Sem título-2 - Liinc

Transcrição

Sem título-2 - Liinc
GEOPOLÍTICA
DA
BIODIVERSIDADE
Sarita Albagli
Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal
Gustavo Krause Gonçalves Sobrinho
Presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
Eduardo Martins
Diretor de Incentivo à Pesquisa e Divulgação
Celso Martins Pinto
Coordenador do Programa de Divulgação Técnico-Científica e Educação Ambiental
José Silva Quintas
Coordenadora do Projeto de Divulgação Técnico-Científica
Maria Luiza Delgado Assad
Edição
IBAMA — Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis
Diretoria de Incentivo à Pesquisa e Divulgação
Programa de Divulgação Técnico-Científica
e Educação Ambiental
Projeto de Divulgação Técnico-Científica
SAIN, Av. L4 Norte, s.n., Edifício Sede
CEP 70.800-900, Brasília/DF
Telefones: (061) 316-1191 e 316-1222
FAX: (061) 226-5588
Brasília
1998
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
GEOPOLÍTICA
DA
BIODIVERSIDADE
Sarita Albagli
Revisão e Edição de Texto
Norma Azeredo
Lia Dornelles
Capa
Fátima Feijó
Projeto Gráfico e Diagramação
Luiz Eduardo Nunes
A325
Albagli, Sarita
Geopolítica da biodiversidade / Sarita Albagli. —
Brasília: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, 1998.
276 p.
ISBN: 85-7300-064-3
1. Política do meio ambiente. 2. Biodiversidade.
I. Intituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. II Título.
CDU 32:504
A Amilcar O. Herrera,
mestre e amigo.
Inmemoriam
AGRADECIMENTOS
Este trabalho é resultado da pesquisa que desenvolvi junto ao Programa de
Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro para a
elaboração de minha tese de doutorado. Expresso aqui meus agradecimentos:
ao WWF — Fundo Mundial para a Natureza; ao IBICT — Instituto Brasileiro
de Informação em Ciência e Tecnologia; ao LAGET — Laboratório de Gestão
do Território, pelos meios materiais e institucionais proporcionados à realização
desta pesquisa;
Bertha K. Becker que, com seu vasto conhecimento e sua percepção apurada,
foi meu norte nesta trajetória; a Braúlio F. de Souza Dias, Henri Acselrad,
Cláudio A. G. Egler e Irene Garai, pelas observaçãoes pertinentes; aos que,
generosamente, dispuseram-se a participar das entrevistas; a Marcel Bursztyn,
pelo empenho nesta publicação;
a Pedro Leitão, leitor crítico-construtivo, mas sobretudo marido presente em
todas as horas; a Adriano e Leonardo, filhos queridos, e a Daniel e Antônio,
entes amados, fontes inesgotáveis (e incansáveis) de alegrias; à minha “família
repinica”, que a cada dia me ensina, na prática, sobre a diversidade da vida e dos
espíritos;
a todos aqueles, enfim, que de algum modo contribuíram para esta realização.
PREFÁCIO
O trabalho de Sarita Albagli contribui para preencher uma lacuna no
conhecimento sobre uma questão crucial e complexa da virada do milênio: a
questão da biodiversidade.
Palavra recente, surgida em meados da década de 1980, a biodiversidade
logo se tornou objeto de assinatura de uma Convenção na Cúpula da Terra
visando sua proteção, e entrou no debate público e na prática, antes que a
ciência pudesse prover conhecimentos capazes de subsidiar as ações dos
organismos internacionais e as políticas nacionais.
Envolvendo múltiplas dimensões e percepções, situa-se no centro dos
debates mundiais. Debates fundados nos temores da sobrevivência humana e
também sobre os avanços da biotecnologia; na esperança de um novo padrão
de desenvolvimento ou, pelo contrário, no risco da mercantilização da natureza;
nas relações Norte-Sul, entre outros. Debates que se expressam em conflitos de
uso e de escolha pelas sociedades.
Acresce que envolve o problema de lidar com a contradição de um
mundo influenciado por uma forma global de pensar — proteger a
biodiversidade mundial — num contexto que pretende valorizar formas locais e
diversificadas de agir, que criam as práticas capazes de protegê-la. Tal
contradição está contida na Convenção sobre Biodiversidade, que priorizou o
risco e a necessidade de preservação da diversidade biológica mundial, mas que
declarou os recursos biológicos como patrimônios nacionais, afirmando-se o
direito soberano dos Estados de explorar seus próprios recursos.
Esse contexto indica a necessidade urgente não só de pesquisar a
biodiversidade em si, como de promover a ampla difusão do conhecimento
sobre a complexidade dessa problemática, na medida em que cabe às
sociedades nacionais, regionais e locais definir formas diversificadas de
proteção da diversidade biogenética, que contemplem a garantia de melhores
condições de vida.
A contribuição da autora vem ao encontro dessa necessidade urgente.
Não por acaso ousou abordar a Geopolítica da Biodiversidade. O
conhecimento sobre o espaço geográfico é um poder em si, e a autora, ao
sistematizar informações dispersas sobre diferentes ângulos da questão e
socializar esse conhecimento para a sociedade brasileira, contribui para o
exercício de uma geopolítica positiva pelos atores situados nas diferentes
escalas.
A dimensão geopolítica da biodiversidade é ainda analisada na revelação
da íntima e indissolúvel relação entre biodiversidade e ciência e tecnologia. Na
raiz desse par, jaz a desigual distribuição dos estoques de diversidade biológica
— localizados nos países periféricos — e da tecnologia avançada, privilégio dos
países centrais, e esses elementos atuam por trás dos conflitos e alianças da
Convenção, analisada em detalhe pela autora. Numa outra escala de análise, vale
ressaltar a importância por ela atribuída à questão do saber local, e o
esclarecimento sobre o uso que dele se faz em escala global, sem que, em geral,
as populações locais tenham sequer conhecimento desse processo.
Finalmente, mas não menos importante, foi a preocupação de Sarita
Albagli em exemplificar o processo em curso no caso da Amazônia e em ouvir
diferentes segmentos da sociedade brasileira, como base indispensável de sua
análise.
A Geopolítica da Biodiversidade é, pois, uma contribuição valiosa, ao
abordar, corajosamente, tema de tal magnitude social, mas normalmente
negligenciado, e/ou conhecido de forma dispersa, em fragmentos. E, ao
resgatá-lo e integrá-lo, informar as sociedades nacional, regional e local para
que possam melhor decidir sobre seus projetos de proteção da biodiversidade,
de modo associado a suas estratégias mais gerais de desenvolvimento.
Bertha K. Becker
APRESENTAÇÃO
SUMÁRIO
PÁG.
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I:
IMPERATIVO TECNOLÓGICO E POLITIZAÇÃO DA NATUREZA
1. O IMPERATIVO TECNOLÓGICO
1.1. CIÊNCIA E TECNOLOGIA COMO INSTRUMENTOS DE PODER
1.2. PROPRIEDADE INTELECTUAL E PRIVATIZAÇÃO DO SABER
2. A POLITIZAÇÃO DA NATUREZA
2.1. CONFLITOS GEOPOLÍTICOS SOBRE A QUESTÃO AMBIENTAL
2.2. MEIO AMBIENTE E GOVERNABILIDADE GLOBAL
3. CIÊNCIA, TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE NA GEOPOLÍTICA
CONTEMPORÂNEA
CAPÍTULO II:
BIODIVERSIDADE COMO QUESTÃO ESTRATÉGICA
1. EMERGÊNCIA DA QUESTÃO
1.1. CONCEITO
1.2. AMEAÇAS À BIODIVERSIDADE
1.3.AS NOVAS BIOTECNOLOGIAS E O CARÁTER ESTRATÉGICO DA
BIODIVERSIDADE
2. POLÊMICAS E CONFLITOS
2.1. CONSERVAR: PARA QUEM?
2.2. SOBERANIA SOBRE A BIODIVERSIDADE: DO GLOBAL AO LOCAL
2.3. PROPRIEDADE INTELECTUAL SOBRE SERES VIVOS
2.4. CONTROLE DO ACESSO AOS RECURSOS GENÉTICOS
2.5. PROTEÇÃO DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS
2.6. OS RISCOS DA BIOTECNOLOGIA
2.7. QUEM PAGA?
CAPÍTULO III:
REGULANDO OS CONFLITOS: A CONVENÇÃO SOBRE DIVERSIDADE
BIOLÓGICA-CDB
1. ESTABELECIMENTO DE UM REGIME GLOBAL DA
BIODIVERSIDADE
1.1. DEFININDO O ESCOPO
1.2. SOLUÇÕES DE COMPROMISSO
1.3. MECANISMOS DE IMPLEMENTAÇÃO
2. TENTANDO GERIR OS CONFLITOS
2.1.CONSERVAÇÃO X USO SUSTENTÁVEL: AMPLIAÇÃO DO ESCOPO
2.2.ENFOQUE GLOBAL X ENFOQUE NACIONAL: PREVALÊNCIA DO
ESTADO NACIONAL
2.3. ACESSO A RECURSOS GENÉTICOS: ESTABELECENDO O
CONTROLE
2.4. ACESSO À TECNOLOGIA: AVANÇOS E AMBIGÜIDADES
2.5. RECONHECENDO O PAPEL DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS
2.6. BIOSSEGURANÇA: QUESTÃO EM ABERTO
2.7. FINANCIAMENTO: SOLUÇÃO INTERINA
3. INTERFACES ENTRE A CDB E OUTRAS INSTÂNCIAS
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MULTILATERAIS
3.1. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO - OMC
3.2. ORGANIZAÇÃO PARA A ALIMENTAÇÃO E A AGRICULTURA - FAO
3.3. COMISSÃO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA ONU CDS
4. BALANÇO DA CONVENÇÃO SOBRE DIVERSIDADE BIOLÓGICA
CAPÍTULO IV:
INSTITUCIONALIZANDO A BIODIVERSIDADE NO BRASIL
1. IMPLEMENTAÇÃO DA CDB NO BRASIL: AVANÇOS E LIMITES DA
AÇÃO GOVERNAMENTAL
2. REGULAÇÕES EM CONFLITO
2.1. UM NOVO MODELO DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA: O
PROJETO DO SNUC
2.2. TENTANDO PROTEGER OS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS:
O ESTATUTO DAS SOCIEDADES INDÍGENAS
2.3. CEDENDO ÀS PRESSÕES EXTERNAS: LEI DE PROPRIEDADE
INTELECTUAL
2.4. ESTENDENDO O MONOPÓLIO ÀS VARIEDADES AGRÍCOLAS: LEI
DE CULTIVARES
2.5. CONTRABALANÇANDO AS PERDAS: LEI DE ACESSO A RECURSOS
GENÉTICOS
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2.6. NORMATIZANDO A BIOTECNOLOGIA NO PAÍS: LEI DE
BIOSSEGURANÇA
3. BALANÇO DO TRATAMENTO DA PROBLEMÁTICA DA
BIODIVERSIDADE NO BRASIL
CAPÍTULO V:
AMAZÔNIA: FRONTEIRA GEOPOLÍTICA DA BIODIVERSIDADE
1. DA PROTEÇÃO DAS FLORESTAS À PROTEÇÃO DA
BIODIVERSIDADE
2. CONFLITOS E CONVERGÊNCIAS
2.1. DA PRESERVAÇÃO AO USO SUSTENTÁVEL
2.1.1. CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE: NOVOS PARADIGMAS
2.1.2. AINDA UM PADRÃO PREDATÓRIO
2.1.3. USO SUSTENTÁVEL: AINDA UMA INTERROGAÇÃO
2.2. ACESSO À INFORMAÇÃO ASSOCIADA À BIODIVERSIDADE NA
AMAZÔNIA
2.2.1. CONTROLE DO ACESSO A RECURSOS GENÉTICOS X LIVRE
ACESSO
2.2.2. CIÊNCIA, TECNOLOGIA E CONHECIMENTOS TRADICIONAIS:
CHAVES PARA O ACESSO E O CONTROLE DA BIODIVERSIDADE
AMAZÔNICA
3. BIODIVERSIDADE NA AMAZÔNIA: QUESTÃO ESTRATÉGICA OU
MARGINAL?
CAPÍTULO VI:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
INTRODUÇÃO
O século XX testemunhou uma exploração dos recursos naturais
mundiais sem precedentes, o que repercutiu sobre a deterioração física dos
grandes componentes da biosfera, representando uma ameaça à existência
e à perpetuação das diferentes formas de vida do planeta. Não apenas o
número e o escopo dos problemas ambientais “transfronteiras” cresceram,
mas uma nova categoria de questões ambientais globais emergiu,
destacando-se: a destruição da camada de ozônio, a mudança climática global
(efeito estufa), a poluição dos ambientes marítimos, a devastação das
florestas e a ameaça à biodiversidade.
Dentre essas, a perda de diversidade biológica e genética na velocidade
e extensão atuais, em associação com a perda de florestas, que são os
ecossistemas mais ricos em biodiversidade, é a que guarda uma relação
mais direta com os interesses e dificuldades dos países em desenvolvimento,
detentores que são da maior parcela das reservas de biodiversidade ainda
disponíveis, bem como das áreas remanescentes de florestas tropicais. Já
outras questões ambientais, como a destruição da camada de ozônio ou o
agravamento do efeito estufa, por exemplo, embora correlacionadas,
associam-se mais diretamente com os padrões tecnológicos dos países de
economia avançada e com seus estilos de vida e consumo.
A emergência recente da problemática da biodiversidade, por sua
vez, deve ser compreendida no contexto da passagem de um paradigma
técnico-econômico intensivo em recursos naturais para um outro baseado
em informação e no uso crescente de ciência e tecnologia no processo
produtivo. Dessa perspectiva, é principalmente como matéria-prima das
biotecnologias avançadas que a biodiversidade assume hoje um caráter
estratégico, valorizando-se nem tanto a vida em si, mas a informação genética
nela contida. A biodiversidade investe-se, assim, de um duplo significado:
elemento essencial de suporte à vida e reserva de valor futuro.
A conjugação entre crise ambiental e transformação da base técnicocientífica mundial corresponde, por sua vez, a uma nova forma de
“politização da natureza”, expressando a coexistência e o conflito de
diferentes projetos e estratégias com respeito ao meio ambiente planetário
e à biodiversidade em particular. Impõe-se assim a necessidade de se
“desnaturalizar o conceito de meio ambiente”, superando uma “noção
exclusivamente biogeográfica do ambiente”, para tratá-lo como “resultado
da interação da lógica da natureza e da lógica da sociedade” (Becker, 1991;
1997)1.
Dessa ótica, o ponto de vista central que se irá aqui explorar é o de
que a temática da biodiversidade possui não apenas uma dimensão ecológica,
nem tão somente uma dimensão técnico-científica, mas ela é hoje mais do
que nunca uma questão geopolítica (Box 1). Ou seja, ela expressa e é
condicionada por diferentes pontos de vista e interesses, os quais projetamse e manifestam-se espacialmente, refletindo-se em formas de intervenção
igualmente distintas sobre o território, do mesmo modo que exerce
influência sobre tais pontos de vista.
1
Relativamente ao uso que se faz, neste estudo, do conceito de natureza, torna-se necessário
reconhecer a existência de antiga e inacabada polêmica sobre seu sentido, o qual acolhe significados
que se estendem desde “a fatalidade das coisas, isto é, tudo que devesse aparecer num inventário do
universo” (Hepburn, 1967), até o noção mais restrita de natureza como “força produtiva” (Gorz,
1987). Neste trabalho, focado para questões associadas à biodiversidade, quando se faz referência
ao conceito de natureza, entende-se: (a) num sentido mais amplo, a existência de um complexo
planetário de processos orgânicos e inorgânicos, que engloba todas as formas de vida em surgimento,
evolução, interação, transformação e extinção, inclusive a vida humana; e (b) num sentido mais
restrito e antropocêntrico, os diversos processos biológicos humanos e não-humanos em interação,
cuja conservação garante as condições de vida no planeta e cujo uso e aplicações ganham crescente
valor material e econômico.
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O termo geopolítica foi cunhado pelo sueco Rudolf Kjéllen, nos primeiros
anos deste século. Muitos consideram, no entanto, que a obra do alemão
Friedrich Ratzel de 1987, batizada de Geografia Política, é também
fundadora da geopolítica. A teoria geopolítica foi, até bem pouco tempo,
rejeitada pelos meios acadêmicos e intelectuais em face da
instrumentalização da informação geográfica pela inteligência militar, o
planejamento e a administração estatais, motivando, inclusive, um
isolamento intelectual da própria Geografia Política, enquanto campo do
saber. Hoje, no entanto, assiste-se ao resgate da geopolítica, como articulação
entre o político e o espacial, na medida em que se torna mais evidente que
os fenômenos de dominação e de desigualdade se fundarão cada vez mais
sobre o domínio do espaço e dos fluxos, tanto quanto sobre o domínio do
tempo.
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De acordo com Wusten (1997:406), nas definições tradicionais de
geopolítica “supunha-se que os Estados eram dependentes das suas
características físicas, e discutia-se como estas influenciavam sua política
externa e suas relações internacionais”. Mais recentemente, segundo o
mesmo autor, geopolítica, no discurso acadêmico, passa a ser objeto de
estudo, significando “as percepções geográficas dos formuladores de política
externa” (idem). Sintetizando essas diferentes abordagens, Foucher (1991)
sistematiza três usos ou significados atuais do conceito de geopolítica: (a)
como representação, isto é, “como símbolo e slogan de um projeto político
em princípio cartografável”; (b) como prática, ou seja, como “guia para a
ação”; e (c) como método “de análise geográfica de situações sociopolíticas
concretas vistas como sendo localizadas e representações habituais que
elas descrevem.”. É, principalmente, nestas segunda e terceira acepções
que o conceito é utilizado neste estudo.
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Supõe-se, dessa perspectiva, que os possíveis encaminhamentos com
respeito à problemática atual da conservação e do uso sustentável da
diversidade biológica serão fortemente determinados pelas estratégias dos
atores, e pela forma — articulada ou conflituosa — como essas estratégias
estarão interagindo e ganhando concretude nas diferentes escalas
geográficas, do global ao local. Do mesmo modo, considera-se que as
diferenças e os conflitos entre tais projetos e estratégias refletem, em grande
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medida, desiguais disponibilidades espaciais de recursos biogenéticos e de
recursos científico-tecnológicos.
Para o Brasil, a temática da biodiversidade é de suma importância, na
medida em que o país é o primeiro em megadiversidade em escala mundial,
além de dispor da maior faixa contínua de florestas tropicais. A Amazônia,
em particular, é detentora da maior diversidade biológica e da maior riqueza
florestal do planeta, sendo nesse contexto percebida como símbolo do
desafio ecológico da humanidade, ao mesmo tempo em que é valorizada
como capital-natureza, uma vez que suas riquezas naturais tornam-se objeto
de estudo e manipulação pela ciência e tecnologia modernas e, portanto,
passíveis de chegarem ao mercado mundial com novo valor agregado
(Becker, 1990; Hoyos, 1992).
Feitas essas considerações iniciais, expõe-se, a seguir, um conjunto
de argumentos ou hipóteses centrais que serviram como fio condutor deste
estudo.
Tem-se como suposto geral que a ciência & tecnologia e o meio
ambiente, em função de suas atuais características, evidenciam-se hoje como
um par, cujos nexos ganham importância na dinâmica geopolítica mundial.
Como resultado dessas interações, poderão estar sendo introduzidas
modificações, mais ou menos significativas, nos termos que atualmente
regem as relações internacionais e na posição relativa dos atores nesse
cenário.
Por um lado, amplia-se a superioridade científico-tecnológica dos
países do Norte. Paralelamente, acentua-se o caráter proprietário sobre os
novos conhecimentos científicos e tecnológicos, o que, por sua vez, induz,
direta ou indiretamente, à privatização da natureza — e da própria vida —
e de seus recursos, crescentemente submetidos à manipulação high tech. Por
outro lado, os países do Sul, ricos em natureza, passam a reivindicar um
acesso preferencial à ciência e tecnologia desenvolvida no Norte, seja como
condição para se capacitarem a participar no esforço global de superação
da presente crise ambiental, seja como contrapartida pelo acesso às suas
riquezas naturais.
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Partindo desse suposto geral, destaca-se a questão da biodiversidade,
a qual, dentre os temas ambientais atuais, como já assinalado, vem assumindo
uma importância geopolítica crescente. A questão da biodiversidade, diante
do duplo desafio que representa — o da urgência de medidas para sua
proteção e o do aproveitamento de seu potencial econômico e de seus
benefícios sociais — envolve uma variada gama de interesses e pressões
em torno de dois aspectos fundamentais: por um lado, o controle sobre o
conhecimento necessário e adequado ao enfrentamento desse desafio, seja
esse conhecimento de caráter “tradicional” e oriundo de populações locais,
seja ele resultado do avanço da ciência e tecnologia “de ponta”,
particularmente a biotecnologia, o que se dá de modo desigual entre as
nações; por outro lado, a disponibilidade das reservas de biodiversidade
existentes no planeta e o acesso a elas, seja através da propriedade ou posse
dessas reservas, seja por meio do controle sobre sua gestão e exploração,
seja ainda pela realização de atividades de “bioprospecção”.
É, portanto, na disputa sobre o controle das vias de acesso à
informação estratégica associada à biodiversidade que se estabelecem os
principais pontos de conflito — e de barganha — entre os que detêm
tecnologias avançadas e os que dispõem de ricas reservas de natureza. Os
primeiros, capazes de agregar valor à biodiversidade no mercado globalizado,
almejam preservar e ter livre acesso aos recursos genéticos e biológicos.
Os segundos, preocupados em garantir soberania sobre seus recursos
naturais e em beneficiar-se de seus possíveis usos, não contam com
tecnologias adequadas, nem com recursos humanos e financeiros suficientes
para sua conservação e uso sustentável.
Essas questões têm-se expressado sobretudo através da dimensão
institucional, a qual atua, simultaneamente, como produto e instrumental
da geopolítica contemporânea. Instrumentos e organismos normativos e
reguladores, de âmbito internacional e nacional, orientados para estabelecer
regras de conduta na área ambiental, bem como para reger as práticas e os
fluxos financeiros, comerciais e científico-tecnológicos em escala, têm
desempenhado um papel extremamente relevante na definição das regras
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do jogo entre os atores e na negociação de seus interesses e pontos de
vista. Tais instrumentos não apenas refletem os conflitos ou cristalizam,
no plano institucional, suas soluções possíveis em dado momento histórico,
mas atuam também como verdadeiros catalisadores de mudanças nada
desprezíveis sobre as questões às quais se dirigem.
Dentre esses, a Convenção sobre Diversidade Biológica (1992) é hoje
o principal instrumento internacional destinado a prover um quadro de
referência que oriente os esforços de conservação e uso sustentável da
biodiversidade, a partir da negociação entre o conjunto de atores envolvidos,
instituindo-se, por seu intermédio, um novo regime global com respeito
aos recursos genéticos e biológicos. A implementação de seus dispositivos
depende, no entanto, fundamentalmente, da “internalização” de suas
orientações nos países, ao mesmo tempo em que está fortemente
condicionada por decisões e orientações de outras instâncias e instrumentos
de regulação multilateral que também intervêm sobre assuntos relacionados
à biodiversidade.
Do ponto de vista nacional brasileiro, acredita-se que a biodiversidade
apresenta amplo potencial. Ela pode vir a tornar-se uma vantagem
comparativa do país no âmbito da geopolítica global, levando-se em conta
sua ampla disponibilidade de recursos biogenéticos, a tradição de sua ciência
na área biológica, além do acervo de conhecimentos tradicionais acumulados
pelas populações locais e pertinentes para o acesso à natureza e às aplicações
dessa biodiversidade, o que faz com que a biotecnologia seja a fronteira
tecnológica onde o Brasil tem talvez maiores chances de se firmar.
Revelador do tratamento que vem sendo dado ao tema da
biodiversidade no país é um conjunto de iniciativas recentes, no plano
jurídico-normativo, que por sua vez também reflete internamente os
conflitos e contradições que permeiam o debate internacional sobre essa
questão, revelando também as pressões multiformes, internas e externas, a
que o Estado nacional está submetido nesse campo.
Do ponto de vista amazônico, finalmente, a questão da biodiversidade
representa o grande desafio que é integrar proteção ambiental com projeto
de desenvolvimento regional e nacional.
22
Por um lado, a floresta amazônica passa a constituir um verdadeiro
“banco de informações” genéticas, químicas e ecológicas, representando
assim uma promissora fonte de exploração econômica para as indústrias
de alta tecnologia, como a farmacêutica e de defensivos agrícolas, entre
outras. Por outro lado, são igualmente fortes os interesses em torno das
formas tradicionais e historicamente estabelecidas de exploração dos
recursos naturais da Amazônia — como a agropecuária, a exploração
energética, a exploração mineral e a exploração madeireira — que, embora
praticadas de forma predatória ao meio ambiente, são geradoras de elevado
valor econômico e comercial a curto prazo.
No esforço de equacionamento das relações entre proteção da
biodiversidade, desenvolvimento social e exploração econômica da
Amazônia, destacam-se estratégias de ordenamento territorial-econômico
da região, como forma de conciliar esses distintos interesses em conflito.
Com base nessas considerações de caráter geral, este trabalho procura
demonstrar que a atual problemática da biodiversidade é uma questão ao
mesmo tempo “tecno(eco)lógica” e geopolítica, caracterizando seus
principais desdobramentos e conflitos no plano internacional e analisando
algumas de suas manifestações nos planos nacional brasileiro e regional
amazônico.
De acordo com essa abordagem, o estudo, além desta introdução,
organiza-se em mais seis capítulos.
No Capítulo I, apresentam-se os grandes elementos de contorno do
estudo — as dinâmicas científico-tecnológica e ambiental, atuando como
um par no âmbito da geopolítica mundial contemporânea — os quais, como
já assinalado, constituem o eixo de análise da geopolítica atual da
biodiversidade.
No Capítulo II, discute-se o atual significado estratégico da
biodiversidade, caracterizando os grandes contenciosos geopolíticos que
estão hoje em pauta na agenda de negociações internacionais relativamente
a essa questão.
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O Capítulo III avalia como essas grandes questões têm sido tratadas
no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica, analisando ainda as
interfaces da Convenção com outras instâncias multilaterais de negociação.
O quarto capítulo discute a posição do Brasil nesse cenário como
país ao mesmo tempo “megadiverso” e “megadependente” em recursos
genéticos e biológicos, verificando como as questões analisadas vêm
expressando-se no país, mais especificamente através do estabelecimento
recente de um aparato político-institucional e jurídico-normativo com
incidência sobre a área.
O quinto capítulo é focado na Amazônia, enquanto cenário territorial
concreto de análise da questão e enquanto fronteira das grandes disputas e
de suas possíveis soluções, tomando-se os temas estratégicos à
biodiversidade hoje. Esse capítulo apresenta basicamente os resultados de
um levantamento e análise de percepções de segmentos associados a essa
temática na região, identificando seus pontos consensuais e não-consensuais.
Finalmente, o sexto e último capítulo faz uma síntese das principais
conclusões alcançadas ao final da pesquisa e, principalmente, uma análise e
verificação sobre a pertinência das hipóteses originalmente propostas.
O trabalho de pesquisa envolveu, além de um levantamento
bibliográfico e documental, a realização de um conjunto de entrevistas,
tanto com especialistas e estudiosos que se vêm debruçando sobre as
questões analisadas, quanto com alguns dos atores considerados relevantes
para a problemática da biodiversidade no país e na Amazônia em particular2.
2
Foram entrevistados: David Hathaway (AS-PTA); Marco van der Ree (ISPN); Eduardo Lleras
(CENARGEN); Afonso Celso Valois (CENARGEN); Herbert O.R. Schubart (SAE - Secretaria de
Assuntos Estratégicos); Bráulio F. de Souza Dias (Coordenação Geral de Diversidade Biológica do
Ministério do Meio Ambiente); Vitor Sucupira (Coordenação do PP-G7 do Ministério do Meio
Ambiente); Garo Batmanian (WWF/Brasil); Julia Feitosa (GTA - Grupo de Trabalho Amazônico);
Cesar V. do Espírito Santo (FUNATURA); Gisela Alencar (Assessora Legislativa da Câmara dos
Deputados); Jean Pierre Leroy (FASE); José Augusto Pádua (Greenpeace); Benjamin Gilbert (FIOCRUZ);
Robert Schneider (Banco Mundial/Coordenação do PPG7); Maurício Mercadante (Assessor legislativo
da Câmara dos Deputados); Paulo Kageyama (USP/ESALQ); Adalberto Veríssimo (IMAZON); Bertha
K. Becker (UFRJ/IGEO); Maria Clara Soares (IBASE); Gilberto C. Gallopín; Spartarco Astolfi Fo.
(Fundação Universidade do Amazônas, Instituto de Ciências Biológicas); Muriel Saragoussi (Fundação
Vitória Amazônica); Rogério Gribel (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA); Frederico
Arruda (Fundação Universidade do Amazonas); David Oren (Museu Paraense Emílio Goeldi - MPEG);
José Márcio Ayres (Mamirauá).
24
Seu principal objetivo foi o de mapear os diferentes pontos de vista, suas
convergências e divergências quanto à questão da biodiversidade e seu
significado no país e na Amazônia. No conjunto, as opiniões e informações
levantadas através dessas entrevistas foram úteis para se construir um quadro
comparativo das diferentes opiniões e estratégias com respeito à
biodiversidade.
De modo geral, esse exercício empírico foi revelador de uma
compreensão ainda pouco integrada, no país, com respeito aos nexos entre
os três níveis de abordagem da problemática da biodiversidade — o
internacional, o nacional e o regional amazônico — e, portanto, de sua
dimensão geopolítica, ao mesmo tempo em que confirmou a pertinência
da pesquisa, tal como fora proposta.
Constatados, assim, o pouco acúmulo de conhecimentos e a dispersão
de informações sobre a problemática da biodiversidade, sob a ótica proposta,
e em face da multiplicidade de aspectos identificados como relevantes para
a sua compreensão, entende-se que a principal contribuição deste estudo é
a de prover uma visão abrangente e integrada dos grandes temas em debate
a esse respeito, sistematizando-os e interpretando-os, bem como verificando
alguns de seus desdobramentos em diferentes escalas geográficas.
25
CAPÍTULO I
Imperativo Tecnológico e Politização da Natureza
Este capítulo apresenta o pano de fundo sobre o qual, do ponto de
vista deste estudo, inscreve-se a problemática atual da biodiversidade e os
conflitos de interesse que se dão a sua volta. Supõe-se que tal problemática,
para ser compreendida em sua extensão e complexidade, deve ser analisada
como parte e expressão de um cenário mais amplo, em que as dinâmicas
científico-tecnológica e ambiental encontram-se entrelaçadas, atuando como
um par no âmbito da geopolítica mundial contemporânea.
De um lado, ciência e tecnologia tornam-se variáveis cada vez mais
estratégicas em todos os níveis da vida econômica, política e social, fazendo
do desenvolvimento científico-tecnológico a grande fronteira a ser
conquistada no século XXI. A propriedade intelectual constitui, por sua
vez, o instrumento que estabelece os limites entre os que detêm
conhecimentos de ponta — e para isso investiram pesadamente, desejando
assim protegê-los e cobrar pelo seu acesso — e os que não detêm esses
conhecimentos, mas reivindicam tratamento diferenciado, em face das suas
ricas reservas de natureza.
Por outro lado, vivencia-se uma crise ambiental sem precedentes na
história da humanidade. Os desafios ambientais hoje colocados acentuam
a percepção sobre a interdependência das diversas partes do planeta,
introduzindo novos ingredientes nas negociações internacionais em torno
de uma estratégia mais “sustentável” de desenvolvimento, particularmente
quanto à facilitação do acesso a recursos financeiros e a tecnologias
ambientalmente saudáveis.
Dentro desse contexto, a desigual distribuição espacial entre reservas
de natureza e de conhecimentos técnico-científicos vem implicando
acirradas disputas, ao mesmo tempo em que também estabelece condições
de barganha entre os atores. O imperativo tecnológico e a politização
da natureza representam assim duas facetas de um mesmo processo, a
partir do qual introduzem-se novos ingredientes no cenário geopolítico
internacional.
Há que se entender, portanto, cada uma dessas dinâmicas e suas
múltiplas interações, de modo a se construir um quadro de referência prévio
a uma análise sobre a dimensão geopolítica da biodiversidade.
O Imperativo Tecnológico
A importância da ciência e da tecnologia no mundo contemporâneo
recoloca em um novo patamar suas relações com as estruturas de poder
vigentes. Por um lado, o progresso científico-tecnológico incorpora-se ao
rol de questões que integram o domínio da esfera pública, sendo nela
institucionalizado e financiado com recursos oriundos da própria sociedade,
sob o suposto de que serve ao bem comum. Por outro lado, ciência e
tecnologia passam a constituir-se em bens mercantis e bens estratégicos, ao
mesmo tempo protegidos e restritivamente tornados disponíveis no mercado
global, privatizados e comercializados pelos grandes agentes econômicos.
Esses dois aspectos são a seguir abordados.
Ciência e Tecnologia como Instrumentos de Poder
A crescente expressão social e econômica da ciência ocorreu a partir
das repercussões da Revolução Científica dos séculos XVI e XVII, a qual,
por sua vez, integra o conjunto de transformações que tinham curso na
28
Europa, desde o século XIV, caracterizando o fim da Idade Média e o
início da Era Moderna. No plano cultural, o Humanismo e o Renascimento
abriram espaço para novas indagações sobre a natureza física. Dos pontos
de vista político e econômico, assistiu-se então a uma verdadeira revolução
comercial e à ascensão das classes burguesas, dando-se também os primeiros
passos para uma integração global, com a intensificação das trocas
internacionais promovida a partir das grandes navegações. Tudo isto iria
estimular o desenvolvimento das ciências e das técnicas, ao mesmo tempo
em que se imprimiria um caráter crescentemente monetário às relações
sociais.
Paralelamente, foi também aí, com a dissolução da estrutura política
feudal e a criação de uma série de Estados na Europa Ocidental, que o
Estado-Nação3 tendeu a tornar-se a forma política moderna dominante,
bem como o sistema inter-Estados o modo de organização das relações
internacionais. Os arranjos relacionados à formação dos Estados modernos
— a separação de jurisdições, o estabelecimento de uma autoridade política
em comunidades territoriais autônomas, a acomodação da diversidade
cultural em fronteiras territorialmente soberanas e, por fim, a sua codificação
através da legislação — representaram o estabelecimento de um sistema de
territorialidade fundada na delimitação de Estados soberanos. Paralelamente
lançaram-se os preceitos do direito internacional que iriam servir de base
para a estruturação das relações internacionais nos moldes modernos.
O desenvolvimento histórico subseqüente iria tornar realidade a
máxima de Francis Bacon de que sciencia et potentia humana in idem coincidunt.
O paradigma técnico-científico a partir daí dominante, calcado no método
empírico-dedutivo como requisito de validação científica da “verdade”,
impôs-se como forma de apreensão e de controle dos fenômenos naturais.
3
De acordo com Smith (1990:5), “o termo nação é usualmente aplicado para um grupo de população,
ou um povo, com certas características unificadoras. Um estado é uma unidade política particular com
delimitação territorial, possuindo soberania no sentido de ser reconhecido por outros e sua autonomia
dentro de certos limites geralmente respeitada. O território de um estado no sentido ‘nacional’ usual
é algumas vezes referido como um país. (...) O conceito de estado-nação expressa identidade entre
um povo e seu espaço geográfico soberano.”
29
O caráter pretensamente nutro da ciência moderna e a centralidade do
conhecimento científico no interior da nova cosmovisão que se funda
constituiriam o fundamento ontológico para o abandono de uma atitude
ético-normativa, em favor de um racionalismo meramente instrumental
com respeito aos processos naturais e sociais.
Foram assim relegadas a segundo plano perguntas do tipo “por quê?”,
privilegiando-se perguntas do tipo “como?”. É portanto "como técnica"
que a ciência torna-se progressivamente elemento-chave dentro do sistema
produtivo e do aparato ideológico, centrando-se na livre instrumentalização
de uma natureza já dessacralizada. A natureza perde, assim, a força prescritiva
que até então exercera sobre a consciência ética e política dos homens,
passando a ser concebida como algo uniforme e quantificável, um simples
fenômeno mecânico. Para muitos, aí está o cerne da presente crise, que não
é apenas ambiental, mas possui dimensões muito mais amplas e profundas
(Leiss, 1974; Bartholo, 1985).
Essa questão tem sido tratada a partir de dois enfoques principais.
Um que considera ser intrínseco aos fundamentos da ciência moderna a
sua função dominadora da natureza4. Outro, que situa a questão não no
conhecimento científico em si, mas no uso que dele se faz, isto é, em suas
aplicações, condicionadas, por sua vez, pela dinâmica dos processos políticos
e sociais5.
Fato é que se estabelece uma progressiva simbiose entre ciência e
poder — do Estado e do mercado — através de uma relação reciprocamente
instrumental, onde expectativas com respeito às aplicações práticas da ciência
serão mantidas em níveis nunca vistos; e, em contrapartida, os produtores
4
Há ainda os que identificam a existência de uma inequívoca co-determinação entre todo tipo de
conhecimento (incluindo a estética, a religião e a metafísica) e o desejo de poder, tal como expresso
no pensamento de Nietzsche, para o qual: “o conhecimento atua como um instrumento de poder
(...) uma espécie apossa-se de uma certa parcela da realidade visando tornar-se dela senhor, visando
colocá-la a seu serviço”. (Friedrich Nietzsche, edited and translated by W.Kaufmann, New York:
Randon House, 1967, apud Leiss, 1974).
5
Desse ponto de vista, Leiss (1974) argumenta: “O conceito de poder (ao menos em seu uso normal)
é, além do mais, inapropriado neste contexto, exceto na medida em que o trabalho da ciência é o prerequisito indispensável para todas as tecnologias avançadas (...). Em conjunto, elas podem ser encaradas
como instrumentos de dominação, mas o objeto real de dominação não é a natureza, mas os homens.”
30
de ciência e de tecnologia irão reivindicar apoio material compatível ao
desempenho do seu novo papel. Como ressaltado por Herrera (1981):
“A atividade científica converte-se cada vez mais em parte integrante
do fazer social, até que em nosso tempo alcança um grau tal de
institucionalização que, pelo menos para os países desenvolvidos,
constitui um dos mais poderosos instrumentos de poder, tanto
político como econômico.”
Os resultados práticos da pesquisa científica começaram a se fazer
sentir de forma mais direta a partir das possibilidades abertas pela primeira
Revolução Industrial, em meados do século XVIII, e posteriormente
aprofundadas com a segunda Revolução Industrial, em fins do século XIX,
provocando o alargamento do interesse nas potenciais aplicações do
conhecimento científico para o progresso material.
Também a partir das últimas décadas do século passado até a Primeira
Guerra Mundial, as então “potências mundiais” (França, Inglaterra,
Alemanha e, posteriormente, os Estados Unidos) assumiram
progressivamente estratégias globais, caracterizando um novo tipo de
imperialismo tipicamente capitalista, não mais simplesmente de conquista
territorial, mas também de disputa e controle de mercados em escala
mundial. Estabeleceu-se ainda uma crescente associação entre o capital
industrial e o capital financeiro, acompanhada da concentração e
centralização desses capitais, bem como da sua desigual distribuição
territorial (Costa, 1992).
Não obstante, ao mesmo tempo em que tomava forma um processo
de expansão das fronteiras econômicas, a segunda metade do século XIX
caracterizou-se também, nas palavras de Hobsbawn (1977), por uma
“afirmação da nacionalidade, ou melhor, de nacionalidades rivais. (...) A
unidade do mundo implicava a sua divisão. O sistema mundial do capitalismo
era uma estrutura de ‘economias nacionais’ rivais.”.
31
No século XX, a ciência finalmente incorpora-se ao funcionamento
cotidiano da sociedade e a cultura científica passa a dominar a matriz
simbólica do Ocidente. A ciência deixa de ser uma instituição social
heterodoxa para desempenhar um papel estratégico como força produtiva
e como mercadoria.
O novo grande marco histórico desse processo ocorre na Segunda
Guerra Mundial, operando-se uma transformação radical nas relações entre
ciência, tecnologia e sociedade. As perspectivas de rápida aplicação do
conhecimento científico propagaram-se da física para todos os campos do
saber: materiais sintéticos foram desenvolvidos para substituir matériasprimas escassas; novas drogas passaram a ser produzidas (como a penicilina);
desenvolveram-se novas técnicas de defesa (por exemplo, o radar).
Estabelecia-se uma vinculação cada vez mais estreita entre desenvolvimento
científico e desenvolvimento tecnológico.
Também aí, consolidou-se plenamente o reconhecimento dos Estados
soberanos, transformados então em um “fenômeno universal inevitável”,
do mesmo modo que se configurou uma “economia-mundo capitalista”,
alcançado o seu caráter global (Wallerstein, 1991).
O sistema internacional passou a estar organizado em torno da
rivalidade/convivência de duas “superpotências” — os Estados Unidos e
a URSS — de dois grandes sistemas econômicos — a economia de mercado
e a economia planificada — e de dois modelos de sociedade — o capitalismo
e o socialismo — e suas respectivas “áreas de influência”. Até os anos 60,
a supremacia econômica dessas duas superpotências manteve-se
incontestável.
O progresso técnico-científico, incluído então formalmente dentre
os objetivos dos Estados através de políticas especialmente dirigidas para
esse fim, passaria a ser orientado por objetivos militarmente estratégicos e
economicamente quantificáveis. A corrida tecnológica, impulsionada inicial
e primordialmente por imperativos bélicos, transformou-se, já na década
de 1960, em fator essencial de competitividade econômica, determinando
em grande medida a posição relativa dos países no cenário internacional.
32
Tinha início a era da big science, exigindo um sofisticado aparato
institucional e instrumental, além de recursos financeiros de larga monta,
para a realização de atividades de pesquisa cada vez mais complexas e
dispendiosas.
Na década de 1970, porém, um novo e instável quadro políticoeconômico começou a despontar, sinalizado pela crise do petróleo,
contrastando com a rápida expansão econômica que se sucedeu à Segunda
Grande Guerra. Não se tratava apenas do início de um longo período de
recessão econômica, mas de uma mudança de caráter estrutural na economia
mundial.
Os Estados Unidos tiveram seu peso político-econômico
contrabalançado com a ascensão do Japão e de outras economias asiáticas
(só a China é hoje considerada o quarto pólo de poder mundial de
desenvolvimento), além da reestruturação da economia européia.O
desmantelamento do bloco soviético, em fins dos anos 80, finalmente
caracterizou a passagem de uma era bipolar para um mundo calcado na
multipolaridade, ou em novos agrupamentos regionais.
Ao mesmo tempo, profundas alterações na base técnico-científica
mundial estavam então em curso, a partir dos países centrais, dando lugar
ao surgimento de novas formas de produção e de sua gestão. Esgotava-se
o paradigma tecno-econômico, gestado nos anos 20 e 30 com o fordismo
e o taylorismo, mas consolidado apenas no pós-Segunda Guerra, cujos
fatores-chave haviam sido o petróleo barato, o uso de materiais intensivos
em energia e a produção em linha de montagem para a fabricação em escala
de produtos idênticos.
O novo paradigma tecno-econômico emergente desde os anos 70
orienta-se para a produção flexível de um conjunto variado e dinâmico de
bens e serviços intensivos em informação, impulsionando e impulsionado
por uma vasta rede de infra-estrutura de telecomunicações. Sua fórmula
ideal é aumentar o conteúdo de informação dos produtos, em relação ao
conteúdo energético e de materiais. Associado à emergência desse novo
paradigma, desenvolve-se um novo conjunto de “tecnologias genéricas”,
33
como a microeletrônica e informática, as modernas biotecnologias e os
novos materiais, caracterizando uma verdadeira revolução científicotecnológica, também conhecida como Terceira Revolução Industrial.
Tal revolução científico-tecnológica compreende um conjunto de
processos, tais como: (a) “cibernetização”, que alcança sua culminação com
os centros de controle manejados por computadores; (b) “quimização”,
onde a matéria-prima é transformada de maneira contínua; (c)
desenvolvimento e uso crescente de processos biotecnológicos, que
implicam a transformação da própria matéria viva. As partículas elementares
das matérias orgânicas e inorgânicas — com as biotecnologias modernas e
os novos materiais — passam a ter utilidade diretamente no processo
industrial.
As repercussões desse processo são múltiplas: socioeconômicas,
transformando os estilos de vida e padrões de consumo, a ética e a cultura,
o processo produtivo e a organização do trabalho; geopolíticas, modificando
o equilíbrio de forças e os termos de intercâmbio internacional; e ambientais,
alterando padrões de consumo de energia e de recursos naturais.
Nesse contexto, ainda, amplia-se o movimento de internacionalização
das economias, com um mercado crescentemente globalizado sob o
comando do capital transnacional. No quadro de acirramento crescente da
competição intra-capitalista, o progresso técnico-científico torna-se um
instrumento fundamental na disputa por novos mercados. As redes
financeiras, mercantis e de informação assumem um caráter estratégico,
sobre as quais os Estados exercem pouco ou nenhum controle, fazendo
com que as fronteiras nacionais assumam novas funções. O acesso e o
controle dessas redes passam a ser estratégicos na vantagem competitiva e
no exercício do poder em todas as escalas geográficas (Becker, 1992).
Propriedade Intelectual e Privatização do Saber
Parte desse processo é o fortalecimento dos princípios de propriedade
intelectual e o endurecimento dos mecanismos de proteção patentária sobre
34
os novos conhecimentos científico-tecnológicos, tendendo-se, desde os anos
de 1980, à padronização das normas de proteção jurídica desses direitos no
plano internacional.
O visto de entrada para a economia globalizada vem, cada vez mais,
impondo o aceite a certos institutos normativos, particularmente uma
legislação de patentes e outras formas de proteção da propriedade intelectual,
que estejam de acordo com os padrões estabelecidos pelos grandes pólos
do poder mundial, geralmente atendendo às necessidades desses atores
globais que, em última instância (embora nem sempre) determinam os
termos que devem reger as relações internacionais.
A estruturação de um sistema moderno de patentes de invenção tem
suas raízes históricas na concessão de privilégios comerciais (individuais e
coletivos), praticada desde o século XII na Europa, aos que introduzissem
novos ramos comerciais ou manufatureiros, novas tecnologias ou novas
mercadorias no território concedente. O sistema de patentes de invenção,
propriamente dito, estabeleceu-se de modo mais estável apenas no século
XV, de início em algumas cidades italianas, como Florença (1421) e Veneza
(1474), antecipando o desenvolvimento de uma emergente economia de
base industrial.
Inaugurava-se, então, uma nova categoria de direitos de propriedade sobre
bens intangíveis, mais tarde batizada de “propriedade intelectual” (Box 2),
instituindo-se novas formas de aquisição da propriedade imaterial, ou seja, direitos
de propriedade sobre as idéias que permitissem a produção e a reprodução de
bens (Barbosa & Arruda, 1990; Cruz, 1996; Varella, 1996).
O Estatuto dos Monopólios, promulgado em 1623 na Inglaterra, é
considerado a Carta Magna dos modernos sistemas de patentes. Desde
então, diversas leis e regulamentações de patentes consideradas “modernas”
foram elaboradas em diferentes países6: nos Estados Unidos (1790), na
França (1791), na Alemanha (Baviera, 1825) e no Japão (1871).
6
Também a primeira iniciativa para proteger inventos e inventores no Brasil, ocorrida em 1808, foi
inspirada no Estatuto dos Monopólios.
35
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Box 2
Box 2
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Propriedade intelectual, genericamente, “se refere a toda espécie de
propriedade que se origine ou provenha de qualquer concepção ou produto
da inteligência, para exprimir um conjunto de direitos, que competem ao
intelectual (escritor, artista ou inventor) como autor da obra imaginada,
elaborada ou inventada”. (De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico, vol.
III. Ed. Forense, p. 1244 apud Santos (1996) ).
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Já o termo propriedade industrial costuma ser utilizado para designar: “o
segmento da propriedade intelectual relacionado diretamente à indústria
de transformação e ao comércio, como os direitos relativos a marcas e
patentes” (Barbosa & Arruda, 1990:13)
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PROPRIEDADE INTELECTUAL
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A primeira Convenção Internacional de Proteção à Propriedade
Industrial, a “Convenção de Paris”, promulgada em 1883 (sua última revisão
data de 1967), foi um dos pilares da institucionalização da proteção
internacional da propriedade intelectual, seguida da Convenção de Berna
para a Proteção dos Trabalhos Artísticos e Literários de 1886 (sua última
revisão data de 1971). Já na segunda metade do presente século, foi
estabelecida a Organização Mundial da Propriedade Industrial (OMPI, em
inglês WIPO, 1967), sucessora dos Escritórios Internacionais Reunidos para
a Proteção da Propriedade Intelectual (sigla em francês BIRPI), a qual obteve
estatuto de organismo especializado das Nações Unidas em 1974.
Uma das motivações para o atual revigoramento do princípio de
propriedade intelectual, em âmbito mundial, é creditada a esforços unilaterais
dos Estados Unidos nessa direção, ante sua perda de competitividade
internacional vis-à-vis outras economias emergentes, particularmente as
asiáticas, que teriam recorrido, em boa medida, à adaptação ou cópia de
tecnologias do exterior (incluindo a “engenharia reversa”), em especial
aquelas desenvolvidas pelos norte-americanos. É claro que o sucesso
econômico dos países do Sudeste Asiático é devido a fatores mais amplos,
36
historicamente construídos, tais como: o investimento acumulado em
educação, ciência e tecnologia; o alto nível das poupanças nacionais; a
existência de sistemas políticos fortes e promotores do crescimento
econômico; além de políticas favorecedoras da exportação — não de
commodities, mas de produtos de maior valor agregado.
Os crescentes déficits comerciais da economia norte-americana, a partir
da década de 1970, levaram os Estados Unidos a buscarem reter sua posição
de vantagem tecnológica e econômica no plano internacional. A partir daí,
gerou-se, naquele país, um “surto patrimonialista” sobre as tecnologias ali
desenvolvidas, o qual se fez impor ao ambiente internacional através de
sanções definidas interna e unilateralmente, bem como através de pressões
sobre as negociações multilaterais (Barbosa & Arruda, 1990). Expressão
disso foi sua Lei Global de Comércio e de Competitividade de 1988,
conhecida como Super 301, ampliando os dispositivos contidos na seção
301 da já revista Lei de Comércio norte-americana de 1974, com base na
qual seriam impostas sanções comerciais aos países que não dispusessem
de legislação de proteção à propriedade intelectual, considerada compatível
com os interesses econômicos dos norte-americanos.
Uma outra motivação para o fortalecimento dos mecanismos de
proteção da propriedade intelectual vincula-se à já comentada importância
estratégica que a variável tecnológica assume nos novos padrões de
competitividade econômica introduzidos pelo paradigma tecno-econômico
emergente a partir da Terceira Revolução Industrial, tornando assim
imperativa uma maior proteção aos conhecimentos científico-tecnológicos
incorporados aos novos produtos e processos a partir daí gerados.
Finalmente, cabe assinalar que esses fatores inserem-se em um quadro
de crescente oligopolização da economia mundial, restringindo cada vez
mais a cooperação técnico-científica a um intercâmbio de informações entre
os grandes grupos líderes dos vários segmentos econômico-produtivos.
Nesse contexto inscreve-se o estabelecimento do Acordo sobre
Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (mais
37
conhecido pela sigla em inglês TRIPs7), no âmbito da Rodada Uruguai do
Acordo Geral de Comércio e Tarifas (mais conhecido pela sigla em inglês,
GATT8), hoje Organização Mundial do Comércio (OMC, sigla em inglês
WTO9) (Box 3), introduzindo-se também neste fórum o tema da
propriedade intelectual, a partir basicamente da pressão dos Estados Unidos
e com o apoio dos demais países desenvolvidos. O Acordo TRIPs adota
como princípio geral o patenteamento de todo novo produto e processo,
bem como seu reconhecimento indistintamente em qualquer dos países
signatários.
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Box3 3
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A Organização Mundial do Comércio foi estabelecida em 1º de janeiro de
1995 como sucessora do GATT (1947), passando a constituir-se no principal
organismo regulador multilateral do sistema global de comércio. Ela
incorpora os resultados da última rodada de negociações das partes
contratantes do GATT (Rodada Uruguai), realizada entre 1986 e 1994 (o
Ato Final Preliminar da Rodada Uruguai do GATT foi concluído em
dezembro de 1991, enquanto que o texto final dos Acordos estabelecendo
a OMC foi adotado em abril de 1994). Em dezembro de 1996, 128 países
eram membros da OMC, enquanto que 28 estavam em processo de ingresso.
A autoridade mais elevada da OMC é a Conferência Ministerial que se
realiza a cada dois anos, sendo o trabalho diário realizado por uma série de
organismos subsidiários, principalmente o Conselho Geral. O Acordo TRIPs
faz parte dos Acordos Estabelecendo a Organização Mundial do Comércio.
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ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO
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Ao deslocar o centro decisório sobre as regulações internacionais
relativas à propriedade intelectual para o âmbito do GATT, pretendeu-se
criar padrões minímos na regulamentação jurídica de proteção patentária
dos diversos países, diferentemente da Convenção de Paris, que facultava
7
Trade-Related Intellectual Property Rights
General Agreement on Tariffs and Trade.
9
World Trade Organisation.
8
38
aos países signatários adotar internamente suas orientações do modo que
julgassem mais apropriado.
Para os críticos do Acordo TRIPs, tratou-se, na verdade, de
condicionar uma maior liberalização do comércio internacional ao
estabelecimento de mecanismos de propriedade intelectual mais restritivos
nos países em desenvolvimento, uniformizando-os em consonância com
os padrões dos países tecnologicamente mais avançados. A intenção dos
países desenvolvidos seria ainda relativizar o espaço obtido pelos países
em desenvolvimento no âmbito da OMPI, bem como anular os possíveis
reflexos, sobre o regime internacional de propriedade intelectual, dos debates
travados, na década anterior, na Conferência sobre Comércio e
Desenvolvimento das Nações Unidas (sigla em inglês UNCTAD10), no
sentido de estabelecer uma ordem internacional mais favorável aos países
periféricos.
Desse ponto de vista, a uniformização da jurisprudência sobre
propriedade intelectual, ao mesmo tempo em que padroniza as condições
de acesso à tecnologia, contribui também, nas palavras de Barbosa & Arruda
(op. cit..) para “cristalizar e manter uma situação de absoluta desigualdade
na divisão do patrimônio informacional agregado do mundo”.
Por outro lado, os próprios fundamentos conceituais do atual sistema
de propriedade intelectual vêm sendo considerados inadequados em vários
aspectos, a seguir comentados.
Desde a sua origem, o sistema de propriedade sobre inovações e
invenções teve como categorias normativas básicas, ou como requisitos
obrigatórios para a concessão de proteção legal patentária (Cruz, 1996): (a)
a novidade, ou seja, a invenção não deve fazer parte do “estado da técnica11”;
(b) a aplicação industrial, isto é, o objeto da invenção deve ser produzido
10
United Nations Conference on Trade and Development.
