centralidade intraurbana e morfologia em cidades

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centralidade intraurbana e morfologia em cidades
CENTRALIDADE INTRAURBANA E MORFOLOGIA EM CIDADES MÉDIAS:
TRANSFORMAÇÕES E PERMANÊNCIAS
Dr. Arthur Magon Whitacker
Universidade Estadual Paulista – UNESP - Brasil
Apresentação
Este texto retrata nossa participação em duas pesquisas que correm paralelamente,
financiadas pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, CNPq, que tratam de
centralidade, morfologia e reestruturação urbanas no bojo das cidades médias. Trata-se de
duas pesquisas em andamento às quais esperamos colher aportes e questões advindas da
participação no XI Seminario Internacional RII y IV Taller de Editores RIER, junto ao Grupo
temático 5: Ciudades intermedias: transformaciones y perspectivas.
Traz elementos debatidos em duas ocasiões: o 53º Congresso Internacional de
Americanistas, realizado em 2009, na Cidade do México; e o VII Workshop da Rede de
Pesquisadores sobre Cidades Médias, realizado no Rio de Janeiro, no corrente ano.
1. Centro e centralidade
Chamamos a atenção, preliminarmente, para as primeiras análises empreendidas sobre o
centro das cidades que se propuseram como uma teoria explicativa para o espaço urbano,
genericamente intituladas de “ecologia urbana”, em especial da Escola de Chicago. Sua
interpretação da cidade e dos conflitos que nela se materializam é explicada pela disputa
por territórios e pela acomodação e distanciamento de usos que se complementam e que se
repelem. Alguns de seus conceitos básicos tiveram e têm grande influência para a análise
da cidade, pois, com conteúdo diferente, ou não, passaram a compor os instrumentos de
discussão e análise sobre a centralidade. Os principais conceitos são os de área central,
centralização, descentralização e segregação. (CORREA, 1989, P.82.3).
Não é por acaso que as principais elaborações teóricas concernentes a essa escola
privilegiaram a análise do centro, inclusive com esse assumindo um papel determinante no
processo de estruturação urbana. A leitura empreendida da cidade como um ente dotou a
área central de uma função controladora do restante do organismo urbano.
Fundamentalmente, as implicações sobre a análise das cidades são: o meio ambiente social
assume uma forma que é manifestação dos processos de organização social; a organização
social se acomoda a seu meio ambiente físico e se faz representada pela disposição
espacial dos assentamentos urbanos (GOTTDIENER, 1992, P. 35-49). A Geografia Urbana
tanto incorporou como se contrapôs a essa modelização.
A Geografia Urbana Francesa, que representamos com George (1983) e Beaujeu-Garnier
(1980), tem como linha de análise para o centro das cidades, a procura de um entendimento
das formas atuais a partir da gênese da cidade em diferentes escalas, com o privilégio da
região e do centro em relação a essa cidade. A forma da cidade é vista como uma paisagem
com muitas marcas deixadas pela história. O centro é a materialização dessa história, como
o espaço é compreendido como dela resultante.
Com a Escola de Chicago, há uma prevalência das formas na organização da sociedade; na
Geografia Francesa, a prevalência está na história, sendo o espaço, geralmente, o palco de
ações resgatáveis através das formas.
Partindo das proposições de Castells (1983), e procurando contribuir para sua leitura crítica,
consideramos que: esses diferentes conteúdos dados ao centro encontram-se distribuídos
ou concentrados na cidade, sobrepostos ou não, tanto em sua dimensão territorial, quanto
em sua dimensão espacial, de acordo com a constituição de cada cidade; que o recorte
territorial não define a centralidade, mas o centro. A centralidade, definida pelos fluxos que
dão conteúdo (inclusive o conteúdo identificado por Castells) ao(s) centro(s) é cambiante, à
medida que não se define pela localização, mas pelo movimento e pela articulação das
diferentes localizações. Essa centralidade não se define apenas no nível intraurbano, mas
na articulação de diferentes níveis e escalas, sobretudo quando não se restringe a
elaboração do modelo teórico à concepção de hierarquia urbana tradicional, mas sim se
compreende a constituição de redes num padrão não necessariamente concêntrico e que
possui articulações definidas por fluxos. Portanto, não apenas a definição da centralidade no
tecido urbano se dá pelos fluxos e é dinâmica, mas também a centralidade pensada na
escala da rede, ambas podendo, conforme características e tempos, sobreporem-se.
Consideramos que parte significativa da produção de Castells sobre o tema, circunscrita, em
especial na sua Questão Urbana e a poucos outros textos, tanto quanto a de Lefebvre (em
especial a Revolução Urbana e a Produção do Espaço), que passaremos a discutir a seguir,
não trazem uma distinção clara entre a centralidade intraurbana e a centralidade que se
expressa no sistema de cidades, ou na rede urbana. O referencial empírico de ambos, em
especial as metrópoles, parece ser responsável por este quadro, mais até que a tentativa de
se empreender uma análise interescalar ou multiescalar. Uma outra possibilidade seria a de
que a centralidade sempre fora encarada por estes autores como algo que se expressa
além da cidade, resgatando seu conteúdo desde Lösch e Crhistaller.
Com Lefebvre (1983) a centralidade ganha destaque como a essência do fenômeno urbano:
“A centralidade constitui para nós o essencial do fenômeno urbano, porém uma centralidade
considerada junto com o movimento dialético que a constitui e a destrói, que a cria ou que a
extingue”, à medida que seria a forma primeira de organização urbana, através da
concentração e da dispersão que comanda.
Em nossa opinião, sua concepção não é una e abarca várias escalas e, sobretudo, a
articulação destas, através de duas argumentações básicas: a cidade se organiza articulada
em redes de produção e numa relação e articulação intraurbana e interurbana; a cidade
possui estruturas morfológias e sociológicas e, nesse sentido, a centralidade também diz
respeito a um lugar com conteúdo social, carregado de símbolos e representações. Essa
concepção afirma que a centralidade é, em verdade, poli(multi)cêntrica e, com nuanças
diferentes, é resgatada por Gottdiener (1992) e por Soja (1993).
Para se compreender a constituição da centralidade os fluxos são os elementos
determinantes. Fluxos que são incrementados pelas comunicações e telecomunicações que
são traduzidas em trocas, decisões, gestão, controle e irradiação de valores. A dinâmica de
concentração e dispersão cria e recria centralidades que irão ocupar e valorar
diferentemente e diferencialmente territórios no tecido urbano e se traduzem em segregação
socioespacial e na fragmentação urbana. Por isso, compreendemos o caráter processual da
centralidade, em complementação ao centro, expressão territorial. A centralidade é
expressão da dinâmica de definição/redefinição das áreas centrais e dos fluxos no interior
da cidade.
Tais processos são também responsáveis pela multiplicação das formas de constituição dos
centros e pela reprodução da centralidade. Sposito afirma que: “mesmo que a dimensão ou
uma nova dinâmica da divisão territorial do trabalho provoque a emergência de outros
‘centros’, o principal e cada um deles desempenha um papel de concentricidade, ou seja, é
para diferentes setores da cidade e para diferentes escalas de atuação/atração, uma área
de interesse de convergência”. (SPOSITO, 1990, p. 23)
A leitura desse quadro permite a constatação de que existiriam duas tendências que podem
ajudar à compreensão das novas formas urbanas e da suplantação de um modelo
tradicional de rede: a) uma tendência “à centralidade, através dos distintos modos de
produção e as diferentes relações de produção; tendência que hoje penetra até o ‘centro
decisório’, encarnação do Estado, com todos seus riscos.”; b) uma tendência “à
policentralidade, à oni-centralidade, à ruptura do centro, à desagregação, tendência
orientável, seja através da constituição de diferentes centros (ainda que análogos,
eventualmente complementares), seja até a dispersão e a segregação.” (LEFEBVRE, 1983,
p. 125-6)
A expressão territorial dessa centralidade passa, cada vez mais, a se mostrar fragmentada
na cidade e mesmo fora dela, pois os centros urbanos tendem a possuir especializações
socioeconômicas e funcionais. Uma fragmentação engendrada por um processo duplo que
parece não só criar novas formas como imputar novas funções a velhas formas, num
processo de adequação e inadequação a novas dinâmicas impostas, com relativo abandono
das formas tradicionais de uso, função e representação social do espaço. Em ambos os
casos, há uma nova valoração. Novas e velhas formas convivem com novos e velhos usos,
mas com certo descompasso entre a rigidez das formas e o uso cambiante.
