Ponto para a logística

Transcrição

Ponto para a logística
Realização:
ESPECIAL
Novas regras
na gestão das
cargas aliviaram
o trânsito no
Porto de Santos
Patrocínio:
nal ferroviário de cargas da América Latina Logística (ALL), detentora da concessão da única linha
férrea do Estado. E percorreu de caminhão a região
portuária de Santos. O trabalho revelou que investimentos na estrutura ferroviária em Mato Grosso e
uma série de novas regras na gestão das cargas que
chegam ao litoral paulista estão conseguindo amenizar um dos exemplos mais evidentes do chamado
gargalo logístico nacional. Um pouco mais de fôlego,
ao menos até a próxima supersafra.
Vinte por hora
©1
Ponto para a logística
Depois de anos de más notícias, a situação melhorou no
principal eixo de escoamento de grãos do Centro-Oeste
M
udam presidentes. Trocam-se
ministros. Novos e ambiciosos
projetos vêm substituir os anteriores. Promessas esquecidas são renovadas. A cada nova safra, porém, a maior parte
dos grãos produzidos no principal polo agrícola do
mundo continua a seguir em direção a um distante
e caro destino: o Porto de Santos (SP).
Em 2014, ano em que o país colhe a maior safra
de sua história, o roteiro se repete. Seja por meio de
caminhões, numa longa e custosa viagem, ou pelos
trilhos da antiga Ferronorte, os produtores do médionorte de Mato Grosso seguem a rotina desvantajosa
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de compensar ao sul a falta de estrutura de escoamento no sentido contrário.
Peça fundamental no projeto de alcançar os portos da Região Norte do país, a conclusão da pavimentação da BR-163, entre Cuiabá (MT) e Santarém (PA),
inicialmente prevista para 2013, ficou para 2015. E
mesmo os mais otimistas acreditam que a estrutura
só deverá entrar em operação na safra seguinte. A
boa notícia é que o cenário de caos vivido no passado, quando as cenas das quilométricas filas de caminhões correram o mundo, não se repetiu até agora.
Para saber os motivos dessa mudança, a reportagem viajou pelo precário trecho da BR-364 entre
Cuiabá e Rondonópolis, em direção ao novo termi-
© 1 ERNESTO DE SOUZA/EDITORA GLOBO; 2 JOSÉ MEDEIROS/EDITORAGLOBO
Texto Rodrigo Vargas * Fotos Ernesto de Souza (Santos) e José Medeiros (Rondonópolis)
As obras atrasadas de duplicação marcam o trecho da BR-364 entre os municípios de Jaciara e Juscimeira, a 120 quilômetros de Cuiabá. Desvios, buracos
e o tráfego intenso de caminhões fazem o percurso
parecer muito mais longo do que realmente é. “Percorremos 40 quilômetros em duas horas. A estrada
acabou, tem muitos caminhões e não tem alternativa”, reclama o caminhoneiro Deyve Ocampos. “A
duplicação, que disseram que viria, ficou só na promessa. E o prejuízo ficou com a gente.”
O fluxo dos caminhões que seguem para Rondonópolis forma uma fila compacta que avança lentamente, tornando qualquer ultrapassagem uma operação complexa e arriscada. “De Cuiabá para cá, vimos
quatro acidentes feios na estrada”, diz o motorista. É
por ali o principal caminho para as regiões Sul e Sudeste. Na safra passada, segundo dados do Instituto
Matogrossense de Economia Agropecuária (Imea), os
portos de Santos, Paranaguá (PR) e São Francisco do
Sul (SC) concentraram 72% dos 12,4 milhões de toneladas de soja exportadas pelo Estado. O porto paulista, sozinho, respondeu por 58% desse total.
O resultado se deveu, em grande medida, à existência de um corredor rodoferroviário que, até meados do ano passado, tinha seu principal ponto de
transbordo no município de Alto Araguaia, na divisa com Goiás e distante 850 quilômetros da principal
região produtora do Estado. Desde outubro, porém,
a “perna” rodoviária ficou mais curta e a ferroviária
ganhou mais estrutura. Com financiamento do BNDES, a ALL investiu R$ 750 milhões para estender em
260 quilômetros sua linha férrea até Rondonópolis.
Lá, numa área de 385 hectares, empregou mais
©2
R$ 150 milhões para construir um terminal de grãos
e implantar a primeira etapa de um complexo intermodal que, quando estiver em total operação, será o
maior da América Latina, de acordo com a empresa.
Inaugurado em setembro passado, o novo terminal
movimentou, somente no último trimestre de 2013,
mais de 3 milhões de toneladas de grãos. “Rondonópolis deve carregar mais de 10 milhões de toneladas em 2014”, estimou a empresa, em nota. Antes,
as operações eram quase todas em Alto Araguaia.
O terminal
da ALL em
Rondonópolis
carrega até 600
vagões por dia
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ESPECIAL
O CARREGAMENTO DOS TRENS FOI APRIMORADO
COM UM SISTEMA DE ESTEIRAS DIRECIONÁVEIS
Entre os motivos do aumento de produtividade
está a implantação de três tombadores específicos
para receber caminhões de 25 metros (os chamados
rodotrens). “Antes, tínhamos uma dificuldade muito
grande, pois o caminhão precisava ser desengatado
Exportações safra 2012/2013
(em milhões de toneladas)
MILHO (JUL/13 - FEV/14)
Manaus (AM)
Santarém (PA)
São Luís (MA)
Vitória (ES)
Santos (SP)
Paranaguá (PR)
São Francisco do Sul (SC)
Outros
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SOJA (JAN-DEZ/13)
0,99
0,95
1,18
0,66
0,31
0,54
1,83
1,16
7,61
7,13
0,79
1,22
1,24
0,55
0,01
0,09
Fonte: Imea
O sistema foi inspirado na bem-sucedida gestão de
cargas adotada pelo Porto de Paranaguá. O mesmo
modelo também norteou uma “intervenção federal”
destinada a desfazer um nó cego formado na outra
ponta da linha da ALL.
Santos
Em março de 2013, o projeto Caminhos da Safra
acompanhou a longa e penosa jornada de um caminhão carregado com soja ao longo de uma viagem
de Mato Grosso até o Porto de Santos.
Após a chegada ao destino, a reportagem registrou uma inacreditável saga de 23 horas de filas até
a entrega da carga.
Era o auge de uma crise que atrasou embarques,
paralisou o trânsito nas cidades do entorno e motivou um amplo debate sobre a falta de investimento
na estrutura portuária nacional.
Para esta edição, a reportagem voltou ao mesmo
local e deparou com o tráfego pesado típico de regiões portuárias, mas em contexto bem distinto do
caos generalizado vivido no ano anterior.
Foi possível, por exemplo, trafegar normalmente pela Rodovia Cônego Domênico Rangoni (a antiga Piaçaguera-Guarujá), em Cubatão. No ano passado, foram duas horas de congestionamento apenas
para contornar uma alça que dá acesso à rodovia.
O motivo, de acordo com a Secretaria Especial dos
Portos (SEP), foi a adoção do agendamento como re-
gra incontornável para a operação e recebimento de
cargas em todos os terminais.
“Não estamos reinventando a roda. Isso já tinha
sido adotado com sucesso em Paranaguá e em vários portos do mundo, como os de Antuérpia, na Bélgica, e Valência (Espanha)”, relata Luis Montenegro,
diretor de informação da SEP.
O modelo adotado em Santos foi definido por um
grupo interministerial entre abril e outubro do ano
Carregamento
de soja em
vagão da ALL e o
motorista Cesar
Giroto, animado
com o novo
terminal
Média mensal do frete de grãos em MT
(Sorriso - Santos, em R$ por tonelada)
R$ 350
R$ 305
R$ 300
R$ 250
R$ 200
R$ 150
R$ 155
R$ 100
R$ 50
R$ 0
jun/08
set/08
dez/08
mar/09
jun/09
set/09
dez/09
mar/10
jun/10
set/10
dez/10
mar/11
jun/11
set/11
dez/11
mar/12
jun/12
set/12
dez/12
mar/13
jun/13
set/13
dez/13
mar/14
Rodotrens
e descarregado em duas etapas. Agora, não. Colocamos o caminhão inteiro no tombador, como se fosse
um veículo normal de 21 metros”, explica.
O carregamento dos trens também foi aprimorado. Por meio de um sistema de esteiras direcionáveis,
os grãos podem seguir diretamente dos sete tombadores para as tulhas que enchem os vagões. “A gente não perde tempo. Não precisamos esvaziar o armazém para poder descarregar novamente. Tendo o
vagão, conseguimos mandar direto”, relata.
Em relação a Alto Araguaia, o tempo médio de
permanência dos caminhões no pátio do terminal
foi reduzido de oito para cinco horas. “E o processo
de descarga mesmo é muito rápido: entre marcar fila
de entrada e ir embora, gira em torno de 40 minutos.”
À reportagem de Globo Rural, o caminhoneiro paranaense Marildo Strapazon fez críticas à configuração do pátio para estacionamento de caminhões,
que, segundo ele, é insuficiente. Mas reconheceu a
melhoria em relação ao tempo para descarregar. “A
descarga aqui é melhor do que lá, mas, em termos de
pátio, sinto saudades de lá. Isso aqui não foi feito para tanto caminhão”, afirmou.
Já o sul-mato-grossense César Girotto, que trouxe uma carga de soja da região de Tapurah, no centro norte do Estado, elogiou a estrutura. “Aqui está
bem melhor. Cem por cento. Lá, o pátio era cheio de
morro para subir, pedra, e o banheiro era um caos.
Aqui é tudo asfaltado, tudo novo”, avaliou. Outra novidade, introduzida no ano passado, foi a adoção de
um sistema de agendamento de descargas, que reduziu as filas e eliminou a ocorrência de uma situação comum no antigo terminal: filas de caminhões
à margem da rodovia de acesso.
“O objetivo era tirar os caminhões de dentro da rodovia. Não ter filas. A gente libera cotas para o cliente agendar sua carga e o motorista só descarrega no
terminal se tiver o agendamento. Não tivemos mais
ocorrências desde novembro”, afirma o coordenador.
© JOSÉ MEDEIROS/EDITORAGLOBO
Os números demonstram as melhorias na capacidade de operação da ferrovia. Em relação à estrutura de Alto Araguaia, que segue em operação, a
capacidade de armazenagem de grãos no novo terminal é 45% maior: 60.000 toneladas. A capacidade
de descarga de caminhões também cresceu. “Em
Alto Araguaia, nosso recorde eram 950 caminhões
descarregados num único dia. Aqui, recentemente,
batemos nosso recorde de carga e descarga. Foram
600 vagões carregados em 24 horas, o que equivale à carga de 1.200 caminhões”, relata Flávio José da
Silva, coordenador de operações do terminal.
