Untitled - EAPGOIAS

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Untitled - EAPGOIAS
AS FONTES DE ENERGIA LUMINOSA SÃO NECESSÁRIAS NA TERAPIA DE CLAREAMENTO DENTAL?
Riehl, H; Nunes, MF
AS FONTES DE ENERGIA LUMINOSA SÃO NECESSÁRIAS NA TERAPIA
DE CLAREAMENTO DENTAL?
Heraldo Riehl
⇒ Especialista em Dentística, Mestre e Doutor em Dentística opção Materiais Dentários
pela FOB-USP, Professor Convidado do Curso de Pós-Graduação do Hospital de
Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da USP e Coordenador do Curso de
Especialização em Dentística e Odontologia Estética da APCD Regional Bauru.
Mauro F. Nunes
⇒ Mestre em Materiais Dentários pela F.O. USP, Especialista e Mestre em Dentística
pela UNC-EUA, Professor do curso de especialização em Dentística da UFRGS.
Este capítulo é parte integrante do eBook lançado durante o 25º Congresso Internacional
de Odontologia de São Paulo – 25º CIOSP (janeiro de 2007) e distribuído gratuitamente
pelo site www.ciosp.com.br, pertencente
à Associação Paulista de Cirurgiões Dentistas – APCD.
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AS FONTES DE ENERGIA LUMINOSA SÃO NECESSÁRIAS NA TERAPIA DE CLAREAMENTO DENTAL?
Riehl, H; Nunes, MF
RESUMO
O objetivo deste texto é esclarecer melhor o papel das fontes de energia luminosa, indicadas e empregadas
em diversas técnicas de clareamento dental. A necessidade de evidências científicas robustas 1 sobre o
assunto, a grande divergência de opiniões na literatura, o excessivo marketing feito pela mídia, e o grande
interesse que o assunto desperta na comunidade odontológica e nos pacientes são fatores relevantes. Assim,
é fundamental identificar qual(is) o(s) efeito(s) que essas fontes de luz causariam sobre o agente clareador e
a estrutura dental.
A eficácia e a segurança de agentes clareadores de baixa concentração para o clareamento doméstico estão
muito bem documentadas na literaturaa , 2 (Figuras 1, 2 e 3). Entretanto, uma nova categoria de agentes
clareadores com maior concentração foi desenvolvida com o intuito principal de acelerar a velocidade da
terapia clareadora. Recentemente, foi agregado à esses últimos, a opção de ativação por uma fonte luminosa
(exemplo, laser), cujo objetivo primordial é potencializar e acelerar sua ação 3 (Figuras 4, 5 e 6). Porém,
fenômenos como o significativo aumento da sensibilidade dental pós-operatória tornou-se um dos efeitos
colaterais mais encontrados nesse tipo de abordagem, ocorrendo muitas vezes durante e também depois do
fim da terapia. Tal fato tem sido discutido cientificamente e alternativas foram sugeridas para amenizar a
ocorrência da hipersensibilidade, como a laserterapia, a diminuição da concentração dos agentes oxidantes
empregados, o emprego de analgésicos, antinflamatórios e a diminuição ou a completa eliminação do calor.
O calor infelizmente acompanha a maioria das fontes luminosas empregadas na técnica de clareamento de
consultório, popularizada como power bleaching 4, constituindo hoje em dia em fator de preocupação.
Figura 1
Figura 2
Figura 3
Figuras 1, 2 e 3: A foto do pré-operatório (figura 1) evidencia um sorriso adulto, saudável, compatível com a escala Vita Classic A3 / A3,5.
A opção neste caso foi a do clareamento doméstico, executado com peróxido de carbamida a 10% (Whiteness Perfect- FGM), na
posologia de 2 horas por dia, durante 2 semanas. Observamos na foto intermediária (figura 2), a moldeira individual confeccionada com
polímero específico e que era carregada com o gel clareador. A última foto (figura 3) mostra o resultado obtido após 60 dias de finalizado
o tratamento. Como resultado final, a foto do pós-operatório tardio (60 dias) os dentes apresentam-se mais claros do que no início, com
um aspecto natural, esmalte brilhante, terço cervical ligeiramente mais saturado do que os médio e incisal, sem o conhecido aspecto de
desidratação – comumente observado no pós-operatório imediato – e esteticamente dentro do que foi previsto no plano de tratamento, o
termo de consentimento esclarecido e satisfazendo o desejo do paciente.
Figura 4
Figura 5
Figura 6
Figuras 4, 5 e 6: seqüência clássica de clareamento assistido por fonte de luz, onde um paciente adulto, compatível com a escala Vita
Classic A4/B4, recebeu a aplicação de peróxido de hidrogênio a 35%. Foram realizadas duas sessões clínicas, com intervalos de sete dias
entre as mesmas, onde em cada sessão tal peróxido ficou em contato com o esmalte dental por 45 minutos, subdividido em três
aplicações parciais de 15 minutos por sessão clínica. Durante todo o tempo em que o peróxido ficou em contato com o esmalte (90
minutos ao todo), o mesmo foi irradiado com uma fonte híbrida de luz, de acordo com a literatura 3 . Nota-se, após 30 dias de pósoperatório, sensível redução do croma (A2) e percebe-se também um aspecto “marmoreado”, manchado com pequenas áreas
a
Joiner, A. The bleaching of tooth: a review of the literature. Journal of Dentistry, 2006. IN PRESS
201
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esbranquiçadas, interpretadas por nossa equipe como áreas de intensa desidratação. Acreditamos que mais tempo seja necessário para
que tenhamos a completa reidratação do esmalte e a real cor final obtida pela terapia clareadora
possa ser contemplada com fidelidade.
Ainda, a literatura revela que a suposta
ativação de agentes clareadores por calor,
luz ou laser pode causar efeitos colaterais
sobre o tecido pulpar, através do possível
aumento da temperatura intrapulpar, que
normalmente não deveria exceder 5,5oC
acima da temperatura fisiológica 5. Os
géis clareadores tendem a “isolar” a
superfície
dental,
prevenindo
o
aquecimento excessivo, muito embora
existam evidências 6 de que sem o gel,
empregando-se um laser de diodo (3W,
830nm por 30 segundos), a temperatura
se aproxime a 16oC, e com gel, por volta
de 8,7oC, ambos os valores acima do
limiar “crítico”. Estas informações devem
ser de domínio público na classe
odontológica.