11
Em relação à propriedade industrial, o estado da técnica pode ser definido por: limites territoriais
(a novidade é verificada apenas em relação ao território do país concedente); limites temporais
(consideram-se apenas patentes publicadas após determinada data); tipo de informação (varia de
acordo com cada legislação) (Cruz, 1996).
39
para consumo ou utilizado no sistema produtivo; e (c) a descrição plena,
quer dizer, deve ser feita uma descrição detalhada do objeto, dos métodos
e construção, bem como dos efeitos da invenção, permitindo assim sua
“reprodutibilidade” e “repetitibilidade”. Este é um requisito importante
do regime de patentes, pois é ele que possibilita divulgar informações e
difundir tecnologia, formando um estoque tecnológico disponível para a
sociedade, em contrapartida à concessão de monopólio temporário ao
inventor sobre seu invento.
Aos poucos, um quarto requisito agregou-se aos demais, de modo a
não deixar dúvidas sobre o aspecto da novidade: o da atividade inventiva,
quer dizer, a não obviedade da invenção, considerando o estado da técnica.
Buscou-se assim estabelecer um sistema de proteção claro (isto é, “patente”)
à propriedade da invenção. A patente12 é concedida por um período limitado,
geralmente entre 15 e 20 anos, supondo-se a difusão pública das informações
sobre o invento.
Além de patentes, boa parte dos sistemas de propriedade intelectual
abrange também: direitos dos melhoristas, segredos comerciais, copyrights e
marcas. Outras categorias começam a surgir, como a proteção ao design de
circuitos integrados. Todas essas categorias de proteção estão previstas no
acordo TRIPs.
Esse arcabouço teórico-normativo do sistema tradicional de patentes
vem sofrendo um conjunto de questionamentos13, diante das transformações
científicas e tecnológicas ocorridas desde o século passado —
particularmente na biologia, na química orgânica, na engenharia elétrica e
eletrônica — que se estenderam e aprofundaram no presente século, com
a microeletrônica, a química fina, a engenharia de sistemas e a engenharia
genética, dentre outras.
12
“Uma patente, na sua formulação clássica, é um direito, conferido pelo Estado, que dá ao seu
titular a exclusividade da exploração de uma tecnologia. Como contrapartida pelo acesso do público
ao conhecimento dos pontos essenciais do invento, a lei dá ao titular da patente um direito limitado
no tempo, no pressuposto de que em tais condições é socialmente mais produtiva a troca de
exclusividade de fato (a do segredo da tecnologia) pela exclusividade temporária de direito.” (Barbosa
& Arruda, 1990).
13
Esses argumentos são extensa e eruditamente desenvolvidos por Cruz (1996).
40
Desse ponto de vista, os princípios de novidade, inventividade,
aplicação industrial e plena descrição vêm mostrando-se limitados ou
superados diante dos novos atributos — complexidade, interdependência
e justaposição, intangibilidade e imaterialidade — que caracterizam os
objetos técnico-científicos na atualidade (as chamadas “criações industriais
abstratas”), bem como diante da interpenetração e do caráter
semiconservativo dos conhecimentos neles incorporados. A dificuldade
crescente de se aplicarem critérios de novidade e de inventividade aos
pedidos de patente, por exemplo, tende a dar lugar ao uso cada vez mais
freqüente do critério de originalidade. Do mesmo modo, tende a ser
reinterpretado o requisito da aplicação industrial, ante o papel estratégico
dos bens intangíveis no âmbito de economias cada vez mais
“desindustrializadas”.
Um outro conjunto de questionamentos, de caráter mais político,
diz respeito ao papel do atual sistema de propriedade intelectual como
promotor do avanço do conhecimento técnico-científico, bem como de
um maior fluxo de informações científicas e tecnológicas, em termos
quantitativos e qualitativos. A noção de que o monopólio legal, através da
patente, contribui para aumentar a difusão de conhecimentos vem cedendo
lugar à antiga idéia do direito natural à proteção patentária, qual seja, a “de
que o simples fato de investir em pesquisas e pôr à disposição do público
os resultados justifica a patente” (Barbosa & Arruda, 1990:22). Isto tem
implicado a crescente proteção de direitos proprietários sobre as tecnologias
— ou seja, maior privatização e monopolização desses conhecimentos —
e menos ênfase na sua difusão pública, restringindo o acesso a tecnologias
externas, e mesmo a difusão da ciência básica.
A desestruturação do alicerce conceitual que informa o atual sistema
de propriedade intelectual não tem levado, entretanto, a modificações no
arcabouço institucional onde se determinam as regras para o seu
funcionamento. Ao contrário, progressivamente ampliam-se a abrangência
e o escopo da proteção, além de multiplicarem-se os depósitos de patentes.
Os impactos desse fortalecimento do regime de propriedade
intelectual sobre os países em desenvolvimento vêm sendo avaliados sob
41
dois grandes ângulos: (a) o que considera que, deste modo, se irá estimular
a inovação tecnológica localmente, bem como promover condições mais
favoráveis ao investimento externo e à transferência de tecnologias; e (b) o
que, ao contrário, supõe que se imporão condições mais restritivas ao acesso
à tecnologia por esses países, bem como se elevarão os preços dos produtos
e processos tecnológicos sob proteção. Na prática, esse quadro parece ser
naturalmente desvantajoso para países em desenvolvimento que são claros
importadores de tecnologia.
Paralelamente, começam a aflorar, ainda que de forma tênue,
manifestações no sentido inverso à tendência até então prevalecente. Por
um lado, pela mobilização de alguns segmentos e de alguns países em favor
de uma ordem internacional mais eqüitativa, pressupondo aí novos termos
de acesso e de intercâmbio científico-tecnológico. Por outro lado, pelas
contradições engendradas a partir do padrão de desenvolvimento até então
hegemônico, no qual “o potencial produtivo e o potencial destrutivo são
duas dimensões de uma mesma realidade” (Bartholo, 1987). Nos dois
aspectos, a presente crise ambiental constitui um fator fundamental de
mudança, como se discutirá adiante.
A Politização da Natureza
A expansão econômica verificada após a Segunda Guerra Mundial
acentuou consideravelmente a pressão sobre os recursos naturais mundiais,
ao não se fazer acompanhar de preocupações e precauções quanto aos
desequilíbrios e impactos gerados nos sistemas naturais e sociais.
O reconhecimento desse processo fez com que a temática ambiental
fosse paulatinamente introduzida na agenda política internacional,
mobilizando distintos grupos de interesse, ao mesmo tempo que impunha
a necessidade de novas formas de “governabilidade global14” para lidar
14
O termo aqui é usado na acepção da constituição de um sistema institucional inter e transnacional
destinado a “gerir os problemas da sociedade planetária” (Viola, 1997), tornando-a portanto mais
“governável” ou estável. Este termo vem sendo diferenciado do de “governança”, que se relaciona com
aspectos que “guardam uma relação mais direta com o bom ou o mau governo” (Leroy et al, 1997).
42
com os desafios colocados por essa questão. Conflitos, negociações e
soluções de compromisso constituem assim os ingredientes do atual
processo de politização da natureza, como se verá a seguir.
Conflitos Geopolíticos sobre a Questão Ambiental
Desde meados do século passado, ocorreram iniciativas de âmbito
internacional, visando promover ações coordenadas e estabelecer um
aparato legal para a proteção da natureza, caracterizando assim uma primeira
fase de existência de uma agenda internacional (mínima) na área ambiental.
Mas, apenas a partir da Segunda Guerra Mundial, passou a existir um esforço
mais sistemático e abrangente nessa direção, expresso particularmente
através da ação de organismos estabelecidos sob o Sistema das Nações
Unidas, e também através de iniciativas da União Internacional para a
Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (UICN, em inglês
IUCN15), então criada.
A consciência a respeito da questão ambiental ampliou-se nos anos
60, intensificando-se a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente Humano (Estocolmo, 1972), onde se reconheceu seu caráter
global. A partir daí, aprofundou-se consideravelmente o conhecimento
científico acerca dos problemas ambientais, bem como expandiu-se a
percepção dos impactos socioeconômicos por eles causados e mesmo da
possibilidade de ameaça à perpetuação da vida no planeta.
A proteção de espécies selvagens ameaçadas e de seus habitats, dos
oceanos, da atmosfera, dos ambiente polares e do espaço sideral, além de
medidas preventivas e mitigadoras dos efeitos transfronteiriços da poluição
15
International Union for Conservation of Nature and Natural Resources. A UICN é um organismo
internacional independente, fundado em 1948, com sede na Suíça, que coopera com as Nações
Unidas e com outras agências internacionais. Tem como missão promover medidas de conservação
da natureza, a partir de uma base científica, sendo composta de organizações não-governamentais,
agências governamentais e representações de 123 países, contando ainda com contribuições de mais
de cinco mil voluntários.
43
nuclear e industrial e do transporte de resíduos perigosos, foram, desde
então, objeto de regulamentação internacional, proliferando diferentes
instrumentos internacionais para a proteção do meio ambiente planetário,
especialmente através de uma série de tratados e convenções16. Expressavase assim o esforço de garantir condições de governabilidade global sobre
as questões relacionadas ao meio ambiente, consubstanciando-se um
emergente direito internacional nessa área.
No entanto, as negociações internacionais na área ambiental
permaneceram por um longo tempo — e, pode-se dizer, mantêm-se ainda
hoje — relegadas à posição de low politics, ou seja, consideradas de
importância menor e dissociadas de temas vistos como estratégicos, como
segurança, comércio internacional e transferência de tecnologias (Porter &
Brown, 1991).
Apenas na década de 1980 esse quadro começou a alterar-se,
coincidindo com a emergência de uma nova categoria de questões
ambientais globais, definidas como questões cujas conseqüências são
globais, ou cujos atores transcendem uma única região (Porter & Brown,
1991), dentre as quais destacam-se hoje: a perda da camada de ozônio, a
mudança climática e o efeito estufa, a destruição das florestas e a diminuição
da biodiversidade. Percebida como um problema transfronteiras, cujo
enfrentamento definiria o próprio destino da Humanidade, o
reconhecimento da extensão e intensidade da crise ambiental começou a
gestar uma nova mentalidade, “uma visão da biosfera como espaço comum
para todos os seus habitantes” (Viola e Leis, 1991).
A questão ambiental deixou de ser vista como problema restrito ao
meio técnico-científico, abrindo espaço na agenda política dos países, tanto
internamente, quanto nas negociações por eles travadas na arena
internacional. Os temas relativos ao meio ambiente passaram a ser objeto
de atenção e debate por parte da mídia, de empresas, governos, organizações
16
Citando dados de 1992, Alencar (1995) registra a formalização de cerca de 1.000 desses instrumentos,
desde a década de 1970, incluindo 150 tratados de maior expressão.
44
e organismos internacionais e multilaterais originalmente não dedicados à
temática ambiental (como o Banco Mundial, o Fundo Monetário
Internacional, o GATT, o Grupo dos Sete, a Organização para Cooperação
e Desenvolvimento Econômico — OCDE), de entidades da sociedade
civil organizada e da opinião pública em geral.
Lançou-se, nesse contexto, a proposição de um “novo” estilo de
desenvolvimento, denominado em Estocolmo de “ecodesenvolvimento17”,
e posteriormente batizado de desenvolvimento sustentável. A tese do
desenvolvimento sustentável ganhou projeção sobretudo a partir do
Relatório Brundtland (1987), sendo finalmente consagrada, em 1992, na
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(CNUMAD, em inglês UNCED, também conhecida no Brasil como Rio92), que reuniu um dos maiores números de Chefes de Estado dos últimos
tempos e consolidou a incorporação da questão ambiental ao elenco de
temas que compõem a agenda de negociações internacionais.
De Estocolmo ao Rio, o tratamento da questão ambiental sofreu
algumas modificações significativas, tal como assinalado por Guimarães
(1992). Ainda que em Estocolmo já estivessem em pauta as relações entre
desenvolvimento e meio ambiente, foram ao final privilegiadas soluções
técnicas para os problemas ambientais, atribuídos em grande parte à rápida
industrialização e à explosão demográfica e urbana dos países em
desenvolvimento, de acordo com uma abordagem eminentemente
“primeiro-mundista”. Apenas vinte anos após, na Conferência do Rio,
afirmou-se o reconhecimento de que a superação da atual crise ambiental
estaria intrinsecamente vinculada à revisão dos estilos de desenvolvimento
socioeconômico dominantes, abrindo-se algum espaço, ainda que sob fortes
conflitos e difíceis negociações, aos pontos de vista dos países “periféricos”
17
O ecodesenvolvimento foi lançado em Founex, Suíça, em 1971, em reunião preparatória da
Conferência de Estocolmo. Muitos consideram que este conceito não é simples sinônimo de
desenvolvimento sustentável, mas dele distingue-se, na medida em que enfatiza a necessidade de um
“teto de consumo material”, enquanto que o desenvolvimento sustentável prefere considerar um
“piso de consumo material” (Layargues, 1997).
45
ou do Sul com respeito à problemática ambiental. Note-se, por outro lado,
que alguns dos próprios países em desenvolvimento, como o Brasil,
modificaram sensivelmente, nesse período, suas posições internacionais a
respeito da questão ambiental, antes taxativamente rejeitada como um
entrave a suas pretensões desenvolvimentistas18.
Embora com uma definição pouco precisa, a proposição do
desenvolvimento sustentável colocou em discussão a necessidade de uma
nova racionalidade no processo de desenvolvimento, baseada em novos
modos de exploração dos recursos naturais, de novos critérios de
investimento e de um outro padrão técnico-científico. O parâmetro central
deveria ser o atendimento das necessidades das gerações presentes, sem
comprometer as das gerações futuras. Além disso, estaria suposto o
estabelecimento de uma “nova ordem internacional”.
No entanto, o desenvolvimento sustentável está longe de ser um
conceito homogêneo ou uma estratégia consensual, identificando-se duas
grandes vertentes interpretativas a esse respeito. Na visão ainda dominante,
desenvolvimento é visto como sinônimo de crescimento econômico,
enquanto que sustentabilidade refere-se centralmente à sustentabilidade
ecológica da atividade econômica, através de tecnologias de baixo impacto
ambiental. Em uma concepção alternativa, no entanto, desenvolvimento
supõe maior eqüidade social, com a diminuição da pobreza e a melhor
distribuição da renda, enquanto que sustentabilidade não se reduz a uma
categoria econômica ou ecológica, mas envolve a interdependência entre
as dimensões ambiental, político-institucional e sociocultural, exigindo,
portanto, transformações muito mais profundas nos padrões atuais.
Do mesmo modo, ainda que abrigada sob a tese do desenvolvimento
sustentável — em torno da qual estariam definidos os termos para o
estabelecimento de um compromisso político global, a questão ambiental
permanece um ponto de disputa entre diferentes atores, segmentos e países.
18
Viola (1995) ressalta que, no Brasil, essa modificação ocorreu apesar do Itamaraty, que se manteve
arraigado à posição que opunha uma perspectiva nacionalista ao reconhecimento, junto à comunidade
internacional, dos sérios problemas ambientais brasileiros.
46
No centro dessa disputa está a polêmica sobre a atribuição de
responsabilidades pelos danos ao meio ambiente do planeta, bem como
pelos ônus de sua proteção.
Enquanto os países desenvolvidos (tomando-se mais especificamente
os países da OCDE) detêm apenas 16% da população mundial e 24% do
território do planeta, eles também representam 72% do Produto Bruto
Global, 73% do comércio internacional e 50% do consumo energético do
mundo. O consumo per capita desses países é de 3 a 8 vezes maior em
produtos de primeira necessidade, e 20 vezes ou mais em itens mais
sofisticados, como produtos químicos e veículos. Ao mesmo tempo, eles
são também responsáveis por cerca de 45% das emissões totais de carbono,
40% das de enxofre, 50% das de nitrogênio e 60% dos rejeitos industriais
do planeta.
Para os países “em desenvolvimento”, portanto, cabe às nações mais
abastadas reverem seus atuais padrões de consumo e proporcionarem os
meios necessários à promoção de um desenvolvimento sustentável pelos
países do Sul. Os países de desenvolvimento “avançado”, ao contrário,
consideram que cabe aos demais limitarem suas estratégias de crescimento
de forma a pouparem o meio ambiente global. Essa polarização ficou
bastante explícita nas negociações que precederam os acordos firmados na
Rio-92 para a proteção da camada de ozônio, para o controle sobre a
mudança climática e para a proteção da biodiversidade.
Se não se caracterizam propriamente como dois blocos, esses dois
pólos, representados e delimitados espacialmente (ainda que de forma
esquemática) pelo “Norte” e pelo “Sul”, hoje expressam dois conjuntos de
forças que sustentam pontos de vista em sua maior parte divergentes no
encaminhamento das grandes questões que ocupam a agenda internacional
(Box 4). Sendo assim, a direção que se imprimirá às negociações
internacionais em curso não apenas terá impactos importantes sobre essas
relações, como também tais negociações serão certamente por elas
influenciadas.
47
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Box 4
Box 4
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A partir da criação de uma série de novos Estados nos continentes africano e
asiático, como resultado do processo de descolonização, e a consolidação de
ideários nacionalistas e desenvolvimentistas nos países latino-americanos, a
partir dos anos 50, caracterizara-se a existência de um conjunto, ainda que
heterogêneo, de países que passariam a perceberem-se e a serem percebidos
como um novo pólo de interesses e de intervenção no cenário internacional.
Um marco desse processo foi a Conferência de Bandung (Indonésia, 1955),
que reuniu países afro-asiáticos recém-emancipados do domínio colonial.
Em 1961, foi criado em Belgrado o Movimento dos Não-Alinhados,
congregando 25 Estados, o qual progressivamente deixou de ter como foco
político principal a liberação das colônias remanescentes, para centrar-se no
problema das desigualdades econômicas, originando-se assim, em 1963, o
“Grupo dos 77”.
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Desde a década de 1950, várias categorizações foram utilizadas para retratar
as disparidades entre grupos de países. A partir de uma visão mais “etapista”,
cunharam-se as expressões desenvolvidos e subdesenvolvidos, posteriormente
“promovidos” a países “em desenvolvimento”; enquanto que uma abordagem
mais preocupada com as nuances político-ideológicas, ao mesmo tempo que
hierarquizando o peso relativo dos grupos de países no cenário internacional,
optou pelas noções de Primeiro, Segundo e Terceiro Mundos. Formulada e
popularizada na América Latina, a teoria de dependência (A.G.Frank, Falleto
e F.H.Cardoso) trabalhou com a oposição binária entre “centro” e “periferia”,
à qual Wallerstein (1979) agregou o conceito de “semiperiferia”, de modo a
incorporar aqueles países onde coexistem elementos de economias centrais e
de economias periféricas. Aí estaria implícita uma divisão espacial hierárquica
do trabalho em escala internacional.
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A partir da crise do petróleo (1973), desencadeou-se o que se iria caracterizar
como um conflito Norte-Sul, que iria projetar-se somente nos anos 80,
particularmente com as repercussões geradas pela publicação do relatório da
Comissão Brandt (North-South: A Programme for Survival, 1980). Há quem
considere artificial a divisão entre o Norte mais desenvolvido e o Sul menos
desenvolvido. No entanto, a maior parte — embora não exclusivamente, nem
unicamente — das populações economicamente desprovidas do mundo vive
no hemisfério sul: na Ásia Meridional, onde se encontram 30% da população
do “Terceiro Mundo”, que correspondem à metade dos pobres dos países
“em desenvolvimento”; a América Latina e o Caribe que congregam 12% da
população do “Terceiro Mundo”, e 7% dos pobres desses países; a África
Sub-saariana, que conta com 12% da população do “Terceiro Mundo” e 16%
dos pobres desses países (Cordellier; Lapautre, 1993). Por outro lado, alguns
autores chegam a identificar cinco tipos de países em desenvolvimento,
distribuídos nos continentes asiático, africano e latino-americano.
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OS VÁRIOS MUNDOS
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A partir do tema ambiental, revitaliza-se o debate sobre o fluxo e a
distribuição de riqueza, poder e tecnologias entre esses dois grandes blocos
de países, ao mesmo tempo em que se impõem novas condicionalidades
nos termos que regem essas relações. Aí está o cerne das interações entre
o imperativo tecnológico, a politização da natureza e a geopolítica
contemporânea.
De um lado, a partir de fins da década de 1980, a variável ambiental
vem introduzindo novos termos e parâmetros no comércio internacional,
por pressões seja do movimento ambientalista, seja de setores exportadores
dos países centrais, que viram seus interesses afetados ante o fato de que o
aumento das restrições ambientais em seus países (e dos custos daí
resultantes) não foi acompanhado do aumento de restrições similares em
outros países em desenvolvimento concorrentes com seus produtos.
Nesse contexto, os países centrais, onde o controle ambiental é mais
rigoroso, passam a pressionar no sentido de inserir essa variável nos padrões
de competitividade internacional, considerando todo o ciclo do produto
(produção, uso e descarte), por considerarem que os países em
desenvolvimento beneficiam-se do que consideram dumping ambiental.
Tornam-se assim cada vez mais presentes restrições e barreiras de processo
e de produto, como instrumentos para inibir ou restringir a penetração no
mercado mundial de produtos cujo processo de fabricação ou cuja utilização
e descarte sejam considerados de alto impacto ambiental pelo país
importador. Paralelamente, estabelecem-se condicionantes cada vez mais
restritos nos empréstimos externos, novas imposições no comércio
internacional e o fechamento de mercados. Nessa direção atuam o peso
econômico e a força política dos países centrais, cujos interesses encontramse bastante bem representados nas agências de financiamento e nas
instituições que regulam as relações internacionais (Porter e Brown, 1991;
Anderson e Blackhurst, 1992; Hoekman e Leidy, 1992; Motta, 1993).
Os países em desenvolvimento, por sua vez, reivindicam que os países
centrais reduzam as barreiras comerciais ainda existentes para produtos
49
com forte base de recursos naturais, que sofreram algum tipo de
beneficiamento em seu país de origem (como no caso da madeira, cuja
exportação em tora é incentivada, enquanto a exportação em pranchas é
sobretaxada pelos importadores).
Desponta assim uma série de conflitos comerciais por motivos
ambientais19, fazendo com esse tema tenha sido levado à discussão no âmbito
do GATT. A Rodada Uruguai não chegou a uma conclusão a esse respeito,
sendo a questão repassada para o Comitê de Comércio e Meio Ambiente
(sigla em inglês, CTE20) da Organização Mundial do Comércio, cuja primeira
reunião ocorreu em fevereiro de 1995, e onde se perpetuam os conflitos de
interesse Norte-Sul.
Por outro lado, acredita-se que a questão ambiental poderá contribuir
para evidenciar as desigualdades e fragilidades do sistema internacional
(Viola e Leis, op. cit.) e até para abrir espaço para um crescente peso político
do Sul (McNeill, 1992). A nova onda de preocupações ambientais poderia
possibilitar aos países periféricos exercer maior pressão pelo acesso, em
termos “preferenciais e não comerciais”, a tecnologias geradas nos países
centrais, como condição não somente para proteger, mas também para
explorar seus próprios recursos. Este seria um dos pontos decisivos de
barganha política internacional (Gallopín, 1988).
Dessa ótica, a globalidade dos problemas ambientais, se passou a
constituir uma nova ameaça à soberania dos países econômica e
politicamente mais vulneráveis no que diz respeito à preservação e à gestão
de seus ecossistemas, também lhes abriu novos espaços e oportunidades
para reivindicarem um tratamento diferenciado nas relações internacionais,
particularmente no que diz respeito ao acesso a recursos financeiros e à
tecnologia.
19
Um marco foi o contencioso estabelecido entre os Estados Unidos e o México, quando os primeiros
embargaram a importação de atum proveniente do segundo, alegando que a pesca de atum mexicana
era realizada de forma predatória aos golfinhos, por sua vez protegidos por uma lei norte-americana.
20
O organismo que antecedeu o CTE foi o Grupo de Medidas Ambientais e Comércio Internacional
(sigla em inglês EMIT), criado em 1971, cuja existência foi efêmera.
50
Meio Ambiente e Governabilidade Global
A fragmentação do sistema político internacional e a ausência de
instrumentos adequados à governabilidade global são por muitos
consideradas uns dos maiores entraves ao enfrentamento dos problemas
relacionados ao meio ambiente (Hurrel e Kingsbury, 1992). Através do
estabelecimento de “regimes globais”, definidos por Porter e Brown
(1991:20) como sistemas “de normas e regras que são especificadas por
um instrumento multilateral legal entre Estados para regular ações nacionais
numa dada questão”, vem-se buscando construir a governabilidade sobre
o meio ambiente planetário. Ao mesmo tempo, a definição e a
implementação desses regimes ambientais globais vêm catalisando boa parte
dos conflitos internacionais em torno da questão ambiental.
Porter e Brown (op. cit.) visualizam três grandes cenários alternativos
para a construção de um ordenamento político-institucional, em âmbito
mundial, nesse campo:
a) a continuidade de mudanças incrementais na diplomacia global,
tal como já vem ocorrendo nas duas últimas décadas, supondo-se serem
possíveis avanços significativos nas questões relacionadas ao meio ambiente,
dentro do quadro político-institucional e econômico hoje vigente.
b) a concretização de um novo padrão de parceria Norte-Sul, em
torno de uma estratégia de desenvolvimento sustentável, a partir de uma
“barganha global” envolvendo cooperação econômica e tecno-científica e
preservação ambiental, o que suporia, no entanto, mudanças significativas
no atual sistema político-econômico internacional.
c) a criação de novas instituições para uma administração ambiental
global, superpondo-se ao poder dos Estados individuais, de modo a viabilizar
o cumprimento de fato dos acordos ambientais internacionais.
Os autores concluem que a segunda alternativa (parceria global)
poderia trazer avanços qualitativamente novos para a cooperação em meio
ambiente, mas consideram a sua concretização praticamente impossível,
devido à ausência de vontade política para se enfrentarem os problemas
51
estruturais das relações Norte-Sul. A terceira alternativa, de uma
administração ambiental global, encontra ainda menor receptividade em
face da resistência nos dois blocos de países em abrir mão de suas soberanias.
Desse modo, para eles, “a abordagem incremental, sem requerer nenhuma
mudança política dramática, é obviamente a que mais provavelmente será
buscada.” (Porter e Brown, 1991:156).
Nesse contexto, embora seja cada vez mais importante o papel de
outros atores, como as organizações não-governamentais (ONGs), as
empresas e a opinião pública em geral, acredita-se que os Estados deverão
desempenhar papel proeminente, na área ambiental: (a) na definição de
instrumentos legais internacionais, (b) nas negociações multilaterais e (c )
na influência que exercem através de seus programas de ajuda bilateral e de
doações para bancos multilaterais.
Por outro lado, no atual contexto de globalização e demais
transformações associadas, o papel do Estado-Nação vem sendo objeto de
questionamentos. A esse respeito, fazem-se alguns comentários de ordem
geral.
Duas principais visões têm-se confrontado quanto ao papel do
Estado.Uma que considera que ele deixou de ser o principal protagonista
das arenas política e econômica (por exemplo, Attali, 1991). Outra que
questiona a existência de um real enfraquecimento do Estado, acreditando
que este esteja vivendo um processo de revisão de seu papel (por exemplo,
Thomson e Krasner, 1990; Walker, 1990).
De acordo com o primeiro ponto de vista, a capacidade dos Estados
em exercer, ou ao menos manter a centralidade de sua autoridade, vem
sendo posta em xeque ante a emergência de novas práticas políticas que
não passam necessariamente pelos aparatos estatais; e ante o fato de que
muitas de suas funções vêm sendo assumidas por atores que se superpõem
aos Estados tomados individualmente, por exemplo, as organizações
multilaterais e as corporações transnacionais. Paralelamente, como já
assinalado, despontam novos atores, especialmente as ONGs, que procuram
atuar como porta-vozes dos interesses da sociedade civil em geral,
52
articulando-se também internacionalmente. Estaríamos desse modo
tendendo para um mundo transnacional ou supranacional.
Argumenta-se, desse ponto de vista que, à medida que o mundo
torna-se crescentemente internacionalizado, fortalece-se o papel dos
aparatos multilaterais reguladores. Cabe-lhes administrar e normatizar as
relações internacionais, ora mediando conflitos, ora impondo-lhes soluções,
freqüentemente porém em acordo com os interesses das partes de maior
poder político e econômico, que, não por coincidência, são aqueles que
mais contribuem material e financeiramente para a sua manutenção.
A criação da Organização das Nações Unidas, em 1946, é um marco
desse processo, representando, em um primeiro momento, o esforço de
manutenção da paz e da segurança mundial diante do temor da extensão e
da violência de novas guerras. Como já assinalado, foi no âmbito do sistema
de organismos a ela vinculados, que ocorreram os esforços mais sistemáticos
e as iniciativas mais abrangentes de se constituir um aparato institucional
para lidar com os problemas ambientais mundiais. A ONU vem, no entanto,
vivenciando uma séria crise institucional, ante a inoperância ou a ineficácia
com que desempenha muitas de suas atribuições.
O palco privilegiado de definição das regras de convivência
internacional desloca-se, progressivamente, para o âmbito da Organização
Mundial do Comércio, frente ao maior poder de enforcement das sanções
comerciais para o cumprimento de acordos multilaterais. Nesse sentido, a
agenda de questões abrangidas pela atual OMC alarga-se consideravelmente,
como já anteriormente sinalizado no caso da propriedade intelectual e
também da área ambiental.
Desse modo, à desregulamentação devida à retirada do Estado de
vários campos da vida econômica e social, sob a justificativa de abrir espaço
para a ação das forças de mercado, seguem-se novas regulamentações
estabelecidas nos organismos multilaterais a partir dos interesses dos grandes
pólos de poder mundial. Permanece porém a dificuldade de dar
governabilidade às cada vez mais numerosas e complexas questões de
abrangência global, em face da superposição — e a disputa — de mandatos
e competências entre essas diferentes instâncias multilaterais.
53
Sob uma ótica distinta, argumenta-se que a importância do Estado
deverá ser preservada, considerando que:
1. as organizações multilaterais têm não tanto um caráter
supranacional, mas, ao contrário, representam a consolidação e a
formalização da soberania dos Estados como princípio constitutivo da
ordem política, bem como o fortalecimento de uma comunidade mais
propriamente internacional.
2. o próprio Estado está modificando-se para responder aos novos
padrões e exigências colocados pelo processo de globalização. Segundo
essa abordagem, nunca houve uma “idade de ouro” do controle do Estado.
Nos últimos dois séculos, o Estado tomou para si muitas das funções antes
exercidas por atores privados, assistindo-se hoje, sim, à consolidação de
uma autoridade última no interior do território nacional.
3. a sobrevivência dos atores não-estatais pressupõe e depende
largamente do próprio Estado, como assinalado por Thomson e Krasner
(1990:198;215):
“A consolidação da soberania — isto é — o estabelecimento de
um conjunto de instituições exercendo a autoridade final sobre
um território definido — foi uma condição necessária para mais
transações econômicas internacionais. (...) Se as macro-estruturas
[Estados-Nações] desmoronassem, os micro-processos [atores não
estatais] quase que certamente colapsariam também. A transição
da atual macro-estrutura para algo alternativo não ocorrerá sendo
corroída por micro-processos.”
Essas duas visões convergem, por outro lado, para o reconhecimento
de que o Estado passa por profundas mudanças, não sendo portanto uma
entidade imutável, mas historicamente condicionada.
No que diz respeito especificamente à área ambiental, observa-se,
desde os anos 70, um aumento significativo do número de organismos e
instrumentos de governo orientados para normatizar, regular e implementar
54
ações sobre o meio ambiente. Isto pode ser explicado pelo caráter público
ou coletivo dos problemas ambientais, em termos tanto de suas causas,
como de seus efeitos, fazendo com que, como assinalado por Bursztin
(1993:85), “até mesmo os mais radicais expoentes do pensamento neoliberal
viriam a admitir que neste terreno caberia ao Estado o papel de definição
das regras do jogo econômico e de assegurar o seu cumprimento”. Ao
mesmo tempo, recentemente, houve um certo refluxo, dentro das agendas
políticas nacionais (inclusive dos países centrais), em relação aos temas
relacionados ao meio ambiente, diante da gravidade de outros problemas
domésticos, como inflação e desemprego.
Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente
na Geopolítica Contemporânea
Ainda é cedo para se proceder a uma avaliação conclusiva a respeito
dos rumos que irá tomar esse conjunto de vetores nas arenas científicotecnológica e ambiental e, muito menos, para se vislumbrar com precisão
suas implicações no futuro perfil do cenário geopolítico. Muitos são os
interesses em jogo, bem como diversas são as questões (re)emergentes e
seus reflexos nas diferentes escalas geográficas.
Pluralidade e complexidade são os termos que talvez melhor
definam o atual contexto internacional, em que convivem tendências
díspares e complementares: globalização/fragmentação;
homogeneização/diferenciação; ordem/desordem; cooperação/
competição; (neo)liberalismo / (neo)protecionismo.
Ainda hoje, no entanto, apesar das muitas novidades na geopolítica
mundial, algumas velhas questões se põem: abrem-se novos espaços para a
incorporação dos “excluídos” ou “não-hegemônicos”, sejam eles países,
regiões, segmentos sociais, ou ainda crenças, etnias e culturas, segundo uma
nova ótica de desenvolvimento global/regional/nacional/local? Ou tendem
a aprofundarem-se as desigualdades e desequilíbrios sociais, econômicos e
espaciais no seu conjunto? Posto de outra maneira: caminha-se para um
55
aumento das desigualdades e excludências ou para um desenvolvimento
mais eqüitativo e equilibrado?
A realidade hoje mostra que apenas cerca de 20% da população
mundial, concentrada em países da OCDE, tríade ou “Norte”, além das
corporações transnacionais e elites dos países da periferia, representam a
parcela integrada e globalmente interativa; enquanto que os outros 80%
são de pobres e excluídos, majoritariamente localizados em países em
desenvolvimento ou Sul (FAST, 1992). As atuais tendências nas relações
internacionais não têm indicado uma maior integração ou benefício desse
segundo grupo. Ao contrário, esses parecem estar cada vez mais
marginalizados, ou pelo menos desconsiderados, nos novos arranjos
geopolíticos.
A globalização tem no vetor científico-tecnológico um dos seus eixos
centrais. Mas o novo sistema técnico-científico mundializado mais contribui
para a unificação do que para a união do espaço planetário (Santos, 1996).
Ao mesmo tempo em que novos meios técnicos, a partir das modernas
tecnologias de informação e comunicação, permitem um maior e mais ágil
intercâmbio de informações, também impõem-se novas barreiras políticas,
econômicas e institucionais, restringindo o fluxo internacional de
informações consideradas estratégicas.
A informação constitui, por outro lado, um instrumento fundamental
na busca de padrões mais sustentáveis de desenvolvimento, na medida em
que assume:
(a) um caráter científico, atuando como instrumento e produto do
avanço do conhecimento científico a respeito da natureza em si, sua lógica
de funcionamento, seu estado atual e suas possíveis reações em face da
intervenção humana;
(b) um caráter técnico-econômico, sendo simultaneamente meio e
resultado do desenvolvimento de tecnologias orientadas para o melhor
aproveitamento e proteção da natureza enquanto recurso;
(c) um caráter sociopolítico, servindo como ferramenta para os
usuários no exercício consciente de seus papéis de tomadores de decisão
nos diferentes níveis;
56
(d) um caráter geopolítico, constituindo um elemento de barganha
política, nos novos termos que se impõem às relações Norte-Sul, no atual
contexto.
No entanto, enquanto globalizam-se os mercados e as transações
financeiras, também ampliam-se as diferenças entre os países mais e menos
desenvolvidos tecnologicamente. Nos termos em que tais transformações
se realizam, exigem-se elevados investimentos em pesquisa, em infraestrutura e na formação de recursos humanos altamente qualificados,
fazendo com que os países periféricos tendam a perder, ou a ver redefinidas,
o que antes eram consideradas suas vantagens comparativas, tais como,
recursos naturais abundantes e mão-de-obra barata.
Aqueles que já contarem com investimento acumulado no campo da
educação, da ciência e da tecnologia poderão tirar vantagens das
transformações no quadro mundial, enquanto que os que não conseguirem
superar seus problemas estruturais de falta de capital, de escassez de mãode-obra qualificada e de pouco dinamismo econômico e tecnológico deverão
ficar cada vez mais alijados dessa nova dinâmica. Considerando a velocidade
com que as inovações tecnológicas vêm ocorrendo, a pouca prioridade que
os países de maior atraso tecnológico ainda dão à ciência e tecnologia e o
acesso mais restrito aos novos conhecimentos científicos e tecnológicos,
parecem remotas as chances de esses países romperem com tal situação de
desvantagem21.
“Espaços hegemônicos” superpõem-se assim a “espaços subalternos”
(Santos, 1996), em uma hierarquização ditada em grande parte pelo controle
de informações estratégicas, particularmente aquelas que se constituem
em produtos e insumos de novos conhecimentos científicos e tecnológicos.
Estabelece-se então um novo arranjo ou equilíbrio de forças que,
ainda que competidoras entre si, tendem a constituir-se, no conjunto, em
21
Enquanto os Estados Unidos investiram, 1995, 2,4% de seu PIB em pesquisa e desenvolvimento,
o Japão 2,7% em 1993 e a Alemanha 2,5%, o México investiu 0,32% em 1993 e o Brasil 0,42% em
1994 (dados do Science & Engineering Indicators, 1996), lembrando-se ainda a diferença dos PIBs desses
países.
57
um novo bloco de poder de indiscutível hegemonia no cenário mundial. A
feição da futura “nova ordem mundial” poderá assim expressar a
convergência e a supremacia dos interesses dos grandes blocos econômicocomerciais, representados pela tríade Estados Unidos, Europa e Japão, ou
agrupados no G722 (hoje G8, com o ingresso da Rússia).
Por outro lado, é cada vez mais corrente a percepção de que o atual
(des)equilíbrio de forças internacionais poderá encontrar seu ponto de
inflexão justamente nas crescentes disparidades entre incluídos e excluídos
e no aprofundamento do conflito Norte-Sul. Nas disparidades e conflitos
daí decorrentes, as interfaces que se estabelecem entre as dinâmicas
científico-tecnológica e ambiental podem apresentar perspectivas de
mudanças significativas.
É, portanto, como parte e expressão desse conjunto de vetores e
variáveis, que a questão da biodiversidade será a seguir analisada.
22
Formado pelos sete países mais ricos do mundo: Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França,
Itália, Japão e Reino Unido.
58
CAPÍTULO II
Biodiversidade como Questão Estratégica
Os nexos que hoje se estabelecem entre ciência, tecnologia e meio
ambiente, como elementos da geopolítica, evidenciamdo-se particularmente,
na questão da biodiversidade.
A biodiversidade desponta dentre os temas ambientais globais nos
anos 80. Em linhas gerais, duas grandes motivações contribuíram para trazêla à cena internacional e para determinar o seu caráter estratégico, desde
então. Uma delas relaciona-se ao aumento da percepção, pelos cientistas e
por crescentes segmentos da sociedade em geral, a respeito da premência e
da importância de se tomarem medidas de maior alcance visando
resguardar a existência das diferentes formas de vida na Terra.
A motivação determinante para o recente alarde em torno da
problemática da biodiversidade, porém, foi a possibilidade, através do avanço
da fronteira científico-tecnológica, de manipulação da vida do ponto de
vista genético, potencializando largamente seus usos e aplicações e
ampliando o interesse de importantes segmentos econômicos e industriais
na biodiversidade como capital natural de realização futura.
Nesse novo contexto, a temática da biodiversidade deixa de pertencer
às esferas científica e ambiental estritas, passando a estar no centro de
acirradas disputas geopolíticas, particularmente em torno do acesso a
59
recursos genéticos e do acesso à tecnologia, como vias de acesso à
informação estratégica associada à biodiversidade.
Neste capítulo, situam-se os elementos que caracterizam a
biodiversidade como questão estratégica na geopolítica global,
sistematizando-se os grandes temas em debate e os principais conflitos a
seu respeito.
Emergência da Questão
A biodiversidade emerge como uma questão ao mesmo tempo
urgente, do ponto de vista ambiental, e estratégica, dos pontos de vista
econômico, político e social, ganhando importância para um conjunto cada
vez mais amplo e diverso de atores sociais.
A diversidade da vida é elemento essencial para o equilíbrio ambiental
planetário, capacitando os ecossistemas a melhor reagirem às alterações
sobre o meio ambiente causadas por fatores naturais e sociais, considerando
que, sob a perspectiva ecológica, quanto maior a simplificação de um
ecossistema, maior a sua fragilidade. A biodiversidade oferece também
condições para que a própria humanidade adapte-se às mudanças operadas
em seus meios físico e social e disponha de recursos que atendam a suas
novas demandas e necessidades.
Historicamente, as áreas de aproveitamento de recursos genéticos e
biológicos têm sido inúmeras, destacando-se a alimentação, a agricultura e
a medicina, dentre outras aplicações. Estas aplicações vêm sendo
recentemente redirecionadas e potencializadas pelo desenvolvimento das
biotecnologias avançadas e da engenharia genética.
Os avanços científicos nesses campos motivam fortes esperanças de
que possam contribuir para prevenir ou combater doenças e disfunções até
então causadoras de grandes males à humanidade e para multiplicar a oferta
de alimentos de modo geral, bem como prometem elevados ganhos
econômicos a partir dos novos produtos daí gerados. Ao mesmo tempo,
60
porém, levantam-se sérias dúvidas e controvérsias quanto às implicações
éticas da aplicação desses novos conhecimentos e mesmo quanto aos seus
possíveis, mas ainda imprevisíveis, impactos sobre o meio ambiente e a
saúde humana.
Este item dedica-se a explorar essas múltiplas dimensões associadas
à emergência recente da questão da biodiversidade como questão ambiental
global, começando pelo próprio conceito.
Conceito
O conceito de biodiversidade, com a abrangência do seu significado
atual, ganha expressão na década de 198023. Nele incluem-se todos os
produtos da evolução orgânica, ou seja, toda a vida biológica no planeta,
em seus diferentes níveis — de genes até espécies e ecossistemas completos
— bem como sua capacidade de reprodução. Corresponde à “variabilidade
viva”, ao próprio grau de complexidade da vida, abrangendo a diversidade
entre e no âmbito das espécies e de seus habitats (Wilson, 1988; Raven,
1992).
Para efeito deste estudo, ainda que reconhecendo a existência de um
amplo debate, nos meios científicos, a respeito do que seria uma definição
mais precisa para o conceito de biodiversidade, assume-se a que é utilizada
na Convenção sobre Diversidade Biológica, que, em seu Artigo 2º, define
diversidade biológica como sendo:
“a variabilidade de organismos vivos de todas as origens,
compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres,
marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos
ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade
dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas.”.
23
De acordo com Alencar (1996), o conceito de biodiversidade projeta-se em 1986, com a publicação
do trabalho de Elliot Norse e outros sob o título Conserving Biological Diversity in our National Forests.
The Wilderness Society: Washington, D.C.
61
O conceito de biodiversidade, dessa forma definido, envolve,
portanto, diferentes níveis de diversidade24 .
Do ponto de vista genético, significa a variação de genes no âmbito
das espécies, caracterizando a existência de diferentes populações (por
exemplo, os diferentes tipos de arroz) ou a variação genética dentro de
uma mesma população. Em outras palavras, consiste no material primário,
ou na porção hereditária, que possibilita o desenvolvimento de diferentes
organismos a partir de uma mesma espécie ou população, no contexto do
próprio processo evolutivo.
Embora diversidade e variabilidade genética sejam freqüentemente
utilizadas como sinônimos de variação genética, é possível fazer uma
distinção entre os dois conceitos, segundo a qual diversidade genética
corresponde ao “somatório da variação genética disponível ou conhecida
mais a variação genética potencial ou ainda desconhecida”, e variabilidade
genética à “porção da diversidade genética disponível ou conhecida em
nível de espécie.” (Morales e Valois, 1995).
Do ponto de vista de espécies, é definida pela variedade de espécies
presentes dentro de uma região, o que pode ser medido pela simples
contagem do número de espécies ou pela diversidade taxonômica,
considerada mais precisa. Essa segunda abordagem é ilustrada através de
dois exemplos. Uma ilha com duas espécies de pássaros e uma espécie de
lagarto apresenta uma maior diversidade taxonômica do que uma ilha com
três espécies de pássaros, mas nenhum lagarto. Do mesmo modo, ainda
que existam muito mais espécies vivendo em terra do que no mar, as espécies
terrestres são mais proximamente relacionadas do que as marinhas, fazendo
com que a diversidade de espécies dos ecossistemas marinhos seja bem
maior do que a princípio poderia parecer.
Dois membros de uma mesma espécie nunca são geneticamente
iguais, implicando que, mesmo se uma espécie ameaçada é salva de extinção,
ela terá provavelmente perdido muito da sua diversidade interna nesse
24
As definições e exemplos aqui citados baseiam-se principalmente WRI;UICN;PNUMA, 1992.
62
processo. Ainda mais que, quando populações ameaçadas conseguem
expandir-se novamente, elas tornam-se geneticamente mais uniformes do
que seus ancestrais.
Diversidade de ecossistemas é considerada a mais difícil de se medir
(até pela dificuldade de delimitar os diferentes ambientes), embora sua
diversidade de estruturas e funções seja um parâmetro de alta relevância
em termos da diversidade biológica.
Também cada vez mais a diversidade cultural humana — incluindo a
diversidade de línguas, crenças e religiões, práticas de manejo do solo,
expressões artísticas, tipos de alimentação e diversos outros atributos
humanos — é interpretada como sendo um componente significativo da
biodiversidade, considerando as recíprocas influências entre o ambiente e
as culturas humanas. Desse modo, o conceito de biodiversidade vem sendo
ampliado para o de sociobiodiversidade.
Já os termos recurso biológico e recurso genético supõem o seu
atual ou potencial valor ou utilidade. A Convenção sobre Diversidade
Biológica define, em seu Artigo 2º, recursos biológicos como
compreendendo “recursos genéticos, organismos ou partes destes,
populações, ou qualquer outro componente biótico de ecossistemas, de
real ou potencial utilidade ou valor para a humanidade”. E recursos
genéticos como significando “material genético de valor real ou potencial”.
No mesmo artigo, a Convenção define ainda como material genético
“todo material de origem vegetal, animal, microbiana ou outra que contenha
unidades funcionais de hereditariedade.”. Ou seja, os recursos biológicos
dizem respeito aos organismos em si, enquanto que os recursos genéticos
referem-se ao material genético presente nesses organismos.
A biodiversidade não consiste, portanto, tão-somente em um conjunto
ou somatório de seres vivos, mas em um sistema cujos componentes mantêm
relações de interdependência e de complementaridade, e cujo equilíbrio
das partes afeta o equilíbrio do todo e vice-versa.
63
Ameaças à Biodiversidade
Ainda é pequeno o conhecimento que hoje se dispõe a respeito da
diversidade de vida na Terra, mas não há dúvidas sobre o fato de que muitas
espécies de plantas e animais terão desaparecido antes mesmo de terem
sido conhecidas, particularmente nos trópicos, onde se concentra a maior
parcela dos recursos biológicos e genéticos do mundo. Dentre os países
que se afiguram como detentores de maior biodiversidade, destacam-se: o
Brasil, a Colômbia, a Indonésia, o México, o Peru, Madagascar e a Austrália
(desses, o único pertencente ao bloco dos chamados desenvolvidos), não
necessariamente nessa ordem (os critérios e metodologias são vários).
Não se sabe o número exato de espécies existentes no planeta, não
se conhece a fundo sua distribuição geográfica, suas características biológicas
e sua vulnerabilidade às mudanças ambientais, nem se detêm informações
precisas sobre as atuais taxas de redução da biodiversidade. O que há são
estimativas: calcula-se entre 5 milhões e 30 milhões o atual número total de
espécies de organismos vivos (alguns chegam a estimar de 7 milhões a 100
milhões de espécies, considerando que alguns habitats25 permanecem
relativamente inexplorados, como as florestas tropicais, os recifes de corais
e os leitos profundos dos oceanos), o que equivaleria a uma pequena parcela
das possivelmente meio bilhão ou mais de espécies já existentes desde a
aparição de seres vivos na Terra há cerca de 4 bilhões de anos (Wilson,
1988; Myers, 1988; Agarwal & Narain, 1992).
No entanto, até o final da década de 1980, conseguiu-se descrever
apenas 1,4 milhão de espécies em todo o mundo, incluindo,
aproximadamente: 750.000 insetos; 41.000 vertebrados; 250.000 plantas e
360.000 invertebrados, números esses que são ainda hoje os mais citados.
Das espécies então catalogadas pela literatura científica, apenas cerca de
500 mil são de regiões tropicais e subtropicais, o que revela o pouco
conhecimento produzido sobre tais regiões, comparativamente ao
25
Define-se habitat como “o espaço usado por um organismo, junto com outros organismos com os
quais coexiste, e os elementos climáticos e da paisagem que o afetam” (WRI/UICN/PNUMA, 1992).
64
conhecimento já gerado sobre as áreas temperadas do Norte (Wilson, 1988;
Raven, 1988).
Durante bilhões de anos, a extinção de espécies ocorreu como parte
de processos dinâmicos e naturais, dando lugar ao surgimento de novas
variedades. Fatores físicos abióticos (como clima, solo, água, processos
geológicos e geoquímicos); fatores bióticos diversos (como interações e
competições entre organismos, mutações genéticas e outros); padrões e
comportamentos de espécies individuais (por exemplo de reprodução e
alimentação), além das complexas interações entre esses diferentes fatores,
vêm sendo determinantes para a manutenção e o desenvolvimento da
diversidade biológica.
Mas a atual destruição da biodiversidade, considerada a mais drástica
já ocorrida nos últimos 65 milhões de anos (quando houve o
desaparecimento dos dinossauros), é causada principalmente por práticas
humanas predatórias ao meio ambiente, as quais acentuaram-se
sobremaneira desde o estabelecimento das modernas sociedades industriais.
Calcula-se que a presente taxa de extinção de plantas e animais seja centenas
de vezes — provavelmente até milhares de vezes (pelo menos 25.000 vezes,
para Agarwal & Narain, op. cit.) — maior do que a que houve no passado.
Segundo algumas estimativas, até o final do presente século, poderá haver
uma perda de cerca de 10% das espécies atuais e, nas próximas duas décadas,
essa perda poderá chegar a mais de 25%.
A devastação dos habitats naturais, particularmente das florestas
tropicais, é considerada o fator determinante das atuais e projetadas taxas
de extinção da biodiversidade. A fragmentação e a conversão (principalmente
para uso agrícola) dos ecossistemas florestais vêm sendo causadas tanto
pelo impacto provocado por grandes empreendimentos econômicos, como
pelo efeito cumulativo de pequenos empreendimentos individuais. A
progressiva alteração desses ecossistemas está relacionada à extração de
produtos florestais em patamares insustentáveis, ao uso do fogo e a outros
processos impactantes sobre o meio ambiente. A atividade agrícola é
grandemente responsabilizada pela introdução de pestes, patógenos e
65
parasitas, além do deslocamento de espécies nativas a partir da introdução
de espécies exóticas, incluindo microrganismos, fungos, insetos, entre outros.
Outros fatores concorrem, ainda que indiretamente, para a existência,
em grande escala, de práticas predatórias das florestas e para a conseqüente
perda da sua diversidade biológica, dentre os quais podem ser citados: a
não contabilização do valor ecológico e econômico do capital natural; a
desconsideração, pelas políticas públicas, da importância de se conservar a
diversidade biológica nesses ecossistemas; a inadequação de políticas e
programas de instituições financeiras internacionais e respectivos doadores;
a adoção de padrões insustentáveis de consumo, produção e comércio; e as
pressões demográficas.
Inversamente, é cada vez maior o reconhecimento do papel positivo
que populações nativas e locais, particularmente populações ditas
“tradicionais”, especialmente as indígenas, têm desempenhado na
conservação e no uso sustentável da diversidade biológica das florestas,
embora, desse reconhecimento, poucos benefícios tenham até então
resultado para as mesmas.
Ao longo de décadas e séculos, essas populações vêm contribuindo
para a conservação e o desenvolvimento in situ de muitas espécies florestais
importantes, por meio de seu conhecimento empiricamente acumulado
sobre os habitats naturais, bem como de suas práticas agrícolas e de
subsistência adequadas ao meio ambiente local, atuando como verdadeiras
“guardiãs” do patrimônio biogenético do planeta. No entanto, a conversão
e a degradação das florestas têm sido acompanhadas da desagregação dessas
comunidades, de suas práticas e de seus conhecimentos. Ou seja, à perda
de biodiversidade tem também correspondido uma significativa perda de
diversidade sociocultural.
As Novas Biotecnologias e o Caráter
Estratégico da Biodiversidade
Ao longo da história, vários usos têm sido dados à biodiversidade
enquanto recurso, especialmente na alimentação e agricultura e na saúde humana.
66
Na agricultura, as plantas vêm sendo mais comumente utilizadas como
fontes de novos cultivos, como material para reprodução de novas variedades
de espécies e como insumos de novos pesticidas biodegradáveis. No entanto,
é cada vez menor o número de espécies vegetais aproveitadas para a
produção de alimentos, o que tem sido agravado pela padronização gerada
com o movimento de globalização da economia. Das milhares de espécies
vegetais com potencial alimentício para os seres humanos (em torno de
80.000, segundo alguns cálculos), apenas cerca de 150 chegaram a ter alguma
importância no comércio mundial, das quais menos de 20 são hoje
responsáveis pela maior parte da produção de alimentos. E, dentre essas,
predominam quatro das maiores espécies de cultivos de carboidratos — a
farinha, o milho, o arroz e a batata. A contínua perda de biodiversidade
pode comprometer a capacidade de importantes cultivos agrícolas — cujas
variedades mais primitivas e selvagens praticamente desapareceram — de
adaptarem-se a mudanças climáticas e de resistirem ou conviverem com
novos agentes patogênicos (Plotkin, 1988; Axt et al., 1993).
A biodiversidade é também essencial para a saúde humana. Quase
todos os remédios já produzidos no mundo têm sua origem associada a
plantas, a animais ou a microrganismos. Ainda hoje, cerca de 80% da
população mundial recorre a medicamentos tradicionais, a maior parte de
origem vegetal (só na medicina chinesa tradicional, são usadas mais de
5.100 espécies); e 50% ou mais dos remédios utilizados pelos outros 20%
da população do planeta (a maior parte de países desenvolvidos) são
derivados de produtos naturais (só nos Estados Unidos, um quarto de todas
as receitas médicas têm componente vegetal) (Raven, 1992; Axt et al., 1993;
Baker et al., 1995). Segundo Seidl (1994), só a França e a Alemanha vendem
hoje mais de US$ 300 milhões/ano de produtos medicinais de origem
vegetal, os chamados remédios “alternativos”.