Fonte: IMEA
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ESPECIAL
Caminhões
aguardam em
Cubatão o
momento de
descarregar
nos terminais
portuários
passado. “Todo o caminhão que chega ao Porto de
Santos tem de estar agendado em um terminal. Para
o caso dos granéis de origem vegetal, esse agendamento é feito para um pátio de triagem”, explica.Para
definir a quantidade de vagas diárias nos terminais,
foi feito um mapeamento da capacidade. “Ninguém
pode agendar mais que essa capacidade.”
A regulamentação do sistema foi iniciada em dezembro, com a edição de uma portaria pela Codesp.
Em fevereiro, a Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) publicou uma resolução definindo multas pelo descumprimento das novas regras.
Cada caminhão não agendado, segundo essa norma,
rende multa de R$ 1.000 ao terminal de destino. Em
caso de reincidência, o valor dobra. “Há ainda uma
multa por comportamento reiterado de desobediência que pode chegar a R$ 1 milhão.”
Capacidade aumentada
A fiscalização começou em fevereiro, desde os locais de origem das cargas. Fiscais da ANTT (Agência
Nacional de Transportes Terrestres) registram o fluxo de veículos agendados e não agendados em cinco
postos de controle nas divisas de Mato Grosso, Mato
Grosso do Sul, Goiás e São Paulo.
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No início desse monitoramento, em 15 de fevereiro, apenas 50% dos caminhões cumpriam a exigência principal. Hoje, segundo Montenegro, o percentual se aproxima dos 100%. “Na chegada ao porto, o percentual de agendamento está em torno de
80%.” A redução dos transtornos no trânsito não foi
a única consequência imediata das novas medidas.
De acordo com o diretor da SEP, a capacidade operacional do porto está sendo aproveitada de forma
mais equilibrada ao longo da semana.
“Antes, a utilização do porto aos domingos era um
terço da normal. Aos sábados, não chegava a 40%.
Tínhamos o porto muito cheio durante a semana e
ocioso aos sábados e domingos. Hoje, a gente conseguiu equilibrar o fluxo ao longo da semana”, diz.
“Estamos tentando atingir o máximo de eficiência
dentro da capacidade existente. Depois de ocupar
todo o potencial com eficiência, aí é lógico que teremos de ampliar o porto. O que não pode é ampliar
capacidade e utilizá-la mal.”
Para a próxima safra, está prevista a instalação
de um chip nos caminhões que seguem para o porto.
Serão acompanhados desde a origem através de antenas instaladas ao longo do percurso, para agilizar
ainda mais o procedimento para descarga.
© ERNESTO DE SOUZA/EDITORA
PELA REGRA, CAMINHÃO NÃO AGENDADO RENDE
MULTA DE R$ 1.000 AO TERMINAL DE DESTINO
Realização:
ESPECIAL
Caminhão do
projeto nas
estradas do
Paraná
Projeto audacioso
Com a união de três cooperativas regionais, Cascavel, no
Paraná, prepara-se para ser um grande polo de logística
Texto Rodrigo Vargas * Fotos Ernesto de Souza
A
reforma do Maracanã, no Rio de
Janeiro, custou mais de R$ 1 bilhão.
A construção do Estádio Nacional
de Brasília atingiu montante quase
duas vezes maior. No total, o orçamento das arenas para a Copa do
Mundo é de quase R$ 9 bilhões.
Quando escuta alguém mencionar essas cifras, a
última coisa que passa pela cabeça do paranaense
Dilvo Grolli são os dribles do craque Neymar.
Em lugar disso, ele pensa nas estradas, portos,
trilhos, galpões e estruturas de embarque e desembarque que faltam Brasil afora. E não se conforma.
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“Estamos focados no supérfluo, enquanto ainda não temos o essencial. Com o que se gastou nos
estádios seria possível dar um grande impulso na
logística em várias regiões do país. Isso é algo que
nunca vou entender”, diz.
O diagnóstico vem de uma base sólida. Diretor
presidente da Cooperativa Agroindustrial de Cascavel (Coopavel), uma das maiores cooperativas do
Paraná, ele comanda um conglomerado que reúne
3.500 associados e que, em 2013, registrou faturamento de R$ 1,5 bilhão, movimentando grãos, carnes,
fertilizantes e farinha de trigo.
Nascido em Cascavel há 59 anos, Grolli avalia que
a falta de atenção ao que é prioritário custa caro e
ameaça a competitividade do país. A conta, segundo
ele, será cobrada nos próximos anos, com o aumento
dos custos de produção.
“Hoje, estamos tranquilos porque os preços dos
grãos estão em alta, mas há uma tendência de estabilização com preço menor e de subirem ainda mais
os custos de transportes rodoviários, por conta da
legislação trabalhista, restrições ambientais e custos
de combustível”, diz.
Pensando nesse cenário, a Coopavel leva adiante
um projeto que, em conjunto com outras grandes do
segmento (C.Vale, Lar e Copacol), pretende colocar
literalmente nos trilhos a maior parte da produção
agrícola e agroindustrial que hoje segue por caminhões rumo ao Porto de Paranaguá.
O foco é 2020 e o objetivo é alcançar até lá uma
economia de mais de R$ 120 milhões por ano, somente contabilizando os custos de transporte.
“Esse projeto é audacioso, mas fantástico. Essa
diferença de custo será o que vai pôr essa região do
Brasil na competitividade mundial de grãos, ou fora.
Da nossa parte, começaremos a operar em dois anos.”
A espinha dorsal do projeto é a linha férrea de
600 quilômetros que liga Cascavel ao Porto de Paranaguá. Parte dela, no trecho de 250 quilômetros
até Guarapuava, é gerida pela companhia Estrada
de Ferro Paraná Oeste S.A. (Ferroeste), uma sociedade de economia mista controlada pelo governo
do Paraná. O restante é uma concessão federal sob
responsabilidade da ALL.
No ponto inicial, a equipe de Globo Rural percorreu o canteiro de obras do que poderá vir a ser
uma das maiores empresas de logística do Paraná.
E visitou produtores que aguardam com ansiedade
a chegada de novas opções de escoamento.
No final, conheceu de perto o sistema de gerenciamento de cargas que tornou o Porto de Paranaguá
um modelo a ser seguido. Entre esses pontos, rodovias em bom estado, belas paisagens e pedágios que
parecem não ter fim.
As previsões para a safra de grãos paranaense
estimavam uma produção excepcional, acima de
38 milhões de toneladas. A quebra provocada pela
estiagem reduziu em parte a projeção, mas não interferiu no otimismo que norteia o projeto logístico
em implantação em Cascavel.
Patrocínio:
“Chegaremos a 2020 com uma produção estadual
de 45 milhões de toneladas, sendo 15 milhões oriundas dessa região. Esse número é para ser pensado
hoje, não em 2020. Então temos de mexer com infraestrutura hoje, investir agora, pensando em como
escoar 45 milhões de toneladas”, diz Grolli.
Sem investimentos, o aumento da produção, segundo ele, vai levar ao colapso o atual modelo, majoritariamente baseado no modal rodoviário.
“Essa região não tem alternativa que não seja a
ferroviária. Aqui não temos rios que levam do oeste
para o leste. É isso ou continuar com o caminhão
e enfrentar lá na frente um problema seríssimo de
custo que vai nos tirar a competitividade. O Paraná
não tem outra saída.”
A medida se apresenta ainda mais urgente quando se considera o potencial de escoamento da pro-
Dilvo Grolli,
presidente da
Coopavel, junto
aos trilhos da
Ferroeste
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ESPECIAL
EM ABRIL, O FRETE RODOVIÁRIO DE 1 TONELADA DE
SOJA DE CASCAVEL A PARANAGUÁ CUSTAVA R$ 84
Pedágios
representam 25%
do custo do frete
58 GLOBO RURAL | maio 2014
dução de soja de Mato Grosso do Sul e do Paraguai.
“Se você somar esses aportes, chegaremos à constatação de que essa rodovia que temos hoje não suporta o fluxo. Para falar a verdade, ela já não suporta
a safra atual.”
Reunidas numa companhia central chamada Cotriguaçu, as quatro cooperativas decidiram investir
R$ 250 milhões na construção de infraestruturas de
armazenagem, recepção e expedição de grãos, óleo
de soja e carnes em contêineres.
“A proposta é estruturar a Cotriguaçu como
uma empresa de logística, que tenha inclusive os
seus próprios vagões. Nós entregamos aqui e ela
coloca dentro do navio para nós. Estamos iniciando com armazéns e câmaras frias.” A estrutura
é implantada dentro de uma área de 11 hectares
concedida pela Ferroeste em seu terminal em Cascavel. No local, já funciona uma câmara fria com
capacidade para armazenar até 10.000 toneladas.
De lá, partem todos os meses 800 contêineres de
carne de frango em direção a Paranaguá – o equivalente a 20.000 toneladas.
A obra de um armazém graneleiro para 120.000
toneladas está a pleno vapor. Até 2016, a estrutura
estará em operação. “O final do projeto é chegar a
2020 com três armazéns graneleiros de 120.000 toneladas e duas câmaras frias para 10.000 toneladas
cada uma”, relata. No caso do escoamento de grãos,
a ideia é fechar 2016 com uma movimentação inicial
em torno de 500.000 a 600.000 toneladas. Na ponta
do lápis, as vantagens são inegáveis. No início do mês
de abril, o frete de 1 tonelada de soja entre Cascavel e
Paranaguá estava em R$ 84. Pelo modal ferroviário,
o custo era de R$ 50 por tonelada.
Economia
“Se atingirmos o objetivo, que são 2,1 milhões de
toneladas por ano, seriam R$ 63 milhões em economia de frete. Se somarmos os outros produtos,
chegaremos a mais de R$ 100 milhões a menos nos
custos por ano. Só isso já viabiliza qualquer projeto
do gênero em qualquer lugar do mundo.”
A saída pela ferrovia, porém, tem gargalos que
independem das cooperativas. Há trechos em más
condições e indefinição em relação aos planos da
ALL, uma vez que sua concessão se encerra em 2022.
“Estamos conscientes de que a ferrovia não está
em plenas condições. A ALL não tem dado atenção
a esse trecho porque ela tem outros melhores para trabalhar. Mas acreditamos que, a partir de 2015,
teremos de ter uma definição, até porque já teremos
algumas prerrogativas de constituir companhias
ferroviárias e pagar o direito de passagem.” Considerando todo o trecho até Paranaguá, Grolli estima
que sejam necessárias obras de reconstrução dos
trilhos em cerca de 80 quilômetros. A possibilidade de a conclusão dos investimentos na Cotriguaçu
chegar antes da reestruturação da via não assusta o
diretor. “Se formos esperar para ver, o tempo passa
e não volta mais. Precisamos ser ousados.”
