeto foram previstas duas áreas principais: Preservação
Ambiental, que procura garantir homogeneidade
do ambiente com a preservação das fachadas e da
volumetria do imóvel existente; e Renovação
Urbana, que possui a especificação do gabarito
máximo do edifício a ser construído, de maneira
que não destoe do conjunto arquitetônico do
entorno. Nota-se que a demarcação dessas áreas
corresponde à percepção de um conjunto urbano
140
onde existe unidade, onde as mudanças e permanências devem respeitar o diálogo desse conjunto.
Não é a preservação de um objeto isolado, é a
tentativa de garantir a permanência de atividades
culturais presentes e seus atores no centro histórico, com a consciência de que suas relações com
a cidade é que as mantém em movimento. Além
disso, os parâmetros de preservação possuem a
intenção de evitar mudanças na paisagem do centro
histórico que causem fragmentação e a consequente perda da identidade e memória dos espaços.
Procuram evitar que se repitam medidas de alguns
projetos que foram aprovados antes do Corredor
Cultural, como os de infraestrutura que rasgaram
ou rasgariam o tecido urbano (Avenida Diagonal
e Avenida Presidente Vargas); ou projetos pontuais
que impactaram o seu entorno pelo contraste em
relação à tipologia eclética ou colonial. Desse modo,
busca-se apreender os debates e as práticas de
preservação na área central, com base na análise
de Projetos Aprovados de Alinhamento (PAA) e
Projetos de Loteamento (PAL), mapas, decretos
municipais, listas de bens tombados e processos
de tombamento. A união das abordagens dos vários
atores sociais e instâncias da administração pública
para a preservação e “revitalização” do centro,
além do amadurecimento na discussão sobre os
parâmetros conceituais sobre o patrimônio, permitiram que o centro do Rio de Janeiro fosse pioneiro no trato com os temas da preexistência
urbana e da valorização do ambiente construído.
3. A Praça da Bandeira em São Paulo: ideias em
conflito, realizações e projetos interrompidos
Gustavo Marques dos Santos
(FAU-USP / PIBIC-CNPq)
orientação: Prof. Dr. Renato Cymbalista (FAU-USP)
A presente pesquisa tem como objetivo sistematizar os diferentes planos urbanísticos e arquitetônicos que foram produzidos para a territorialidade da atual Praça da Bandeira, na cidade de São
Paulo - SP; desde seus primórdios até a implementação ali de um terminal de ônibus, em 1996. A
reunião desses projetos, sejam eles realizados,
interrompidos ou apenas idealizados, buscou
preencher uma lacuna historiográfica paulistana,
que até o momento abordou a Praça da Bandeira
em uma relação de subordinação a outros espaços
centrais mais prestigiados; e não como a centralidade urbanística particular que ela o é. Além do
resgate e organização desses projetos, em arquivos
e bibliotecas, propõem-se também um exercício
mais aprofundado de apreciação dessas interven-
ções; superando uma mera coleta de fotografias e
desenhos técnicos. Para isso, modelos virtuais dos
projetos abordados e mapas georreferenciados do
local foram construídos; permitindo uma análise
mais detalhada das implicações e limitações de
cada intervenção ali empreendida. A análise do
contexto histórico e os reflexos das sucessivas obras
nesse privilegiado espaço paulistano, do ponto de
vista urbanístico, torna-se assim uma contribuição
ao debate contemporâneo de revalorização da
cidade (e em especial de seu centro) por parte de
amplos setores da sociedade paulistana. Distanciando-se da simplificação recorrente de considerar a Praça da Bandeira um espaço anexo, esta
pesquisa procurou demonstrar como ela o é, em
si, uma centralidade própria cujas características
excepcionais a tornaram um desafio urbanístico
maior do que a cidade fora até o momento capaz
de responder (e, por isso mesmo, mais do que
qualquer outro um local possível para a efetivação
de um novo ideal urbano).
da Rua General Jardim, Vila Buarque, São Paulo,
como objeto de pesquisa, se dá pelo seu papel estruturador na construção deste espaço e por sua
relação direta com a escala humana. Nesta pesquisa, não é de interesse a utilização de metodologias
estruturadas apenas em instrumentos objetivos e
estáticos do urbanismo, mas sim direcionar o olhar
às dinâmicas do espaço, aproximando-se da antropologia urbana, tendo sempre em vista o papel
central e o discurso da escala humana que o produz
e ocupa. Tal estudo irá apoiar-se diretamente em
obras pontuais que tratam do conceito de espaço
e sua apropriação, de três pensadores “não urbanistas”: “Morte e Vida de Grandes cidades”, publicada por Jane Jacobs em 1961; “O corpo utópico,
As heterotopias”, publicação de 1984 do conjunto
de conferências dadas por Michel Foucault em
1967; e “O declínio do homem público”, publicado
por Richard Sennett em 1974. É na relação com
estas obras que a Rua General Jardim surge como
um instigante objeto de pesquisa.
4. Na altura do olhar: três aproximações sobre
a Gal. Jardim
Tali Liberman Caldas
(EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)
orientação: Prof. Dr. Eduardo Costa (EC)
5. Análise comparativa de lugares públicos na
metrópole contemporânea: estudo sobre a
Praça Sílvio Romero e o Shopping Tatuapé, São
Paulo - SP
Teresa Cristina Barroso Vieira
(FAU-USP / PIBIC-CNPq)
orientação: Prof. Dr. Eugenio Fernandes Queiroga
(FAU-USP)
A reflexão sobre uma cidade grande é tarefa complexa e passível de diversas abordagens. Pensar
uma cidade grande é muitas vezes se remeter a
imagens, momentos e repetições. O espaço público,
quando ocupado pelo homem, é fundamental para
o funcionamento dessa cidade. Segundo Jane Jacobs
(1961), a primeira imagem de uma grande cidade
é formada pelas ruas e calçadas, espaços públicos,
portanto, aonde as trocas, no sentido material e
simbólico, se dão com maior intensidade. Tais
trocas configuram o espaço das calçadas como
múltiplo, mutável e dinâmico, sempre se reformulando, assumindo configurações para diversos
atores. Michel Foucault, ao falar nas heterotopias
(1967), aponta esta justaposição de vários espaços,
aparentemente incompatíveis, em um lugar real.
As calçadas, portanto, podem ser comparadas ao
teatro. O palco é sempre o mesmo, mas o cenário,
os atores e a plateia mudam constantemente. A
pesquisa pretende aproximar-se do espaço público
e suas possibilidades de troca, a partir do olhar
para microdinâmicas urbanas, de alguns usos e
caracterizações da calçada de uma grande cidade.
Partindo de um primeiro estudo sobre o comportamento do homem no espaço público, marcado
por estímulos e tensões, o recorte dado às calçadas
Este trabalho objetiva analisar comparativamente
as apropriações públicas da Praça Sílvio Romero
e do Shopping Tatuapé, por meio de suas características morfológicas e sociais. Buscar-se-á aferir
seus papéis na constituição da esfera pública local,
tendo em vista o sistema de objetos e o tipo de
propriedade dos diferentes espaços. Ambos os
objetos de estudo estão localizados no bairro do
Tatuapé, na cidade de São Paulo. Queiroga (2012)
define esfera pública geral como toda a vida “em
público”, abrangendo, portanto, o debate público
(político e intelectual) e a ação comunicativa (verbal
ou não-verbal), inclusive a cotidiana, desde que
compartilhada “em público” no espaço, seja ele
real ou virtual. Ao afirmar que as espacialidades
da esfera pública, ou seja, as apropriações públicas
dos espaços (reais), podem ocorrer tanto em propriedades públicas quanto privadas, Queiroga
(2012) amplia o escopo de análise da esfera pública
contemporânea, pois desvincula a obrigatoriedade
de se relacionar espaço público e esfera pública.
O autor define, então, o conceito de “lugar público”
como aquele em que se estabelece a esfera pública
141
(geral ou estrita), independentemente da propriedade ser pública ou privada. O Shopping Tatuapé
está integrado à Estação Tatuapé de Metrô da Linha
Vermelha, por onde circula a maior demanda de
usuários do sistema metroviário. Além das tradicionais funções de compras e serviços, o Shopping
Tatuapé tem se destacado por forte apelo popular
e como ponto de encontro de diferentes “tribos
urbanas”. Desta maneira, pretende-se comparar
as espacialidades da esfera pública no Shopping
Tatuapé, um potencial lugar público, e na Praça
Sílvio Romero, um espaço público tradicional. A
pesquisa teve início com aprofundamento teórico
por meio de revisão bibliográfica. Na sequência
realizou-se trabalho de campo, com coleta de dados
em situações diversas durante o ano. Por fim, estes
dados foram sistematizados, analisados e o relatório final elaborado. Em sucessivas visitas ao
Shopping Tatuapé, a hipótese inicial de que este
era ponto de encontro de diferentes “tribos
urbanas”, ou seja, apesar de configurar-se como
espaço privado possuía apropriações públicas, não
se confirmou. Desta forma, analisou-se a Praça
Sílvio Romero, tradicional espaço público, segundo
a metodologia de ALEX (2004). Após uma breve
contextualização histórica, fez-se uma leitura da
praça considerando: acessibilidade e atratividade
em relação a sua inserção urbana; uso e ocupação
do solo do entorno; relações de troca com o entorno
e principais fluxos; sistema de objetos e sistema
de ações. Concluindo, a Praça Sílvio Romero revelou-se palco de rica e intensa vida pública. A diversa
oferta de modais de transporte público nas proximidades - estação Tatuapé de trem e metrô, e terminal de ônibus - bem como o uso do solo comercial e de serviços em suas edificações lindeiras,
garantem à praça alto e constante fluxo de pedestres. Locus de passagem, mas também de permanências, a praça possui um sistema de objetos capaz
de comportar múltiplas apropriações, atraindo
diversos usuários de ambos os gêneros e diferentes faixas etárias. A Praça Sílvio Romero configura-se, portanto, como importante espaço público
de encontros e convívio, de trocas e de conflitos.