Este artigo analisa as evidências
científicas consistentes que contém
informações que sustentem ou não uma
real vantagem clínica do uso dessas
fontes de luz, devido ao custo elevado dos
equipamentos. Também discute como as
fontes de luz realmente funcionam, e se
proporcionam vantagens significativas do
ponto de vista clínico e biológico para
nossos pacientes, quando comparadas a
outras técnicas de clareamento já bem
conhecidas. Não discute o notório “valor
agregado” que tais fontes luminosas
proporcionariam em consultório, pois se
faz necessário separar “o clareamento de
fato” do “clareamento de ficção”b.
1. Introdução
Muito se tem discutido sobre o uso de
fontes de energia luminosa com o intuito
de facilitar, acelerar e aumentar e
eficiência do peróxido de hidrogênio ou de
Robert W. Gerlach in Physical, biological and social aspects of
whitening: an evidence-based approach,
Academy of Dental Materials 2006 Annual Meeting.
b
carbamida durante os procedimentos de
clareamento
dental
3,5,6,7,9,10,11,12,13,14,17,18,19.
De maneira geral, todo tratamento
clareador
envolve
procedimentos
químicos com substâncias oxidantes que
retiram elétrons do substrato onde
entram em contato. Dentre todas as
substâncias já pesquisadas, os peróxidos
são considerados os oxidantes mais
efetivos e com menor potencial de efeitos
colaterais indesejáveis.
Genericamente, os peróxidos são óxidos
que contém mais oxigênio do que um
óxido normal. Tais substâncias são
encontradas em várias partes do corpo
humano, como por exemplo: na lágrima,
na saliva, nas sinapses neurais e nos
tecidos inflamados. Sabe-se também que
existe um sistema enzimático que regula
o aporte dos peróxidos nos tecidos vivos,
mantendo
a concentração
dessas
substâncias em níveis fisiologicamente
seguros. Dentre as enzimas mais
estudadas e conhecidas encontramos as
catalases,
as
peroxidases
e
a
superoxidodismutase. Tais enzimas têm a
função de transformar o peróxido (com
excesso de oxigênio) em seu óxido de
origem, liberando assim uma espécie de
oxigênio conhecido como oxigênio
nascente. É sabido que não só as enzimas
têm a propriedade de decompor
basicamente os peróxidos em água e
oxigênio nascente. Fontes de calor, fontes
de luz, substâncias químicas, variações de
pH e alguns íons metálicos também são
capazes de decompor o peróxido
envolvido numa reação de clareamento
dental.
O peróxido de hidrogênio que foi
decomposto em íntimo contato com o
substrato desejado, libera o oxigênio
nascente, que notoriamente é um íon de
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vida efêmera, instável, e que se une
rapidamente a outras substâncias livres
ou fracamente ligadas a um determinado
substrato, conseguindo assim novamente
a estabilidade. Isto é possível graças à
grande eletronegatividade do oxigênio, o
que lhe confere um enorme poder de
reação, pois esses íons buscam
incessantemente
a
estabilidade
molecular. Esse fenômeno oxidante
ocorre, controladamente, milhares de
vezes ao dia em nosso organismo, pois o
oxigênio nascente é um dos radicais livres
responsáveis pelo nosso envelhecimento,
entre outras substâncias que também
colaboram para que isso ocorra, sendo
encontrado naturalmente em nosso
organismo. É provavelmente através de
um mecanismo similar ao de óxidoredução ou de oxidação simples,
provocado pelo oxigênio nascente, que a
maioria das moléculas que mancham os
dentes tornam-se mais simples, mais
claras ou são eliminadas.
O uso de substâncias químicas com a
finalidade específica de clarear dentes
coloca o peróxido de hidrogênio como
uma das substâncias capazes de alterar
as cores dos dentes para tonalidades
mais claras. Desde essa época várias
substâncias foram empregadas com a
mesma finalidade, mas tem sido
incontestável
a
supremacia
dos
resultados clareadores proporcionados
pelo peróxido de hidrogênio, em sua
forma pura ou como produto final da
decomposição de outros peróxidos mais
complexos, como o peróxido de
carbamida.
Neste sentido, é de conhecimento comum
que o procedimento clínico de profilaxia
dental profissional resolve a grande
maioria dos casos de remoção de
pigmentos extrínsecos como manchas de
café, tabaco, vinhos tintos, clorexidina e
mais uma infinidade de corantes
empregados no dia-a-dia, pois todos
causam manchamentos superficiais. Os
agentes clareadores baseados em
peróxidos também contribuem na
oxidação e remoção de resíduos de
pigmentos extrínsecos, mas seu sítio de
ação principal não seriam as moléculas
dentinárias pigmentadas? Moléculas
cromóforas orgânicas? 3 As perguntas a
serem respondidas são: de onde vem
realmente a cor dos dentes? Onde estão
localizados os pigmentos orgânicos a
serem clareados na estrutura dental? Em
qual substrato encontramos maior
conteúdo composicional orgânico? No
esmalte ou na dentina?
Para exercer seu efeito clareador todo
peróxido teria que primordialmente entrar
em contato com as tais moléculas que
conferem cor ao elemento dental. Se
aceitarmos a teoria de que a dentina
confere a maior parte da cor ao dente e o
esmalte apenas a modula de acordo com
suas relações de espessura, o peróxido
envolvido teria que alcançar praticamente
incólume a dentina em quantidade
suficiente para se decompor em oxigênio
nascente
exatamente
onde
estão
localizados
os
pigmentos
ditos
intrínsecos. O peróxido de hidrogênio
chegaria até a dentina por osmose pura e
simples, atravessando o esmalte, que
cumpriria o papel de uma membrana
semi-permeável. Essa membrana semipermeável tem diferentes níveis de
permeabilidade de acordo com a idade do
indivíduo, em decorrência de diferentes
graus de mineralização e porosidade do
esmalte (Figuras 7, 8 e 9).