O projeto não considera apenas o atual traçado da
Ferroeste. No mapa logístico imaginado por Grolli, a
linha atual não termina mais em Cascavel. “O destino
dessa linha é seguir rumo ao oeste até Maracaju (MS).
E não podemos nos esquecer do ramal da Norte-Sul
que virá por Maringá e seguirá até Chapecó.”
O novo modelo, segundo ele, será mais vantajoso inclusive para transportadores rodoviários e
caminhoneiros. “Todas as regiões produtoras num
raio de 150 quilômetros de Cascavel irão levar suas
mercadorias até os terminais de embarque da ferrovia. Serão mais fretes, com viagens mais curtas
e seguras. Ou seja: vamos aumentar a demanda de
transporte rodoviário, com mais qualidade de vida
para o motorista e segurança às transportadoras.”
Pedágios
A bordo do caminhão do Projeto Caminhos da
Safra, a reportagem de Globo Rural percorreu a
alternativa rodoviária entre Cascavel e Paranaguá.
O trecho de 588 quilômetros é seguro, bem conservado e sinalizado, mas isso tem um preço. Em nosso
caso, a travessia com um bitrem custou R$ 480 (o
equivalente a R$ 0,80 por quilômetro rodado). Foram
oito praças de cobrança, com valores variando entre
R$ 45,50 e R$ 91.
Os pedágios nas rodovias do Paraná foram implantados em 1997. O chamado Anel de Integração,
com seis concessionárias, soma 2.493 quilômetros
administrados pela iniciativa privada. Um levanta-
mento recente realizado pela Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar) revelou que o pedágio
representa 31,51% do custo com frete entre Foz do
Iguaçu e o Porto de Paranaguá. No trecho CascavelParanaguá, equivale a 25,44%. “É um absurdo. A estrada está em boas condições, mas o preço é abusivo.
Sem falar que já pagamos impostos, licenciamento e
seguro obrigatório justamente para andar em boas
estradas”, queixou-se o caminhoneiro Valter das
Neves, de 39 anos.
Um dos maiores produtores de soja de Cascavel,
no entanto, diz que a queixa é indevida. De acordo
com Elci Dalgalo, a conta não é sempre embutida nos
custos do frete ao produtor. “O caminhoneiro briga,
Elci Dalgalo,
produtor de soja
em Cascavel
Movimentação no Porto de Paranaguá
Caminhões
(que entraram no Pátio de
Triagem da Appa - milhares)
Exportação
de soja
(milhões de t)
Importação de
fertilizantes
(milhões de t)
2010
257.3
5,3
6,4
2011
286.7
6,9
9,1
2012
349.0
6,6
8,8
2013
360.6
7,7
9,2
maio 2014 | GLOBO RURAL 59
ESPECIAL
QUATRO SHIPLOADERS SERÃO INSTALADOS ATÉ
2015, DOBRANDO A CAPACIDADE DE CARGA
resumo, o cerne do problema é que tínhamos menos
terminais e uma logística não controlada.”
A entrega de produtos no porto hoje é feita por
agendamento, por meio do sistema de controle de
cargas informatizado. “Sabemos, da origem até Paranaguá, todos os caminhões que vêm. Isso significa
que o caminhoneiro que chega hoje a Paranaguá,
além de ter uma receptividade melhor, gasta oito
horas, em média, entre chegar e sair. Antes, eram
dois a três dias”, diz. Em janeiro e fevereiro, Paranaguá foi o porto que mais exportou soja no Brasil.
De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC),40%
das exportações da oleaginosa foram feitas por ali.
Investimentos
Navios sendo
carregados em
Paranaguá
60 GLOBO RURAL | maio 2014
chora por causa do pedágio, mas ele não paga nada.
O pedágio é repassado ao produtor”, afirma.
Filho de um pioneiro do plantio de soja na região,
ele vê com cautela as promessas relacionadas à Ferroeste. “Eu acho que essa ferrovia, quando foi instalada, era para ser um benefício para nós. Mas até
hoje não vi nada de bom. Já comprei calcário vindo
pelo trem e pelo caminhão. Por rodovia chega sempre
mais barato. Então prefiro esperar para ver.”
Seja por rodovias ou sobre trilhos, os caminhos
atuais e os futuros da safra paranaense têm como
destino final o Porto de Paranaguá. Prestes a completar três anos sem o registro das filas de caminhões
que o notabilizaram Brasil afora, o porto conseguiu
mudar sua fama com investimentos e a adoção de
um mecanismo de gestão de cargas que se tornou
modelo para portos como o de Santos (SP).
“Já tivemos filas de 150 quilômetros. Chamavam de
fila da fartura”, lembra Lourenço Fregonese, da diretoria de desenvolvimento empresarial da administração dos portos de Paranaguá e Antonina (Appa). “Em
Para os desafios de curto prazo, Fregonese diz
que a Appa está investindo R$ 460 milhões. Um
dos resultados mais recentes foi a compra de quatro
novos shiploaders (estruturas para carregamento
de navios), que serão instalados até 2015. Cada um
terá capacidade para movimentar até 2.000 toneladas por hora – o dobro em relação aos atuais, que
têm mais de 30 anos de uso.
Foi feita ainda “a maior dragagem da história do
porto”, serviço que não era feito há 11 anos. “No ano
passado, tivemos problemas pelo excesso de assoreamento. Chegamos a perder, em meses bons, até seis
dias por mês com navios que encostavam no fundo.
Agora, todos os berços estão com profundidade de
projeto, você entra e sai com qualquer maré. Com
isso, ganhamos em produtividade.”
Sobre os planos do uso do modal ferroviário pelas
cooperativas da Cotriguaçu, o diretor diz que a ideia
vai ao encontro dos planos de expansão do porto,
que prevê contar com capacidade para movimentar
até 80 milhões de toneladas ao ano. “Nós aqui no
porto pensamos o seguinte: se tiver de sobrar 1, 2
ou 3 dólares numa saca, que seja do produtor, e não
do intermediário.”
Realização:
ESPECIAL
Patrocínio:
Luís Eduardo Magalhães (BA) Cotegipe (BA)
Fila de caminhões
de soja na BR-242,
nas proximidades
da Chapada
Diamantina (BA)
não tínhamos referências, nem bibliografia ou experimentos que pudessem nos indicar qual direção iríamos seguir. Mas enfrentamos assim mesmo”, relata.
Trinta e dois anos depois da chegada, Pellenz e
seus familiares fazem parte, junto com centenas de
outros pioneiros, de uma história de sucesso que vem
transformando rapidamente a realidade de dezenas
de municípios do Estado. Uma revolução agrícola que
levou o pequeno povoado de Mimoso do Oeste, onde estão as terras do ex-bancário, a se converter na
pujante Luís Eduardo Magalhães (a 970 quilômetros
de Salvador), centro econômico de uma região que,
somente na atual safra, plantou 2,2 milhões de hectares, entre soja, milho e algodão.
Eldorado
Corrida contra o tempo
O oeste baiano torce para que a logística chegue antes que
uma crise de renda inviabilize a produção agrícola regional
Texto Rodrigo Vargas * Fotos Ernesto de Souza
A
té o início da década de 1980, a vida
do gaúcho Aristeu Pellenz, então
com 24 anos, parecia encaminhada. Prestes a se casar, funcionário
concursado do Banco do Estado
do Paraná (Banestado), ele tinha
diante de si a perspectiva de uma trajetória pessoal
e profissional sem maiores sobressaltos. O sonho
da estabilidade.
Foi quando seu sogro, Oscar, reuniu os dez filhos
para falar sobre uma região de topografia plana e clima estável, muitas fontes de água e uma imensidão
de oportunidades para gente com perfil desbravador. O genro torceu o nariz. “Queria ficar no Paraná,
pois era funcionário público. Não sabia nem onde fi-
46 GLOBO RURAL | junho 2014
cava a Bahia”, lembra ele, com um sorriso no rosto.
O sogro havia comprado 5.500 hectares no coração do oeste baiano. “Aquilo não valia nada. Ele adquiriu toda aquela terra em troca de um caminhão
Chevrolet D-60 e um Corcel II Belina.” A estratégia
de seu Oscar para ocupar aquela imensidão era bem
simples. Ele separou 500 hectares para cada filho e
vendeu essa terra a cada um por preço simbólico
de 10 sacas de soja por hectare. E esse foi o começo.
Em 1982, todas as 11 famílias já haviam deixado o Paraná para tentar a sorte no meio do Cerrado
nordestino. Além da falta de estrutura, pesava contra aquela ousadia a falta de conhecimento sobre as
características do solo e do clima da região. “Havia
dúvidas sobre tudo. A incerteza era grande porque
“Nosso objetivo era pecuária, não agricultura.
Mas, quando chegamos, já estavam acontecendo
os primeiros experimentos com a soja. Logo no primeiro ano, plantei 30 hectares. Um cunhado plantou 50. Logo ficamos sabendo de um fazendeiro que
havia plantado 100”, lembra Pellenz. A produtividade era muito pequena, pois não havia variedades
desenvolvidas para a região. O custo de produção,
em compensação, era muito baixo. “E aí fomos caminhando, evoluindo. No ano seguinte, foram entrando outros materiais. As terras passaram a receber mais calcário, mais adubo, uma adubação
mais adequada, micronutrientes. Ano após ano, fomos progredindo.”
Entre 1980 e 1990, a área plantada saiu praticamente do zero para atingir 380.000 hectares, com
uma produção de 590.000 toneladas – com produtividade de apenas 25,8 sacas por hectare. Dez anos
mais tarde, na safra 2000/2001, a região já produzia 1,5 milhão de toneladas, numa área plantada de
690.000 hectares. Na safra atual, 3,3 milhões de toneladas foram colhidas numa área de 1,3 milhão de
hectares. “Tenho viajado pelo Brasil inteiro e por metade do mundo e não conheço lugar como o oeste
da Bahia. Aqui temos quase tudo: clima favorável,
que permite duas safras por ano na irrigação, um
potencial de irrigação violento e muitas áreas passíveis de incorporação dentro das regras ambientais”, resume o também gaúcho Júlio Cézar Busato,
presidente da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba).