MESA 9
Cidade, arquitetura e dinâmicas do capital
comentário: Profa. Dra. Beatriz Kara José (Senac)
coordenação: Prof. Ms. Guilherme Petrella
(EC e USJT)
1. Cidade Compacta e observação da
Operação Urbana Consorciada (OUC)
142
Bairro do Tamanduateí
Aline Gomes (USJT / Programa PIVIC-USJT)
orientação: Prof. Dr. Luis Octavio de Faria e Silva
(USJT)
O presente estudo científico busca elaborar princípios e parâmetros do tema Cidade Compacta e
comparar e observar com a Operação Urbana Consorciada (OUC) Bairros do Tamanduateí, objeto de
estudo de campo. O projeto vincula-se à universidade na área de Urbanismo do Curso de Arquitetura e Urbanismo, e elege como objeto de estudo
uma operação urbana consorciada que abrange
uma área de intervenção urbana que está no campo
de influência do campus Mooca da universidade.
A partir do estudo de bibliografias exercemos parâmetros e comparações de temas influentes em
Cidades Compactas, com ênfase nos seguintes aspectos: densidade, em que podemos citar como
bibliografia principal o livro Densidade Urbana - Um
instrumento de planejamento e gestão urbana, de
Claudio Acioly e Forbes Davidson; a questão hídrica,
de modos, e de modelos de infraestrutura, em que
utilizamos como principal bibliografia o livro O
Negócio de Cidade, de Manuel Hecer; e a influência
de tipologias, de edificações, e de traçado na saúde
e conforto dos usuários a fim de refletir sobre o
grau de influência de parâmetros e limites na
cidade. Ao observar a OUC Bairros do Tamanduateí identificamos a aplicação de alguns conceitos
de cidade compacta como o adensamento, o incentivo de atividades econômicas locais e medidas
que levam a criação de novos empregos voltados
para os moradores da própria região, a fim de
evitar deslocamentos e melhorar a qualidade de
vida dos moradores. Identificamos um possível
problema ao longo prazo da OUC bairros do Tamanduateí e uma possível crítica aos princípios
de cidade compacta elaborados nesta pesquisa.
Após a descrição do estudo científico que estamos
realizando, ainda temos a intenção de dar visibilidade prática a essa nova investigação, comparando o estudo da OUC Bairros do Tamanduateí
com a OUC Porto Maravilha no Rio de Janeiro. Para
isso, precisamos nos aprofundar nas contribuições
bibliográficas e dar sequência às investigações de
campo que estamos realizando.
2. Transformações e permanências na Barra
Funda: a área envoltória do Teatro São Pedro
Larissa Tesubake de Farias (USJT / Programa
PIVIC-USJT)
orientação: Profa. Dra. Andréa de Oliveira Tourinho (USJT)
O bairro Barra Funda, em São Paulo, possui consolidação antiga e teve seu desenvolvimento impulsionado pela ferrovia, a partir do final do século
XIX. Apesar de existirem muitos imóveis tombados
e reconhecidos pelos órgãos de preservação como
patrimônio histórico da cidade, hoje essa região
presencia novas dinâmicas, principalmente por
intervenções do mercado imobiliário, que colocam
em risco sua identidade e importância como lugar
de memória. Assim, esta pesquisa tem por objetivo
compreender a relação entre as transformações e
permanências urbanas (bens históricos, tipologias,
traçado e morfologia urbana) na região, tendo
como recorte a área envoltória do Theatro São
Pedro, regulamentada em 2006, a fim de preservar
os bens imóveis importantes para a memória do
lugar e conservar a visibilidade, destaque e ambiência dos mesmos. Para tanto, a pesquisa desenvolve-se em duas etapas: a primeira consiste no
reconhecimento da área envoltória do Theatro São
Pedro, comparando-a com seu entorno imediato,
através de ferramentas como Google Earth e visitas
a campo, para identificar as transformações que
ocorrem na região, onde se localizam, quais seus
usos e quem são os agentes que promovem tais
intervenções, procura-se também reconhecer os
usos e tipologias presentes na região, bem como
quais são as permanências e onde se localizam; a
segunda etapa constitui-se da revisão bibliográfica
do tema, entrevistas com moradores e agentes de
intervenção na área de estudo, além da sistematização e análise dos dados obtidos. Como resultados
preliminares, verifica-se que o mercado imobiliário tem grande interesse na área, justificando suas
intervenções a partir do caráter histórico e cultural da região, rede de mobilidade ali presente e a
previsão da transformação do Minhocão em
parque, como grandes atrativos para a região.
Outros interessados na região foram identificados,
como companhias de teatros, artistas plásticos e
restaurantes, atraídos pelos galpões industriais,
remanescentes do período industrial da região,
além dos baixos preços dos imóveis.
3. São Paulo: duas cidades em uma. Um estudo
sobre a Galeria Metrópole e o Conjunto Cidade
Jardim
Debora Cristina da Silva
(EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)
orientação: Profa. Dra. Marina Grinover
(EC / FAU-USP)
O projeto de pesquisa proposto faz uma leitura
contemporânea da cidade de São Paulo, analisando
como dois edifícios análogos de caráter misto,
porém construídos em diferentes contextos históricos, sociais e culturais, permitem conformações
diferentes no urbanismo e desenho da cidade. Esses
contextos dizem respeito aos dois objetos de estudo
da pesquisa: a Galeria Metrópole (1959-1964) projetado por Salvador Candia (1924-1991) e Gian Carlo
Gasperini (1926) e o Conjunto e Shopping Cidade
Jardim (2008), realizado pela incorporado pela JHSF
e projetado pelos arquitetos Julio Neves (1932-) e
Pablo Slemenson (1955). Os objetos de estudo apresentam duas propostas diferentes de cidade. De um
lado, o edifício e galeria Metrópole, pertencente ao
contexto modernista no desenho de edifícios de
uso mistos dos anos 1950/1960, que possui espaços
coletivos em seu térreo que se abrem para a área
central da cidade. De outro, o conjunto residencial
e comercial Shopping Cidade Jardim, um empreendimento imobiliário de alta renda, que possui uma
proposta mais privativa do uso misto, e que foi
construído em uma região de centralidade relativamente recente na cidade. A compreensão geral
do contexto de ambos os edifícios, juntamente com
sua análise projetual permite compreender diferentes lógicas de funcionamento da cidade, passando por questões que envolvem o trabalho dos
arquitetos para empreendedores privados em diferentes épocas, o viés social e científico na São
Paulo contemporânea e sua segregação espacial, e
a importância das relações urbanas causadas a
partir da implantação do edifício e outras decisões
de projeto em cada um dos casos.
4. Arquitetura e cidade na era do capital
financeiro - os espaços aeroportuários
Bianca Feliz Okamoto e Gabriel de Paula Biselli (EC
/ Estágio em pesquisa Projeto Contracondutas - EC)
orientação: Profa. Dra. Marianna Boghosian Al
Assal (EC) e Prof. Ms. Guilherme Petrella
(EC e USJT)
O presente projeto de pesquisa busca analisar os
espaços aeroportuários no Brasil, com ênfase na
área construída do Terminal 3 do Aeroporto de
Guarulhos, trazendo à luz suas novas dinâmicas
organizadoras do espaço, sobretudo a partir do
que François Chesnais classificou como capitalismo
financeiro - sendo esta a sua fase mais contemporânea. Para isso, analisaremos essas dinâmicas em
três instâncias ou dimensões diferentes: a imediata - referida propriamente ao objeto edificado do
Terminal 3 de Guarulhos; a global - que diz respeito às lógicas em que opera o capitalismo financei-
143
ro; e, por fim, a total - que discutirá no campo
simbólico e no da cultura os impactos e transformações geradas por grandes obras de infraestruturas. Através de um olhar mais atento sobre a
maneira pela qual foi estruturada a construção desde a concepção, sistema de concorrência e mudanças de projetos à execução - do Terminal 3 de
Guarulhos, buscaremos entender relações e tensionamentos das lógicas do capitalismo financeirizado com os processos e instâncias materiais e
simbólicas dos espaços construídos. Observa-se
que na atual fase do capitalismo há uma predominância de redes de mercados financeiros globais,
de forma a acelerar sobremaneira a circulação de
capitais. Segundo David Harvey, nesse contexto,
as cidades passam a se inserir numa concorrência
global. A partir de ideologias que pregam uma
inevitável globalização e inserção nessas lógicas
de competição, cidades se homogeneízam e
apontam para leituras como a do arquiteto Rem
Koolhaas, que as classifica como Cidades Genéricas.
As grandes obras de infraestruturas aparecem
nesse cenário como fundamentais propulsoras da
concorrência - sendo os aeroportos um exemplo
delas. As áreas aeroportuárias tornam-se cada vez
maiores, suportando cada vez mais passageiros
por dia e chegam ao ponto de não apenas exercerem o papel entre deslocamentos e fluxos de passageiros, mas também oferecem os mais diversos
serviços e comércios. Há, portanto, uma transformação das características funcionais e programáticas desse espaço: a dinamização do fluxo aeroviário dá lugar a uma maior inserção do consumo
e da permanência. No que tange os aspectos culturais e simbólicos, pode-se elencar as consequências e fatores que alguns megaeventos - como
Olímpiadas ou Copa do Mundo de Futebol - adquirem, onde as infraestruturas se tornam simbólica
e economicamente mais uma ferramenta nessa
ordem do capital globalizado. Inserido no Projeto
Contracondutas - que parte de questões abertas
pela fiscalização e flagrante de situações relacionadas ao trabalho na obra do Aeroporto Internacional de Guarulhos Terminal 3 para, através de
pesquisas acadêmicas problematizar de forma
abrangente a situação do trabalho análogo ao
escravo na indústria da construção civil - a pesquisa busca, em última análise, evidenciar tais
aspectos não como desvios, mas parte constituinte dessa lógica global.