2. Morfologia, estrutura, centro e centralidade
Ao desenvolvermos pesquisas sobre a temática do espaço intraurbano em Presidente
Prudente e São José do Rio Preto, cidades médias do Estado de São Paulo, privilegiamos o
processo de constituição do centro da cidade e de suas transformações. Pudemos identificar
uma estrutura composta por um centro que tendia a se multiplicar em várias outras áreas de
concentração de atividades comerciais e de serviços (WHITACKER, 1990 e 1997). Esse
processo de multiplicação de novas áreas centrais ocorria sem que o centro tradicional
deixasse de existir, embora já se observasse mudanças em seus conteúdos, notadamente o
paulatino processo de popularização destas áreas, ocorrido cerca de uma década após
incremento do setor residencial nos centros tradicionais e em áreas de sua expansão, ou
desdobramento, por meio da verticalização. Do ponto de vista da morfologia urbana,
identificamos, naquele momento, um processo de expansão da área central tradicional, um
processo de desdobramento desta área em novas áreas, contíguas ou não ao centro
tradicional, e um incremento dos subcentros.
Ao se analisar estes processos, observamos, também, mudanças no conteúdo das áreas
ocupadas pelo centro tradicional, por sua expansão, pelos desdobramentos e pelos
subcentros. As áreas centrais não se identificavam, grosso modo, apenas pela presença de
atividades a ela características, como já definira a literatura atinente à Geografia do
Comércio, em especial Berry (1967). Seus conteúdos eram distintos também por conta de
que o processo de concentração/dispersão de atividades centrais ganhava componentes de
cunho social, socioeconômico e funcional, num nível de complexidade que se distanciava,
cada vez mais, de um padrão monocêntrico, ou radiocêntrico, até então característico de
muitas cidades de porte médio e também de cidades médias.
Mais recentemente (WHITACKER, 2003), pudemos observar que a esta mudança de
conteúdo, somavam-se outros: de complexidade técnica e tecnológica presentes nas
diferentes empresas; de complexidade de alcances máximos e mínimos dos mercados
destas; de identificação, na estrutura da cidade, de empresas ligadas ao circuito superior e
ao circuito inferior da economia. Estes processos, materializados nas empresas, possuem
uma lógica de localização cuja análise permite que às diversas áreas centrais se
sobreponham diversos conteúdos.
Se observamos várias áreas centrais numa mesma cidade, que podem possuir
especializações funcionais, pensamos em estruturas urbanas policêntricas. Ao analisarmos
que estas áreas são, também, distintas – ou distinguíveis – por conta de suas articulações
escalares 1 que se dão em função dos fluxos que se estabelecem a partir destas áreas e
partindo para estas áreas, portanto em vetores opostos, podemos pensar em um processo
multicêntrico. Neste último caso, a distinção à monocentralidade não se dá apenas pela
presença de muitas áreas centrais ou por distinções funcionais entre elas, mas pela
capacidade de articular escalas e pela necessidade de se pensar de maneira interescalar
para se compreender o conteúdo e a lógica locacional de muitas das áreas centrais.
O processo multicêntrico também é observado em outras esferas. O circuito superior e o
circuito inferior da economia urbana se materializam, também, numa lógica locacional que
tende a distanciar as empresas de um circuito e de outro no plano da cidade. Assim, áreas
centrais com conteúdo funcional semelhante podem diferir sob este aspecto. Talvez uma
exceção ainda seja o setor financeiro, em especial os bancos comerciais, que tendem a
manter agências em localizações tradicionais ainda em muitas cidades médias. A existência
de estruturas urbanas complexas, não seriam, assim, exclusivas das grandes cidades e
metrópoles.
Há outros elementos da multicentralidade que não serão por nós debatidos: o conteúdo
simbólico, lúdico, cultural dado à determinadas áreas da cidade, inclusive ao centro
tradicional, mas também a áreas públicas ou de uso coletivo; os processos de segregação e
fragmentação que, por vezes, só são identificados quando se articula à escala intraurbana a
escala interurbana.
3. Reestruturação da cidade e reestruturação econômica
Para Fischer (1999) as atividades de mando e outras atividades intelectuais relacionadas à
produção industrial são compreendidas como atividades peri-produtivas. Há, hodiernamente,
um incremento destas atividades por conta de um duplo processo: elas são tecnicamente
possíveis e, ao mesmo tempo, necessárias, frente às crises de superprodução e a lei
tendencial do declínio da taxa de lucros. Este processo, dentre outros elementos, seria
comum ao sistema de acumulação flexível do capital. Do ponto de vista espacial, há a
complexificação da separação da produção e da gestão, mais uma vez, possível
tecnologicamente e necessária, do ponto de vista da reprodução do capital. Destas
possibilidades e necessidades advêm as ações inovativas na organização da produção, nos
processos produtivos e na relação destes com o território.
O termo reestruturação vem sendo aplicado há vários anos para retratar momentos do
processo de produção hegemônico, em seu sentido mais amplo, que congrega tanto a
produção em si, quanto o consumo e a reprodução, que sejam marcados por rupturas, por
mudanças profundas e pela constituição de paradigmas postos à análise científica. Nesse
quadro de mudanças profundas e pontuais, na dimensão do tempo histórico, nota-se,
marcadamente, o conjunto de transformações por que passa o sistema de produção
hegemônico, o capitalismo. Trata-se de processos que identificamos com a tensa e
complexa coexistência do sistema fordista de produção com o regime de acumulação
flexível. Há, portanto, vinculação estreita desta expressão, a reestruturação, com a
1
Cujo exemplo primaz foi descrito por Christaller que, naquele caso, pensava a cidade como uma única entidade espacial,
inserida na rede urbana. Ver: Chistaller, 1966.
dimensão econômica dos processos que moldam nossa vida, tanto quanto o que se chama
de pós-modernidade ganhou uma dimensão, pelo conjunto de obras e reflexões, que vincula
este termo a uma determinação cultural, a mudanças na construção das identidades
individuais e coletivas e na tensão dialética entre estes dois níveis ontológicos.
Esta transformação no modo de produção não é linear e combina, em cada formação
socioespacial, elementos do sistema fordista e do sistema flexível, assim como se
configuraram arranjos que combinam elementos fordistas e pré-fordistas. Assim, para a
construção de quadros analíticos não se pode deixar de compreender a heterogeneidade de
combinações que resultam na produção hegemônica. A dimensão espacial, uma dimensão
da existência do Homem, não se descola deste quadro. A reestruturação econômica implica
em novas espacialidades e territorialidades, tanto quanto destas depende.
Compreendendo a produção do espaço como processo constituinte e constituído da
produção social e, portanto, econômica, a reestruturação é, ao mesmo tempo em que
possui, uma dimensão espacial. Assim, a reestruturação econômica, as mudanças
profundas e pontuais na maneira como se organiza e reorganiza a produção (mais uma vez,
em seu sentido mais amplo) hegemônica, é acompanhada por uma reestruturação do
espaço. A reestruturação do espaço engloba os espaços de produção (agora em um sentido
mais restrito), os espaços de consumo e circulação, tanto quanto os espaços da reprodução.