A entidade, sediada em Barreiras, reúne mais de
1.300 produtores e é uma das principais forças de defesa dos interesses do agronegócio na região. “Temos
uma das tecnologias mais eficientes do mundo e que,
por incrível que pareça, foi criada pelos agricultores,
junto com pesquisadores das empresas estatais e
privadas, consultores técnicos e agrônomos. Criamos uma tecnologia ao longo desses 30 anos que
hoje possui a maior produtividade de algodão e soja
não irrigada do mundo”, descreve.
Busato é um dos maiores produtores da região.
Com o pai e quatro irmãos, planta mais de 40.000
hectares entre soja, algodão e milho. A maior parte
no município de São Desidério. “Plantávamos 80 hectares no Rio Grande do Sul. E éramos quatro irmãos.
Eu pensava: daqui a dez anos, vamos morrer de fome por aqui. Precisamos de um horizonte maior. E
isso significa seguir para uma fronteira agrícola: ou
Bahia ou Mato Grosso. Em Mato Grosso, achei a logística mais complicada. E eu queria fazer agricultura irrigada, o que, para o oeste da Bahia, é muito
mais viável”, recorda.
Começou arrendando 880 hectares. “A coisa foi
crescendo. É a história da grande maioria que veio
para cá. Gente que arriscou tudo. Para alguns, não
deu certo. Teve muita gente boa que vendeu tudo,
veio para cá, mas, por azar ou negócios mal feitos,
perdeu tudo e hoje é motorista de caminhão.”
Aristeu Pellenz,
ex-bancário, um
dos agricultores
pioneiros do
oeste da Bahia
junho 2014 | GLOBO RURAL 47
ESPECIAL
CERCA DE 70% DOS GRÃOS DA REGIÃO SEGUEM
PARA ALIMENTAR AS CRIAÇÕES DO NORDESTE
Diferentemente do que ocorre em outros grandes centros de produção agrícola, o maior mercado
para a produção local não está no exterior. “Nosso
grande comprador é o Nordeste. Cerca de 70% do
que produzimos têm como destino o mercado regional, para fomentar a avicultura, a suinocultura
e a bovinocultura de corte e leite”, diz Busato. Do
que segue para exportação, 75% vão de caminhão
pela BR-242 até o Terminal Portuário do Cotegipe,
em Salvador. Uma viagem de 905 quilômetros. “Para chegarmos aos mercados do Nordeste são 1.500
quilômetros, também por meio rodoviário.” No caso
do algodão, a situação é ainda mais complexa. Como faltam rotas de navios de Salvador até a China,
Movimentação no Porto de Cotegipe
Soja, farelo de soja, trigo, milho e malte (mil toneladas)
2.217,3
2.751,5
2.392,9
3.300
3.204,9
1.716,7
902
73,6
2005
436,7
2006
2007
2008
2009
2011
2010
2012
2013*
*Projeção até o final de 2013
Portos exportadores da soja da Bahia (2013)
Volume
Valor
(mil toneladas)
(US$ milhões)
800
1.491
Salvador (BA)
62,7
Ilhéus (BA)
32
Vitória (ES)
21,3
11
Santos (SP)
2,7
1,5
Fonte: MDIC - AliceWeb2
48 GLOBO RURAL | junho 2014
a produção local tem de ser exportada por Santos
(SP) e até mesmo Paranaguá (PR).
Para a soja, o frete médio das fazendas até os armazéns da região é de R$ 1,20 por saca. O valor varia
em razão da distância e também das condições, quase sempre precárias, de uma malha de quase 4.000
quilômetros de estradas vicinais. Um grupo de 26
produtores decidiu investir mais de R$ 600 mil para
recuperar e manter em boas condições uma estrada
de terra que liga a BR-020 à BR-242 e dá acesso aos
armazéns mais próximos, mas isso não é suficiente.
Dos armazéns até o porto em Salvador, a média do
frete fica em R$ 13 por saca.
O cenário dos sonhos do setor é muito diferente do atual. No mapa logístico defendido pela Aiba,
o avanço da produção do local será sustentado por
uma malha de armazéns e rodovias interligados a
ferrovias e hidrovias. “É algo tão lógico que é difícil
entender por que as coisas não acontecem. Vira uma
conversa sem fim e não tem ação. Tenho participado de muitas reuniões dessas, mas tenho chutado a
canela deles para que a gente pare de falar e comece a fazer, porque senão não dá”, afirma Busato. Um
dos pilares do modelo proposto é a Ferrovia OesteLeste (Fiol), uma obra de R$ 6 bilhões que prevê uma
ligação de 1.527 quilômetros entre o Tocantins (onde
se conectará com a Ferrovia Norte-Sul, no município
de Figueirópolis) e o litoral baiano. O primeiro trecho,
de 537 quilômetros, está 40% concluído. Ele liga as cidades de Caetité a Ilhéus, onde está em implantação
outro pilar da nova estrutura de logística da região:
o Porto Sul, obra de R$ 5,3 bilhões que prevê movimentar, no 25o ano de funcionamento, mais de 100
milhões de toneladas anuais.
O cenário se completa com a hidrovia do Rio São
Francisco, que poderia se converter na principal rota de escoamento da produção destinada ao mercado nordestino. “Precisamos ter na região um porto
seco, onde embarcaremos nossa soja, algodão e o
caroço de algodão na Fiol. O que vai para o Nordeste seguirá em balsas pelo São Francisco até Juazei-
ro. O que vai para exportação segue viagem para o
Porto Sul. Esse é o sonho”, diz o presidente da Aiba.
Ele também pede a recuperação das estradas vicinais e quer incluir no PAC a conclusão da pavimentação da BR-020 até o Piauí. “Ela encurtaria em quase 800 quilômetros a rota para o Nordeste. Enquanto
o modelo continuar sendo o caminhão, aquela rodovia nos ajudaria bastante.” Na rota mais utilizada
para a exportação, a BR-242, a rodovia não é capaz
de dar vazão ao tráfego pesado. Na entrada do anel
viário de Feira de Santana, foram quase quatro horas de congestionamento até a saída para Salvador.
Melhorar a logística não é uma questão apenas
de economia de frete, mas de sobrevivência. Nos
últimos anos, a região enfrentou desafios severos
que, não fossem os excelentes preços no mercado
internacional, teriam colocado o setor numa crise
sem precedentes. Na safra passada, a lagarta Helicoverpa armigera causou prejuízo estimado em
R$ 2 bilhões. Neste ano, uma estiagem no momento do plantio prejudicou o rendimento das lavouras
de soja e milho. “Nunca replantei tanta soja, nunca
passei tanto veneno na lavoura e nunca colhi tão
mal quanto neste ano”, admite Pellenz, que viu sua
média de produtividade despencar de 63 sacas por
hectare para 40 sacas.
A queda veio acompanhada de aumento nos custos de produção, principalmente em razão da helicoverpa. “Tudo tem contribuído para o aumento nos
custos de produção. A R$ 55 por saca e colhendo
40 sacas por hectare, considerando todos os custos fixos e variáveis, a conta empata, o que é péssimo, porque eu tenho uma família e funcionários
para sustentar.”
Na média, de acordo com Busato, a produtividade
da região deverá ficar 17% abaixo do previsto. “Nós
tivemos uma seca, um susto grande, algumas regiões foram mais afetadas que outras, mas a mé-
Caminhão do
Caminhos da
Safra no Porto de
Cotegipe
junho 2014 | GLOBO RURAL 49
ESPECIAL
UM TERCEIRO BERÇO DE ATRACAÇÃO DEVE
ESTAR PRONTO PARA OPERAR EM 2016
Fase de crescimento
D
Jorge Pessôa,
diretor de
operações do
terminal em
Salvador (BA)
50 GLOBO RURAL | junho 2014
dia da soja deve ficar entre 45 e 47 sacas por hectare, quando nossa expectativa era de 56 sacas por
hectare”, relata.
O presidente diz que a situação ainda não é de crise, mas preocupa se o cenário logístico ficar inalterado. Em três anos, avisa, os estoques mundiais deverão estar recompostos e os preços não permanecerão no patamar atual. “Estamos num momento bom,
em função dos preços, mas o risco é alto. A Fiol tem
previsão de ficar pronta em três a cinco anos, mas
seria fundamental que estivesse operando em três,
porque esse é o intervalo em que os preços das commodities ainda vão continuar altos, dificilmente isso
vai mudar. Agora, mais para frente, a gente não sabe.”
Para Pellenz, a região se aproximou nos últimos dois
anos de um limiar perigoso. “O produtor sempre está
a três anos da falência. Uma frustração de safra, um
preço ruim e uma nova praga são o suficiente para
derrubar o produtor em três anos. Se isso acontece,
nós temos de ensacar a viola.”
estino da maior parte da produção que deixa o oeste baiano rumo à exportação, o
Terminal de Cotegipe, na região metropolitana de Salvador, movimentou em 2013 mais de 3
milhões de toneladas (entre soja, farelo de soja, trigo, milho e malte de cevada). O montante
é praticamente o dobro do registrado em 2008
e 44 vezes a movimentação no primeiro ano de
operação, em 2005, quando a estrutura era usada apenas como um terminal privado para recebimento de trigo. “Fizemos o primeiro carregamento de soja em 2006. Foram 136.000 toneladas. No ano passado, exportamos 2,8 milhões
de toneladas do complexo soja”, diz Jorge Pessôa, diretor de operações do terminal, que é privado (pertence à Dias Branco Administração e
Participação, do Grupo M.Dias Branco).
A estrutura atual comporta o recebimento de
1.500 toneladas por hora, ou quase 700 caminhões por dia. A capacidade de movimentação
chega a 6 milhões de toneladas anuais. Dois armazéns e 11 silos acomodam até 396.000 toneladas. Com dois berços em 520 metros, o porto
opera com navios de até 75.000 toneladas (Panamax). Um terceiro berço está em fase de licenciamento ambiental, com previsão de operação
até a safra de 2016. “Imaginamos que no segundo semestre de 2014 saia a licença de implantação. A construção começa de imediato, com um
ano de obra, no máximo. Se tudo correr bem, o
novo berço vai funcionar em março de 2016.”
Para Pessôa, a ampliação do Porto de Itaqui
(MA) e a construção do Porto Sul, em Ilhéus, não
representam ameaça a Cotegipe. “Em 2006, a
produção da Bahia não chegava a 1 milhão de toneladas. Este ano deve chegar a 3,6 milhões de
toneladas. Aqui é o grande vetor para alavancar
as exportações da região oeste da Bahia e também do Tocantins, Goiás e sul do Piauí.”