5.Desconstruindo o canteiro: o caso do Terminal 3 - Aeroporto de Guarulhos
Rafaella Luppino e Stela Mori Neri Silva (EC /
144
Estágio em pesquisa Projeto Contracondutas - EC)
orientação: Profa. Dra. Anália Amorim (EC e
FAU-USP) e Prof. Valdemir Lucio Rosa (EC)
Esta pesquisa pretende descobrir como se deu o
processo de contratação e produção em suas diversas etapas na construção do Terminal 3 do
Aeroporto internacional de Guarulhos para, então,
problematizar a situação da construção civil. Justifica-se por sua inserção no Projeto Contracondutas, que parte de questões abertas pela fiscalização
e flagrante de situações relacionadas ao trabalho
escravo em uma grande obra em Guarulhos - Aeroporto Internacional Terminal 3 - para, através
de pesquisas acadêmicas, entre outras estratégias,
levantar, analisar, debater, problematizar e comunicar de forma abrangente a situação do trabalho
análogo ao escravo na indústria da construção
civil, refletindo sobre seus rebatimentos na produção da arquitetura. O Contracondutas, projeto
do qual a linha de pesquisa “Desconstruindo o
Canteiro” faz farte, surgiu assim do compromisso
assumido pela Escola da Cidade em fazer farte do
Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado
pelo Ministério Público do Trabalho. Pretende-se,
portanto, esmiuçar, da forma mais abrangente
possível, questões como o processo de licitação de
obra (Lei nº 8.666) e de terceirização, a industrialização na construção civil, a gestão de custos, a
exploração da mão de obra e o processo de distanciamento do projeto de arquitetura em relação ao
canteiro de obras. A partir da hipótese de que a
licitação de grandes obras da forma como hoje
ocorre no Brasil por um lado abre espaço para
processos de terceirização, e, por outro, retira do
arquiteto a possibilidade do desenvolvimento do
projeto em todas as suas etapas, investigaremos
os processos de terceirização na obra do aeroporto buscando entender as responsabilidades e consequências financeiras, humanas e de qualidade
dos espaços provenientes desses processos. No caso
da industrialização, como se tratava de uma pré-fabricação de peças grandes e pesadas, busca-se
entender os riscos físicos e de empregabilidade a
que os operários foram expostos. Os equipamentos
de segurança foram usados devidamente? Houve
algum tipo de treinamento para os trabalhadores?
Qual é a relação entre o nível de automatização e
de mão de obra empregada? Estudaremos também
como o preço, a escolha de materiais e as diversas
vertentes econômicas podem influenciar para além
do salário tanto dos trabalhadores quanto dos
arquitetos. Daremos ênfase ao Regime Diferenciado de Contratação (RDC) e Reserva Técnica. Por
meio desta pesquisa e da publicação da mesma no
site que vem sendo criado para esse fim, pretende-se problematizar e comunicar a complexidade
da cadeia produtiva na construção civil e seus
desdobramentos para a contratação, corrupção,
atuação do arquiteto e trabalho escravo no canteiro de obras. Em suma, esta pesquisa iniciação
científica tem a finalidade de encontrar possíveis
explicações para algumas das problemáticas da
construção civil usando como exemplo o Terminal
3 do aeroporto de Guarulhos.
MESA 10
Diálogos entre arte, cidade e arquitetura
comentário: Profa. Dra. Taisa Palhares
(IFCH-UNICAMP)
coordenação: Prof. Dr. Gilberto Mariotti (EC)
1. Fenomenologia da forma construída olhares tecidos sob as lentes ofuscadas pela
contemporaneidade: a metrópole na fotografia
de Michael Wesely
Beatriz Gomes Ferreira
(FAU-USP / Bolsa PIBIC-CNPq)
orientação: Prof. Dr. Guilherme Wisnik (FAU-USP)
A pesquisa utiliza os trabalhos de Michael Wesely
como base para discutir a relação da arte, enquanto fotografia, com a arquitetura e a cidade, a saber
de que maneira esta contribui como um registro
importante para propiciar a compreensão de um
recorte espaço-temporal do qual fazemos parte.
Conhecido como pioneiro em fotografias de longa
duração, o fotógrafo alemão utiliza essa técnica
desde 1988, a qual consiste em deixar o obturador
da câmera aberto durante um longo período, permitindo constante exposição à luz que resulta em
uma única imagem de sobreposição de tempos. O
autor aplicou essa técnica em Berlim e Nova York
e, atualmente, a convite do Instituto Moreira Salles,
desenvolve um novo trabalho em São Paulo. O
projeto, intitulado “Câmera Aberta”, surge posteriormente aos trabalhos nessas duas outras importantes cidades, o que atribui à metrópole de
São Paulo um reconhecimento que extrapola o
âmbito nacional. As fotografias fazem um registro
da Avenida Paulista em simultaneidade à construção da nova sede do IMS pelo escritório Andrade
Morettin Arquitetos, tornando-se assim pertinente o diálogo que se estabelece entre as obras.
Segundo os arquitetos vencedores do concurso em
2011, o novo IMS, além de ser um marco na paisagem construída da Avenida, terá uma relação direta
com o urbano. No projeto, a pele translúcida
adotada, em associação à praça elevada, permite
a percepção tanto dos rumores da cidade para
quem está no edifício quanto de que algo acontece
dentro deste para aqueles de fora. Em 2015, Wesely
instalou seis câmeras em volta do canteiro de obras,
cujos obturadores permanecerão abertos até sua
conclusão, em cerca de 2 anos. Para o artista, a
qualidade do trabalho não está nos anos de exposição, mas sim que a fotografia está mais escondendo do que mostrando algo, inverso do momento
representativo da corrente fotográfica moderna.
A lentidão e temporalidade estendida das fotografias urbanas de Wesely contrapõem fortemente o
dinamismo da metrópole atual. Em constante
mudança, esse complexo mundo contemporâneo
é incapaz de ser sintetizado em uma única imagem
- seriam necessários infinitos fragmentos para
compor o que ele é, ainda que insuficientes. Como
um caleidoscópio, tais imagens estão contidas
dentro de um campo, e o movimento dentro dele
só entra em vigor devido ao olhar e à luz que nele
incidem. Desse modo, o espectador tem o poder
de escolha sobre o que olhar, dentre as tantas
camadas de apreensão. Portanto, ele produz a
figura de uma cidade palimpsesto cujas camadas
do tempo podem ser desvendadas a partir da base
foto/pergaminho. Trata-se do tempo como foco
narrativo por meio de sua sobreposição, gerando
uma imagem desconcertante do mundo que não
a dele próprio, mas sim de seu recorte. Em última
análise, sua obra pode ser considerada uma arte
que expõe o mundo em sua amplitude, fazendo
jus à noção de “campo ampliado” da arte, definida
por Rosalind Krauss. Torna-se interessante, então,
estudar uma obra de arte que expande as paredes
do museu ao mesmo tempo em que elas são construídas, trabalhando-o tanto como suporte quanto
como obra.
2.Olhar feminino: a presença da mulher na
cidade moderna, percebida através da fotografia de Alice Brill, Berenice Abbott e Vivian Maier
Caroline Pimenta Medeiros
(SENAC / Bolsa SENAC)
orientação: Prof. Ms. Ricardo Luis Silva (SENAC)
Este é um projeto em desenvolvimento dentro do
programa de Iniciação Científica do Senac, seguindo a linha de pesquisa “Cidade Mapeada”. Ao olharmos para o ser humano, vemos que ele é, fundamentalmente, um ser relacional. Ele, basicamente,
relaciona-se entre si e com o espaço. Essas relações
possuem certo caráter, dependendo das peculiari-
145
dades do ser ou do espaço. O ser mulher tem implicações singulares que foram sendo construídas e
desenvolvidas ao longo das eras, passando por
diferentes formas de se relacionar (sociedade) e
por diferentes espaços ou lugares, também construídos ou transformados pela ação do ser humano.
O ser cidade, igualmente, tem implicações peculiares. Sendo produto da relação entre o homem e o
espaço, a cidade adquiriu um papel importante
também como fator de transformações do próprio
ser humano, a cidade é ao mesmo tempo metamorfoseada e metamorfoseadora do ser. Entretanto,
quais seriam essas condições peculiares de ser mulher e cidade? Elizabeth Wilson já identificou
que “...se as mulheres são vistas como um problema
das cidades ou se as cidades são um problema para
as mulheres, percebe-se uma relação repleta de
dificuldades” (WILSON, 1992). Na cidade moderna
o corpo tem para si novas ferramentas que ajudam
a chegar com mais rapidez aonde se quer chegar,
enxergar a rua quando não há mais a luz do sol,
fazendo com que a cidade seja o espaço do homem
por mais tempo e também para mais homens. O
corpo, então, reage a toda essa multidão de coisas
e pessoas, geralmente, de duas formas: indiferença,
posto que a quantidade de informações na cidade
industrial é muito grande, ou a significação através
da observação despreocupada da multidão, o que
caracteriza a postura do flâneuse. O flâneur, no seu
tipo clássico, se apresenta como personagem masculino. Contudo, essa postura mais atenta à cidade
não era exclusivamente masculina. A mulher,
apesar de todas suas peculiaridades em relação ao
espaço público, dificuldades de fazer parte desse
espaço sem ser considerada desonrosa, também
construiu suas próprias experiências como flâneur.
