OS DEZ MANDAMENTOS

Transcrição

OS DEZ MANDAMENTOS
Os Dez Mandamentos
Frei Bruno Glaab
Os Dez Mandamentos aparecem em Ex 20,2-17, em Dt 5,6-21 e foram adaptados para
os nossos catecismos, numa linguagem atualizada. Na versão hebraica o primeiro mandamento se divide em dois e o décimo mandamento se torna dois mandamentos em nossos catecismos.
Êx 20,2-17
Dt 5,6-21
Em nossos Catecismos
1) Eu sou Javé seu Deus que fiz
você sair da terra do Egito, da casa
da escravidão. Não tenha outros
deuses diante de mim.
2) Não faça para você ídolos, nenhuma representação daquilo que
existe no céu e na terra, ou debaixo
da terra. Não se prostre diante desses deuses, nem sirva a eles, porque eu, Javé seu Deus, sou um
Deus ciumento: quando me odeiam, castigo a culpa dos pais nos
filhos, netos e bisnetos; mas quando me amam e guardam os meus
mandamentos eu os trato com amor
por mil gerações.
3) Não pronuncie em vão o nome
de Javé seu Deus, porque Javé não
deixará sem castigo aquele que
pronunciar o nome dele em vão.
4) Lembre-se do dia de sábado, para santificá-lo. Trabalhe durante
seis dias e faça todas as suas tarefas. O sétimo dia, porém, é o sábado de Javé seu Deus. Não faça nenhum trabalho, nem você, nem seu
filho, nem sua filha, nem seu escravo, nem sua escrava, nem seu
animal, nem o imigrante que vive
em suas cidades. Porque em seis
dias Javé fez o céu, a terra, o mar e
tudo o que existe neles; e no sétimo
dia ele descansou. Por isso, Javé
abençoou o dia de sábado e o santificou.
1) Eu sou Javé seu Deus, que o tirou da terra do Egito, da casa da
escravidão. Não tenha outros deuses diante de mim.
2) Não faça ídolos para você, nenhuma representação do que existe
no céu, na terra ou nas águas que
estão debaixo da terra. Não se
prostre diante desses deuses, nem
os sirva, porque eu, Javé seu Deus,
sou um Deus ciumento: quando me
odeiam, eu castigo a culpa dos pais
nos filhos, netos e bisnetos; e trato
com amor, por mil gerações, quando me amam e guardam os meus
mandamentos.
3) Não pronuncie em vão o nome
de Javé seu Deus, porque Javé não
deixará sem punição aquele que
pronunciar o seu nome em vão.
4) Observe o dia de sábado, para
santificá-lo, como ordenou Javé
seu Deus. Trabalhe durante seis
dias e faça todas as suas tarefas. O
sétimo dia, porém, é o sábado de
Javé seu Deus. Não faça trabalho
nenhum, nem você, nem seu filho,
nem sua filha, nem seu escravo,
nem sua escrava, nem seu boi, nem
seu jumento, nem qualquer um de
seus animais, nem o imigrante que
vive em suas cidades. Desse modo,
seu escravo e sua escrava poderão
repousar como você. Lembre-se:
você foi escravo na terra do Egito,
e Javé seu Deus o tirou de lá com
mão forte e braço estendido. É por
isso que Javé seu Deus ordenou
que você guardasse o dia de sábado.
5) Honre seu pai e sua mãe, como
Javé seu Deus lhe ordenou, para
que sua vida se prolongue e tudo
1) Amar a Deus sobre todas as coisas.
5) Honre seu pai e sua mãe: desse
modo você prolongará sua vida, na
terra que Javé seu Deus dá a você.
2) Não tomar seu santo nome em
vão.
3) Guardar domingos e dias de festas de guarda.
4) Honrar pai e mãe.
6) Não mate.
7) Não cometa adultério.
8) Não roube.
9) Não apresente testemunho falso
contra teu próximo.
10) Não cobice a casa do seu próximo, nem a mulher do próximo,
nem o escravo, nem a escrava, nem
o boi, nem o jumento, nem coisa
alguma que pertença ao seu próximo.
corra bem para você na terra que
Javé seu Deus agora lhe dá.
6) Não mate.
7) Não cometa adultério.
8) Não roube.
9) Não dê falso testemunho contra
seu próximo.
10) Não cobice a mulher do seu
próximo, nem deseje para você a
casa do seu próximo, nem o campo, nem o escravo, nem a escrava,
nem o boi, nem o jumento, nem
coisa alguma que pertença ao seu
próximo.
5) Não matar.
6) Não pecar contra a castidade.
7) Não furtar.
8) Não levantar falso testemunho.
9) Não desejar a mulher do próximo.