Realização:
ESPECIAL
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Palmas (TO) Itaqui (MA)
mental na engrenagem econômica de uma extensa
região que inclui o nordeste de Mato Grosso, o norte de Goiás, cruza todo o Tocantins e abrange o sul
do Pará, o Piauí e o próprio Maranhão. Somente no
chamado Matopiba (fronteira de expansão agrícola que abrange os Estados do Maranhão, Tocantins,
Piauí e Bahia), as projeções do Ministério da Agricultura indicam um crescimento de 21% na produção de grãos até 2022.
Em uma viagem de 1.580 quilômetros a bordo do
caminhão do projeto Caminhos da Safra, a reportagem de Globo Rural cruzou de sul a norte o coração desse novo e promissor celeiro. A partir de Palmas (TO), viu de perto como a combinação de investimentos públicos e privados está rapidamente
transformando a paisagem e a matriz econômica de
regiões onde antes só havia estagnação.
De graça
Soja que sai pelo norte
Com 9 milhões de hectares abertos e agricultáveis, o Estado
do Tocantins quer se beneficiar da logística do centro-norte
Texto Rodrigo Vargas * Fotos Ernesto de Souza
As obras do porto
maranhense
vão consolidar
o corredor de
exportação
54 GLOBO RURAL | julho 2014
O
barulho da movimentação de máquinas pesadas é perceptível de
longe. Quem se aproxima vê dezenas de equipes de operários a soldar placas, abrir valetas e erguer
paredes e complexas estruturas
metálicas. Em ritmo intenso, um investimento de
quase R$ 600 milhões ganha contornos definitivos.
Estamos no Porto do Itaqui, um complexo de 174.000
metros quadrados às margens da Baía de São Marcos, em São Luís (MA). Daqui, apenas no ano passa-
do, partiram em direção a mercados internacionais
mais de 3 milhões de toneladas de soja. O objetivo
de curto prazo é muito mais audacioso: consolidar
o corredor centro-norte e mudar o eixo das exportações de grãos no país.
No canteiro de obras aberto em meio ao cais, a silhueta de quatro novos armazéns anuncia o que será
o novo Tegram (Terminal de Grãos do Maranhão), que
terá capacidade para movimentar até 10 milhões de
toneladas por ano. A estrutura, cuja primeira etapa
deverá ficar pronta ainda neste ano, será peça funda-
Em termos de vocação e potencial, Tocantins tem
tudo para tomar a dianteira desse movimento rumo
ao norte. Somente com o aproveitamento de áreas já
abertas, o Estado tem espaço para ampliar em quase
dez vezes a atual área plantada com grãos, que é de
cerca de 800.000 hectares. Secretário executivo da
Seagro (Secretaria da Agricultura e Pecuária do Tocantins), o mineiro Ruiter Padua, de 65 anos, chegou
à região em 1988, poucos meses antes da criação do
Estado. Além de um irmão que já possuía uma propriedade rural por lá, o atraiu a oportunidade de adquirir terras com aptidão agrícola a preços que hoje
parecem histórias de pescador.
“Aqui, a terra era de graça. Na região de Natividade,
o hectare custava R$ 10. O normal hoje é na faixa de
R$ 8 mil a R$ 10 mil, mas já tivemos notícia de terra
vendida a R$ 20 mil o hectare”, diz o secretário. Antes da divisão, as áreas do então norte de Goiás eram
utilizadas majoritariamente para uma pecuária extensiva de baixa tecnologia e produção de arroz de
sequeiro. “A partir da criação do Estado, especialmente a partir de 1997, 1998, é que se iniciou alguma
coisa em termos de agricultura. Basicamente soja e
milho”, lembra. Desde então, a agricultura tocantinense registra saltos a cada safra. Entre 1990 e 2010,
de acordo com dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), a produção de soja no Esta-
do passou de 35.000 toneladas para 994.000 toneladas. Em 2013, o volume colhido atingiu 1,5 milhão de
toneladas – 21% a mais em relação à safra anterior.
E nada indica que a tendência vá se reverter. Um
dos fatores é a oferta de terras agricultáveis: um levantamento produzido pelo governo federal durante
o processo de licenciamento da Ferrovia Norte-Sul
identificou mais de 9 milhões de hectares aptos ao
plantio de grãos no Estado. A área equivale ao território de Portugal. “Temos 8 milhões de hectares,
fora as várzeas, aptos para a agricultura, dos quais
exploramos algo em torno de 800.000 a 1 milhão de
hectares. Ou seja, temos cerca de 10% do que é possível. Em relação às várzeas, sem nenhum medo de
errar, temos 1 milhão de hectares para plantio, dos
quais apenas 100.000 explorados. Ou seja, estamos
apenas no começo da caminhada”, diz o secretário.
Outra vantagem é a posição geográfica. Em um
raio de 600 quilômetros, diz Padua, existe um mercado consumidor estimado em 5 milhões de pessoas. “Apenas considerando o mercado interno, nosso
potencial é extraordinário”. Se o foco é a exportação,
a perspectiva não é menos favorável. “Se você sair
por Itaqui ou Belém, ganha cinco a seis dias de navio para chegar à Europa em relação a Santos e Paranaguá”, ressalta.
Ferrovia
Rodovia
Hidrovia
julho 2014 | GLOBO RURAL 55
ESPECIAL
A IMPLANTAÇÃO DA HIDROVIA DO TOCANTINS É A
GRANDE ESPERANÇA DOS PRODUTORES DO ESTADO
Fila de caminhões
para fazer
transbordo para
a ferrovia em
Palmeirante
56 GLOBO RURAL | julho 2014
A chegada da Ferrovia Norte-Sul, que hoje mantém um terminal para recepção de grãos no município de Palmeirante (a 329 quilômetros de Palmas),
facilitou o acesso ao Porto de Itaqui, destino de cerca de 80% da produção local vendida ao exterior. O
sistema ainda tem muito que melhorar, na visão de
Padua. “A empresa que opera a Norte-Sul (VLI, ligada à Vale) elegeu o terminal de Palmeirante como o pátio para escoamento de grãos, mas a estrutura por lá ainda é muito pequena. O resultado são
filas extremamente grandes”, diz. O governo do Estado defende a abertura de novos terminais graneleiros em Tocantins. “Palmeirante atende bem a toda aquela região da Araguaína, mas fica um pouco
longe de áreas importantíssimas. A gente espera que
pelo menos Gurupi também tenha um terminal de
grãos, pela localização.”
O mapa do cenário ideal inclui a interligação da
Norte-Sul com a FIOL (Ferrovia de Integração Oeste-Leste), a conclusão da TO-500 (interligação rodoviária com a região do Araguaia, em Mato Grosso,
cruzando a Ilha do Bananal), a ampliação da capacidade do Porto do Itaqui (Tegram) e a implantação
da hidrovia do Rio Tocantins.
“A hidrovia é nossa grande esperança. É o que
fará uma diferença extraordinária para Tocantins.
A navegabilidade está prevista para começar bem
próximo de Gurupi, em Brejinho, e vai até o Porto de
Belém, mas para isso necessitamos da conclusão de
algumas eclusas, a construção de outras e o derrocamento do Pedral do Lourenço, no Pará, com previsão de execução neste ano ainda.”
Tão longe, tão perto
Sócios na Fazenda Brejinho, localizada na zona
rural de Pedro Afonso (município a 300 quilômetros de Palmas), os irmãos Ronaldo Maranhão Sá e
João Damasceno de Sá Filho poderiam estar vivendo no melhor dos mundos se dois empreendimentos de logística tivessem sido concretizados plenamente. A propriedade, com 2.500 hectares (dos quais
1.200 hectares com soja), está localizada a menos de
10 quilômetros do ponto do Rio Tocantins onde está
prevista a instalação de um dos terminais graneleiros da futura hidrovia e a pouco menos de 30 quilômetros dos trilhos da Ferrovia Norte-Sul. “Estamos
perto do rio, mas não tem porto. Estamos quase ao
lado da ferrovia, e não temos um terminal. Potencialmente é uma maravilha, mas, na prática, não”,
lamenta Ronaldo. “Temos de nos valer da BelémBrasília até o terminal mais próximo (Palmeirante),
que fica a 200 quilômetros daqui.”
José Edgar de Castro Andrade, outro sócio da propriedade, diz que a implantação da ferrovia e do corredor até Itaqui reduziu os custos com o frete, mas
não na proporção esperada. “O monopólio é da Vale,
então eles fazem o preço, que fica apenas um pouco abaixo do que custa o caminhão. O transporte
ferroviário, que seria o diferencial para baixar nosso custo de produção, não trouxe o retorno que seria possível”, diz. Boa parte da produção da Brejinho
e de outras propriedades da região é comercializada por meio da Coapa (Cooperativa Agroindustrial
do Tocantins), que reúne 260 produtores, do quais 80
sojicultores. Nesta safra, a cooperativa movimentou
quase 100.000 toneladas de grãos (soja, sorgo e milho), um recorde nos 16 anos de história da entidade.
Investimentos urgentes
O presidente Ricardo Khouri diz que 90% das operações da cooperativa estão relacionadas com o mercado externo, tendo como eixo o corredor formado
pela Ferrovia Norte-Sul e o Porto do Itaqui. Segundo
ele, a rota precisa de investimentos “urgentes” para se tornar mais eficiente. “Um problema é a falta
de capacidade de armazenagem lá no porto de São
Luís, onde você praticamente não tem onde estocar.
Outro é a baixa capacidade operacional do terminal
graneleiro de Palmeirante. Com esses gargalos, para
tudo, formam-se filas, os armazéns enchem e existe o risco de parar a colheitadeira no campo, por falta de espaço para guardar”, afirma.
A reportagem visitou o terminal de Palmeirante
e constatou a existência do gargalo apontado pelos
agricultores locais. Em Colinas do Tocantins, município distante 30 quilômetros do terminal, o ponto
de concentração de caminhões improvisado em um
posto de combustíveis à beira da BR-153 (BelémBrasília) estava abarrotado e em condições precárias. Vindo de Gurupi (TO) com uma carga de soja, o
motorista Alcélio Nogueira Maciel já havia esperado mais de 24 horas no local e ainda tinha 100 caminhões à sua frente. “Nós chegamos ontem de manhã e a previsão é que, talvez, sejamos chamados
depois da meia-noite. E, chegando lá, tem outra fila”, reclamou.