Essas experiências serão percebidas através de um
instrumento que sempre acompanhou o desenvolvimento da cidade: fotografia. Como comenta
Name: “A fotografia de rua é consequência da
demanda por uma nova técnica de representação
instaurada pelas mudanças do sensório propiciadas
pela modernidade” (NAME, 2015). Assim, olho para
a vida e obra de três fotógrafas: Alice Brill (19202013), Berenice Abbott (1898-1991) e Vivian Maier
(1926-2009). Essas fotógrafas foram escolhidas pela
qualidade de seus trabalhos que envolviam o ambiente urbano, todas retratando o cotidiano da
cidade moderna. Portanto, esta pesquisa se propõe
a entender as relações e as percepções próprias da
mulher na cidade, compreendendo peculiaridades
da experiência urbana feminina como flâneuse, e
percebendo como essas peculiaridades afetaram o
ambiente urbano e foram afetadas por ele.
146
3. Moholy-Nagy e as representações estéticas
da metrópole através do audiovisual: mapeamento e apreensão da realidade
José Tiago Belarmino de Lima
(SENAC / Bolsa SENAC)
orientação: Prof. Ms. Ricardo Luis Silva (SENAC)
Este estudo, ainda em desenvolvimento, é parte
integrante da linha de pesquisa Cidade Mapeada e
tem por finalidade apresentar os procedimentos
estéticos e ideológicos que permeiam as obras cinematográficas do início do século XX a partir do
uso inventivo da câmera como mecanismo de
apreensão da realidade e para entendimento do
cotidiano da cidade. Investiga como a presença de
tal mecanismo foi incorporado pelos artistas de
vanguarda, que passaram a utilizá-la experimentalmente, a fim de refletir e criticar seu tempo e a
construção histórica da observação da cidade em
transformação, a partir das experiências de László
Moholy-Nagy (1895-1946). Moholy-Nagy foi designer,
fotógrafo, pintor e professor de design, conhecido
por ter sido docente na escola alemã Bauhaus.
Paralelamente à docência, desenvolvia filmes experimentais, teatro, desenho industrial e publicitário, fotografia e tipografia, pintura e da escultura.
Era forte defensor da integração de tecnologia e
ciência nas artes e sua visão global foi fundamental em duas das mais importantes escolas do século
XX, a Bauhaus e o Chicago Institute of Design. A
criação de novas relações humanas e artísticas e a
tradução da utopia em ação são alguns dos princípios seguidos por Moholy-Nagy. Os principais objetivos da pesquisa são: entender e investigar como
o artista registra e documenta o cotidiano da cidade
a partir de análises das obras Berliner Stilleeben
(1926), Impressionen vom altem Marseiller (1929)
e Gross-Stadt Zigeuner (1932); buscar compreender
o fazer cinematográfico em paralelo com a sociedade e como ela está intimamente ligada à metrópole; analisar os procedimentos estéticos e ideológicos que permeiam as obras; compreender como
a produção cinematográfica de Moholy-Nagy contribuiu para a fisionomia da metrópole, entendendo que suas experiências lançaram bases para uma
nova forma de retratar a cidade por meio do cinema.
4. A recepção do III salão de maio entre movimentos artísticos brasileiros
Olívia Mendes Tavares
(EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)
orientação: Profa. Dra. Fernanda Pitta
(EC e Pinacoteca-SP)
Para refletir sobre o movimento moderno e abstracionista no Brasil, propomos aproximarmo-nos
do início do movimento brasileiro elucidando as
ligações entre os movimentos, para então compreender a recepção pelo meio artístico brasileiro
das obras, artistas e ideias que tomaram essa iniciativa. Partindo das ideias e propostas gestadas
durante a Semana de Arte Moderna em São Paulo
no ano de 1922 e através da análise da Revista
Anual do Salão de Maio (RASM), de artigos de
jornais e revistas da época, e textos publicados por
críticos de arte, pretende-se entender o III Salão
de Maio como movimento artístico. Pois se torna
extremamente importante compreender o porquê
dos artistas e das obras expostas, e qual a relação
de Flávio de Carvalho e dos demais artistas com a
arte brasileira que estava sendo produzida à época.
O III Salão de Maio começou com um espírito de
ruptura em sua organização. Flávio de Carvalho,
até então, participava apenas da comissão organizadora. Duas grandes diferenças pontuam esse
último Salão: o grupo de expositores estrangeiros
e a publicação de uma revista junto com o catálogo. A RASM, como ficou conhecida, além do importante manifesto, fazia um verdadeiro balanço
histórico da arte moderna no Brasil, através de
textos de artistas significativos do movimento. A
escassez de documentos e arquivos que possam
servir de base dificultam sobremaneira o resgate
da história da arte brasileira. A dispersão das obras
têm sido fatores que colaboram para a pobreza de
nossa história.
5. Experiência, espaço, desenho: um olhar para
a obra de Lina Bo Bardi e os Neoconcretos
Pedro Feris Araujo
(EC / Bolsa PE - Conselho Científico EC)
orientação: Pro. Dr. Gilberto Mariotti (EC)
Este trabalho se estrutura a partir do desenho
experimental que pretende investigar, através de
uma produção plástica, a experiência espacial e
visual nas obras da arquiteta Lina Bo Bardi. Esta
pesquisa lança um olhar sobre as inovações formais
trazidas pelos principais atores do Neoconcretismo
e como suas intenções dialogam com a busca de
experiências presentes na obra da arquiteta ítalo-brasileira. Além da pesquisa bibliográfica, leitura
de catálogos e crítica acerca do movimento neoconcreto e dos trabalhos de Lina Bo Bardi, esta
investigação explorará referencias contemporâneas e autores que tratam o fazer do desenho, a
fim de refletir sobre as possibilidades de composição e linguagem capazes de propor situações
para o olhar a partir da produção plástica. Como
meio para refletir e concentrar os resultados desta
investigação serão produzidos uma série de trabalhos plásticos, envolvendo técnicas mistas, com
o objetivo de contemplar toda a discussão abordada e uma produção de um conjunto de desenhos
como síntese da pesquisa.
MESA 11
Arquitetura e identidades construídas
ou imaginadas
comentário: Profa. Dra. Maria Lucia Bressan
Pinheiro (FAU-USP)
coordenação: Profa. Dra. Marianna Boghosian Al
Assal (EC)
1. A Mesquita de Santo Amaro como representação da cultura árabe em São Paulo
Henrique Garcia Prado
(USJT / Programa PIVIC-USJT)
orientação: Profa. Dra. Andréa de Oliveira Tourinho (USJT)
A partir do século XIX (século XIII islâmico)
começou um grande fluxo de imigrações árabes
para as Américas, incluindo o Brasil, após um
conflito interno que abalou a estrutura das famílias
mulçumanas que não tinham mais forças para
reconstruir uma nação pacífica e reorganizar seu
território com o domínio do Império Otomano.
Essas imigrações, principalmente de sírio-libaneses
(até meados do século XIX, Síria e Líbano compunham uma única nação), são de suma importância
para o Brasil, mais especificamente para a cidade
de São Paulo, que agrega uma grande parcela de
mulçumanos fora dos países do Oriente Médio. Em
São Paulo os libaneses se instalaram principalmente na região da Rua 25 de Março (parte central da
cidade) e seu principal meio de rendimento provinha da comercializção de produtos, basicamente dos tecidos. Os primeiros estudaram na escola
árabe de Yázigi - termo que significa escritor na
língua portuguesa e que designava a família Síria
no tempo de dominação Otomana - e, à medida
que enriqueciam, investiam seus capitais na
compra de terrenos e na construção de edifícios.
Podemos notar influências da arquitetura árabe
em alguns edifícios da capital paulista, tais como,
nas casas da família Jafet no Ipiranga, no Palácio
das Indústrias no Parque D. Pedro e em elementos
presentes na mesquita situada em Santo Amaro,
objeto de estudo desta pesquisa. A Sociedade Beneficente Muçulmana em Santo Amaro, fundada
147
em 1977, possui autoria desconhecida, e é uma das
cinco instituições de representatividade religiosa
islâmica presentes no município de São Paulo. Sua
arquitetura resguarda um interior repleto de cores
fortes e mosaicos compostos por azulejos (elemento constante da arquitetura árabe). Embora o edifício não apresente grande excepcionalidade artística - no sentido de não ser uma grande obra de
arquitetura -, sua utilização como mesquita pode
expor a relevância que esta instituição deve representar para a sociedade islâmica e para a cultura
e história de São Paulo. Também, ao tratar de uma
tipologia única, a mesquita - o templo tradicional
do mundo mulçumano e da religião do Profeta
Maomé -, abordaremos um problema atual, a percepção do Oriente Médio no Ocidente em tempos
de guerra, de terror e de ódio inter-racial e inter-religioso.
2. A obra residencial de Severiano Porto em
Manaus: levantamento e análise comparativa
Isabella De Bonis Silva Simões
(EC / Bolsa VE - Conselho Científico EC)
orientação: Profa. Dra. Joana Mello
(EC e FAU-USP)
A presente pesquisa foi formulada com a intenção
de estudar a obra de Severiano Porto, arquiteto
formado pela FNA (Faculdade Nacional de Arquitetura, atual UFRJ) em 1954 e radicado em Manaus
de 1966 a 2003, intervalo de tempo em que manteve
um escritório produtivo que fez cerca de 280 projetos. Severiano trouxe do Rio de Janeiro sua formação moderna e aplicou-a na Amazônia consolidando uma estética própria, em que materiais e
técnicas estavam de acordo com o clima, a cultura
e outras especificidades da região. Com essa produção que se diferenciava por contemplar carácteres regionais, Severiano se destacou no cenário
latino-americano. Nesse contexto, essa pesquisa
tem como objetivo investigar sua produção a partir
das obras cotidianas que trouxeram prestígio e
longevidade para seu escritório, essas obras ainda
são pouco conhecidas e pesquisadas, podendo
contribuir para um entendimento mais amplo
sobre sua produção. Pela quantidade de projetos
do escritório e pela diversidade dos programas
realizados, essa pesquisa decide focar na obra
residencial unifamiliar do arquiteto, que soma 55
residências. Dessas residências foram levantadas
poucas informações, e não se sabe as que de fato
foram construídas, as que já foram demolidas ou
o estado atual em que se encontram. Dessa maneira,
essa pesquisa pretende levantar esses projetos no
148
acervo pessoal de Severiano, que foi doado ao
Núcleo de Pesquisa e Documentação da UFRJ, para
poder começar a mapear e criar fichas que sintetizem informações sobre cada uma dessas residências, atentando para: o nome e ano do projeto, o
cliente que o encomendou, a inserção urbana, as
técnicas construtivas, os materiais utilizados, os
detalhamentos e a composição arquitetônica. Esse
método de estudo contribuirá para a organização
das informações levantadas e possibilitará uma
análise crítica seriada dessa produção.