10) Não cobiçar as coisas alheias.
Os Dez Mandamentos, ou também chamado o Decálogo, cujos textos se encontram em
Ex 20,2-17 e também em Dt 5,6-21 são parte integrante de nossa catequese cristã. São por assim dizer, parte central da antiga aliança (Ex 19-24), ou melhor, uma compilação do que se
encontra espalhado em muitas partes do Pentateuco, embora não abranja, nem de longe, toda a
legislação do mesmo. Nos tempos do Novo Testamento eles eram rigorosamente observados,
tanto pelos judeus, principalmente pelos fariseus, bem como por Jesus e por seus discípulos.
No entanto, Jesus dá um sentido diferente daquele dos fariseus. Ele os completa e lhes dá o
verdadeiro sentido (Mt 5,17ss). De fato, a vinda de Cristo estabelece a Nova e Eterna Aliança,
o que, segundo Ef 2,15 e Hb 7,12 muda a antiga Lei, ou a aboliu. Assim sendo, os Dez mandamentos estão superados, pois representam a antiga Lei. Paulo nos diz que as obras da Lei de
Moisés não salvam ninguém (Gl 2,16). Nossa ética cristã não parte mais dos dos Dez Mandamentos, mas da pessoa de Cristo. Então, para que serve o Decálogo? Se nós cristãos fôssemos maduros e de fato aderíssemos a Cristo, já não mais precisaríamos deles. Enquanto existir imaturidade, os Dez Mandamentos serão indicativos que nos ajudam a viver a vida cristã.
Mas é bom lembrar: nossa salvação não vem da observância do Decálogo, mas somente da
pessoa de Cristo (Gl 2,16). Além disto, existem muitos mandamentos fora do decálogo. Vejamos: Ex 21,1ss; Lv 11ss; Dt 12,1ss; Dt 23,1ss, etc. Aliás, todo Pentateuco recebe, no Antigo
Testamento a designação de Torá, isto é, Lei.
História do Decálogo
Numa primeira leitura do Êxodo nos parece que foi tudo assim tão simples. O povo
hebreu saiu do Egito e passou pelo Mar Vermelho (Ex 14), entrou no deserto, onde permaneceu por quarenta anos (Ex 16ss) e lá fez aliança com Javé (Ex 19-24) e nesta aliança, Deus entregou os Dez Mandamentos diretamente a Moisés (Ex 20,1ss). Precisamos, no entanto, alertar que os livros bíblicos como o Êxodo e também o Deuteronômio, tais quais os temos hoje
na Bíblia, foram por muito tempo, apenas tradição oral, contada de pais para filhos e de filhos
para netos. A redação dos livros do Pentateuco (Gn, Ex, Lv, Nm e Dt) só se deu vários séculos depois do fato do Êxodo. Por isto mesmo, nem tudo deve ser lido como se fosse exata-
mente daquela época. Diríamos antes, o Decálogo tem sua origem nos povos primitivos, mas
foi evoluindo por séculos na tradição oral até se formar a redação atual em nossas Bíblias. Por
isto, ao ler hoje os textos de Ex 20,2-17 e Dt 5,6-21 encontramos muitas camadas literárias.
Algumas coisas refletem tempos antigos, outras vêm de tempos posteriores. Por exemplo, o
mandamento do sábado (Ex 20,8-11) bem como o mandamento do não cobiçar (Ex 20,17) fala dos escravos, de casas, de animais, bois, jumentos e de imigrantes. Ora, os escravos libertos
do Egito, quando foram para o deserto não tinham casas, nem escravos e entre eles não tinham imigrantes. Moravam em tendas e talvez tivessem pequenos animais, mas bois e jumentos, ao menos parece que não tinham, pois não seria possível mantê-los no deserto. Alguns biblistas julgam que na época do Êxodo (1250 a.C) os povos da região ainda nem conheciam o
gado bovino. Este teria sido introduzido alguns séculos mais tarde. Logo, estas explicações
não vêm dos tempos da Aliança, mas sim, do século oitavo ou sétimo antes de Cristo, quando
o povo já estava estabelecido em Israel e possuía escravos, animais e imigrantes.
Algumas coisas que estão no Decálogo refletem os tempos da redação final do texto.
Isto deve ter se dado durante o Exílio da Babilônia (por volta de 550 a.C.), ou logo depois.
Talvez, no Exílio da Babilônia o povo fizesse o seguinte raciocínio: “Uma vez fomos escravos
do Egito e Javé nos tirou de lá com mão forte. Se agora, na Babilônia, observarmos os mandamentos de Javé, ele nos libertará novamente”. Assim sendo, se fez a redação final dos textos que hoje conhecemos.