O terminal consegue descarregar, em média, 170
caminhões por dia. O controle do acesso é feito por
meio de senhas, que são distribuídas por ordem de
chegada. Os motoristas se queixam das condições
precárias do local. “Já passei três dias aqui e não con-
Ronaldo, José
e João, os
proprietários da
Fazenda Brejinho,
em Pedro Afonso
Movimentação no Porto do Itaqui em 2013
2,9 milhões de toneladas de soja
1,3 milhão de toneladas de fertilizantes
485.000 toneladas de carvão
242.000 toneladas de clinquer
671.000 toneladas de cobre
61,344 mil toneladas de etanol
782 navios atracaram no porto
julho 2014 | GLOBO RURAL 57
ESPECIAL
A VLI PRETENDE IMPLANTAR UM GRANDE
TERMINAL DE CARGAS EM PORTO NACIONAL
sigo me conformar. Olhe o tanto de caminhão esparramado aí, no meio de uma sujeira terrível. Tinha de
melhorar tudo e dar ao menos uma estrutura para
a gente ficar”, disse Edmerson Vieira, que trazia soja da região do Araguaia.
Escala
Obras do Tegram
no Porto do Itaqui
Berços para Panamax
A
lém de quatro novos armazéns, que permitirão uma capacidade estática de 500.000 toneladas por ano, o novo terminal de
grãos do Itaqui prevê o embarque, por meio de dois berços especializados, ambos com 15 metros de profundidade e capacidade para
receber navios do tipo Panamax (até 75.000 toneladas). O investimento é fruto de uma PPP (parceria público-privada) entre a Empresa Maranhense de Administração Portuária (Emap), do governo do
Maranhão, e o Consórcio Tegram, formado pelas empresas NovaAgri, Glencore, CGG Trading e o Consórcio Crescimento (Louis Dreyfus
e Amaggi Exportação).
A previsão é que parte da estrutura já esteja em operação até o
final do ano. O presidente da Emap, Luiz Carlos Fossati, acredita que
o terminal será um indutor do crescimento da produção de grãos em
uma área de influência estimada em mais de 20 milhões de hectares.
No ano passado, segundo ele, 30% da movimentação de cargas no
Itaqui foi relacionada ao agronegócio (fertilizantes, soja, milho, trigo e
arroz). “O Tegram impulsionará a cadeia do agronegócio nas regiões
Norte, Nordeste e Centro-Oeste, consolidando o Itaqui como referência no país na exportação de grãos.”
58 GLOBO RURAL | julho 2014
Especialista em desenvolvimento e fomento de
novos negócios na VLI, o agrônomo Eduardo Calleia
Junger diz que a concentração de cargas em poucos
terminais atende a uma característica da operação
ferroviária, que necessita de escala. “Não é indicado, para ferrovias, ter um terminal a cada 100 quilômetros”, diz. Ele reconhece, porém, que a estrutura
atual é insuficiente. “A empresa também pretende implantar um grande terminal concentrador de
cargas próximo ao terminal de Porto Nacional”, diz.
O sonho dos produtores de Pedro Afonso, porém,
não está nos planos. Segundo Junger, a configuração
atual também tem relação com o acesso às cargas
de grãos vindas de Mato Grosso e do sul do Pará pela BR-158. “O volume de carga de Pedro Afonso não
é suficiente para fazer virar um terminal. Se fosse ali
o maior volume de cargas, que é o que vem de Mato Grosso, teria de andar para trás.” Sobre as filas de
caminhões no terminal do Tocantins, ele diz que o
fluxo é, na maior parte dos dias, “tranquilo”. “Quem
faz a gestão da partida dos caminhões são os clientes, que sabem qual é a cota deles. Às vezes, quebra
um equipamento e isso gera fila, mas é exceção.”
Além da expansão das estruturas de carregamento ao longo da ferrovia, a VLI investe na frota
de locomotivas e vagões graneleiros (hoje são 800,
com capacidade para 92 toneladas cada). E aguarda
a conclusão do Tegram. “Para o projeto da Ferrovia
Norte-Sul, duas coisas são importantes: a pavimentação da BR-158, em Mato Grosso, e o Tegram. Vamos
ter um lastro de mais 10 milhões de toneladas para
trazer grãos para cá.” Os trilhos da Norte-Sul vão até
Açailândia (MA). Dali, o transporte é feito pela Estrada de Ferro Carajás até Itaqui.
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Cuiabá (MT) Santarém (PA)
O rio que leva ao mundo
Com 1.100 km, hidrovia transporta 2 milhões de toneladas
de soja de Mato Grosso ao Porto de Vila do Conde, no Pará
Texto Rodrigo Vargas * Fotos José Medeiros
Estação de
transbordo na
margem direita do
Rio Tapajós, em
Miritituba
52 GLOBO RURAL | agosto 2014
M
aio de 2013. Um comboio fluvial
com 20 barcaças cruza o coração do Pará pela imensidão
das águas do Rio Tapajós. Em
seus porões, 40.000 toneladas
de grãos colhidos na região do
médio-norte de Mato Grosso. O preço da carga nem
se compara ao valor simbólico da empreitada. Mais
do que uma simples operação logística, estava-se
fazendo história. A viagem teste, exigência da Marinha para a concessão da licença de navegação regular, abria um inédito corredor de exportação rumo ao norte. Um novo caminho da safra, destinado pela geografia e pela lógica financeira a receber
a maior parte dos grãos originados no maior polo
produtor do país.
Neste ano, mais de 2 milhões de toneladas deverão seguir o mesmo roteiro: 1.100 quilômetros pela hidrovia Tapajós-Amazonas, entre as cidades de Itaituba e Barcarena (região metropolitana de Belém).
O ponto inicial é uma moderna estação de transbordo instalada na margem direita do Tapajós, na vila ribeirinha de Miritituba. No ponto final está o Terfron
(Terminal Fronteira Norte) instalado no Porto de Vila do Conde, em Barcarena.
Inauguradas em abril, as duas estruturas são o resultado de um investimento de R$ 700 milhões capitaneado pela multinacional Bunge. O empreendimento inclui ainda a Unitapajós, uma joint venture com a
Amaggi que irá navegar naquela rota com uma frota
inicial de 50 barcaças e dois empurradores de 6.000
HP. Primeira a operar, a Bunge logo terá companhia.
Outros nove projetos privados preveem a instalação de estações de transbordo em Miritituba, apostando no Tapajós como uma alternativa viável para
atingir os mais importantes portos da região e, a partir deles, o mundo. O sucesso dos empreendimentos hidroviários, estimados em R$ 4 bilhões, está
diretamente relacionado ao andamento das obras
de pavimentação do trecho paraense da BR-163
(Cuiabá-Santarém). Eixo logístico vital para que a
produção mato-grossense consiga chegar a Miritituba com economia em relação às tradicionais rotas
para os portos do Sul e do Sudeste, a BR-163 já vem
sendo usada com essa finalidade, mas com muito sofrimento, prejuízo e sacrifício. Dos 869 quilômetros
licitados pelo governo federal a partir de 2008, num
investimento previsto de R$ 1,6 bilhão, quase um terço ainda não recebeu asfalto. O cronograma original previa que tudo estivesse pronto ainda em 2012.
Boa parte dos trechos prontos está em situação
ruim, com infiltrações, remendos, buracos e pontos de erosão a corroer o acostamento. A situação
foi vista de perto pela equipe de Globo Rural. Em
um caminhão bitrem desde Sorriso, município mato-grossense que é um dos maiores produtores de
grãos no mundo, a reportagem percorreu 1.470 quilômetros até Santarém, onde também há investimentos de grande porte, de olho na exportação graneleira pelos caminhos do norte.
Missão era desmatar
Na década de 1970, quem se dispunha a colonizar
a região cortada pela BR-163 e BR-230 (Transamazônica) recebia do governo uma missão e uma promessa, lembra o agricultor paranaense Valdocir Rovaris,
um dos pioneiros de Sorriso. “A missão era desmatar o mais rápido possível, para garantir o direito à
terra. A promessa era que a infraestrutura viria em
seguida. Mas foi como um alçapão: assim que o pessoal entrou, fecharam todas as portas”, lembra ele.
Rovaris chegou ao médio-norte de Mato Grosso
em 1978. Trabalhava então como caminhoneiro e, como todos, sofria com a falta de quase tudo. “Sorriso
era um pequeno posto de combustível e uma borracharia à beira de uma rodovia poeirenta.” Decidiu
montar um pequeno comércio, que acabou sendo
a base de um grupo que hoje reúne supermercado,
transportadora e que planta mais de 11.000 hectares de soja e 7.000 hectares de milho.
A história de sucesso dependeu de uma opção
que nunca esteve nos planos de quem migrou para
lá. “Qual é a lógica do nosso grão seguir para Santos e Paranaguá? Nenhuma. Deu certo porque fizemos a nossa parte, trabalhamos muito em pesquisas e hoje produzimos muito bem.” Neste ano, pela
primeira vez, a produção de Rovaris começou a seguir no caminho inverso até a estrutura da Bunge.
agosto 2014 | GLOBO RURAL 53
ESPECIAL
OS TRECHOS DA BR-163 ENTREGUES EM 2010 E
2012 JÁ ESTÃO APRESENTANDO VÁRIOS DEFEITOS
Mas, de acordo com ele, ainda sem sinal da economia
de até 30% estimada pelo Movimento Pró-Logística
(que reúne entidades ligadas aos setores agropecuários e industriais de Mato Grosso). “Não temos muita vantagem ainda. E um dos motivos é que, por ser
só a Bunge até o momento, não tem concorrência.
Na hora que entrarem os novos portos, a situação
começará a ficar mais vantajosa. Outro é que ainda
não terminaram a estrada”, diz.
Com uma frota de 50 caminhões em sua transportadora, ele conta que desistiu de mandar veículos próprios para fazer a viagem. “Eu botei caminhão
meu para lá e no momento não coloco mais. É inviável colocar um caminhão para lá para ganhar um
frete diferenciado, em torno de 20%, e numa viagem
apenas arriscar perder o que se fez em outras cinco.
Condições da BR-163 no Pará (por trecho)
Pontes
Km de estrada
Concreto
Rurópolis
6
Santarém
1
Km 30
4
5
225 (total)
Rurópolis
10
Trairão
2
114
26
1
114(total)
Miritituba
82
Novo Progresso
82 (total)
Trairão
152
176
Castelo dos Sonhos
9
0
140
Divisa MT-PA
3
15
328 (total)
Novo Progresso
158 (total)
18
Castelo dos Sonhos
1
Total
53
Pavimentados
Madeira
160 (total)
1.067
(total)
54 GLOBO RURAL | agosto 2014
736 (pavimentados)
331 (não pavimentados)
Não pavimentados
BR-163
É muito fácil quebrar naquelas condições.” O produtor não exagera. Em fevereiro passado, no auge da
colheita de soja e da temporada de chuvas na região,
mais de 300 caminhões chegaram a ficar vários dias
atolados na rodovia.