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Figura 7: esmalte de incisivos centrais com características de paciente jovem (18 anos), com periquimáceas
na face vestibular visíveis, margem incisal translúcida preservada, totalidade de dentina coberta por esmalte,
pouco tempo de desafio bioquímico e funcional e possivelmente com esmalte mais permeável ao
tratamento clareador. Clinicamente falando, possivelmente com câmara pulpar volumosa e pouca deposição
de dentina terciária.
Figura 8: esmalte de incisivos centrais com características de paciente adulto (30 anos), com sua superfície
já desprovida das periquimáceas, margem incisal e superfície vestibular já com algum desgaste. Pelo maior
tempo de vida intrabucal, tal elemento apresenta em sua história um desafio bioquímico e funcional
significante, com repercussão direta no grau de mineralização e permeabilidade do esmalte. À análise
clínica, seus aspectos relativos à câmara pulpar possivelmente evidenciam já alguma deposição de dentina
terciária.
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Figura 9: esmalte de incisivos centrais com características de paciente idoso (60 anos), com superfície
vestibular e margem incisal fisiologicamente desgastada, presença de trincas e, pelo alto desafio bioquímico
e funcional, altamente mineralizado, menos permeável e com dentina mais aparente. Câmara pulpar
possivelmente atrésica, com grande quantidade de dentina terciária, naturalmente com maior croma quando
comparada à dentina de um dente jovem ou adulto.
Atingindo a dentina, o peróxido reagiria
espontaneamente
com
elementos
químicos presentes naturalmente na
dentina que o desestabilizaria, liberando o
oxigênio nascente que por sua vez iria
oxidar o substrato onde mantém íntima
solução de continuidade. Dentro desse
raciocínio, a aceitação de um possível
mecanismo que esclareça toda e
qualquer hipótese das prováveis reações
químicas envolvidas no processo de
clareamento dental assemelha-se mais
ao processo de prova em uma corte
judicial ideal, onde evidências científicas
deveriam ser organizadas para gerar uma
imagem convincente, clara e consistente
das mesmas, ao invés de uma prova
meramente verbal. Tais evidências
científicas deveriam ser selecionadas com
critérios de qualidade bem definidos, com
a seleção de publicações de acordo com a
força da evidência selecionada, o que
ofereceria maior confiabilidade à hipótese
levantada e à sua correlação com a
prática clínica.
Neste artigo, procuramos selecionar
artigos de alta evidência científica 1.
Mesmo
utilizando
um
número
obrigatoriamente restrito de artigos (mas
com robustez adequada), encontramos
inúmeras divergências na literatura
consultada, principalmente numa questão
intrigante, que é o objeto de análise e de
esclarecimento desse pequeno artigo: a
aplicação de luz aumentaria a eficiência
do clareamento dental? Será que na
ausência
de
fonte
luminosa
conseguiríamos resultados semelhantes,
e
com
custo/benefício/qualidade,
semelhantes, de porte científico e o
biológico (excluindo-se o mercadológico)
melhores?
O objetivo desta análise não é fazer
apologia contra as fontes de energia
empregadas para clareamento e muito
menos criar conflitos de interesse. Apenas
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buscamos
evidências
científicas
convincentes e consistentes de que o uso
de fontes de luz (quer sejam luzes
emitidas por diodo [LEDs], laser
infravermelho
ou
fontes
híbridas)
realmente fazem jus ao investimento, que
as fontes luminosas funcionam, e que
realmente trazem algo vantajoso para o
paciente.
2. Considerações sobre a cinética do clareamento dental
Para que ocorra o clareamento dental,
são necessários três componentes: o
elemento dental (esmalte, dentina e
polpa), o agente clareador (basicamente
peróxido de hidrogênio), e um gatilho para
catalisar sua decomposição e haver a
liberação
de
oxigênio
nascente.
Dependendo das condições e do
ambiente onde o clareamento ocorre, não
é somente o oxigênio nascente que surge;
outros íons podem surgir, como por
exemplo os radicais hidroxil, per-hidroxil e
íons de peróxido de hidrogênio e
categorias intermediárias. 7
A cinética da reação de clareamento
dental obedece algumas leis da química
que envolvem a difusão do peróxido de
hidrogênio para a intimidade da estrutura
dental, seguida de uma equação de
equilíbrio químico 8 que leva
em
consideração a pressão osmótica exercida
pelo agente clareador, geralmente ditada
pela sua concentração, pelo seu potencial
e fundamentalmente pelo
oxidativoc
tempo que esse agente clareador ficará
em contato com a superfície dos dentes.
Em outras palavras: um agente clareador
altamente concentrado (como o peróxido
de hidrogênio 35%), atuando por um
tempo relativamente curto (por exemplo,
40 minutos por sessão) e em contato com
o esmalte (uma membrana semipermeável) deveria proporcionar um
grande e longevo efeito clareador numa
Potencial oxidativo: A potência oxidativa de uma substância
clareadora é medida pelo tempo de contato, quantia e
velocidade de liberação do oxigênio nascente, sendo estas
dependentes de vários fatores, como a natureza do peróxido,
sua concentração, temperatura em que se dá a reação e se há
presença de catalisadores.
c
só aplicação. Mas isto não é verificado na
prática clínica. Por quê? Devido a
diferenças
entre
pacientes,
mais
especificamente: ao tipo de esmalte, à
idade do mesmo, à composição e pH do
agente clareador, ao tempo de contato do
clareador com o substrato, à temperatura
do agente de clareamento, entre outras
condições, não se pode padronizar
genericamente os resultados. Por todas
estas variáveis pode-se afirmar que, em
regra, várias aplicações de 40 minutos do
agente clareador são necessárias para
obter-se clareamento significativo.
A velocidade da maioria das reações
químicas pode ser aumentada pela
elevação da temperatura, e também
pode-se afirmar que com o passar do
tempo a velocidade de reação tende a
diminuir, pois os reagentes tendem a se
esgotar 8. Verifica-se ao longo da história
que a aceleração da decomposição dos
peróxidos muitas vezes foi feita com o
emprego de calor e. Para ganhar tempo,
os clínicos tentaram apressar a
degradação dos peróxidos aumentando
sua temperatura através da utilização de
instrumentos aquecidos ou fontes de luz.