Chave de leitura
Para entendermos o verdadeiro sentido da interpretação dos mandamentos precisamos
levar em conta o primeiro versículo dos mesmos. Em Ex 20,2, bem como em Dt 5,6 se lê: “Eu
sou Javé seu Deus, que fiz você sair da terra do Egito, da casa da escravidão”. Sem esta frase,
os Dez Mandamentos perdem seu objetivo e seu sentido. Num primeiro momento podemos,
de fato, pensar na escravidão do Egito, de onde os hebreus foram libertos por Javé, pela coordenação de Moisés, de Míriam, de Aarão e de outros líderes. Porém, na história de Israel
sempre houve opressões, das quais o povo precisava se libertar. O Egito virou símbolo de opressão. Com a instalação da monarquia em Israel (1Sm 8,10ss), principalmente com Salomão (1R2 10,14ss e 1Rs11,1-8) a escravidão e a idolatria ganharam força. Também nos tempos do Exílio da Babilônia (589-538 a.C.) a escravidão e a idolatria se tornaram motivos fortes. Por isto mesmo, ter o Egito e sua opressão como pano de fundo era sempre um motivo para ilustrar todas as opressões que o povo sofreu. Então, a frase de Ex 20,2 serve de chave para
todas as opressões que através da história se abateram sobre o povo hebreu.
Assim, com base na libertação do Egito, os hebreus foram moldando e completando
um caminho de libertação. Este caminho de libertação são os Dez Mandamentos. Veremos em
nossas dez lições, como cada mandamento quer ser um remédio que liberte da escravidão do
Egito e de todas as escravidões que afligem o povo de Israel, por conseqüência, todas as escravidões que ainda hoje afligem o povo. Enfim, o Decálogo tem por objetivo, preservar a vida digna e livre do ser humano, o mesmo que Jesus fez com sua ação libertadora (Jo 10,10). O
Decálogo é a garantia da liberdade.
Javé, o Deus da Vida
No Antigo Testamento muitas vezes encontramos o tema da idolatria ligado ao tema
da escravidão e da opressão: 1Rs 21; Am 2,6ss; 3,13ss; 7,10ss; Is 16,7ss. O próprio Salomão,
quando quis viver faustosamente às custas do povo (1Rs 10,14ss) trouxe para dentro de Israel
a idolatria (1Rs 11,1ss). Muitos reis, através da história de Israel e de Judá, construíram lugares altos, ou seja, lugares de culto a ídolos: 1Rs 12,28ss; 1Rs 16,13ss; 1Rs 16,23ss; 1Rs
16,31ss; etc. O culto aos ídolos está diretamente ligado aos projetos políticos de opressão. Ou
seja, os reis, para imporem seus projetos de opressão, usavam duas forças: as armas, o exército, o aparelho repressor do estado por um lado e a religião idolátrica, por outro. Com as religiões idolátricas se fazia a cabeça do povo. Dizia-se que o rei era o filho dos deuses. Obedecer
ao rei era o mesmo que obedecer aos deuses. Aceitando tal doutrina, o povo já escravizado e
explorado, aceitava a escravidão como vontade dos deuses. Além do mais, os diversos reis de
Israel e de Judá, quando queriam oprimir o povo, além de buscar legitimação religiosa ou ideológica nos ídolos, conseguiam com isto apagar a memória libertadora de Javé, o Deus da vida, pois esta memória de um Deus que ouve o clamor dos pobres (Ex 3,7ss) era sempre perigosa para qualquer projeto político de exploração. Era preciso apagar da memória do povo todo e qualquer vestígio de Javé, Deus da vida, aquele do Êxodo. Pois, se os escravos, em meio
ao seu sofrimento celebrassem a memória de Javé, sempre havia perigo de uma insurreição
contra os poderosos. Os pobres diriam: como é que no passado Javé libertou os escravos e hoje não liberta? Será que ele mudou?
O/a leitor/a poderá verificar nos dois livros dos Reis a história dos soberanos de Israel
e de Judá. Para a maioria dos reis se diz logo no início de cada história: “fez o que Javé reprova”. Geralmente se trata de projetos políticos perversos e de idolatria. Como vemos, idolatria
e projetos políticos desastrosos andam de mãos dadas. Todos os deuses servem a interesses.
Só Javé é o Deus da vida que não se submete a ninguém, embora Salomão tenha submetido a
religião javista, construindo um pomposo templo em Jerusalém e transformando os sacerdotes
em funcionários do estado (1Rs 5 e 6), calando com isto as vozes javistas de reação.
Assim sendo, preservar os Dez Mandamentos é antes de tudo impedir que se pratique
o culto idolátrico e ao mesmo tempo, que se implemente projetos políticos escravagistas e opressores. Javé é o Deus da vida. Ficar fiel a Javé é posicionar-se a favor da vida livre. É não
permitir que falsas ideologias se instalem e legitimem novamente tais projetos.