O relativo predomínio da química sintética na produção de remédios,
observado nas últimas décadas, vem dando lugar ao ressurgimento do
interesse pela pesquisa química médica e orgânica no uso terapêutico de
plantas e outros organismos (o auge das pesquisas sobre fármacos baseados
em plantas, pelo menos nos Estados Unidos, ocorreu entre os anos de
67
1950 e 1960, declinando desde a década de 1970, devido aos escassos
resultados obtidos). Esse potencial foi ainda pouco explorado, considerando
que, das cerca de 250.000 espécies de plantas já conhecidas, apenas 90 já
serviram de base para a produção industrial dos remédios de origem vegetal
atualmente mais utilizados no mundo. Menos ainda se sabe sobre o
aproveitamento de insetos, microrganismos e espécies marinhas.
Um outro campo importante relacionado ao uso econômico da
biodiversidade é o do turismo e do lazer, já que as áreas ricas em diversidade
de plantas, animais e ecossistemas são também atrativos cenários para o
chamado turismo “ecológico”, que, já no início da década, movimentava
anualmente, no mundo, algo em torno de US$ 12 bilhões (dados citados
por WRI/UICN/PNUMA, 1992).
Mas é o aproveitamento dos recursos biológicos e genéticos como
matéria-prima para as modernas biotecnologias que atualmente confere à
biodiversidade um valor estratégico, no chamado novo paradigma
tecnológico, potencializando seus tradicionais usos e aplicações.
De modo geral, o conceito de biotecnologia pode incluir “qualquer
técnica que utilize organismos vivos (ou partes de organismos), com algum
dos seguintes objetivos: produção ou modificação de produtos;
aperfeiçoamento de plantas ou animais e descoberta de microrganismos
para usos específicos.” (Ramalho et al., 1990). No início da década de 1970,
a partir do desenvolvimento da técnica do DNA26 recombinante27, que
permitiu a transferência de material genético entre organismos vivos através
de meios bioquímicos, passaram a existir dois conceitos de biotecnologia: a
biotecnologia tradicional e a biotecnologia moderna.Esta última está
associada à possibilidade de obtenção de produtos e substâncias a partir
das novas técnicas genéticas, e não só do cruzamento de espécies já existentes
na natureza.
26
O DNA ou, em português, ADN - ácido desoxirribonucléico - é a substância responsável pela
informação hereditária contida nos gens.
27
Outras duas rotas tecnológicas relevantes, do ponto de vista das biotecnologias modernas, são a
fusão nuclear (permite a fusão de características de células distintas em uma célula híbrida ou
hibridoma) e os métodos de bioprocessamento (permite a produção em larga escala dos produtos
obtidos por processos biológicos).
68
Desse modo, a partir da convergência da biologia molecular, da
química e da genética, abre-se a possibilidade de não só desvendar os
mistérios da herança genética, como também de manipulá-la, o que faz
com que o século XXI seja desde já considerado a era do gen (Wilkie,
1994), ou do paradigma biotecnocientífico (Schramm, 1996).
Há cada vez maiores indícios de que boa parte das doenças possuem
forte componente genético, fortalecendo as expectativas com respeito à
medicina genética preventiva. O Projeto Genoma Humano, iniciado em 1990
com o objetivo de mapear e analisar todo o código genético humano, é o
mais ambicioso nesse sentido. Contando essencialmente com a participação
de cientistas e laboratórios do mundo desenvolvido, e envolvendo um
orçamento de mais de 3 bilhões de dólares, para um período de 15 anos,
promete gerar, ao final da primeira década do próximo século, mais de 60
bilhões de dólares em vendas de medicamentos, o que representa metade de
todas as vendas da indústria internacional no ano de 1992 (Wilkie, op. cit.).
Pequenas empresas especializadas em biotecnologia (as então
chamadas NBF — new biotechnology firms) começaram a ser constituídas em
meados da década de 1970, geralmente por pesquisadores e principalmente
nos Estados Unidos, baseadas na aplicação intensiva, na produção industrial,
dos novos conhecimentos da biologia molecular. Mas o centro dinâmico
do setor foi sendo progressivamente deslocado dessas empresas emergentes
para os grandes grupos, em especial dos segmentos químico e farmacêutico,
motivados pela busca de renovação de seus mercados e de suas margens de
lucratividade, no quadro de transformação da base técnico-produtiva
mundial observada a partir dos anos 70. Os investimentos em biotecnologia
moderna, no plano internacional, representavam novas possibilidades de
ganhos econômicos para esses setores industriais, através da diversificação
de produtos e aplicações, sendo a maior parte desses investimentos dirigidos
para as áreas de saúde humana e animal, plantas e agricultura e especialidades
químicas.
Em saúde humana, os principais alvos de aplicação de recursos
financeiros em pesquisa são as chamadas doenças “incuráveis”, como o
69
câncer, a AIDS e infecções associadas, que, segundo estimativas, podem
representar um mercado mundial de cerca de US$ 110 bilhões. Na área de
plantas, sobressaem a engenharia genética e técnicas intermediárias, como
a cultura de tecidos, sendo seus principais produtos as sementes e mudas
“engenheiradas”, com um mercado potencial calculado em US$ 150 bilhões
a US$ 180 bilhões (Ramalho et al., 1990). Nas especialidades químicas, a
síntese química vem sendo substituída por processos biotecnológicos, em
função das vantagens em termos de custos. A área de papel e celulose
também é objeto de investimentos biotecnológicos, particularmente no
desenvolvimento de sua base florestal, no processamento de celulose e no
tratamento de efluentes.
O novo segmento industrial aí constituído, com a entrada dos grandes
grupos químicos e farmacêuticos, onde de início dominavam pequenas
empresas intensivas em conhecimento, passou a ser formado por um
conjunto de empresas de atuação diversificada, mas com uma base científica
e tecnológica comum, nucleada em torno das chamadas “tecnologias
genéricas”.
Essa transformação também modificou os termos de concorrência
entre os agentes econômicos atuantes no setor, agora definidos a partir das
estratégias e interesses dos grandes grupos. Dados de 1995 sobre o
faturamento e a localização das 10 maiores empresas atuantes nos principais
segmentos em biotecnologia (agroquímica, sementes e farmacêutico), no
mundo, revelam uma grande concentração espacial, em termos de
quantidade de empresas e do valor de suas vendas, principalmente nos
Estados Unidos, Alemanha, Suíça e Inglaterra (Quadro1).
70
Quadro 1
Ranking de Países por Vendas das 10 Maiores Empresas nos Segmentos de Agroquímica, Sementes e Fármacos
País
Vendas 1995 (Us$ Milhões)
Percentual (em relação
(Número de Empresas)
as dez primeiras do setor)
Estados Unidos (4)
Alemanha (3)
Suíça (1)
Reino Unido (1)
França (1)
Total (10)
Estados Unidos (3)
Suíça (1)
Japão (2)
França (1)
México (1)
Holanda (1)
Alemanha (1)
Total (10)
Estados Unidos (4)
Suíça (2)
Reino Unido (2)
Alemanha (1)
Suécia (1)
Total (10)
Agroquímica
8.860
6.167
4.410
2.363
2.068
23.868
Sementes
2.070
900
750
525
500
460
315
5.520
Fármacos
32.140
18.760
18.400
9.420
6.260
84.980
37,1
25,8
18,5
9,9
8,7
100,0
37,5
16,3
13,6
9,5
9,0
8,3
5,7
100,0
37,8
22,0
21,6
11,0
7,3
100,0
Compilação de dados do Agrow, n.º 253, Kent Group Inc e Wall St. Journal
(07/03/96) citados pelo RAFI.
71
Verifica-se, portanto, que as grandes empresas atuantes no setor
biotecnológico concentram-se basicamente no hemisfério norte (enquanto
que as maiores reservas genéticas localizam-se nos trópicos), sendo essas
empresas também as que muito provavelmente mais investem em pesquisa
e desenvolvimento na área.
Nos anos 90, porém, diminuem as certezas quanto ao retorno
financeiro dos investimentos realizados nos empreendimentos
biotecnológicos. Do mesmo modo, persistem dúvidas sobre o real valor
comercial dos recursos genéticos e bioquímicos. Sabe-se que o interesse
nesses recursos cresceu, nas últimas décadas, acompanhando o próprio
crescimento do interesse nas biotecnologias avançadas. Estima-se que hoje
mais de 200 companhias e organizações de pesquisa estejam desenvolvendo
atividades sistemáticas de investigação (screening) de amostras de plantas e,
em menor medida, de animais, de modo a isolar e identificar componentes
úteis na fabricação de produtos com propriedades medicinais (Axt et al.,
1993). Mas, enquanto alguns acreditam que há ainda um grande potencial a
ser explorado no aproveitamento dos mesmos, outros são de opinião que
esse potencial tem sido superdimensionado.
Polêmicas e Conflitos
Se a emergência da questão da biodiversidade partiu de uma
convergência de interesses com respeito à importância de sua conservação,
ela é também hoje objeto de acirrados conflitos, ainda que nem todos
claramente explicitados. Nesses conflitos, a variável científico-tecnológica,
cada vez mais, ganha um papel de destaque, do mesmo modo que se revela
mais claramente a dimensão geopolítica da questão.
O que está basicamente em questão é a disputa pelo controle sobre a
biodiversidade, particularmente sobre a informação contida nos recursos
biogenéticos. Essa disputa vem expressando-se através de um extenso
72
debate sobre a propriedade e o status legal dos recursos genéticos, e também
dos conhecimentos tradicionais sobre a biodiversidade, bem como sobre a
legislação de patentes nessa área.
Esses e outros aspectos são a seguir abordados.
Conservar para quem?
Ninguém hoje levanta dúvidas quanto ao fato de que está em curso
um processo de acelerada erosão da biodiversidade. As divergências
expressam-se quando se considera a importância econômica dessa perda.
E os pontos de vista aí se definem basicamente pelos interesses diretamente
afetados pela conservação, particularmente quando representando uma
ameaça a interesses econômicos locais.
No plano internacional, os conflitos a esse respeito são menos
perceptíveis ou claramente expostos. Pode-se dizer que, potencialmente,
existe uma divisão que atinge as próprias indústrias do Norte, colocando,
de um lado, alguns segmentos que têm um interesse potencial na
conservação dos recursos genéticos como matéria-prima para seus
desenvolvimentos futuros, particularmente as indústrias biotecnológicas,
como a farmacêutica; e, de outro, segmentos, como as madeireiras e
mineradoras, que sobrevivem de um ganho econômico mais imediato da
exploração de recursos naturais, com impactos negativos sobre a
biodiversidade.
As primeiras estariam implicitamente coligadas com segmentos
conservacionistas (do Norte e do Sul); enquanto que as últimas têm um
interesse mais associado a setores locais, também do Sul, que vivem da
exploração predatória dos recursos naturais. Conforme expresso pelo Fórum
Global das ONGs, realizado paralelamente à reunião oficial da Rio-92,
citando o exemplo da Amazônia:
73
“Na floresta Amazônica, por exemplo, o que está em jogo,
simplificadamente, é o conflito entre muitos milhões de dólares em
exportação de madeiras nobres, minérios e energia elétrica (na forma de
alumínio) por indústrias tradicionais que vêm devastando os ecossistemas
há várias décadas, versus alguns (ainda incontáveis) bilhões de dólares
imobilizados nas infinitas combinações genéticas desconhecidas da mata.
A mata intacta, a Amazônia conservada, está sendo contabilizada hoje como
ativo fixo a ser conservado, valorizado e apropriado pelas indústrias de
ponta do século XXI.” (Fórum das ONGs, 1992:60).
A conservação da biodiversidade levanta também polêmicas quando
se consideram as estratégias para implementá-la. Existem hoje duas
principais estratégias de conservação da biodiversidade: a conservação in
situ e a conservação ex situ. Além dessas, há medidas controladoras e
reguladoras, algumas de caráter repressivo ou inibidor de atividades
predatórias — através, por exemplo, da exigência de realização de estudos
de impacto ambiental de grandes projetos, da imposição de normas técnicas
de caráter ambiental, do controle efetivo das fontes de poluição e da
repressão ao comércio de espécies ameaçadas — e outras de caráter
incentivador de atividades benéficas à conservação e ao uso sustentável da
biodiversidade — como a instituição de “selos verdes” e o estabelecimento
de incentivos fiscais e creditícios a atividades ambientalmente saudáveis.
A conservação in situ é a que se dá no próprio ambiente onde estão
localizadas as diferentes formas de vida. Geralmente envolve medidas de
zoneamento territorial, de âmbito federal, estadual ou municipal, visando à
delimitação de áreas a serem protegidas do impacto ambiental de atividades
humanas, áreas essas selecionadas por serem consideradas ecossistemas
altamente relevantes, seja pela biodiversidade ali existente e/ou pela presença
de espécies endêmicas (presentes apenas ou quase somente naquele local)
ou ameaçadas de extinção.
Há diferentes tipos de conservação in situ, abrangendo: áreas sem
qualquer intervenção humana (áreas de preservação total), áreas com manejo
pequeno a moderado, até áreas com manejo intensivo (geralmente para
74
espécies domesticadas ou semidomesticadas). É variada a terminologia
utilizada em diferentes países para designar essas áreas, sendo algumas das
denominações utilizadas: unidade de conservação (termo mais utilizado
no Brasil), área protegida, área silvestre e espaço protegido (Cases, 1995).
A conservação de habitats naturais passou a ser uma estratégia-chave
para a proteção da diversidade biológica em âmbito global, a partir da década
de 1950. Em meados dos anos 80, havia no mundo cerca de 3.500 grandes
áreas de conservação dos mais variados tipos, ocupando aproximadamente
4,25 milhões de km2 (Brady, 1988, citando dados de 1987 do U.S. Office of
Technology Assessment). Nessas áreas, estariam representadas cerca de 178
das 193 províncias biogeográficas identificadas pela UICN como “uma
primeira aproximação da diversidade de tipos dos grandes habitats da Terra”
(Brady, op. cit.). Por outro lado, esses mesmos dados indicavam que, dos
nove países apontados como tendo mais de 10% de seu território
“protegido” em áreas de conservação, oito eram países em desenvolvimento.
Nesse cômputo, menos de 5% das florestas tropicais encontravam-se
preservadas na forma de parques e reservas, sendo apenas 4% das florestas
da África, 2% da América Latina e 6% da Ásia (Myers, 1988). O Quadro 2
mostra a distribuição, no início da década de 1990, das áreas protegidas em
escala mundial.
Quadro 2
Distribuição Mundial das Áreas Protegidas
Regiões
Númeo de Áreas Protegidas
África
641
América do Norte e Central
1.683
América do Sul
580
Ásia
2.172
Europa
1.924
União Soviética
213
Austrália e Pacífico do Sul
937
Antártida
13
Total
8.163
Área (ha)
124.641.173 (16%)
261.760.027 (34%)
114.373.119 (15%)
101.423.311 (13%)
40.088.638
(5%)
24.374.326
(3%)
84.353.874 (11%)
257.349 ( 3%)
751.271.817 (100%)
Fonte: UICN/CNPPA, 1000 World Conservation Monitoring Center apud WRI/UICN/PNUMA, 1992.
75
O tradicional enfoque de “conservação da natureza” foi cedendo
lugar ao enfoque de “conservação da biodiversidade”, na medida em que o
conceito ganhou expressão internacional, como atesta a definição de área
protegida recentemente adotada pela UICN:
“Uma superfície de terra e/ou mar especialmente consagrada à
proteção e à manutenção da diversidade biológica, assim como
dos recursos naturais e os recursos culturais associados e manejada
através de meios jurídicos ou outros meios eficazes.” (UICN,
1994:185 apud Cases, 1995).
O estabelecimento de áreas protegidas como solução para o problema
da destruição da biodiversidade é objeto de algumas controvérsias, de ordem
tanto técnica como política, a seguir elencadas.
1. Um primeiro aspecto polêmico diz respeito a se o estabelecimento
dessas áreas é condição suficiente para garantir a reprodução da variedade
de espécies e ecossistemas. No caso da Amazônia, por exemplo, Myers
(1992:31) chama atenção para o fato de que:
“se a cobertura de floresta da Amazônia fosse ao final reduzida a
essas áreas agora transformadas em parques e reservas, poderíamos
antecipar que 66% das espécies de plantas iriam eventualmente
desaparecer junto com quase 69% das espécies de aves e proporções
similares de todas as outras categorias de espécies.”
2. Um outro conjunto de dúvidas relaciona-se aos critérios a serem
utilizados no estabelecimento de novas áreas de conservação. A esse respeito,
Burley (1988:228) levanta a seguinte questão prática:
“deve um tipo particular de ecossistema já representado no sistema
de áreas de conservação ser melhor representado, ou deve o
próximo esforço de conservação ser orientado para conservar
outros ecossistemas que ainda não estão representados ou não
adequadamente representados?”.
76
3. Um aspecto não-consensual refere-se ainda ao tamanho mínimo
dos ecossistemas e das populações animais e vegetais através do qual a
biota pode-se fazer perpetuar a longo prazo. Os estudos em biologia da
conservação vêm constatando a necessidade de delimitar áreas de proteção
cada vez mais amplas, de modo a garantir não apenas a preservação de
espécies, mas também a diversidade genética entre populações (Ayres et
al.:1996). Além disso, amplia-se a consciência a respeito da importância de
uma integração das áreas protegidas com as áreas e comunidades vizinhas,
o chamado entorno.
4. Também objeto de grande discussão é o papel das populações
humanas no âmbito dessas áreas reservadas à conservação. Essa questão
vem sendo levantada desde a década de 1970, particularmente quando o
Programa Homem e Biosfera (MaB28) da UNESCO recomendou
amplamente a criação de “reservas da biosfera”, em que se associam
conservação, pesquisa e uso da biodiversidade. Esse programa foi precursor
da defesa da associação entre a proteção da natureza e a presença e o
desenvolvimento socioeconômico de populações locais (Alencar, 1995).
Essa perspectiva permaneceu durante longo tempo incompreendida e até
rejeitada pelos ambientalistas, sendo até hoje objeto de debate. A esse
respeito, Norgaard (1990:207) lembra que:
“enquanto os historiadores naturais têm recorrentemente retratado
os seres humanos como destruidores dos sistemas naturais, estamos
agora aprendendo como os povos tradicionais em baixas densidades
populacionais foram menos destrutivos e sob algumas
circunstâncias contribuíram para o crescimento da diversidade
genética.”.
Complementando esse ponto de vista, Ayres et al. (1996) ressaltam que:
28
Man and Biosphere Program, lançado em 1971 pela UNESCO.
77
“a experiência mostrou que a participação dos grupos de interesse
é vital para o sucesso das iniciativas de conservação. Qualquer
medida de conservação, para ser efetiva, tem que ser socialmente
aceita.”
5. O próprio financiamento para manutenção das áreas destinadas à
conservação é tema controvertido, particularmente em países em
desenvolvimento, onde isto é feito de forma bastante precária (no Brasil,
por exemplo, estima-se que são aplicados em média US$ 0.02/ha de área
protegida), comprometendo os resultados esperados em matéria de
conservação da biodiversidade.
6. Por fim, a pergunta “conservar para quem?” põe em cheque
quem são, ao final das contas, os reais beneficiários de se delimitarem áreas
de conservação. Hathaway (1995:12) assim sintetiza as distintas perspectivas
a esse respeito, tomando naturalmente partido de uma delas:
“Há uma postura de inspiração conservacionista que apresenta o
que seria uma proposta de consenso ideal. (...) o importante é
conservar a biodiversidade “para todos”. (...). A fórmula para as
áreas de conservação se resume na demarcação de unidades e/ou
no zoneamento para uso restrito, onde as comunidades locais (...)
assumiriam boa parte da gestão (...) e poderiam tirar seu próprio
sustento através da exploração e comercialização sustentáveis dos
recursos biológicos da natureza (a exemplo das reservas
extrativistas). (...) Os conhecimentos tradicionais seriam valorizados
como fonte importante para orientar a criação de novos
medicamentos e cosméticos. (...) O que aquela proposta
‘politicamente correta’ normalmente deixa de mencionar é que ela
de fato contempla dois níveis bem distintos de desenvolvimento
econômico e tecnológico: um para as comunidades e sociedades
locais a partir da exploração bruta dos recursos biológicos e outro
para as transnacionais e suas próprias economias com base nos
recursos genéticos a serem manipulados em nível molecular.”
Outra grande estratégia de proteção da biodiversidade é a conservação
ex situ através, por exemplo, de jardins zoológicos e botânicos, de coleções
78
de microrganismos (bactérias, fungos, protozoários e vírus) em instituições
de pesquisa e bancos de sementes ou germoplasma (material genético).
Os jardins zoológicos e botânicos são importantes para a conservação de
espécies de animais e plantas em extinção e para o estudo de espécies raras
ou pouco conhecidas. Os bancos de germoplasma, além da conservação
de espécies através do armazenamento das suas seqüências de DNA, têm
atuado como fontes de matéria-prima para o melhoramento vegetal na
agricultura e como entreposto para o intercâmbio internacional de sementes
entre melhoristas.
Também a conservação ex situ de germoplasma é alvo de grandes
polêmicas, seja pelas condições inadequadas que freqüentemente oferecem
à conservação e à reprodução de espécies, seja pela pequena
representatividade das coleções em termos genéticos, ou ainda porque são
mantidas isoladas da dinâmica e evolução do mundo exterior, enquanto,
como ressaltado por Hathaway (1995:10), “as populações presentes no
campo continuam evoluindo e se adaptando a mudanças ambientais,
deixando estas coleções ultrapassadas.”
Um outro ponto polêmico diz respeito a quem detém o controle
sobre essas coleções mantidas ex situ, geralmente centros de pesquisa,
empresas privadas, instituições internacionais e governos de países que não
são os fornecedores originais dessas matérias-primas.
Segundo algumas estimativas, mais de 90% das amostras de
germoplasma armazenadas no mundo provêm de países em
desenvolvimento, mas apenas 15% desse material está sob controle de seus
governos, calculando-se ainda que 55% do germoplasma coletado no mundo
está armazenado em países do Norte (os Estados Unidos sozinhos
concentram 22% desse material) (Agarwal & Narain, 1992). Outras
estimativas dão conta também de que mais de 95% da produção global das
20 maiores safras alimentícias são baseadas em material genético de países
em desenvolvimento (Svarstad, 1994), enquanto que a Europa e a América
do Norte, juntas, encontram menos de seis por cento de suas necessidades
de plantas e espécies animais em seus próprios territórios.
79
A maioria dos centros de germoplasma existentes hoje no mundo
situam-se, assim, em países desenvolvidos ou estão sob controle de grandes
grupos multinacionais. Em outros termos, boa parcela das amostras de
biodiversidade do Sul está sob controle dos países centrais, que as utilizam
especialmente em seus sistemas agrícolas e indústrias farmacêutica e
biotecnológica.
A conservação in situ é, portanto, ainda majoritariamente considerada
a mais adequada dos pontos de vista biológico e político, a despeito desse
variado espectro de questões controvertidas. Na prática, porém, é distinta
a ênfase que se dá à conservação in situ daquela que se atribui à conservação
ex situ, particularmente no caso da biodiversidade agrícola.
Por um lado, cresce o discurso em favor da conservação in situ, ou
seja, a biodiversidade das sementes cultivadas por agricultores, boa parte
em países periféricos, nas áreas de origem, nas áreas de dispersão dessas
variedades e das espécies, através da pequena agricultura familiar, o que é
considerado por muitos um processo biologicamente muito mais
interessante e muito mais combinado com uma estratégia de
desenvolvimento sustentável, em termos sociais, ecológicos e econômicos.
Por outro lado, argumenta-se que, concretamente, investe-se muito
mais recursos nas coleções ex situ, induzindo deste modo as instituições de
pesquisa que trabalham na área a também darem maior ênfase a essa
estratégia, até porque as grandes indústrias sementeiras e os grandes
programas públicos e internacionais de melhoramento genético dependem
e trabalham principalmente com coleções ex situ.
Soberania sobre a Biodiversidade: do Global ao Local
Um dos temas norteadores do debate em torno da temática da
biodiversidade hoje refere-se à questão da soberania do Estado-Nação (Box 5)
sobre a gestão e exploração desses recursos, evidenciando mais uma vez
sua dimensão geopolítica. De um lado, colocam-se os que consideram que
80
a biodiversidade deveria ser tratada como um recurso global ou uma herança
comum da humanidade, e, portanto, não pertencente às nações
individualmente, mas ao mundo em geral. De outro, estão os que se opõem
ao livre acesso aos recursos genéticos sob jurisdição nacional, já que, apesar
de reconhecerem a legitimidade das preocupações mantidas pela
“comunidade internacional” quanto à conservação da biodiversidade,
consideram que os países que a detêm possuem o direito de explorá-la em
seu próprio benefício.
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Soberania do Estado-Nação
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Walker (1990) sistematiza diferentes abordagens para interpretar o
significado de soberania do Estado-Nação:
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(a) como “codificação do princípio da igualdade entre membros da
comunidade internacional”, isto é, enquanto instrumento para lidar-se com
as situações de desigualdade e de dominação existentes;
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(b) como “codificação entre universalidade e diversidade cultural”, visando
garantir a possibilidade de diversidade cultural na diversidade espacialmente
limitada dos Estados-Nações;
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(c ) como “princípio legal”;
○
(d) como “princípio político”.
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Já Thomsom e Krasner (1990:195) definem soberania do Estado-Nação
como “a habilidade do Estado para controlar atividades que são
nominalmente ou juridicamente assuntos para decisões de autoridade”" ou
“o controle de um território definido por um governo estável que exercita a
autoridade final.”.
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Box
Box55
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Soberania adquire aqui um duplo significado. No plano das relações
internacionais, representa a afirmação da alteridade entre distintas unidades
político-territoriais — os Estados-Nações —, cuja independência ou
autonomia interna é reconhecida e respeitada pelas demais. No plano
81
interno dos países, significa a afirmação de um poder político centralizado
e de uma autoridade superior — o Estado Nacional, atuando como força
de aglutinação da diversidade no interior do território nacional.
Mas os interesses representados no governo central não
necessariamente correspondem aos das comunidades locais. Essas
comunidades representam microunidades histórico-culturais e territoriais
no âmbito de macrounidades e estruturas que constituem os EstadosNações.
Alguns segmentos vêm, por esse motivo, pressionando para que a
soberania sobre a biodiversidade seja garantida não só ao Estado, embora
ente fundamental nesse processo, mas também às populações locais,
especialmente as tradicionais, cujas opiniões nas decisões relativas a esses
recursos deveriam ser consideradas, já que são elas que, em última instância,
fazem uso direto e prestam significativa contribuição à conservação dos
recursos biogenéticos. Argumenta-se, a esse respeito, que “a nova soberania
nacional sobre os recursos genéticos demandada pelos governos no Sul
pode entrar em conflito com os interesses dos camponeses e grupos locais”
(Svarstad, 1994:47).
A questão da soberania sobre os recursos biogenéticos remete ainda
à discussão a respeito da propriedade sobre os mesmos. No caso dos
recursos mantidos in situ, na própria Convenção sobre Diversidade Biológica,
levantam-se dúvidas entre os juristas sobre se o conceito de soberania, tal
como nela expresso, define ou não a propriedade estatal sobre esses recursos
(Costa e Silva, 1997).
A propriedade sobre os materiais genéticos conservados ex situ tem
sido também objeto de controvérsia. Em 1987, a Organização para
Alimentação e Agricultura (sigla em inglês FAO29), vinculada à ONU,
reconheceu que os materiais genéticos mantidos em bancos de genes
públicos ou governamentais pertenciam ao Estado hospedeiro,
independentemente do seu local de origem. Já nos centros internacionais
29
Food and Agriculture Organization of the United Nations Organization.
82
de germoplasma, como no caso daqueles associados ao Grupo Consultivo
sobre a Pesquisa Agrícola Internacional (CGIAR), prevaleceu a concepção
do acesso público ao material coletado, embora muitos considerem que
tais centros são, em sua maioria, na prática, controlados por países
desenvolvidos, seus principais financiadores (Nijar, 1996).
A FAO vem recentemente promovendo uma rediscussão sobre o
assunto, em face das novas orientações estabelecidas pela Convenção sobre
Diversidade Biológica, sugerindo o estabelecimento de uma Rede
Internacional de Bancos de Genes, a qual deverá cobrir cerca de 70% dos
acessos realizados internacionalmente. Países e instituições participantes
da Rede deverão comprometer-se a tornar o material genético disponível
para fins de pesquisa e melhoramento vegetal, desde que respeitando os
direitos dos países provedores.
Propriedade Intelectual sobre Seres Vivos
Mas a disputa pelo controle sobre a biodiversidade vem expressandose, cada vez mais, na disputa pelo controle da informação estratégica a ela
associada.
Conforme lembrado por Santos (1996:1), “a matéria viva pode ser
submetida à propriedade corpórea, pública ou privada [por exemplo, através
do resultado de uma colheita], e à propriedade intelectual”, sendo esta última
exercida por um prazo determinado e de acordo com a legislação
estabelecida em dado território, a qual obedece princípios gerais
internacionalmente definidos. Desse modo, “patentes vêm sendo concedidas
para ‘inovações tecnológicas’ relacionadas com o todo ou parte de seres
vivos, sejam estes microrganismos, plantas ou animais (transformados pela
engenharia genética ou não), assim como para genes ou parte destes”,
abrangendo produtos, seus usos e processos de obtenção (idem).
Os direitos de propriedade intelectual sobre seres vivos ou material
biológico dizem respeito à informação contida nos genes do organismo e
83
não ao organismo em si, diferenciando-se da propriedade física ou corpórea
de uma dada espécie de planta ou animal. Apesar dessa diferença, a
propriedade intelectual sobre um ser vivo ou matéria biológica pode afetar
o acesso ao mesmo (ou a alguma de suas partes) bem como o uso que dele
se faz, já que possibilita ao “inventor” o exercício de direitos de monopólio,
ainda que temporário, sobre sua reprodução e comercialização, ou a cessão
desse direito em troca da cobrança de royalties.
Utilizam-se hoje diferentes formas de proteção legal à propriedade
intelectual relativamente à matéria viva, algumas das quais serão a seguir
objeto de breves comentários, tais como: patentes de seqüências de DNA;
patentes de microrganismos; patentes de cultivares e de animais transgênicos;
e proteção de cultivares e de direitos do melhorista30 .
Patentes de seqüências de DNA permitem o patenteamento de cada
característica de um dado ser vivo de maneira independente, fazendo
com que o mesmo possa ser objeto de diferentes patentes. Os problemas
relacionados a esse tipo de proteção patentária vão desde aspectos práticos,
como a viabilidade de fiscalização e controle do cumprimento da
legislação; passando por questões econômicas (por exemplo, no caso das
plantas, o acúmulo de patentes pode gerar um igual acúmulo de royalties,
com significativo impacto no preço final do produto); até implicações
éticas relacionadas à apropriação e privatização do sequenciamento
genético de seres vivos. Apesar das resistências ao patenteamento de
seqüências gênicas do ser humano, já ganha espaço a possibilidade de
patenteamento de genes humanos a partir de seu uso em pesquisas com
fins terapêuticos (Varella, 1996).
Patentes de microrganismos, de origem animal ou vegetal, podem
ser concedidas à sua seqüência de DNA ou ao microrganismo per se,
geralmente — mas nem sempre — de modo associado a um processo de
30
Além desses, no caso das plantas, os chamados híbridos, surgidos na década de 1930, constituem
hoje também uma forma de proteção natural de novas variedades, na medida em que sua produtividade,
que é de início bastante elevada, decresce rapidamente ao longo de gerações, impedindo assim a sua
reutilização pelos agricultores que, a cada nova safra, devem adquirir novas sementes no mercado
(Varella, 1996).
84
geração de um produto determinado. Em 1988 a OMPI definiu
microrganismo, para fins de depósito patentário, como “algo que se pudesse
depositar, que fosse autoduplicável ou estivesse incorporado ou contido
em organismos hóspedes e que fosse suscetível de reprodução pela
duplicação do organismo hóspede”. Já a Associação Brasileira de
Biotecnologia (ABRABI) adotou, em 1990, para efeitos de proteção
patentária, a definição de que “microrganismos seriam os objetos
unicelulares, não-embriogênicos e não diretamente organogenéticos”, sendo
ainda sujeitos à proteção “os objetos subcelulares, de moléculas a vírus,
inclusive genes e vetores de expressão.”.
Patentes de cultivares não são concedidas a características isoladas,
mas à nova variedade viva como um todo, obedecendo a todos os requisitos
da concessão de patentes de modo geral. Não se permite aqui o replantio,
pelo agricultor, das novas sementes naturalmente produzidas a partir da
que continha material patenteado.
No caso das variedades de animais ou de animais transgênicos, o
reconhecimento de patentes foi de início mais cauteloso devido às suas
implicações éticas, embora também aí já comecem a multiplicarem-se os
casos de proteção patentária, particularmente quando se tratam de pesquisas
relacionadas à prevenção, ao combate e ao tratamento de enfermidades.
Já a proteção não patentária dos direitos do melhorista ou de cultivares
destina-se especificamente a “prover os melhoristas com o direito exclusivo
de vender comercialmente uma variedade que seja nova, uniforme e distinta”
(UNEP/CDB/COP/3/22, 1996), e diz respeito aos direitos sobre o material
propagativo de uma dada variedade, no caso a semente31.Vem sendo mais
utilizada do que a forma anterior, já que, em princípio, procura atender às
especificidades do setor de sementes, muito embora os requisitos de registro
da nova cultivar sejam muito semelhantes aos do patenteamento32.
31
Santos (1995:2)destaca aqui a distinção entre grão (“produto utilizado para consumo ou
industrialização”) e semente (“normalmente definida como qualquer estrutura biológica utilizada
para a propragação de uma dada variedade”).
32
Os critérios normalmente utilizados para a concessão de registro da nova cultivar são: novidade,
distinguibilidade, estabilidade e, mais recentemente, correta denominação.
85
Nesse caso, a exemplo das patentes, o titular do registro é quem tem
o direito à comercialização da variedade, podendo cedê-lo a terceiros; mas
diferentemente das patentes, e pelo menos segundo as regras que
prevaleceram internacionalmente até então, o uso da semente por terceiros
para fins de pesquisa não requer qualquer autorização do melhorista, bem
como é permitido o replantio, pelo agricultor, dos melhores grãos obtidos
a partir da semente originalmente protegida.
Ainda de acordo com o sistema de proteção de cultivares hoje
predominante internacionalmente, o agricultor paga royalties apenas uma
vez, quando da aquisição no mercado das sementes melhoradas, ficando
isento de fazê-lo na sua reutilização ou comercialização em pequena escala.
Os defensores desse sistema alegam que, desse modo, além do monopólio
da exploração comercial do invento pelo inventor, a proteção de cultivares
garante também o “privilégio do agricultor” (Varella, 1996). No entanto,
como se verá adiante, as novas regras de proteção de cultivares que se
tentam impor internacionalmente tendem a reduzir os direitos do agricultor
e a ampliar os do melhorista.
O marco jurídico da concessão de patentes para organismos vivos,
excluindo o homem, no plano internacional, ocorreu quando da decisão
da Suprema Corte Norte-Americana, em 1980, estabelecendo a
patenteabilidade de microrganismos engenheirados per se como “fabricação
ou composição da matéria”33. A partir daí, houve um crescimento vertiginoso
dos pedidos de patente na área de engenharia genética ao âmbito mundial
(os marcos históricos a esse respeito podem ser encontrados em Cronologia
ao final do Capítulo).
No que se refere a variedades de plantas, a partir de 1930 os Estados
Unidos passaram a conceder patentes, mas apenas no caso de novas
variedades de plantas reproduzidas por meios assexuais, excluindo-se aquelas
reproduzidas por sementes. Na década de 1970, criou-se, naquele país, uma
33
Trata-se da caso Diamond vs. Chakrabarty, em que o Dr. Chakrabarty solicitou e obteve patente para a
bactéria Pseudomonas, contrariando decisão anterior do United States Patent and Trademark Office (USPTO),
que não permitia o patenteamento de seres vivos. A decisão foi baseada no fato de que a bactéria
patenteada fora produzida em laboratório, tendo como aplicação a degradação do óleo cru.
86
proteção especial para variedades de plantas obtidas por meio sexual, sendo
em 1985 admitida a patenteabilidade de plantas pela lei ordinária de patentes.
Na Europa, onde também desde a década de 1930 eram concedidas
patentes de processos na agricultura, a questão foi tratada através da criação
da União Internacional para Proteção das Obtenções Vegetais (UPOV34),
em 1961 em Paris, que estabeleceu um conjunto de normas de direito
exclusivo de reprodução de variedades melhoradas. A UPOV é uma entidade
internacional independente com estreita ligação com a OMPI (Organização
Mundial de Propriedade Intelectual), com sede em Genebra, integrada por
representantes de governos, sendo basicamente composta de países
desenvolvidos. Diferentemente da Convenção de Paris, na UPOV o principal
não é a atividade inventiva, mas a utilidade econômica da nova cultivar.
A UPOV já promoveu três revisões das suas normas — em 1972,
1978 e 1991 — sendo que a versão ainda hoje majoritariamente adotada
pelos países-membros é a de 197835, quando estendeu a participação para
países não europeus, passando a representar mais de 95% do mercado de
sementes dos países desenvolvidos de economia de mercado e mais de
70% do mercado de sementes de todos os países de economia de mercado.
A versão de 1991 é, por muitos, considerada mais “conservadora” e
mais alinhada aos interesses das grandes empresas multinacionais de
sementes do que a anterior, já que nela:
(a) admite-se o duplo sistema de proteção (por proteção de cultivares
e por patentes);
(b) estimula-se a proibição do replantio, restringindo assim a
possibilidade de o agricultor produzir sua própria semente a partir de uma
variedade melhorada;
(c) impõe-se a cobrança de royalties em diferentes etapas do processo
de produção e comercialização da semente melhorada e
34
Union Internationale pour la Protection des Obtentions Végétales.
Os países já filiados à UPOV não estão obrigados a aderir às orientações da nova versão, mas
apenas aqueles que se tornem novos signatários, a partir de uma data estabelecida no início como
dezembro de 1995 e ampliada, posteriormente em razão das poucas adesões obtidas na ocasião.
35
87
(d) conferem-se novos poderes ao melhorista quanto à autorização
de comercialização do material protegido.
Desse modo, a UPOV 91 estabelece limites muito mais estritos do
que a UPOV 78 para a realização de intercâmbio de sementes entre os
próprios agricultores tradicionais, ao permitir que o agricultor que seleciona
e faz uma pequena melhoria em uma semente, ainda que dentro das práticas
tradicionais da agricultura, possa registrá-la como uma nova variedade
vegetal, investindo-o, desse modo, de maior poder econômico em relação
a outros agricultores que desenvolvem a mesma atividade. Fica assim
impedido o pequeno agricultor de selecionar a sua semente e desenvolver
o seu cultivar, sem que tenha que pagar por isso, o que tende a beneficiar a
agroindústria, que tem muito mais recursos para empreender inovações
desse tipo.
Também dentre as deliberações da Rodada Uruguai do GATT afigurase a obrigatoriedade de adoção, pelos países signatários daquele Acordo,
de mecanismos de proteção de variedades vegetais, mesmo que para tanto
sejam utilizados “sistemas sui generis” de proteção, dada a inadequação dos
instrumentos de proteção patentária nesses casos.
Essa tendência ao estabelecimento de mecanismos de proteção à
propriedade intelectual sobre seres vivos ou seus componentes vem gerando,
no entanto, fortes controvérsias. Os já mencionados problemas (Capítulo
I) para aplicação dos princípios de novidade e inventividade, descrição plena
do invento e possibilidade de aplicação industrial do produto ou processo,
que regem o atual sistema de patentes, são ainda mais agravados na aplicação
de leis de propriedade intelectual às áreas biológica e biotecnológica, ademais
das questões de ordem ética, moral e religiosa envolvidas.
Uma primeira dificuldade reside na diferenciação entre um ser vivo
natural e um produto biotecnológico, ou entre uma “descoberta” e uma
“invenção”, quando se trata de um produto genético “novo”. Existe toda
uma linha argumentativa segundo a qual as pesquisas biológicas e da
engenharia genética geram, na verdade, descobertas e não invenções, já
que nada mais fazem do que recombinar materiais genéticos preexistentes,
ou isolar substâncias que ocorrem na natureza.
88
Conforme assinalado por Cruz (1996:178):
“A engenharia biológica (...) propõe-se a trabalhar como um
modificador, um transformador (modifier) em estruturas pré-dadas
e preexistentes, cujas realidades são o dado primário. Estas
estruturas não são nem inventadas e nem produzidas como “um
novo ente”. (...) Em engenharia biológica deparamo-nos com um
fazer parcial e não um fazer total. O que encontramos são alterações
de desenhos, modificações de lay-outs biológicos, ao invés de
desenhos próprios, construídos; e o resultado final não é um
artefato ou um produto, no sentido tradicional do termo, mas
apenas uma diminuta fração de uma transformação em corpos
preexistentes.”
Vandana Shiva (1995) é ainda mais enfática quanto a essa questão:
“...realocar genes não equivale a produzir um organismo inteiro.
Organismos produzem eles mesmos. Reivindicar que um
organismo e suas futuras gerações são produtos da mente de um
inventor, tendo de ser protegido pelos direitos internacionais de
propriedade como inovações biotecnológicas, equivale a negar a
auto-organização, as estruturas auto-replicantes dos organismos.
Colocado simplesmente, equivale a um furto da criatividade da
natureza.”
Uma segunda dificuldade da aplicação das leis de propriedade
intelectual nas áreas biológica e biotecnológica consiste no atendimento ao
requisito de plena descrição do objeto da patente, em particular quando se
trata da descrição de todo ou de parte de um ser vivo (este problema é
menor em relação a processos e produtos biotecnológicos36). Fica assim
comprometida a possibilidade de reprodução do “invento”.
36
O Tratado de Budapeste (1977) procurou solucionar essa questão, pelo menos no que se refere
aos microrganismos, estabelecendo um sistema internacional de depósitos de microrganismos, sob
administração da OMPI. Não é cumprido, no entanto, o requisito da descrição do invento; e ainda
que o acesso a esses microrganismos seja restrito a fins de pesquisa, permanece o problema da
segurança biológica.
89
A esse respeito, Barbosa & Arruda (1990:129) opinam que, na
concessão de patentes nas áreas biológica e biotecnológica, o requisito de
reprodutibilidade, ou seja, “a capacidade intelectual de reproduzir a idéia
inventiva, por sua aplicação material” vem sendo desconsiderada em relação
ao requisito de repetitibilidade, isto é, “a possibilidade material de obter
exemplares do objeto inventado”. Para os autores:
“o sistema de patentes industriais clássico exige a reprodução —
que expande o estado da arte — e não a simples repetição — que
expande a produção industrial, que no caso da área biológica
geralmente equivale à capacidade de autoperpetuação e
multiplicação do próprio objeto.”
Um terceiro aspecto problemático, associado ao anterior, refere-se
ao cada vez mais freqüente desrespeito ao requisito de aplicação industrial
quando da solicitação de uma patente em biotecnologia, o que pode levar
ao exercício de monopólio sobre materiais genéticos essenciais ao avanço
da pesquisa e do conhecimento científico nessa área. Este problema tem
sido recorrente no caso da solicitação de patenteamento de seqüências
gênicas.
O escopo e a delimitação do objeto da patente são também pontos
controvertidos nesses casos, por exemplo, quanto à definição de que partes
da estrutura física do gen devem ser patenteadas e sobre qual a abrangência
da patente concedida (um mesmo processo biotecnológico poder gerar
diferentes produtos, os quais podem ser, por sua vez, incorporados em outros
tantos produtos). Além disso, é importante considerar que o fluxo de genes
entre populações (por exemplo, entre variedades melhoradas e espécies
silvestres) freqüentemente ocorre de modo incontrolável (Santos, op. cit..).
Ademais dessas questões “técnicas”, a concessão de patentes nas
áreas biológica e biotecnológica envolve outros aspectos de ordem política,
social, econômica e ética, mobilizando e afetando diferentes grupos de
interesse, sobre os quais serão comentados apenas alguns.
90
Do ponto de vista da transferência de tecnologias, dado o caráter
estratégico que assumem as novas biotecnologias, o fluxo internacional de
conhecimentos e de documentos de patente da área tende a estar, na opinião
de especialistas, sob o controle político dos países onde se originaram, além
de ocorrer de modo desfavorável aos países em desenvolvimento, como
assinalado por Barbosa & Arruda (1990:142):
“O fluxo tecnológico amparado por patentes não está direcionado
para as necessidades e peculiaridades dos mercados dos países em
desenvolvimento, que, no campo da biotecnologia, podem ter traços
muito típicos. Ao contrário, tal tecnologia freqüentemente se destina
à substituição de produtos tropicais.”.
No que diz respeito à estrutura industrial, observa-se que os
segmentos que têm sido mais diretamente afetados pelos desenvolvimentos
biotecnológicos — em especial o farmacêutico, a indústria de alimentos e
a indústria sementeira — são também aqueles onde o sistema de patentes
tende a ampliar a concentração de capitais e a favorecer os grandes grupos
multinacionais, que, além de garantir proteção legal aos seus novos produtos
e processos de elevado valor comercial, ficam possibilitados de exercer
maior pressão sobre os preços finais desses produtos socialmente
estratégicos.
A patenteabilidade da matéria viva e de processos biotecnológicos
tem levantado também questionamentos a respeito de seus impactos sobre
a biodiversidade. De um lado, argumenta-se que os sistemas de propriedade
intelectual podem criar incentivos indiretos para a conservação e o uso
sustentável da diversidade biológica, na medida em que encorajam e
recompensam as pesquisas sobre recursos genéticos, desde que se garanta
a partilha de benefícios com os que provêem esses recursos ou
conhecimentos tradicionais a eles associados.
Por outro lado, teme-se que os atuais regimes de propriedade
intelectual e direitos de melhoristas contribuam para o declínio da
variabilidade genética conservada in situ, em razão da concentração das
91
pesquisas em poucas variedades mais lucrativas e pelo estímulo que
representam ao desenvolvimento de novas variedades transgênicas, em
detrimento do uso de variedades tradicionais nos cultivos alimentares. Essa
constatação tem levado a que muitos ambientalistas comecem a reivindicar
que os regimes de propriedade intelectual passem também a incluir
incentivos à conservação, e não apenas à inovação, e que promovam a
inovação também no plano das comunidades locais.
Há ainda a preocupação de que a apropriação privada (ainda que
indireta) de recursos genéticos, promovida pela proteção patentária,
contribua para restringir o acesso aos recursos biológicos e aos benefícios
advindos de seu uso; bem como a diminuir o fluxo e intercâmbio de material
genético, podendo afetar áreas estratégicas, como a de medicamentos e a
de segurança alimentar, particularmente quando se trata do patenteamento
de plantas.
As modificações mais recentes a esse respeito, a partir da Convenção
sobre Diversidade Biológica e suas interfaces com o Acordo TRIPs, serão
abordadas no próximo capítulo.
Controle do Acesso aos Recursos Genéticos
Até recentemente, prevaleceu a concepção (e a prática) do livre acesso
aos recursos genéticos, de acordo com a interpretação de que tais recursos
constituiriam uma herança comum da humanidade37. Essa percepção
começou a alterar-se na década de 1970, ante a constatação, pelos países
em desenvolvimento e ricos em biodiversidade, de que os materiais genéticos
37
“A expressão ‘herança comum da humanidade’ surgiu dos esforços das Nações Unidas para codificar
a lei internacional do mar e do espaço sideral no final dos anos 1960. O conceito inclui a idéia de que
alguns territórios (como a Antártida) e alguns recursos são importantes para todos, e que ‘eles
devem ser preservados no interesse comum de todos os Estados, ou explorados e utilizados de
modo a permitir a todos os Estados participarem e gozarem de seus benefícios.” (Rüdiger Wolfrum
& Christiane Phillipp, United Nations: Laws, Policies and Practice, London:Martinus Nijhoff
Publishers (1995), v.1 apud Costa e Silva, 1996).
92
originários de seus territórios vinham sendo crescentemente utilizados e
apropriados através de mecanismos de proteção intelectual, pelas indústrias
biotecnológicas do Norte; e de que os países e comunidades provedores
desses recursos não recebiam qualquer benefício como contrapartida aos
substantivos retornos financeiros obtidos através da comercialização dos
produtos daí derivados.
No início da década de 1960, pela primeira vez, uma resolução das
Nações Unidas38 afirmou o princípio da soberania dos Estados sobre seus
recursos naturais. Tal concepção foi reafirmada no Princípio 21 da
Declaração do Ambiente Humano da Conferência de Estocolmo em 1972
e, posteriormente, no Artigo 16 da Agenda 21 e no Artigo 3 da Convenção
sobre Diversidade Biológica, ambas firmadas durante a Rio 92.
Também a preocupação com a conservação dos recursos genéticos
ganhou projeção internacional na Conferência de Estocolmo. Desde 1947,
porém, a FAO vinha atuando como fórum de discussão sobre questões
relacionadas à conservação e ao controle dos recursos genéticos agrícolas
e, nos anos 70, como espaço para o debate a respeito das desiguais relações
entre fornecedores de germoplasma e os beneficiários do seu uso.
Uma primeira Conferência Técnica Internacional sobre o assunto
foi organizada pela FAO em 1967, com desdobramentos em 1973 e 1981.
Em 1983, firmou-se o Compromisso Internacional sobre Recursos
Fitogenéticos (sigla em inglês, I.U.39) da FAO, reconhecendo o livre acesso
tanto para o germoplasma básico ou bruto como para as variedades
melhoradas e de elite. Por seu intermédio, foi explicitado e regulamentado
um sistema, até então não codificado, de livre acesso e de livre troca de
recursos genéticos, principalmente para alimentação e agricultura.
Paralelamente, naquele mesmo ano, instituiu-se no âmbito da FAO a
Comissão sobre Recursos Genéticos Vegetais40, orientada para atuar como
38
Resolução 1803 (XVII) de 1962 (Costa e Silva, op.cit.).
International Undertaking on Plant Genetic Resources
40
O nome dessa Comissão foi modificado, em 1995, para Comissão sobre Recursos Genéticos para
Alimentação e Agricultura - CRGAA, sigla em inglês CGRFA (Commission on Genetic Resources for Food
and Agriculture).
39
93
um fórum intergovernamental permanente sobre o assunto, inicialmente
cobrindo as áreas de alimentação e agricultura e, posteriormente,
estendendo-se para biodiversidade animal e pesqueira. Essa Comissão
passou também a coordenar um Sistema Global para a Conservação e
Utilização de Recursos Genéticos Vegetais para Alimentação e Agricultura,
do qual hoje participam mais de 170 países.
O Compromisso Internacional da FAO firmado em 1983 contrariou
os signatários da UPOV41 , que, como já observado, reconhecia os direitos
dos melhoristas sobre os lucros da comercialização de sementes por eles
desenvolvidas, exercendo portanto direitos proprietários sobre essas
variedades.
Em 1989, uma reinterpretação do Compromisso de 1983 da FAO,
acordada em sua 25ª Conferência por pressão dos países desenvolvidos,
reconheceu os direitos de os melhoristas praticarem restrições ao livre fluxo
dos materiais melhorados. Em contrapartida, foi também adotado o conceito
de “direitos dos agricultores” (farmers’ rights) (Box 6), pelo qual se reconhecia
formalmente o papel das comunidades agrícolas tradicionais, ao longo de
gerações, no desenvolvimento e na conservação da variabilidade de sementes
e dos recursos genéticos das espécies agrícolas.
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Box 6
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De acordo com a Resolução 5/89 da FAO, farmer's rights significa “direitos
resultantes de contribuições passadas, presentes e futuras dos agricultores
para a conservação, o desenvolvimento e a guarda de recursos genéticos
vegetais, particularmente aqueles nos centros de origem/diversidade. Esses
direitos são outorgados pela Comunidade Internacional, como depositário
para as gerações presentes e futuras de agricultores, com o propósito de
garantir amplos benefícios aos agricultores, e apoiar a continuação de suas
contribuições”.
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FARMER’S RIGHTS
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41
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Ver item 2.3.1, deste mesmo Capítulo.
94
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Não se tratava da concessão, aos agricultores tradicionais, de direitos
de propriedade ou de autoridade sobre o acesso a esses recursos vegetais,
ou mesmo de remuneração pelo seu uso. Tratava-se mais propriamente,
como assinalado por Svarstad (1994), de um comprometimento
internacional para prover incentivos às práticas agrícolas tradicionais que
contribuíssem para conservar e desenvolver a diversidade genética e
biológica, propondo-se para isso a criação de um fundo, o qual entretanto
nunca chegou a operar plenamente. Ademais, pelo que ficou então
estabelecido, não seriam os agricultores individualmente, ou seus
descendentes, os beneficiários diretos de um eventual apoio financeiro,
mas o governo nacional correspondente, ao qual caberia gerir esses recursos.
Desde então, conforme já assinalado, proliferaram instrumentos de
proteção à propriedade das sementes resultantes do melhoramento genético
de espécies vegetais, tendendo-se a valorizar as variedades melhoradas e a
desvalorizar os materiais fonte ou de origem, como espécies nativas e
selvagens. Em contrapartida, os países de origem de recursos biológicos e
genéticos, geralmente países em desenvolvimento — e não apenas seus
governos, mas também as populações locais envolvidas — passaram a
reivindicar, cada vez mais, o justo reconhecimento e compensação pelo
acesso a esses materiais.
Uma nova revisão do Compromisso Internacional da FAO impôsse, à luz das modificações geradas a partir da revisão de 1991 da UPOV, do
Acordo TRIPs e da Convenção sobre Diversidade Biológica, aspecto que
será abordado no próximo capítulo.
Aqui cabe assinalar uma dupla tendência. Por um lado, observa-se o
fortalecimento da posição favorável ao controle soberano dos recursos
genéticos e biológicos, pelos países deles detentores, ao menos na retórica
dos acordos internacionais estabelecidos na área nos últimos anos, controle
este que, no entanto, ainda demonstra grande fragilidade de aplicação prática.
Por outro lado, identifica-se o crescimento das atividades de
prospecção da biodiversidade, também apelidadas de “bioprospecção”, ou
de “garimpagem genética”, estimuladas pelo desenvolvimento das técnicas
95
de screening, bem como da biotecnologia e da engenharia genética. A maior
parte dessas atividades de bioprospecção, porém, é realizada sem qualquer
controle, caracterizando o que hoje já se convencionou chamar de
“biopirataria”. Através de instrumentos formais (por exemplo, acordos de
cooperação técnico-científica) ou de uma ação informal (como o
“ecoturismo”), coletam-se livremente amostras de espécies e de
microrganismos em regiões ricas em biodiversidade, visando seu
aproveitamento posterior em programas de desenvolvimento tecnológico
e industrial de outros países. Levantamentos indicam que a maior parte
dessas atividades de bioprospecção vem sendo realizada em países em
desenvolvimento42 .