Luzes
incandescentes,
fotopolimerizadores,
lasers
infravermelhos e LEDs de alta densidade
de potência podem elevar a temperatura
do agente clareador, acelerando a
degradação do peróxido. Entretanto, isto
pode colocar em risco a saúde pulpar.
Ainda que o aquecimento produzido pelas
fontes luminosas possa explicar a
aceleração inicial na decomposição dos
agentes clareadores, segundo recente
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trabalho de revisão sistemática da
literatura e, não existem evidências
científicas de que isto potencializaria ou
aceleraria o clareamento dos dentes
efetivamente. O mesmo artigo ainda
ressalta que calor, luz ou laser podem ser
danosos para a polpa pelo aumento de
temperatura intrapulpar acima dos 5,5oC.
Os mesmos autores concluem que a
aplicação de prodecimentos clareadores
ativados por luz deveriam ser criticamente
analisados,
considerando-se
suas
implicações
físicas,
fisiológicas
e
patofisiológicas. Tal análise crítica é
corroborada
por
outros
autores
5,6,9,10,11,12,13,14
que
vislumbram
a
necessidade de maiores pesquisas
clínicas, de melhores projetos de
avaliação e de trabalhos que sejam feitos
in vivo, partindo de hipóteses bem
estruturadas
e
com
referências
consistentes,
principalmente
sobre
possíveis mecanismos de ação destas
fontes luminosas.
Por outro lado, encontramos autores 3 que
investigam e recomendam luz emitida por
diodo (LED), os LEDs associados à lasers
infravermelhos (conhecidos como fontes
híbridas de luz), que discorrem sobre seus
mecanismos de ação e sobre suas
vantagens, e divulgam que as fontes
luminosas
atualmente
disponíveis
parecem ser a melhor e mais eficiente
forma de clarear dentes.
Em várias ocasiões encontramos opiniões
extremamente favoráveis ao uso das tais
“luzes especiais” para decompor o
peróxido de hidrogênio. Mas será que as
fontes luminosas são imprescindíveis
para acelerar ainda mais seu processo?
Elas
realmente
contribuiriam
significativamente para que os dentes dos
pacientes fiquem mais claros do que
métodos tradicionais, como por exemplo,
as técnicas feitas com moldeiras? Quais
as implicações clínicas e biológicas
envolvidas e principalmente, como fazer
isso tudo sem enfrentar riscos biológicos
desnecessários. Não existe o tal efeito
rebote? Seria este mais demorado do que
no clareamento de consultório sem luz ou
no doméstico?
Como já citado, existem várias maneiras
de decompor um peróxido. Atualmente,
as fontes de luz ainda que sejam as mais
populares, também são as mais
questionáveis, pois várias perguntas
continuam sem respostas quando
confrontadas com literatura de qualidade.
Assim, existem algumas dúvidas sobre os
procedimentos
clareadores
ativados/catalisados
com
fontes
luminosas:
1) Por que catalisar fortemente a decomposição de um peróxido que, naquele momento,
está na sua grande maioria longe do seu sítio de atuação?
Resposta: Durante o processo de clareamento dental, o agente clareador (pasta ou gel)
deve estar em íntimo contato com a superfície do esmalte. A maioria dos fabricantes
recomenda em suas bulas que, antes de ativá-lo com luzes, deve-se esperar cerca de um
minuto. Acredita-se que durante esse tempo, a temperatura do clareador e do dente se
igualam e estabelece-se uma interface de alta pressão osmótica. Depois, são necessários
de 3 a 12 minutos de luz intermitente ou não para que, segundo a literatura consultada e,
radicais livres sejam liberados. Raciocinando quimicamente, o tempo de 1 minuto ou pouco
mais seria suficiente para que o peróxido atravessasse o esmalte e saturasse a dentina,
podendo então ser decomposto pela energia luminosa?
Ao incidir a luz sobre o agente clareador, este não se decomporia majoritariamente sobre a
superfície de esmalte e, portanto, longe do seu sítio de ação - a dentina - local onde
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residiriam as moléculas cromóforas? A idéia de acelerar a decomposição do agente
clareador opõe-se a do clareamento feito com peróxido de carbamida, com auxílio de
moldeiras, em que maior tempo é dado ao peróxido para interagir osmoticamente com o
esmalte, chegando lentamente à dentina e favorecendo a obtenção de resultados já bem
conhecidos, estudados e, quando executado corretamente, praticamente sem efeitos
colaterais.
2) Qual o comprimento de onda e a potência ideais da luz para acelerar a decomposição do
peróxido?
Resposta: Na literatura os valores de comprimento de onda do laser são 532 (verde), 660
(vermelho) e 830 (infra-vermelho; invisível) nanômetros e 200 a 2000 mW/cm2 de
potência. Para os LEDs que circundam esses feixes de laser em alguns aparelhos, os
valores de comprimento de onda (azul) são 470 nanômetros e 800 mW/cm2 de potência. A
falta de consenso na literatura sobre o comprimento de onda mais efetivo e a controvérsia
de que lasers e LEDs de alta potência produzem aquecimento, denotam a necessidade de
mais estudos dessas fontes de luz, como bem exemplifica a revisão sistemática de
Buchalla e Attind. Nessa revisão são citados artigos clínicos em cujos métodos as arcadas
foram divididas e o clareamento foi feito em um hemiarco com luz e no outro sem o
emprego de qualquer fonte luminosa.
3) Sabe-se que um pequeno aumento na temperatura pulpar (5,5oC) é suficiente para
causar danos. Como se comportaria a polpa imediatamente e após a utilização de luzes
potentes?
Resposta: Fisiologicamente qualquer terapia clareadora (incluindo a doméstica) tem a
capacidade de aumentar os níveis de oxigênio nascente no complexo dentino-pulpar, o que
pode induzir estresse oxidativo nas células desses tecidos 15. Isto resultaria em estresse
oxidativo, na diferenciação celular, maior atividade de fosfatase alcalina sobre os
odontoblastos da polpa coronária e células endoteliais, com produção de heme-oxigenase-1
16. Essa substância, pelo excesso de peróxido na dentina, iniciaria uma reação inflamatória
na polpa. Hipoteticamente, depois de se recuperar de uma possível hiperemia, os
odontoblastos presentes na polpa depositariam dentina terciária, geralmente mais
mineralizada e com maior croma. Isso poderia explicar a recidiva 12 após o clareamento
com fontes luminosas, o que aumentaria o potencial oxidativo de qualquer material
clareador empregado. O limite de potencial oxidativo dos agentes clareadores deve ser
respeitado, empregando-se clareadores mais brandos e sem fontes de luz que aqueçam de
maneira exagerada o elemento dental.
