Resenha Albergue Espanhol - Direitos Humanos e Cinema

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Resenha Albergue Espanhol - Direitos Humanos e Cinema
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
ACIEPE DIREITOS HUMANOS PELO CINEMA
DIREITOS LINGUÍSTICOS
FILME: O ALBERGUE ESPANHOL
L’auberge espagnole. França/Espanha, 2003. Comédia Romântica. 115 min.
Direção: Cédric Klapisch. Com: Romain Duris, Judith Godrèche e Audrey
Tautou
Em busca de identidade e direitos linguísticos
Xavier é um jovem francês de 25 anos e está no final de seu curso de
Economia. Diante de uma proposta de emprego de um amigo do pai, decide
concluir seus estudos na Espanha pelo programa de intercâmbio Erasmus,
isso porque, para preencher a vaga era necessário saber a língua espanhola.
As aventuras do jovem parisiense tem como palco a cidade de Barcelona, uma
das cidades mais dinâmicas da Europa, centro turístico espanhol e capital da
Catalunha.
Ao chegar em Barcelona, sem saber falar espanhol, Xavier tem um
primeiro contato com o desconhecido: as ruas, as construções, nomes dos
lugares, tudo é diferente, incluvise os “nomes bizarros” que Xavier diz ter que
decorar. Procura um lugar para morar e, depois de passar por moradias
provisórias e depender de favores, encontra um apartamento com estudantes
de intercâmbio de várias nacionalidades. Ao todo são sete jovens de
nacionalidades, línguas e personalidades distintas. Há um italiano, um alemão,
um dinamarquês, uma inglesa,
uma espanhola, uma belga e agora um
francês, Xavier. A multiplicidade de línguas e a confusão daquele grupo faz
Xavier lembrar do caos que existe em sua cabeça, fazendo com que ele se
identifique com as pessoas e o lugar imeditamente.
O filme é narrado em francês, mas tem constantes diálogos em outras
línguas, como inglês e espanhol. O primeiro choque linguístico mostrado no
filme acontece dentro da Universidade de Barcelona, quando um grupo de
estudantes estrangeiros reclamam de um professor que ministra suas aulas em
catalão. Eles não entendem o que o professor diz porque falam o castelhano.
Uma aluna belga pede para que o professor passe a falar em castelhano, o
diálogo deles abaixo:
- Com licença, senhor?
- Pois não?
- Será que poderia dar a aula em castelhano?
- Impossível. A maioria dos estudantes é catalã. Por que deveria trocar
os idiomas? (resposta em castelhano)
- Nós, os 15 estudantes Erasmus, não falamos catalão e falar espanhol
não é um problema para você.
- Entendo perfeitamente sua posição, senhorita. Mas entenda a minha
também. Estamos na Catalunha. Aqui, o Catalão é a língua oficial. Se quiser
falar Espanhol, vá para Madrid ou para a América do Sul.
A partir deste diálogo, podemos entender que a variação linguística na
Espanha é mais do que espacial e histórica, mas também política. O
Castelhado é a língua oficial da Espanha e falada por quase toda a população
do país. Os choques políticos entre o nacionalismo espanhol e o nacionalismo
regional faz com que a questão linguística se torne presente no dia a dia, tanto
de espanhóis quanto de turistas.
A obra promove seu enredo como uma ficção de jovens aventureiros,
mas se revela como uma intensa discussão acerca de identidade, liberdades e
direitos. Quando tratamos de direitos e liberdades estabelecidos na Declaração
Universal de Direitos Humanos, não podemos deixar de lado a questão dos
Direitos Linguísticos. Eles estabelecem os direitos de cidadãos e cidadãs para
escolherem o idioma que desejam se comunicar, seja na esfera pública ou na
privada, sem distinção de etnia, nacionalidade, gênero ou número de falantes
de determinada língua em algum território. Isso quer dizer que cada pessoa
tem o direito de compreender e expressar-se da maneira que julgar mais
conveniente. Nenhum idioma deve se sobressair aos outros ou se colocar de
forma hegemônica.
O professor de Economia, ao se negar em ministrar suas aulas em
Castelhano está em seu completo direito. No entanto, todo aluno tem o direito
de compreender o que está sendo falado em sala de aula, o que torna o pedido
deles legítimo. Tendo em vista que castelhano e catalão são dois idiomas
completamente diferentes, não seria dever dos estudantes aprenderem as
duas línguas? A Universidade de Barcelona não deveria exigir os dois idiomas
dos alunos de intercâmbio? Os alunos não têm o direito de entender o que os
professores falam?
Todas essas questões nos levam à discriminação linguística e a maneira
como ela está intimamente relacionada a outros tipos de discriminações.
Ocorre discriminação linguística no caso de dois grupos possuírem línguas
diferentes, e o primeiro grupo deve aprender a língua do segundo, mas o
segundo não deve aprender a do primeiro. Na situação da Universidade,
ambos os grupos sofrem tal discriminação, o que no decorrer do filme se
desenvolve como uma discriminação em um quadro mundial, que expande
barreiras culturais, étnicas e racias. Exemplo disso é o personagem inglês,
William, irmão de uma das moradoras do Albergue, que categoriza os outros
moradores superficilamente de acordo com suas nacionalidades. É através da
língua que William representa todos os estereótipos para cada nacionalidade:
para ele o francês só fala de amor e com biquinho, o alemão é sempre ríspido
e o espanhol é sempre alegre e fala alto.
Essa atitude causa desconforto entre os moradores do Albergue, uma
vez que são jovens e estão buscando suas identidaes, estas que vão sendo
construídas pelos seus caminhos, e agora em um lugar onde são estrangeiros.
Nessa nova experiência, os jovens vão descobrindo que não existe uma única
identidade
válida,
mas
uma
grande
variedade
delas
completamente
compatíveis. É uma questão de respeito.
Questões como a afirmação da nacionalidade e os contrastes de uma
Europa unificada estão presente no filme. Para a intercambista belga “parece
contráditório falar Catalão em um momento que estamos construindo a União
Europeia”. Os direitos linguísticos permitem que em Barcelona e em toda a
região da Catalunha as pessoas se comuniquem em Catalão ou em
Castelhano, é o direito delas se identificar com duas línguas. O idioma deve ser
entendido e escolhido livremente pelos interessados. No entanto, a
compreensão na comunicação deve ser o principal objetivo entre os
interlocutores, o que elimina o direito de um deles de escolher o idioma que
deseja falar.
Albergue Espanhol se apresenta como um filme jovem, leve e divertido,
mas traz questões profundas acerca da formação de identidades individuais e
nacionais, além da discussão de direitos linguísticos.

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