Ainda que em pequeno número, vêm-se estabelecendo também
acordos comerciais e de pesquisa entre empresas privadas (geralmente de
países desenvolvidos) e governos, instituições ou comunidades locais de
países detentores de recursos genéticos. Arnt (1994) cita alguns exemplos
desses acordos:
“A Glaxo, empresa farmacêutica inglesa, fechou um acordo de
prospecção das florestas de Gana. A Novo, da Dinamarca, uma
das maiores produtoras de enzimas do mundo, fez acordo de
pesquisa na Nigéria. Uma rede de empresas privadas e organizações
inglesas opera nos Camarões. Há acordos que merecem ser
acompanhados, como o dos Kuna, do Panamá, com o Smithsonian
Tropical Research Institute, desde 1983, ou o Projeto Etnobotânico
de Belize, estabelecido em 1987 com o Jardim Botânico de Nova
Iorque, com o apoio do Instituto Nacional do Câncer dos EUA e
a Usaid. Dentro desse contexto, merece ainda mais atenção o
acordo da Costa Rica com a Merck.” (Arnt, 1994)
Dentre esses, um dos casos recentes mais citados e controvertidos é
o acordo para prospeção de espécies medicinais, firmado em 1991 entre a
42
Relatório recente produzido pela organização não-governamental Rural Advancement Foundation
Internacional (RAFI), citado por Nijar (1996), indica que 83% dos projetos de bioprospecção são
desenvolvidos sobre a biodiversidade terrestre do Sul.
96
Merck & Co., Inc., uma das maiores indústrias farmacêuticas do mundo, e
o governo da Costa Rica, através de seu Instituto Nacional de Biodiversidade
(INBIO), centro de pesquisa responsável pelo inventário da flora e da fauna
costarriquenha. No acordo Merck-INBIO, a Merck compromete-se a pagar
ao governo costarriquenho, por 10 mil amostras de plantas, US$ 1,3 milhão
mais um percentual de royalties sobre os produtos a partir daí desenvolvidos.
Muitos consideram esse acordo um avanço, na medida em que
reconhece formalmente os direitos de soberania e comercialização de um
país sobre seus recursos genéticos; mas outros o criticam por não remunerar
adequadamente a Costa Rica pela exploração de sua biodiversidade, como
opina Cordeiro (1995:39):
“Considerando que a Merck costuma gastar até US$ 125 milhões
para desenvolvimento de nova droga, este tipo de contrato facilita
e barateia bastante o custo de desenvolvimento de novos produtos
e deixa claro que o maior favorecido ou compensado é a própria
Merck. Portanto isto está muito longe de ser considerado uma
valorização justa da biodiversidade costarriquenha ou um
reconhecimento real dos direitos das comunidades locais sobre os
recursos biológicos presentes em seu território”.
Uma das principais controvérsias e dificuldades no estabelecimento
de mecanismos de controle sobre o acesso a recursos genéticos reside na
definição da autoridade competente, responsável não apenas pela
autorização do acesso e das condições nas quais ele irá se realizar, mas
também pela garantia, inclusive junto aos foros legais, do cumprimento
dos termos acordados. Questionamentos são levantados a respeito da
legitimidade dos diferentes atores para assumirem compromissos e tomarem
decisões em nome de comunidades locais, bem como da legitimidade dessas
próprias comunidades em relação a outras comunidades potencialmente
beneficiárias dos acordos firmados.
É também cada vez mais relevante a questão da titularidade de
direitos patrimoniais sobre os recursos genéticos e biológicos, remetendo,
97
mais uma vez, à questão da propriedade sobre esses recursos. Daí buscaremse, na disciplina jurídica, artifícios para contornar a dupla condição — pública
e privada — dos recursos biogenéticos, propondo-se para tanto a figura de
“bem público de uso especial”, que é assim definido por Arcanjo (1996:15):
“Acata-se o princípio do interesse público para a tutela destes bens,
permitindo-se ao poder público excepcionar, em bases legais e
contratuais, a condição de impossibilidade de apropriação privada,
que é exatamente a finalidade do acesso.”
Outras dificuldades dizem respeito à contabilização, monetária ou
não, dos resultados, benefícios e efeitos multiplicadores advindos do acesso
— sejam eles comerciais, intelectuais ou sociais —, bem como quanto ao
controle e à contrapartida sobre esses ganhos e benefícios. A partilha de
benefícios, por sua vez, apesar de amplamente aceita no plano do discurso,
não logrou ainda impor-se na prática, na medida em que significa reduzir
ou, melhor dizendo, distribuir ganhos até então exclusivamente apropriados
pelos grandes agentes econômicos.
Proteção dos Conhecimentos Tradicionais
Uma outra questão que vem tendo destaque e sendo objeto de
controvérsias no atual debate político relativo à temática da biodiversidade
refere-se aos direitos das chamadas “populações indígenas” ou tradicionais
(Box 7).
98
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Box 7
Box 7
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Utilizam-se alternativamente os termos populações, povos, comunidades
ou nações indígenas, com nuances de significado principalmente em relação
a direitos de autonomia e autodeterminação política desses grupos sociais
em relação ao Estado-Nação ao qual hoje pertencem. Alguns aspectos são
comuns às definições normalmente utilizadas para esses grupos sociais:
uma história contínua e comum, cujo desenvolvimento geralmente sofreu
um duro golpe com a colonização européia; uma identidade étnica e
sociocultural; e a ocupação ancestral de dado território.
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De acordo com definição do Conselho Mundial de Povos Indígenas, de
1977 (apud Axt et al., 1993), “povos indígenas são grupos de populações
como nós, os quais, desde os tempos remotos, têm habitado as terras onde
moramos; os quais são conscientes de possuir um caráter comum próprio,
com tradições sociais e meios de expressão associados ao país herdado de
nossos ancestrais; com uma língua própria nossa e tendo certas
características essenciais e únicas que nos conferem uma forte convicção
de pertencer a um povo, que tem uma identidade nossa e deve assim ser
visto pelos outros.”.
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Esses grupos sociais costumam reivindicar direitos geralmente de caráter
coletivo, como o direito à terra, aos recursos naturais, à autodeterminação
política e à cultura própria.
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No caso dos direitos relacionados à biodiversidade, alguns sugerem o termo
comunidades locais como mais apropriado, referindo-se a “um grupo de
pessoas possuindo uma organização social estabelecida, que as mantenha
unidas seja em uma determinada área ou de alguma outra maneira...” (Nijar,
1996). Outros ainda preferem o termo populações ou comunidades
tradicionais, que abrangeria também, por exemplo, os agricultores que
desenvolvem práticas tradicionais na agricultura.
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POPULAÇÕES INDÍGENAS OU TRADICIONAIS
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Três espécies de considerações gerais têm permeado a discussão a
esse respeito:
99
1 - a importância de se resguardarem os conhecimentos e práticas
dessas comunidades, em face do papel que estas têm historicamente
desempenhado na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica;
2 - a crescente valorização dos conhecimentos tradicionais, diante
da constatação de sua relevância na indicação da localização e dos possíveis
usos e aplicações comerciais dos recursos biogenéticos, fazendo com que
o acesso a esses recursos esteja cada vez mais vinculado ao acesso a seu
“componente intangível” (ou seja, o conhecimento tradicional associado);
3 - o compromisso moral de assegurar que essas populações usufruam
dos ganhos e benefícios advindos do uso de seus conhecimentos e
participem das decisões relativas a seu uso.
Esse conjunto de questões ganha expressão na medida em que os
conhecimentos das comunidades locais tradicionais passam a despertar um
interesse crescente nas indústrias de alta tecnologia, em particular daquelas
que atuam em áreas associadas à biotecnologia, ao servirem como
verdadeiros “atalhos” para as atividades de bioprospecção, fornecendo
informações relevantes para o desvendamento das propriedades e dos
possíveis usos das diferentes formas de vida, em especial das plantas43.
O mercado de produtos farmacêuticos derivados de plantas utilizadas
pela medicina praticada por populações tradicionais é hoje estimado em
US$ 43 bilhões anuais, mas, segundo cálculos de Darrel Posey44 (apud Costa
e Silva, 1996), menos de 0,001% dos lucros obtidos com esses fármacos
retornaram para essas comunidades.
Não existem hoje mecanismos legais de proteção aos conhecimentos
e práticas das populações tradicionais. Ao contrário, aos atuais sistemas de
garantia de direitos de propriedade intelectual reputam-se efeitos erosivos
43
Estudo publicado em 1985 pela Organização Mundial de Saúde (apud Axt et al, 1993) dava conta
de que 74% de 120 compostos ativos isolados de plantas superiores, com uso medicinal, evidenciam
uma forte relação entre seus usos terapêuticos modernos e seus usos tradicionais, reforçando a
importância dos conhecimentos e práticas tradicionais como indicadores de novos usos de recursos
biogenéticos.
44
Darrell Posey acredita que “minerar as riquezas do conhecimento nativo irá tornar-se a mais
recente forma neo-colonial de exploração das populações nativas.” (apud Agarwal & Narain, op.cit.).
100
sobre esses conhecimentos e práticas, já que neles não se incluem as
“inovações” geradas de forma coletiva e ao longo de gerações, através de
uma estreita e contínua relação com o meio ambiente local. Ao mesmo
tempo, é cada vez mais freqüente o patenteamento, pela indústria, de
produtos derivados desses materiais genéticos, causando impedimentos ao
seu uso pela sociedade em geral, particularmente pelas comunidades
localizadas nos territórios de onde se originaram.
Progressivamente, abre-se espaço, no plano internacional, para o
reconhecimento de direitos das comunidades indígenas sobre seus
conhecimentos e práticas, bem como para o debate sobre os meios de
conceder-lhes estatuto jurídico apropriado. Parte-se do suposto de que os
conhecimentos tradicionais devem ser reconhecidos “como uma criação
intelectual das comunidades e não a ‘herança comum da humanidade’ ”
(Laird, 1995:7), e que se deve outorgar às populações que os detêm o poder
de decisão, controle e usufruto de sua apropriação e utilização. A forma de
fazê-lo suscita, no entanto, muitas dúvidas e controvérsias, como aliás não
poderia deixar de ser, dado o caráter absolutamente novo da questão. Os
principais pontos de vista em debate a esse respeito são sumariados a seguir45.
Alguns advogam que os conhecimentos dessas comunidades devem
ser considerados parte dos sistemas de inovação tecnológica formalmente
estabelecidos, e desse modo obter reconhecimento no regime de proteção
à propriedade intelectual hoje vigente. Mas, do mesmo modo que se impõem
restrições ao reconhecimento de direitos de propriedade intelectual a
conhecimentos científicos sobre fenômenos naturais, questiona-se a
concessão de direitos, a comunidades nativas ou locais, sobre informações
a respeito de como a natureza se comporta e reage. Ou seja, também aí
seria necessário demonstrar a existência de uma invenção e não
simplesmente de uma descoberta .
Por outro lado, existe a preocupação de que, na definição de um
sistema de proteção aos conhecimentos e práticas tradicionais, e tendo em
45
A principal referência aqui foi UNEP/CBD/COP/3/22, 1996.
101
vista seu caráter eminentemente coletivo, não se procure imprimir o sentido
individualista e monopolista que caracteriza os atuais padrões de proteção
à propriedade intelectual, “comodificando” (reduzindo a meras commodities)
esses conhecimentos ou os recursos biogenéticos mantidos e desenvolvidos
por essas culturas, e privatizando-os com fins estritamente comerciais.
Essa “comodificação” dos recursos genéticos é também objeto de
preocupação, considerando seus possíveis impactos sobre: (a) os sistemas
tradicionais de intercâmbio local de espécies nativas e cultivares; (b) os
padrões culturalmente estabelecidos nas práticas das comunidades
tradicionais com relação à biodiversidade; (c) o estímulo à competição entre
países ou comunidades vizinhas que compartilham de riquezas biogenéticas
comuns e, ainda, (d) o incentivo à superexploração comercial de regiões
ricas em recursos genéticos e biológicos (Laird, 1995).
Alternativamente, acredita-se que a proteção dos direitos intelectuais
dessas comunidades poderá contribuir, ao contrário, para impedir a
comodificação de seus conhecimentos e recursos (Nijar, 1996).
Nesse sentido, algumas propostas sugerem a criação de sistemas sui
generis de proteção de direitos de propriedade intelectual que sejam
apropriados ao modo particular como essas comunidades produzem
conhecimento. Para tratar a matéria, cunharam-se termos ainda não
reconhecidos na disciplina jurídica, como os de “direito intelectual coletivo”,
“direito coletivo de propriedade intelectual”, “direito aos recursos
tradicionais” e ainda “direito à integridade cultural e intelectual”, estes dois
últimos menos marcados por um caráter monopolista ou proprietário.
Por fim, propõem-se ainda, ao invés de se promoverem modificações
nos sistemas de propriedade intelectual existentes, que simplesmente se
restrinjam direitos de propriedade intelectual sobre invenções derivadas ou
apoiadas em conhecimentos tradicionais. Outros acreditam, por outro lado,
que bastaria obter o consentimento prévio informado das populações
indígenas para fazer uso das informações derivadas de suas práticas e
conhecimentos.
Do mesmo modo que na questão do acesso a recursos genéticos, a
proteção da propriedade intelectual (ou como se venha a chamar) nesses
102
casos, gera também controvérsias sobre a quem cabe a titularidade desses
direitos — se às comunidades ou a seus representantes, se a organizações
governamentais ou a representações de outro tipo. Essa questão torna-se
ainda mais complexa, particularmente no caso das práticas em agricultura,
ao se constatar que boa parte desses conhecimentos foi construída ou é
partilhada por grupos sociais territorialmente dispersos. Sobre esse aspecto
da questão Cordeiro (op. cit..) opina que:
“O conhecimento sobre a utilização dos recursos biológicos, e
mais especificamente o desenvolvimento da diversidade agrícola,
é um produto coletivo ampliado temporal e geograficamente.
Portanto, não é possível adotar mecanismos legais de proteção
individual para produtos biológicos como os que são adotados
para produtos industriais. Estes direitos também não podem ser
exclusivos ou monopolistas para um determinado grupo.”
Note-se que o próprio conceito de conhecimento tradicional é
dinâmico, sendo definido menos por sua antigüidade e mais pelo processo
social pelo qual é adquirido, compartilhado e utilizado, o que é específico a
cada cultura nativa ou tradicional (UNEP/CDB/COP/3/19, 1996). Como
se vê, são problemas de fundo, que em geral relacionam-se ao
reconhecimento de autonomia e autodeterminação política, bem como de
identidade cultural, às comunidades locais envolvidas, seja quanto ao
benefício de direitos, seja em relação ao exercício da autoridade.
No plano internacional, algumas iniciativas vêm sendo reconhecidas
como relevantes no que se refere à proteção de direitos das populações
tradicionais, particularmente no âmbito:
- da Organização Mundial do Trabalho (na sua Convenção 169,
firmada em 1989, substituindo a Convenção 107, sobre Populações Tribais
e Indígenas, adotada em 195746 );
46
Ao contrário da Convenção 107, cuja tônica era a da assimilação cultural, a Convenção 169
orienta-se para a preservação cultural dessas comunidades. Mas, ainda que vista como um avanço
em relação à anterior, é considerada por alguns setores aquém do desejável.
103
- da Organização Mundial de Propriedade Intelectual;
- da Organização das Nações Unidas (em especial em suas Comissão
de Direitos Humanos, Comissão de Prevenção da Discriminação e Proteção
das Minorias e Comissão de Desenvolvimento Sustentável, além do PNUD
e do seu Grupo de Trabalho sobre Populações Indígenas, este constituído
em 1982);
- de políticas dos Bancos de Desenvolvimento Multilateral e Agências
Internacionais, como o Banco Mundial (em sua Diretriz Operacional 420,
sobre “Povos Indígenas”), o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(estabeleceu em 1995 uma Unidade de Povos Indígenas e Desenvolvimento
Comunitário);
- entre outras iniciativas47, particularmente a Convenção sobre
Diversidade Biológica. A questão dos direitos de propriedade sobre os
conhecimentos tradicionais, no entanto, não é tratada na maioria desses
fóruns e instrumentos.
Os Riscos da Biotecnologia
Na década de 1980, ao mesmo tempo em que se ampliaram as
expectativas quanto ao potencial econômico e social das biotecnologias,
também despontaram preocupações, de caráter ambiental, social e ético, a
respeito de seus impactos.
A discussão a esse respeito tem centrado-se principalmente na questão
dos organismos geneticamente modificados pelas biotecnologias e no seu
deslocamento “transfronteiras”, embora outros fatores estejam também
envolvidos, especialmente os impactos da introdução de organismos
alienígenas. A ênfase nesse aspecto é devida a que a liberação no ambiente
de organismos transgênicos — ou seja, organismos que não existiam na
natureza, mas foram artificialmente produzidos pelo homem — vem sendo
47
Mais informações a esse respeito podem ser encontradas em UNEP/CBD/COP/3/19, 1996.
104
considerada um perigo potencialmente exacerbado a mil, se comparado
com os impactos já comprovados da introdução de espécies exóticas no
ambiente.
Ainda que os genes estejam sendo, um a um, mapeados pela ciência,
o que se sabe hoje, em termos de segurança ambiental, é muito pouco. Ao
se promover, de forma artificial, a troca de informações genéticas entre
seres vivos, rompe-se com a fronteira natural entre as espécies, tornando
imprevisíveis os impactos que esses experimentos podem causar ao
escaparem para o meio ambiente, ou ao trocarem genes com outras espécies.
Daí porque afirma-se cada vez mais, nas negociações internacionais
na área ambiental, o princípio da precaução ou cautela. Este vem sendo
considerado o princípio ambiental mais importante do próximo século,
motivando esforços para a institucionalização de instrumentos reguladores
dirigidos para garantir o que já se convencionou denominar de
“biossegurança” e para o controle dos movimentos transfronteiriços de
organismos geneticamente modificados.
O tema da “biossegurança” vem gerando, porém, sérios conflitos,
estabelecendo-se uma polarização basicamente entre dois grandes pontos
de vista. De um lado, estão os partidários de um controle rígido sobre a
biotecnologia, preocupados em evitar os riscos atuais e potenciais dessas
atividades, já que, como anteriormente assinalado, o conhecimento sobre
seus efeitos no meio ambiente e na saúde humana, mesmo os efeitos da
manipulação genética em laboratórios, é ainda restrito. Essa posição tem
sido geralmente expressa por setores religiosos e ONGs ambientalistas,
que afirmam a necessidade de que as atividades em biotecnologia sejam
orientadas por uma “bioética”.
No outro extremo, estão os que desejam a maior liberdade possível
de atuação no desenvolvimento de biotecnologias, seja por motivos
meramente científicos, seja por interesses comerciais. Os cientistas não
desejam ver restringidas suas experimentações nessa área, temendo que se
impeçam avanços considerados altamente relevantes no campo da ciência.
Para importantes segmentos industriais, por sua vez, a imposição de normas
105
e regulações para o desenvolvimento de seus produtos e processos pode
representar grandes “perdas” econômicas, ou talvez, a impossibilidade de
ganhos adicionais. Alguns países também não desejam submeterem-se a
mecanismos internacionais de controle das condições de segurança em que
desenvolvem, ou que pretendem desenvolver, internamente suas
biotecnologias.
Algumas iniciativas vêm sendo tomadas, de modo a harmonizar a
abordagem sobre as questões de biossegurança em âmbito internacional,
tais como (UNEP/CBD/IC/2/12, 1994):
(a) adoção das Diretrizes do Conselho Europeu de 23 de abril de
1990, quanto ao uso de microorganismos geneticamente modificados e a
liberação deliberada de organismos geneticamente modificados no meio
ambiente;
(b) publicação, em 1991, pela OCDE, do relatório “Considerações
de Segurança para o Uso de Organismo Geneticamente Modificado:
Elaboração de Critérios e Princípios para Boas Práticas Industriais de Larga
Escala e Princípios de Bom Desenvolvimento, Orientação para o Design
de Pesquisas de Campo de Pequena Escala com Microrganismos e Plantas
Geneticamente Modificados”;
(c) publicação, em 1991, pelo Escritório Internacional de Episóticos
da Organização dos Estados Americanos (OEA), das “Orientações para
Liberação no Ambiente de Organismos Geneticamente Modificados”, do
Instituto Interamericano para Cooperação em Agricultura (IICA).
A discussão a esse respeito no âmbito da Convenção sobre
Diversidade Biológica será abordada no próximo capítulo.
Quem Paga?
Por fim, mas não menos importante, coloca-se a questão do
financiamento internacional das ações demandadas à conservação da
biodiversidade e a seu uso sustentável, aspecto revelador da existência ou
106
não de uma real disposição em se implementarem ações concretas nessa
direção. Aí estabelece-se um “cabo de guerra” entre os países doadores, ou
seja, aqueles que dispõem de maiores recursos financeiros para viabilizar
ações nesse campo, e os países que necessitam desse apoio por serem
simultaneamente ricos em natureza carente de proteção, mas pobres em
recursos financeiros para fazê-lo.
A afirmação da soberania dos Estados-Nações sobre sua
biodiversidade, por outro lado, se abre espaço para a decisão soberana dos
governos e comunidades sobre o acesso e o uso dos seus recursos genéticos,
pode também deixar frouxa a obrigação dos países desenvolvidos em
contribuir financeira e tecnologicamente para os esforços do Sul na
conservação desses recursos.
São, portanto, esses os grandes eixos de conflito em torno da questão
da biodiversidade hoje.
Dentre a multiplicidade de temas hoje em discussão a esse respeito,
o da conservação é o que talvez esteja mais avançado em termos do acúmulo
e do amadurecimento do debate tanto político, quanto científico.
O tema da biossegurança coloca-se, também, em cada vez maior
evidência e sob acirrados conflitos, na exata medida em que a variável
tecnológica impõe-se e suscita novas questões dos pontos de vista ético, da
saúde humana e do meio ambiente.
Mas é o caráter estratégico da informação associada à diversidade
biogenética que representa o elemento novo dessa problemática e que hoje
a define como questão estratégica. Do mesmo modo, é a disputa pelo
controle das vias de acesso à essa informação — seja através do controle
do acesso aos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados,
seja por meio do controle do acesso a tecnologias de ponta — o que melhor
caracteriza a biodiversidade como questão ao mesmo tempo
tecno(eco)lógica e geopolítica.
Os recursos genéticos dos países do Sul encontram-se em geral
disponíveis sem encargos, enquanto que os produtos baseados nesses
mesmos recursos, mas desenvolvidos no Norte, tornam-se progressivamente
107
sujeitos ao controle de empresas privadas. Ao mesmo tempo, os países
centrais utilizam-se de mecanismos de negociação multilateral para impor
leis de patentes uniformes, que dificultam ou impedem a transferência de
biotecnologias e outras tecnologias associadas aos países menos
desenvolvidos tecnologicamente, ainda que ricos em biodiversidade. Em
contrapartida, estruturam-se fortes movimentos de resistência à livre
apropriação dos recursos genéticos e dos conhecimentos nativos e
tradicionais a eles associados.
No próximo capítulo são analisados os rebatimentos e o
encaminhamento, no plano institucional, desse conjunto de questões.
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MARCOS INSTITUCIONAIS DO PATENTEAMENTO
NAS ÁREAS BIOLÓGICA E BIOTECNOLOGIA
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(extraído e adaptado de Cruz, 1996)
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1871: FRANÇA. Pela primeira vez outorgou-se uma patente para um
organismo vivo (Patente de Louis Pasteur “aperfeiçoamento no processo
de fabricação da cerveja: levedura livre de germes patogênicos”).
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1873 em diante. Os Estados Unidos passam a conceder patentes para
fermentação de vacinas bacterianas. Uma sentença de 1908, entretanto,
revogará esta orientação e irá declarar não patenteáveis estes objetos. O
problema de patentes microbiológicas surgirá somente com a descoberta
da penicilina, cerca de 1930. O essencial do novo problema suscitado não
era o processo de cultivo do microorganismos, mas sim a descrição dos
organismos per se. Para superar este problema, os Estados Unidos, em
1949, começaram a exigir, além da descrição detalhada da invenção, o
depósito do microorganismo em questão.
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1914: ALEMANHA. O Escritório de Patentes Alemão declara que somente
podiam considerar-se invenções industriais aquelas que tivessem por objeto
uma atuação dos meios externos sobre matérias inorgânicas com uma
finalidade prática, o que excluía a patenteabilidade das ações sobre seres
vivos. Vários juristas e autores, como por exemplo, F.Damme e R.Lutter, já
em 1925, defenderão posições radicalmente opostas a essa decisão:
“Excluindo-se o corpo humano, tudo, sem exceção, é matéria, com a qual a
técnica trabalha.”
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Box
Box78
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1963: EUROPA. A Convenção de Estrasburgo estabelecerá, entre outras
questões, que os Estados “não estão obrigados a prever a concessão de
patentes para as variedades vegetais ou para as raças animais, assim como
para os processos essencialmente biológicos de obtenção de vegetais ou de
animais, não aplicando-se esta disposição aos processos microbiológicos e
aos produtos obtidos por tais procedimentos.” (art.2.b). Esta mesma norma
voltou a aparecer, reproduzida quase que literalmente, no artigo 53.b do
Convênio de Munique sobre Patente Européia, de 5/out/1973: os processos
microbiológicos poderiam ser protegidos no âmbito das legislações de
patentes; as obtenções de novas variedades de vegetais e animais, não.
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1962: EUA. Caso LEGRICE sobre a patenteabilidade de variedades de
rosas: a simples descrição escrita publicada anteriormente não permitia
aos peritos e experts a reprodução da planta, posto que a descrição era
incapaz de colocar estas rosas em domínio público, à luz dos conhecimentos
da época.
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1961: Aprovada, em Paris, a Union Internationale pour la Protection des
Obtentions Végétales - UPOV, e seu Tratado Multilateral.
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1949: EUA. Em decorrência dos problemas suscitados da descrição dos
microorganismos per se, desde a descoberta da penicilina, em cerca de
1930, os Estados Unidos iniciam a prática de incluir nos depósitos de
patentes biológicas, a referência de depósitos do próprio microorganismo
em coleções de cultivo internacionais, isto é, a exigência do depósito do
microorganismo como suplemento da descrição do invento.
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1934: ALEMANHA. Admite a patenteabilidade dos processos de produção
de vegetais caracterizados por ocasionar uma mutação da massa hereditária
da planta.
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1932: ALEMANHA. Admite a patenteabilidade de processos agrícolas de
cultivo.
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1932: EUA. Caso Guaranty Trust Co. v Union Solvents Corp. declara a
patenteabilidade de um processo de fermentação para a obtenção de aceta
e butil-alcool a partir da farinha de milho, empregando uma bactéria.
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1930: EUA promulgam uma Lei sobre Patentes para Variedades de Plantas
(The Plant Patent Act), referida somente para as novas variedades com
reprodução assexuada.
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1922: ALEMANHA. O Reichsgericht admitiu que pode ser industrial uma
invenção em cuja execução tenha-se que empregar forças ou materiais da
própria natureza orgânica.
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1920 em diante: Começa-se a admitir a proteção das invenções no campo
da biologia.
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1984: OMPI. Primeira Reunião Internacional de Peritos sobre Invenções
Biotecnológicas e Propriedade Intelectual.
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1983: Pela primeira vez insulina humana produzida pela técnica rDNA
(recombinação genética do DNA) é comercializada. A produção de insulina
por esta técnica é feita em 1978, por Gilbert e C.Weissman.
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1983: O Escritório Europeu de Patentes (no caso Ciba-Geigy) admite a
patenteabilidade não de uma variedade de planta, mas do material de
reprodução, tratado como agentes químicos para determinados gêneros de
plantas.
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1980: EUA. A Corte Suprema dos Estados Unidos concede uma patente
para o pedido de Cohen e Boyer, de 1974, para a técnica de seqüenciamento
químico do DNA, a qual permitia sintetizar seqüências gênicas para posterior
inserção em células. É uma das patentes mais citadas e mais importantes na
área de biotecnologia.
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1980: EUA. A Corte Suprema dos Estados Unidos, por 5 votos a 4, concede
autorização para o registro de patente no campo das ciências biológicas,
permitindo à General Electric a obtenção de uma patente para uma linhagem
de bactéria do gênero Pseudomonas “criada” por Ananda Chakrabarty, em
laboratório. Os debates sobre esta descoberta vinham ocorrendo desde 1972.
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1977: Firmado em Budapeste o Tratado sobre Reconhecimento Internacional
de Depósito de Microorganismos para a Finalidade de Processos de Patentes.
Reconhece-se então o depósito de microorganismos efetuado ante uma
autoridade nacional de depósito.
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1975: ALEMANHA. Permitido o depósito de microorganismos e a
disponibilidade do microorganismo depositado no Escritório de Patentes e
ao público foi reconhecida como revelação suficiente de um pedido de
privilégio de invenção.
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1974: Solicitada uma das primeiras patentes biotecnológicas que descreve
a utilização de plasmídeos ou vírus para enxertar genes exógenos em
microorganismos.
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1970: Os Estados Unidos promulgam um Lei de Proteção das Obtenções
Vegetais: títulos de proteção para plantas de reprodução sexual.
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1969: ALEMANHA. Famosa resolução da Corte Federal de Justiça (BGH),
no caso da “Pomba Vermelha”, sobre a patenteabilidade de um processo
para a criação de um pomba com plumagem vermelha. A Corte Federal
considerou como invenções técnicas, e portanto não excluídas da proteção
patentária, o aproveitamento planejado de forças naturais biológicas em
processo de cultura de animais. Esta mesma doutrina foi reiterada na Corte
de Justiça em 1975, no caso da levedura de panificação.
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1968: ALEMANHA. Promulga a Lei de Proteção das Variedades Vegetais.
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1987: ALEMANHA. O BGH especificou os pré-requisitos para se conseguir
proteção específica para microorganismos.
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1987: EUA. Diferentemente da quase maioria dos países, o USPO declarou
que os “animais superiores” poderiam ser patenteados sempre e quando
estas invenções fossem resultado da intervenção do homem, e seu objeto
não fosse o próprio homem.
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1988: EUA. Concedida a primeira patente cujo objeto é um animal
(mamífero), não humano, patente de um tipo de rato(s) clônico(s) que carrega
em seu material genético uma predisposição para o desenvolvimento de
câncer.
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1988: UPOV. Revisão do Convênio UPOV, para estabelecer normas
adaptadas aos rapidíssimos desenvolvimentos da biotecnologia.
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1991: O Governo dos EUA registra a patente de mais de 300 genes com
funções ainda desconhecidas pela ciência. Posteriormente os Estados Unidos
recuam por pressão dos parceiros europeus no “Projeto Genoma Humano.”
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1996: Concessão de patentes para processos de esfriamento metabólico
para a clonagem de adultos. (Dolly).
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1985: EUA. Caso Hibberd admite a patenteabilidade não só dos seres vivos
completos, mas de matéria viva (no caso, o cultivo de tecidos de milho). O
USPO admite que plantas, sementes e cultivos celulares poderiam ser
protegidos pela lei ordinária de patentes.
CAPITÚLO III
Regulando os Conflitos:
A Convenção sobre Diversidade Biológica
Com a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), estabelecese um novo código de conduta, no plano internacional, relativamente à
biodiversidade. Pela primeira vez, em um instrumento internacional, a
biodiversidade, considerando também o nível genético, é abordada de modo
abrangente, tratando a conservação associadamente ao uso sustentável,
condicionando o acesso a recursos genéticos à transferência de tecnologias
e incorporando a preocupação com os interesses e direitos das populações
tradicionais.
A CDB é hoje a principal referência internacional para o debate e as
ações relativas à área. A CDB não representa, portanto, apenas o desfecho,
no plano institucional, de um longo e conflituoso processo de negociação,
com respeito aos diversos aspectos envolvidos na temática da biodiversidade.
Ela é parte e expressão de uma dinâmica ainda em curso de disputas e
alianças entre os distintos atores, no que se refere a seus desdobramentos
práticos nas diferentes escalas. A CDB vem buscando, simultaneamente,
impor-se como pólo de influência em relação a outras instâncias de regulação
multilateral que têm implicações sobre o tema e servir, no campo da
biodiversidade, como instrumento indutor de novas iniciativas e posturas
nos países e nas localidades.
Neste capítulo, retomam-se os grandes temas abordados no capítulo
precedente, discutindo como estes vêm sendo tratados no âmbito e a partir
da CDB48.
Estabelecimento de um Regime Global da Biodiversidade
Definindo o Escopo
Ainda que, desde os anos 70, fosse colocada a necessidade de um
instrumento internacional abrangente para garantir a proteção da natureza,
as discussões em torno de uma Convenção sobre Diversidade Biológica
iniciaram-se apenas na década de 1980, a partir de debates travados no
âmbito da União Internacional de Conservação da Natureza (UICN).
Esses debates, estando a princípio orientados basicamente para
resguardar os recursos genéticos globais, passaram em meados dos anos
80, a trabalhar com o conceito mais amplo de diversidade biológica. Na
verdade, já na Conferência de Estocolmo havia sido levantada, pelos países
em desenvolvimento, a necessidade de uma Convenção Internacional
assegurando a transferência de biotecnologia de modo condicionado ao
acesso, pelos países desenvolvidos, de espécies selvagens localizadas em
seus territórios (Porter & Brown, 1991).
Em junho de 1987, em reunião do Conselho de Administração do
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA, em inglês
UNEP49 ), foi dada a partida para a elaboração oficial da Convenção, sendo
as negociações formais deflagradas entre novembro de 1988 e julho de
1990, período no qual o PNUMA organizou três reuniões de um “Grupo
48
As principais fontes para a elaboração deste capítulo foram relatos e relatórios veiculados
eletronicamente, além das entrevistas.
49
O PNUMA, em inglês UNEP- United Nations Environment Programme, é um programa integrado
das Nações Unidas, criado após a Conferência de Estocolmo (1972), encarregado de coordenar as
ações intergovernamentais de proteção e monitoramento ambiental.
114
de Trabalho ad hoc de Especialistas em Diversidade Biológica”, então
constituído.
No início de 1990, já haviam sido elaborados estudos sobre vários
aspectos relacionados à questão. Foi então estabelecido um novo “SubGrupo
de Trabalho sobre Biotecnologia”, o qual, além de tratar de aspectos
relacionados à transferência tecnológica, preparou termos de referência
sobre outros temas associados, como: conservação in situ e ex situ de espécies
selvagens e domesticadas; acesso a recursos genéticos e à tecnologia,
incluindo biotecnologia; novos e adicionais apoios financeiros; e segurança
na liberação de organismos geneticamente modificados no ambiente.
Em meados de 1990, o PNUMA criou um “Grupo de Trabalho ad
hoc de Especialistas Técnicos e Legais”, transformado em 1991 em um
“Comitê de Negociação Intergovernamental para uma Convenção sobre
Diversidade Biológica”, de modo a elaborar um instrumento jurídico para
dar suporte a políticas e ações de conservação e uso sustentável da
biodiversidade, com especial atenção para o estabelecimento de termos de
compromisso entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Uma
primeira versão formal do texto da Convenção foi elaborada e discutida, a
partir de fevereiro de 1991, pelo Comitê Intergovernamental. A versão
final do tratado foi aprovada em 22 de maio de 1992, em Nairóbi, Quênia.
A CDB foi aberta à adesão em 5 de junho de 1992, durante a Rio-92,
tendo entrado em vigor em 29 de dezembro de 1993. Considerado o tratado
mais controvertido daquela reunião internacional, a CDB foi assinada de
início por 157 países, tendo sido ratificada, até o presente, por mais de 160
países.
Os Estados Unidos recusaram-se, à época, a assinar o documento,
por discordarem principalmente dos pontos que dizem respeito à
regulamentação do acesso a recursos genéticos (eles eram favoráveis à
manutenção do livre acesso) e à transferência de tecnologia para a
conservação e o aproveitamento desses recursos, temendo que a CDB
pudesse subverter o regime internacional de propriedade intelectual vigente.
Apenas um ano depois, já no Governo Clinton, os Estados Unidos aderiram
115
ao tratado, sem que, no entanto, até a presente data, o Congresso Norteamericano o tenha ratificado.
O balanço das adesões à Convenção é considerado positivo, embora
sem a ratificação dos Estados Unidos, que, por outro lado, participam
ativamente e influem de fato nas deliberações da CDB, estando assim, de
certa forma, tacitamente inseridos no regime global da biodiversidade.
Soluções de Compromisso
A CDB estabelece, em seu artigo 1º, três níveis de obrigações, a serem
cumpridas por cada país participante — a conservação da diversidade
biológica, a utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa e
eqüitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos —; e
define como meios para a realização desses objetivos: o acesso aos recursos
genéticos, a transferência de tecnologias pertinentes e o financiamento
adequado, levando em conta direitos anteriormente estabelecidos.
A CDB foi inicialmente planejada para ser uma convenção
sistematizadora (umbrella convention), cujo objetivo seria consolidar uma série
de outras convenções de alcance global, já existentes, preocupadas com a
conservação e a preservação de componentes da biodiversidade,
particularmente: a Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância
Internacional Especialmente como Habitat de Aves Aquáticas (Ramsar, 1971);
a Convenção relativa à Proteção do Patrimônio Natural e Cultural Mundial
(Paris, 1972); a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da
Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção - CITES (Washington, 1973)
e a Convenção para a Conservação das Espécies Migratórias da Vida Selvagem
(Bonn, 1979). Estas marcaram uma mudança de paradigma de proteção à
natureza, de espécies para ecossistemas (Alencar, 1996).
Ao longo do processo de negociação, a CDB foi transformada em
uma convenção-quadro (framework convention), que estabelece princípios e
regras gerais, mas não estipula prazos nem obrigações específicas. Sua
implementação exige detalhamentos, que podem acontecer na forma de
116
decisões das Conferências das Partes, na forma de protocolos anexos à
Convenção, ou ainda na forma de legislações internas aos países50.
As negociações para a elaboração da Convenção sobre Diversidade
Biológica foram descritas por Sánchez (1994:8) como um processo “difícil
e por vezes de confronto”. Sua inclusão na pauta da Rio-92 teria sido decisiva
para garantir a conclusão desse processo de negociação, ao delimitar o
prazo de finalização do texto do acordo.
Ao final, pode-se dizer que a CDB conseguiu equilibrar interesses,
apesar dos esforços dos Estados Unidos em quebrar o consenso em um
extremo, e da Malásia, em puxar por um consenso muito mais radical, no
outro extremo da divisa Norte-Sul. Para se chegar a essa solução de
compromisso, foi preciso, no entanto, arcar-se com o ônus de um texto
que não estabelece propriamente obrigações, mas sim princípios a serem
respeitados pelas partes. Princípios esses cheios de ambigüidades e
contradições, refletindo uma acirrada disputa entre pontos de vista distintos,
mas expressando também o reconhecimento geral sobre a necessidade do
estabelecimento de um compromisso global sobre a matéria, cujos termos
foram os possíveis naquele dado momento. Haja vista o número e a
representatividade de adesões à Convenção, desde o início, com a
internacionalmente vexaminosa exceção dos Estados Unidos.
Ainda assim, muitos dos conservacionistas mais puros consideram
que o texto final da Convenção não é adequado, na medida em que deu um
tratamento bem mais amplo e complexo à questão da diversidade biológica
do que inicialmente pretendiam. A CDB também não agradou aos que não
desejavam de fato uma Convenção ou qualquer instrumento regulador do
acesso a recursos genéticos.
50
“A Convenção da Biodiversidade é uma convenção-quadro em dois sentidos: (a) porque estabelece
princípios, metas e compromissos globais, criando a moldura para as políticas de proteção da
biodiversidade global (...) ficando a decisão, na maior parte dos casos, para ser tomada no interior
dos Estados-nacionais e mesmo no nível administrativo local e (b) porque, dentro do modelo de
procedimento desdobrado (double track), tem a função de iniciar o processo de estabelecimento de
novos atos internacionais que tratarão de temas menos amplos em protocolos com regras detalhadas
e específicas, ficando estas tarefas sob a responsabilidade da Conferência das Partes.” (Alencar,
1995:134).
117
O texto final da Convenção também provocou descontentamentos
tanto de países em desenvolvimento quanto de países desenvolvidos. Alguns
países em desenvolvimento e organizações não-governamentais ressentemse do fato de que a CDB: (a) não contempla adequadamente a proteção
dos direitos e interesses das populações locais tradicionais; (b) não menciona
os padrões de consumo dos países centrais e das elites dos países em
desenvolvimento, como co-responsáveis pela perda de biodiversidade global;
(c) não aprofunda devidamente as relações entre biodiversidade e
biotecnologia; (d) não tem validade retroativa com respeito à regulação do
acesso a recursos genéticos retirados de seus países de origem anteriormente
à entrada em vigor da Convenção e (e) mostra-se vulnerável em relação a
outros fóruns internacionais, como a OMC. Já os países desenvolvidos
temem as implicações da CDB sobre questões como direitos de propriedade
intelectual, transferência de biotecnologias e aporte de recursos financeiros
(Sánchez, 1994).
Por ocasião da assinatura da CDB, vários pontos foram deixados em
aberto, ficando para serem especificados no decorrer do processo de
implementação da Convenção, dentre os quais:
a) elaboração ou não de um protocolo de biossegurança;
b) regras para o acesso a recursos genéticos;
c) acesso a recursos genéticos ex situ, coletados antes da Convenção;
d) patenteamento de seres vivos;
e) formas de proteção legal aos conhecimentos tradicionais das
populações locais;
f) recursos e mecanismos financeiros para dar suporte ao
cumprimento das obrigações determinadas na Convenção.
Alguns desses pontos já vêm sendo discutidos nas Conferências das
Partes até então realizadas, como se verá adiante.
118
Mecanismos de Implementação
Os principais mecanismos de implementação da CDB são:
a) Conferência das Partes (COP), que se reúne periodicamente visando
discutir e deliberar sobre os assuntos relacionados à implementação da CDB,
congregando delegações de todos os países signatários, além de
observadores e de representações da sociedade civil;
b) Secretariado, ao qual cabe uma série de funções de caráter executivo,
funcionando permanentemente;
c) Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico, Técnico e
Tecnológico (mais conhecido, no Brasil, pela sigla em inglês SBSTTA51),
que assessora a Conferência das Partes;
d) Mecanismo de Facilitação (mais conhecido, no Brasil, pelo termo
em inglês Clearing-house mechanism - CHM), um mecanismo orientado para
promover e facilitar a cooperação técnico-científica;
e) Mecanismo Financeiro, interinamente exercido pelo Fundo para o
Meio Ambiente Mundial (mais conhecido, no Brasil, pela sigla em inglês
GEF - Global Environmental Facility 52).
Até 1997, foram realizadas três reuniões das Conferências das Partes,
além de várias reuniões de alguns de seus grupos assessores. Avaliações de
participantes e observadores desse processo convergem para o
entendimento de que o principal resultado da Primeira Conferência das
Partes foi ter estabelecido os mecanismos básicos para o funcionamento
interno da Convenção, enquanto que a Segunda Conferência das Partes
definiu o programa de implementação da CDB e a Terceira Conferência
51
Subsidiary Body on Scientific, Technical and Technological Advice.
52
O GEF foi instituído em novembro de 1990, sob administração do Banco Mundial, visando
apoiar projetos em áreas estratégicas ao meio ambiente, através de decisão dos países doadores e por
proposta da França e da Alemanha, como desdobramento das recomendações do Relatório Brundtland
(1987). Foram definidas quatro áreas de atuação do Fundo: (a) conservação da biodiversidade; (b)
aquecimento global; (c) proteção de águas continentais e (d) destruição da camada de ozônio. Além
do Banco Mundial, constituem agências implementadoras do GEF o PNUD e o PNUMA.
119
das Partes avançou em alguns temas mais específicos e concretos, como as
relações entre agricultura e biodiversidade.
Apresenta-se a seguir uma síntese dos pontos discutidos nas principais
reuniões internacionais ocorridas, até o momento, no processo de
implementação da CDB.
Primeira Conferência das Partes (COP - 1)
Em maio de 1993, o PNUMA estabeleceu um novo Comitê
Intergovernamental da Convenção sobre Diversidade Biológica (CI/CDB53),
visando preparar a primeira Conferência das Partes e garantir o efetivo
funcionamento da Convenção a partir da sua entrada em vigor. A primeira
sessão do CI/CDB realizou-se de 11 a 15 de outubro de 1993, em Genebra,
e sua segunda sessão realizou-se de 20 junho a 1° de julho de 1994, em
Nairóbi. No período entre essas duas reuniões, foi realizado um Encontro
de Cientistas Especialistas em Diversidade Biológica, visando preparar
aspectos técnicos que seriam discutidos na Conferência das Partes.
A Primeira Conferência das Partes (COP-1) ocorreu em Nassau,
nas Bahamas, de 28 de novembro a 9 de dezembro de 1994, com a
participação de representantes de 133 países e de mais uma centena de
organizações não-governamentais. As principais decisões tomadas na
COP-1 foram:
— adoção de um programa de trabalho de médio prazo (três anos),
contemplando questões permanentes (como mecanismo financeiro;
aconselhamento técnico-científico; relatórios nacionais; mecanismo de
clearing-house; relações com a Comissão de Desenvolvimento Sustentável da
ONU e com outras instâncias internacionais relacionadas), além de prever
uma agenda rotativa e flexível de temas;
53
Em inglês, Intergovernmental Committee on the Convention on Biological Diversity (ICCBD).
120
— designação do Secretariado Permanente, o qual ficou sob a
responsabilidade do PNUMA, sendo interinamente estabelecido em
Genebra;
— previsão de medidas iniciais para a estruturação do mecanismo
de clearing-house;
— definição de funções do Órgão Subsidiário de Assessoramento
Científico, Técnico e Tecnológico (SBSTTA);
— indicação do Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF), como
mecanismo institucional interino de financiamento da Convenção, uma das
decisões mais controvertidas da COP-1.
Algumas das questões que haviam ficado pendentes na segunda
reunião do CI/CDB não foram abordadas na COP-1, ainda que levantadas
por diversas delegações e por ONGs ali presentes. Esse foi o caso, por
exemplo, da discussão sobre o protocolo de biossegurança54. Um outro
tema pendente foi o dos direitos dos agricultores, indígenas e outras
comunidades locais, que nem chegou a ser incluído no programa de trabalho
de médio prazo aprovado na COP-1, deixando muitas delegações e ONGs
frustradas, considerando a referência explícita aos direitos de tais grupos
no texto da Convenção. Do mesmo modo, a discussão sobre florestas foi
postergada até a realização da COP-3, embora estivesse prevista uma
contribuição da COP-1 para a terceira sessão da Comissão de
Desenvolvimento Sustentável (CDS) da ONU quanto a essa questão. O
tema dos direitos de propriedade intelectual também ficou em suspenso.
SBSSTA-1
A primeira reunião do Órgão Subsidiário de Aconselhamento
Científico, Técnico e Tecnológico (SBSTTA-1) realizou-se em Paris, França,
54
Logo de início, o Brasil sugeriu a inclusão na agenda da reunião das questões da biossegurança (o
que também foi apoiado pela União Européia), acesso a recursos genéticos e conhecimento nativo.
121
de 4 a 8 de setembro de 1995, com a presença de representantes de 81
países partícipes da CDB, dez Estados observadores, sete organismos e
agências especializadas das Nações Unidas e 50 organizações nãogovernamentais.
O SBSTTA-1 preparou recomendações quanto a: modos e meios
alternativos para tratar a questão da ameaça a componentes da
biodiversidade; modos e meios para promover o acesso e a transferência
de tecnologia; informações científicas e técnicas que deveriam constar dos
relatórios nacionais; subsídios para a preparação de um Panorama sobre a
Biodiversidade Global pelo Secretariado da CDB; contribuições para as
reuniões da FAO sobre recursos genéticos vegetais para alimentação e
agricultura; e particularmente aspectos técnicos relacionados à conservação
e ao uso sustentável da biodiversidade marinha e costeira.
Segunda Conferência das Partes (COP-2)
A Segunda Conferência das Partes da CDB (COP-2) realizou-se de 6
a 17 de novembro de 1995, em Jacarta, Indonésia. Durante a COP-2, foi
designada como sede permanente do Secretariado da CDB a cidade de
Montreal, Canadá. Os principais resultados da COP-2 foram:
— aperfeiçoamento dos procedimentos operacionais das
Conferências das Partes, particularmente em relação à dinâmica dos grupos
de assessoramento;
— realização de uma primeira revisão de suas prioridades e programa
de trabalho;
— adoção do Mandato de Jacarta sobre Diversidade Biológica
Marinha e Costeira;
— estabelecimento de um Grupo de Trabalho ad hoc sobre
Biossegurança;
— proposição de ações para o aprofundamento das relações entre a
CDB e outros fóruns internacionais correlacionados, como o Painel
122
Intergovernamental sobre Florestas da Comissão de Desenvolvimento
Sustentável da ONU, o Comitê de Comércio e Meio Ambiente da OMC, e
a Comissão sobre Recursos Genéticos Vegetais da FAO, buscando assim
afirmar os princípios e objetivos da Convenção junto a esses organismos.
Outro aspecto destacado foi a ampliação da participação de
representações não oficiais na COP, particularmente de ONGs e de
segmentos empresariais e industriais.
SBSTTA-2
A segunda reunião do SBSTTA realizou-se em Montreal, Canadá, de
2 a 6 de setembro de 1996. A agenda de trabalho do SBSTTA-2 foi bastante
extensa, incluindo aspectos como: monitoramento e avaliação da
biodiversidade; taxonomia e valoração econômica da biodiversidade; acesso
a recursos genéticos; biodiversidade agrícola; biossegurança e o mecanismo
de clearing house. Foi também bastante debatido o caráter das
recomendações do SBSTTA, se eminentemente técnico-científico ou se
também político.
Terceira Conferência das Partes (COP-3)
A Terceira Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade
Biológica (COP-3) realizou-se em Buenos Aires, Argentina, de 4 a 15 de
novembro de 1996.
Dentre as principais decisões da COP-3 incluem-se:
— elaboração de um programa de trabalho plurianual sobre
biodiversidade agrícola;
— solicitação ao Secretariado da CDB para preparar uma primeira
versão de um programa de trabalho sobre biodiversidade florestal;
123
— adoção de um Memorando de Cooperação entre a COP e o
Conselho do GEF, segundo o qual o GEF permanece como mecanismo
financeiro da Convenção em caráter interino;
— previsão de realização de um workshop a respeito do Artigo 8(j),
sobre conhecimentos tradicionais, inovações e práticas das comunidades
locais e nativas, visando preparar um relatório para a COP-4 (o que foi
agendado para novembro de 1997, em Montreal);
— solicitação, pela Secretaria Executiva, da condição de observadora
do Comitê de Comércio e Meio Ambiente da OMC;
— elaboração de uma declaração, dirigida à Sessão Especial da
Assembléia Geral da ONU, para a revisão da implementação da Agenda 21.
A COP-4 foi agendada para maio de 1998, prevendo-se que, naquela
ocasião, seria avaliada a implementação da CDB no âmbito dos países,
bem como se procederia a uma revisão interna do programa de trabalho da
própria COP.
SBSTTA-3
A terceira reunião do Órgão Subsidiário de Aconselhamento
Científico, Técnico e Tecnológico (SBSTTA-3), realizou-se em Montreal,
Canadá, de 1 a 5 de setembro de 1997. Os principais temas abordados
foram: situação, tendências e alternativas de conservação e uso sustentável
da diversidade biológica em águas continentais; aspectos científicos e
técnicos da conservação e uso sustentável da biodiversidade marinha e
costeira; recomendações científicas e tecnológicas no campo da
diversidade biológica florestal; avaliação das iniciativas em agrobiodiversidade e indicadores de biodiversidade, além de se fazer uma
avaliação a respeito da implementação do mecanismo de clearing house e
do próprio SBSTTA.
124
Tentando Gerir Conflitos
Os debates em torno da Convenção sobre Diversidade Biológica
constituem a melhor expressão do atual estágio de negociação internacional
em torno dos grandes pontos de conflito sobre a problemática da
biodiversidade. Mas não apenas isto: como já assinalado, a partir da sua
assinatura e agora em sua implementação, inicia-se um novo estágio desse
processo, em torno do qual mobilizam-se os diferentes atores e renovamse as pressões e contrapressões, tanto daqueles que buscam ampliar o que
já se conquistou com a Convenção, quanto dos que tentam reverter seus
avanços.
A partir dos grandes temas em debate, abordados no Capítulo anterior,
faz-se um balanço do que vem representando a Convenção até este
momento.
Conservação x Uso Sustentáve: Ampliação do Escopo
A princípio predominava a percepção mantida pelos países
desenvolvidos que limitava o foco da Convenção à conservação de espécies
e ecossistemas, ou, nas palavras de Sánchez (op. cit.), a “uma Convenção de
parques e reservas”. No entanto, logo no início das negociações, vários
países em desenvolvimento — com destaque para o Brasil —, mobilizaramse no sentido de transformar a CDB em um instrumento cujo eixo fosse
não só a conservação mas também o uso sustentável da biodiversidade e a
partilha de seus benefícios. Pretendia-se que a conservação da biodiversidade
estivesse vinculada ao atendimento de demandas econômicas e sociais,
especialmente das provenientes de áreas e populações provedoras de
recursos biogenéticos.
Nessa discussão, que ocupou boa parte da fase preparatória da CDB,
houve claramente um conflito de interesses Norte-Sul. A ênfase
conservacionista foi dada pelos países do Norte, interessados em assegurar
125
a conservação dos recursos de biodiversidade para uso futuro em setores
que dependem de matéria-prima biológica, e alertados pelo fato de que
boa parte desses recursos estão concentrados nos trópicos, basicamente
em países em desenvolvimento. Por sua vez, a temática do desenvolvimento
foi introduzida pelos países do Sul, preocupados em usufruir dos benefícios
advindos da utilização dos recursos genéticos e biológicos, que atualmente
vêm sendo patenteados e comercializados por empresas de países de
economia avançada, sem qualquer contrapartida para os países e
comunidades de origem.
Ao final, a CDB deixou de ser um instrumento orientado meramente
para a conservação, passando a dar um tratamento mais abrangente à
temática da biodiversidade, incluindo temas associados ao uso, à partilha
de benefícios e ao acesso à tecnologia, dentre outros aspectos.
Enfoque Global x Enfoque Nacional:
Prevalência do Estado Nacional
Um outro ponto polêmico da CDB deu-se em torno do esforço em
prover estatuto jurídico, através de uma convenção internacional, ao
princípio de que os Estados nacionais são soberanos sobre seus recursos
genéticos e biológicos.
Desde os encontros preparatórios da Convenção, os países em
desenvolvimento, que até então vinham-se colocando favoravelmente ao
conceito de herança ou patrimônio comum da humanidade, passaram
a rejeitá-lo. No texto final da CDB, esse termo acabou substituído pelo de
objeto de preocupação comum da humanidade, em que se afirma o
direito de soberania interna dos países sobre as decisões relativas à sua
biodiversidade. Além disso, de acordo com as orientações da Convenção,
cabe aos Estados Nacionais definir, através de legislação interna, como
irão implementar os dispositivos desse acordo internacional. Segundo o
artigo 3º da CDB:
126
“Os Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas e
com os princípios de Direito Internacional, têm o direito soberano
de explorar seus próprios recursos segundo suas políticas
ambientais, e a responsabilidade de assegurar que atividades sob
sua jurisdição ou controle não causem dano ao meio ambiente de
outros Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição nacional.”