Nossa viagem, apesar de realizada em condições melhores, por conta do início do período de seca, também enfrentou grandes adversidades. Apenas no trecho de 730 quilômetros entre a divisa de
Mato Grosso com o Pará (onde termina a pavimentação contínua iniciada em Cuiabá) e a vila de Miritituba, a reportagem contou 182 quilômetros de trechos não asfaltados.
Como a obra foi licitada em 13 segmentos distintos, o aspecto da rodovia é o de uma colcha de retalhos: trechos em boa condição, outros com o pavimento em frangalhos, entrecortados por segmentos
de chão (sendo alguns já com terraplenagem concluída, outros ainda intactos). O trecho com a maior
soma de pontos sem asfalto é o que liga Novo Progresso a Trairão: de um total de 328 quilômetros, o
pavimento cobre apenas 176 quilômetros. De forma
contínua, a maior extensão não asfaltada (114 quilômetros) fica entre Miritituba e Rurópolis, no trecho da Transamazônica que faz parte do caminho
até Santarém.
A grande diferença em relação à mesma viagem
feita por Globo Rural em 2012 são as pontes de concreto, que à ocasião estavam, em sua maioria, prontas, mas sem uso, por falta do aterro nas cabeceiras.
Desta vez, o número de pontes de madeira a vencer
no trecho até Santarém caiu de 46 para 15. Outra diferença notável foi o estado dos segmentos já concluídos. “Os trechos entregues em 2010 e 2012 estão
apresentando defeitos antes mesmo do início do tráfego pesado. A qualidade é muito ruim”, avalia Edeon
Vaz, diretor executivo do Movimento Pró-logística.
Segundo ele, a indicação técnica para a obra era
de um pavimento do tipo CBUQ (concreto betuminoso usinado a quente) com 12 centímetros de es-
pessura. “Para reduzir o custo, fizeram com 6 centímetros. Agora, vão ter de refazer”, diz. Vaz acredita
que a obra vá fechar 2014 ainda com 135 quilômetros
a concluir (sendo 60 quilômetros até Miritituba e 75
até Santarém). Mesmo assim, a perspectiva é que a
rodovia passe a receber no ano que vem o dobro da
carga atual. “Neste ano, devem subir 3 milhões de toneladas para Miritituba e Santarém. No ano que vem,
serão 6 milhões. Em 2016, com a conclusão em definitivo das obras, vamos certamente atingir 12 milhões de toneladas”, calcula Vaz.
A perspectiva da conclusão da rodovia trouxe
uma movimentação inédita à região de Itaituba. Além
dos dez projetos privados para estações de transbordo, aquele ponto do Rio Tapajós deverá receber ainda um investimento da Companhia Docas do Pará
(CDP), que poderá abrir caminho para outras quatro estações. Parceiro da Bunge na Unitapajós, empresa de navegação que inaugurou a hidrovia, o senador Blairo Maggi (PR-MT) diz que todos os investimentos privados feitos na região tiveram de levar
em conta a possibilidade de atrasos na pavimentação da BR-163.
“Sempre é um risco, como está se mostrando. Era
para a rodovia estar pronta desde o ano passado. Não
está. Mas é preciso pensar a longo prazo, senão a estrada chega e você não tem a estrutura para aproveitar o rio”, avalia. A Amaggi não participa diretamente
dos investimentos nas estações de transbordo, diz
o senador. Além da joint venture na Unitapajós, que
atuará como uma empresa exclusivamente de navegação, o que existe é um acordo para uso de estruturas comuns. “Abrimos um espaço para a Bunge
nas nossas instalações em Porto Velho (RO) e Itacoatiara (AM) e ela abriu espaço para nós em Miritituba e Vila do Conde”, diz.
Nas atuais condições, afirma ele, o custo por tonelada para o frete por Miritituba ou Santarém no máximo empata com a alternativa pelos portos de Santos e Paranaguá. Percorrê-lo, no entanto, tem também um componente simbólico. “Tudo o que está se
fazendo por enquanto é para criar o modal. Para estabilizá-lo. Mesmo em condições adversas, as empresas estão tentando sair por essa rota, mas não há
ganhos para ninguém, porque o mesmo frete que se
paga para o norte é o que se paga para o sul. Mas é
preciso criar o caminho.”
Quando pensa no futuro, Maggi não tem em
mente apenas a rodovia. Recentemente, a Amaggi
e outras três grandes trades do setor (Cargill, Bunge e Louis Dreyfus) apresentaram ao Ministério dos
Transportes a ideia de uma ferrovia graneleira entre
Sinop e Miritituba. “É um investimento bem mais alto que a rodovia, mas tem durabilidade muito maior
e com um retorno fantástico”, avalia.
Em Sinop, os produtores locais lideram um movi-
BR-163 em
obras (acima);
o produtor e
empresário
Valdocir Rovaris,
de Sorriso (MT)
agosto 2014 | GLOBO RURAL 55
ESPECIAL
O SONHO DOS PRODUTORES É UMA HIDROVIA NO
CORAÇÃO DO MÉDIO-NORTE DE MATO GROSSO
Porto da Cargill,
em Santarém
(PA); Juvêncio
Pereira da Silva,
pecuarista em
Itaituba
mento que defende a inclusão de eclusas no complexo de hidrelétricas previsto para os rios Teles Pires e
Tapajós. O sonho é uma hidrovia no coração do médio-norte. “Sozinha, a BR-163 não vai dar conta do
fluxo que pode e deve seguir para o norte. Precisamos sim da rodovia e da ferrovia, mas a hidrovia Teles Pires-Tapajós é fundamental”, diz o agricultor Ilson José Redivo, delegado da Aprosoja no município.
Mesmo quem não planta ou comercializa grãos
espera com ansiedade a conclusão da BR-163 e a
concretização dos novos investimentos. Para muitos
pioneiros, como o pecuarista Juvêncio Pereira da Silva, de 65 anos, trata-se da chegada de uma integração prometida há décadas e que parecia destinada
a nunca ser concretizar. “Quem se embrenhou nesta região há 30, 40 anos era chamado de louco. Fui
chamado assim. Muitos vizinhos daquela época não
aguentaram e foram embora. Sofri, mas não me arrependo de ter ficado. Sabia que um dia essa transformação iria acontecer”, resume, com os olhos marejados, uma trajetória iniciada em 1979 em Itaituba.
Com um rebanho de 3 mil cabeças e umas cinco
dezenas de troféus recebidos em exposições agropecuárias Brasil afora, Silva foi um dos primeiros na
região a introduzir práticas modernas à pecuária e a
investir na qualificação do rebanho. “Na época, pensei: o que fazem em Uberaba que não posso fazer
56 GLOBO RURAL | agosto 2014
aqui? Foi quando começamos a investir em inseminação, a participar de feiras e convencer todos os pecuaristas da importância de vacinar o gado”, lembra.
O Estado do Pará obteve neste ano o reconhecimento da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE)
como área totalmente livre de febre aftosa com vacinação. Itaituba, assim como outros 40 municípios
do centro-sul paraense, já contava com o certificado desde 2007. Além de abertura de novas rotas comerciais, o pecuarista sonha que o crescimento econômico favoreça a instalação de um grande frigorífico
na região. Atualmente, ele comercializa o gado em pé,
em viagens que levam até cinco dias. “Se começarmos
a abater aqui, essa rodovia pode também se tornar
nossa rota de escoamento e ampliar o mercado”, diz.
No mapa logístico da região, constam ainda os
projetos da Fico (Ferrovia de Integração Centro-Oeste) e da pavimentação da BR-242, que fará a conexão com a região nordeste do Estado e o acesso à
Ferrovia Norte-Sul via Colinas (TO). Em Santarém,
o terminal graneleiro da Cargill vai receber investimentos de R$ 240 milhões na ampliação de sua capacidade de recepção de grãos (de 2 milhões de toneladas por ano para 5 milhões até 2016). O cenário
de mudanças ao longo da BR-163 se completa ainda
rumo ao sul, com a concessão do trecho entre Sinop
e Itiquira para a iniciativa privada.
Realização:
ESPECIAL
Patrocínio:
Rio Verde (GO) Vitória (ES)
Terminal
ferroviário de
Araguari , no
Triângulo Mineiro
Grãos para Tubarão
Investimentos privados viabilizam o escoamento da safra
do leste de Mato Grosso e de Goiás pelo porto de Vitória (ES)
Texto Rodrigo Vargas * Fotos Ernesto de Souza
N
ão é de hoje que a agricultura brasileira se vale do sinuoso caminho
ferroviário entre Minas Gerais e o
Espírito Santo para chegar ao mercado consumidor internacional.
Especialmente nos últimos três
anos, porém, a vocação secular dessa rota de escoamento ganhou um forte impulso para atrair a so-
52 GLOBO RURAL | setembro 2014
ja e o milho colhidos no centro-leste do país. E a novidade não está exatamente nos investimentos em
infraestrutura rodoferroviária, que crescem a cada
ano e são, em grande parte, bancados pela iniciativa privada. A diferença está na implantação de um
novo conceito de gestão de cargas que garantiu escala, eficiência nas operações intermodais e ganho
de produtividade na cadeia logística.
O modelo tem sua base em Araguari, cidade do
triângulo mineiro (a 600 quilômetros de Belo Horizonte) que abriga um dos maiores terminais de
recepção, transbordo e armazenagem de grãos da
América Latina. Ocupando uma área de 464.000
metros quadrados, a estrutura é o ponto final para
caminhões graneleiros vindos de regiões produtoras de Mato Grosso, Goiás, Minas e até mesmo do
Tocantins e da Bahia. Dali em diante, a viagem de
1.403 quilômetros até o porto de Tubarão, em Vitória (ES), segue em composições de 86 vagões de
90 toneladas pelos trilhos da FCA (Ferrovia Centro
Atlântica) e da centenária EFVM (Estrada de Ferro Vitória a Minas).
Para conhecer os detalhes do chamado Corredor Centro-Leste, a reportagem da revista Globo
Rural viajou por 1.600 quilômetros no caminhão
do projeto Caminhos da Safra. A viagem começou
em Rio Verde (GO), um dos principais pólos de produção agrícola na área de influência do terminal, e
seguiu até o litoral capixaba. No caminho, ouviu produtores que ainda esperam ver os ganhos de produtividade logística refletidos em menores custos
de produção e ganhos da porteira para dentro. Uma
promessa também antiga que, segundo eles, ainda
não se concretizou.