Há, assim, relação entre a reestruturação econômica e a reestruturação que se opera nos
espaços intraurbanos e interurbanos. Estabelece-se distinção entre a reestruturação do
espaço que se observa na escala da cidade e aquela que se observa na escala da rede
urbana (SPOSITO, 2004 e 2007b).
Em determinadas redes urbanas, a observação empírica permite que se distingua uma
cidade da outra, em outras não: observa-se um continuum constituindo conurbações e
aglomerações urbanas de diversos matizes. Na descrição de dados e indicadores, a leitura
da escala intraurbana e da rede urbana é tanto mais fácil, quanto mais desagregados estão
aqueles. Os diferentes organismos, estatais ou não, responsáveis pela produção da
informação que se vai utilizar privilegiam a escala do município, ou da cidade, o que implica
em um grande direcionamento àqueles que deles se utilizam para compor análises e,
mesmo, descrições. Mesmo os dados produzidos para recortes territoriais oficialmente
entendidos como aglomerações urbanas e regiões metropolitanas, por exemplo, possuem
limitações consideráveis: limitam-se a idéia da contiguidade territorial como elemento
primordial para a definição do recorte.
A distinção feita entre reestruturação da cidade e reestruturação urbana (a escala da rede
urbana e das interações entre as cidades) é o reconhecimento da necessidade conceitual de
se compreender escalas analíticas, tanto quanto de combiná-las. É certo que há processos
que só se observam na escala da rede urbana e outros que se materializam na escala
intraurbana. Porém, há rebatimentos importantes entre estas escalas.
A questão da escala é nodal para a análise da reestruturação econômica por que há
processos numa e noutra escala e por que há processos que não são apreensíveis
tomando-se a escala cartográfica como elemento definidor, delimitador. A escala seria a
geográfica, aquela que permite a apreensão de um fenômeno ou processo geográfico que é
composto tanto pela contiguidade territorial, quanto pela continuidade espacial (SPOSITO,
2004) e cujo conhecimento é tanto tácito, quanto tático e estratégico. A separação no plano
analítico das escalas geográficas (a da cidade e a da rede) é um exercício teórico tão
complexo quanto, paradoxalmente, sua análise conjunta o é. Esta complexidade advém do
fato de nos depararmos com um processo geográfico que perpassa a escala cartográfica e a
delimitação formal da cidade, da região e da rede urbana. Obviamente, a constatação desta
relação biunívoca não é nova. Podemos apreender a combinação da dimensão da cidade e
de sua hinterlândia e daquela com a rede urbana desde a Teoria das Localidades Centrais.
Talvez devamos levar em conta que as relações de manutenção ou mudança da posição de
uma cidade na rede urbana (basicamente os conceitos de alcance espacial máximo e de
alcance espacial mínimo) nunca foram tão fluídas. O conteúdo da cidade e sua condição de
continente são dados na escala da rede geográfica que, mais que superposição de redes e
escalas, é formada pela coexistência de escalas e redes. Assim, o processo de
reestruturação econômica opera no território (e o território) tanto se localizando e
espraiando-se segundo uma lógica de contigüidade, quanto numa lógica de continuidade
espacial. Isso faz com que a reestruturação dos espaços intraurbanos não seja
analiticamente decomposta na análise da escala cartográfica da cidade, mas nas interações
desta com e em outras escalas.
Compreendendo que se verifica uma reestruturação em curso em nosso país que é
abrangente e seletiva, do ponto de vista da dinâmica territorial, e de rupturas e
continuidades, do ponto de vista do modelo econômico, e que as cidades médias são
recortes territoriais sobre e com os quais esta reestruturação se materializa. Seu debate
acadêmico e sua discussão científica podem estabelecer ou evidenciar conexões entre
mudanças na dimensão econômica, por exemplo, na organização e tecnificação das firmas,
e mudanças profundas na estrutura das cidades.
Do ponto de vista da organização das firmas, merece destaque o incremento da disjunção,
no plano territorial: da gestão, controle, armazenamento e comercialização; da gestão,
controle, criação, marketing e produção; enfim, das atividades peri-produtivas, a jusante e a
montante, como definira FISCHÉR (1999), e das atividades relacionadas à circulação e
consumo, estas historicamente já separadas. A disjunção no plano do território só é possível
por conta de um conjunto, historicamente produzido, de inovações que se traduzem em
infra-estruturas, meios, processos produtivos e de gestão. Isso acarreta, implica e se
alimenta de transformações na estrutura das cidades e das redes urbanas.
Há um conjunto de transformações em que é, do ponto de vista do intervalo de tempo em
que ocorre e do ponto de vista de sua profundidade, marcadamente, um momento de
inflexão, que tem transformado, tanto a morfologia da cidade, quanto seus conteúdos, assim
como a noção daquilo que compreendemos na Geografia por aglomerações urbanas.
Haveria uma relação intrínseca entre a reestruturação produtiva e a reestruturação da
cidade. Para a análise destas suas escalas devem ser analiticamente combinadas e
sistematicamente decompostas.
Como afirmou Santos “Os componentes do espaço são os mesmos em todo o mundo e
formam um continuum no tempo, mas variam quantitativa e qualitativamente segundo o
lugar, do mesmo modo que variam as combinações entre eles e seu processo de fusão. Daí
vem a diferença entre espaços.” (1979).
A produção, em seu sentido mais amplo, compreende um continuum, pois a produção
hegemônica, ao subverter direta ou indiretamente lógicas não hegemônicas garante um
espaço para a reprodução do capital. Este continuum não é, no entanto, contíguo, tampouco
resulta em um espaço homogêneo. Isso resulta das e nas diversas combinações entre o
novo e o velho, o luminoso e o opaco, o fluido e o rugoso. É certo que este quadro redunda
e resulta de combinações heterogêneas de condições gerais de produção, tanto quanto de
condições gerais de circulação, como apontam os estudos de Lencioni (LENCIONI, 2007,
2003a, 2003b). Tem-se, assim, um espaço por vezes reticulado, por vezes descontínuo,
decorrente de particularizações do processo geral de produção que são dadas pelas
condições históricas pretéritas de formação de cada subespaço. O continuum se faz pela
contigüidade (presente na rede christalleriana, por exemplo), tanto quanto pela continuidade
(a rede geográfica, que articula escalas e se materializa na combinação de escalas).
No estudo das cidades médias coexistem combinações entre o endógemo e o exógeno, que
se materializam nas atividades industriais e terciárias. São exemplos, em se tratando de
cidades médias: Marília, no Estado de São Paulo, se pensarmos no setor industrial;
Uberlândia (MG) e São José do Rio Preto (SP), se pensarmos nas atividades chamadas
terciárias. Em síntese, este processo combina a dispersão e a concentração seletiva da
atividade produtiva e das atividades de reprodução e circulação como um todo, compondo o
meio, no sentido proposto por Santos (1994).
4. Reestruturação da cidade e morfologia
O conceito de estrutura urbana congrega duas acepções que, no âmbito da pesquisa urbana
na geografia, no urbanismo e na economia espacial, dentre outras ciências, podem ser
consideradas mais corriqueiras. Em ambos os casos, a estrutura urbana não é tomada
como objeto de análise em si, mas é, ora, resultado de um arranjo natural, ora tomada como
modelo apreendido e matematizado, ora como simples desdobramento da estrutura social.
(TOPALOV, 1988 e GOTTDIENER, 1992). A estrutura urbana é o produto da investigação (o
arranjo registrado, o modelo produzido), ou, simplesmente, o princípio da investigação, já
que seria a estrutura urbana tomada como um rebatimento da estrutura social, esta sim, o
foco analítico.