3. Modernos e brasileiros: o diálogo do Brasil
Arquitetura com o trabalho de Lina Bo Bardi e
Lucio Costa
Luana Espig Regiani
(FEC-UNICAMP / Bolsa FAPESP)
orientação: Profa. Dra. Silvana Rubino
(IFCH-UNICAMP)
A obra de um escritório de arquitetura pode ser
vista através de posturas e referências que de forma
recorrente estão presentes nos projetos. Quando
o assunto é arquitetura brasileira, podemos pensar
que ela estabelece seus referenciais tanto na história colonial e na experiência vernacular dos seus
habitantes, quanto nos precursores modernos nacionais e internacionais. Refletindo sobre essas
questões, pode-se perceber no escritório Brasil
Arquitetura uma obra rara. Neste contexto, busca-se analisar o Brasil Arquitetura sob a ótica daqueles que julgamos ser parte importante na construção dos alicerces do escritório: Lina Bo Bardi e
Lucio Costa. “Buscamos em Lucio Costa o que ele
filtrou e depurou da arquitetura do Brasil colônia
e, em Lina, sua capacidade de atuar em múltiplas
disciplinas, sem se submeter ao tempo linear histórico, e nem às limitações geográficas” (FERRAZ,
2011, p.30). Para encontrar as diversas linhas de
diálogo do Brasil Arquitetura com Lucio Costa e
Lina Bo Bardi, a pesquisa procurou permear o
saber e o fazer arquitetônico do trabalho dos arquitetos. A metodologia adotada se mostrou essencial para uma compreensão multissensorial. Além
da revisão bibliográfica, foram feitas visitas de
campo em projetos selecionados, vivenciando-os
em diferentes contextos brasileiros, passando pela
Bahia, São Paulo e Rio Grande do Sul. As viagens
tiveram como resultado a produção de um diário,
com registros escritos e desenhados. Outro ponto
fundamental foram as entrevistas com os arquitetos fundadores do Brasil Arquitetura. Também
fez parte da metodologia, a construção de maquetes representando as diferentes escalas de atuação
do Brasil Arquitetura e a análise destes projetos
dentro do tema estudado. O trabalho desenvolvido
está em uma monografia, disponível em meio
digital (https://issuu.com/luanaregiani/docs/luana_
espig_modernos_e_brasileiros_), onde buscou-se
traduzir gráfica e textualmente a experiência proporcionada pela imersão na pesquisa. Estudar Lina
Bo Bardi e Lucio Costa nos faz perceber encaminhamentos arquitetônicos que transcendem o
Moderno e chegam ao presente. Neste presente
está o Brasil Arquitetura e suas conversas. Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz absorvem, digerem
e transformam influências externas, respeitando
e estabelecendo conexões com a memória, a cultura
local e seus protagonistas. Assim, os projetos
propõem soluções a demandas humanas universais
de relacionamento e comunicação, mas considerando uma maneira própria de estar no mundo,
que busca no país de origem a matéria-prima do
trabalho. Realizam uma arquitetura brasileira
contemporânea, mantendo o diálogo com aqueles
que são parte importante na construção das ações
dos arquitetos.
4. Latin American Architecture since 1945:
história e historiografia
Laura Levi Costa Sousa (EC / Bolsa FAPESP)
orientação: Profa. Dra. Marianna Boghosian Al
Assal (EC)
A presente pesquisa dedica-se ao estudo sistemático e aprofundado da publicação de Henry-Russel
Hitchcock Latin American Architecture since 1945
- catálogo da exposição de mesmo nome realizada
em 1955 no Museu de Arte Moderna de Nova York
- buscando entender seus sentidos históricos e
historiográficos. O MoMA surge em 1929 como
fruto de diversos interesses, tanto nacionais - no
que diz respeito à cultura, política e economia quanto internacionais, “sob a alegação de que a
arte do período não estava recebendo representação adequada pelas instituições existentes a ela
destinadas (Museum of Modern Art Architectural
Exhibition, 1931, s.p.). A comissão fundadora então,
idealizaria o Museu como uma tentativa de abraçar
os tempos modernos e propor uma revisão à crítica
e à produção da arte. Tomando-se como premissa
a imigração de arquitetos Europeus para os Estados
Unidos em decorrência da Primeira Guerra e da
Revolução Russa, somada à introspecção dos países
Europeus, preocupados em se reconstruírem, os
Estados Unidos puderam gradualmente se impor
e competir com as capitais artísticas europeias, na
tentativa de afirmarem-se como potência econô-
mica, política e cultural. Para alcançar essa hegemonia, era necessário contornar as críticas existentes no momento e reestabelecer os conceitos
das correntes artísticas modernas em vigor, na
busca de uma linguagem compatível aos novos
tempos. Seria necessário também adaptar tais
linguagens a um contexto americano, uma vez que
a indiferença às culturas e climas locais das vanguardas seriam progressivamente postas em discussão - sobretudo após a segunda guerra mundial.
Nesse contexto, o governo norte-americano percebe
novos possíveis aliados: países periféricos do Terceiro Mundo, em especial, a América Latina, através
da chamada “Política da Boa Vizinhança”. O projeto
entende que a propagação cultural funciona como
estratégia política de atuação dos Estados Unidos
nesse contexto e que o Museu, desde sua fundação,
funciona como ferramenta essencial dessa política
externa dos Estados Unidos. Como iniciativa de
um plano de construção de alianças, a instituição
começa a olhar para a arte latino-americana, o que
é documentado pela publicação The Latin American
Collection of The Museum of Modern Art, em 1943,
seguida de outras exposições focadas na arte e
arquitetura latino-americanas, recheadas de exaltações e elogios a respeito da “outra cultura”, como
novo conceito artístico e nova possibilidade de
linguagem do modernismo em revisão. Por um
lado, busca-se entender a exposição de 1955 e a
consequente publicação no âmbito tanto de questões afeitas ao campo disciplinar da arquitetura e
à revisão que o modernismo sofrerá no segundo
pós-guerra, quanto de aspectos mais amplos de
cunho político e cultural. Por outro lado, procura-se entender o discurso ali construído e que se
difundirá como visão da arquitetura moderna
latino-americana. Assim, não apenas as escolhas
feitas pela curadoria, mas também a conjuntura
social, histórica e política do MoMA - no que diz
respeito ao seu poder de divulgação e criação de
uma nova crítica à arte moderna e a suas conexões
diretas com a Política de Boa Vizinhança então em
curso - passam a ser aspectos centrais para o desenvolvimento da pesquisa. O projeto tenta entender os interesses por trás do filtro norte-americano ao vender a arte e arquitetura
latino-americanas para o mundo, e para isso é
necessário entender os discursos e os arquitetos
apresentados no catálogo de Hitchcock, de forma
costurada ao contexto em que foi publicado.
5. Habitação social e identidade nos Congressos Panamericanos de Arquitetura
Bruna Carolina de Souza Pereira
149
(FEC-UNICAMP / Bolsa PIBIC-CNPq)
orientação: Profa. Dra. Josianne Francia Cerasoli
(IFCH-UNICAMP)
Este projeto tem como propósito o estudo da habitação social, aliado à percepção de um repertório
identitário da América, a partir dos Congressos
Pan-americanos de Arquitetos referentes ao
período entre 1920 e 1930. Através da análise de
bibliografia relacionada ao tema, objetivou-se compreender a problemática habitacional no Brasil,
principalmente, por um viés histórico, político,
econômico e cultural, posto que a crise de moradia
era uma preocupação pertinente a todos os setores
da sociedade, embora por motivos distintos e delineados por concepções higienistas e moralizantes.
Profissionais, como sanitaristas, médicos, arquitetos e engenheiros, se mobilizaram para encontrar
soluções cabíveis às condições miseráveis em que
se ocupavam as habitações operárias, como casebres e cortiços, e ao contexto de epidemias que se
propagavam, sobretudo a partir de cidades portuárias. Nessa medida organizaram-se congressos
que tratavam, sobretudo, da habitação operária e
dos problemas de salubridade a ela vinculados.