Dispositivo análogo também consta da Agenda 21, na qual, em seu
capítulo 15, que é inteiramente dedicado ao tema da conservação da
diversidade biológica, estabelece-se ainda como atribuições dos governos
nacionais nesse campo:
a) política e gestão: desenvolvimento, integração e aplicação de
estratégias, planos e programas de ação; desenvolvimento e promoção de
estudos e pesquisas; implementação de incentivos econômicos e sociais.
b) dados e informação: coleta, avaliação e intercâmbio de informações;
desenvolvimento de metodologias de amostragem e levantamento de dados;
atualização, análise, interpretação e difusão de dados.
c) coordenação e cooperação internacional e regional, envolvendo
intercâmbio de informações e cooperação técnico-científica.
Ao mesmo tempo, a Agenda 21 reconhece que a proteção da
biodiversidade requer a cooperação internacional bem como a participação
e o apoio das comunidades locais, do mesmo modo que estabelece limites
à autonomia das decisões do Estado nesse campo, afirmando reiteradas
vezes que as ações dos Governos com respeito à biodiversidade devem
dar-se: de modo consistente com outras políticas e práticas nacionais e
respeitando as normas em vigor na legislação internacional; com a
cooperação dos órgãos relevantes das Nações Unidas, organizações regionais
e intergovernamentais; com o apoio das organizações não-governamentais,
do setor privado e de instituições financeiras, da comunidade científica e
das populações nativas; e levando em consideração aspectos sociais e
econômicos.
127
Na fase de negociação da CDB, a polêmica em torno da soberania
nacional expressou-se também na insistência por parte de alguns países
europeus em incluir — no próprio texto da Convenção — listas de espécies
e áreas prioritárias para conservação enquanto os países ricos em
biodiversidade entenderam que, apesar de haver um interesse mundial nesse
tema, tais listas deveriam ser elaboradas em cada país, visão que, ao final,
prevaleceu.
Acesso a Recursos Genéticos: Estabelecendo o Controle
O acesso a recursos genéticos relaciona-se diretamente à questão da
soberania, sendo um dos pontos centrais da CDB. No início das negociações,
predominava o ponto de vista de que fossem mantidas as antigas regras de
livre acesso a esses recursos. À medida que as negociações avançaram,
coincidindo também com a inclusão da Convenção na pauta da Conferência
do Rio, essa abordagem mudou inteiramente, e os países ricos em
biodiversidade passaram a reivindicar que o acesso a recursos genéticos
deveria se dar através de “termos mutuamente acordados” entre as partes.
A CDB inaugura assim um novo regime relativamente à questão do
acesso a recursos genéticos e biológicos, ao reconhecer a autoridade do
Estado-Nação sobre a coleta e o uso de material genético localizado em
seu território. Ao mesmo tempo, a CDB recomenda que o acesso aos
recursos genéticos e biológicos seja facilitado, o que foi uma exigência dos
países do Norte, ante o fato de que as economias nacionais dependem do
intercâmbio desses recursos. Os países desenvolvidos, por outro lado,
tiveram que concordar que esse acesso só poderia ser feito mediante
autorização expressa dos países detentores de biodiversidade, aos quais
caberia titular as condições para tanto.
A Convenção estabelece, desse modo, como orientação geral para a
permissão da coleta de material genético, a aplicação do princípio do
128
“consentimento prévio informado” (também conhecido por PIC55,
abreviação do termo em inglês), ou seja, o consentimento dado pela parte
provedora dos recursos genéticos, previamente à concessão do acesso,
baseado em informações detalhadas fornecidas pelo potencial coletor/
usuário do material. Nesse caso, a função do consentimento prévio
informado difere daquela que motivou o surgimento do conceito, qual seja,
o de servir como instrumento para os países controlarem a importação de
materiais ou bens potencialmente perigosos.
Permanece em aberto, porém, a questão sobre como fazer cumprir a
determinação quanto ao consentimento prévio informado no caso do acesso
a materiais genéticos localizados em propriedades privadas. Apenas através
de legislação interna podem os Estados nacionais fazer uma tal exigência
em nome da proteção de interesses públicos de mais alto valor.
O controle do acesso aplica-se tanto a recursos in situ quanto a recursos
ex situ; a CDB não tem, no entanto, validade retroativa em relação aos
recursos genéticos ex situ coletados antes da sua entrada em vigor. Esse
ponto foi, e ainda hoje é, objeto de inúmeras críticas, principalmente por
parte de ONGs e de representantes de países em desenvolvimento. De
acordo com dados citados por Coradin (1996), antes de vigorar a CDB
foram coletadas em torno de 75% das cerca de 6 milhões de amostras de
material fitogenético de interesse para a agricultura, hoje mantidas ex situ,
mais de 50% das quais estariam localizadas em países desenvolvidos e 12%
sob a guarda de centros de germoplasma internacionais.
A discussão a respeito dessa questão foi deslocada para o âmbito da
FAO. Há expectativas de que o Compromisso Internacional sobre Recursos
Fitogenéticos, atualmente sendo revisado no âmbito da FAO, harmonize55
Previous informed consent. De acordo com Hendrickx et al. (1994:140): “O princípio do consentimento
prévio informado (PIC) foi aplicado pela primeira vez, na área ambiental, nas Orientações de Londres
para o Intercâmbio de Informação sobre Produtos Químicos no Comércio Internacional, do
PNUMA. Depois disso, ele foi incorporado na Convenção de Basiléia sobre Controle de Movimentos
Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito, de 1989, e no Código Internacional de
Conduta para a Distribuição e Uso de Pesticidas da FAO. (...) Ao fazer a importação ou o trânsito de
produtos químicos e resíduos perigosos dependentes de seu consentimento prévio, os Estados
enfatizaram sua soberania sobre seus territórios.”
129
se com as orientações da CDB, e que nele se estabeleçam soluções para o
problema do acesso a coleções ex situ adquiridas anteriormente à entrada
em vigor da Convenção.
Note-se ainda a distinção que é feita, no texto da Convenção (artigo 2º),
entre país de origem de recursos genéticos, definido como “o país que
possui esses recursos genéticos em condições in situ”, e país provedor de
recursos genéticos, definido como “o país que provê recursos genéticos
coletados de fontes in situ, incluindo populações de espécies domesticadas
e silvestres, ou obtidas de fontes ex situ, que possam ou não ter sido
originados nesse país”.
Com relação ao genoma humano, alguns países (como Indonésia,
Suécia, Malásia, Índia e Síria) manifestaram-se na COP-2, em Jacarta,
favoravelmente à sua não inclusão dentre os recursos genéticos abrangidos
pela CDB, enquanto outros países (como Ilhas Salomão e Papua Nova
Guiné) defenderam o estabelecimento de um protocolo específico a esse
respeito. Ao final da Conferência, decidiu-se pela interpretação de que os
recursos genéticos humanos não se enquadram dentre as questões cobertas
pela CDB.
Um outro ponto em que a CDB inova é quanto à recomendação de
repartição justa e eqüitativa dos benefícios gerados através do uso (comercial
ou de outra natureza) do material genético coletado. A partilha de benefícios
pode dar-se através de: benefícios financeiros de várias formas, como
pagamento antecipado, royalties e dividendos, permitindo a participação dos
países provedores dos recursos genéticos nos ganhos econômicos
alcançados com a exploração comercial desses recursos; transferência de
tecnologia e capacitação de recursos humanos para o país ou comunidade
que concedeu o acesso; ou ainda por outros meios mutuamente acordados.
Mas a CDB não vai a detalhes a esse respeito, deixando essa definição a
critério de cada país, de acordo com cada caso concreto.
Um dos pontos mais destacados na questão do acesso a recursos
genéticos é o da contrapartida tecnológica. A CDB estimula (ainda que
130
não imponha) que as pesquisas científicas baseadas em recursos genéticos
sejam feitas no território do país provedor desses recursos, e que os
resultados dessas pesquisas sejam compartilhados “de forma justa e
eqüitativa” entre as partes. Mais adiante, em seu Artigo 16, a CDB determina
ainda que os países que provêem recursos genéticos, particularmente
países em desenvolvimento, “tenham garantido o acesso à tecnologia
que utilize esses recursos e sua transferência, de comum acordo, incluindo
tecnologia protegida por patentes e outros direitos de propriedade
intelectual, quando necessário”.
Através da CDB, estabelece-se, assim, nas palavras de Laird (1995),
uma “grande barganha”, ou uma solução negociada, entre os países em
desenvolvimento e os países desenvolvidos, em que o acesso aos recursos
genéticos é, de certa forma, condicionado ao acesso à tecnologia de ponta
e/ou ao material genético desenvolvido a partir do material original.
A implementação das obrigações estabelecidas na Convenção quanto
ao acesso a recursos genéticos vem avançando muito lentamente. Nas
Conferências das Partes, algumas delegações solicitaram estudos a respeito
da questão e o Secretariado da CDB foi encarregado de elaborar relatórios
indicando avanços e modelos utilizados em diferentes países nessa área.
No âmbito da FAO, vêm sendo também analisadas alternativas de
mecanismos multilaterais de acesso, embora ainda não haja consenso sobre
esse modelo. O Brasil tem sido favorável, até o momento, à realização de
entendimentos bilaterais, nos quais condições específicas para o acesso sejam
estabelecidas conforme o parceiro. O entendimento predominante é o de
que a regulamentação do acesso a recursos genéticos depende agora das
iniciativas nacionais.
A partir da assinatura da Convenção sobre Diversidade Biológica,
diversos países (pelo menos 13 países, até a COP—3, em dezembro de
1996) vêm buscando criar um aparato legal orientado para regular essa
questão. Quatro grandes tipos de estratégias estão sendo implementadas
nessa direção (Laird, 1995; UNEP/CBD/COP/3/20, 1996):
131
a) O estabelecimento de uma legislação específica sobre o assunto,
por exemplo, nos países-membros do Pacto Andino56 e, ainda em versão
preliminar, na Índia e no Brasil (a iniciativa brasileira será abordada no
Capítulo IV).
Os países do Pacto Andino estabeleceram, em abril de 1994,
orientações comuns para o acesso a recursos genéticos, incluindo recursos
genéticos tanto in situ quanto ex situ. O Grupo de Trabalho ad hoc colombiano
apresentou uma série de propostas para assegurar os direitos das
comunidades locais sobre os recursos genéticos e os conhecimentos e
inovações tradicionais, incluindo o estabelecimento de um regime sui generis
para o acesso a esses conhecimentos e inovações, o qual não contempla a
propriedade individual ou privatização desses conhecimentos.
Também o governo das Filipinas adotou, em maio de 1995, a Ordem
Executiva nº. 47, contendo “Orientações e Estabelecendo um Arcabouço
Regulador para a Prospecção de Recursos Genéticos e Biológicos, seus
Subprodutos e Derivados, para Propósitos Comerciais e Científicos e para
Outros Propósitos”, visando orientar medidas legislativas e administrativas
para atividades de bioprospecção.
b) O desenvolvimento de uma legislação de caráter mais abrangente,
orientada para a implementação da CDB ou do desenvolvimento sustentável
de modo geral. Exemplos dessa estratégia podem ser encontrados em Fiji
e na Costa Rica, cuja Lei de Proteção da Vida Selvagem (1992) dá ao
Ministério dos Recursos Naturais a autoridade sobre a concessão do acesso
a amostras de material genético.
c) A adaptação de legislação ambiental nacional já existente,
incorporando dispositivos relacionados ao acesso. A Austrália, por exemplo,
introduziu emendas à sua Lei de Conservação e Gerenciamento Terrestre.
O Camarão incluiu, em sua Lei sobre “Floresta, Vida Selvagem e Pesca”
(1994), um capítulo sobre “Proteção da Natureza e Biodiversidade”, após
o interesse comercial despertado com a descoberta, pelo Instituto Nacional
56
O Pacto Andino (Acuerdo de Cartagena) é uma unidade econômica regional, abrangendo Bolívia,
Colômbia, Equador, Peru e Venezuela.
132
do Câncer dos Estados Unidos, do potencial anti-HIV de um determinado
microrganismo florestal.
d) A inclusão, em atos legais orientados para outros fins, de aspectos
relacionados ao acesso e à partilha de benefícios. Por exemplo, o
Regulamento sobre Gestão de Sementes Vegetais do Governo da Indonésia,
que contém cláusulas relacionadas ao intercâmbio de sementes entre países.
Permanece, porém, a questão de estabelecer se a responsabilidade
pelo estabelecimento de uma estrutura legal e política para o acesso a
recursos genéticos cabe apenas aos países provedores desses recursos, ou
se também é uma obrigação dos países coletores ou recebedores desses
recursos assegurar que suas coleções de material genético tenham sido
adquiridas de acordo com os dispositivos da Convenção sobre Diversidade
Biológica.
Acesso à Tecnologia: Avanço e Ambigüidades
Na Convenção sobre Diversidade Biológica, uma grande barreira e
área de conflito refere-se ao acesso à tecnologia, particularmente, segundo
o texto da CDB, biotecnologias e outras tecnologias relacionadas à proteção,
ao estudo e ao uso dos recursos biológicos e genéticos.
A Convenção sobre Diversidade Biológica, em seu artigo 2º, referese à biotecnologia em sentido amplo, significando “qualquer aplicação
tecnológica que utilize sistemas biológicos, organismos vivos, ou seus
derivados para fabricar ou modificar produtos ou processos para utilização
específica.”. A Agenda 21, por sua vez, em seu Capítulo 16 que trata
especificamente do tema da biotecnologia, utiliza-se do termo em um
sentido mais restrito, definindo biotecnologia como “um conjunto de
técnicas para viabilizar mudanças específicas realizadas pelo homem no
ácido desoxirribonucleico (ADN), ou no material genético, em plantas,
animais e sistemas microbiais, para a obtenção de produtos e tecnologias
úteis”. Nesta acepção, trata-se da engenharia genética e não das
biotecnologias tradicionais.
133
O acesso à tecnologia foi um tema bastante controvertido durante as
negociações da CDB. Até o final de 1991, os países do G7757 mantiveram
uma posição uniforme de que a Convenção não deveria falar em patentes
ou ao menos deveria restringir os direitos de propriedade intelectual,
temendo seus impactos negativos sobre a transferência tecnológica e a
desconsideração aos conhecimentos gerados por agricultores e comunidades
tradicionais. Ao mesmo tempo, porém, vários governos, inclusive o do Brasil,
já haviam à época elaborado projetos de lei altamente abrangentes nessa
área. No início de 1992, alguns desses governos, particularmente os da
Índia, da Malásia e do próprio Brasil, convenceram-se de que era necessário
abrir concessões aos países desenvolvidos, no texto da Convenção, quanto
à questão das patentes.
O Artigo 16 da Convenção é todo dedicado ao assunto. O resultado
porém foi um texto ambíguo, e mesmo contraditório, no que trata do acesso
e transferência de tecnologias a países em desenvolvimento, levantando
também dúvidas sobre a exeqüibilidade de implementação do ali disposto
sobre o assunto:
a) a Convenção estabelece que o país que detém o recurso genético
deve facilitar o acesso ao mesmo, mas uma das condições para isso seria a
transferência de tecnologia;
b) determina que, no caso dos países em desenvolvimento
(especialmente os que provêem recursos genéticos), esse acesso e essa
transferência de tecnologia devem se dar “em condições justas e as mais
favoráveis, até mesmo em condições 'concessionais' e preferenciais quando
de comum acordo”;
c) reconhece que o acesso à tecnologia, incluindo a biotecnologia, e
a sua transferência entre países partícipes da Convenção são “elementos
essenciais” à realização dos objetivos da mesma;
d) adiante, estabelece que, quando houver patente sobre essa
tecnologia, ela terá de ser devidamente respeitada. Mas, logo em seguida,
57
O G77, que agrupa países em desenvolvimento, hoje conta com mais de 125 membros, sendo
liderado pelo Brasil, Índia, México e Indonésia, além da China.
134
recomenda que as partes contratantes, respeitando a legislação nacional e o
direito internacional, procurem garantir que os direitos de propriedade
intelectual “apóiem e não se oponham” aos objetivos da Convenção;
e) como um dos objetivos da Convenção é a transferência de
tecnologia de qualquer tipo para o uso e desenvolvimento da biodiversidade,
está estabelecida a ambigüidade da versão final que resultou do processo
de negociação.
Desse modo, a implementação da Convenção quanto a esse aspecto
irá depender da interpretação de cada país, bem como das negociações
internacionais a respeito.
Por outro lado, a CDB é também percebida como um dos acordos
internacionais mais avançados nessa questão, na medida em que, como já
assinalado, estabelece a necessidade de um trade off entre o suprimento de
recursos genéticos e o acesso à tecnologia; bem como indica possibilidades
de financiamento à transferência tecnológica, considerados os custos
adicionais (incremental costs 58) aí envolvidos.
Além disso, a CDB reforça o entendimento de que a justa partilha
dos benefícios decorrentes do uso da biodiversidade requer a negociação
entre os que detêm o controle do acesso aos recursos genéticos, e os que
detêm o controle do acesso às modernas biotecnologias. Ou seja, supõe
que a legislação de propriedade intelectual na área biológica deve ser
acompanhada de uma legislação que, do mesmo modo, regule o acesso a
recursos genéticos. Colocada deste modo, esta é uma fórmula sutil de
também reverter um outro regime internacional importante que é o da
propriedade intelectual e, portanto, do controle sobre as tecnologias de
ponta.
Nas Conferências das Partes, a discussão a esse respeito está
relativamente estagnada, concentrando-se basicamente em torno do
58
Entende-se por incremental costs aqueles esforços realizados por governos e empresas que impliquem
custos adicionais àqueles associados ao cumprimento de suas obrigações legais frente ao meio
ambiente. Esses custos, desde que estejam associados a problemas ambientais globais, podem ser
cobertos com recursos do GEF.
135
estabelecimento do mecanismo de facilitação, ou clearing house mechanism
(CHM), cuja atribuição inicialmente definida foi a de promover o
intercâmbio de informações, mas progressivamente ampliada para promover
a transferência de tecnologias, estimular a realização de joint ventures e facilitar
iniciativas de cooperação científico-tecnológica no campo da biodiversidade.
A fase piloto de implementação do mecanismo de clearing house, inicialmente
prevista para o período de 1996-97, foi estendida na COP-3 até 1998.
Também na COP-3, reafirmou-se que as informações tornadas disponíveis
através do CHM são de propriedade daqueles que as provêem.
Ao mesmo tempo, expressaram-se divergências sobre se o mecanismo
de facilitação deve funcionar como um broker centralizado, agenciando e
coordenando a realização de parcerias e negócios; ou se, posição defendida
pelo Brasil e outras delegações, o clearing house deve funcionar
descentralizadamente, não como um coordenador, mas apenas como um
promotor de parcerias internacionais em ações na área de biodiversidade.
Essas divergências refletem a existência de um conflito de fundo entre o
ponto de vista dos países centrais, aos quais, de modo geral, interessa
determinar o leque de tecnologias a serem transferidas, ou seja, que a
transferência de tecnologias seja orientada pela oferta; e o dos países em
desenvolvimento, que reivindicam a prerrogativa de definirem quais as suas
necessidades em matéria tecnológica, isto é, que a transferência de
tecnologias oriente-se pela demanda. Na COP—3, enfatizou-se a natureza
descentralizada do CHM e sua orientação para atender às necessidades
nacionais.
Outros aspectos relacionados à operacionalização do mecanismo de
clearing house vêm sendo levantados, tais como: o estabelecimento de meios
de comunicação alternativos para países que não dispõem de acesso à
Internet ou de serviços telefônicos modernos; a capacitação de países em
desenvolvimento para beneficiarem-se dos recentes desenvolvimentos na
comunicação eletrônica, de modo a melhor participarem do CHM; o
estabelecimento de padrões de intercâmbio de informações e de
instrumentos adequados para a busca e a filtragem de informações
confiáveis.
136
Os países em desenvolvimento buscam, portanto, ampliar, através
da CDB, seu acesso a tecnologias geradas nos países desenvolvidos, muitas
das quais protegidas por patentes. Há, é claro, fortes resistências dos países
tecnologicamente mais avançados, pressionados por suas indústrias
biotecnológicas, sobretudo dos Estados Unidos, os quais, no início de 1993,
tentaram impor, como condição prévia à sua adesão à Convenção, uma
“interpretação” própria ao que ficara estabelecido na área tecnológica,
segundo a qual59:
“Os Estados Unidos afirmam seu entendimento de que o acesso à
tecnologia e a sua transferência estão sujeitos aos direitos de
propriedade intelectual respaldados por essa Convenção, exigindo o
reconhecimento de adequada e efetiva proteção dos direitos de
propriedade intelectual e a consistência destes aspectos. Assim, não
há uma base para a utilização de leis de licenciamento compulsório
que forcem as empresas privadas a transferir tecnologia nos termos
desse Acordo.
Os Estados Unidos afirmam seu entendimento sobre o artigo 16(2)
no sentido de que a expressão ‘termos justos e mais favoráveis’
significa termos determinados por um mercado livre, sem restrições
comerciais ou coerção governamental.”
Essa atitude de resistência é considerada, por muitos, exagerada.
Primeiro, porque os dispositivos da Convenção restringem-se a situações
bastante específicas, em que a transferência de tecnologias ocorre a partir
do acesso a determinado material genético. A Convenção refere-se
fundamentalmente a tecnologias que sejam relevantes para a conservação
e o uso sustentável da biodiversidade e àquelas que façam uso de recursos
genéticos sem causar prejuízos significativos para o meio ambiente.
Segundo, porque esse intercâmbio só ocorre a partir de termos
mutuamente acordados entre as partes e a Convenção não tem meios de
obrigar qualquer empresa a transferir tecnologia patenteada. Aliás, uma
das grandes dificuldades para a implementação da Convenção com respeito
ao acesso e à transferência de tecnologia é justamente derivada do fato de
59
Esta é parte do Interpretative Statement do governo Bill Clinton, em relação à CDB.
137
que os maiores detentores de tecnologias são empresas privadas e não
governos. E, na medida em que a Convenção é um acordo entre governos
e não entre empresas, só através de legislação interna que obrigue ou que
estimule o setor privado a repassar tecnologia é possível fazer cumprir o
que a Convenção determina.
Por fim, porque a maioria dos países em desenvolvimento já adotou
regimes de patentes nos moldes, ou até além (como no caso do Brasil), das
orientações estabelecidas no Acordo TRIPS do GATT (ver Capítulos I e IV).
De modo geral, porém, como já assinalado, no que trata da questão
tecnológica, apesar das suas ambigüidades e contradições, a CDB é
majoritariamente considerada um avanço e um espaço favorável aos
interesses dos países em desenvolvimento, inclusive quanto à propriedade
intelectual, se comparada, por exemplo, com o Acordo TRIPs do GATT,
onde se reconhece a concessão de patentes para todas as tecnologias
(incluindo as biotecnologias) e onde os países vêm sendo pressionados a
acatarem regras cada vez mais rígidas de proteção patentária.
Reconhecendo o Papel das Comunidades Tradicionais
Um dos aspectos não claramente resolvidos, no texto da Convenção
sobre Diversidade Biológica, refere-se ao papel e aos direitos das
comunidades locais e populações tradicionais no controle do acesso aos
recursos genéticos e na partilha de benefícios advindos do seu uso. Mas,
ainda que abordando essa questão de forma vaga e genérica, a CDB tem
sido interpretada como um estímulo à proteção dos conhecimentos e
práticas dessas comunidades.
A Convenção toca, explícita ou implicitamente, em alguns aspectos
fundamentais a esse respeito. Em seu preâmbulo, afirma a importância de
conhecimentos e práticas tradicionais para a conservação e o uso sustentável
da biodiversidade, recomendando que os benefícios resultantes da utilização
desses conhecimentos sejam compartilhados de modo justo e eqüitativo.
138
O artigo 8º (j) da CDB é o mais abrangente a esse respeito e tem sido
interpretado como uma abertura ou, ao menos, um estímulo ao
envolvimento das comunidades locais e tradicionais nos procedimentos
relacionados ao acesso a recursos genéticos, ao reconhecer o direito dessas
comunidades de decidirem sobre o uso desses conhecimentos e de
participarem dos benefícios daí advindos. Segundo o artigo 8º ( j ) da
Convenção sobre Diversidade Biológica, cada Parte Contratante deve:
“em conformidade com sua legislação nacional, respeitar, preservar
e manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidades
locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais
relevantes à conservação e à utilização sustentável da diversidade
biológica e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e
a participação dos detentores desse conhecimento, inovações e
práticas; e encorajar a repartição eqüitativa dos benefícios oriundos
da utilização desse conhecimento, inovações e práticas.”
Também o artigo 10 (c) afirma que cada Parte Contratante deve buscar
“proteger e encorajar a utilização costumeira de recursos biológicos de
acordo com práticas culturais tradicionais compatíveis com as exigências
de conservação ou utilização sustentável”, enquanto que o artigo 17.2 inclui
o conhecimento tradicional dentre as categorias de informação a serem
trocadas entre as Partes. E o artigo 18.4 compromete os países a “elaborar
e estimular modalidades de cooperação para o desenvolvimento de
tecnologias, inclusive tecnologias indígenas e tradicionais”.
Por outro lado, segundo o artigo 15 da CDB, a autoridade para
determinar o acesso a recursos genéticos é o governo nacional do país
provedor desse material, o qual é também reconhecido como o beneficiário,
enquanto Parte Contratante da Convenção, dos ganhos comerciais ou de
outra natureza advindos do seu uso, não se fazendo qualquer menção às
comunidades tradicionais nesse caso.
Do mesmo modo em que não há, no texto da Convenção,
determinações claras a respeito da participação das comunidades locais
139
tradicionais no acesso a recursos genéticos, também os países ricos em
recursos genéticos e biológicos não dispõem, de modo geral, de um
arcabouço legal e institucional onde estejam garantidos os direitos dessas
populações, que, ao contrário, sofrem historicamente com a exclusão política
e social e com a marginalização cultural. Fato é que as discussões em torno
da implementação da CDB têm, ao menos, contribuído para levantar a
questão tanto no plano internacional quanto dentro dos próprios países.
Biossegurança: Questão em Aberto
As discussões no âmbito da CDB sobre biossegurança ocorreram,
num primeiro momento, em torno da elaboração ou não de um Protocolo
para tratar desse tema e, posteriormente, quanto ao escopo e abrangência
de um tal Protocolo. A Convenção sobre Diversidade Biológica, em seus
artigos 8º (g) e 19 (parágrafos 3 e 4) recomenda a cada Parte Contratante
que garanta meios de regular ou controlar os riscos associados com o uso e
liberação de organismos vivos modificados pela biotecnologia e, mais
particularmente, que se examinem:
“a necessidade e as modalidades de um protocolo que estabeleça
procedimentos adequados, inclusive, em especial, a concordância
prévia fundamentada, no que respeita a transferência, manipulação
e utilização seguras de todo organismo vivo modificado pela
biotecnologia que possa ter efeito negativo sobre a conservação e
o uso sustentável da diversidade biológica.”
No início do processo de implementação da CDB, havia consenso
sobre a necessidade de se ampliarem as capacitações nacionais para tratar
questões relacionadas à biossegurança, mas não de que se deveria estabelecer
um protocolo internacional sobre o assunto.
Alguns países, como os Estados Unidos e o Japão, manifestaram-se,
a princípio, contrários a qualquer protocolo que os submetesse a uma
140
regulação internacional nessa área, já que são eles os grandes detentores de
biotecnologias, no mundo, e contam com legislação interna específica sobre
o assunto. No outro extremo estão os países menos desenvolvidos, dentre
aqueles que estão em desenvolvimento, que detêm pouca biotecnologia e
não possuem qualquer legislação a respeito, desejando assim um protocolo
bastante abrangente para regular a questão. Há ainda uma posição
intermediária, como a do Brasil, da Comunidade Européia e de alguns outros
países, que defendem a existência de um protocolo internacional de
biossegurança, o qual regule tão somente os movimentos transfronteiriços
de organismos geneticamente modificados, deixando às legislações nacionais
o controle sobre outros aspectos relacionados ao desenvolvimento e uso
de biotecnologias.
O que parece estar em jogo na discussão sobre um protocolo de
biossegurança é se, com esse mecanismo, se quer garantir que as atividades
em biotecnologia sejam de fato seguras; ou, o que é muito diferente, se
quer simplesmente estabelecer padrões mínimos de segurança para essas
atividades, de modo a conferir legitimidade e credibilidade ao comércio
internacional de organismos transgênicos e outros produtos desenvolvidos
através de biotecnologias. A preocupação, nesse segundo caso, não seria
tanto garantir segurança para a sociedade em geral, mas estabelecer barreiras
e controles adicionais à entrada de novos produtos no mercado
internacional, exigindo-se requisitos que só os grandes empreendimentos
são capazes de cumprir.
Realizaram-se duas reuniões técnicas internacionais sobre o assunto
durante o ano de 1995, primeiro em Madri e depois no Cairo. Já naquela
ocasião, houve divergências, basicamente entre os países desenvolvidos e
os do G77 e China, quanto à inclusão, no protocolo, de três grandes questões:
considerações a respeito dos impactos socioeconômicos da biotecnologia;
responsabilidade e compensação por seus impactos negativos; e
estabelecimento de um mecanismo financeiro para a implementação do
protocolo.
Na COP-2 em Jacarta (1995), após muita negociação, decidiu-se iniciar
o processo de elaboração do protocolo de biossegurança, priorizando a
141
questão dos movimentos transfronteiriços, ainda que contrariando o ponto
de vista de boa parcela dos países em desenvolvimento partícipes da
Convenção.
Em julho de 1996 ocorreu em Ahrus, na Dinamarca, a primeira
reunião do Grupo de Trabalho ad hoc sobre Biossegurança. Nessa ocasião,
o Brasil e outros países latino-americanos, o chamado GRULAC — Grupo
de Países Latino-americanos e do Caribe na Convenção — romperam com
a posição majoritária do G77 e de alguns países escandinavos, que defendiam
a inclusão, no protocolo, de considerações socioeconômicas e do termo
liability, isto é, responsabilidade civil, segundo o qual os causadores de danos
transfronteiriços gerados a partir do manejo e do despejo de organismos
transgênicos devem arcar com indenizações às partes afetadas.
A posição então expressa pelo Brasil foi por alguns interpretada como
refletindo a pretensão do país em fazer parte do chamado “clube de
biotecnologias”, tendo recebido algumas críticas, principalmente diante do
papel de liderança que o país desempenha no regime global da
biodiversidade, e em face da afirmação mundial do princípio de precaução.
O Brasil, por outro lado, que já aprovou sua própria Lei de Biossegurança
(cf. Capítulo IV), desejava evitar ingerências externas sobre as atividades
biotecnológicas realizadas em seu próprio território.
Em 1997, nos meses de maio e outubro, foram realizados mais dois
encontros do Grupo de Trabalho ad hoc sobre Biossegurança, ambos em
Montreal, observando-se um avanço em relação a um consenso com respeito
ao estabelecimento de um Protocolo de Biossegurança.Boa parte das
divergências quanto a seu conteúdo, no entanto, ainda permanecem. No
ano de 1998, deverão ser realizados mais três encontros do Grupo de
Trabalho, nos meses de fevereiro, agosto e dezembro, quando então se
espera concluir e aprovar o texto do Protocolo.
Financiamento: Solução Interna
O financiamento das ações de conservação e uso sustentável da
biodiversidade tem sido também uma área de atrito nas negociações da
142
CDB, na medida em que os países ricos em recursos genéticos, pressionados
a ampliarem seus esforços em conservação, exigiram uma contrapartida
adequada de recursos financeiros novos e adicionais, por parte dos países
desenvolvidos.
A CDB contém uma orientação explícita a esse respeito, em seu artigo
20 (2), segundo o qual os países desenvolvidos devem “prover recursos
financeiros novos e adicionais para possibilitar aos países em
desenvolvimento arcarem com os custos adicionais” (cf. nota 11 deste
Capítulo) necessários à implementação da Convenção. Os países centrais
resistem a essa determinação e procuram controlar e restringir os recursos
financeiros tornados disponíveis para a Convenção; enquanto que os países
em desenvolvimento entendem que esses recursos devem estar disponíveis
de acordo com as tarefas a serem realizadas e as obrigações a serem
cumpridas no âmbito da CDB.
Um outro ponto polêmico, e que tem ocupado boa parte das
discussões das Conferências das Partes, refere-se ao papel do GEF como
mecanismo financeiro da CDB. A CDB prevê um mecanismo financeiro
que atue sob a autoridade da Conferência das Partes, enquanto o GEF atua
sob a autoridade do seu próprio Conselho. Além disso, o GEF é um
mecanismo gerido por três organismos internacionais — o PNUD, o
PNUMA e o Banco Mundial —, que dividem, assim, com a Conferência
das Partes, as decisões relativas à “operacionalização” do mecanismo
financeiro da CDB.
Expressaram-se três tipos de posição a esse respeito: os favoráveis à
designação do GEF como mecanismo financeiro da Convenção em caráter
permanente; os partidários da sua designação em caráter interino; e, por
fim, os que sequer concordam com a atribuição desse papel ao GEF, mesmo
que interinamente, defendendo a criação de um fundo específico de
biodiversidade aberto a outras fontes de financiamento além das
governamentais, e sendo gerido por um mecanismo financeiro
independente, mas sob a autoridade da Conferência das Partes.
A designação do GEF como estrutura institucional permanente de
financiamento da Convenção é defendida principalmente por delegações
143
de países desenvolvidos60, sob o argumento de que a recente restruturação
do Fundo61 habilita-o a cumprir com as obrigações estabelecidas na CDB.
O Conselho do GEF, antes totalmente controlado pelos países doadores,
tem hoje sua composição dividida entre países desenvolvidos e países em
desenvolvimento.
Para a maior parte dos países do G77, porém, essa restruturação do
GEF não foi suficiente para garantir a autoridade da COP sobre as decisões
do Fundo relativamente ao financiamento de projetos na área de
biodiversidade. Até porque, além dos votos do conjunto dos membros do
Conselho, qualquer decisão final do GEF depende de uma segunda votação
que é realizada entre os países doadores de modo proporcional à
contribuição de cada um, o que, ao final, assegura aos grandes doadores o
controle sobre o GEF.
Apesar dos conflitos quanto a esse tema, decidiu-se, na COP-1
realizada em Nassau (1994), que o GEF seria utilizado como mecanismo
financeiro interino da CDB, decisão que foi confirmada na COP-2 e na
COP-3, tendo esta última aprovado um Memorando de Entendimento
(MoU) entre a COP e o Conselho do GEF.
Interfaces entre a CDB e Outras Instâncias Multilaterais
É cada vez mais premente, e ao mesmo tempo mais complexo, tornar
compatíveis as orientações e os instrumentos normativos e reguladores,
que incidem sobre a temática da biodiversidade, definidos e adotados por
diferentes instâncias multilaterais, bilaterais e nacionais. Até porque essa
temática, como se procurou demonstrar, desdobra-se em um conjunto
60
Esta foi a posição, dentre outros, da União Européia, representada pela Alemanha, da Austrália,
dos Estados Unidos, da Noruega e do Japão, além de países do leste europeu representados pela
Eslováquia.
61
Um acordo para a reestruturação do GEF foi alcançado em março de 1994, ocasião na qual
também os países doadores acordaram em repassar ao GEF US$ 2 bilhões por um período de três
anos, soma que, no entanto, representava a metade do que fora prometido durante a Rio-92.
144
diverso e polêmico de questões, tais como, biodiversidade na agricultura,
biodiversidade florestal e, particularmente, o acesso a recursos genéticos e
a proteção de direitos de propriedade intelectual, incluindo direitos de
melhoristas, de agricultores e de comunidades locais e tradicionais. Desse
modo, impõem-se entendimentos entre a Conferência das Partes da CDB
e outros organismos e instâncias internacionais que mais intensa e
diretamente vêm intervindo sobre essas questões.
A CDB tem buscado afirmar-se como o fórum global sobre
biodiversidade e temáticas associadas, visando assim influenciar as discussões
e deliberações desses outros fóruns internacionais no que tange a
biodiversidade. Tal esforço vem sendo interpretado como refletindo o
descontentamento de algumas delegações partícipes das Conferências das
Partes e de organizações não-governamentais, em relação às orientações
que têm prevalecido nessas outras instâncias multilaterais, considerando
seus impactos potencialmente adversos do ponto de vista dos objetivos da
CDB.
Por outro lado, o fato de que, na Convenção sobre Diversidade
Biológica, tenham sido deixadas em aberto muitas questões para discussão
posterior tem sido também percebido como um espaço de manobra para
que essas outras instâncias internacionais estabeleçam orientações contrárias
à CDB, sem que haja uma instância jurídica superior para definir qual das
orientações deve ser adotada internacionalmente.
São a seguir analisadas as interfaces da CDB com orientações e
iniciativas recentes no âmbito da FAO, da Organização Mundial do
Comércio e, ainda, da Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONU
em relação à biodiversidade florestal, as quais têm sido alvos privilegiados
de discussões das Conferências das Partes da Convenção.
Organização Mundial do Comércio — OMC
Existe a preocupação, por parte de alguns governos e ONGs, de que
a Organização Mundial do Comércio estabeleça uma jurisprudência sobre
145
questões de comércio e de patentes, particularmente através do Acordo
TRIPs instituído durante a Rodada Uruguai do GATT, cuja orientação seja
distinta ou contrária às determinações da CDB.
Embora um considerável número de países seja tanto parte da CDB
como membro da OMC62, isto não tem significado uma maior coerência
entre as posições por eles expressas nessas duas instâncias, já que os setores
governamentais que delas participam freqüentemente representam distintos
interesses existentes no interior dos próprios governos. Particularmente
considerando que, nos aparatos governamentais, os setores responsáveis
pela área econômica geralmente detêm maior poder do que os setores
responsáveis pela área ambiental, havendo quase sempre divergências entre
eles.
Na COP-3, houve um extenso debate, mas pouco progresso, a
respeito da relação entre a CDB e o acordo TRIPs, em que alguns países,
dentre os quais a Malásia, a Índia, as Filipinas e o Brasil, externaram
preocupação quanto aos impactos negativos dos atuais sistemas de proteção
aos direitos de propriedade intelectual sobre os objetivos de conservação e
uso sustentável da biodiversidade e sobre o aumento da pirataria dos
conhecimentos das comunidades tradicionais (Kothari, 1996).
Manifestaram-se também restrições à forma como o Acordo TRIPs conduz
a questão dos regimes de patentes na área de biotecnologia e produtos
derivados. Além disso, o Acordo TRIPs é interpretado como tendo ampliado
os direitos dos melhoristas e “inventores” sobre as variedades vegetais, em
detrimento dos direitos dos agricultores sobre as variedades por eles
selecionadas e conservadas ao longo do tempo.
Na fase de negociação do Acordo TRIPs, por sua vez, houve grande
controvérsia quanto a assuntos de interesse da CDB, tais como: a obrigatoriedade
de patenteamento de organismos vivos, especialmente de plantas e animais,
bem como a possibilidade de exclusão genérica de patenteabilidade de setores
socialmente estratégicos, como o farmacêutico, o agrícola e o alimentar. O
Artigo 27 do Acordo TRIPs é o que apresenta maiores interfaces (e conflitos)
com relação aos dispositivos da CDB (Box 9).
62
Em dezembro de 1996 havia 156 Partes da CDB e, em outubro de 1996, 125 membros da OMC.
146
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Box 9
Box 9
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“1. Sujeito aos dispositivos dos parágrafos 2 e 3, patentes devem ser
concedidas para quaisquer invenções, sejam produtos ou processos, em
todos os campos da tecnologia, desde que sejam novas, envolvam um passo
inventivo e sejam capazes de aplicação industrial. Sujeito ao parágrafo 4
do Artigo 65, parágrafo 8 do Artigo 70 e parágrafo 3 deste Artigo, patentes
devem ser concedidas e direitos de patentes exercidos sem discriminação,
seja do local da invenção, o campo da tecnologia e se os produtos são
importados ou produzidos localmente.
○
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○
○
○
○
○
○
○
○
2. Os membros podem excluir de patenteabilidade invenções, a prevenção
dentro de seus territórios da exploração comercial da qual seja necessária
para proteger a ordem pública ou a moralidade, incluindo proteger a vida
humana, de animais ou plantas ou evitar sérios danos ao meio ambiente,
garantindo que tal exclusão não seja feita simplesmente porque a exploração
é proibida por suas leis.
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3. Os membros podem excluir de patenteabilidade:
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(a) métodos diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos para o tratamento de
humanos ou animais;
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(b) plantas e animais outros que microrganismos, e processos essencialmente
biológicos para a produção de plantas e animais outros que processos nãobiológicos e microbiológicos. Entretanto, os membros devem prover
proteção para variedades de plantas, seja por patentes ou por um sistema
sui generis efetivo e por sua combinação. Os dispositivos deste parágrafo
serão revistos quatro anos após a data de entrada em vigor do Acordo OMC.”
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ARTIGO 27 DO ACORDO TRIPS DO GATT
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Como se vê, no texto final do Acordo TRIPs, ficou estabelecido o
reconhecimento de patentes, pelos países signatários, da maior parte dos
produtos e processos, incluindo os farmacêuticos, microrganismos
modificados e processos microbiológicos, além da proteção de variedades
vegetais.
Alguns países e organizações têm envidado esforços para que as
Conferências das Partes da CDB estabeleçam procedimentos e canais de
diálogo mais sistemáticos entre a OMC e a CDB. O Comitê de Comércio
147
e Meio Ambiente da OMC (cf. Capítulo I) vem-se apresentando como o
fórum privilegiado para a discussão das relações entre essas duas instâncias.
Dentre os principais aspectos levantados sobre essa questão nas reuniões
do CTE até então realizadas, destacam-se: a proteção dos direitos sobre os
recursos biológicos e a partilha de benefícios provenientes do patenteamento
de produtos derivados desses recursos, aí incluída a questão dos direitos
das populações nativas; além dos efeitos dos direitos de propriedade
intelectual, se positivos ou negativos, sobre o desenvolvimento, o acesso e
a transferência de tecnologias ambientalmente adequadas (UNEP, 1996).
Não existem ainda resultados conclusivos dessa busca de diálogo e
negociação, mas verifica-se que a Convenção sobre Diversidade Biológica
tem servido como uma referência significativa para se repensarem as
orientações da OMC relativamente à temática ambiental e do
desenvolvimento sustentável, e à questão da biodiversidade em particular.
No entanto, não está claro como e em que instância se procederá à resolução
de conflitos que possam ocorrer quando da implementação de orientações
divergentes entre a CDB e a OMC.
Organização para Alimentação e Agricultura — FAO
A FAO é uma outra agência internacional com grande interface com
as questões tratadas na CDB. A FAO vem buscando manter o controle
sobre o eixo da troca de recursos genéticos para alimentação e agricultura
e sobre temáticas associadas à biodiversidade agrícola, temendo que a CDB
avance, sem sua participação, sobre temas que tradicionalmente estiveram
sob sua responsabilidade, o que implicaria perda de espaço político no
plano internacional63.
Essa preocupação, por parte da FAO, pode também ser analisada
como expressando a existência de uma disputa entre agências internacionais
63
A FAO já perdeu atribuições, por exemplo, no que diz respeito à proteção das florestas tropicais,
ante a avaliação de que sua atuação nessa área teria contribuído mais para a exploração comercial das
florestas tropicais do que para a sua conservação.
148
para dominar certos assuntos e assim manter seu status; que é, na verdade,
uma disputa por atenção e recursos financeiros dos governos, ou seja, por
sobrevivência institucional, ante a tendência atual de enxugamento da ONU.
Por outro lado, cabe à CDB estabelecer orientações, mas não lhe cabe
implementá-las; ela pode valer-se de diferentes organismos internacionais
e nacionais para concretizar suas decisões, incluindo a própria FAO, que é
tipicamente uma agência implementadora.
Outro tipo de conflito deriva do fato de que, para os países em
desenvolvimento, a CDB representa um fórum muito mais neutro e
favorável do que a FAO, que é mais fortemente dominada por interesses de
países desenvolvidos, principalmente países europeus, o que faz com que
seus próprios técnicos muitas vezes defendam posições consideradas mais
“primeiro mundistas”. Por exemplo, a FAO vem tentando, desde o início,
manter a antiga regra do livre acesso para recursos genéticos na área de
agricultura e alimentação, buscando dominar os trabalhos da Convenção
nessa área.
Além disso, existem discrepâncias filosóficas importantes entre essas
duas instâncias internacionais, já que a FAO foi o agente propulsor da
Revolução Verde, colocada à época como uma alternativa aos sombrios
diagnósticos do Clube de Roma sobre o crescimento exponencial da
população. A Revolução Verde representou o pólo oposto da
sustentabilidade e da conservação da biodiversidade, associando-se à lógica
da agricultura da mecânica pesada e da indústria agroalimentar e de sementes,
lógica esta que também marcou profundamente as orientações da FAO.
No momento, duas questões principais, que estão sendo tratadas no
âmbito da FAO, guardam grande relação com a implementação da CDB.
Uma, como já assinalado, diz respeito à situação das coleções ex situ
existentes antes da entrada em vigor da CDB, particularmente em relação
aos direitos dos países de origem desses recursos genéticos. A outra referese a um tema mais antigo, mas que ganha nova dimensão no momento
atual, particularmente a partir da CDB, que é o da implementação de fato
do direito dos agricultores (cf. Capítulo II).
149
Nesse contexto, destacam-se:
a) A adoção, durante a Quarta Conferência Técnica Internacional
sobre Recursos Genéticos Vegetais, realizada em Leipzig, Alemanha, de 17
a 23 de junho de 1996, do “Plano Global de Ação para a Conservação e o
Uso Sustentável dos Recursos Genéticos Vegetais para Alimentação e
Agricultura” e da “Declaração de Leipzig”, que constitui um documento
político, onde é reafirmado o comprometimento da FAO com as orientações
da Convenção sobre Diversidade Biológica, no que diz respeito
especificamente aos recursos genéticos vegetais para alimentação e
agricultura.
Tanto a Declaração de Leipzig quanto o Plano Global de Ação da
FAO foram concluídos a partir de um longo e difícil processo de negociação,
que resultou em um frágil consenso, gerando dúvidas sobre a viabilidade
de esses documentos tornarem-se de fato instrumentos de implementação
da CDB. O principal ponto de conflito deu-se entre países doadores e
países em desenvolvimento, em torno das fontes de financiamento, não se
tendo firmado um claro compromisso a respeito dessa questão. Outros
aspectos controvertidos foram: a inclusão ou não de pontos específicos a
respeito de florestas e seus recursos genéticos, o que foi rejeitado por vários
países em desenvolvimento; o acesso a recursos genéticos e a partilha de
benefícios; e os direitos dos agricultores.
b) Uma nova revisão do Compromisso Internacional sobre Recursos
Genéticos Vegetais da FAO64, destinada a adequá-lo às orientações da
Agenda 21 e da CDB, processo que no entanto vem-se alongando desde
1993. Duas rodadas de negociações especificamente direcionadas para
tratar da revisão do Compromisso Internacional ocorreram: a Primeira
Sessão Extraordinária da Comissão de Recursos Genéticos para Alimentação
e Agricultura, em novembro de 1994; e a Terceira Sessão Extraordinária da
Comissão sobre Recursos Genéticos para Alimentação e Agricultura,
realizada em dezembro de 1996, na sede da FAO em Roma.
64
Em dezembro de 1996, contabilizavam-se 111 países aderentes ao Compromisso Internacional da FAO,
com as notáveis exceções do Brasil, Canadá, China, Japão, Malásia e Estados Unidos (Chasek, 1996).
150
A atual revisão do Compromisso Internacional da FAO vem também
expressando sérios conflitos de interesse, especialmente em torno de dois
pontos fundamentais. Um deles refere-se, mais uma vez, à discussão sobre
a implementação do conceito de farmer’s rights, quanto aos seguintes pontos:
(1) suas implicações práticas; (2) os limites entre as responsabilidades da
comunidade internacional e dos Estados nacionais sobre a questão, em
especial seus desdobramentos no âmbito das legislações internas dos países;
(3) a viabilidade e as formas de proteção de direitos coletivos, na medida
em que o padrão internacionalmente predominante é a proteção de direitos
individuais, bem como o papel das comunidades e dos Estados nesse caso;
e, ainda, (4) se a FAO seria o organismo multilateral mais apropriado para
reger tais direitos (alternativamente foram propostos a UPOV, a OMC e
mesmo a OMPI).
O outro ponto de grande controvérsia dá-se em torno da regulação
do acesso a recursos genéticos, diante da variedade de regimes de acesso
adotados pelos países e, desse modo, a dificuldade de se estabelecer um
sistema internacional único de intercâmbio de recursos genéticos vegetais.
Observadores consideram que, mais uma vez, na discussão sobre o
Compromisso Internacional da FAO, trava-se uma disputa entre o ponto
de vista dos países em desenvolvimento, que buscam fazer com que esse
processo contribua para reforçar e “operacionalizar” as orientações da CDB,
em especial, através do conceito de farmer’s rights e suas implicações para a
partilha de benefícios; e a perspectiva dos países desenvolvidos, como os
Estados Unidos, que, ao contrário, procuram, através da FAO, reverter alguns
dos dispositivos da CDB, ou mesmo da própria FAO, por exemplo, relutando
em aceitar o conceito de farmer's rights.
A Sétima Sessão da Comissão sobre Recursos Genéticos para
Alimentação e Agricultura, também realizada em Roma, de 15 a 23 de
maio de 1997, foi considerada um marco nas negociações para revisão do
Compromisso Internacional, embora com poucos avanços em relação aos
direitos dos agricultores.
151
Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONU — CDS
Em 1995, por recomendação da Comissão de Desenvolvimento
Sustentável (CDS) da ONU, foi estabelecido um Painel Intergovernamental
de Florestas (PIF, sigla em inglês IPF), com objetivos de propor ações
visando o manejo, a conservação e o uso sustentável dos recursos florestais,
em consonância com os compromissos assumidos durante a Rio-92,
particularmente o Capítulo 11 da Agenda 21 (“Combate ao
Desflorestamento”) e a Declaração de Princípios sobre Florestas65 então
firmada.
A Conferência das Partes da CDB manifestou interesse em que o
Painel de Florestas da CDS enfatizasse a questão da biodiversidade florestal,
afirmando a importância de complementaridade entre a CDB, o Painel de
Florestas e outros fóruns relacionados ao tema.
O primeiro encontro do Painel de Florestas realizou-se em Nova
York, de 11 a 15 de setembro de 1995; o segundo encontro foi em Genebra,
de 11 a 22 de março de 1996; o terceiro, também em Genebra, de 9 a 20 de
setembro de 1996; e o quarto e último, mais uma vez em Nova York, de 11
a 14 de fevereiro de 1997.
No documento conclusivo do Painel de Florestas66, é reconhecida a
autoridade da CDB quanto à temática da biodiversidade florestal,
mencionando-se a questão da biodiversidade em vários trechos, embora
não lhe seja dada uma ênfase especial.
É no âmbito das recomendações sobre conhecimentos tradicionais
relacionados a florestas que mais referências são feitas, naquele documento,
65
Uma Convenção sobre Florestas foi proposta, durante a Conferência do Rio (1992), o que, naquela
oportunidade, não chegou a se concretizar, em razão de não se terem superado os conflitos de
interesses entre os países do G77, liderados pela Malásia, contrários a uma tal Convenção, e os países
do G7, liderados pelos Estados Unidos, que lhe eram francamente favoráveis. Alternativamente foi
então firmada uma Declaração de Princípios sobre Florestas, cujo título completo em inglês é “Nonlegally binding authorative statement of principles for a global consensus on the management, conservation and
sustainable development of all types of forests”.
66
Parágrafo 15 do Documento D/CN.17/1997/12 da Comissão de Desenvolvimento Sustentável
da ONU.
152
aos dispositivos da CDB, em especial, a seus artigos 8º (j) e 10 (c), e
particularmente quanto à importância da obtenção de consentimento prévio
informado67 junto às populações envolvidas para a utilização de seus
conhecimentos; e quanto à partilha justa e eqüitativa de benefícios derivados
da pesquisa e desenvolvimento e do uso comercial desses conhecimentos
tradicionais.
No que se refere a esse último aspecto, foi formalmente explicitada,
no documento final do Painel de Florestas, uma divergência de posições
entre os governos de diferentes países: algumas delegações (como as do
G77 e China) colocaram-se favoravelmente a que a partilha de benefícios
implicasse pagamento apropriado aos povos nativos e comunidades locais
relevantes, com base em seus direitos de “propriedade intelectual”; enquanto
outras (sobretudo dos Estados Unidos e União Européia) preferiam um
tratamento mais abrangente da questão, nos termos em que é tratada pela
CDB (várias possibilidades de partilha de benefícios, não necessariamente
através do pagamento de royalties).
O documento conclusivo do Painel de Florestas, dentre outras
recomendações, chama ainda a atenção para a relevância da transferência
de tecnologias dos países do Norte para os do Sul em termos favoráveis e
até preferenciais a esses últimos, especialmente as tecnologias de conservação
e uso sustentável da diversidade biológica florestal.
Além desses pontos, o Painel de Florestas enfrentou vários outros
temas polêmicos, destacando-se: (a) a questão da soberania nacional sobre
assuntos florestais, expressando-se a tensão entre haver um controle
nacional68 sobre os recursos florestais e haver uma regulação internacional
sobre esses recursos (as maiores divergências deram-se em torno de se
estabelecer um controle nacional68 ou um controle internacional com
respeito ao comércio ilegal de produtos florestais); (b) fontes de financiamento
para um manejo sustentável das florestas; (c ) transferência de tecnologias;
(d) aspectos relacionados ao comércio, e principalmente (e) o estabelecimento
67
68
Esse assunto é tratado no Capítulo II.
Posição do Brasil, Índia, China e demais países do G77.
153
ou não de uma Convenção sobre Florestas69, o que acabou mais uma vez
rejeitado.
Ainda que o Painel tivesse sido motivado pela necessidade de se
estabelecer um diálogo político continuado sobre florestas no plano
intergovernamental, não se chegou a um consenso a respeito de algumas
questões fundamentais. Isto ficou refletido no documento final do Painel,
onde os pontos mais controvertidos não foram solucionados, deixando-se
assim ao encargo da Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONU
o encaminhamento das opções levantadas no Painel. Considerando os
múltiplos focos de atenção e de atuação da CDS, dentre os quais a temática
das florestas é apenas mais um, levantam-se dúvidas sobre se os diversos
aspectos relacionados à questão das florestas, inclusive o da biodiversidade,
serão adequadamente tratados no contexto internacional.