Buchalla, W; Attin, T. External bleaching therapy with activation by heat, light or laser – a systematic review. Dental Materials, 2006
(article in press).
d
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4) Existem maneiras eficazes para avaliar se as fontes de luz produzem resultado clínico
significativamente superior?
Resposta: Uma das mais importantes
variáveis na avaliação dos sistemas
clareadores
de
consultório
é
a
aplicabilidade de uma metodologia que
aborde testes in vivo em humanos. O
resultado do clareamento de consultório
associado a fontes de luz é questionável
11,17. A maioria dos trabalhos descrevendo
casos de clareamento em consultório
associado a luz bem sucedidos está
limitada aos relatos de casos clínicos ou
estudos de comparações com os já bem
documentados e aceitos achados sobre
clareamento doméstico. Um trabalho
recente 18 coloca como possível
justificativa
da
superioridade
dos
resultados
finais
do
clareamento
doméstico o maior tempo de contato do
agente clareador de baixa concentração.
Isto tornaria possível uma maior difusão
na estrutura dental, resultando em maior
clareamento, menor estresse oxidativo
sobre a polpa, resultado mais durável e
sem as recidivas em longo prazo 12. Estas
são relatadas na modalidade de
consultório, sobretudo nas ativadas por
fontes luminosas. As causas das recidivas
recaem sobre a excessiva desidratação
causada pelo isolamento absoluto ou
relativo, aumentada pelo calor adicional
das fontes de luz, o que evidencia um
“clareamento” adicional temporário. O
verdadeiro efeito do clareamento sobre os
dentes, independentemente do método
empregado, deveria ser mensurado após
15 a 30 dias, tempo sugerido pelas
pesquisas mais recentes para que os
dentes se reidratassem e o tecido pulpar
se recuperasse do estresse oxidativo a
que foi submetido. Dessa maneira, os
profissionais e os pacientes não deveriam
ficar muito entusiasmados com o
resultado imediato, e sim esperar algum
tempo para ter certeza de que a terapia
clareadora executada concretizou-se em
sucessoe.
Uma das grandes dificuldades nos
métodos de avaliação clínica é o fato dos
pacientes responderem de maneira
diferente ao clareamento, ainda que a
mesma técnica seja usada para comparar
dentes de um mesmo grupo e de cor
inicial semelhante. Isto pode ser resultado
de diferenças genéticas, idade, hábitos e
de outros inúmeros fatores individuais
que modificam localmente a ação do
mesmo tipo de tratamento.
Para minimizar esses fatores, é essencial
tratar
o
assunto
com
cuidado.
Atualmente, para confrontar a efetividade
de duas técnicas distintas, utiliza-se a
comparação
em
meias-arcadas,
observando-se dentes contralaterais de
um mesmo paciente (dois incisivos
centrais, por exemplo), de um mesmo
arco, com as mesmas cores, que tenham
passado
pelos
mesmos
desafios
bioquímicos e funcionais. Desta maneira,
as diferenças intangíveis que poderiam
gerar interpretações duvidosas são
virtualmente eliminadas.
Trabalhos científicos que não utilizam o
método de avaliação de meias-arcadas
nas avaliações de clareamento de
consultório, devem apresentar justificativa
para tal decisão, visto que esta dificulta a
interpretação dos resultados obtidos e
abre margem para dúvidas do real valor
dos dados obtidos.
Da mesma maneira que Hein 19, fizemos
também algumas comparações de fontes
híbridas (LED + laser infravermelho) em
Thomas Attin, Wolfgang Buchalla, Anette Wiegand: Clinical
issues of tooth whitening therapies, in Academy of Dental
Materials 2006 Annual Meeting.
e
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AS FONTES DE ENERGIA LUMINOSA SÃO NECESSÁRIAS NA TERAPIA DE CLAREAMENTO DENTAL?
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um lado e LED puro em outro; fontes
híbridas com nenhum tipo de luz, fazendo
as mais diversas combinações entre
fontes luminosas (em andamento) e com
três tipos de agentes clareadores
distintos:
Opalescence X-tra Boost (Ultradent Inc.),
que não recomenda nenhum tipo de luz;
Whiteness HP (FGM), que indica as fontes
luminosas como opcionais, de uso não
obrigatório; e,
Lase Peroxide Sensy (DMC), que explica
ser necessário o uso de uma fonte híbrida
de luz com laser de diodo infravermelho
(invisível) com comprimento de onda de
830 nm e potência de 200 mW
circundado por LEDs de alto desempenho
(com comprimento de onda de 470 nm e
densidade de potência de 800 mW/cm2).
Os resultados parciais desse estudo, até
então em andamento, não evidenciam
diferença
entre
as
hemi-arcadas
clareadas com luz e sem luz.
Figura 10
Figuras 10, 11, 12, 13 e 14:
diretriz de avaliação 19,
adotada pela nossa equipe,
para mensuração da
efetividade do clareamento
com e sem luz – arcadas
adultas divididas - onde
metade foi feita com LED +
laser infravermelho
(hemiarco direito) e a outra
metade somente com LED
(hemiarco esquerdo); ambas
as fontes emissoras de luz
azul com a mesma
densidade de potência.
Resultado obtido: ambas as
arcadas apresentaram ao
final de 60 dias, dentes mais
claros, mas não houve
diferença entre as
hemiarcadas no que se
refere à maior ou menor
qualidade de clareamento.
Figura 11
210
AS FONTES DE ENERGIA LUMINOSA SÃO NECESSÁRIAS NA TERAPIA DE CLAREAMENTO DENTAL?
Riehl, H; Nunes, MF
Figura 12
Figura 13
Figura 14
211
AS FONTES DE ENERGIA LUMINOSA SÃO NECESSÁRIAS NA TERAPIA DE CLAREAMENTO DENTAL?