A primeira acepção que mencionamos tem a ecologia urbana da Escola de Chicago como
principal expoente. Lindeira em seu foco de análise, embora pudesse estabelecer uma
cronologia que a colocaria após a chamada primeira fase da Escola de Chicago, ter-se-ia os
estudos quantitativos, identificados com a segunda fase desta escola e, na geografia, com a
chamada New Geography, também chamada no Brasil de Geografia Teorética.
Há proximidade nas análises ecológicas e nas análises quantitativas, pois ambas se
caracterizam por um estudo tipológico e empírico da configuração formal da utilização do
espaço urbano. A segunda fase da Escola de Chicago é a síntese de ambas. Na primeira
fase da Escola de Chicago, a estrutura era resultante da composição de usos que se
beneficiariam, ou não, da proximidade. Na segunda fase, a estrutura urbana deveria ser
representada detalhadamente para a análise fatorial do arranjo de usos do solo
(GOTTDIENER, 1992), por exemplo, as análises estatística, de localização, densidade e
freqüência,. A descrição da cidade baseia-se numa descrição funcional e topológica do que
é visível na cidade e em tentativas de teorização baseadas neste visível (ecológico) e
naquilo que é mensurável do empírico/visível (quantitativo).
A segunda acepção diz respeito às leituras estruturalistas, em especial do marxismo
estruturalista. Neste caso, o espaço é, via de regra, tomado como palco das manifestações
da sociedade e a estrutura urbana nada mais seria que o rebatimento nesta dimensão da
realidade da dimensão social. Ou seja, a estrutura urbana seria um rebatimento da estrutura
social, ambas afeitas à superestrutura. Não por acaso, são os agentes sociais, os
movimentos sociais e a atuação do Estado o principal foco de análise da pesquisa urbana
que se produz sob o viés do estruturalismo marxista.
Tanto na Escola de Chicago quanto no âmbito da pesquisa urbana de inspiração
estruturalista, que possuem matrizes diferentes, o termo estrutura aparece como esse
arranjo entre forma e função. A estrutura urbana seria, assim, um retrato da sociedade no
espaço. Também se compreendia a estrutura urbana como uma interpretação, devidamente
conceitualizada, da cidade à luz da tríade capital – trabalho – Estado. Em que pesem as
diferenças basais entre o marxismo estruturalista e o keynesianismo, acreditamos que na
cidade analisada sob estes dois vieses a concepção de espaço adotada, assumidamente,
ou não, é euclidiana.
Ao se compreender o espaço como uma dimensão da existência do Homem, e não apenas
como um palco desta existência, a estrutura urbana pode ser avaliada sob um viés distinto
do que descrevemos acima. Esta constatação é importante, pois nos permite compreender
que a estrutura (relação entre forma, função e retrato momentâneo do processo) é um
produto social e, justamente por ser produto social, é dotada de capacidade de
determinação, ainda que limitada. Também é dotada de historicidade, o que nos permite
compreender sua dimensão temporal e sua transitoriedade. Isso distingue esta concepção
de estrutura urbana das duas acepções postas no início. A temporalidade, compreendendoa como a confluência e convivência de tempos distintos, de dinâmicas distintas, mas
também complementares, apontam para a possibilidade de se conceber a estruturação.
Se a estrutura for a relação entre forma, função e retrato do processo. Estruturação seria a
compreensão e validação da dimensão processual desta relação. Relação está que não é
de simples causalidade: forma e função. Mas é de superação da causalidade, uma vez que
deve a concepção de estruturação dar conta de que a relação forma e função é
continuamente transformada pelo processo, que é sociopespacial. Assim, a estrutura é
retrato, mas é retrato instantâneo. Se for retrato, qual a validade de se tomar a estrutura
como elemento de análise? Seria, sempre, uma análise datada? Já suplantada? Não. Como
dimensão da existência do Homem, o espaço possui o que foi e o vir a ser. É condicionado
e é condicionante. Assim, a estrutura urbana detém tempo social e condiciona, em certo
grau, as ações futuras. É, assim, processo (estruturação) e fenômeno (estrutura).
Sposito compreende a dinâmica do arranjo e rearranjo dos usos do solo e adota o termo
estruturação. A autora propõe que se entenda que a estruturação reflete a dinâmica dos
usos e que se distinga estruturação urbana e estruturação da cidade (SPOSITO, 2004), pois
seria mais apropriado adotarmos a adjetivação urbana para uma dimensão que transcenda
a escala intraurbana, para a qual seria mais apropriado o uso da adjetivação da cidade.
Sendo assim, seria adequado refletir sobre a necessidade de se tomar estes dois conceitos,
estruturação urbana e da cidade, como elementos de nosso processo investigatório
combinando-os, uma vez que os processos de estruturação se dão na cidade (um momento
analítico) e possuem relação com outras escalas de análise (outro momento analítico). O
ponto de partida, a cidade ou articulações escalares necessárias para a compreensão de
um fenômeno ou processo em investigação, será tanto ditado pelos procedimentos
investigativos, quanto pela dinâmica primeiramente identificada. O que nos faz pensar na
complementaridade, do ponto de vista do processo investigativo, de dois conceitos que
passamos a descrever.
A análise da estruturação parte da leitura de um mosaico, composto por distintas
combinações e sobreposições de dinâmicas que combinam forma e função. As frações da
cidade são analisadas em si e, relacionalmente, com o restante da cidade. A análise da
morfologia parte da capacidade de se “ler” a cidade a partir de um determinado ponto de
vista (recorte escalar) que privilegie não mais as frações, ainda que de forma relacional, mas
o tecido urbano e sua combinação com o tecido de outras cidades e/ou de seu entorno
como ponto de partida. Sendo assim, são análises complementares.
Sposito (2004) também propõe o termo reestruturação. Para esta, momentos que implicam
em profunda mudança na estrutura e que ocorram em períodos relativamente curtos devem
assim ser caracterizados. Há concordância e/ou confluência de opiniões sobre esta questão,
por exemplo, quando observamos as contribuições de Soja (1993). A reestruturação, tanto
da cidade, quanto a urbana, vem, via de regra, acompanhada por uma reestruturação
econômica e, muitas vezes, produtiva (SPOSITO, 2007b). Estas são, também,
determinantes e determinadas por dois processos que se entrelaçam em nossa sociedade:
as transformações, rupturas, distensões e recriações porque passam o processo de
produção e reprodução do capital e o que Santos chamou de meio técnico-científico
informacional (SANTOS, 1994). Compreendemos que a reestruturação é imputada pelas
transformações do capital, ao mesmo tempo em que novas possibilidades técnicas e
tecnológicas permitem que este se recrie. A Cidade, assim, passa por reestruturação tanto
porque é tecnicamente possível, quanto porque é, do ponto de vista da produção e
reprodução do capital, necessária. Grosso modo, pode-se identificar alguns elementos no
processo de estruturação da cidade que predominam em determinados recortes temporais,
que passaremos a detalhar a seguir.
5.1 A proximidade e o distanciamento
A proximidade e o distanciamento, formando um par dialético, preponderam na morfologia
da cidade num primeiro período. A proximidade e as possibilidades de distanciamento são,
dentre outros elementos, ditadas pela capacidade técnica e tecnológica de determinada
sociedade. Buscando referência na produção sobre a cidade contemporânea, os estudos da
Escola de Chicago retrataram estes processos, com suas matrizes teóricas já apresentadas
neste texto.