Definiram-se então medidas e resoluções, especialmente de cunho técnico, que nortearam o pensamento sobre a habitação popular das décadas seguintes. Desses encontros, pode-se citar o
Congresso de Habitação de São Paulo (1931) e os
Congressos Pan-americanos de Arquitetura, do
qual vários países da América Latina participaram
a partir de 1920. É dessa maneira, então, que são
propostos padrões de construção para baratear as
casas e que se difundiu a importância dessas moradias como instrumento de controle social. É
preciso destacar, enfim, que este resumo objetiva
apontar que os programas habitacionais no Brasil
não têm priorizado modos distintos de sociabilidade
e moradia, mas sim o controle e a subordinação
do modo de vida das populações, sobretudo
trabalhadores. Desse modo se evidencia que a
destruição de cortiços e expulsão dos pobres do
centro urbano são reflexos de uma preocupação
“social” modelada por interesses secundários, o
que também se reflete na consolidação de propostas políticas e ideológicas, cujo propósito não tinha
por base amparar tais setores da sociedade. Neste
ponto a habitação operária passa a ser uma preocupação para classes dominantes quando o medo
das aglomerações e epidemias, associadas a este
tipo de moradia, desolam a cidade e ameaçam os
bairros ricos. Ainda assim, as medidas tomadas
pelo governo são sempre parciais, favorecendo os
150
mais abastados, e reafirmando um discurso intransigente e discriminatório em relação às habitações
e seus moradores. Os casebres, cortiços e casas de
cômodos são, então, pulverizados, invadidos, desinfectados e, muitas vezes, queimados, sem que
propostas de construção de novos abrigos fossem
articuladas na mesma proporção. É preciso lembrar
que o pensamento médico, sanitarista e a arquitetura progressista atribuíam ao meio ambiente a
qualidade de agente transformador de indivíduos,
de tal maneira que à casa operária serão anexados
conceitos de higienização e moralização dos moradores (como maneira de suprimir a promiscuidade dos cortiços). É neste rumo que seguem as
propostas para habitações econômicas, sendo
construídas vilas operárias, conjuntos habitacionais e, por fim, casas unifamiliares: o modelo ideal
de habitação, posto que é individual, higiênica e
disciplinar. Portanto, é através da manipulação
dos espaços, do meio ambiente que se pretende
“adequar” o proletariado à civilização moderna.
MESA 12
Trabalho, trabalhadores e memória
comentário: Profa. Dra. Ana Lanna (FAU-USP)
coordenação: Prof. Dr. Eduardo Costa (EC e
IFCH-UNICAMP)
1. Patrimônio ferroviário na cidade de São
Paulo: a importância da linha Santos-Jundiaí
para os bairros do Tamanduateí
Paloma Silva Viana (USJT / Programa PIVIC-USJT)
orientação: Profa. Dra. Andréa de Oliveira Tourinho (USJT)
A partir do estudo da urbanização dos bairros
industriais de São Paulo e da relação que as primeiras ocupações industriais estabeleceram com
a linha férrea a partir do final do século XIX, a
pesquisa pretende verificar o tratamento que tem
sido dado à discussão sobre a preservação do patrimônio ferroviário e industrial nos processos de
tombamento e estudos realizados pelos órgãos de
preservação do patrimônio histórico na cidade de
São Paulo. Dada a relevância da ferrovia e indústria na consolidação da cidade de São Paulo, diversos imóveis de uso originalmente ferroviário e
industrial são considerados patrimônio cultural,
sendo reconhecidos através do tombamento. O
recorte estudado se refere a área compreendida
no perímetro da Operação Urbana Consorciada
Bairros do Tamanduateí, anteriormente denominada Operação Urbana Consorciada Mooca - Vila
Carioca, que é marcada pela passagem da linha
férrea e ocupação industrial nas áreas lindeiras a
ela. A pesquisa parte da análise de mapas e pesquisa bibliográfica. Através da comparação, pretende-se verificar se o patrimônio industrial e
ferroviário é visto como uma unidade ou se é dissociado em seu reconhecimento na paisagem dos
bairros. A atual separação entre indústria e ferrovia nos tombamentos pode descaracterizar o patrimônio, pois desconsidera a estreita relação que
existe entre eles, observada na configuração
urbana dos bairros e na implantação dos galpões
industriais. Esses bens poderiam ser considerados
em conjunto, respeitando a história do lugar. Nesse
sentido, considerar a integração entre ferrovia e
indústria é a melhor forma de entender o patrimônio como uma paisagem cultural. Verifica-se
com a pesquisa que os estudos que subsidiam o
tombamento e o restante da bibliografia consultada que a relação entre a linha férrea e indústria é
reconhecida, no entanto, na efetiva proteção dos
bens, são poucos os processos que abrangem tanto
o patrimônio ferroviário quanto o industrial. Em
sua grande maioria, o patrimônio é dissociado.
2. Inventário das Arquiteturas do Patrimônio
Cultural Ferroviário na Associação dos Municípios da Região Carbonífera - AMREC
Lays Juliani Hespanhol e Alice Bortoluzzi
(UNESC / Bolsa PIC-SC)
orientação: Profa. Ms. Aline Eyng Savi (UNESC)
O Patrimônio Cultural Material é aquele que por
hábito chamamos de Patrimônio, tudo aquilo que
o homem ao interagir com o meio em que vive e
usando os conhecimentos adquiridos, fabricou ou
construiu ao longo de sua existência. Desde o século
passado, os trilhos foram responsáveis por desenhar
as cidades e ainda fazem parte da paisagem construída. Esta por sua vez, é um bem cultural, que
destaca a percepção do território, a relação do indivíduo com seu meio. O Patrimônio Cultural Ferroviário vem sendo estudado pelo IPHAN há pelo
menos uma década, por meio de pesquisas e busca
de conhecimento. A Lei Federal número 11.483, de
31 de maio de 2007, atribuiu ao Instituto a responsabilidade de receber e administrar os bens móveis
e imóveis de valor artístico, histórico e cultural,
oriundos da extinta Rede Ferroviária Federal S.A.
(RFFSA), bem como zelar pela sua guarda e manutenção. Desde então, o Instituto avalia, dentre todo
o espólio oriundo da extinta RFFSA, quais são os
bens detentores de valor histórico, artístico e cultural. Afinal, muitos municípios brasileiros surgi-
ram e muitas regiões se desenvolveram, em função
das ferrovias e de suas estações. Nessa perspectiva,
a região sul do Estado de Santa Catarina teve muitas
de suas cidades desenvolvidas às margens da Ferrovia Dona Tereza Cristina, ligada à extinta RFFSA.
Ela teve como atividade principal a exploração de
serviços de transporte ferroviário de carga, especialmente o carvão mineral, produzido no sul do
Estado de Santa Catarina, e destinado à geração de
energia termelétrica. Consolidada a primeira linha
férrea, construíram-se ramais para alcançar Criciúma, Urussanga e redondezas onde aflorava o
carvão. Na cidade de Criciúma, a ferrovia ajudou
a desenhar o traçado urbano. A principal ligação
da cidade - Avenida Centenário - foi projetada no
local onde passava o ramal férreo. Ainda hoje, os
trilhos e o apito do trem fazem parte do cenário de
alguns bairros da cidade. Essa mesma paisagem
pode ser encontrada em outros municípios que
faziam parte do ramal sul da Ferrovia. Ignorar o
patrimônio cultural ferroviário, deixando-o esquecido na história das cidades é perder parte importante dos monumentos que ajudaram a criar o
cenário de crescimento e desenvolvimento de uma
região. A primeira ação para que isso não aconteça
é inventariar arquiteturas, de modo a gerar dados
permanentes. É fundamental gerar documentação
acerca dos bens patrimoniais, permitindo o conhecimento de sua existência e a preservação das informações. Reunir dados que contextualizem, na
história e no território, os bens que são objetos de
estudo. Organizar as informações provenientes de
universos culturais temáticos ou territoriais, sejam
eles pertencentes ou não da lista apresentada.
Sabendo disso, o resumo apresenta o projeto de
iniciação cientifica cujo objetivo é: elaborar um
registro amplo da arquitetura do Patrimônio Cultural Ferroviário pertencente à Ferrovia Tereza
Cristina na região da AMREC. A construção do inventário do patrimônio cultural ferroviário é uma
etapa inicial e indispensável no processo de registro de bens culturais, trabalho necessário no sentido
de incentivar a preservação dos mesmos e viabilizar ações municipais nesse sentido.
3. Chafarizes e a memória
da escravidão em São Paulo
Artur Santoro (FFLCH-USP / Estágio em pesquisa
Projeto Contracondutas - EC)
orientação: Profa. Ms. Amália Cristovão dos
Santos (EC) e Prof. Dr. José Guilherme Magnani
(FFLCH-USP)
Esta linha de pesquisa parte de um questionamen-
151
to da historiografia tradicional sobre São Paulo, a
saber, qual é o lugar da população escravizada na
constituição da cidade e da sociedade paulista. Em
função do uso mais numeroso de mão de obra
escrava em outras porções da América portuguesa,
destacadamente no nordeste açucareiro, e das importantes alianças estabelecidas entre colonos portugueses e grupos indígenas na região do atual
estado de São Paulo, a escravidão foi, por muito
tempo, tema secundário nas pesquisas históricas
acerca desse território. Da mesma forma, após a
abolição da escravatura, as frequentes ações de
exclusão da população recém-liberta, especialmente com a inclusão massiva de imigrantes europeus
nos novos postos de trabalho criados, contribuíram
para solidificar o obscurecimento da população
negra nas narrativas e representações sobre a São
Paulo do progresso. A partir dessas constatações,
propomos nesta linha de pesquisa resgatar as memórias da presença da escravidão e da população
escravizada na cidade, tomando como objeto central
os chafarizes, originalmente construídos como
elementos da infraestrutura urbana. Presentes
desde o período colonial e extintas no decorrer do
século XX, essas construções delimitavam espaços
de convivência e sociabilidade de pessoas escravizadas, uma vez que cabia a elas a tarefa de buscar
água. Os chafarizes e seus arredores eram vistos
pelas elites locais e pelo policiamento da cidade
como áreas com grande potencial para “vadiagem”,
brigas, confusões e até mesmo para o planejamento de rebeliões, por serem locais privilegiados para
o encontro dos grupos escravizados e de pessoas
livres e pobres. Tendo como mote a modernização
dos sistemas de abastecimento de água - principalmente por meio da implementação de encanamentos -, os chafarizes deixaram de ser essenciais e
foram paulatinamente extintos, restando apenas
aqueles de função contemplativa ou paisagística.