Riehl, H; Nunes, MF
Figura 15
Figuras 15, 16 e 17: arcada
total clareada com
Opalescence X-tra Boost,
cuja técnica recomenda
ausência de luz, em três
aplicações alternadas de 15
minutos (“bleaching in the
dark”) em uma só sessão.
Resultado estabilizado
(reidratado), obtido após 60
dias mostra clareamento
significativo para um
paciente adulto.
Figura 16
Figura 17
212
AS FONTES DE ENERGIA LUMINOSA SÃO NECESSÁRIAS NA TERAPIA DE CLAREAMENTO DENTAL?
Riehl, H; Nunes, MF
Figura 18
Figura 19
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AS FONTES DE ENERGIA LUMINOSA SÃO NECESSÁRIAS NA TERAPIA DE CLAREAMENTO DENTAL?
Riehl, H; Nunes, MF
Figura 20
Figura 21
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AS FONTES DE ENERGIA LUMINOSA SÃO NECESSÁRIAS NA TERAPIA DE CLAREAMENTO DENTAL?
Riehl, H; Nunes, MF
Figura 22
Figura 23
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AS FONTES DE ENERGIA LUMINOSA SÃO NECESSÁRIAS NA TERAPIA DE CLAREAMENTO DENTAL?
Riehl, H; Nunes, MF
Figura 24
Figura 25
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AS FONTES DE ENERGIA LUMINOSA SÃO NECESSÁRIAS NA TERAPIA DE CLAREAMENTO DENTAL?
Riehl, H; Nunes, MF
Figura 26
Figura 27
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AS FONTES DE ENERGIA LUMINOSA SÃO NECESSÁRIAS NA TERAPIA DE CLAREAMENTO DENTAL?
Riehl, H; Nunes, MF
Figura 28
Figura 29
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AS FONTES DE ENERGIA LUMINOSA SÃO NECESSÁRIAS NA TERAPIA DE CLAREAMENTO DENTAL?
Riehl, H; Nunes, MF
Figura 30
Figura 31
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AS FONTES DE ENERGIA LUMINOSA SÃO NECESSÁRIAS NA TERAPIA DE CLAREAMENTO DENTAL?
Riehl, H; Nunes, MF
Figura 32
Figura 33
Figuras 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32 e 33: arcadas de paciente adulta clareada
com peróxido de hidrogênio a 35% (Whiteness HP – FGM), cuja técnica coloca a luz como opcional, onde em
um hemiarco (o esquerdo) foi aplicado fonte de luz híbrida e na outra metade (o direito) sem fonte de luz
alguma. Observa-se nos diferentes hemiarcos a mudança de cor de magenta para transparente, em
gradações de cor diferentes, o que mostra que a luz parece catalisar a reação através de efeito fototérmico
ou fotoquímico. Entretanto, ao final imediato da terapia clareadora (figuras 30, 31) e tardiamente (figuras 32
e 33), não houve diferença entre os hemiarcos tratados com o mesmo
gel clareador e com e sem fontes híbridas de luz.
220
AS FONTES DE ENERGIA LUMINOSA SÃO NECESSÁRIAS NA TERAPIA DE CLAREAMENTO DENTAL?
Riehl, H; Nunes, MF
Figura 34
Figura 35
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AS FONTES DE ENERGIA LUMINOSA SÃO NECESSÁRIAS NA TERAPIA DE CLAREAMENTO DENTAL?
Riehl, H; Nunes, MF
Figura 36
Figura 37
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AS FONTES DE ENERGIA LUMINOSA SÃO NECESSÁRIAS NA TERAPIA DE CLAREAMENTO DENTAL?
Riehl, H; Nunes, MF
Figura 38
Figura 39
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Riehl, H; Nunes, MF
Figura 40
Figura 41
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AS FONTES DE ENERGIA LUMINOSA SÃO NECESSÁRIAS NA TERAPIA DE CLAREAMENTO DENTAL?
Riehl, H; Nunes, MF
Figura 42
Figura 43
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AS FONTES DE ENERGIA LUMINOSA SÃO NECESSÁRIAS NA TERAPIA DE CLAREAMENTO DENTAL?
Riehl, H; Nunes, MF
Figura 44
Figura 45
Figuras 34, 35, 36, 37, 38,
39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46,
47 e 48: arcada de paciente
adulta, clareada com peróxido
de hidrogênio a 35% (Lase
Peroxide Sensy – DMC), cuja
técnica recomendada pelo
fabricante, de acordo com
instruções colhidas na bula,
prevê a ativação com fonte
híbrida de luz. Arcada direita
clareada sem uso de fonte de
luz. Observam-se também nos
diferentes hemiarcos a
mudança de cor em
gradações diferentes da cor
cereja para diferentes níveis
de laranja, o que mostra que a
fonte híbrida de luz parece
também catalisar a reação
através de efeito fototérmico
ou fotoquímico. Entretanto, ao
final imediato da terapia
clareadora (figuras 46 e 47) e
tardiamente (figura 48), não
houve diferença entre os
hemiarcos tratados com o
mesmo gel clareador e com e
sem fontes híbridas de luz.
Figura 46
226
AS FONTES DE ENERGIA LUMINOSA SÃO NECESSÁRIAS NA TERAPIA DE CLAREAMENTO DENTAL?
Riehl, H; Nunes, MF
Figura 47
Figura 48
3. O foco no benefício ao paciente
Durante muito tempo era o produto
clareador, ou seja, uma determinada
marca comercial ditava a tendência de
mercado.
Talvez
pelo
fato
dos
procedimentos ficarem mais populares
depois de 1989, fato coincidente com as
primeiras publicações de Van Benjamin
Haywood e Harald Otto Heymann 20, o
227
AS FONTES DE ENERGIA LUMINOSA SÃO NECESSÁRIAS NA TERAPIA DE CLAREAMENTO DENTAL?
Riehl, H; Nunes, MF
resultado de quase dezoito anos de
intensa pesquisa a respeito dessa
fascinante técnica de proporcionar dentes
mais claros contribuiu para que mitos
fossem derrubados, paradigmas fossem
estabelecidos e para que a indústria
finalmente seguisse a ciência, e não o
contrário, como muitas vezes a
comunidade
científica
e
clínica
presenciou.