Em um segundo período, o processo de estruturação predominante poderia ser retratado
não apenas por um conjunto de anéis ou de ondas concêntricas, característico de um
processo de expansão, obviamente limitado por características funcionais, de sítio urbano e
de controle, via propriedade privada ou determinação jurídica, da terra urbana, morfologia
esta associada ao recorte temporal primeiramente esboçado. O que preponderaria, neste
segundo recorte, seria a contraposição de usos e formas de uso, de consumo e formas de
consumo, materializadas tanto em concentração quanto em dispersão do tecido urbano. O
elemento primordial é a acessibilidade, que é determinada pela capacidade de mobilidade
dos diferentes segmentos sociais. Há, nesse período, novas possibilidades técnicas que se
massificam, como o automóvel e a distribuição de infra-estruturas pela cidade. A
segmentação, segregação e fragmentação são incrementadas pelo fator distância, possível
tecnicamente e, muitas vezes, desejada. Ao par dialético proximidade-distanciamento
juntam-se esses novos elementos e o desenho da cidade é mais disperso, com muitos
centros e ligados por eixos. Tais eixos concentram usos e consumos que atendem a
populações distintas, ou com demandas distintas.
Num terceiro período, identificamos como um novo elemento inovador a materialização da
informação no território da cidade. Esse elemento pode exacerbar a segregação, a
fragmentação, a multicentralidade e a policentralidade (SPOSITO, 1999b), e ser o indutor de
um processo de reestruturação bastante profundo.
Estes três momentos, mas, sobretudo, o último, são indicadores do processo de
reestruturação da cidade vinculado à reestruturação econômica. A leitura deste processo,
embora possa partir da cidade, requer instrumentos teóricos que permitam a construção de
um objeto de pesquisa que é, em essência, interescalar, porquanto geográfico. Primordial
nesta construção analítica são os fluxos e as redes, elementos constituidores do território e
possibilidade de fazer simultâneas diversas escalas de tempo, como afirma Arroyo (2007 e
2008).
Faz-se necessário compreender que haveria, como escrevemos, preponderância de um
modelo em determinado período, porém, não há exclusividade. Isso se deve, dentre outros
motivos, pelas combinações singulares do processo de reestruturação eocnômica, por
condições mais ou menos limitadoras do sítio e da legislação ou pela distribuição mais ou
menos dispersa de infra-estruturas. Há, assim, a possibilidade de identificação desses três
modelos numa mesma formação socioespacial.
Empiricamente, pensando nos trabalhos que desenvolvemos junto à Rede de
Pesquisadores sobre Cidades Médias em torno do recorte temático Morfologia e
Centralidade e na agenda atual desses trabalhos, identificamos, no primeiro período e com
graus variados de incorporação de elementos do segundo, à título de exemplo: Campina
Grande (PB); Mossoró (RN); Passo Fundo (RS); Teófilo Otoni (MG) no Brasil. No segundo
período, estariam: Dourados (MS), Itajaí (SC – com a importante ressalva de que sua
centralidade intraurbana só se explica na escala da aglomeração Balneário Camboriú,
Camboriú e Itajaí, o que demandará, ainda, esforços de compreensão); Marabá (PA – por
conseqüência da formação de três núcleos urbanos distintos, complementares e
concorrentes, o que será investigado, ainda), no Brasil, Chillán e Los Angeles, no Chile e
Tandil, na Argentina. No terceiro período, com matizes diferentes: Londrina (PR); Marília,
São José do Rio Preto (SP); Resende (RJ); Uberlândia (MG). Nosso próximo passo no
processo de investigação será a produção de material cartográfico e analítico sobre estas.
5. A centralidade, o interurbano e o intraurbano: é possível uma síntese?
A tentativa de se empreender generalizações acerca de um determinado fenômeno, como
as mudanças na morfologia urbana, na constituição da centralidade e a análise articulada de
escalas pode levar a tentativas de modelização da realidade, o que limita consideravelmente
seu entendimento. Complementarmente, o relativismo que se opera ao se compreender
fenômenos em escalas de ocorrência diferentes como idênticos pode levar a um grande
nível de imprecisão. Há, então, a necessidade de que, entre a excessiva particularização
(analisar as escalas intraurbana e interurbana, a da rede e a dos espaços urbanos
separadamente) e a generalização empobrecedora (reduzir todas as manifestações do
fenômeno urbano, toda a morfologia urbana a um único indutor, como as formas atuais
assumidas pelo modo capitalista de produção), questionemos se os processos
característicos de grandes cidades se dão, também, nas chamadas cidades médias pelo
rápido processo de urbanização que se dissemina, segundo novas nuanças nas economias
periféricas, como uma das características do que alguns economistas denominam como
fordismo periférico.
Da mesma forma, pode-se analisar o processo de constituição de novas formas urbanas
que possuem generalizações identificáveis em várias escalas de análise. Os determinantes
desse processo estão não apenas num nível intraurbano e interurbano, como também
desenvolvem nesses dois níveis suas determinações. Constituem-se e são constituídos
pelos níveis local, nacional e mundial, à medida que se homogeneízam e se fragmentam,
tanto o espaço, quanto o território. Um dos elementos da chamada acumulação flexível do
capital é a mobilidade das empresas e um crescimento das chamadas atividades terciárias.
A mobilidade possui uma dupla escala de ação: a global e a local. No caso da local,
podemos considerar o processo de constituição de novas centralidades na cidade, como
apresentamos, como uma de suas principais características verificáveis empiricamente. Mas
nessa mesma escala, local e intraurbana, também se manifesta a reorganização global por
meio de empresas com capital de origem nacional e internacional.
Pudemos verificar que nas cidades médias analisadas a presença dessas empresas, no
setor terciário, corrobora essa articulação entre escalas, mas também permite se verificar o
crescimento do consumo, tanto quanto permite que se verifique a constituição de novas
áreas centrais dotadas de conteúdos distintos, onde a presença destas empresas é mais
notada. Isso ocorre em paralelo ao reforço, em alguns casos, das áreas centrais
tradicionais. Porém, o tipo de empresa e seu público-alvo são, geralmente, distintos. Por
exemplo: as redes de lojas e magazines, os hotéis de redes tendem a se localizar em
shopping centers e novas áreas centrais periféricas e/ou em eixos, contíguos, ou não ao
centro tradicional, ancoradas, ou não, por hipermercados. A exceção: as redes populares
que ainda buscam o centro tradicional.
Há, grosso modo, dois tipos de exceção a este quadro, analisando-se cidades médias:
cidades nas quais o centro tradicional ainda possui forte centralidade em vários níveis e
para parcelas consideráveis da população, com segmentos distintos. Estas cidades
possuem, ainda, uma estrutura monocêntrica, ou, no máximo radiocêntrica. Seriam
exemplos: Campina Grande (PB), Passo Fundo (RS) e Guarapuava (PR); cidades nas quais
as funções exercidas por um centro tradicional ainda são fortes e diversificadas, atendendo
a vários públicos-alvo. O outro caso seria de cidades médias que possuem suas funções e
sua centralidade intraurbana compartilhada, como é o caso de Itajaí, se pensada juntamente
com Balneário Camboriu (SC) (ANJOS, 2007 e 2007a). Neste exemplo, há distinção entre
os dois centros tradicionais e seus desdobramentos e novas áreas centrais, que são
compartilhados de maneira segmentada pela população de ambos os municípios. De
maneira geral, identificamos na análise dos dados referentes às cidades médias em estudo
por esta Rede, a presença preponderante de empresas terciárias locais e regionais no
centro tradicional, mantendo-se uma estrutura monocêntrica, e uma estrutura
preponderantemente policêntrica, ao se mapear as empresas de origem nacional e
internacional.
O quadro acima descrito, de sobreposição de um modelo monocêntrico à um policêntrico,
conforme o indicador tomado (no caso, a classificação das empresas por sua origem de
capital, como mencionamos), nos faz compreender que estas áreas centrais (as tradicionais,
identificadas com o centro tradicional, e novas áreas centrais, identificadas por seus
desdobramentos e pelas novas áreas, remete a discussão à multicentralidade.