A partir desse escopo, buscaremos reconfigurar a
inserção da população negra na formação da história paulista e retomar a escravidão como tema
de pesquisa dentro desse recorte. Entendemos ainda
que o apagamento do trabalho escravo e dessa
população na historiografia paulista resulta, entre
outras coisas, numa maior vagueza acerca do entendimento contemporâneo de “trabalho análogo
à escravidão”, cuja definição legal encontra-se
atualmente em disputa e para a qual nossa pesquisa almeja também contribuir.
4. Análise qualitativa da vila operária da
Companhia Antarctica Paulista
Denis Jesus Mignoli (USJT / Programa RIC-USJT)
152
orientação: Profa. Dra. Ana Paula Koury (USJT e
IEB-USP)
A Vila Operária da Companhia Antarctica Paulista
é uma das várias habitações operárias do começo
do século XX na região leste da Cidade de São Paulo.
Ela é pouco citada e está inserida em uma das
maiores empresas de cervejaria do século passado.
Tem por objetivo essa pesquisa demonstrar possíveis benefícios da presença dessas vilas na fábrica;
recuperar seu significado e consequentemente
recuperar uma identidade cultural para o bairro;
acrescentar um novo elemento a narrativa histórica das habitações operárias em São Paulo. A
pesquisa realizará levantamento documental e sua
análise qualitativa. A metodologia utilizada é
baseada em: leitura de periódicos e relatórios feitos
pelos higienistas sobre as vilas operárias da época,
retirados da Hemeroteca Mario de Andrade; consulta ao acervo da empresa; levantamento e leitura
de títulos relacionados ao tema; perfil social do
dono da empresa, comparações com outras vilas
(Vila Maria Zélia- Belenzinho); pesquisa qualitativa com antigos moradores; pesquisa pelas plantas
da cidade de São Paulo da época; fotos áreas cedidas
pela EMPLASA; levantamento documental de
plantas no Arquivo Histórico Municipal de São
Paulo. O presente trabalho analisará a Vila Operária da Companhia Antarctica Paulista e seus possíveis benefícios com seus operários. A Vila Operária em questão possuía 36 casas, 65m² cada de
área construída, junto à Avenida Presidente Prudente e era destinada aos operários mais especializados. Atualmente a vila operária se encontra
demolida, motivos estes que não foram encontrados. Através da análise qualitativa com os antigos
moradores foi obtido um significado à vila, identidade cultural forte com o espaço e função social
do ambiente, caracterizando uma agregação do
recinto. Estes pré-resultados demonstram que a
vila operária, juntamente com a fábrica, possui
forte presença na memória de seus antigos moradores e revela grande oportunidade de incrementar a narrativa do bairro e das habitações operárias
de São Paulo com um novo ponto de vista. Outro
resultado obtido através da pesquisa da história
da Companhia é o destaque da Fundação Antônio
e Helena Zerrenner, que ofereceu assistência social
completa aos seus empregados, operários e familiares, reforçando o papel pioneiro desta empresa
e sua capacidade de cooperação entre dirigentes
e dirigidos.
5. Etnografia do canteiro e a cultura do trabalho escravo
Juliana Barbosa (FIAM-FAAM / Estágio em pesquisa Projeto Contracondutas - EC)
orientação: Prof. Ms. Pedro Lopes (EC), Profa. Ms.
Amália Cristovão dos Santos (EC) e Prof. Dr. José
Eduardo Baravelli (FIAM-FAAM)
A partir do flagrante de 111 pessoas em situação
de trabalho análogo à escravidão no canteiro de
obras em Guarulhos, esta linha de pesquisa propõe
explorar os encontros e relações entre a antropologia e a arquitetura, por meio da aproximação
teórico-metodológica entre ambos os campos na
realização de pesquisa etnográfica. O diálogo com
a antropologia vem sendo bastante invocado nos
espaços de pesquisa e atuação da arquitetura e do
urbanismo, marcadamente em debates que envolvem a observação de contextos localizados. Nesse
campo disciplinar, orientações teórico-metodológicas possibilitam uma aproximação com relações
sociais encarnadas, o que oferece importantes subsídios ao trabalho reflexivo e propositivo da arquitetura. Compreendendo também outros potenciais
recortes que investiguem a relação entre esses
campos, o que esta pesquisa propõe é voltar a
atenção para as pessoas que trabalham em grandes
canteiros da construção civil, tendo como objeto
inicial as obras para o novo terminal do aeroporto
de Guarulhos. A precarização do trabalho encontrada nos canteiros de obras das grandes empresas
construtoras brasileiras exige um esforço da atividade de pesquisa que ultrapassa a militância contra
a condição análoga à escravidão encontrada em
meio rural e em atividades extrativistas. É preciso
pesquisar a inserção produtiva deste trabalho precário num novo patamar de atividade econômica,
caracterizado pelo domínio da tecnologia organizacional e pelos sistemas de gestão de matriz industrial, mantendo-se a etnografia como norte
teórico-metodológico. A abordagem proposta segue
as pesquisas antropológicas de Alain Morice, centradas nos processos de submissão social e cultural
dos trabalhadores que ocupam a base produtiva
destes grandes canteiros - peões, serventes e ajudantes de obras - desta vez como trabalhadores
sub-empreitados e submetidos a sistemas de gestão
de qualidade e procedimentos de controle e medição
de serviços. Caminhando nessa direção, esta pesquisa estrutura-se a partir de dois objetivos centrais:
(1) Identificar os sistemas de gestão de qualidade
e os procedimentos de controle e medição de serviços sub-empreitados que forma utilizados nas
obras de construção do novo terminal do aeropor-
to de Guarulhos; e (2) analisar através de estudo
dos processos trabalhistas e entrevistas selecionadas como estes sistemas e procedimentos de controle da produtividade atuaram sobre os 111 trabalhadores desse canteiro de obras que foram
flagrados em condição análoga à escravidão. Espera-se que os resultados finais configurem um registro que venha a se tornar referência para novas
pesquisas dentro desses moldes, e também contribuindo para a consolidação da interface entre arquitetura e antropologia na Escola da Cidade e suas
parcerias com outras instituições.
153
Professores convidados
Profa. Dra. Ana Castro
Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo
pela Universidade de São Paulo (1997), mestrado
em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade
de São Paulo (2005) e doutorado em Arquitetura e
Urbanismo pela Universidade de São Paulo (2013).
Atualmente é professora doutora da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo - USP, Membro de corpo
editorial da Revista Negativo e da revista Cadernos
de Pesquisa da Escola da Cidade. Tem experiência
na área de arquitetura e urbanismo, com ênfase
em fundamento sociais da arquitetura e urbanismo.
Atuando principalmente nos seguintes temas:
cidade, história, historiografia, cultura urbana, São
Paulo e América Latina.
Profa. Dra. Ana Lanna
Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (1980), mestrado
em História pela Universidade Estadual de Campinas (1985), doutorado em História Social pela
Universidade de São Paulo (1994) e pós-doutoramento na Univ. Paris IV- Sorbonne (2001). Atualmente é professora titular da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo. Foi diretora
do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo (2006-2010) e Presidente
do CONDEPHAAT (2013-2015). Tem experiência na
área de história, com ênfase em história do Brasil,
atuando principalmente nos seguintes temas: história das cidades, patrimônio cultural, arquitetura,
história urbana e história social. Coordenadora do
Projeto Temático FAPESP São Paulo: os estrangeiros e a construção da cidade.
Profa. Dra. Beatriz Kara José
Formada Arquiteta e Urbanista pela Universidade
de São Paulo (1997), mestre em Estruturas Ambien-
154
tais Urbanas (2005) e doutora em Planejamento
Urbano e Regional (2010) pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo. Atualmente é professora de desenho urbano
e planejamento urbano no bacharelado de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Senac.
Tem experiência na área de arquitetura e planejamento urbano, atuando principalmente nos seguintes temas: habitação, reabilitação urbana,
intervenções em áreas centrais e políticas intersetoriais voltadas para superação da vulnerabilidade sócio-espacial.
Prof. Dr. Caio Santo Amore
Professor Doutor no Departamento de Tecnologia
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, instituição onde se graduou
(1997) e obteve os títulos de mestre em Estruturas
Ambientais Urbanas (2005) e doutor em Planejamento Urbano e Regional (2013). Arquiteto e urbanista associado da ONG de Assessoria Técnica
Peabiru - trabalhos comunitários e ambientais
desde 1998. Tem experiência na área de arquitetura e urbanismo, com ênfase em ensino superior
e em projetos de arquitetura, planos e estudos
urbanísticos, coordenação de equipe, atuando sobretudo em temas ligados à habitação de interesse social, áreas de urbanização precária e assessoria técnica a movimentos sociais e populares. Profa. Dra. Glória Kok
Possui graduação em Filosofia pela Universidade
de São Paulo (1988), mestrado em História Social
pela Universidade de São Paulo (1993), doutorado
em História Social pela Universidade de São Paulo
(1999) e pós-doutorado junto ao Departamento de
Antropologia da UNICAMP (2006-2011). Atualmente é pesquisadora do Laboratório de Arqueologia
dos Trópicos e pós-doutoranda do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP (2013). Pesquisa nas
áreas de história colonial, antropologia, história
indígena, história de São Paulo e história da ocupação da Amazônia.
Prof. Dr. José Eduardo Baravelli
Possui graduação, mestrado e doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São
Paulo, além de graduação em Filosofia pela Universidade de São Paulo. Realizou estágio de pesquisa no Hunter College/CUNY e na GSAPP/Columbia University com apoio da Capes e da Comissão
Fulbright do Brasil. É arquiteto associado do Centro
de Trabalhos para o Ambiente Habitado (USINA),
pesquisador-colaborador do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos (LabHab / FAUUSP) e professor da FIAM-FAAM e da Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
São Paulo. Tem experiência em projeto de edificações e infraestrutura urbana, atuando principalmente nos seguintes temas: tecnologia da arquitetura, habitação social e assentamentos informais.