A introdução da tecnologia de fontes
luminosas por fabricantes da área
odontológica, ávidos por buscar novas
maneiras de decompor peróxidos através
de novos dispositivos como arco de
plasma, luz emitida por diodos (LED),
laser de argônio e infravermelho,
ionização de gás de compostos
halogênios e também de sistemas não
tão novos assim, como quartzotungstênio-halogênio
e
ultravioleta,
ajudou a criar um aumento na demanda
motivada pela opinião pública. A luz seria
uma alternativa rentável e recuperadora
do valor do procedimento clareador, que
teoricamente diminuiu com a entrada no
mercado dos agentes clareadores autoaplicáveis distribuídos por grandes
empresas do ramo de higiene dental.
A velocidade das reações químicas pode
ser aumentada pelo incremento de
temperatura, onde a cada incremento de
10oC, duplicar-se-ia a velocidade da
reação 8. O uso de alta intensidade
luminosa para acelerar o clareamento
dental, através do aquecimento do
peróxido de hidrogênio é uma das mais
antigas
tentativas
de
se
obter
rapidamente o oxigênio nascente. Outras
abordagens também de longa data citam
instrumentos aquecidos e pirógrafos
artesanais. Em todas as técnicas nas
quais o calor é utilizado, o dano pulpar
deve ser considerado. Como já foi citado,
sabe-se que o máximo de aquecimento
tolerado pela polpa é de 5,5oC, de modo
que o uso de calor torna-se contraindicado 5,6.
A luz é reconhecidamente um dos gatilhos
que pode desestabilizar o peróxido de
hidrogênio,
contribuindo
para
sua
decomposição, acelerando a liberação de
oxigênio nascente, fator primordial para
que ocorra o processo clareador das
estruturas dentais. Contemporaneamente,
várias abordagens focam em algumas
novas e diferentes fontes de luz para
acelerar a decomposição do peróxido de
hidrogênio de maneira supostamente
segura. Essas “novas” luzes apresentam
variados comprimentos de onda e
densidades de potência. Como exemplos
podemos citar: os LEDs, os lasers
infravermelhos, os LEDs de alta potência,
os arcos de plasma e as lâmpadas de
quartzo-tungstênio-halogênio (QTH). Vale
enfatizar que, como já descrito, algumas
dessas fontes geram calor excessivo.
Especula-se que algumas fontes de luz
possam
“energizar”
os
pigmentos
localizados
na
estrutura
dental,
acelerando ainda mais a reação de
clareamento ao tornarem tais pigmentos
mais “reativos” 3. Essas especulações
provêm do fato de que quando uma
radiação eletromagnética, ao incidir sobre
uma molécula, aumentaria a excitação de
elétrons para um estado de maior energia
8. No espectro ultravioleta e visível,
existem certos grupos característicos de
átomos e moléculas denominados
cromóforos (“que trazem a cor”),
caracterizados por ligações duplas
carbono-carbono (=C=C=) e grupos
carbonila (=C=O), encontrados, por
exemplo,
no
caroteno,
pigmento
responsável pela coloração das cenouras,
mangas, caquis e também presente em
alguns agentes clareadores. Em termos
de linguagem da teoria de orbitais
moleculares, quando a energia (oriunda
de um LED ou laser, por exemplo) é
absorvida por tais cromóforos, ocorreria
228
AS FONTES DE ENERGIA LUMINOSA SÃO NECESSÁRIAS NA TERAPIA DE CLAREAMENTO DENTAL?
Riehl, H; Nunes, MF
uma transição eletrônica por excitação de
um elétron de um orbital ligante
a um
orbital antiligante
* conhecida como
ligação
- * (pi-pi estrela). Tais
transições ocorrem nos cromóforos
carbono-carbono em 160nm, na região do
ultravioleta e nos do grupo carbonila em
280nm aproximadamente 8. Ambas as
faixas com comprimentos de onda
diferentes dos encontrados nas fontes de
luzes atualmente e indicadas para
clareamento.
No entanto, a comprovação desta suposta
“energização” ainda não foi possível
quando são utilizadas fontes luzes
comercialmente encontradas (em torno
de 532, 660, 830 nm), pois tais fontes de
energia estão fora da faixa que
promoveriam tal transição eletrônica, de
acordo com a literatura específica 8.
Fundamentados nesta mesma premissa,
alguns produtos clareadores, indicados
para o uso associado a fontes de luz,
contém ingredientes que supostamente
ajudariam na transferência de energia da
luz para o gel de peróxido. Para tal,
corantes como o supracitado caroteno, o
urucum e o sulfato de manganês são
adicionados ao agente clareador, pois
pigmentos
vermelho-alaranjados
aumentam a absorção do comprimento
de onda azul.
Relatos de casos isolados 3,6 têm
demonstrado a suposta eficácia da luz na
ativação do peróxido em alguns sistemas
clareadores. Entretanto a literatura
científica qualitativamente atualizada
2,4,5,6,7,9,11,13,14,17,18,19
tem evidenciado
limites e controvérsias relativas às reais
propaladas
vantagens
das
fontes
luminosas, através de estudos clínicos in
vitro e in vivo, de acordo com tabela
explicativa contida no trabalho de
Buchalla e Atinn, já supracitado.
Estudos bem estruturados e com métodos
convincentes e bem suportados 19,f e os
de outras equipes, f g que obtiveram
resultados semelhantes são exigidos para
demonstrar de maneira inequívoca se
realmente há ou não o benefício adicional
de alguma fonte luminosa que objetiva
clarear dentes. Até o momento, fontes
luminosas ainda devem ser empregadas
com cautela, devendo-se aguardar a
publicação de mais estudos para que se
chegue ao consenso científico.