Este conjunto de áreas centrais possuem conteúdos distintos e, ao mesmo tempo que se
observa a concentração (em áreas centrais), esta se materializa conjuntamente com a
dispersão (as áreas centrais estão se dispersando pela cidade, facilitadas pelas infraestruturas e pelo transporte individual, tanto quanto são possibilitadas pela segregação e
fragmentação. Nesse contexto, a análise da relação entre centralidade e dispersão, ou,
como apresenta Sposito (1999b), sobre centro-periferia, seria caracterizada por três
dinâmicas principais.
Primeiramente, trata-se da “dinâmica imposta pelas novas lógicas de comportamento
espacial das empresas industriais.”, caracterizadas a) pela maior mobilidade das plantas
industriais graças à redução dos custos de transporte, o que permite que as empresas
deixem os grandes centros; b) pelo aumento do consumo, o que faz com que haja um
aumento do número de empresas industriais; c) pela relativização do modelo de produção
local para um consumo local, migrando-se para modelos de produção para mercados
distantes; d) pela diminuição de plantas industriais que “permite uma flexibilização dos usos
dos espaços.”; e) pela separação territorial da gestão e da produção, desde que
necessidades infra-estruturais de circulação e comunicação estejam atendidas, o que
permitiria a localização não metropolitana e mesmo em áreas externas ao tecido urbano,
redefinindo-se “não apenas o tecido interno das aglomerações urbanas, mas também a rede
de fluxos entre aglomerações de diferentes portes.” (SPOSITO, 1999b, P. 89-91).
A articulação dispersa da produção e da produção e gestão é acompanhada por
concentrações com novas características: “Paralelamente aos fluxos que se estabelecem
entre diferentes unidades da mesma empresa e entre empresas controladas sob o mesmo
capital, observa-se um interesse de maior articulação entre as unidades de gestão de uma
empresa ou grupo e outras empresas e/ou instituições, de diferentes portes, para a compra
de serviços de diferentes naturezas (do desenvolvimento tecnológico à limpeza e
manutenção do maquinário)” (SPOSITO, 1999b, p. 89-91). Observa-se que essa é uma
nova tendência de concentração, ao mesmo tempo em que a produção, de maneira geral,
desconcentra-se ou se reconcentra em outras áreas dotadas do aparato técnico e
tecnológico necessário. As atividades industriais apresentam sua maior concentração
relativa em setores afastados do centro, sobretudo graças à presença de vários minidistritos
industriais localizados nas proximidades de bairros populares e/ou de eixos de circulação
rodoviários. A atividade industrial de origem nacional e internacional parece possuir lógica
de localização ditada mais pela proximidade de modais de transporte adequados e pela
disponibilidade de lotes a preços competitivos e pelos planos oficiais (locais, ou não) de
isenção e/ou incentivos. Não nos debruçaremos à análise deste ramo de atividade neste
texto, embora estejamos trabalhando com tais elementos em outro projeto (SPOSITO,
2007a).
A segunda dinâmica diz respeito aos espaço de habitação, marcadamente, exemplos de
segregação socioespacial. À medida que se proliferam os habitats auto-segregados, em
especial áreas periferias ricas, surgem novas áreas centrais. Em São José do Rio Preto
(SP), Marília (SP) e Uberlândia (MG) há grande coincidência de áreas com presença de
loteamentos e condomínios fechados, shopping centers, hipermercados, universidades
particulares, ligadas entre si, ou a outras áreas da cidade por eixos especializados
funcionalmente, mas, sobretudo, socioeconômicamente.
A terceira dinâmica apresentada refere-se aos espaços destinados à troca, ao consumo
tanto de bens quanto de serviços, ao que incluiríamos os espaços destinados ao lazer. Ao
nosso ver, suas estratégias de localização se dão primordialmente pela incorporação de
novas áreas ao tecido urbano ou pela localização nas franjas e periferias, notadamente em
nós de circulação, muitas vezes atendendo a vários municípios. Outro padrão locacional
dessas atividades, em cidades mais antigas, e em metrópoles diz respeito à ocupação de
grandes áreas outrora destinadas a outros usos (equipamentos industriais, portos) – onde a
inadequação a novos usos rentáveis colocam-nas a disposição, geralmente a um relativo
baixo custo para o capital especulativo, mas não raro exigindo pesados investimentos
públicos para sua revitalização ou readequação. Processos semelhantes são observados
nos velhos centros tradicionais. De uma maneira ou de outra, há interesses estruturais,
como já mencionamos, em se promover o aumento do consumo, mas também interesses de
natureza fundiária e imobiliária, com a valorização de novas áreas ou das áreas
revitalizadas e de suas proximidades.
Essas três dinâmicas operam, a nosso ver, em várias escalas diferentes e, muitas vezes, só
por meio da articulação entre escalas se tornam identificáveis ou desmistificáveis, o que
revela a importância da compreensão dessas duas realidades para se compreender a
estruturação interna das cidades. Complementarmente, devemos compreender que a
relação em dimensões e níveis diferentes – na constituição da rede de cidades e entre
redes, as formas de circulação materiais e os meios de transporte são complementados
pelas circulações imateriais. O que implica em se compreender que ao conjunto de usos se
sobreponha e se contraponha, por vezes, a dinâmica dos fluxos. A Geografia estudou as
relações entre as cidades, com a análise de hierarquia urbana, “mas as formas de produção
e consumo que definem essa hierarquização das cidades no interior de uma rede estão
sendo superadas, inclusive, porque há múltiplas possibilidades de circulação das
informações.” (SPOSITOb, 1999, p. 93).
A cooperação entre empresas, instituições e cidades supera a competição e a organização
hierárquica da rede urbana, compondo o que se chamou de “redes de cooperação”.
Cooperação que, no entanto, não pressupõe a ausência de competição. Storper (1990), ao
analisar a produção calcada no controle do conhecimento e do aprendizado – técnico e
tecnológico (learn production), pôde exemplificar a constituição dessas redes. Redes que
também criam centralidades e que são dotadas de diferentes combinações e sobreposições,
“redes de redes”, como escreveu Sposito, apoiada em Roberto Camagni, ao afirmar:
“Atualmente, há possibilidades múltiplas [em oposição a modelos concêntricos próprios às
representações de redes urbanas hierárquicas] de relações entre cidades de diferentes
padrões, sem que, necessariamente, elas se estabeleçam hierarquicamente” (SPOSITO,
1999b, p. 93),o mesmo se dando, ao nosso ver, com cidades grandes e médias, e, por meio
da formação de redes que não têm, necessariamente, contigüidade territorial.
No âmbito dos esforços de se trazer à discussão a temática da centralidade nas cidades
médias e de sua articulação com as redes, verifica-se que tal processo assume nuanças
diversas, mas já não se pode falar num único centro para elas, como nos fazem crer os
diversos momentos e análises, que demonstram a existência e manutenção de um centro
tradicional que tem suas ocupações e usos se transformando e, sobretudo, a existência de
desdobramentos desse centro tradicional que encontra determinantes além do nível
intraurbano.
Em diferentes concepções e menções ao centro urbano há, quase que automaticamente,
uma identificação com convergência e/ou divergência. Ou seja, o centro organiza os
deslocamentos e é ponto de articulação entre seus usos e os demais espaços da cidade. Os
movimentos dos veículos e das pessoas convergem para ele, em determinados momentos
do dia, e de lá partem, ordenando um movimento pendular que dota essa área de conteúdos
diferentes no decorrer de um único dia e lhe dá uma dupla característica de integração e
dispersão. Essa identificação é reforçada pelo desenho do plano viário, que tanto pode
determinar a localização do centro, quanto ser por ele influenciado, numa relação dialética.