Algumas ONGs criticam, ainda, o fato de que a CDB deixou a maioria
dos temas mais relacionados à biodiversidade florestal para o Painel
Intergovernamental da CDS, não incorporando para si as questões
relacionadas a esses ecossistemas, onde justamente se localiza a parcela
mais significativa da biodiversidade mundial. Além disso, avalia-se que alguns
aspectos de fundo relacionados à perda de biodiversidade florestal, e que
há algum tempo vêm sendo levantados por ONGs e certos governos, não
têm sido adequadamente tratados nem nas COPs, nem o foram no Painel
Intergovernamental de Florestas da CDS. Em especial, as chamadas causas
fundamentais do desflorestamento, tais como: o padrão de consumo
insustentável dos países ricos e das elites dos países em desenvolvimento;
as desiguais relações comerciais que pressionam os países ricos em florestas
a exportarem enormes quantidades de madeira; e políticas e legislações
fundiárias que levam populações pobres a estabelecerem-se em áreas de
floresta (Kothari, 1996).
69
De acordo com o Earth Negotiation Bulletin, 13 (34), essa proposta foi retomada pela União
Européia e países do leste europeu, sendo rejeitada, pelo menos naquele momento, por vários países
em desenvolvimento, inclusive o Brasil, e ONGs, embora a Malásia e a Indonésia tenham-se
posicionado favoravelmente a tal acordo. A esse mesmo respeito, ver nota 13.
154
Balanço da Convenção sobre Diversidade Biológica
A partir da Convenção sobre Diversidade Biológica, novos elementos
de barganha foram introduzidos na negociação internacional com respeito
à questão da biodiversidade. A CDB conduziu a um novo patamar o debate
internacional sobre essa temática, fortalecendo o que já se convencionou
chamar de “biopolítica” e “biodiplomacia”, termos que bem atestam a
dimensão geopolítica da biodiversidade hoje.
No plano internacional, a CDB respondeu, em grande medida, aos
interesses e posições dos países em desenvolvimento ou G77, sendo também
permeável à influência do chamado “terceiro setor” (as organizações nãogovernamentais) e das representações das populações tradicionais. A própria
estrutura tripartite da CDB — envolvendo conservação, uso sustentável e
partilha de benefícios, além de recomendar o acesso a tecnologias e
financiamento adequado — pode ser vista como tendo sido resultado do
avanço das negociações Norte-Sul.
Pode-se dizer ainda que a CDB representa um espaço de resistência
ou de contracorrente em relação à tendência predominante em boa parte
dos fóruns de negociação internacional, particularmente no que diz respeito
à propriedade intelectual e transferência de tecnologias. Ao mesmo tempo,
através de suas Conferências das Partes, busca exercer influência sobre o
tratamento da questão da biodiversidade e do meio ambiente, de modo
geral, em outras instâncias multilaterais.
Do ponto de vista da consolidação institucional da Convenção, há
consenso de que progressos vêm ocorrendo, embora para muitos isto esteja
se dando de forma lenta e pouco concreta. No âmbito dos países, o
abandono do princípio da “herança comum” e a afirmação do princípio da
“soberania” dos Estados representam, para aqueles comprometidos com a
implementação da CDB, complexos desafios. Em boa parte dos países ricos
em biodiversidade, não existe um arcabouço jurídico-normativo que dê
suporte às orientações da Convenção, do mesmo modo que é precário o
aparato institucional disponível para implementar as ações e diretrizes
155
estabelecidas pela CDB. Nesse aspecto, é possível observar a estruturação,
ainda que gradual, no contexto nacional, de uma infra-estrutura orientada
para esses objetivos, em particular quanto à regulação do acesso a recursos
genéticos em seus territórios. A partir da CDB, foram também criadas, em
vários países, comissões nacionais de biodiversidade, bem como iniciada a
elaboração de estratégias e planos nacionais para a área.
Por outro lado, embora a CDB tenha força de lei nos países que a
ratificaram, não está totalmente assegurada sua capacidade de fazer valer,
concretamente, suas determinações, existindo sérios obstáculos a serem
enfrentados nesse sentido. É talvez na escala do local que se colocam os
mais sérios desafios à implementação da CDB, do mesmo modo que é, em
grande medida, na prática concreta dos atores, que se irão trilhar os caminhos
para se superarem, ou ao menos para se enfrentarem, os conflitos que hoje
permeiam a questão da biodiversidade.
Nos próximos capítulos, são discutidos alguns reflexos desse processo
no âmbito nacional brasileiro e regional amazônico.
156
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CRONOLOGIA DA CONVENÇÃO SOBRE DIVERSIDADE BIOLÓGICA
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Box
Box1010
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Década de 1980 - Iniciadas discussões sobre o tema da diversidade biológica,
pela Comissão de Legislação Ambiental e pelo Centro de Legislação
Ambiental da IUCN.
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Junho de 1987 - Estabelecido pela UNEP um Grupo de Trabalho ad hoc de
Especialistas em Diversidade Biológica.
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Novembro de 1988 a Julho de 1990 - Realizadas três reuniões do Grupo de
Trabalho ad hoc de Especialistas em Diversidade Biológica da UNEP.
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Início de 1990 - Estabelecido um “Subgrupo de Trabalho sobre
Biotecnologia”.
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Meados de 1990 - Criado pelo Conselho Diretor da UNEP um “Grupo de
Trabalho ad hoc de Especialistas Técnicos e Legais”.
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Fevereiro de 1991 - Realizada a primeira de cinco reuniões do “Comitê de
Negociação Intergovernamental” (INC), para discutir uma primeira versão
formal da Convenção.
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5 de julho de 1992 - Convenção da Biodiversidade é aberta à adesão durante
a realização da Rio 92.
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22 de maio de 1992 - Adotado o texto final do tratado, em reunião em
Nairobi, Quênia.
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Maio de 1993 - Estabelecido, pelo Conselho Diretor da UNEP, um Comitê
Intergovernamental sobre a Convenção sobre Diversidade Biológica
(CI/CDB) para preparar a Conferência das Partes.
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24-28 de maio de 1993 - Realizada em Trondheim, Noruega, pelo Governo
da Noruega e pela UNEP, uma Conferência de Especialistas sobre
Biodiversidade, para dar subsídios ao CI/CDB.
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11-15 de outubro de 1993 - Realizada, em Genebra, a primeira sessão do
CI/CDB.
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29 de dezembro de 1993 - Convenção da Biodiversidade entra em vigor.
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20 de junho - 1º de julho de 1994 - Realizada, em Nairóbi, a segunda sessão
do CI/CDB.
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28 de novembro - 9 de dezembro de 1994 - Realizada em Nassau, nas
Bahamas, a Primeira Conferência das Partes (COP-1) da Convenção da
Biodiversidade.
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4-5 de novembro de 1996 - Realizada, em Buenos Aires, Argentina, a
Terceira Conferência das Partes (COP-3) da Convenção sobre Diversidade
Biológica.
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12-16 de maio de 1997 - Segunda Reunião do Grupo de Trabalho ad hoc
sobre Biossegurança, realizada em Montreal, Canadá.
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17-18 de maio de 1997 - Sétima Sessão da Comissão sobre Recursos
Genéticos para Alimentação e Agricultura da FAO, em Roma, Itália.
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1-5 de setembro de 1997 - Terceira Reunião do SBSTTA, Montreal, Canadá.
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13-17 de outubro de 1997 - Terceira Reunião do Grupo de Trabalho ad hoc
sobre Biossegurança, Montreal, Canadá.
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2-6 de setembro de 1996 - Realizada, em Montreal, Canadá, a segunda
sessão do Corpo Subsidiário de Aconselhamento Científico, Técnico e
Tecnológico (SBSTTA-2).
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22-26 de julho de 1996 - Realizado, em Aarhus, Dinamarca, o primeiro
encontro do Grupo de Trabalho ad hoc sobre Biossegurança (BSWG-1).
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17-23 de junho de 1996 - Realizada, em Leipzig, Alemanha, a Quarta
Conferência Técnica Internacional sobre Recursos Genéticos de Plantas
para a Alimentação e a Agricultura da FAO.
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6-17 de novembro de 1995 - Realizada, em Jacarta, Indonésia, a Segunda
Conferência das Partes (COP-2) para a Convenção sobre Diversidade
Biológica.
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4-8 de setembro de 1995 - Realizada, em Paris, na sede da UNESCO, a
primeira reunião do Corpo Subsidiário de Aconselhamento Científico,
Técnico e Tecnológico (SBSTTA) para a Conferência das Partes (COP) da
Convenção sobre Diversidade Biológica.
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CAPÍTULO IV
Institucionalizando a Biodiversidade no Brasil
O Brasil é considerado o primeiro país em “megadiversidade” — as
estimativas sobre o percentual de espécies aqui existentes variam de 10% a
30% do número total mundial — possuindo a mais diversa flora do mundo,
cerca de 10% das espécies de anfíbios e mamíferos, 17% das aves e a maior
diversidade de primatas do planeta. O número de espécies de plantas, animais
e microorganismos localizados em território nacional é calculado em mais
de 2 milhões, o que também indica a existência de uma rica diversidade
genética70 (Dias, 1996).
O Brasil possui uma razoável infra-estrutura para o desenvolvimento
de atividades de conservação e uso sustentável da biodiversidade, contando
com um dos maiores sistemas de conservação de recursos biológicos e
genéticos tropicais in situ, na forma de unidades de conservação.
A biodiversidade brasileira é de grande importância para a economia
do país. Segundo dados citados por Dias (op. cit.): 31% das exportações
brasileiras correspondem a “produtos da biodiversidade”, aí destacando-se
o café, a soja e a laranja; cerca de 40% do Produto Interno Bruto brasileiro
70
Segundo Dias (op.cit.), são 55.000 espécies de plantas superiores; 3.010 espécies de vertebrados
terrestres; 3.000 espécies de peixes de água doce; 10 a 15 milhões de insetos; 394 espécies de
mamíferos; 1.573 espécies de aves; 468 espécies de répteis; 502 espécies de anfíbios; 55 espécies
de primatas.
159
é formado por atividades relacionadas à agroindústria, sendo o setor florestal
e o setor pesqueiro responsáveis, respectivamente, por 4% e 1% do PIB; e
a biomassa vegetal (incluindo o álcool, a lenha e o carvão vegetal) responde
por cerca de 26% da matriz energética nacional.
Por outro lado, nossa economia é fortemente baseada em espécies
exóticas e, embora daqui se originem muitas espécies economicamente
relevantes, como o abacaxi, o amendoim, a castanha-do-pará e a mandioca,
o país não se destaca dentre os mais importantes fornecedores de espécies
silvestres para as principais culturas alimentares mundiais. Desse modo, o
Brasil é considerado altamente dependente de recursos genéticos para
alimentação e agricultura, com 64% das colheitas brasileiras constituídas
de materiais genéticos exóticos.
A situação do Brasil como país megadiverso e megadependente em recursos
biológicos e genéticos coloca-o em posição, ao mesmo tempo de grande
responsabilidade no regime global da biodiversidade e de relativa fragilidade
nesse cenário. Fragilidade esta que é ainda mais acentuada pela baixa
prioridade que é conferida à proteção do meio ambiente, bem como ao
desenvolvimento científico-tecnológico nacional.
Este capítulo objetiva fazer um balanço e uma análise de iniciativas
recentes que, no conjunto, expressam o tratamento que vem sendo dado
no Brasil, no plano político-institucional, às grandes questões debatidas
internacionalmente em relação à problemática da biodiversidade hoje,
especialmente aquelas que guardam maior relação com a implementação
da Convenção sobre Diversidade Biológica. Traça-se, em primeiro lugar,
um panorama das principais medidas tomadas recentemente pelo governo
brasileiro com o objetivo de atender aos compromissos assumidos em
relação à CDB. A maior parte do capítulo é, no entanto, dedicada a uma
seleção comentada de projetos de lei em discussão e de leis recentemente
aprovadas, que abordam aspectos relevantes à temática da biodiversidade
identificados em capítulos anteriores.
160
Implementação da CDB no Brasil: Avanços e
Limites da Ação Governamental
Apesar da crescente institucionalização da intervenção do governo
brasileiro na área ambiental desde a década de 1970 (Box 11), não se haviam
formalizado, até recentemente, instrumentos e estratégias específicas para
tratar a questão da biodiversidade no país.
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ESTADO E MEIO AMBIENTE NO BRASIL
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Nas décadas de 80 e 90, acompanhando uma tendência observada
mundialmente, a questão ambiental impôs-se de forma definitiva. Já no
início dos 80, instituíra-se uma Política Nacional do Meio Ambiente (Lei
nº 6.938, de 31/08/81, posteriormente alterada pelas Leis nº 7.804, de 18/
07/89 e nº 8.028, de 12/04/90), bem como um Sistema Nacional de Meio
Ambiente (SISNAMA). Em 1985, criou-se um Ministério com atribuições
específicas na área ambiental. A Constituição de 1988 incluiu toda uma
seção sobre meio ambiente. No ano seguinte foram criados o Fundo Nacional
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Na década de 1970, a partir da criação da Secretaria Especial do Meio
Ambiente (SEMA, 1973), vinculada ao Ministério do Interior, o governo
brasileiro iniciou o estabelecimento de um aparato institucional específico
para a área ambiental, ao mesmo tempo em que se expandia
consideravelmente a legislação nacional incidente sobre essa questão. Essa
iniciativa respondia, indiretamente, às questões suscitadas na Conferência
de Estocolmo (1972), ainda que a posição do Brasil naquele fórum
internacional tenha sido refratária ao enfrentamento da problemática
ambiental. Predominou, ao final, durante toda a década, o descaso, em
relação ao meio ambiente, do projeto “Brasil Potência” então hegemônico.
Essa postura, aliás, associada à disponibilidade de riquezas naturais no país,
constituiu fator de atração para investimentos externos em áreas que já
enfrentavam restrições ambientais nos países desenvolvidos, como
mineração, química e construção naval. Paralelamente, a política de
ocupação do território nacional, então implementada, favoreceu a expansão
de pólos de crescimento em áreas virgens, em especial na Amazônia.
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Ao mesmo tempo, as alterações institucionais sucessivas no setor levaram
a área ambiental a sofrer de grande instabilidade, bem como à dificuldade
de se implementarem políticas e ações continuadas nesse campo. A área
ambiental não se iria constituir em um pólo de poder importante dentro do
aparato de governo, ao mesmo tempo em que se expressava um forte
descompasso entre o aparato institucional formal e a concretização de
resultados no setor ambiental. Transformado em Secretaria vinculada à
Presidência da República, desde 1990, o Ministério do Meio Ambiente iria
reconstituir-se em 1992, até que em 1995 seria batizado de Ministério de
Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal (MMA).
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do Meio Ambiente (FNMA, 1989), com especial ênfase no apoio a projetos
desenvolvidos por ONGs, por comunidades e por governos locais; e o
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA, 1989), como órgão executor da política de meio ambiente.
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O Brasil, primeiro país a assinar oficialmente a CDB durante a Rio92, em junho de 1992, somente no início de 1994 ratificou-a através do
Congresso Nacional. Foi também em junho daquele mesmo ano que se
criou, através de decreto presidencial, uma Comissão Interministerial para
o Desenvolvimento Sustentável — CIDES, constituída por ministros e
secretários-executivos, com a função de assessorar o governo no mais alto
nível com relação a políticas a serem adotadas ou alteradas visando
implementar os compromissos da Rio 92, tais como: Agenda 21, Convenção
sobre Diversidade Biológica, Convenção sobre Mudança Climática,
Declaração de Florestas e Declaração do Rio. No entanto, a CIDES não
chegou a operar formalmente, sendo substituída pela Comissão de Políticas
de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Brasileira, instalada em
junho de 1997. A nova Comissão tem caráter multissetorial e é subordinada
à Câmara de Recursos Naturais, no âmbito da Presidência da República.
Em dezembro de 1994, foi criado o Programa Nacional da Diversidade
Biológica (PRONABIO), visando apoiar a implementação de projetos em
atendimento às ações recomendadas pela CDB. De acordo com o artigo 2º
do Decreto que o criou (Decreto nº. 1.354, de 29/12/94), o PRONABIO:
162
“Objetiva, em consonância com as diretrizes e estratégias da
Comissão Interministerial para o Desenvolvimento Sustentável –
CIDES, promover parceria entre o Poder Público e a sociedade
civil na conservação da diversidade biológica, utilização sustentável
de seus componentes e repartição justa e eqüitativa dos benefícios
dela decorrentes, mediante a realização das seguintes atividades:
I.
Definição de metodologias, instrumentos e processos.
II. Estímulo à cooperação internacional.
III. Promoção de pesquisas e estudos.
IV. Produção e disseminação de informações.
V. Capacitação de recursos humanos, aprimoramento
institucional e conscientização pública.
VI. Desenvolvimento de ações demonstrativas para a conservação
da diversidade biológica e utilização sustentável de seus
componentes.”
Constituiu-se, ainda, no âmbito do Ministério do Meio Ambiente,
Recursos Hídricos e Amazônia Legal (MMA), a Comissão Coordenadora
do PRONABIO, presidida pelo Ministro do Meio Ambiente e composta
de: seis representantes de governo (ministérios do Meio Ambiente, Saúde,
Ciência e Tecnologia, Agricultura e Abastecimento e Reforma Agrária,
Relações Exteriores e Seplan), dois representantes da comunidade científica,
dois da sociedade civil (de ONGs) e dois do setor produtivo. A primeira
reunião da Comissão Coordenadora do PRONABIO ocorreu somente em
agosto de 1996.
Atendendo a uma das recomendações da CDB, decidiu-se também
pela elaboração de uma Estratégia Nacional para a Conservação e Utilização
Sustentável da Diversidade Biológica, sob responsabilidade do MMA, na
qual seriam sintetizados os grandes gargalos e oportunidades, bem como
identificadas as áreas em biodiversidade que necessitam de maior
163
investimento no país71. O MMA tratou de criar ainda, no âmbito de sua
Secretaria de Coordenação de Assuntos do Meio Ambiente, uma
Coordenação Geral de Diversidade Biológica (COBIO, 1994), visando
promover e articular suas ações na área.
Paralelamente, o MMA apoiou ou promoveu, juntamente com outras
instituições, a realização de vários workshops, discutindo temas diversos
associados à questão da biodiversidade, além de contratar alguns estudos
sobre a temática. Essas iniciativas tiveram maior impulso sobretudo a partir
da criação da COBIO.
Foram ainda concluídas negociações com o Banco Mundial (mais
especificamente através do Fundo para o Meio Ambiente Mundial — GEF)
para o financiamento a mecanismos específicos de apoio a iniciativas na
área de biodiversidade no país, sendo criados: o Fundo Brasileiro para
Biodiversidade (FUNBIO) e o Projeto de Conservação e Utilização
Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira (PROBIO)72.
O PROBIO é um projeto de governo, cuja implementação é
coordenada pelo MMA, com o suporte da COBIO, sendo resultado de um
acordo entre o Governo Brasileiro e o Banco Mundial, concluído em junho
de 1996. Foi criado com os objetivos de: auxiliar o governo a iniciar um
programa para a conservação e o uso sustentável da biodiversidade,
identificando ações prioritárias; estimular o desenvolvimento de subprojetos
demonstrativos; e disseminar informações sobre biodiversidade.
Através do PROBIO estão em curso algumas iniciativas, como: a
realização de avaliações regionais sobre a situação da biodiversidade no
país; a organização de workshops para identificar prioridades nos biomas e
a estruturação de uma Rede de Informação em Biodiversidade, que se apoia
na Rede Nacional de Pesquisa (RNP). Estão previstos US$ 20 milhões para
71
Foram negociados, em 1997, US$ 950,000.00 do GEF, a serem administrados pelo PNUD para a
elaboração da Estratégia Nacional.
72
Conforme levantamento realizado por Pagnoccheschi et al. (1996), através de Convênio entre o
MMA e o ISPN, até então, ainda que várias instituições, do país e do exterior, concedam apoio ao
desenvolvimento de projetos em biodiversidade no país, nenhuma delas caracteriza-se como fonte
especificamente orientada para o financiamento dessa área.
164
o PROBIO (US$ 10 milhões do GEF e US$ 10 milhões do governo
brasileiro), durante um período de cinco anos, quando se prevê a conclusão
do Projeto. O agente administrativo desses recursos é o Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), vinculado ao
Ministério da Ciência e Tecnologia. Já na fase de negociação, o PROBIO
selecionou onze subprojetos para financiamento e, em dezembro de 1997,
lançou um edital público para o apoio financeiro a projetos orientados
para lidar com a problemática da fragmentação ecológica.
O FUNBIO tem como objetivo principal estabelecer-se como
mecanismo financeiro de longo prazo para o apoio a projetos de conservação
e uso sustentável da diversidade biológica no Brasil73. Foi constituído como
um fundo privado vinculado à Fundação Getúlio Vargas (embora com
autonomia administrativa, financeira e institucional), de modo a garantir
flexibilidade à sua atuação e a facilitar a participação e o aporte de recursos
do setor empresarial, ainda que mantendo o caráter público de seus
objetivos74. O Fundo conta inicialmente com recursos “concessionais” do
GEF no valor de US$ 20 milhões (a primeira parcela de US$ 10 milhões já
foi depositada; a liberação da segunda parcela de US$ 10 milhões está
condicionada à captação de recursos pelo próprio FUNBIO no valor de
US$ 5 milhões), a serem aplicados no mercado financeiro em um horizonte
de 15 anos. Seu Conselho Deliberativo é composto de quatro representantes
do setor privado, quatro do setor acadêmico, quatro de ONGs, dois do
governo e dois da Fundação Getúlio Vargas. O FUNBIO lançou, em janeiro
de 1997, seu primeiro edital de chamada de projetos em biodiversidade,
composto de cinco chamadas: manejo sustentável de florestas naturais;
73
De acordo com seu Regimento Interno (art.5º), o FUNBIO tem como objetivos: financiar e
angariar recursos para programas e projetos relativos à conservação, utilização sustentável,
levantamento e disseminação de informações, intercâmbio técnico e outros relacionados com
biodiversidade, em consonância com o disposto na CDB e no PRONABIO, bem como de acordo
com as diretrizes estabelecidas pelos órgãos governamentais competentes.
74
Descartada a primeira possibilidade de se alocarem recursos no próprio Fundo Nacional do
Meio Ambiente, foram consideradas três alternativas para o FUNBIO: (a) criar uma nova
fundação específica; (b) utilizar uma fundação existente; (c ) criar um consórcio de fundações
existentes. A decisão coube ao Ministro do Meio Ambiente, que optou pela segunda alternativa,
escolhendo-se no caso, a FGV.
165
conservação de ecossistemas naturais em propriedades privadas; manejo
sustentável de recursos pesqueiros; agricultura e biodiversidade; e gestão
de unidades de conservação. A esse edital responderam 1.083 propostas,
sendo ao final aprovados para financiamento, nessa primeira rodada de
fomento, apenas dez projetos, em razão dos limites de recursos disponíveis
(US$ 2,4 milhões para o primeiro edital de projetos).
Todo esse processo de construção de um aparato institucional de
governo e de mecanismos de fomento a ações específicas para a
biodiversidade, envolvendo essas e outras iniciativas75, não vem ocorrendo
sem “idas e vindas”, sobre as quais não cabe aqui entrar em detalhes76.
Não se pretende tampouco proceder a uma avaliação sobre cada uma dessas
ações, o que fugiria aos objetivos pretendidos, fazendo-se tão somente alguns
comentários gerais a seu respeito, tomadas no seu conjunto.
Não há dúvida de que esses mecanismos recém-criados representam
um avanço do ponto de vista da política explícita77 do governo brasileiro
quanto à questão da biodiversidade, sobretudo se considerarmos que, até
recentemente, sua ação nesse campo limitava-se ao estabelecimento de áreas
e unidades de conservação, bem como ao estímulo à realização de inventários
da flora e da fauna brasileiras, iniciativas essas realizadas ainda hoje de forma
precária.
Por outro lado, como é amplamente reconhecido, os recursos alocados
ao FUNBIO e ao PROBIO, como também a dois outros importantes
programas na área ambiental — o Programa Nacional do Meio Ambiente
(PNMA) e o Programa-Piloto para a Conservação das Florestas Tropicais
Brasileiras (PP-G7), além do próprio Fundo Nacional do Meio Ambiente
75
Outras iniciativas são descritas no Primeiro Relatório Nacional para a Convenção sobre Diversidade
Biológica - Brasil, elaborado pelo MMA/COBIO (1998).
76
Um relato detalhado sobre esse processo pode ser encontrado em depoimento do ambientalista
J.P. Capobianco (Instituto Sócio-Ambiental) em reunião de avaliação dos cinco anos após a realização
da Rio 92 (Cordani et al, 1997).
77
Políticas explícitas são aquelas formalmente estabelecidas ou declaradas pelo governo, enquanto
que as políticas implícitas são aquelas de fato executadas. Freqüentemente há contradições entre as
mesmas.
166
(FNMA, 1989), têm majoritariamente origem externa, não expressando
um real comprometimento em termos financeiros do governo brasileiro
com a implementação da CDB no país78. Esses programas, por outro lado,
não constituem propriamente desdobramentos da Rio-92 ou da CDB, já
que haviam sido previstos antes da realização daquela reunião internacional
e da assinatura da Convenção.
Uma das principais novidades dessas iniciativas vem sendo a adoção
de mecanismos participativos em sua gestão e a busca de parceria entre
diferentes segmentos sociais, com destaque para a intervenção ativa das ONGs
e, no caso do FUNBIO, para a tentativa de atrair o setor empresarial para
ações na área. Aliás, a abertura à participação de outros setores
(governamentais e não-governamentais), em organismos colegiados, vem
caracterizando a intervenção do Estado brasileiro na área ambiental. As
opiniões convergem, no entanto, para a avaliação de que essa série de medidas
não alcançou, ainda, maiores conseqüências práticas, fazendo com que a
implementação da CDB no Brasil venha-se dando de forma lenta.
Ao mesmo tempo, um conjunto de iniciativas recentes, agora no
campo da legislação, apesar de diversas entre si, representam inovações no
tratamento jurídico nacional de temas relevantes à problemática da
biodiversidade e que são importantes do ponto de vista da implementação
da CDB no país. Essas iniciativas expressam os desdobramentos no país de
alguns dos temas tratados naquele compromisso internacional, ainda que
de forma não coordenada e muitas vezes até contraditória, como se discute
a seguir.
Regulações em Conflito
A partir de um conjunto de atos legislativos em debate ou
recentemente aprovados, vem-se construindo uma nova estrutura normativa
78
Levantamento feito por Pagnocheschi et al., citado anteriormente, revela que cerca de 70% do
montante de recursos concedidos a projetos em biodiversidade são de fontes externas que, no
entanto, concentram-se em apenas 2% do número total de projetos apoiados.
167
e reguladora para o tratamento nacional da problemática da biodiversidade
e de temas associados, embora com divergências entre as suas orientações,
e apesar de que se possa questionar a respeito da sua consistência interna
ou da sua aplicabilidade prática.
Foram selecionadas aquelas iniciativas que trazem alguma novidade
do ponto de vista dos seguintes temas: (1) a conservação da diversidade
biológica; (2) a temática da biossegurança e (3) o controle das vias de acesso
à informação estratégica associada à biodiversidade, englobando, nesse
último caso, quatro atos legislativos, dois deles já aprovados, relacionados
a: acesso a recursos genéticos, direitos de propriedade intelectual nas áreas
biotecnológica e de cultivos agrícolas e proteção dos conhecimentos
tradicionais. No conjunto, eles refletem os antagonismos a respeito de
distintos aspectos relacionados à implementação da CDB no país, revelando
por outro lado o balanço de forças hoje existente entre as distintas posições.
O Projeto de Lei de Acesso a Recursos Genéticos é, sem dúvida, o
que se propõe mais diretamente a responder aos compromissos da
Convenção e que melhor sintetiza as grandes questões, bem como os
principais conflitos e dificuldades que hoje permeiam a implementação da
CDB no país, sendo, portanto, dado a ele um destaque especial.
Um Novo Modelo de Conservação da Natureza: O Projeto do SNUC
O Projeto de Lei n° 2.892/92, instituindo o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação (SNUC), foi apresentado pelo Poder Executivo
(Mensagem n° 176/92)79, objetivando ordenar o processo de criação das
79
Em seu Relatório sobre o Projeto de Lei (1996), o Deputado Fernando Gabeira lembra que: “ao
projeto 2.892/92 foram anexados dois novos projetos: o primeiro, de número 3.475/92, de autoria
do Deputado Aroldo Cedraz, estabelece que, da área total de cada município, pelo menos 10% seja
protegida na forma de unidades de conservação, e define as categorias de unidades que podem ser
criadas pelo Poder Público municipal. O segundo, de número 1.768/96, proposto pelo Deputado
João Maia obriga o governo federal, quando da criação de unidades de conservação, a consultar os
governos estaduais e municipais, bem como as populações locais.”
168
unidades de conservação da natureza no país, bem como “estabelecer
medidas de preservação da diversidade biológica”. Em sua essência, ele
corresponde a um primeiro anteprojeto de lei elaborado em 1988 sobre o
assunto pela organização não-governamental Fundação Pró-Natureza
(FUNATURA), por encomenda do Instituto Brasileiro de Defesa Florestal
(IBDF), hoje extinto, no qual, desde fins da década de 1970, já se discutia a
necessidade de organização de um sistema dessa natureza. Também
organizações ambientalistas já há muito almejavam melhor estruturar e
coordenar as unidades de conservação (UCs) até então estabelecidas no país.
A principal justificativa apresentada para a criação do SNUC foi
justamente a da necessidade do estabelecimento de uma rede de áreas
naturais protegidas, como alternativa para melhor enfrentar o problema da
perda acelerada de biodiversidade. O projeto original, que chegou a ser
aprovado na XXIV Reunião Ordinária do Conselho Nacional do Meio
Ambiente (CONAMA), tinha como propósito básico instituir dez categorias
de unidades de conservação: Reserva Biológica, Estação Ecológica, Parque
Nacional, Monumento Natural, Refúgio de Vida Silvestre, Reserva de
Recursos Naturais, Reserva de Fauna, Floresta Nacional, Área de Proteção
Ambiental e Reserva Extrativista. Uma das inovações do SNUC é o
reconhecimento oficial das Reservas Privadas do Patrimônio Natural
(RPPNs) como parte do Sistema, para permitir que o proprietário privado
de áreas naturais possa torná-las reconhecidas pelo poder público como
áreas a serem protegidas (Box 12).
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RPPNS
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As Reservas Privadas do Patrimônio Natural (RPPNs) foram instituídas
através do Decreto nº 98.914, de 31/01/90, posteriormente substituído pelo
Decreto nº 1.922 de 05/06/96, onde se estabelecem regras para o
reconhecimento dessas reservas. Correspondem, em certa medida, a um
desdobramento das Reservas Particulares de Flora e Fauna, modalidade
criada em 1988 como uma ampliação dos Refúgios de Animais Nativos, de
1977. O reconhecimento das RPPNs, pelo governo federal — mais
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Box
Box1212
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De acordo com dados divulgados pelo IBAMA (através de sua home page),
foram criadas no país, de 1990 a 1997, cerca de 149 dessas reservas,
correspondendo a uma área total de 337.432,77 ha. Os biomas que hoje
concentram a maior parcela de RPPNs, em termos de área ocupada, são:
Pantanal (37,38%), Amazônia (31,26%), Caatinga (12,96%) e Cerrado
(10,50%), embora o maior número de reservas localize-se no Cerrado e na
Mata Atlântica. O ano de 1997 registrou um aumento considerável da criação
de RPPNs, mas é ainda moroso o processo de reconhecimento dessas áreas
pelo governo.
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especificamente, mediante portaria do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), vinculado ao MMA —
ocorre a pedido do proprietário da área, baseando-se nos seguintes critérios:
sua importância para a proteção da biodiversidade, valores de paisagem,
ou outras características ambientais que requerem proteção ou restauração
de ecossistemas frágeis ou ameaçados. As áreas reconhecidas como RPPNs
são objeto de incentivos fiscais e creditícios.
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O modelo de áreas protegidas começou a ser adotado no Brasil na
década de 1930 (ainda que desde o século XIX registrem-se iniciativas
esparsas nessa direção), quando foi criado o primeiro parque nacional no
país, surgindo a partir daí diversas unidades de conservação, com um visível
crescimento na década de 1980, particularmente na Amazônia80.
Inicialmente as UCs foram constituídas, em boa parte, sem uma discussão
com os segmentos sociais envolvidos e afetados por sua criação. A
preocupação inicial que motivou a criação de áreas protegidas no país,
seguindo uma tendência mundial, relacionava-se à preservação da natureza
em si, e para tanto acreditava-se necessário mantê-las livres de qualquer
interferência humana. Nos últimos anos, porém, acompanhando mais uma
vez a experiência internacional, manifestou-se uma maior preocupação com
respeito às populações habitantes nessas áreas ou localizadas no seu entorno.
80
Estima-se que hoje cerca de 4% do território nacional esta protegido na forma de unidades de
conservação federais, que, somadas às áreas protegidas por unidades de conservação estaduais e por
RPPNs correspondem a cerca de 8,6% do território nacional, enquanto que as áreas indígenas
formalmente reconhecidas cobrem cerca de 7,3% do nosso território (na prática, elas podem chegar
a 10% do território brasileiro).
170
Em 1996, um substitutivo ao PL 2892/92 foi elaborado, de modo a
incorporar novos pontos de vista ao projeto original.
A presença ou não de populações nas unidades de conservação, e
mais ainda a sua participação na gestão dessas áreas, vem constituindo o
foco das discussões em torno do atual projeto de lei do SNUC, dividindo
opiniões no seio do próprio movimento ambientalista nacional. Segundo
parecer elaborado em 1996 pelo relator do Projeto, deputado Fernando
Gabeira,
“constata-se hoje que mais de 80% das unidades já criadas são
habitadas por populações tradicionais. Entretanto, de acordo com
a legislação vigente, essas áreas, na sua grande maioria, não admitem
a presença dessas pessoas dentro dos seus limites.”.
No substitutivo elaborado em 199681, destacam-se, dentre outras, as
seguintes propostas de alterações no projeto original do SNUC82:
a) a ampliação do escopo dos objetivos da lei (Box 13), especialmente
no que se refere ao: o papel das comunidades tradicionais na conservação
da diversidade biológica, seu direito de acesso aos recursos necessários à
sua subsistência e ainda a sua participação, juntamente com outros
segmentos da sociedade, na criação e gestão dessas áreas;
b) a exclusão da categoria Reserva Biológica (considerando sua
semelhança com a definição da categoria de Estação Ecológica) e a inclusão
das categorias de: Reserva Produtora de Água (protege fontes de água
potável), Reserva Ecológico-Cultural (protege áreas onde se realizam práticas
tradicionais relevantes para a conservação da diversidade biológica) e Reserva
Ecológica-Integrada (protege áreas onde se objetivam diferentes práticas
de manejo);
81
Pelo menos, de acordo com a última redação dada ao substitutivo até a finalização deste trabalho.
82
Relatório apresentado à Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias da
Câmara dos Deputados, em 1996.
171
c) a inclusão de um artigo tratando especificamente das Reservas da
Biosfera, definidas como “um modelo, adotado internacionalmente, de
gestão integrada, participativa e sustentável dos recursos naturais, com os
objetivos básicos de preservação dos recursos genéticos, das espécies e dos
ecossistemas, desenvolvimento de atividades de pesquisa, monitoramento
e educação ambiental, e melhoria da qualidade de vida das populações”,
podendo ser integrada por unidades de conservação já criadas pelo poder
público (as Reservas da Biosfera são mundialmente reconhecidas através
do Programa “O Homem e a Biosfera” (sigla em inglês MAB), estabelecido
pela UNESCO)83;
d) a admissão da presença de populações tradicionais tanto em
Florestas Nacionais, quando nas Reservas de Recursos Naturais; a
determinação da realização de estudos técnicos e de consultas às populações
diretamente afetadas antes da criação de uma nova unidade de conservação,
bem como a garantia de condições adequadas para o deslocamento de
populações tradicionais quando sua presença nas áreas de conservação for
inadmissível;
e) a criminalização de condutas que causarem danos significativos às
unidades de conservação.
Um outro aspecto também inovador é a incorporação no Substitutivo
ao Projeto do SNUC do conceito de corredores ecológicos, definidos como
“faixas de vegetação natural ou seminatural, ligando unidades de
conservação, que possibilitam entre elas o fluxo de genes e o movimento
da biota, facilitando a dispersão de espécies e a recolonização de áreas
degradadas, bem como a manutenção de populações que demandam para
sua sobrevivência áreas com extensão maior do que aquela das unidades
individuais” (art.2º).
A nova versão do SNUC é, portanto, muito mais abrangente do que
a proposta original, e também bem mais dentro do espírito da CDB,
procurando associar conservação da biodiversidade com seu uso sustentável,
e, ao mesmo tempo, valorizando o papel das comunidades locais e
tradicionais nesse processo.
83
Esse assunto é comentado no Capítulo II.
172
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Box 13
Box 13
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“I - manter a diversidade biológica e os recursos genéticos no território
nacional e nas águas jurisdicionais;
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II - proteger as espécies ameaçadas de extinção no âmbito regional e
nacional;
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III - preservar e restaurar a diversidade de ecossistemas naturais;
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IV - promover a sustentabilidade do uso dos recursos naturais;
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V - promover a utilização dos princípios e práticas da conservação da
natureza no processo de desenvolvimento regional;
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VI - proteger paisagens naturais e pouco alteradas de notável beleza cênica;
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VII - proteger as características excepcionais de natureza geológica,
geomorfológica, espeleológica, arqueológica, paleontológica e cultural;
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VIII - proteger e recuperar recursos hídricos e edáficos;
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IX - recuperar ou restaurar ecossistemas degradados;
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X - proporcionar meios e incentivos para atividades de pesquisa científica,
estudos e monitoramento ambiental;
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XI - valorizar econômica e socialmente a diversidade biológica;
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XII - favorecer condições e promover a educação e interpretação ambiental,
a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico;
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XIII - proteger as fontes de alimento, os locais de moradia e outras condições
materiais de subsistência de populações tradicionais, respeitando sua cultura
e promovendo-as social e economicamente;
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XIV - proteger e valorizar o conhecimento das populações tradicionais,
especialmente sobre formas de manejo dos ecossistemas e uso sustentável
dos recursos naturais;
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XV - preservar ecossistemas naturais pouco conhecidos até que estudos
futuros indiquem sua adequada destinação.”
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OBJETIVOS DO SNUC*
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* De acordo com o Substitutivo ao PL 2.892/92, apresentado pelo Relator
deputado Fernando Gabeira, em 1996.
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Tentando Proteger os Conhecimentos Tradicionais: O Estatuto
das Sociedades Indígenas
O Projeto de Lei n° 2.057/91, instituindo o Estatuto das Sociedades
Indígenas, foi apresentado à Câmara dos Deputados em 1991, com o
objetivo de regulamentar a Constituição de 1988 nos aspectos relativos aos
direitos indígenas, que, em seu artigo 231, estabelece que “a organização
social, os costumes, línguas, credos e tradições dos índios são reconhecidos,
tanto quanto seus direitos originais à terra que eles ocupam
tradicionalmente.”. Estabelece ainda que as terras que as comunidades
indígenas têm ocupado tradicionalmente “...são destinadas à sua possessão
permanente, e elas devem ser intituladas para o exclusivo usufruto das
riquezas do solo, rios e lagos lá existentes”.
Em sua versão de junho de 199484, e já buscando antecipar-se ao que
iria estabelecer a nova Lei de Propriedade Industrial naquela época em
discussão, o Projeto de Lei aborda explicitamente a questão do acesso, uso
e proteção legal aos conhecimentos e práticas tradicionais indígenas. Os
artigos 18-29 da versão de 1994 estabelecem:
a) o direito à confidência, ou seja, o direito de manter segredo sobre
o conhecimento tradicional;
b) o direito de recusar o acesso ao conhecimento tradicional;
c) o direito de consentimento prévio informado (a ser dado por
escrito) para o acesso, o uso e a aplicação de conhecimento tradicional;
d) o direito de essas comunidades ou de seus membros requererem
patente e outras formas de proteção à propriedade intelectual sobre seus
conhecimentos tradicionais e coletivos, o que seria concedido no nome da
comunidade ou sociedade;
84
O substitutivo, elaborado pelo relator, deputado Luciano Pizzato, incorporou elementos das três
propostas apresentadas à Comissão Especial sobre o assunto: a do Poder Executivo, sob coordenação
da FUNAI; a do deputado Tuga Angerami (PSDB-SP) com a assessoria do CIMI (Conselho
Indigenista Missionário) e a de um conjunto de parlamentares, dentre os quais, Aloísio Mercadante
(PT-SP) e Fábio Feldman (PSDB-SP), com a assessoria do Núcleo de Direitos Indígenas de Brasília
(Arnt, 1995).
174
e) o direito de co-titularidade, entre comunidades indígenas e terceiros,
de dados de pesquisa, patentes e produtos derivados desses conhecimentos;
f) o direito de as comunidades anularem patentes baseadas em seus
conhecimentos;
g) a extensão desses direitos, em especial sobre os conhecimentos
relativos a ecossistemas naturais, a processos biológicos e genéticos e a
seres vivos de modo geral (plantas, animais e microorganismos);
O Projeto enfatiza ainda a necessidade de salvaguardarem-se aqueles
conhecimentos e práticas que não sejam passíveis de proteção por patente,
embora não se especifiquem os instrumentos legais para tanto. São
reconhecidos tanto os direitos morais quanto os direitos econômicos das
comunidades indígenas sobre suas produções intelectuais e “criações
espirituais”85.
É preciso, no entanto, atentar para as implicações mais amplas da
forma como esse aparato legal vem sendo proposto, como chama a atenção
Cordeiro (1995:43), para quem, “na intenção de proteger os interesses destas
populações, acaba-se legitimando o sistema patentário sobre formas de
vida.”.
Ademais, através de acordos comerciais com comunidades indígenas,
freqüentemente sob condições não tão favoráveis a essas populações,
empresas atuantes, por exemplo, na área de fármacos e cosméticos, podem
ver protegidos a seu favor os conhecimentos de populações tradicionais, a
partir das condições de sigilo e co-titularidade de patente, tal como proposta
nessa nova legislação.
Expressa-se aí uma contradição relativa, não só do Estatuto das
Sociedades Indígenas, mas de todo o arcabouço jurídico hoje em discussão
85
De acordo com Costa e Silva (1996), “Direitos econômicos são aqueles que intitulam o autor a
autorizar a reprodução, tradução ou adaptação de seu trabalho, assim como seu desempenho público,
através do pagamento apropriado de royalties.” Já “Direitos morais [de acordo com a Convenção de
Berna], são aqueles que intitulam o autor a reivindicar autoria de seu trabalho e objetar a modificações
ou mutilações de seu trabalho que sejam prejudiciais à sua honra ou reputação. Direitos morais
continuam a existir mesmo após o autor ter transferido os direitos econômicos.” Esses direitos não
são reconhecidos no Acordo TRIPS do GATT.
175
para proteger os direitos intelectuais das comunidades tradicionais, como
já se chamou à atenção no Capítulo II. Sob a justificativa de se criarem
mecanismos que sirvam não apenas para salvaguardarem-se os
conhecimentos e as práticas dessas comunidades, mas também para garantir
seu direito de usufruir dos benefícios econômicos derivados do
aproveitamento comercial e industrial de suas práticas e conhecimentos,
corre-se o risco de se obterem resultados inversos aos pretendidos,
promovendo-se a apropriação privada do que até então eram considerados
legados culturais dos povos e comunidades.
A questão é: será possível ser de outra maneira? Ou seja, a
alternativa, caso não se estabeleçam instrumentos de proteção de direitos
intelectuais ou semelhantes a essas populações, pode ser a privatização desses
legados por grandes corporações, sem contrapartida de qualquer espécie
para as populações que lhes deram origem.Como já analisado anteriormente,
o debate internacional a respeito apenas se inicia.
Cedendo às Pressões Externas: Lei de Propriedade Intelectual
Em abril de 1991, foi apresentado ao Congresso Nacional o Projeto
de Lei n° 824, visando substituir e ampliar o até então vigente Código de
Propriedade Industrial (Lei n° 5.772, de 21/12/71). O PL 824/91 foi
aprovado na Câmara dos Deputados em junho de 1993 e em seguida
encaminhado ao Senado Federal. Em abril de 1996, o Congresso Nacional
aprovou a Lei n° 9.279, regulando direitos e obrigações relativos à
propriedade industrial no Brasil, a qual foi sancionada pelo Presidente da
República em 14 de maio daquele mesmo ano.
A aprovação da lei deu-se antes de tudo sob o argumento de se
evitarem novas represálias comerciais86 (sobretudo dos Estados Unidos)
86
As pressões norte-americanas para a modificação da legislação nacional de propriedade intelectual
vinham-se acirrando desde a Lei de Informática, até que, em 1988, com base na já mencionada
Super 301 dos Estados Unidos, e também em razão do não reconhecimento de patentes para produtos
farmacêuticos, foram aplicadas sanções comerciais (unicamente) ao Brasil, particularmente sobre as
exportações brasileiras de calçados, papel e celulose, químicos e eletroeletrônicos, acarretando em
prejuízos para o país superiores a US$ 250 milhões.
176
contra as exportações brasileiras, ao que era considerada prática de
“pirataria” principalmente da indústria farmacêutica nacional (mas também
das áreas biotecnológica e de informática) em razão do não reconhecimento
de patentes no Brasil, desde 1945, para produtos e, desde 1969, para
processos farmacêuticos87. Apesar desse fato, o mercado brasileiro de
fármacos é o oitavo hoje no mundo, e o setor farmacêutico no país é
altamente concentrado e internacionalizado, processo que se aprofundou
a partir justamente das décadas de 1960 e 70.
Um dos principais pontos polêmicos nas discussões sobre o Projeto
de Lei de Propriedade Intelectual ocorreu em torno do patenteamento de
biotecnologias. Os favoráveis à concessão de patentes nessa área
vislumbravam um melhor relacionamento do país com a “comunidade
internacional” e, deste modo, um mais fácil acesso a tecnologias de ponta88.
Na posição oposta, argumentavam os que temiam que o reconhecimento
de patentes nessa área poderia tornar ainda mais difícil a penetração de
empresas nacionais nos mercados biotecnológicos, já hoje monopolizados
pelas grandes empresas transnacionais, bem como prejudicar o setor agrícola
no país, em face do maior domínio, por empresas estrangeiras, das
tecnologias de melhoramento genético89 de animais e plantas.
No texto final aprovado, prevaleceu não apenas a possibilidade de
concessão de patentes para biotecnologias, como também o reconhecimento
retroativo desses direitos (pipeline90), este último aspecto não sendo sequer
uma exigência do GATT. Além das biotecnologias modernas e
87
Originalmente, a legislação brasileira não vedava direitos de proteção em nenhum setor da tecnologia.
Foi com o Código de Propriedade Industrial de 1945 que se introduziram pela primeira vez restrições
ao patenteamento nas áreas química e farmacêutica, o que também ocorreu, das décadas de 30 a 70,
em vários países como o Japão, a Suíça e a Itália.
88
De acordo com Hathaway, nessa posição estavam representantes da indústria multinacional e do
governo (inclusive o próprio INPI e o MCT), além da Associação Brasileira de Empresas de
Biotecnologia (ABRABI), dentre outros.
89
Segundo Hathaway, esse ponto de vista foi defendido por entidades científicas (inclusive da área
agronômica, incluindo a EMBRAPA e seu Centro Nacional de Recursos Genéticos e BiotecnologiaCENARGEN), religiosas, ambientais e industriais (como a Associação de Indústrias da Química
Fina - Abifina; e a Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais - Alanac).
90
O o pipeline consiste “na permissibilidade da concessão de patentes para produtos já patenteados
no exterior ou em fases de laboratório, desde que respeitado o critério da novidade absoluta, ou seja,
não tenha sido colocado à venda tanto no Brasil, como no exterior.” (Varella, 1996:152).
177
‘microrganismos transgênicos’, todos os remédios e alimentos declarados
como invenções tornaram-se passíveis de patenteamento. Por outro lado,
incorporou-se à nova lei dispositivo que obriga a fabricação, em território
brasileiro, do produto patenteado, o que é naturalmente favorável aos
interesses do país, embora, segundo algumas interpretações, isto seja
conflitante com o disposto no Acordo TRIPs da OMC.
Um outro ponto polêmico, associado ao anterior, foi o do
patenteamento de seres vivos. No projeto inicial, abria-se a possibilidade
para o patenteamento de seres vivos de modo geral, especialmente aqueles
manipulados pela engenharia genética. Na lei aprovada, dadas as pressões
de diversos segmentos da sociedade e as implicações éticas da questão, não
se considerou como invenção nem como modelo de utilidade (não sendo
portanto passível de patenteamento) “todo ou parte de seres vivos naturais
e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados,
inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os
processos biológicos naturais” (art.10).
Por outro lado, foi permitida a concessão de patentes para
microrganismos transgênicos91, através da interpretação de que eles fazem
parte do processo de fabricação, desde que atendendo aos critérios de
novidade, inventividade e aplicação industrial (art.18). A Lei n° 9.279/96,
em seu artigo 18, define como microorganismos transgênicos “organismos,
exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem, mediante
intervenção humana direta em sua composição genética, uma característica
normalmente não-alcançável pela espécie em condições naturais.”. Não
ficaram, no entanto, suficientemente claros os limites entre o que é
considerado um ser vivo natural e o que é considerada uma “invenção”
passível de patenteamento.
Desse modo, segundo algumas interpretações, a nova lei abre brechas
para o patenteamento ou o monopólio “virtual” sobre animais e plantas,
na medida em que estes tenham sido originados de um processo
biotecnológico patenteado, ou ainda que, para o seu genoma, tenha sido
transferido, através da engenharia genética, um microrganismo transgênico
91
A definição de microrganismo tomou boa parte das discussões. Um detalhamento a esse respeito
pode ser encontrado em Varella (op.cit.).
178
sobre o qual são exercidos direitos de patentes. Acredita-se ainda, desse
ponto de vista, que passa a ser assim conferido status legal à apropriação ou
mesmo privatização da biodiversidade nacional, através do patenteamento
de processos ou mesmo produtos — no caso dos microorganismos
transgênicos, colocando em cheque o exercício da soberania nacional sobre
nossos recursos genéticos e biológicos.
Estendendo o Monopólio às Variedades Agrícolas:
Lei de Cultivares
A aprovação de uma Lei de Proteção de Cultivares (Lei n° 9.456 de
25 de abril de 1997) teve por objetivo assegurar direitos de monopólio
temporário (quinze a dezoito anos) sobre variedades melhoradas de
sementes agrícolas. Foi proposta pelo governo brasileiro, interessado em
adequar a legislação interna para a adesão do país à UPOV 78, permitindolhe assim participar do regime internacional de proteção a variedades
vegetais92, ainda nos moldes da versão menos recente daquele acordo
internacional (este assunto é tratado no Capítulo II).
A discussão a esse respeito iniciou-se em 1991, quando o governo
brasileiro criou uma comissão de trabalho sobre Lei de Cultivares, em razão
de ter sido então aprovada uma nova versão da UPOV muito mais rigorosa.
No início de 1995, haviam sido já apresentados dois projetos a esse mesmo
respeito: o Projeto de Lei do Senado n°. 199/95, do senador Odacir Soares;
e o PL n°. 1.325 apresentado pelo executivo. Mas a versão que vingou foi a
do Projeto de Lei n° 1.457/96, apresentado à Câmara dos Deputados em
janeiro de 1996.
O Brasil não havia até então assinado a UPOV 78 e aparentemente
não tinha como prioridade estabelecer qualquer regime de proteção de
cultivares. Mas dada a iminência da UPOV 91, considerada mais rígida e
92
Anteriormente, já se tinha tentado incluir na Lei de Propriedade Intelectual o patenteamento de
plantas, o que ao final não vingou, pelas resistências encontradas em diversos setores.
179
mais desinteressante para o Brasil, o governo brasileiro viu-se pressionado
a preparar um documento legal que o qualificasse a ingressar na UPOV
ainda na vigência da versão de 1978. Contraditoriamente, no entanto, certos
aspectos da nova Lei de Cultivares brasileira são considerados, por alguns
observadores, mais próximos às normas da UPOV 91.
A lei estende a proteção para as cultivares caracterizadas como
“essencialmente derivadas” de uma cultivar protegida (conceito que surge
na versão de 1991 da UPOV), condicionando sua exploração comercial à
autorização do titular da cultivar original (art.10) (Box 14). Além disso,
ainda que, na lei, o melhorista seja caracterizado como pessoa física, é
concedida proteção de direitos de propriedade tanto à pessoa física quanto
à pessoa jurídica que obtiver a nova cultivar ou a cultivar essencialmente
derivada (art.5º).
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LEI DE CULTIVARES: ALGUMAS DEFINIÇÕES (ART.3º)
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Melhorista - “a pessoa física que obtiver cultivar e estabelecer descritores
que a diferenciem das demais.”
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Nova cultivar - “cultivar que não tenha sido oferecida à venda no Brasil há
mais de doze meses em relação à data do pedido de proteção e que,
observado o prazo de comercialização no Brasil, não tenha sido oferecida
à venda em outros países, com o consentimento do obtentor, há mais de
seis anos para espécies de árvores e videiras e há mais de quatro anos para
as demais espécies.”
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Cultivar - “a variedade de qualquer gênero ou espécie vegetal superior
que seja claramente distinguível de outras cultivares conhecidas por margem
mínima de descritores, por sua denominação própria, que seja homogênea
e estável quanto aos descritores através de gerações sucessivas e seja de
espécie passível de uso pelo complexo agroflorestal, descrita em publicação
especializada disponível e acessível ao público, bem como a linhagem
componente de híbridos.”
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Box1414
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a) predominantemente derivada da cultivar inicial ou de outra cultivar
essencialmente derivada, sem perder a expressão das características
essenciais que resultem do genótipo ou da combinação de genótipos da
cultivar da qual derivou, exceto no que diz respeito a diferenças resultantes
da derivação;
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b) claramente distinta da cultivar da qual derivou, por margem mínima de
descritores, de acordo com critérios estabelecidos pelo órgão competente;
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c) não tenha sido oferecida à venda no Brasil há mais de doze meses em
relação à data do pedido de proteção e que, observado o prazo de
comercialização no Brasil, não tenha sido oferecida à venda em outros
países, com o consentimento do obtentor, há mais de seis anos para espécies
de árvores e videiras e há mais de quatro anos para as demais espécies.”
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Cultivar essencialmente derivada - “A essencialmente derivada de outra
cultivar se, cumulativamente for:
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A nova Lei de Cultivares se autocaracteriza como um instrumento
de proteção da propriedade intelectual sobre o desenvolvimento de novas
cultivares, propondo para isto a instituição de um Certificado de Proteção
de Cultivar como “única forma de proteção de cultivares e de direito que
poderá obstar a livre utilização de plantas ou de suas partes de reprodução
ou de multiplicação vegetativa, no país” (art.2º), ou seja, rejeitando a dupla
proteção (por patente e por proteção à cultivar). No caso, a proteção recai
basicamente sobre a semente, definida na própria lei como “toda e qualquer
estrutura vegetal utilizada na propagação de uma cultivar”.