Profa. Dra. Maria Lucia Bressan Pinheiro
Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo
pela Universidade de São Paulo (1980), mestrado
em Arquitetura e Urbanismo (1989) e doutorado
em Estruturas Ambientais Urbanas (1997) pela
Universidade de São Paulo. Atualmente é professora doutora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e coordenadora geral do projeto “Plano de Gestão de
Conservação para o Edifício Vilanova Artigas”, que
conta com recursos do programa Keeping it Modern,
patrocinado pela Fundação Getty. Foi diretora do
Centro de Preservação Cultural-CPC da USP (20062010). Tem experiência na área de arquitetura e
urbanismo, com ênfase em história e preservação
da arquitetura brasileira, atuando principalmente
nos seguintes temas: história da arquitetura brasileira e preservação do patrimônio cultural.
Profa. Dra. Marta Bogea
Possui graduação em arquitetura e urbanismo pela
Universidade Federal do Espírito Santo (1987),
mestrado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1993) e
doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (2006). Atualmente é professora doutora no Departamento de Projeto da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
Tem experiência na área de arquitetura e arte,
com ênfase em teoria e projeto, atuando principalmente nos seguintes temas: arquitetura, arte,
cidade contemporâneas. Profa. Dra. Paula Santoro
Arquiteta e urbanista, professora do Departamento de Projeto da FAUUSP, atualmente coordena
projeto observaSP junto ao LabCidade FAU-USP.
Graduada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (1997), mestre
em Estruturas Ambientais Urbanas, FAU-USP (2004)
e doutora em Habitat, FAU-USP (2012). Fez parte
do doutorado na Universidade Politécnica da Cataluña (ETSAB-UPC) e cursou especialização em
Política de Terras na América Latina pelo Lincoln
Institute of Land Policy, Panamá (2007). Foi Assistente Técnica do Ministério Público do Estado de
São Paulo nos temas Habitação, Urbanismo e Meio
Ambiente (2011-2013) e trabalhou na cooperação
brasileira com o Governo de Moçambique para
elaboração da Política Nacional de Habitação
(2009). Tem experiência na área de arquitetura e
urbanismo, atuando principalmente nos seguintes
155
temas: plano diretor, planejamento territorial,
meio ambiente, urbanismo, plano urbano, gestão
social da valorização da terra, mobilidade urbana,
espaço público/ comum. Profa. Dra. Sabrina Studart Fontenele
Doutora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo na área de História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo (2008). Possui graduação em Arquitetura e
Urbanismo pela Universidade Federal do Ceará
(2000) e mestrado em Arquitetura e Urbanismo
pela Universidade de São Paulo (2004). Funcionária do Centro de Preservação Cultural da USP (CPCUSP) atuando na área de “Construções, conjuntos
e sítios”. Desenvolve pesquisa de pós-doutorado
no Instituto de Filosofia, Ciências Humanas da
Unicamp. Tem experiência na área de arquitetura
e urbanismo, com ênfase em história da arquitetura e urbanismo, atuando principalmente nos
seguintes temas: história da arquitetura, patrimônio histórico, restauro, arquitetura e restauração.
Profa. Dra. Silvana Rubino
Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1982), mestrado em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (1992) e doutorado em Ciências Sociais pela
mesma instituição (2002). É professora do Departamento de História da Universidade Estadual de
Campinas. Foi coordenadora da pós-graduação em
História, IFCH-UNICAMP (2006-2008). Realizou
estágio pós-doutoral na École des Hautes Études
en Sciences Sociales. É conselheira do Condephaat
e no momento, termina a redação de sua tese de
livre-docência a respeito de arquitetas do movimento moderno, uma pesquisa que vincula gênero
e história da cultura.
156
Profa. Dra. Taisa Palhares
Professora de Estética no Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/
Unicamp). Possui graduação (1997), mestrado
(2001) e doutorado em Filosofia (2011) pela Universidade de São Paulo (USP). De 2003 a 2015 foi
pesquisadora e curadora da Pinacoteca do Estado
de São Paulo. Realiza estudos nas áreas de estética
e artes visuais, com ênfase na pesquisa sobre a
fundamentação da obra de arte desde a modernidade. Atualmente desenvolve pesquisa sobre a
percepção estética como jogo em Walter Benjamin
e sua relação com a arte moderna e contemporânea.
normas para
a submissão
de textos
158
Normas para a submissão de textos
1. Condições Gerais
As colaborações (fluxo contínuo) serão sempre
bem-vindas e apreciadas pelo conselho editorial,
que avaliará a pertinência de sua publicação e
encaminhará o texto para a avaliação de pareceristas. A partir de seu terceiro número a revista
Cadernos de Pesquisa da Escola da Cidade passará
a receber além de artigos científicos, textos provenientes de pesquisa de caráter mais experimental
que conformarão uma nova seção.
É responsabilidade do autor encaminhar textos
de acordo com as normas estabelecidas pela revista,
sob pena de não serem aceitos para publicação.
Cabe à revista e seus editores adequar os textos
originais ao seu padrão editorial, submetendo os
artigos à revisão gramatical e de estilo, assim como
estabelecer os prazos para publicação. O padrão
de formatação tem por base as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), conforme as orientações que se seguem.
As colaborações para publicação deverão ser
encaminhadas através do e-mail:
[email protected]
A Revista Cadernos de Pesquisa da Escola da
Cidade não se responsabiliza pela redação, nem
pelas ideias emitidas pelos colaboradores e autores
dos trabalhos publicados. Todas as submissões
deverão ser acompanhadas de declaração assinada segundo o modelo a seguir. Para trabalhos com
mais de um autor, cada autor deve encaminhar
uma declaração.
DECLARAÇÃO - REVISTA CADERNOS
DE PESQUISA DA ESCOLA DA CIDADE
- Eu, (nome completo), CPF (número), RG
(número), residente no endereço (endereço
completo), autorizo a revista Cadernos de
Pesquisa da Escola da Cidade a publicar o artigo
(título e subtítulo). Atesto como sendo expressão absoluta da
verdade as seguintes afirmações: - Sou o único autor do artigo acima nomeado /
Sou autor do artigo acima nomeado, em coautoria com (nomes completos dos co-autores)
[ESCOLHER UMA DAS DUAS ALTERNATIVAS]. - O artigo enviado para avaliação é inédito /
foi publicado em (dados completos da publicação
original) [ESCOLHER UMA DAS DUAS
ALTERNATIVAS]. - Sou responsável exclusivo pela redação, ideias e
opiniões presentes no artigo.
- Assumo total responsabilidade pelas imagens
utilizadas no texto, devidamente identificadas
com fonte e crédito.
(Local e data)
(Assinatura e nome completos do autor)
2. Formatação
Os arquivos devem ser encaminhados em formato
.doc ou .docx. O texto deve apresentar título (eventual sub-título) e nome por extenso do autor acompanhado de nota de rodapé onde deverão constar
as seguintes informações: formação acadêmica,
titulação, vínculo institucional e endereço eletrônico. Os Artigos devem ter entre 30.000 e 75.000
caracteres (com espaço) e conter título, resumo
(máximo de 300 palavras) e palavras-chave em
português, inglês e espanhol. Caso o trabalho tenha
obtido apoio financeiro de alguma instituição, esta
informação deverá ser mencionada abaixo do
nome do autor.
159
Os textos deverão seguir o seguinte padrão:
Formato A4 – Margens 2cm – Alinhamento justificado – Parágrafo com espaçamento 6pt (sem tabulação) e entre linhas simples. Fonte Arial tamanho
11 (para textos e títulos) e 9 (referências bibliográficas, notas e citações).
As notas explicativas e referências bibliográficas deverão ser apresentadas ao final do texto. 3. Apresentação
3.1. Seções
O texto deve seguir a ABNT NBR 6024/2003 (Informação e documentação – Numeração progressiva
das seções de um documento escrito – Apresentação). As divisões do trabalho são numeradas com
algarismos arábicos, sem utilizar qualquer outro
sinal (ponto, parêntese ou travessão). O indicativo
de seção ou de título deve ser escrito em negrito. 3.2. Citações
Seguem o padrão da ABNT NBR 10520/2002 (Informação e documentação – Citações em documentos
– Apresentação). Todos os textos citados devem
constar na lista de referências. As citações diretas
ou indiretas no corpo do texto devem seguir o
sistema de chamada autor-data. As citações diretas
com mais de três linhas devem ser formatadas em
arial 9, entre linhas simples, recuo de 4cm da
margem esquerda e sem aspas ou itálico.
3.3. Notas explicativas
As notas devem ser exclusivamente explicativas e
deverão ser enumeradas sequencialmente, com
algarismos arábicos. Todas as notas deverão ser
listadas no final do trabalho, usando fonte arial 9.
160
4. Referências bibliográficas
Deverão seguir o padrão ABNT NBR 6023/2002
(Informação e documentação – Referências – Elaboração). As referências devem ser listadas no final
do trabalho, em ordem alfabética, utilizando fonte
Arial 9. 5. Imagens Serão aceitas entre 4 e 6 imagens para cada artigo,
publicadas ao final dos textos. As imagens deverão
assim ser numeradas e encaminhadas em formato
.jpg, com resolução mínima de 300dpi (10x15cm),
acompanhadas de documento .doc ou .docx com
legendas que acompanhem a numeração. As legendas devem também conter obrigatoriamente
informações sobre fonte e crédito das imagens.
fontes Noto Sans e Noto Serif
papel alta alvura 90g/m2
impressão Gráfica Flavio Motta
2a Edição
São Paulo
Setembro de 2016
tiragem 500
ISSN 2447-7141

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