O duplo movimento de atração e dispersão se materializa através desse plano, tendo no
trânsito de pedestres e de veículos (coletivos e individuais) sua identificação mais direta, e,
num nível menos evidente, por meio dos fluxos imateriais de informações.
Segundo VILLAÇA (1998, p. 252-4), a partir da segunda metade do século XIX, as cidades
brasileiras e sua área central passaram por um processo de estruturação do que viriam a
ser seus centros principais, por duas dinâmicas iniciais: a implantação de “serviços
urbanos”, antes realizados no interior das casas (hospedagem, atendimento médico, ensino)
e a especialização dos estabelecimentos de comércio varejista. Os centros das metrópoles
brasileiras teriam como característica a constituição de áreas complexas, com
especializações no setor terciário. Em cidades médias, a especialização interna dessa área
só parece ocorrer com seu processo de expansão, compreendido como o espraiamento de
atividades tidas como centrais para áreas contíguas ao centro, que, num segundo momento,
dão origem a desdobramentos desse centro original, estes dotados de especialização
socioespacial e/ou funcional. (WHITACKER, 1997)
Os desdobramentos do centro tradicional se diferenciam de novas áreas centrais, dispostas
em eixos, ou não, embora a primeira seja mais comum nas cidades médias atuais, por conta
de sua gênese. O desdobramento do centro se caracteriza pela concentração de empresas
que se localizavam anteriormente no centro tradicional. Há um deslocamento destas
empresas para novas áreas, em busca de espaços exclusivos, clientela, facilidades de
estacionamento, proximidade de alguma atividade nucleadora etc. Novas áreas centrais
podem se originar sem que tenha havido um desdobramento do centro. Neste caso, as
empresas têm, majoritariamente, sua primeira localização nestas áreas novas.
O centro urbano, dessa forma, desempenha papel principal decorrente da concentração de
atividades, pessoas e fluxos dos mais diversos e, também, da dispersão e da irradiação que
a partir dele se realiza. Esse processo compreende tanto a estruturação dos espaços de
produção, quanto dos espaços de troca e engloba, também, portanto, a apropriação e o uso.
O entendimento da constituição desse centro implica em se compreender que há uma
relação dialética entre o espaço preexistente, cristalizado nas formas, na paisagem e pelos
usos e apropriações, e o espaço futuro. Ou seja, uma realidade preexistente condiciona
essas novas formas urbanas e os usos e ocupações do solo ao mesmo tempo em que estes
últimos irão interagir dialeticamente com as primeiras. Acreditamos que isso deva
desmistificar tanto a noção de espaço-palco (notada em Pierre George) quanto a de espaço
com conteúdo preconcebido (como no urbanismo modernista), quando “A presença da
cidade foi (...) substituída por idéia sua.” (CHOAY, 1979, p. 50)
A partir dessa relação dialética, o centro, entidade espacial, é condição ao mesmo tempo
em que é condicionado pelos processos de estruturação e reestruturação urbanas.
Compreendemos também que o centro se constitua, dessa maneira, como uma área dotada
de um conteúdo social e simbólico e não apenas funcional, embora nossa tônica, na
pesquisa empírica, não tenha sido dada aos dois primeiros 2 . Os novos conteúdos que
caracterizarão o que é central, com a complexidão de dinâmicas de reestruturação da
cidade e na cidade, podem estar “deslocados” em relação ao centro tradicional. O processo
que cria novas centralidades muda o conteúdo do centro, ao mesmo tempo em que não o
reproduz tal como já constituído, mas de forma especializada. Esse processo não causa
uma anulação da centralidade, mas a reconfigura no âmbito do tecido urbano.
O gradativo incremento da acessibilidade ao centro e a partir do centro contribuiu para que
características de diferenciação e de segmentação socioespacial se constituam e deixem
heranças, a partir dos usos do solo pretéritos na cidade. Tanto no processo de expansão
da área central, quanto, notadamente, nos processos de desdobramento e de constituição
de novas áreas centrais, há a especialização funcional e, também a diferenciação, do
ponto de vista do consumo, de áreas caracterizadas pela segregação. No centro
tradicional, o conteúdo também se altera. A gradual saída do centro de uma população de
maior poder aquisitivo carrega consigo, em direção às a´reas que serão por esta
população habitada, o comércio e os serviços de mais alto padrão.
Os espaços de habitação constituídos nas periferias das cidades, tanto de baixa quanto de
alta renda, são extremamente dependentes de eixos de ligação. Esses eixos podem ser
preexistentes aos novos espaços, organizando-os e permitindo sua existência, ou serem
corolários deles. Esses eixos, na estruturação e reestruturação dos espaços intraurbanos,
orientam uma descentralização especializada, na maior parte das vezes, e geram
subcentros em outras.
Nas cidades médias já se nota a expansão do tecido urbano caracterizando-a boa parte
delas como cidades dispersas. Em São José do Rio Preto, para se chegar aos
condomínios fechados, as alternativas de trajetos são escassas, mesmo para uma cidade
média. Em Uberlândia, há proporcionalmente, um número considerável de vazios urbanos
que limitam os acessos às periferias ricas, dependentes de grandes eixos de circulação.
Para as periferias mais pobres e com grande concentração de pessoas, como os
conjuntos habitacionais, isso também ocorre, tal como se pode observar, por exemplo, em
2
As dimensões próprias à apropriação e ao uso, portanto constituintes de representações, não foram tratadas neste trabalho,
embora reconheçamos sua importância. Observar Whitacker, 2001.
Presidente Prudente.. Tal estrutura só muda com a efetiva incorporação desses espaços
ao tecido urbano e com a multiplicação de acessos a eles. Esses eixos tanto organizam a
concentração, quanto o vazio 3 . Esse reflexo também se observa na estruturação dos
espaços interurbanos e nos espaços intrametropolitanos.
No nível intraurbano, isso se materializa no paulatino abandono, por algumas atividades, do
centro tradicional da cidade, na concentração de atividades em novas centralidades, em
modos hierárquicos de organização social (acompanhados por segregação socioespacial e
fragmentação do território), no incremento das telecomunicações e na troca maciça e diária
de população entre extremos da cidade e entre cidades. Pode-se observar,
paulatinamente, um abandono do comércio de mais alto padrão da área central para
espaços mais exclusivos, que são, em geral, vetores que ligam áreas bem dotadas de
infraestrutura e relativa fluidez por transporte individual com espaços de moradia de
auto-segregação.
A porção abandonada pelas camadas de mais alta renda são identificadas em Singer
(1977) como “áreas cinzentas”. Ao que SPOSITO afirma: Entendemos que a existência e a
dimensão de áreas momentaneamentes deterioradas em volta do centro, à espera de um
processo de integração/valorização terá relação direta com a dinâmica dos processos de
promoção imobiliária, que vão tomar em consideração para
decidir sobre o
‘aproveitamento’ destas áreas, fatores tais como: preço destes terrenos/localizações,
disponibilidade/acesso a outros terrenos/localizações que possam cumprir os mesmos
papéis a preços menores - possibilidade de que o Estado venha a realizar
o investimento
para superar a obsolescência das construções (física ou moral), e, a
capacidade do
mercado de pagar e remunerar este ‘investimento’ realizado.” (1990, p. 14)
Segundo VILLAÇA (1998, p. 277), a partir dos anos 1960, nas metrópoles passa-se a
observar o surgimento de “sub-regiões urbanas”, voltadas àquelas camadas mais ricas, com
comércio e serviços especialmente direcionados, e que viriam a ser conhecidas como
“centros novos”. A partir de 1970, inclusive a construção de shopping centers, de prédios e
os investimentos públicos passaram a ocorrer nesses centros novos. Nas cidades médias
observa-se desde a década de 1980 esse processo de decadência dos centros tradicionais
e o desdobramento do centro tradicional de maneira especializada também
socioeconômicamente (o que Villaça chamou de sub-regiões urbanas). Tal processo de
“decadência e deterioração” seria caracterizado, nas cidades médias e nas metrópoles, por
um abandono do centro tradicional pelas camadas de mais alta renda e pela sua tomada
pelas de baixa renda.