Jesus e os Dez Mandamentos
Dizíamos acima que Jesus instaurou a Nova e Eterna Aliança (Lc 22,19-20) e que com
esta Nova e Eterna Aliança ele superou a Antiga Aliança (Ef 2,15 e Hb 7,12). Isto, no entanto
não quer dizer que aquilo que foi ensinado no Decálogo esteja abolido. Jesus mesmo viveu os
Dez Mandamentos, mas não mais à maneira dos fariseus: a Lei pela Lei. Jesus resumiu tudo
em duas leis: Amor a Deus e amor ao próximo (Mc 12,28-30). Ele cumpria Lei a partir do
amor a Deus e do amor ao próximo. Tanto assim que, nos momentos oportunos transgrediu o
mandamento do sábado: Mc 2,23-28; Mc 3,1-6; Jo 5,1ss; Jo 9,1ss. Assim também transgrediu
outros mandamentos que se encontram no Pentateuco. Vejamos: Em Lv 15,19ss se diz que a
mulher menstruada é impura e quem nela toca, se torna impuro. No entanto, Jesus se deixa tocar pela mulher com fluxo de sangue (Mc 5,25ss) e também pela prostituta (Lc 7,36ss). Em
Lv 13,1ss se diz que o leproso deve ser retirado da convivência comunitária. Jesus toca no leproso (Mc 1,40ss). Em At 10,1ss se diz claramente que Pedro foi movido pelo Espírito Santo
a não mais observar a questão do Lv 11. Alguém definiu Jesus como o grande transgressor do
livro do Levítico.
No entanto, em outros momentos vemos Jesus fiel aos mandamentos. Ele colocou
Deus em primeiro lugar (Mt 4,10 e Mc 12,28ss). Toda vida dele foi marcada pelo amor ao
Deus único e verdadeiro. Encontramo-lo nas sinagogas aos sábados (Mc 3,1ss; Lc 4,16ss).
Certamente honrava os pais, não matou, nem praticou a violência, não adulterou, nem furtou,
etc. Ele recomenda ao homem rico a observância dos mandamentos (Mc 10,19ss), porém diz
que isto ainda não é o suficiente (Mc 10,21). Em Mt 5,17ss Jesus diz que não veio revogar a
Lei, mas dar-lhe pleno cumprimento, mas não à maneira dos fariseus (observância cega), mas
sim, na forma do amor e da justiça. Jesus mostra que a nova forma de praticar a Lei é ainda
mais profunda do que a antiga. A partir de Mt 5,20 Jesus nos diz: “Ouvistes o que foi dito aos
antigos: não matarás...eu, porém vos digo: Todo aquele que se encolerizar contra seu irmão,
terá de responder em juízo”. Assim Jesus retoma também os mandamentos do adultério
(5,27ss), do divórcio (5,31), do jurar (5,33s), do olho por olho (5,38ss) e do amor ao próximo
(5,43ss). Em todos estes mandamentos Jesus acrescenta: “Eu, porém, vos digo...”. Ou seja, Jesus é muito mais radical do que a velha Lei. O que a velha Lei exigia legalmente, Jesus exige
a partir do amor. Quem ama não pode matar, nem cometer adultério, roubar, etc. Não porque
uma lei o proíba. O amor em Cristo não comporta estas coisas, pois quem ama em Cristo só
pode fazer o bem.
Conclusão
Os Dez Mandamentos são indicativos para os discípulos de Jesus. O motivo que nos
leva a cumprir e mesmo a estudá-los é o amor a Deus e ao próximo. Em outras palavras, quem
ama a Deus se sente comprometido com a vida e para que a vida possa desabrochar em todas
as suas potencialidades, para que homens, mulheres, bem como a natureza possam viver em
paz, precisamos de mandamentos, ou seja, de setas que nos orientem. Os Dez Mandamentos
apontam para o convívio harmônico, não apenas de uma forma romântica ou poética, mas real. Para que a vida floresça, é preciso compromisso. Deus quer homens e mulheres vivendo a
verdadeira vida, cheia de sentido, cultivando os verdadeiros valores que tornam a vida uma
festa de liberdade e de paz.
Bíbliografia
MESTERS, Carlos. Bíblia, livro da aliança – Êxodo 19-24. São Paulo: Paulinas, 1989
MESTERS, Carlos. Os Dez mandamentos – Ferramentas da comunidade.São Paulo: Paulus,
2008.
CRÜSEMANN, Frank. Preservação da liberdade – o Decálogo numa perspectiva gistóricosocial. São Leopoldo: Sinodal/Cebi, 2995