A lei exime de respeitar o direito de propriedade sobre cultivar
protegida os que: (a) reservam e plantam sementes para uso próprio; (b)
usam ou vendem como alimento ou matéria-prima o produto obtido do
seu plantio, desde que não o façam para fins reprodutivos; (c ) utilizam-na
como fonte de variação no melhoramento genético ou na pesquisa científica
e, (d) sendo pequenos produtores rurais, multiplicam sementes, para doação
ou troca, para outros pequenos produtores rurais, no âmbito de programas
governamentais ou autorizados pelo governo.
A lei determina também a criação do Serviço Nacional de Proteção
de Cultivares (SNPC), no âmbito do Ministério da Agricultura e do
Abastecimento, competindo-lhe a proteção de cultivares.
181
Diversos argumentos foram colocados favoravelmente à
regulamentação nacional nessa área, nos moldes da UPOV, dentre os quais
destacam-se93: o aumento da receita dos centros de pesquisa nacionais,
através do pagamento de royalties pelo uso, na agricultura, de cultivares
desenvolvidas por essas instituições, contribuindo assim para o seu
fortalecimento; o mais fácil acesso de pesquisadores brasileiros a inovações
biotecnológicas na agricultura realizadas no exterior, as quais, do contrário,
sem proteção e ressarcimento financeiro garantidos, não se lhes faria
disponível (argumento também utilizado quando da discussão sobre a Lei
de Propriedade Industrial).
Por outro lado, esses argumentos foram contestados pelos que
observaram que, nos últimos anos, justamente nos países da OCDE que
aderiram ao modelo UPOV, houve um processo de privatização da pesquisa
em biotecnologia agrícola. A pesquisa nessa área, que até os anos 60 era
capitaneada por centros governamentais de pesquisa de sementes, vem
sendo hoje cada vez mais dominada por empresas privadas dos Estados
Unidos. Do mesmo modo, considerando a estrutura altamente oligopolista
da indústria sementeira mundial e a ampla diversificação de produtos como
fator de diferenciação concorrencial, acredita-se ser pouco provável que a
simples proteção às sementes melhoradas promova uma inserção mais
competitiva das empresas nacionais nesse mercado.
A proposição da Lei de Cultivares não foi uma iniciativa bem-vista
por organizações da sociedade civil, sendo percebida por esses segmentos
como um instrumento de defesa dos direitos dos melhoristas sobre
variedades comerciais de sementes na agricultura, o que interessaria
sobretudo às grandes transnacionais da indústria sementeira, do mesmo
modo que a UPOV é caracterizada como um espaço favorável aos interesses
dos países desenvolvidos.
Desse mesmo ponto de vista, a Lei de Cultivares foi recebida como
uma tentativa de estender os dispositivos da Lei de Patentes para as espécies
93
Castro, L.A.B. (1990). Propriedade intelectual e patentes industriais: implicações para a agropecuária
brasileira, citado por Barbosa & Arruda (1990).
182
agrícolas. E, tanto como a Lei de Patentes foi interpretada como uma
imposição externa, também a proteção de cultivares é percebida por alguns
segmentos como resultado de pressões do comércio global, já que não há
qualquer obrigação internacional que determine que o Brasil deva estabelecer
um tal instrumento jurídico, a não ser pelo fato de que o GATT estipulou
que, no ano 2005, os países signatários devem apresentar alguma
regulamentação a respeito, embora não necessariamente nos termos em
que foi aprovada a lei brasileira.
Por outro lado, algumas das reivindicações dos setores contrários a
uma Lei de Cultivares no Brasil acabaram por ser contempladas no texto
final da lei, especialmente as exceções feitas a associações de pequenos
agricultores e as restrições à dupla proteção (por patentes e por proteção às
cultivares).
Na América Latina, além do Brasil, foram já aprovadas legislações
sobre direitos de melhoristas na Argentina (1973), no Chile (1977) e no
Uruguai (1981); também a Colômbia está discutindo uma regulamentação
a respeito.
Contrabalançando as Perdas:
Lei de Acesso a Recursos Genéticos
O Projeto de Lei n° 306/95 dispõe sobre os instrumentos de controle
do acesso a recursos genéticos no País e recebe a denominação de “Lei de
Acesso à Biodiversidade Brasileira”. Foi apresentado ao Senado Federal
em outubro de 1995, pela senadora Marina Silva, do Acre, tendo como
Relator o senador Osmar Dias, do Paraná.
Até que ocorra a transformação do projeto em lei, as atividades de
coleta de material biológico, dados e outros materiais científicos em território
nacional, permanecem sob a regulamentação do Decreto n° 98.830 (de
183
15/01/90)94 e da Portaria n° 55 (de 14/03/90) do Ministério da Ciência e
Tecnologia. Estes versam sobre as chamadas expedições científicas,
entendidas como atividades de campo exercidas por estrangeiros (pessoa
física ou jurídica), não englobando atividades de coleta de material realizadas
por pessoa física ou jurídica nacional. Ao menos no que se refere às
expedições científicas para coleta de recursos genéticos e biológicos, o
Decreto n° 98.830 e a Portaria 55 deverão ser superados pela nova Lei de
Acesso, quando (e se) aprovada.
O projeto da senadora Marina Silva foi apresentado sob a justificativa
de atender ao artigo 15 da Convenção sobre Diversidade Biológica, que
trata especificamente dos direitos e obrigações dos Estados-Nações com
respeito ao acesso a recursos genéticos. Na verdade, porém, o Projeto de
Lei procurou abranger outros aspectos contidos na CDB, particularmente
aqueles tratados nos artigos 8º (j), 10 (c), 16 e 19, além, evidentemente, do
próprio artigo 15. A proposta original divide-se em sete capítulos. Além de
capítulos contendo, respectivamente, princípios gerais, atribuições
institucionais, sanções administrativas e disposições gerais, há capítulos
específicos sobre: acesso a recursos genéticos (Cap. III); proteção do
conhecimento, particularmente das comunidades tradicionais (Cap. IV) e
desenvolvimento e transferência de tecnologia (Cap. V).
Dentro desse espírito, o PL n° 306/95 tem como princípios gerais:
a) a afirmação da soberania nacional sobre os recursos genéticos;
b) o reconhecimento da importância das práticas e conhecimentos
tradicionais das comunidades indígenas e locais, incentivando a participação
dessas comunidades nas decisões relacionados ao acesso;
c) a participação nacional nos benefícios econômicos e sociais
resultantes do uso dos recursos genéticos;
d) a prioridade do acesso a recursos genéticos aos que desenvolverem
pesquisa e tecnologia em território nacional;
94
O Decreto nº. 98.830, por sua vez, revogou o Decreto nº 65.057, de 26 de agosto de 1969, bem
como o Decreto nº. 93.180, de 27 de agosto de 1986, que até então normatizavam a fiscalização das
expedições científicas no país.
184
e) o respeito aos princípios de biossegurança e de segurança alimentar
adotados no país; e
f) a garantia de proteção e remuneração dos direitos individuais e
coletivos sobre os conhecimentos associados à biodiversidade.
Participantes da discussão sobre o Projeto de Lei identificam, nesse
processo, três grupos de atores. O grupo menor, mas de liderança, seria o
representado pela senadora Marina Silva e sua equipe, cujo principal interesse
é o de acelerar a criação da Lei de Acesso no Brasil, como passo importante
para a implementação da Convenção sobre Diversidade Biológica no país,
e que, para isso, vem promovendo amplas consultas a diferentes segmentos
da sociedade, através da organização de audiências públicas.
O segundo grupo seria o do governo brasileiro (o Executivo e seus
Ministérios, destacando-se o Itamarati, o Ministério do Meio Ambiente, o
Ministério da Agricultura e o Ministério da Ciência e Tecnologia) que vê
esse tema de uma forma mais complexa, porque ele tem interfaces com
uma série de outros temas estratégicos — particularmente o acesso a
recursos genéticos utilizados na alimentação e na agricultura e o uso de
recursos genéticos para pesquisas biotecnológicas — que, por sua vez, já
vêm sendo, de algum modo, objeto de negociação brasileira no plano
internacional, seja bilateral ou multilateralmente, sobretudo na OMC, na
FAO e no Banco Mundial. Esses aspectos pesam na posição do governo
brasileiro, colocando-o em uma situação no mínimo desconfortável na
negociação sobre a regulamentação do acesso aos recursos genéticos.
Um terceiro grupo de atores relevantes são os chamados grupos de
interesse ou stakeholders, no âmbito da sociedade civil, incluindo as
instituições de pesquisa que trabalham na área, as comunidades tradicionais
e as ONGs. As instituições de pesquisa estão fazendo um lobby à parte
para relativizar o poder da autoridade competente e, desse modo, usufruir
de bastante autonomia, aumentando o poder das suas próprias instituições
na definição de como se dará o acesso aos recursos genéticos e biológicos.
Na área acadêmica, a tradição é considerar que a biodiversidade é
patrimônio da humanidade e há o desejo de se continuar trabalhando
185
com o livre acesso a esse material. Mas, pelo que a CDB prevê, mesmo a
comunidade científica vai estar sujeita a algum tipo de controle. Resta
definir que nível de controle vai ser necessário, sem que se burocratize
excessivamente a atividade científica.
Um ator importante nesse caso é a Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (EMBRAPA), que, historicamente, sempre atuou com muita
liberdade nesse campo. A EMBRAPA será o primeiro ator a sofrer
retaliações no caso de uma lei de acesso muito restritiva, no momento em
que for acessar recursos genéticos de outros países.
As ONGs vêm participando e apoiando amplamente a elaboração
do texto da Lei de Acesso. As comunidades tradicionais, por sua vez,
consideram que estão sendo pouco ouvidas na discussão sobre esse projeto,
o que vem sendo justificado pelos que estão à frente desse processo pela
pequena infra-estrutura disponível para viabilizar uma participação adequada
dessas comunidades nessa discussão. A atitude do governo, não tendo estado
à frente dessa discussão (ao menos em sua fase inicial), é interpretada por
alguns como uma demonstração de desinteresse em regulamentar o acesso
a recursos genéticos no país.
As forças da continuidade representam também, inegavelmente, um
lobby muito importante, fazendo-se presentes nos diferentes grupos, e
buscam transformar a Lei de Acesso em um instrumento de pouco impacto
nas práticas de acesso até então dominantes. É possível que aí estejam
incluídos os interesses dos grupos empresariais instalados no Brasil que,
até o momento, não têm participado, ao menos abertamente, nesse debate.
Observadores acreditam que, muito provavelmente, esses segmentos
mantêm a expectativa de continuar tendo acesso irrestrito à biodiversidade
nacional, diferenciando-se, portanto, das regras de acesso a serem aplicadas
para indivíduos e empresas estabelecidas fora do país.
Mas, diferentemente dos debates que antecederam a aprovação da
Lei de Propriedade Industrial, onde os pontos polêmicos e interesses
divergentes expressaram-se de forma clara, na Lei de Acesso os conflitos
apenas começam a aflorar e boa parte das discussões têm-se dado, até o
186
momento, em torno do esforço de elaboração de uma nova fórmula legal
que aborde adequadamente temas ainda pouco tratados pelos juristas,
mesmo no âmbito do direito internacional. É possível já notar e antecipar
alguns pontos controvertidos de maior substância em torno do Projeto de
Lei, que envolvem algumas definições técnicas, mas que de fato têm
implicações políticas significativas.
Não se irá abordar aqui o conjunto das questões hoje em debate
sobre o Projeto de Lei de Acesso, nem se discutir todos os detalhes a seu
respeito, sendo apenas comentados os aspectos de maior relevância para
os objetivos deste trabalho95.
Titularidade
A questão da titularidade sobre os recursos biológicos é um ponto
considerado problemático. Por exemplo, os componentes da flora
continental são regidos pelo direito de propriedade privada, enquanto que
os recursos vivos da Zona Econômica Exclusiva96 são considerados bens
da União. São buscadas brechas para interpretações alternativas na legislação
atual, além de se considerar a possibilidade de modificação de alguns
aspectos do atual arcabouço jurídico-normativo que rege a questão. Foram
apresentadas propostas de se condicionar a propriedade e o acesso aos
95
Baseamo-nos aqui nas discussões das três audiências públicas realizadas para discutir o Projeto de
Lei (em Manaus, São Paulo e Brasília), cujos resultados foram sintetizados por Arcanjo (1996), além
das recomendações do workshop “Acesso a Recursos Biológicos: Subsídios para sua Normatização”,
em Brasília em outubro de 1996, organizado por um conjunto de instituições de governo e nãogovernamentais, que reuniu diversos especialistas da área. Até a conclusão deste trabalho, não se
tinha dado uma redação definitiva ao Substitutivo que, provavelmente, deverá ser apresentado ao PL
306/95. A própria posição oficial do governo a esse respeito não fora ainda divulgada.
96
Zona Econômica Exclusiva constitui um novo conceito de espaço marítimo introduzido pela
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, correspondendo a uma área que se estende
desde o limite exterior do Mar Territorial, de 12 milhas de largura, até 200 milhas náuticas da costa,
no caso do Brasil. O Brasil tem direitos de soberania sobre essa área, para fins de exploração,
conservação e gestão dos recursos naturais (vivos ou não) do leito do mar, águas sobrejacentes e seu
subsolo, tendo, por outro lado, uma série de obrigações com respeito à proteção dessas áreas.
187
recursos genéticos e biológicos ao cumprimento da função social da
propriedade, recorrendo-se a dispositivo contido na própria Constituição
Federal. Há ainda a sugestão de se enquadrarem todos os recursos genéticos
encontrados em território nacional como “bens públicos de uso especial”.
Alcance e objeto
Há dúvidas quanto à própria definição de acesso e de seu objeto: se
a recursos biológicos e/ou genéticos, se apenas in situ ou também ex situ, se
a regulamentação do acesso recai ou não sobre cultivos agrícolas
domesticados, entre outras questões97. A tendência dominante vem sendo
a de considerar que a lei deve normatizar o acesso a recursos genéticos e
produtos derivados, abrangendo ainda, possivelmente, os conhecimentos
a eles associados. Discute-se também a respeito do estabelecimento de
mecanismos de acesso distintos para os recursos mantidos em condições
ex situ; por exemplo, através da adoção de um Acordo de Transferência de
Material, que regularia o envio de amostras tanto para o exterior quanto
para outras coleções nacionais.
Um outro ponto refere-se ao acesso a recursos genéticos estratégicos
para a alimentação e a agricultura, os quais, segundo algumas opiniões,
exigiriam um regime de acesso mais flexível, dada a já comentada
dependência, no cardápio alimentar brasileiro, de espécies trazidas de outras
regiões ou de espécies nativas melhoradas alhures.
Há ainda a questão sobre a aplicação da lei aos seres humanos,
discutindo-se as possibilidades de: (a) deixar o texto tal como está no Projeto
original98; (b) modificá-la para regular também o acesso a genes humanos
ou (c) deixar esse assunto para legislação específica, criando uma nova
97
A CDB faz menção apenas a recursos genéticos (material genético de valor real ou potencial), o
que, segundo algumas opiniões, não contempla os recursos biológicos ainda sem valoração.
98
O art. 4º do PL dispõe que a lei proposta “não se aplica ao todo, a suas partes e aos componentes
genéticos dos seres humanos”.
188
legislação a respeito ou modificando a legislação já existente (por exemplo,
a própria Lei de Biossegurança). Mesmo nessa última alternativa, existe a
preocupação de que a nova lei não deixe o acesso ao genoma humano
totalmente “à deriva” enquanto ela não está regulamentada, propondo-se
que na própria Lei de Acesso seja proibido o acesso ao genoma humano
“com fins comerciais”, ou simplesmente que o proíba de todo, considerando
a dificuldade hoje de se delimitarem os objetivos puramente científicos dos
de caráter econômico-comercial.
Autoridade competente
Discute-se sobre a quem atribuir a autoridade para conceder o acesso:
se à comunidade que detém o material ou se a uma autoridade nacional,
setorial ou estadual. Sugere-se utilizar estruturas institucionais já existentes,
além de uma rede descentralizada de instituições credenciadas. Procura-se
ainda fazer uma distinção entre a autoridade competente para conceder o
acesso, de um lado, e o proprietário dos recursos ou as comunidades locais
que contribuem para conservá-los, de outro, cabendo a esses últimos dar a
decisão final sobre a coleta ou não do material.
Proteção aos conhecimentos tradicionais
Embora, nas discussões sobre o projeto de lei, haja claramente uma
preocupação em reconhecer, proteger e retribuir os conhecimentos
tradicionais sobre os recursos genéticos e biológicos, supondo-se que
normalmente não se “acessa” apenas o recurso genético, mas a informação
a ele associada (o chamado “componente intangível do recurso”), não se
tem ainda muito claro como fazê-lo, já que não existem ainda instrumentos
legais com esse fim. É dominante o ponto de vista de que conceitos
tradicionais de propriedade intelectual são inaplicáveis nesses casos, mas
há divergências sobre se daí infere-se uma proteção mais difusa desses
189
conhecimentos; ou se, ao contrário, como defendem algumas organizações
não-governamentais e instituições de pesquisa do país, são necessários
instrumentos bastante precisos para salvaguardar não só os direitos
intelectuais dessas comunidades, mas também as suas tradicionais práticas
de conservação e uso da diversidade biológica99.
Reconhecimento de direitos de propriedade intelectual
O Projeto de Lei de Acesso vem sendo percebido, por alguns
segmentos, como um artifício para se contrabalançarem as perdas sentidas
na Lei de Propriedade Industrial e na Lei de Cultivares, na medida em que:
a) não reconhece “direitos de propriedade intelectual, registrados
dentro ou fora do país, relativos a recursos biológicos ou genéticos, derivados
deles ou a processos respectivos quando: (I) utilizem o conhecimento
coletivo de comunidades locais; ou (II) tenham sido adquiridos sem o
certificado de acesso e a licença de saída do país.” (art. 21);
b) determina que “o poder público revisará as patentes e outros
direitos de propriedade intelectual registrados fora do país, que tenham
por base recursos genéticos nacionais, com a finalidade de reivindicar a
compensação correspondente ou declarar sua nulidade.” (art. 22);
c) condiciona o uso de biotecnologias estrangeiras ao respeito à Lei
de Acesso e demais normas de biossegurança e a que “a empresa pretendente
assuma integralmente a responsabilidade por qualquer dano que possam
acarretar à saúde, ao meio ambiente ou às culturas locais, no presente e no
futuro.” (art. 25);
d) reconhece direitos de proteção dos conhecimentos das
comunidades tradicionais, o que não está previsto na lei de patentes.
99
Arcanjo sugere ainda, alternativamente ao conceito de “propriedade intelectual”, nesse caso, usar
o conceito de integridade intelectual, por ser mais apropriado, na medida em que expressaria uma
preocupação mais ampla com a valorização integral da comunidade.
190
Ao mesmo tempo, ao prever a criação de mecanismos que assegurem
aos pesquisadores brasileiros o acesso e a transferência de tecnologias
pertinentes à conservação e uso sustentável da biodiversidade, o próprio
projeto de lei afirma que “em caso de tecnologias sujeitas a patentes e
outros direitos de propriedade intelectual, será garantido que o acesso e a
transferência se façam em condições que garantam a proteção adequada
aos direitos de propriedade intelectual.” (art. 26), reforçando assim a Lei de
Propriedade Industrial.
Essas questões não vêm sendo objeto de grande debate, mas com
certeza sobre elas existem significativos conflitos de interesse, a se julgar
pelas disputas observadas na discussão sobre a Lei de Propriedade Industrial
e, já com menos vigor, sobre a Lei de Cultivares.
Partilha de benefícios
A garantia e a exeqüibilidade da partilha de benefícios gerados pela
utilização dos recursos genéticos “acessados”, particularmente quando se
tratar de comunidades indígenas e tradicionais, é também um elemento
complexo. Imagine-se a dificuldade, por exemplo, do controle, por essas
comunidades, sobre o pagamento de royalties cobrados pela comercialização
dos produtos derivados de recursos genéticos localizados nas áreas por
elas ocupadas, considerando que são necessários de 13 a 15 anos para uma
nova droga entrar no mercado, o que faz com que esse ressarcimento
financeiro possa levar cerca de 20 anos ou mais.
Ademais, além das comunidades locais, outros setores podem reivindicar
o reconhecimento de direitos de participação nesses benefícios, como a própria
União, governos estaduais ou municipais e os proprietários privados.
Fundo
No Projeto de Lei, propõe-se que os recursos arrecadados através da
cobrança pelo acesso aos recursos genéticos sejam destinados ao Fundo
191
Nacional do Meio Ambiente, proposta que foi, de modo geral, rejeitada.
Aceita-se a possibilidade de se trabalhar com um fundo já existente, de
caráter público ou privado, desde que ele tenha finalidade pública. Procurase associar ainda a discussão sobre o funcionamento de um tal fundo com
a questão da partilha de benefícios, através da garantia de que os diferentes
grupos e comunidades interessados na utilização dos recursos arrecadados
façam-se representar nas decisões a respeito do uso de seus recursos.
Sanções
Discute-se a possibilidade de endurecer o sistema de sanções adotado
pela nova lei, em alguns casos até criminalizando o seu descumprimento,
havendo no entanto, também a preocupação de não fazer desse sistema
um mecanismo inibidor do acesso.
Detalhamento
O grau de detalhamento da lei também está em debate. A posição
até o momento expressa pelo Governo, interessado em garantir o máximo
de flexibilidade ao regime de acesso a ser aprovado, é a de que o texto deve
ter uma abordagem bem genérica, deixando para a fase de regulamentação
as definições de caráter mais operacionais. A opinião de representações da
sociedade civil, por outro lado, é a de que o texto deve ser detalhado o
bastante para que nele fiquem desde já estabelecidos os procedimentos
para a sua implementação, ante a preocupação de que seus dispositivos
acabem não tendo aplicação prática, ou que se desperdicem os avanços
conceituais alcançados nas discussões preparatórias.
Como se vê, são inúmeras as questões sobre as quais há dúvidas e
polêmicas, não se podendo ainda prever com certeza o desfecho final desse
processo.
192
Normatizando a Biotecnologia no País: Lei de Biossegurança
Em 5 de janeiro de 1995, foi aprovada a Lei nº. 8.974100, apelidada
Lei de Biossegurança, regulamentando os incisos II e V do Parágrafo 1º.
do art. 225 da Constituição Federal e normatizando as atividades que
envolvem a aplicação de técnicas de engenharia genética e a liberação no
ambiente de organismos geneticamente modificados, com os objetivos de
proteger a saúde humana, os animais, as plantas e o meio ambiente101. A
nova lei representa uma inovação com respeito à legislação até então
existente relacionada à questão. Antes, havia apenas atos normativos e
reguladores, estabelecidos desde a década de 1930, com o intuito de controlar
a entrada de organismos exóticos em território nacional102. Não são
enfocados pela Lei nº. 8.974, no entanto, aspectos sociais e éticos
relacionados ao uso de biotecnologias, exceto em casos de manipulação do
genoma humano ou de animais in vitro.
A Lei determina o estabelecimento de uma Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança (CTNBio) que, além de estar encarregada de
detalhar aspectos operacionais para a sua aplicação, é responsável por
autorizar ou não a realização de atividades cobertas por essa legislação. As
entidades que se utilizam de técnicas e métodos de engenharia genética
devem também criar uma Comissão Interna de Biossegurança (CIBio). A
nova lei exige que as empresas, públicas ou privadas, que possuam
laboratórios de desenvolvimento biotecnológico, respeitem certas regras
de segurança e estabeleçam comitês locais de biossegurança. Fica também
proibido o desenvolvimento de organismos geneticamente modificados
por pessoas físicas, bem como a sua comercialização ou transporte.
100
O Projeto de Lei que lhe deu origem foi o PL n° 114 de 1991 (n° 2.560/92 na Câmara dos
Deputados).
101
Essa lei foi complementada ainda pelo Decreto nº. 1.520, de 12 de junho de 1995, e regulamentada
pelo Decreto nº. 1.752, de 20 de dezembro de 1995.
102
Tais como: Decreto nº. 24.114, de 12 de abril de 1934; Decreto nº. 24.548, de 3 de julho de 1934;
Decreto-Lei nº. 221, de 28 de fevereiro de 1967; Decreto nº. 76.623, de 17 de novembro de 1975,
regulamentando no país as normas estabelecidas pela Convenção sobre Comércio Internacional das
Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES).
193
Não houve participação da sociedade civil organizada na discussão
sobre a Lei de Biossegurança, que, de acordo com Hathaway (1995), ficou
restrita aos dirigentes das instituições governamentais, particularmente das
áreas agrícola e de saúde (especialmente a Fiocruz). Segundo algumas
opiniões, a nova lei representou, uma solução de compromisso: ela é
claramente uma legislação que procura garantir um certo grau de liberdade
para a realização de atividades em biotecnologia no país, ao mesmo tempo
em que tenta estabelecer regras e salvaguardas para minimizar o risco
advindo dessas atividades.
Balanço do Tratamento da Problemática da
Biodiversidade no Brasil
Embora não se tenha estabelecido, até o momento, uma estratégia
sólida ou congruente para a implementação da Convenção sobre
Diversidade Biológica no Brasil, e, pensando mais amplamente, para a
conservação e o uso sustentável de nossos recursos biológicos e genéticos,
houve avanços que não podem ser desconsiderados.Talvez o mais
importante em todo esse processo seja a consolidação progressiva da
temática da biodiversidade, em toda a sua complexidade e abrangência, na
agenda ambiental e política brasileira. Nunca é demais lembrar que, há
bem pouco tempo, esse assunto era quase desconhecido, inclusive por
segmentos mais envolvidos e informados sobre os temas relativos ao meio
ambiente.
As ambigüidades verificadas na intervenção do governo brasileiro
no campo da biodiversidade, ainda que acentuadas pela dupla condição de
país megadiverso e megadependente, não podem ser, por outro lado, reputadas
tão somente ou primordialmente a essa dualidade. Devem ser buscadas,
sobretudo, pela forma como historicamente constituiu-se, desenvolveu-se
e inseriu-se no contexto internacional o Estado nacional brasileiro; e, em
especial, pelas implicações dessas dinâmicas sobre suas intervenções nas
arenas científico-tecnológica e ambiental.
194
No que diz respeito mais especificamente aos atos legislativos
analisados, e tomando-se por base o que se discutiu em capítulos anteriores,
é fácil perceber que algumas dessas iniciativas respondem de forma direta
a diretrizes estabelecidas em certos organismos internacionais, sobretudo
os que se propõem a regular o comércio multilateral, diretrizes essas às
quais procura-se impor a adesão do Brasil como condição a seu ingresso
no mercado globalizado, em sua “via para a modernidade”.
Evidenciam-se, igualmente, quando se analisam as interfaces e
contradições entre essas diferentes iniciativas, os reflexos no país das disputas
existentes no plano internacional em torno da problemática da
biodiversidade, em particular as observadas entre as orientações da CDB e
as de outras instâncias reguladoras das relações internacionais.
Nesse contexto, dentre os recentes instrumentos legais comentados
neste capítulo, alguns deles, em especial a Lei de Propriedade Industrial e a
Lei de Cultivares, refletem internamente as já comentadas pressões dos
grandes grupos econômicos e dos governos que os representam para que
se reforcem os mecanismos de proteção de direitos de propriedade
intelectual, preocupados em manter suas margens de lucratividade sobre
produtos e processos onde estão incorporados elevados investimentos em
pesquisa e desenvolvimento. Elas atendem assim mais diretamente às
diretrizes estabelecidas no âmbito da Organização Mundial do Comércio e
às determinações da UPOV.
Em outro grupo de iniciativas na área legislativa, é perceptível a busca
de incorporar ao arcabouço jurídico emergente no país, novas abordagens
que se vêm impondo mundialmente ao tratamento da questão ambiental.
Esse é o caso, particularmente, das novas versões em discussão dos Projetos
de Lei do Estatuto das Sociedades Indígenas e do SNUC, assim como do
Projeto de Lei de Acesso. A principal novidade dessas propostas está em
buscar resgatar, como elemento intrínseco à dívida ambiental contraída a
partir de padrões de desenvolvimento nacional predatórios ao meio
ambiente, uma dívida social histórica da nação brasileira com parcelas da
população que foram cultural e economicamente marginalizadas a partir
desses mesmos padrões. A referência internacional básica, nesse caso, é a
195
própria CDB, ainda que apenas a Lei de Acesso mencione explicitamente a
intenção de atender aos compromissos assumidos com a Convenção, pois
são notáveis as congruências entre as novas versões propostas para o
Estatuto das Sociedades Indígenas e para o SNUC e o espírito que norteia
a CDB.
Mas é justamente esse segundo grupo de instrumentos legais que
não logrou sair, pelo menos até o momento, da condição de Projetos, não
se podendo prever com certeza qual será o teor final dos textos aprovados,
ou mesmo garantir que sua aprovação na forma de Lei irá de fato ocorrer.
Tais propostas, além da oposição que enfrentam, seja porque contrariam
interesses dominantes, seja porque geram resistências de segmentos mais
tradicionais em razão da novidade de que se investem, provocam também,
mesmo entre os atores que lhes dão suporte, grandes dúvidas e divergências
quanto a conceitos e abordagens de que se utilizam, bem como sobre a
melhor maneira de dar viabilidade prática a seus objetivos.
A despeito do resultado que se irá alcançar com todo esse processo,
ele tem com certeza, desde já, um valor político-pedagógico inestimável,
tanto como exercício da prática democrática e da construção da cidadania,
quanto pelo acúmulo que está gerando no debate sobre caminhos
alternativos para se lidar, no Brasil, com a questão socioambiental e com os
múltiplos aspectos da problemática da biodiversidade hoje.
Não se pode deixar de concluir, no entanto, que, apesar dos ganhos
já obtidos, o saldo está longe de ser animador. Falta-nos, fundamentalmente,
uma estratégia nacional de mais longo alcance, que seja menos reativa a
uma dinâmica externa à sociedade nacional; que tenha como referência a
sustentabilidade do desenvolvimento em suas múltiplas dimensões; e que
contemple a biodiversidade como elemento estratégico, não só do ponto
de vista econômico, mas também ambiental, social e cultural.
196
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ALGUNS MARCOS INSTITUCIONAIS DA CONVENÇÃO SOBRE
DIVERSIDADE BIOLÓGICA NO BRASIL
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Junho de 1992 - Brasil subscreve, juntamente com mais 156 países, a
Convenção sobre Diversidade Biológica, durante a Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - CNUMAD, no Rio de
Janeiro.
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1994 - Criada no MMA, a Coordenação Geral de Diversidade Biológica,
vinculada à Secretaria de Coordenação dos Assuntos do Meio Ambiente,
no Departamento de Formulação de Políticas e Programas Ambientais.
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3 de fevereiro de 1994 - Brasil ratifica Convenção sobre Biodiversidade
(Decreto n.º 2).
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17 Junho de 1994 - realizado, no Rio de Janeiro, por iniciativa do MMA,
da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS) e do
Fundo Mundial para a Natureza (WWF/Brasil) o Workshop “Parceria
Governo e Sociedade Civil pela Biodiversidade”, no qual Governo e
lideranças da sociedade civil (empresarial, acadêmico e ambientalista)
assinaram uma Declaração de Intenções de mútua cooperação na
implementação da CDB no país.
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21 de Junho de 1994 - Governo Federal estabeleceu a Comissão
Interministerial para o Desenvolvimento Sustentável (CIDES) (Decreto n.º
1.160), substituída pela Comissão de Políticas de Desenvolvimento
Sustentável e da Agenda 21 Brasileira, instalada em junho de 1997.
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22 de Julho de 1994 - Estabelecido, pelo Governo, através da Portaria
Interministerial n.º 3, um Grupo de Trabalho paritário Governo-Sociedade
Civil, para a definição das bases para o Programa Nacional da Diversidade
Biológica (PRONABIO).
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29 de dezembro de 1994 - Através do Decreto nº. 1.354, cria-se o Programa
Nacional da Diversidade Biológica (PRONABIO), para apoiar a
implementação de projetos em atendimento às ações recomendadas pela
CDB. Cria ainda a Comissão Coordenadora do PRONABIO.
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28 de setembro de 1995 - Criado na Fundação Getúlio Vargas o FUNBIO
e aprovado seu regimento interno através de Portaria FGV nº. 14.
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28 de abril de 1995 - Estabelecido, através de Portaria MMA nº.115, um
Grupo Consultivo para indicar opções para o estabelecimento de um fundo
privado de biodiversidade, que receberia recursos concessionais do GEF.
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Box 15
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Junho de 1996 - Conclusão de negociação pelo MMA, junto ao Banco
Mundial, do Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade
Biológica Brasileira (PROBIO).
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1997 - Lançados os primeiros editais de projetos do FUNBIO e do PROBIO.
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24 de maio de 1996 - Designados, através de Portaria MMA nº. 105, os
membros da Comissão Coordenadora do PRONABIO.
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CAPÍTULO V
Amazônia: Fronteira Geopolítica da Biodiversidade
As florestas são consideradas os ecossistemas terrestres de maior
diversidade biológica. Dentre os vários tipos de florestas existentes, as
florestas tropicais úmidas103 — distribuídas pela América do Sul e Central,
a África e a Ásia, correspondendo a cerca da metade da área total coberta
por florestas no mundo — apresentam maior complexidade e maior riqueza
de espécies, populações e microorganismos. Os cálculos variam de 25% a
90% das espécies ao nível global. Dados citados por Fatheuer (1994), de
acordo com Relatório sobre as Florestas Tropicais do Governo Alemão,
dão conta ainda de que 70% a 80% de todas as espécies de plantas e animais
do mundo encontram nos trópicos o seu habitat; e 25% a 40% habitam as
florestas tropicais. Já Erwin (1988) menciona a existência nas florestas
tropicais de pelo menos 70%, podendo chegar a 90%, de todas as espécies.
Entre 30% e 40% das florestas tropicais do mundo localizam-se no
Brasil, a maior parte na Amazônia, que abriga uma das últimas extensões
contínuas de florestas tropicais úmidas da Terra. A Amazônia é assim
considerada o maior “banco genético” natural do planeta, detendo cerca
de 1/3 do estoque genético global. Embora não haja dados conclusivos,
103
“As florestas tropicais úmidas, ou mais precisamente florestas tropicais fechadas, são definidas
como habitats com um topo relativamente fechado e uma maioria de árvores sempre verdes e de
folhas largas, que são sustentadas por um índice pluviométrico anual de 100 centímetros ou mais.”
(Wilson, 1988:8)
199
estima-se que existam na Amazônia cerca de 60.000 espécies de plantas
(das quais 30.000 de plantas superiores, sendo mais de 2.500 espécies de
árvores), 2,5 milhões de espécies de artrópodes (insetos, aranhas, centopéias
etc.), 2.000 espécies de peixes e 300 de mamíferos104. A diversidade de
espécies por hectare na floresta amazônica é também bastante elevada,
podendo existir de 100 a 300 espécies de árvores por hectare, o mesmo
verificando-se em relação aos animais.
A Amazônia constitui portanto um cenário territorial de suma
importância, no que se refere aos desdobramentos práticos dos desafios e
impasses que hoje se colocam internacionalmente em torno da conservação
e do uso sustentável da biodiversidade. Nesse cenário, ainda, a estreita
vinculação entre meio ambiente, ciência e tecnologia — em particular no
caso da biodiversidade — expressa-se de modo evidente, assumindo
contornos críticos para o enfrentamento de questões ecológicas, econômicas
e sociais de amplas repercussões nas várias escalas geográficas.
Ao mesmo tempo, demonstra-se claramente o peso da variável
geopolítica, como fator determinante do curso que se irá imprimir,
regionalmente, à problemática da biodiversidade, em suas múltiplas
dimensões, sendo perceptível a existência de diferentes visões e, também,
de fortes conflitos de interesse, embora nem sempre explicitados, sobre
como tratá-las. A Amazônia pode ser vista, deste modo, como um campo
de ação “avançada” desses conflitos e de suas possíveis soluções, onde se
mesclam e se articulam os diferentes níveis — do global ao local.
Neste capítulo, buscam-se os rebatimentos, no contexto amazônico,
dos grandes temas e questões anteriormente identificados como ocupando
o centro do debate político internacional sobre biodiversidade, sendo
sistematizados e confrontados os principais pontos de convergência e de
divergência que sobre eles se expressam, na região. Essa análise é resultado
de um levantamento da percepção de segmentos que se acham mais
diretamente envolvidos com a questão, em particular do governo, de
organizações não-governamentais e da comunidade técnico-científica, o
qual baseou-se principalmente na realização de um conjunto de entrevistas105.
104
Dados citados pelo Fórum das ONGs..., 1992; e por Morales & Valois, 1995.
105
Relação nominal dos entrevistados consta em nota da Introdução.
200
Da Proteção das Florestas à Proteção da Biodiversidade
Apenas recentemente, quando o conceito de biodiversidade ganhou
expressão na agenda ambiental global, o debate e a mobilização em torno
da proteção dos ecossistemas florestais incorporaram a questão da perda
de diversidade biológica, em toda a sua extensão. A partir daí, o tema da
biodiversidade vem acoplando-se e, muitas vezes, superpondo-se à discussão
sobre florestas.
Princípios de conservação e uso sustentável dos recursos naturais já
estavam presentes nas políticas florestais desde que estas começaram a ser
explícita e formalmente estabelecidas, a partir do século XVIII, na Europa
e depois na Índia, porém expressos em um relativamente limitado conjunto
de produtos de valor comercial imediato.
Mas, somente na segunda metade do século XX, especialmente a
partir da década de 1970, a destruição florestal passou a ser percebida como
um problema planetário, de início pelos mesmos motivos em razão dos
quais, até então, já se defendia a conservação das florestas, como seu papel
para o equilíbrio climático e a regulação dos sistemas hídricos, e sua
importância como fornecedora de matérias-primas utilizadas em várias
aplicações. Posteriormente o problema da perda de florestas passou a ser
abordado no contexto dos problemas ambientais globais, ou seja, com foco
nas suas conseqüências para o conjunto da biosfera, como sua contribuição
para o efeito estufa, a destruição da camada de ozônio e a mudança climática.
Como já assinalado, é nos trópicos que o processo de degradação
ambiental ocorre hoje de forma mais acentuada, embora as florestas tropicais
não sejam as únicas ameaçadas, nem os países em desenvolvimento os únicos
responsáveis pelo problema do desflorestamento em escala mundial. De
acordo com dados bioclimáticos, as florestas tropicais, que já chegaram a
ocupar cerca de 15 milhões de km2, foram reduzidas à metade, cobrindo
atualmente em torno de 8,5 milhões de km2 (o que corresponde a cerca de
6% da superfície terrestre) (Myers, 1992).
201
Estimativas baseadas em dados dos anos 70 indicavam que, a cada
ano, entre 76.000 e 92.000km 2 dessas florestas estavam sendo
completamente eliminadas; e que, anualmente, pelo menos 100.000km2
eram fortemente degradadas. Acredita-se que as taxas projetadas a partir
desses dados aumentaram significativamente desde então; Myers calcula
que o desflorestamento tenha-se elevado para 120.800km2 anuais em fins
de 1990, sendo desflorestado, a cada ano, cerca de 1% do bioma, enquanto
que outro 1% estaria sendo fortemente degradado. Estima-se ainda que,
em se mantendo a intensidade do desflorestamento nas regiões tropicais,
suas florestas poderão ter uma redução, nos próximos anos, de 15% a 50%
da sua área atual, ainda que esse desflorestamento não se dê de forma
homogênea106.
Do ponto de vista da diversidade biológica, as repercussões desse
processo são ainda mais agravadas pelo fato de que, apesar de sua vasta
riqueza natural, as florestas tropicais úmidas constituem um dos habitats
naturais mais frágeis107. Sua regeneração é dificultada pela fragilidade das
sementes de suas espécies vegetais, podendo sua recuperação levar séculos
para se processar ou, dependendo do nível de destruição e de esterilidade
do ecossistema, ser impossível de ocorrer por meios naturais (Wilson, 1988).
Desse modo, calcula-se que, nas florestas tropicais, caso se mantenha esse
ritmo de destruição, a extinção de espécies chegará a uma taxa de 5% a
10% ao ano (Agarwal & Narain, op. cit.).
A emergência da biodiversidade como questão ambiental global
coincide — e para alguns associa-se — com o alarde em torno do
desmatamento tropical e, em particular, da Amazônia brasileira, na década
106
De acordo com Myers (op.cit.) e com Raven (1990), ainda restariam dois grandes blocos
remanescentes de florestas: na bacia central do Zaire e na Amazônia brasileira ocidental, além de
áreas menores na Papua Nova Guiné e no interior das Guianas.
107
Mais uma vez citando Myers (1992:209): “May (1973) levantou a hipótese de que a diversidade
biológica é maior nos trópicos do que no ártico porque a constância climática facilitou a evolução de
maior especialização de nichos. (...) Inversamente, em um ecossistema de floresta tropical úmida,
uma pequena mudança nas condições em que as espécies co-evoluíram é mais provável levar à
extinção do que uma mudança de magnitude comparável em um sistema de tundra no ártico. Isto
explica porque as florestas tropicais úmidas, com maior diversidade de espécies e suas complexas
interações mostraram-se tão vulneráveis a mudanças trazidas por tecnologias modernas.”
202
de 1980, marcando a associação entre a defesa das florestas e a proteção da
diversidade biológica. Laymert G. dos Santos (1994:135) considera que o
próprio conceito de biodiversidade, nos moldes atuais, ganha expressão a
partir da preocupação mundial com o desflorestamento em larga escala,
observando que:
“A Amazônia brasileira atraiu a atenção porque o desmatamento
parecia interligar, num cenário catastrófico, três grandes tendências
contemporâneas que podem conduzir a um desastre ambiental
global: o efeito estufa, a destruição da camada de ozônio e a perda
da biodiversidade. Na verdade, foi o desmatamento tropical que
forjou o próprio conceito de biodiversidade e engendrou uma nova
questão.”
Nesse contexto, a Amazônia, que já desfrutava da condição de área
geopoliticamente estratégica, em razão de suas dimensões continentais108
e de suas vastas riquezas naturais, ganha nova projeção internacional: como
habitat natural cujo processo de degradação estaria comprometendo o
equilíbrio ecológico do planeta, e como reserva de valor futuro, ante as
perspectivas de novos usos dos ricos recursos genéticos ali existentes, porém
sob ameaça de extinção.
Na Amazônia, a questão da biodiversidade traz inovações tanto em
termos conceituais, por exemplo, chamando a atenção para a importância
de se perpetuar a diversidade genética da floresta, quanto em termos
políticos, introduzindo novos elementos à proposição de estratégias
alternativas de desenvolvimento para a Amazônia. Isto não ocorre,
entretanto, sem um intenso processo de disputas e conflitos.
108
A Amazônia sul-americana, ou Grande Amazônia, ocupa cerca de 7.800.000 km2, distribuídos
pelo Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa.
Equivale a 1/20 da superfície terrestre, a cerca da metade da superfície da Europa e a 2/5 da
América do Sul. A Amazônia Legal brasileira corresponde a quase 60% do território nacional, com
uma superfície de aproximadamente 5 milhões de km2, representando 78% da cobertura vegetal do
país e abrangendo oito estados: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima,
Tocantins e a maior parte do Maranhão.
203
Conflitos e Convergências
A inserção da temática da biodiversidade no contexto amazônico
ocorre em meio a diferentes interesses.
Corporações transnacionais, especialmente nos setores de fármacos
e de defensivos agrícolas, desejam preservar o patrimônio genético para
suas explorações biotecnológicas. Grupos ecologistas, nacionais e
estrangeiros, atuam motivados pela proteção ao meio ambiente pelo seu
valor intrínseco. Bancos multilaterais, pressionados pela questão ambiental,
passam progressivamente a incorporá-la como critério e requisito para o
financiamento de projetos na Amazônia, aí incluindo-se a conservação da
biodiversidade. O governo brasileiro começa a assumir, ao menos no plano
do discurso, a importância da biodiversidade para um desenvolvimento em
bases sustentáveis da região. Comunidades extrativistas vão-se apercebendo
do fato de que conservar o ecossistema amazônico é condição para sua
própria sobrevivência, na medida em que dependem de uma exploração
sustentável dos recursos biológicos locais como meio de subsistência;
enquanto que as chamadas populações “tradicionais” pouco a pouco
conscientizam-se da importância dos seus conhecimentos empiricamente
acumulados a respeito dos recursos biogenéticos da região, para o melhor
aproveitamento econômico desses recursos.
À medida que a biodiversidade vai tornando-se um tema estratégico
para a Amazônia, verificam-se alguns reflexos na região, ainda que de forma
tênue, do debate que hoje se trava internacionalmente a esse respeito.
A diferença de abordagens que se irá desenvolver com respeito à
biodiversidade amazônica deve ser, por sua vez, compreendida num
contexto mais amplo em que se confrontam igualmente distintas
perspectivas sobre o que seria um padrão desejável de desenvolvimento
para a região, sob as diferentes óticas dos atores que nela intervêm. Uma
visão abrangente, apesar de esquemática, a esse respeito é dada por Viola
(1995), o qual identifica um amplo expectro de posições, nos âmbitos do
governo e da sociedade, sobre o que deveria constituir uma política para a
204
Amazônia. Esse expectro inclui desde aqueles que se colocam
favoravelmente à continuidade dos padrões desenvolvimentistas
hegemônicos a partir dos anos 60, até os que se alinham a uma orientação
eminentemente preservacionista, tal como sintetizado no quadro abaixo.
Quadro 3
Diferentes posições com relação a uma política para a Amazônia
de acordo com Viola (1995)
Nacionalistas-conservadores
Favoráveis à continuidade da política desenvolvimentista estabelecida na
Amazônia na década de 1960 (migrações, grandes projetos, exploração generalizada
dos recursos naturais).
Minoritários nas Forças Armadas e na burocracia civil. Fortes no setor menos
eficiente e internacionalizado do empresariado e nas elites urbanas da Amazônia.
Nacionalistas-progressistas-sustentabilistas
Favoráveis à contenção das atividades econômicas em larga escala e apoio a
atividades extrativistas em pequena escala, promovidas pelos “povos da floresta”,
com preservação de substancial parcela da natureza. Forte intervenção do Estado.
Minoritários na burocracia civil e militar e nos partidos de esquerda. Fortes
nos segmentos ambientalistas.
Globalistas-conservadores
Favoráveis a um estímulo indiscriminado a investimentos estrangeiros na
exploração dos recursos naturais amazônicos (incluindo o uso direito da
biodiversidade), com alguma preocupação ambiental. Moderada intervenção do
Estado.
Minoritários na burocracia civil e militar. Fortes nos setores mais
internacionalizados do empresariado e nos segmentos mais modernos de partidos
políticos conservadores.
Globalistas-progressistas
Favoráveis à rápida exploração dos recursos naturais amazônicos, mas com
forte intervenção do Estado Nacional.
Fortes na burocracia civil e crescentes nas Forças Armadas, nas camadas
médias urbanas do Sul-Sudeste e em partidos políticos progressistas.
205
Globalistas-conservadores-sustentabilistas
Favoráveis à preservação total de vasta parcela da Amazônia, através de
unidades de conservação e do controle populacional na região.
Pouco expressivos de modo geral. Fortes em setor internacionalizado do
movimento ambientalista.
Globalistas-progressistas-sustentabilistas
Favoráveis a uma combinação de preservação e desenvolvimento sustentável,
com alta tecnologia para a Amazônia. Intervenção estratégica do Estado Nacional,
complementada com setores sustentabilistas no mercado mundial: na proteção do
meio ambiente e uso sustentável dos recursos naturais amazônicos; no
desenvolvimento científico-tecnológico regional e associação a setores produtivos
intensivos em informação; e no desenvolvimento social.
Expressivos nas áreas de ciência e tecnologia, meio ambiente e assuntos
estratégicos do aparato estatal, no setor ambientalizado do empresariado, no setor
mais profissionalizado das ONGs e com alguma expressão em partidos progressistas.
Apesar de procurar identificar os segmentos que melhor expressam
essas posições, Viola alerta para o fato de que, na verdade, tais correntes de
opinião “cortam as instituições de um modo muito complexo”, estando
várias delas simultaneamente representadas em um mesmo segmento ou
instituição.
O debate sobre biodiversidade na Amazônia guarda algumas interfaces
com esse quadro mais geral, como se verificará adiante, ainda que não se
possa, nem se deva, proceder a uma simples transposição desses pontos de
vista gerais para o caso específico da biodiversidade.
Na pesquisa realizada, verificou-se que a discussão a respeito da
biodiversidade na Amazônia vem ocorrendo em torno de dois grandes
eixos: (1) os conflitos e alternativas em torno da conservação e do uso
sustentável da biodiversidade e (2) o controle sobre o acesso à informação
estratégica associada à biodiversidade amazônica. As diferentes perspectivas
identificadas a esse respeito perpassam os vários grupos sociais/políticos/
econômicos atuantes ou com interesses na região, não se podendo associálas unicamente a determinados atores específicos.
206
Da Preservação ao uso Sustentável
Conservação da Biodiversidade: Novos Paradigmas
O tema da conservação ocupa ainda o centro das atenções daqueles
que se debruçam sobre a problemática da biodiversidade na Amazônia,
diante das pressões e ameaças advindas do predomínio de formas
ambientalmente predatórias de exploração dos recursos naturais da região.
No planejamento em conservação, mantém-se dominante o
paradigma da conservação in situ das espécies florestais, principalmente as
arbóreas (que, além de serem as mais características desses ecossistemas,
geralmente apresentam maior diversidade genética), através do
estabelecimento de áreas protegidas.
Ao mesmo tempo, há consenso também quanto à importância da
conservação ex situ de amostras da biodiversidade da região, indicando-se
a necessidade de estratégias mais eficazes com esse objetivo. A conservação
ex situ enfrenta no país, de modo geral, problemas como: a sub-representação
de espécies e variedades nativas; a descontinuidade das coleções por falta
de recursos; e a não utilização do material conservado ex situ (FUNBIO,
1996). No caso das espécies florestais, são poucas as atualmente conservadas
ex situ em condições consideradas adequadas, sendo a maior parte de árvores
cultivadas em sistemas de produção florestal ou agrícola, devido inclusive a
limitações técnicas e aos elevados custos envolvidos no armazenamento ex
situ de sementes.
Duas questões, hoje em pauta, constituem de certa forma novidades
do ponto de vista das tradicionais abordagens de conservação florestal: a
preocupação com a conservação da diversidade genética e a incorporação
do uso sustentável no âmbito das estratégias de conservação.
A preocupação com respeito a uma ampla representação de espécies
no contexto genético torna ainda mais complexo o delineamento de um
sistema ótimo de unidades de conservação, em especial no que se refere à
207
delimitação dessas áreas, de modo a viabilizar a perpetuação e a diversidade
interna de populações de plantas e animais. Estimativas indicam que, para
manter a variabilidade genética dentro de e entre populações, são requeridas
áreas de conservação in situ cerca de dez vezes maiores do que as necessárias
para a simples conservação de espécies e ecossistemas (Pérez, 1996).
Respondendo a esse novo enfoque, sugere-se o estabelecimento de
faixas amplas e contínuas de áreas protegidas, onde estejam representados
diferentes níveis de organização genética e que permitam o fluxo de genes,
tal como hoje proposto na forma dos “corredores ecológicos”, de início
batizados de corredores biológicos (Box 16).
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Box 16
Box 16
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No Brasil, a idéia de corredores ecológicos começou a ser discutida em
fins da década de 1970, então sob a proposta de “cinturões verdes”, mas irá
projetar-se apenas na segunda metade da década de 1990, em face do
reconhecimento da importância de conservação da diversidade genética.
Com essa proposta, busca-se superar a concepção de ilhas de conservação,
através do estabelecimento de faixas contínuas, definidas a partir da sua
importância do ponto de vista da biodiversidade, de modo a possibilitar
trocas gênicas entre populações. Só na Amazônia, já foram identificados
cinco corredores ecológicos que, junto aos dois corredores também
identificados na Mata Atlântica, representam cerca de 25% das florestas
tropicais úmidas do Brasil e, estima-se, poderão proteger pelo menos 75%
de espécies animais e vegetais nelas existentes (Ayres et al., 1996).
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Existe hoje uma disputa política sobre a quem caberá o gerenciamento dessas
áreas, tendendo-se para a idéia do estabelecimento de parcerias entre os
diferentes atores envolvidos: governos estaduais, ONGs, governo federal
através do IBAMA e proprietários privados (através do estímulo a RPPNs).
Há também divergências de caráter mais científico, por exemplo, sobre se
a localização desses corredores. No caso da Amazônia, deve ser no sentido
oeste-leste, tal como na proposta atual, ou no sentido norte-sul, devido às
variações climáticas.
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CORREDORES ECOLÓGICOS
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208
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Por outro lado, a ótica da conservação stricto sensu vem cedendo espaço
ou demonstrando-se indissociável da questão do uso sustentável dos
recursos genéticos e biológicos amazônicos. Esse relativo deslocamento
do eixo da abordagem da problemática da biodiversidade na Amazônia, de
algum modo acompanhando uma tendência verificada internacionalmente
e expressa na Convenção sobre Diversidade Biológica, vem, no entanto,
dividindo opiniões.
Para alguns, é visto positivamente, como uma sinalização da
possibilidade de alternativas de conservação da diversidade biológica no
âmbito de uma estratégia mais ampla de desenvolvimento sustentável para
a Amazônia. Sob essa ótica, ainda, considera-se que associar conservação
ao uso sustentável constitui a forma mais eficaz de garantir proteção à
biodiversidade em áreas que, do contrário, tornam-se mais vulneráveis a
práticas predatórias de exploração econômica de seus recursos naturais.
Outros vêem com maior reserva essa tendência a privilegiar o uso
sustentável, por dois grandes motivos: diante do desconhecimento dos
possíveis impactos de longo prazo, sobre a biodiversidade amazônica,
causados pelo uso intensivo de determinadas espécies; e, ainda, ante a crença
na importância de se resguardarem certos espaços relativamente
“intocados”, excetuando-se, em alguns casos, práticas de subsistência de
baixo impacto desenvolvidas por populações locais.
De modo geral, persistem sérias dúvidas sobre como determinar o
equilíbrio entre conservação e conversão dos ecossistemas florestais, ou
entre reserva e produção, ou ainda entre práticas de manejo florestal e
agrícola, a partir de princípios e critérios ecológicos e genéticos. As opiniões
convergem cada vez mais para o reconhecimento da necessidade de
articulação entre a criação de espaços de conservação e o incentivo a práticas
sustentáveis, incluindo a agricultura familiar e sustentável, ao mesmo tempo
em que promovendo a investigação sobre as novas possibilidades abertas
pelas tecnologias avançadas.
Torna-se, também, cada vez mais evidente a necessidade de uma
abordagem abrangente e integrada da conservação da biodiversidade
209
florestal, que contemple: (a) a complementaridade de ações de conservação
no interior e fora dos sistemas de unidades de conservação, particularmente
no seu entorno (buffer zones); (b) a presença e a participação de populações
nessas áreas (embora não-consensual, esse ponto de vista é cada vez mais
dominante) e (c) a parceria entre os diferentes agentes —- públicos, privados
e não-governamentais.