Atualmente, os pacientes em consultório
questionam sobre o uso “quase
obrigatório” do “laser”, fato que tem sido
resolvido por muitos profissionais de
maneira simples, empregando-o por
pouco tempo e associando moldeiras com
peróxido de carbamida (denominado
tratamento conjugado), fato este último
que tem garantido um clareamento que
realmente satisfaça os interesses dos
nossos clientes, com aspecto realmente
natural e sem ferir a ética pessoal. Muito
embora isso pareça ser um contra-senso,
tal fato seria prontamente resolvido pela
adoção de diretrizes científicas que
estabeleçam
qual
método
possui
evidências científicas de qualidade que
realmente suportem a proposta oferecida.
A proposta para criação de comissões
para a redação, edição e publicação de
diretrizes científicas na área odontológica,
abordando os mais diversos temas, é uma
sugestão a ser pensada, avaliada e talvez
adotada pelas sociedades representativas
das diversas especialidades da nossa
profissão. Tal exemplo é adotado pela
Medicina já há vários anos e com
excelentes resultados práticos.
Para a confecção de uma possível diretriz
sobre assuntos como adesão em dentina
e esmalte, clareamento dental, resinas
f Nunes, MF; Masotti, A; Soares, CG; Rolla, J.N.; Conceição, E.N.
Clinical evaluation of the effectiveness of two in-office
bleaching techniques using a hydrogen peroxide based product.
(em preparação).
Sampaio, CC; Riehl, H; Rossetti, PHO. Clareamento dental : as
fontes de luz são realmente necessárias? (em preparação)
g
229
AS FONTES DE ENERGIA LUMINOSA SÃO NECESSÁRIAS NA TERAPIA DE CLAREAMENTO DENTAL?
Riehl, H; Nunes, MF
compostas, cerâmicas odontológicas e
clareamento dental, transcrevemos aqui o
caminho de um possível modelo retirado
do site da Sociedade Brasileira de
Cardiologia (www.cardiol.org/consenso),
cuja tabela de critérios de consenso
positivo (Classe I), negativo (Classe III) ou
ainda em fase de avaliação (Classe II)
está abaixo reproduzida.
Classe I
Condições para as quais há evidência para e/ou acordo geral de que o
procedimento é útil ou efetivo.
Classe II
Condições para as quais há evidências conflitantes e/ou divergência de
opinião sobre utilidade/eficácia do procedimento
Classe IIa: peso ou evidência/opinião a favor de utilidade/eficácia
Classe IIb: utilidade/eficácia menos bem estabelecida por evidência ou
opinião
Classe III
Condições para as quais há evidência e/ou geral acordo de que o
procedimento não é útil/efetivo e em alguns casos pode ser nocivo
4. CONCLUSÕES
Como em nenhuma outra época, a
Medicina e a Odontologia têm buscado
incessantemente
a
comprovação
científica de todos os tipos de
tratamentos e procedimentos. É inegável
que necessitamos de publicações de
qualidade para que se decidam quais são
os tratamentos mais vantajosos em todos
os aspectos para o paciente. Infelizmente,
os poucos estudos e alguma falta de
conhecimento por parte dos clínicos, a
respeito do clareamento dental, abrem
margem para trabalhos de pouca
cumplicidade com a ciência e que se
tornam argumentos que justificam o
emprego de novas técnicas.
Parafraseando Gerard Kugel8, salienta-se
a necessidade de que o conhecimento
seja fundamentado com qualidade. Isto é
extremamente
importante,
mesmo
porque a maneira como alguns
fabricantes inundam o mercado com
anúncios que enfatizam que aquela “luz
especial” gera um clareamento superior,
que elas são “o estado da arte” e que
deveriam fazer parte do arsenal de
equipamentos
do
consultório
odontológico dito “atualizado” nos fazem
pensar:
elas
seriam
mesmo
imprescindíveis? Quantos profissionais
estão subutilizando seus aparelhos de
“luzes especiais”, empregando-os mais
Gerard Kugel: The truth about light activated tooth whitening,
in Academy of Dental Materials 2006 Annual Meeting.
8
230
AS FONTES DE ENERGIA LUMINOSA SÃO NECESSÁRIAS NA TERAPIA DE CLAREAMENTO DENTAL?
Riehl, H; Nunes, MF
pelo marketing ou pelo benefício
condicionado da laserterapia?
Ainda não há evidência científica do
benefício das luzes em termos de
melhoria no resultado final à longo prazo
do
processo
clareador,
quando
comparamos
trabalhos
acima
mencionados - em hemiarcos com e sem
o uso de fontes luminosas. Assim,
devemos ser cautelosos com nossas
escolhas e esperar que as luzes cheguem
num real “estado da arte” e que, junto
com a ciência, saibamos as reais
vantagens para tamanho investimento
financeiro e de tempo por parte do
Cirurgião-Dentista.
O mercado disseminou entre os pacientes
leigos a falsa idéia que a utilização do
clareamento associado a fontes de luz,
em especial o laser, é a melhor maneira
de se clarear os dentes. O clareamento
com laser tornou-se sinônimo de “status”
entre os clientes que freqüentam clínicas
odontológicas em busca de clareamento
dental. Até o momento, isto pode
caracterizar como desatualizado o
profissional
que
oferece
outras
modalidades de clareamento tão ou mais
eficazes que o laser, e com menos efeitos
colaterais.
Alguns
profissionais,
pressionados por seus clientes, são
capazes de adotar a seguinte postura
para satisfazer o apelo dos pacientes sem
se comprometer eticamente: ao perceber
que
as
luzes
não
interferem
significativamente no processo clareador,
empregam a laserterapia (laser de baixa
potência) durante a aplicação do material
clareador, com a finalidade de prevenir ou
reduzir a sensibilidade trans e pósoperatória. Com isso, os pacientes ficam
satisfeitos em poder contar para os
amigos que fizeram clareamento com
laser. Em resumo, observa-se uma
impressionante inversão de valores
profissionais e éticos, já que o paciente é
quem
decide
a
modalidade
de
tratamento. O cirurgião-dentista, sob pena
de “perder” o paciente, faz uso da técnica
selecionada pelo leigo.
DECLARAÇÃO:
Os autores não possuem conflito de interesse com as empresas citadas neste artigo.
5. REFERÊNCIAS
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231
AS FONTES DE ENERGIA LUMINOSA SÃO NECESSÁRIAS NA TERAPIA DE CLAREAMENTO DENTAL?
Riehl, H; Nunes, MF
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