Terminal
Construído pela VLI (empresa de logística que
tem a Vale como principal acionista), o Terminal de
Integração Araguari vem quebrando recordes desde que entrou em operação em fevereiro de 2012. No
ano passado, o volume de grãos movimentados pela estrutura atingiu 5 milhões de toneladas, um salto de 46% em relação ao primeiro ano. No Porto de
Tubarão, no mesmo período, o volume de grãos embarcados cresceu 44%.
Em média, três composições ferroviárias são carregadas com milho e soja e despachadas em direção ao Espírito Santo diariamente. A carga equivale
à de 550 carretas de 45 toneladas. Antes de a estrutura ser inaugurada, a operação ferroviária de grãos
em Araguari já existia, mas era feita a partir de vários pequenos terminais operados de forma independente por companhias clientes da VLI como a
Bunge e a ADM.
“O trem vinha inteiro, com 86 vagões e, ao chegar, era preciso desmembrar tudo e manobrar para fazer o carregamento em cada um dos terminais.
Depois era preciso juntar tudo para sair. O resultado
era que a composição só saía depois de cinco dias”,
relata Leopoldo José Gimenes, gerente de Operações
de Terminais da VLI. Segundo ele, a empresa percebeu que a ineficiência do sistema só poderia ser
revertida com a integração das operações em uma
única estrutura de altodesempenho. “Em lugar dos
terminais dos clientes, fizemos um só, com os clientes. O resultado foi que ganhamos eficiência em todas as etapas”, avalia.
O tempo médio para o carregamento de uma
composição, que era de 72 horas no sistema anterior, caiu para cerca de seis horas. “Antes, carregava-se de dois a três vagões por hora, em média. Hoje enchemos dois vagões simultaneamente
a cada três minutos e meio.” Para sustentar um giro
tão rápido, o volume de cargas é manejado por uma
combinação de fatores. A recepção dos caminhões,
por exemplo, foi aprimorada com um sistema eletrônico de identificação e pesagem, além de quatro
dos maiores tombadores do país, com capacidade
para descarregar até 1.500 toneladas/hora. “Nossa média é de 500 a 600 carretas por dia. O caminhoneiro, que gastava até 30 horas para descarregar, agora faz o mesmo percurso em cinco horas.
Ou seja, consegue dar mais giro por mês e ganha
em volume”, explica.
A descarga rápida dos caminhões, porém, é apenas parte da garantia de volume para o fluxo diário
setembro 2014 | GLOBO RURAL 53
ESPECIAL
EMPRESA ESTIMA INVESTIR R$ 1 BILHÃO ATÉ 2017
PARA AMPLIAR PÁTIOS E RECUPERAR TRILHOS
dos trens. Com um total de 126.000 toneladas de capacidade estática (o equivalente à carga de dois navios do padrão Panamax), os armazéns construídos
no terminal funcionam como o principal regulador do
sistema. “Ninguém fica parado. Se não tiver o trem,
eu uso a capacidade de armazenagem para girar as
carretas. Ocorreu algum problema e não tem carreta? Usamos o estoque do armazém e o trem segue
viagem. De mesmo modo, se estourou a safra, este
pulmão de armazenagem segura o excedente. Se o
tempo é de baixa, ele dá cobertura”.
O terminal também faz operações com fertilizantes, que são trazidos no retorno das composições que descarregam em Vitória. No ano passado, foram recebidas 377.000 toneladas. A carga e a
descarga das composições também foram favore-
Terminal de Integração de Araguari
Área: 464.000 metros quadrados
Quatro tombadores para caminhões, com
capacidade para até 1.500 ton/hora
126.000 ton. de capacidade de armazenagem
Tulha ferroviária de carregamento simultâneo
para dois vagões em série
Investimento: R$ 150 milhões
Redução no tempo de carregamento dos
trens: 72 horas para 7 horas
Volumes movimentados (em mil toneladas)
2012
Grãos 3.395,3
2013
Grãos 5.013,8
54 GLOBO RURAL | setembro 2014
Fertilizantes 377,6
cidas pela construção de uma linha ferroviária interna - chamada de “pera” pelo seu formato - que
dá acesso a todas as estruturas (carga, descarga e
limpeza), sem a necessidade de manobras. O mesmo sistema foi implantado no porto de Vitória. “O
trem chega para carregar ou descarregar e vai sempre em frente. Quando carrega o último vagão, já
está pronto para sair.”
Antigo gargalo
Depois que deixam Araguari, as composições percorrem 738 quilômetros pela FCA (Ferrovia Centro-Atlântica) até Contagem, na região metropolitana
de Belo Horizonte. A partir dali, são outros 665 quilômetros pela EFVM (Estrada de Ferro Vitória a Minas) até o Porto de Tubarão. A FCA é uma empresa
do grupo VLI e opera por concessão de 30 anos uma
malha ferroviária oriunda da antiga RFFSA (Rede
Ferroviária Federal S/A). A via tem estruturas antigas que precisam ser remodeladas para suportar
composições mais pesadas e o aumento do fluxo.
Para colocar fim a este gargalo, a empresa estima
que será preciso investir R$ 1 bilhão até 2017 apenas
com a ampliação de pátios ferroviários e a recuperação dos trilhos da ferrovia – antigos dormentes
de madeira estão sendo substituídos por peças de
aço, por exemplo. No trecho da EFVM, ferrovia que
pertence à Vale e é utilizada por meio de contratos
de capacidade, o limitante é o traçado antigo e muito sinuoso que joga para baixo a velocidade média
das composições.
O VLI diz que as limitações da rota são minimizadas pela capacidade de armazenamento instalada no
Terminal de Produtos Diversos (TPD) do Porto de Tubarão. São ao todo nove armazéns que comportam
até 400.000 toneladas de soja. “Com esse modelo
que implantamos, o importante são os ativos estarem em constante movimento. A soja é uma só, pois
verificamos a qualidade padrão em 100% das cargas.
Se o sistema estiver alimentado em Araguari e no
Leopoldo José
Gimenes, gerente
de Operações de
Terminais da VLI
ES/MG
porto, a tempo de viagem entre os dois pontos não
é um fator decisivo”, diz Gimenes.
Vantagem
Goiás respondeu por um terço dos grãos movimentados em Araguari em 2013. O Estado é o segundo maior originador de cargas para o terminal
da VLI, perdendo apenas para Mato Grosso. Na região de Rio Verde (220 quilômetros de Goiânia), um
dos principais produtores de soja e milho do país,
os números positivos da nova estrutura ainda são
vistos com cautela pelos produtores rurais. Paulista de Limeira (SP), o produtor José Oscar Durigan, de
56 anos, afirma que as mudanças não interferiram
no peso do frete sobre os custos da lavoura. Desde
1988 na região, ele planta 1.500 hectares de soja e a
mesma área para milho safrinha no município vizinho de Montevidiu. “Araguari ajuda, pois é um escoamento que muitas empresas daqui, como a Bunge
e a ADM, utilizam. Mas o custo para chegar ao porto
mudou pouco para quem produz”, diz.
Também vindo de São Paulo, o produtor José Roberto Brucceli, 60, diz que falta “velocidade de escoamento” à saída por Vitória. “O trem vai muito devagar. Até colocar a carga em cima do navio, leva muito
tempo.” Ele também ressaltou a pequena diferença
de custo entre os modais ferroviário e rodoviário. “O
custo de frete para pegar o trem fica quase elas por
elas. Tinha que ter uma compensação para baratear o custo do produtor”, lamenta. Quando imagina a
Terminal no Porto
de Tubarão, em
Vitória (ES)
Porto de Tubarão: Terminal de
Produtos Diversos (TPD)
2 moegas ferroviárias com capacidade de 1.500 e
2.000 toneladas por hora
9 armazéns: capacidade para 400.000 toneladas
1 Píer para embarque de grãos
Movimento durante a safra
370 e 420 vagões são descarregados por dia
12 navios são embarcados com grãos, em média
Volumes por produto em 2013 (em mil toneladas)
Total de exportação: 6.361,0
Dividido em:
Farelo de soja: 625,0
Milho: 2.941,0
Soja: 2.795,0
Destino dos grãos (em%)
41
29
21
9
Japão
Holanda
China
Outros países
setembro 2014 | GLOBO RURAL 55
ESPECIAL
José Roberto
Brucceli, produtor
em Rio Verde (GO)
Carregamento
de grãos no
Porto de Tubarão
A OPÇÃO FERROVIÁRIA PARA ESCOAR A SAFRA
NÃO REDUZ O CUSTO DO FRETE PARA O PRODUTOR
logística ideal, Brucceli aponta a ferrovia Norte Sul
e o Porto de Itaqui (MA) como destinos principais. O
roteiro também é operado pela VLI. “A nossa logística é um absurdo. Estamos com uma inflação neste ponto, pela falta. A realidade mesmo, infelizmente, ainda é a rodovia”, diz.
Pedro Arantes, consultor da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg) concorda com a
avaliação dos produtores. Segundo ele, a maior oferta
de opções ferroviárias para escoamento da safra tem
feito pouca diferença para o produtor. “Se as grandes
trades estão levando vantagem, não estão repassando nada para o produtor. E o resultado é que, apesar
de toda a expectativa, as ferrovias ainda não cumprem o que foi prometido”, afirma. A situação só deverá mudar, segundo ele, quando for posto em prática o novo marco regulatório do setor ferroviário. A
possibilidade do direito de passagem (o uso de linhas
de uma concessionária para a passagem de vagões
e locomotivas de outras empresas) foi citada como
“fundamental”. “Não existe mercado internacional
apenas para as grandes cargas. Há consumidores na
Europa e Ásia que têm interesse de negociar volu-
56 GLOBO RURAL | setembro 2014
mes menores diretamente com os produtores. Isso
traria competitividade e redução nos custos”, afirma.
Lógica da mineração
Sobre as queixas dos agricultores goianos, o diretor comercial da VLI, Fabiano Lorenzi, diz que os
clientes dos terminais são as trades e que elas é que
determinam as próprias políticas de preço e relacionamento com os produtores. Segundo ele, o modelo
de operação do Terminal de Araguari será implantado em outras duas rotas de escoamento operadas pela VLI. Uma delas no chamado eixo Centro-Sudeste, entre Uberaba (MG) e o porto de Santos,
voltado para escoamento da produção de açúcar e
grãos. No eixo Centro-Norte, que atende aos Estados do chamado Matopiba (Maranhão, Tocantins,
Piauí e Bahia), a empresa prevê implantar dois terminais integradores no trecho da ferrovia Norte Sul
que corta o Tocantins em direção ao Porto de Itaqui,
em São Luís (MA). “O conceito não é nenhuma ciência
de foguetes. Apenas adaptamos para os grãos uma
lógica integrada que já era utilizada no setor de mineração”, afirma.

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