A abrangência do fenômeno de esvaziamento e decadência do centro principal seria
decorrência de seu abandono pelas camadas de mais alta renda, facilitada pelo automóvel
e, talvez, tenha sido incrementado pela suposta baixa carga simbólica desses espaços
que não os tornava culturalmente atrativos e ideologicamente identificados com essas
camadas. Se, como já apontara VILLAÇA (1998, p. 278-9), os centros se expandidos em
direção às camadas mais ricas, em investimentos em áreas contíguas a eles, na década de
1970, se passaria a observar novo fenômeno: novos centros surgiram afastados dos
primeiros e, muitas vezes, com especilizações e/ou em tamanho menor.
A mobilidade permitida pelo automóvel colaboraria muito com esse processo, assim como
os interesses imobiliários de promoção de novas áreas (VILLAÇA, 1998, p. 278-9). De
qualquer forma, o “abandono” do centro tradicional e o crescimento do comércio popular são
3
Não podemos nos esquecer que os vazios são, também, áreas destinadas – em muitos casos – à futura especulação
imobiliária.
as tônicas observadas. Segundo Villaça, “por volta da década de 1970 [...] , os centros já
estavam bastante abandonados, principalmente como local de compras, diversões e
escritórios de profissionais liberais” e “na década de 1980, os centros principais já estavam
quase totalmente tomados pelas camadas populares.” Nesse sentido, o surgimento de
novas centralidades na cidade parece diminuir o interesse de novos investimentos na área
central até um determinado momento no qual surjam elementos que tornem a inversão
nestas áreas novamente lucrativo, ou quando se observam iniciativas promovidas pelo
Estado, quando, de forma geral, como corolário também se note o aumento de preços dos
imóveis e terrenos ainda não edificados
Na análise de cidades médias, observamos que muitas vezes o centro tradicional sofre um
declínio mais rápido que outras áreas da cidade e não se encontram respostas fáceis a esse
fato. No caso, por exemplo, de Presidente Prudente, também cidade média, investimentos
em outras áreas (tanto públicos quanto privados) redefiniram seu centro, levando a uma
fragmentação profunda, se observada naquela escala. Noutras, como Maringá (PR) o
centro, menos compacto que dessa última cidade, abriga consumo destinado à vários
segmentos, porém com setores distintos.
Em São José do Rio Preto, o processo não foi tão marcante, embora a constituição de
novas centralidades e o tipo de novas áreas centrais que se desdobram do centro sejam
semelhantes, como ao de muitas outras cidades médias que passaram pela implantação de
shopping centers. Outro processo que pode ser analisado com relação à mudança no
padrão do centro, é que a constituição de shopping centers cria também novas
centralidades que, paulatinamente, mudam o padrão de uso daquelas áreas. Os shopping
centers e os hipermercados são responsáveis por grandes impactos na estruturação urbana,
por criarem, rapidamente, grande atração para determinados pontos, com problemas viários
e de tráfego. Estamos empreendendo pesquisa recente sobre uma área recém erigida e em
fase de ocupação, denominada Terceiro Pólo Comercial que será emblemática.
VILLAÇA (1998, p. 307) afirma que, em comparação aos subcentros, os shoppings ainda
não teriam “um impacto significativo sobre nossas estruturas metropolitanas, em face da
hegemonia dos subcentros tradicionais”, embora tivessem grande participação no
“prosseguimento do esvaziamento dos centros principais”. Por outro lado, devemos
considerar que isso se dê de maneira diferente nas cidades médias, onde há, geralmente,
um sistema de subcentros (ou um único subcentro) incipientes.
Quando se constitui uma nova centralidade ou novas centralidades que irão competir com o
centro tradicional, esse processo de substituição de usos e de ocupações que irá mudar o
conteúdo do centro tradicional tem início. Quando o processo é muito rápido, não apenas
uma mudança quanto ao uso e ocupação do solo se observa (a mais comum, em médias ou
grandes cidades, é a popularização do comércio central), mas também o incremento das
chamadas áreas degradadas, pois não há, efetivamente, uma refuncionalização daquele
centro tradicional. Esse é o caso de Presidente Prudente que, num curto interregno de
tempo, viu o surgimento de dois shopping centers, com clientelas diferenciadas, causando
uma rápida deterioração do comércio central (MONTESSORO, 1999). Tal fato não parece
ter ocorrido com o mesmo grau e igual rapidez em Londrina e Maringá, cidades médias do
Norte paranaense.
O processo de transformação do centro e de constituição de novas centralidades guarda
especificidades que se evidenciam na convivência de vários padrões de ocupação e de
várias formas urbanas, num desenho verificável na paisagem do centro e em seus usos.
Dessa forma, não podemos concordar totalmente com VILLAÇA (1998, p. 237) ao afirmar a
existência de “um, e apenas um centro principal”. Isso porque, embora o centro principal não
seja reproduzido integralmente nas novas configurações da centralidade na cidade, ele o é,
desdobrando-se pela cidade e tem seu conteúdo original profundamente alterado, tanto em
grandes, quanto em médias cidades e sua característica primaz é diluída e recomposta em
novas centralidades. Essa dinâmica de usos e apropriações diferentes do centro e no centro
e a sua característica de concentração e dispersão foi bastante estudada pela chamada
Escola de Chicago, que via no arranjo complexo, uma construção orgânica de atração e
retração entre tais usos.
De certa maneira, esse princípio esteve na base também do que CHOAY (1979) chamou de
“urbanismo progressista”, pois o arranjo de usos exclusivos às diferentes áreas da cidade é
organizado e, embora, com outra matriz (o industrialismo), há resultados semelhantes. A
diferença principal talvez seja a de no “urbanismo progressista”, as propostas eram de
intervenção na cidade, enquanto que na chamada Escola de Chicago, se procurava
principalmente uma interpretação da cidade.
Tanto uma corrente como outra relativizaram o caráter segregativo desse processo e o
papel da propriedade privada na determinação de usos e não usos da cidade. Na Escola de
Chicago, a concorrência orgânica pelo espaço parece substituir a luta de classes. Não se
põe a questão de que a uma divisão técnica e social do trabalho corresponde uma divisão
técnica e social do espaço (SINGER, 1980).
A centralidade, como expressão do processo, é também reflexo de divisões técnicas e
sociais do trabalho. Seu processo de constituição compreende também a sobreposição de
temporalidades diferentes que se materializaram em formas urbanas e que passam a
assumir novos usos e funções, determinando novos conteúdos àquelas formas pretéritas. O
que SANTOS (1996) chama de “rugosidades” compreende a influência de formas naturais e
construídas e sua relação com os usos e representações atuais. Uma vez que a
centralidade se articula à divisão técnica e social do trabalho, os centros (no nível da forma
urbana) e essa centralidade (enquanto processo) refletem, também, uma articulação desses
com o modo de produção.
A cidade industrial – não a cidade com função industrial, mas a cidade criada sob um
racionalismo industrial – organizou a racionalidade da cidade à luz da racionalidade da
produção. Essa racionalidade, com o incremento da acumulação flexível do capital em
detrimento do sistema fordista de produção, traz novas características à centralidade. A
correlação entre desenvolvimento técnico e desenvolvimento das formas urbanas e da
centralidade também é possível de ser apreendida.
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