A questão do uso sustentável da biodiversidade será retomada mais
adiante. Antes, porém, discutem-se as opiniões existentes sobre as
possibilidades e as estratégias de convivência entre conservação da
biodiversidade amazônica e atividades de exploração econômica de recursos
naturais da região, que são hoje realizadas de forma predatória ao meio
ambiente.
Ainda um Padrão Predatório
Além de rica fauna e flora, a Amazônia possui também ampla
diversidade de substrato geológico, solos, climas e a maior bacia hidrográfica
do mundo. No entanto, é amplamente reconhecido o fato de que o padrão
até hoje dominante de exploração econômica dos recursos naturais da
Amazônia constitui uma forte ameaça ao equilíbrio do meio ambiente e à
conservação da biodiversidade, além de desfavorável ao desenvolvimento
socioeconômico regional. Esse padrão tem implicado ainda o
aprofundamento do processo de extermínio e marginalização das
populações indígenas remanescentes, a aceleração da urbanização
desordenada (hoje mais da metade da população amazônica vive em cidades)
e a concentração fundiária naquela área.
Vale lembrar que, nas décadas de 1960-70, a Amazônia foi
transformada em território para os chamados “grandes projetos”: projetos
de mineração em larga escala, particularmente de ferro, cassiterita e bauxita;
implantação de grandes usinas hidrelétricas; realização de grandes obras de
infra-estrutura e construção de rodovias; exploração do carvão vegetal e
celulose; expansão da exploração madeireira; projetos agropecuários e pólo
210
de indústrias eletro-eletrônicas (Zona Franca de Manaus). Esse processo
foi parte integrante de uma dinâmica mais ampla de acumulação e expansão
de capitais e de integração do país à economia mundial, inserindo-se ainda
em uma estratégia geopolítica e militar de ocupação do território brasileiro.
Fato é que houve então uma mudança no eixo de apropriação dos
recursos naturais amazônicos, que até então baseava-se essencialmente em
atividades extrativistas e mercantis: a partir daí, como ressaltado por Fatheuer
(1994:30), o que contaria para todos os principais envolvidos não seriam as
árvores, “mas a terra — e esta sem árvores”, valendo mais a floresta
queimada ou derrubada do que a floresta em pé — e, dentro desse espírito,
foram concedidos pelo governo brasileiro, somente para a expansão da
fronteira agropecuária, cerca de US$ 2,5 bilhões em subsídios, até o final
dos anos 80109. Nesse contexto, como bem observou Laymert G. dos Santos
(1994:138), “...o próprio ato de queimar tornou-se uma operação de
realização de valor!”.
O baixo preço da terra, a abundância de recursos naturais e os
incentivos governamentais atraíram para a região não só investidores
estrangeiros, mas também colonos de todas as partes do país: pecuaristas
do Centro-Oeste, madeireiros do Sul, sem-terra do Nordeste e garimpeiros
de origens diversas.
A cobertura vegetal e os solos foram os componentes dos
ecossistemas amazônicos mais agredidos por esse modelo de
desenvolvimento, sendo um dos impactos ambientais de maior visibilidade,
inclusive no plano internacional, as altas taxas de desmatamento e suas
repercussões sobre o declínio da biodiversidade110. Há divergências quanto
à extensão atual do desmatamento na Amazônia, variando as estimativas
entre 8% e 20% da área total da região (a maior parte converge para um
109
A concessão de incentivos fiscais para a pecuária regional foi suspensa em junho de 1991.
110
Dentre as principais causas do desmatamento na Amazônia apontam-se: a implantação de pastagens,
a construção de barragens, a exploração madeireira, as plantações de florestas homogêneas, os grandes
projetos agrícolas e industriais, além de outras mais indiretas, como a abertura de estradas, incentivos
fiscais, estrutura de mercados etc.
211
cálculo de 12%-13% de desmatamento); há no entanto concordância quanto
ao ritmo acelerado com que esse processo ainda vem ocorrendo111.
Agropecuária, geração de energia, mineração e exploração madeireira,
apoiadas na abertura de rodovias, estão dentre as atividades consideradas
de maior impacto ambiental. Foram levantadas opiniões relativamente aos
impactos de algumas dessas atividades, do ponto de vista da conservação
da biodiversidade amazônica.
Mineração
A mineração já foi muito mais visada e responsabilizada pela
degradação ambiental da Amazônia do que é hoje. Atualmente, considerase que o impacto direto da atividade mineral, pelo menos aquela que é
realizada por empresas de mineração formalmente estabelecidas, ainda que
devastador, é restrito e pontual em termos de área explorada.
Acredita-se que os empreendimentos minerais estejam sendo também,
cada vez mais, compelidos a absorverem a variável ambiental, devido aos
seguintes fatores: (a) boa parte da sua produção é orientada para o mercado
externo, que é mais sensível a preocupações com o meio ambiente; (b) uma
parcela significativa de seus recursos financeiros provém de empréstimos
externos de bancos bilaterais ou multilaterais, cujas exigências de caráter
ambiental são crescentes; (c ) existe uma legislação nacional cada vez mais
rigorosa para o controle sobre essas atividades (por exemplo, a determinação
legal de que se promova a reconstituição da cobertura florestal nas áreas
submetidas à exploração mineral), embora haja dúvidas sobre a qualidade e
a eficácia desses instrumentos e medidas.
Muitos ambientalistas já consideram a mineração uma exploração
aceitável, ou pelo menos inevitável, na Amazônia, considerando a renda
111
Dados do governo indicaram um crescimento da taxa de desmatamento anual da floresta amazônica
de 0,3% para 0,4% no período de 1992-1994. Atualmente, uma das áreas mais críticas é o sul da
Amazônia, passando por Rondônia, Mato Grosso, sul do Pará, até o Maranhão, submetida a uma
irrefreável pressão do avanço da fronteira agropecuária.
212
por ela gerada; e menos maléfica para o meio ambiente amazônico do que,
por exemplo, a pecuária e a indústria madeireira da forma como são hoje
praticadas.
A Amazônia detém uma extraordinária riqueza mineral, respondendo
pela terceira maior produção mineral do país. Possui reservas significativas
de ferro, bauxita, ouro, cassiterita, caulim e manganês, além de outros
minerais metálicos, como cobre, cromo, níquel, titânio, terras-raras; de nãometálicos, como cristal de rocha, salgema, potássio; e também de diamantes,
ametistas e outras pedras semipreciosas. Alguns desses, como o titânio, a
tantalita, o ítrio, o zircônio e o tungstênio, são de grande importância na
produção dos chamados “novos materiais”, cada vez mais estratégicos no
atual paradigma técnico-produtivo (Fernandes & Portela, 1991).
Isso não significa, no entanto, que não haja restrições em relação à
atividade mineral na Amazônia: persistem fortes críticas sobre o pequeno
retorno socioeconômico gerado por essa atividade para a região, bem como
em relação aos impactos diretos e indiretos da mineração sobre o meio
ambiente, ao servir de atrativo para novos migrantes, provocando queimadas,
promovendo a intensificação da pecuária, demandando grandes obras de
infra-estrutura, entre outros. A relação entre exploração mineral e questão
indígena na Amazônia é também considerada problemática, já que muitas
áreas indígenas contêm grandes riquezas minerais, tornando-se alvos de
cobiça e disputa por suas jazidas de minérios.
Por esses motivos, alguns continuam avaliando que os ganhos
econômicos obtidos a partir da mineração, do ponto de vista dos interesses
da região e mesmo do país, não justificam os impactos ambientais causados
por essa atividade, sendo preferível manter as reservas minerais inexploradas
e apostar em outros recursos naturais, especialmente a própria
biodiversidade.
A atividade garimpeira, por sua vez, que envolve de forma direta
cerca de 350.000 pessoas e indireta de 600.000 a 1.000.000 de pessoas, é
amplamente rejeitada, por ser considerada bastante nociva ao meio ambiente
amazônico e à sua biodiversidade, ainda que não tenha sido mensurada de
213
maneira científica a real extensão de seus impactos. Um dos grandes
problemas ambientais causados pelo garimpo é o uso do mercúrio na
concentração de ouro através da amalgamação, estimando-se que cerca de
300 toneladas dessa substância são anualmente lançadas na região amazônica
por essa atividade. E, diferentemente dos ecossistemas temperados, onde
o mercúrio é imobilizado nos solos, na Amazônia o principal destino do
mercúrio é a atmosfera e, em segundo lugar, os ambientes aquáticos (Lacerda
& Salomons, 1992). Desse modo o garimpo é considerado uma séria ameaça
à biodiversidade aquática da região.
Exploração madeireira
A atividade madeireira, ao mesmo tempo que promete ser uma das
atividades economicamente mais dinâmicas da Amazônia (Box 17), é hoje
apontada como a mais grave ameaça aos ecossistemas da região e à sua
biodiversidade em particular, nos próximos anos, tanto em termos de área
afetada — nas palavras de Leroy e Fatheuer (1996:5), “a fronteira madeireira
está ocupando o lugar da fronteira agrícola” — quanto pela padrão
predatório que se está imprimindo a essa atividade.
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EXPLORAÇÃO MADEIREIRA NA AMAZÔNIA
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Calcula-se que existam na Amazônia pelo menos 60 bilhões de metros
cúbicos de madeira em tora de valor comercial, que podem chegar a R$ 4
trilhões de madeira serrada. Iniciada comercialmente há três séculos, mas
sem grande expressão até fins da década de 1960, a recente e rápida expansão
da exploração madeireira na região é atribuída a um conjunto diverso de
fatores, tais como: a abertura de novas vias de acesso na Amazônia nos
anos 60 e 70; o esgotamento dos estoques madeireiros do sul do país; a
expansão econômica verificada no período e ainda o baixo custo da madeira
amazônica.
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Já no início dos anos 90, a Amazônia passou à liderança da produção no
país, respondendo hoje por cerca de 80% da madeira por nós consumida
internamente (o Brasil é um dos maiores consumidores de madeira tropical
do mundo). E pode tornar-se a liderança mundial, já que sua participação
no comércio global de madeiras tropicais, que hoje é de apenas 4% desse
mercado, tende a crescer diante da exaustão dos estoques madeireiros
asiáticos e do conseqüente aumento da demanda internacional sobre a região
amazônica. Caso estejam corretas projeções que apontam para um
crescimento do setor madeireiro em mais de 10% anuais, essa atividade
poderá tornar-se a principal forma de exploração econômica da terra na
Amazônia. E a maior parte produzida no Estado do Pará, onde a renda
bruta gerada pelo setor madeireiro (0,8 bilhão de dólares em 1993) perde
apenas para a mineração (1,3 bilhão de dólares), e só de empregos diretos
gera cerca de 50 mil. (Barros & Veríssimo, 1996; Uhl et al., 1996).
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Como ressaltado por Barros & Veríssimo (1996), a exploração
madeireira na Amazônia é geralmente intensiva e não seletiva, não havendo
qualquer preocupação com o tempo de reposição do que foi retirado, o
que poderá levar à drástica redução dos estoques madeireiros da floresta e
à diminuição da sua variabilidade genética. O setor madeireiro tem também
impactos indiretos significativos sobre o avanço do desflorestamento,
facilitando a entrada de outros agentes predatórios, a invasão de terras
indígenas, a extração ilegal em unidades de conservação e a maior
vulnerabilidade a incêndios. Estimativas do IMAZON indicam que cerca
de dez mil quilômetros quadrados são anualmente afetados pela exploração
madeireira na Amazônia, calculando-se que, para cada árvore cortada, outras
30 são danificadas112. Ainda que as alterações daí causadas sejam parciais,
acredita-se que elas afetam a biodiversidade de toda a floresta. Seus impactos
são ainda mais significativos sobre aquelas espécies mais intensivamente
extraídas, como é o caso do mogno, que sofrem assim acentuada erosão
genética.
112
Esses números são naturalmente contestados por madeireiros, como Gasparetto (1996), o qual
sustenta que usualmente apenas 8 a 10 árvores são abatidas por hectare, ou seja, 2 a 2,5% de sua
população, sendo mais 2 a 3% sacrificadas pela abertura de estradas de acesso temporário, mas que,
segundo seus cálculos, são regeneradas naturalmente após seis a oito meses.
215
Uma alternativa que vem cada vez mais ganhando espaço é a de
tornar a exploração madeireira mais sustentável, garantindo que todas as
áreas exploradas sejam mantidas na forma de florestas, de modo a possibilitar
sua regeneração, ainda que com mudanças em sua composição. Sugeremse como principais medidas nesse sentido: a adoção de práticas adequadas
de manejo; o estabelecimento de um sistema de certificação da origem da
madeira, induzindo uma mudança a partir do próprio mercado, que passaria
a exigir que os produtos florestais fossem originários de um manejo
sustentável; o zoneamento florestal; a simplificação da legislação113 e o
monitoramento e controle do setor madeireiro. Avalia-se que o manejo
sustentável da madeira teria condições de ser implementado em um prazo
de dez anos, através da introdução gradual de técnicas de exploração de
baixo impacto, que reduziriam à metade os danos ambientais sem serem
economicamente proibitivas (IMAZON, 1996).
Acredita-se, ainda, que esse conjunto de medidas promoveria também
uma elevação do preço da matéria-prima extraída através de práticas
predatórias, contribuindo assim para desestimulá-las e para tornar a
exploração de madeira manejada mais atraente do que o desmatamento.
Outros consideram, no entanto, que essas medidas só se justificam
sob um ponto de vista pragmático, dada a impossibilidade de simplesmente
proibir-se a exploração madeireira na Amazônia, sendo portanto necessários
esforços para minimizar seus impactos ambientais, sem com isso significar
que se deva incorporar ou incentivar o setor madeireiro em uma estratégia
de desenvolvimento sustentável para a região.
Por outro lado, no quadro atual, o manejo sustentável das florestas
naturais está longe de tornar-se uma realidade (calcula-se que hoje é praticado
em menos de 3% da madeira explorada), em razão de sua baixa lucratividade
comparativamente à exploração predatória, a qual vale-se dos baixos custos
da madeira de origem clandestina. A expectativa predominante é portanto
113
Veríssimo e Amaral (1996:12) sugerem uma lei “5/30/5”: “O ‘5’ inicial refere-se ao número de
árvores que poderiam ser extraídas por hectare; o ‘30’ ao tempo mínimo em anos para os ciclos de
corte; e o último ‘5’ se refere à largura do aceiro, que deve ser mantido em volta das áreas exploradas,
durante a primeira década após a exploração, para evitar incêndios no sub-bosque”.
216
a de que a exploração predatória da madeira na Amazônia será intensificada
nos próximos anos, especialmente com a globalização do uso direto da
madeira da floresta e com a vinda das madeireiras asiáticas, as quais detêm
um volume muito maior de capital e uma atitude empresarial mais agressiva
do que as similares nacionais.
Agropecuária
A agropecuária foi, e ainda é, muito responsabilizada pelos altos
índices de desmatamento da Amazônia, em razão do uso
predominantemente extensivo da terra, com pouca produtividade e alto
impacto ambiental, além de ser criticada por estar ligada à especulação de
terras na região. Apresentada como alternativa para o desenvolvimento
econômico e a ocupação territorial da Amazônia nos anos 70 e 80, a
agropecuária beneficiou-se de elevados subsídios creditícios e incentivos
fiscais. Estimativas de 1985 assinalaram que os empreendimentos
agropecuários em unidades produtivas de pequeno porte foram responsáveis
por cerca de 30% do desmatamento da Amazônia nos últimos anos,
demonstrando assim que o desmatamento não é provocado apenas pelos
grandes empreendimentos agropecuários (GTA, 1996).
No caso específico da agricultura, e apesar da baixa fertilidade dos
solos amazônicos, sugere-se que um modelo mais sustentável para seu
desenvolvimento na região poderia ser construído através de cultivos perenes
de elevado valor comercial (IMAZON, 1996).
Já a pecuária é majoritariamente rejeitada pelos que se preocupam
com a questão ambiental como uma alternativa econômica a ser considerada
para a região, embora alguns considerem que, mesmo sem os incentivos
governamentais, essa atividade estabeleceu-se definitivamente na Amazônia,
sugerindo-se a pecuária intensiva (reduzida a áreas restritas e já devastadas),
como alternativa para um modelo menos predatório para a realização dessas
atividades (GTA, 1996; IMAZON, 1996).
217
Energia
A Amazônia detém 45% do potencial de geração de energia
hidrelétrica do país (a energia de origem hidráulica, por sua vez, é responsável
pela quase totalidade da geração de eletricidade, respondendo por cerca de
35% da matriz energética brasileira). O potencial hidrelétrico brasileiro
coloca o país em posição de vantagem seja em termos de fornecimento
energético, seja quanto aos impactos sobre o efeito estufa114. No entanto, o
modelo de aproveitamento da energia hidráulica da região por meio de
grandes barragens é fortemente criticado por seus impactos socioambientais,
inundando grandes áreas e deslocando populações locais, além de ter-se
comprovado tecnicamente desastroso.
A energia da biomassa, por sua vez, vem sendo apontada como uma
das mais promissoras fontes energéticas do futuro. Estima-se que a floresta
amazônica produza uma biomassa total entre 400 e 500 toneladas por
hectare, a qual, por sua vez, é a principal depositária dos nutrientes do
ecossistema florestal, representando portanto uma alternativa
potencialmente harmônica com a conservação da biodiversidade, desde
que explorada em bases sustentáveis.
Apesar dos evidentes impactos ambientais desse conjunto de
empreendimentos econômicos, observa-se que é ainda predominante e
influente o discurso — no âmbito das elites regionais — de que a política
conservacionista, especialmente o estabelecimento de unidades de
conservação e de reservas indígenas, é contrária ao desenvolvimento da
Amazônia e ao aproveitamento econômico de seus recursos naturais (dentre
os quais hoje se inclui o aproveitamento da própria biodiversidade!).
Estabelece-se assim um ponto de conflito entre esses segmentos e os setores
que se preocupam com a conservação da biodiversidade da região.
Por outro lado, mesmo entre os ambientalistas, impõe-se cada vez
mais o reconhecimento de que não se pode simplesmente descartar essas
114
Enquanto que, no mundo, 60% a 70% das emissões de carbono para a atmosfera se devem à
produção de energia, no Brasil, esse índice é de cerca de 20%, e, graças ao peso da hidreletricidade,
apenas 5% da geração elétrica emitem CO2 no Brasil (nos Estados Unidos, essa participação chega
a 75%) (Benjamin, 1993).
218
atividades, seja pelo seu elevado potencial econômico, seja porque já se
consolidaram como formas de uso e ocupação do território na região.
Caberia então buscar a melhor maneira de inseri-las em uma estratégia de
desenvolvimento sustentável para a Amazônia.
Existem, por outro lado, diferentes avaliações sobre as possibilidades
e os meios de torná-las compatíveis com a proteção e o aproveitamento
não-predatório da biodiversidade. Alguns acreditam que muitas dessas
atividades podem ser ao mesmo tempo lucrativas e ambientalmente
sustentáveis, desde que praticadas em sistemas de uso intensivo e de manejo
sustentável, de modo a preservar a cobertura florestal. Nem todos estão de
acordo, no entanto, que o manejo sustentável seja condição suficiente para
impedir a perda de importantes variedades de espécies e de genes presentes
nos ecossistemas florestais.
Em face das atuais e potenciais implicações negativas, do ponto de
vista do meio ambiente amazônico, das atividades econômicas acima
elencadas, muitos acreditam que a alternativa mais adequada para a região
é apostar no uso sustentável de seus recursos biológicos e genéticos.
Uso Sustentável: Ainda uma Interrogação
O debate em torno do uso sustentável da biodiversidade florestal
encontra-se ainda em uma etapa bastante embrionária. Na Amazônia,
persistem grandes dúvidas e controvérsias a esse respeito, seja pelo
desconhecimento de seus impactos sobre a conservação da biodiversidade,
seja pelas dificuldades até então enfrentadas para tornar esse uso
economicamente viável.
Três grandes conjuntos de opiniões sobre esse tema foram
identificados. Alguns consideram que, sob a ótica capitalista convencional,
o retorno econômico que os recursos associados à biodiversidade podem
hoje proporcionar, se comparado com os ganhos advindos de outras
atividades, como por exemplo a exploração mineral, é ainda baixo, incluindo
a própria exploração madeireira. Outros acreditam que o aproveitamento
econômico da biodiversidade amazônica pode gerar igual ou maior valor
219
do que formas mais predatórias de exploração dos recursos naturais
amazônicos, com a vantagem de não causar desmatamento. Um terceiro
grupo de opiniões teme pelos impactos sobre a biodiversidade, causados
pela utilização de recursos biológicos e genéticos com fins comerciais, ao
menos no atual estágio técnico-científico, pautado pelo amplo
desconhecimento das condições ambientais regionais.
Há consenso, entretanto, de que tanto os atores públicos quanto os
privados demonstram ainda pouca disposição para arcar com os riscos e
incertezas de se investir em uma área ainda pouco conhecida e explorada,
como a do aproveitamento econômico, em bases sustentáveis, dos recursos
biológicos e genéticos. Os custos e investimentos aí envolvidos não são
nada desprezíveis, particularmente diante das exigências hoje colocadas
para se abrirem espaços em mercados cada vez mais restritos e globalizados.
Por outro lado, as possibilidades de um aproveitamento econômico
dos recursos da biodiversidade vêm-se ampliando. Enquanto que a
silvicultura “científica”, hegemônica desde o século XVIII, privilegiou
basicamente a exploração de produtos madeireiros, a chamada “nova
silvicultura” tende a revalorizar uma abordagem mais integrada e
diversificada do manejo dos ecossistemas florestais e do uso de seus recursos,
tal como nos regimes de manejo mais tradicionais, que estiveram orientados
para um amplo e diversificado leque de produtos primários.
Estão hoje em pauta três grandes alternativas de uso sustentável da
biodiversidade amazônica:
1. o extrativismo vegetal e a pesca (de subsistência ou com fins
comerciais);
2. a transformação industrial local de recursos biológicos; e
3. o aproveitamento de recursos biogenéticos por meio de
biotecnologias avançadas e da engenharia genética.
Essas alternativas, por sua vez, podem ser implementadas de modo
tanto a representar uma consolidação da biodiversidade como meio de
sustentação econômica da região, quanto a promover sua apropriação por
agentes econômicos externos.
220
O extrativismo vegetal não-madeireiro115 com fins comerciais enfrenta
grandes dificuldades para garantir sua sobrevivência econômica, além de
levantar dúvidas, entre os ambientalistas mais puros, quanto a seus impactos
sobre o meio ambiente, ou sobre as espécies exploradas.
Em contrapartida, seus partidários apresentam alguns argumentos
em seu favor, tendo como principal referência a experiência das reservas
extrativistas (Box 18).
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Box1818
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O conceito de reservas extrativistas surge nos anos 80, a partir de um
movimento de seringueiros no Acre, visando garantir o direito à terra de
populações locais que sobrevivem da exploração de recursos florestais, a
princípio não-madeireiros, dentre os quais destacam-se a borracha e a
castanha-do-pará. Em julho de 1987, através de portaria do Incra, cria-se a
figura de “assentamento extrativista”. Em 1989, as reservas extrativistas
(resex) passam a ser consideradas unidades especiais de conservação, como
áreas públicas sob administração do IBAMA, mas com usufruto por tempo
indeterminado dos ocupantes da área, que devem apresentar um plano de
manejo para sua exploração sustentável. Até 1996, 2,5 milhões de hectares
haviam sido designados, pelo governo brasileiro, reservas extrativistas na
Amazônia, passando a ser por muitos consideradas como um novo
paradigma de desenvolvimento para a região.
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RESERVAS EXTRATIVISTAS
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Muitos pontos polêmicos permanecem, no entanto, a respeito dessas
experiências, particularmente quanto a: sua viabilidade econômica (falta
de competitividade e forte dependência de subsídios); difícil situação
socioeconômica dos moradores dessas áreas e sua sustentabilidade ecológica
(impactos sobre o recurso explorado, devido à coleta excessiva de frutos e
sementes).
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Anderson (1995) lembra a distinção entre o extrativismo vegetal “por aniquilamento ou depredação”
da planta, como no caso da extração madeireira e do palmito; e o extrativismo “de coleta” de
produtos não madeireiros, como os frutos da castanha-do-Pará e o látex da seringueira.
221
Um argumento é o de que não se pode esperar que essas práticas
irão gerar a mesma quantidade de renda que, por exemplo, a mineração;
mas, por outro lado, elas estão associadas à lógica de manter a floresta em
pé, de viver dos seus frutos e de esses frutos serem distribuídos de uma
forma comunitária, sendo capazes de gerar renda suficiente para elevar a
qualidade de vida da população local, com o benefício, incalculável sob a
ótica estritamente econômica, de preservar a floresta. Por outro lado, outras
atividades econômicas de uso da terra, como a pecuária extensiva e a
agricultura itinerante, ainda que se apoiando fortemente em um conjunto
de políticas governamentais (de crédito, preços e infra-estrutura), não têm
apresentado retornos econômicos satisfatórios.
Outro argumento é o de que as práticas extrativistas podem ser
economicamente viáveis, desde que mantidas em intensidade e em escala
adequadas, de modo a permitir a reprodução do produto explorado.
Acredita-se ainda que é necessário e que há espaço para se promover uma
modernização do extrativismo, seja como fornecedor de matérias-primas
para a indústria de cosméticos, seja na ocupação de fatias de mercado, que,
apesar de seu potencial, vêm sendo ainda pouco exploradas, como é o caso
da própria castanha-do-pará. A diversificação das atividades econômicas
das reservas extrativistas — com agropecuária em pequena escala, sistemas
agroflorestais e até exploração madeireira através de manejo sustentável —
é também apontada como uma estratégia relevante para garantir a
sustentabilidade econômica dessas áreas, diminuindo sua dependência do
extrativismo.
O processamento industrial de produtos obtidos a partir da
biodiversidade amazônica e a sua comercialização em forma final para varejo
vêm sendo apontados como a maneira mais apropriada, a curto e médio
prazos, de lhes garantir sustentabilidade econômica.
Dentre os possíveis mercados para produtos industrializados,
baseados na diversidade biológica amazônica, Gilbert (1996) analisa três
com potencial a curto e médio prazos, excluindo-se aqueles com
possibilidades comerciais de mais longo prazo, que demandam pesquisas
222
científico-tecnológicas mais sofisticadas, envolvendo o uso de biotecnologias
de ponta e da engenharia genética.
Estimando o mercado mundial de cosméticos em algo superior a
US$ 30 bilhões, e o de matérias-primas para esse mercado em cerca de uma
décima parte desse valor, Gilbert aponta como oportunidades amazônicas
no mercado cosmético-farmacêutico: fórmula de óleo de castanha-do-pará;
óleos das polpas de frutos diversos; sabonetes finos, a partir da produção
de óleos vegetais; óleos essenciais e perfumes; pilocarpina, que, segundo
Gilbert, é talvez o único medicamento de uso aloterápico mundial que a
Amazônia oriental oferece atualmente .
O mercado de inseticidas, insetífugas e assemelhados volta a
crescer no exterior, a partir da pressão por substituição de agentes químicos
por agentes naturais, sendo seus principais fornecedores o Peru e a Costa
Rica. Dentre os produtos amazônicos que poderiam valer-se desse mercado,
Gilbert aponta: Derris, um inseticida derivado da raiz de timbó; Quassia,
um inseticida ou antifágico derivado da madeira de quina; Andiroba, um
antifágico derivado das sementes de andiroba; e Safrol, derivado das folhas
de pimenta longa.
O mercado alimentício abrange uma diversidade de classes e de
possibilidades, a maioria não explorada fora da região e não desenvolvida
industrialmente. Com potencialidade imediata, Gilbert aponta: óleos vegetais
(buriti, tucumã e pupunha); aromas e sabores, particularmente de frutas da
região ou que crescem na região; corantes, cujo mercado cresce devido à
proibição da maioria dos produtos sintéticos para uso em alimentos; chiclés;
nutrientes especiais, como o açaí; e peixe.
Por fim, a importância econômica dos recursos genéticos amazônicos,
a partir de seus usos pelas novas biotecnologias, embora seja uma questão
emergente, é ainda pouco compreendida, mensurada e principalmente
incorporada às políticas governamentais e às estratégias empresariais
direcionadas para a região. O aproveitamento da riqueza biogenética
amazônica é diretamente proporcional ao seu desconhecimento, como
demonstra a disparidade entre as estimativas a esse respeito: os cálculos
223
sobre o número de espécies de plantas amazônicas com possíveis usos
medicinais variam de 2.000 a 25.000 espécies (Aragón, 1995, apud Pérez)116.
O baixo uso da biodiversidade florestal pelas tecnologias avançadas
é creditado a um conjunto de fatores, tais como: (a) as ainda limitadas
perspectivas de retorno financeiro a curto prazo; (b) a exigência de
populações altamente domesticadas, o que geralmente não é o caso das
florestas; (c ) a existência de coleções em pequeno número e com baixa
representatividade em termos da diversidade genética da região; (d) a
escassez de recursos humanos e financeiros e de informações apropriadas
e (e) os baixos níveis de utilização de tecnologias modernas (Morales &
Valois, 1995).
Sugere-se que uma estratégia orientada para o desenvolvimento da
biotecnologia na Amazônia teria de contemplar, dentre outras medidas, a
construção de uma infra-estrutura adequada e a implementação de uma
política de fixação de recursos humanos qualificados na região, de modo a
conter a forte evasão de pessoal qualificado, seja pelos baixos salários, seja
pelas precárias condições regionais para a pesquisa científica e tecnológica.
Por outro lado, embora a riqueza biogenética amazônica seja ainda
pouco reconhecida e valorizada como recurso estratégico, no país e na
região, verifica-se uma crescente demanda externa por germoplasma
amazônico, considerando que as estimativas indicam que um em cada quatro
produtos farmacêuticos já comercializados no mundo foram produzidos a
partir de espécies vegetais de florestas tropicais, ainda que menos de um
por cento das plantas tropicais tenham tido seus possíveis usos investigados
(Myers). Esse assunto será abordado a seguir.
116
Segundo Pérez (op.cit.), apenas cinco espécies da flora amazônica teriam penetrado no mercado
mundial, enquanto que, atualmente, no mundo, são utilizadas cerca de 1.100 plantas medicinais. O
autor relativiza o potencial farmacológico da flora amazônica, considerando os cálculos da indústria
farmacêutica de que a produção de substâncias com valor medicinal dá-se na proporção de 1/
10.000 sínteses e 1/125 extratos vegetais.
224
Vias de Acesso à Informação Associada à Biodiversidade
Controle do Acesso a Recursos Genéticos x Livre Acesso
Um outro tema que vem sendo objeto de crescente atenção e
polêmica, na Amazônia, refere-se ao controle sobre o acesso aos recursos
genéticos locais, embora esse assunto ainda restrinja-se aos círculos mais
bem informados, especialmente aqueles localizados em universidades,
centros de pesquisa e organizações não-governamentais. O tema começa
também a ocupar algum espaço na mídia local e nacional, motivando
iniciativas pontuais, pelos poderes públicos da região, no sentido de investigar
denúncias de retiradas “ilegais”, para o exterior, de material genético da
Amazônia, especialmente as motivadas por fins comerciais.
É corrente o reconhecimento da existência de práticas de
“biopirataria” na Amazônia em uma escala ascendente, mas não há dados
concretos a esse respeito. Identificam-se como principais “vias de saída”
de material genético da região:
a) expedições promovidas por grupos científicos ou empresariais do
exterior, diretamente orientadas para atividades de bioprospecção, dada a
dificuldade de controle sobre tais atividades;
b) o ecoturismo, onde freqüentemente se observa a presença de
pesquisadores estrangeiros em atividades de coleta de amostras de plantas,
solos etc.;
c) atividades de organizações não-governamentais que, em contato
direto com comunidades locais e tradicionais, e sob o pretexto de lhes
prestar auxílio técnico ou financeiro, muitas vezes utilizam essas populações
para a identificação e coleta de material genético; e
d) instituições nacionais de pesquisa localizadas na Amazônia, seja
pela ausência de controle sobre o que se pratica no âmbito de acordos de
cooperação internacional, seja pelo suporte fornecido por alguns de seus
225
pesquisadores individualmente a atividades de retirada de material biológico
para fora do país, dadas as suas escassas condições de pesquisa locais.
Nesse sentido, indica-se a necessidade de que seja exercido um
controle efetivo sobre o acesso aos recursos genéticos amazônicos. Avaliase que os recursos financeiros arrecadados como compensação pelo uso
de material genético da região não serão elevados; acredita-se, no entanto,
que a existência, no país, de um instrumento regulador do acesso a esse
material propiciará um espírito de maior compromisso com os interesses
amazônicos, daqueles que pretendem coletar e utilizar amostras da sua
biodiversidade. Além disso, espera-se que a existência de um fundo para
gerir esses recursos contribua para motivar uma discussão de políticas e
prioridades para sua aplicação na Amazônia.
Ao mesmo tempo, existe, por parte de alguns segmentos, a
preocupação de que não se estabeleçam procedimentos excessivamente
burocráticos na regulação do acesso a esses recursos, manifestando-se
também opiniões favoráveis a um tratamento diferenciado para atividades
de bioprospecção com finalidades puramente científicas, daquelas com fins
comerciais.
Na prática, começam a se estabelecer negociações entre empresas
estrangeiras, atuantes em biotecnologia e áreas afins, e populações indígenas
na Amazônia, visando ao aproveitamento econômico de plantas,
especialmente nas áreas de fármacos e cosméticos. Essas experiências, no
entanto, ainda que em alguns casos sejam consideradas um avanço, estão
longe de serem avaliadas como um saldo de fato positivo, do ponto de vista
dos interesses das comunidades tradicionais e mesmo do país (Box 19).
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ACORDOS COMERCIAIS SOBRE BIODIVERSIDADE NA AMAZÔNIA
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a) O acordo entre a empresa de cosméticos norte-americana Aveda
Corporation e os índios Yawanawá e Katukin, no vale do rio Juruá, Acre,
iniciado em 1992, que, segundo os antropólogos que acompanharam o
projeto, foi favorável às comunidades indígenas envolvidas, sendo assim
descrito por Arnt (1994:14 in Anais...):
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“A empresa financiou a plantação de mudas e compra do grão de urucum
que, processado por uma empresa de São Paulo, fornece um pigmento — a
bixina — usado para fabricação do batom Uruku Lipcolor — de boa
aceitação no mercado norte-americano. Nos EUA, a publicidade
“ecologista” do produto, vendido por US$ 11,00 cada, anuncia-o como um
“batom totalmente natural da floresta tropical brasileira, livre de tingimento
sintético, fragrâncias, preservantes e produtos petroquímicos encontrados
na maioria dos batons.”.
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De acordo com informações recentes (Folha de São Paulo, 01/06/97), os
índios teriam recebido US$ 150 mil para fornecer e processar o urucum.
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Em 1994, a Aveda Corporation firmou também um acordo com a
comunidade Guarani Kaiowá, de Dourados, Mato Grosso do Sul, sobre o
acesso e confidência de informações sobre o processamento de uma tintura
extraída do araxixu (= jenipapo?), planta comum na região. Informações
recentemente divulgadas na imprensa (F.S.P., 01/06/97) davam conta de
que essa tribo teria já recebido cerca de US$ 50 mil na forma de “benefícios”,
como construção de barracos para os índios, além da plantação de 100 mil
árvores na reserva.
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b) O acordo entre a empresa de cosméticos inglesa Body Shop e a
comunidade de Kayapós de Aukre, no Pará, para venda de óleo de castanha,
para o preparo de xampus e condicionadores. Através desse acordo, os
Kayapós, ao mesmo tempo que comercializam óleo de castanha, têm acesso
a equipamentos, infra-estrutura e capacitação para essa comercialização. O
valor anual do contrato para o fornecimento da matéria-prima pelos caiapós
é de US$ 160 mil. Ainda que levantando dúvidas sobre os reais beneficiários
das relações aí estabelecidas, o acordo ainda é visto positivamente, conforme
assinalado por Arnt (1994:14):
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Os exemplos desse tipo de acordo são, em sua maioria, no entanto,
considerados negativos. Arnt cita dois.
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c) Um deles é o dos Uru-Eu-Wau-Wau, de Rondônia, que extraem do tronco
da árvore tike-úba um líquido que aparentemente possui propriedades
anticoagulantes de importância nos tratamentos cardiovasculares. A
Hoescht, seguida posteriormente da Merck e possivelmente também da
Monsanto, fez incursões (não se sabe ao certo se com êxito) para apropriarse das técnicas de processamento desse material, sem gerar qualquer
benefício para aquela população e para as instituições de pesquisa locais.
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d) Um outro caso é o da exploração, pela Merck, do jaborandi, planta a
partir da qual se produz pilocarpina, utilizada em medicamentos. O comércio
gerado a partir daí, só nos Estados Unidos, foi estimado, no ano de 1989,
em US$ 28 milhões. Existem evidências da superexploração da mão-deobra dos índios Guajajara e da exploração predatória da planta, levando
quase à extinção do jaborandi na região.
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“A empresa compra toda a produção da aldeia e paga pelo óleo quase cinco
vezes mais que o preço de mercado. Também financiou a construção de
uma pequena “fábrica” de extração e processamento, com chão de cimento
e teto de folhas de palmeira. Para a Body Shop o mais importante é o
marketing ‘politicamente correto’ que acompanha a comercialização dos
seus produtos.” (Arnt, 1994:14).
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É, por outro lado, unânime a opinião de que, em associação ao
estabelecimento de normas reguladoras do acesso aos recursos genéticos,
através de instrumentos legais, a estratégia mais eficaz para o exercício
soberano do controle sobre a biodiversidade nacional consiste: (a) em investir
em ciência e tecnologia voltada para ampliar a base de conhecimentos sobre
os recursos genéticos e biológicos da região e sobre suas possibilidades de
aproveitamento econômico e social e (b) em investir em melhorias na
qualidade de vida das populações locais, tornando-as parceiras da proteção
e valorização dos recursos naturais que as cercam117.
117
Vale citar Frederico Arruda, em entrevista: “o maior dreno, por onde estão escapando os nossos
mais importantes interesses nacionais nessa área da biodiversidade, é exatamente nossa ferida social”.
228
Do mesmo modo, é dominante o ponto de vista, seja dos que se
colocam favoravelmente a um controle amplo e rigoroso do acesso, seja
dos que preferem uma certa “flexibilização” desses procedimentos, de que
não se trata simplesmente de restringir a retirada de amostras de
biodiversidade do território nacional. As opiniões convergem para o
reconhecimento de que o Brasil deve, em contrapartida a um maior controle
sobre o acesso a seus recursos genéticos, garantir e promover o
aproveitamento desses recursos em prol não somente do desenvolvimento
nacional, mas também em benefício do conjunto da humanidade. Para isso,
reivindica-se a implementação de fato de políticas de ciência e tecnologia,
de âmbito nacional e regional amazônico, orientadas para o conhecimento
e o uso da biodiversidade, e reconhece-se a importância da associação com
empreendimentos científicos ou mesmo comerciais externos, desde que
em bases justas para o país e para as comunidades locais.
Ciência, Tecnologia e Conhecimento Tradicionais:
Chaves para o Acesso e o Controle da Biodiversidade Amazônica
Se há, portanto, um elemento de grande convergência entre aqueles
preocupados ou mais diretamente envolvidos com a questão da
biodiversidade na Amazônia, trata-se da importância da ciência e tecnologia,
em relação tanto à conservação, quanto ao uso sustentável dos recursos
genéticos e biológicos. Ciência e tecnologia são igualmente apontadas como
os meios mais eficazes de garantir soberania sobre a biodiversidade nacional
e amazônica.
Há um leque de temas que se incluem no que seria uma agenda de
pesquisa ideal para lidar com os diversos aspectos associados à problemática
da biodiversidade na Amazônia (FUNBIO, 1996), existindo consenso em
torno de alguns pontos fundamentais.
Um primeiro ponto refere-se à importância de se promover pesquisa
básica orientada para ampliar o conhecimento sobre a biodiversidade
amazônica, tanto no que diz respeito a seus diferentes componentes, quanto
229
à sua distribuição territorial, especialmente no plano genético. Isto é
considerado de suma importância para se traçar um sistema de áreas
protegidas cientificamente embasado, além de se constituir em fator
indispensável para garantir formas de uso dos recursos genéticos e biológicos
de fato sustentáveis, respeitando princípios de conservação da
biodiversidade. O próprio manejo sustentável dos recursos florestais,
incluindo a exploração madeireira, deveria, desse ponto de vista, partir de
um maior conhecimento sobre a biologia básica das espécies
individualmente.
Um segundo ponto relaciona-se ao investimento em tecnologia de
ponta: não foram encontradas vozes dissonantes, mesmo entre os
ambientalistas (pelo menos aqueles diretamente atuantes na região
amazônica), no que se refere ao papel da biotecnologia avançada e tradicional
como chave para a valorização da biodiversidade em âmbito nacional e
regional. Note-se que a temática da biossegurança não está ainda na pauta
de temas em debate ou em conflito na região.
Sugere-se que, em um primeiro momento, a agenda de pesquisas
nessa área deve estar orientada, principalmente, para a solução de problemas
concretos relacionados ao aproveitamento dos recursos biogenéticos da
Amazônia, dentro de uma perspectiva de conservação desses recursos, tais
como o controle de doenças, a aqüicultura e o melhoramento genético
animal e vegetal orientado para uma exploração comercial menos predatória
desses recursos. O uso de novas abordagens da engenharia genética, como
os marcadores moleculares para o mapeamento da biodiversidade regional
no plano genético é visto também como estratégico.
A capacidade científico-tecnológica instalada no país em biotecnologia
é avaliada como bastante razoável, sugerindo-se que seu desenvolvimento
na região poderia ser potencializado através de redes de cooperação
interinstitucional com instituições locais118 e de outras regiões do país.
Duas iniciativas merecem destaque, nesse contexto: a proposta de
criação de um Centro de Biotecnologia da Amazônia, dentro do Programa
118
As instituições mais mencionadas como representativas dessa capacidade científico-tecnológica
instalada na região são: as universidades, o INPA, o Museu Goeldi e a EMBRAPA.
230
Brasileiro de Ecologia Molecular para o Uso Sustentável da Biodiversidade
da Amazônia (PROBEM), do Ministério do Meio Ambiente119; e a criação
de uma Rede para Conservação e Uso dos Recursos Genéticos Amazônicos
(GENAMAZ), proposta pela Superintendência de Desenvolvimento da
Amazônia — SUDAM, com o apoio técnico de pesquisadores do Centro
Nacional de Pesquisa de Recursos Genéticos e Biotecnologia
(CENARGEN, 1974), órgão da EMBRAPA120. Ambas as iniciativas
encontram-se em fase de estruturação, não sendo possível, portanto, avaliar
seus desdobramentos concretos.
Um outro ponto considerado estratégico, e reiteradamente sugerido,
foi o de que as pesquisas em biotecnologia na Amazônia devem privilegiar
a associação com as populações tradicionais locais, em especial as indígenas,
ao mesmo tempo recorrendo aos seus conhecimentos sobre a biodiversidade
e abrindo novas possibilidades para suas aplicações. O estímulo às
etnociências é, portanto, considerado de suma importância e parte de uma
estratégia alternativa para o país obter alguma vantagem comparativa em
biotecnologia, considerando as dificuldades de se acompanhar o progresso
técnico-científico no ritmo com que hoje se realiza nas economias avançadas.
Uma política de utilização da biodiversidade deve, assim, envolver o
reconhecimento, a sistematização e a compensação justa dos conhecimentos
tradicionais associados à biodiversidade.
Biodiversidade na Amazônia: Questão Estratégica ou Marginal?
Na prática, porém, poucos resultados foram alcançados no sentido
de mitigar o processo de destruição e degradação florestal e de incorporar
concretamente a problemática da biodiversidade ao que se propõe e ao que
119
O Centro de Biotecnologia da Amazônia pretende desenvolver pesquisas para o aproveitamento
industrial de recursos biogenéticos pouco ou nada explorados na região amazônica.
120
O GENAMAZ tem como objetivo geral “constituir-se em mecanismo técnico-institucional assessor
e executor das políticas nacionais e regionais para conservação e uso dos recursos genéticos da
Amazônia, de maneira a permitir seu aproveitamento socioeconômico e transformar seu potencial
natural em riqueza, fonte de renda e de emprego para a sociedade da região.”.
231
se pratica na Amazônia. Para alguns dos atores anteriormente mencionados,
como os bancos multilaterais e o próprio governo brasileiro (além dos
governos estaduais e locais), a conservação da biodiversidade ainda está
longe de dar a tônica à forma como intervêm sobre a região. Outros, como
comunidades extrativistas e populações tradicionais, quando de fato
conscientes sobre essa questão, enfrentam barreiras de ordem econômica,
política ou técnico-científica para dar viabilidade e continuidade a práticas
vistas como positivas do ponto de vista da biodiversidade. Naturalmente,
não se pode deixar de considerar também a força dos interesses associados
às já citadas formas ambientalmente predatórias de exploração econômica
dos recursos naturais amazônicos, que permanecem ainda hegemônicas
sobre as demais.
Por outro lado, é perceptível a existência de um sentimento geral de
que bastaria vontade política para se alcançarem resultados significativos
na conservação e no uso sustentável da biodiversidade amazônica,
considerando: sua riqueza em recursos biogenéticos, o conhecimento
tradicional existente e a capacidade científico-tecnológica nacional já
estabelecida. Do mesmo modo, porém, é evidente e generalizado o ceticismo
quanto à existência de uma real disposição, por parte das elites políticas e
econômicas nacionais e regionais, para tratar a biodiversidade e a
biotecnologia como áreas estratégicas para o país e para os estados
amazônicos.
Mais especificamente em relação ao poder público, é majoritário o
ponto de vista de que sua intervenção, seja pelo governo federal, seja pelos
estados e municípios, não apresentou, até o momento, impactos positivos
significativos em relação à proteção da biodiversidade na região, ou ao
desenvolvimento da ciência e tecnologia como instrumentos de
conhecimento e de aproveitamento econômico dessa biodiversidade121.
Por outro lado, fazendo-se uma breve retrospectiva histórica, não
podem deixar de ser notadas certas modificações recentes na postura
governamental com respeito à região. Na década de 1970, o governo detinha
121
Note-se que menos de 2% dos cursos de pós-graduação do país localizam-se na Região Norte.
232
capitais, dispunha de recursos internacionais a baixo custo e estava imbuído
da disposição de investir na ocupação da Amazônia, fazendo-o entretanto
de forma desastrosa do ponto de vista do meio ambiente e do
desenvolvimento regional, como anteriormente assinalado. Nos anos 80, o
governo federal, já desprovido de recursos financeiros de larga monta, e
em meio a uma profunda crise fiscal, sai parcialmente de cena, abrindo
espaço para outros atores, como ONGs e segmentos empresariais.
Nos anos 90, o Estado Nacional busca reassumir um papel de maior
destaque na região, especialmente através do estabelecimento de
instrumentos de coordenação, planejamento e política regional. Essa atitude
do governo brasileiro responde, por sua vez, a um novo contexto de pressões
e iniciativas, nos planos interno e externo, em relação à temática ambiental,
tal como já assinalado.
Dentre essas iniciativas, destaca-se o conjunto de intervenções geradas
a partir do Programa-Piloto para as Florestas Tropicais Brasileiras (PPG7), cujos diversos subprogramas guardam, direta ou indiretamente,
interfaces com a biodiversidade amazônica. (Box 20). De início com uma
ótica estritamente preservacionista, o PP-G7 acabou por incorporar a
abordagem do desenvolvimento sustentável.
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Box2020
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PROGRAMA-PILOTO (PP-G7)
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Em fins da década de 1980 e início da de 1990, o discurso ambiental impôsse aos organismos multilaterais de financiamento, diante das críticas e
denúncias a respeito dos impactos socioambientais dos projetos por eles
apoiados, particularmente no caso das florestas tropicais. Do mesmo modo,
os países de economia avançada passaram a ser mais pressionados pela
opinião pública a darem demonstrações de comprometimento com ações
de proteção ambiental em escala global.
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233
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Foi nesse contexto que se propôs a implementação de um Programa-Piloto
para a Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras (PP-G7), durante a
Reunião de Cúpula dos países-membros do Grupo dos Sete, realizada em
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O Programa-Piloto é estruturado em dois conjuntos subprogramas: (I)
Subprogramas estruturais, incluindo (i) Recursos Naturais (Zoneamento
Ecológico-Econômico; Monitoramento e Vigilância; Fiscalização e
Controle; Fortalecimento Institucional de Órgãos de Meio Ambiente;
Educação Ambiental); (ii) Unidades de Conservação e Manejo de Recursos
Naturais (Implantação de Parques e Reservas, Florestas Nacionais, Reservas
Extrativistas, Reservas Indígenas; Manejo de Recursos Naturais e
Recuperação de Áreas Degradadas) e (iii) Ciência e Tecnologia (Pesquisa
Dirigida ao Desenvolvimento Sustentável; Estabelecimento de Centros de
Excelência Científica); (II) Subprogramas demonstrativos (Projetos A,
destinados a comunidades locais e suas organizações e Projetos B, ainda
não definidos).
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Houston, no Texas, em julho de 1990. Este seria um primeiro passo para
ações similares em outras regiões de florestas tropicais. O governo brasileiro
acolheu a idéia, ainda que com reservas de alguns de seus setores
(particularmente do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da
Agricultura). A transferência de fundos externos para subsidiar a intervenção
das autoridades públicas brasileiras sobre nossos ecossistemas florestais
foi justificada internamente pela necessidade de cobrir custos com questões
ambientais de abrangência global, em especial os impactos da destruição
das florestas tropicais sobre as condições da atmosfera terrestre, o clima e
a diversidade biológica.
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Apesar de incluir também a Mata Atlântica, a maior parte dos recursos está
orientada para projetos na Amazônia.
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Os recursos destinados ao PP-G7 são relativamente modestos —
cerca de US$ 250 milhões122, quando inicialmente haviam sido anunciados
US$ 1,6 bilhão —, se comparados com outros montantes já investidos ou
previstos para a região, e o seu desembolso enfrenta a morosidade e a
burocracia ditadas pelas regras do Banco Mundial, gestor dos recursos.
Talvez o seu maior mérito seja atuar como indutor de iniciativas, muitas
das quais inovadoras, e como catalisador da articulação entre diferentes
setores na região. Desse ponto de vista, o PP-G7 pode ser visto como uma
122
Novos recursos estão sendo negociados para uma nova fase do Programa Piloto.
234
exceção, ou uma inovação, dentre outras experiências de cooperação
internacional na área de florestas.
O envolvimento da sociedade civil no Programa-Piloto, a partir de
pressões internacionais, é visto como uma de suas maiores inovações. O
Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), constituído em julho de 1991, e
que hoje congrega mais de 300 organizações não-governamentais e
movimentos associativos da Amazônia, é responsável pela articulação dos
“Projetos Demonstrativos Categoria A” na região123, considerados o grande
espaço de participação da sociedade civil no PP-G7.
Também o governo brasileiro tratou de organizar-se para ampliar
seu poder de influência no Programa-Piloto, estabelecendo uma estrutura
específica, no Ministério do Meio Ambiente, para coordenar a participação
brasileira no programa, e buscando assumir a dianteira do processo.
Uma das iniciativas revigoradas a partir do PP-G7, sobre a qual há
grandes expectativas e controvérsias, mas também um amplo
desconhecimento, é o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE).
Estabelecido pelo Governo Federal em setembro de 1990124, a princípio
para a Amazônia Legal, e, a partir de 1992, com uma abrangência nacional,
o ZEE enfrentou, desde o início, grande dificuldade para sua implementação,
devido a: falta de clareza quanto ao seu significado e metodologia;
incompatibilidades entre as diferentes políticas setoriais do governo federal
envolvidas e, principalmente, fortes resistências políticas de interesses
contrários a um tal ordenamento territorial das atividades econômicas na
Amazônia.
O zoneamento é agora retomado nos Estados, com recursos do PPG7 e a partir de uma nova proposta metodológica, que o define como
“instrumento capaz de romper as posições polarizadas” entre preservação
ambiental e crescimento econômico, e como “instrumento técnico e político
do planejamento das diferenças, segundo critérios de sustentabilidade, de
123
124
A Rede Mata Atlântica faz o mesmo em sua área de abrangência.
Decreto n. 99.540, de 21/9/90, alterado pelo Decreto n. 707, de 22/12/92.
235
absorção de conflitos e de temporalidade...”, de modo a “regular o uso do
espaço e otimizar as políticas públicas” (MMA/SAE, 1997).
Através do ZEE, pretende-se, então, não apenas ordenar e delimitar
territorialmente as distintas formas de proteção e exploração dos recursos
naturais da Amazônia, aí incluída a biodiversidade, mas sobretudo contribuir
para gerar informação pertinente sobre o território amazônico e para criar
um ambiente favorável à negociação e à parceria entre os diferentes atores
com respeito ao uso desse território. O ZEE passa a ser visto não como
um fim em si, mas principalmente como processo. Persistem, no entanto,
fortes dúvidas sobre que resultados práticos irá de fato alcançar.
Ainda nesse contexto, foi elaborada uma Política Nacional Integrada
para a Amazônia Legal (1995) e proposta uma Agenda Amazônia 21 (1997),
como um desdobramento da Agenda 21 firmada durante a Rio-92. Devese mencionar também a criação do CONAMAZ — Conselho Nacional da
Amazônia Legal (1995), reunindo representantes dos governos federal e
estaduais amazônicos.
Também o “Pacote Amazônico”125, decretado em julho de 1996 pelo
Presidente da República, embora recebido por muitos ambientalistas como
uma medida meramente reativa ao então anunciado aumento do
desmatamento na região , não deixa de ser uma medida positiva, apesar de
difícil implementação, principalmente por falta de infra-estrutura do governo
para controle e fiscalização.
Nesse contexto, o governo brasileiro, que manteve por um longo
tempo um discurso para a região focado, por um lado, na ocupação do
território amazônico, e, por outro, na defesa da soberania nacional e de não
ingerência externa nos assuntos amazônicos, hoje já começa a mostrar maior
125
O Pacote Amazônico: (a) estabelece uma moratória de dois anos para novas autorizações e
concessões para o corte de mogno e virola; (b) determina a revisão, com prazo determinado, das
autorizações e concessões para a exploração do mogno e virola em vigor, com o cancelamento das
que se encontrarem em situação irregular; (c ) condiciona as novas autorizações de corte ao uso
efetivo e adequado das áreas já convertidas em terras agrícolas; (d) amplia a figura da reserva legal de
50% para 80% nos casos das áreas com fitofisionomia florestal.
126
De acordo com dados compilados pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), no período de
1992-94 o desmatamento da Amazônia aumentou em 34% em relação ao período de 1990-91.
236
disposição — ao menos em alguns de seus segmentos — para absorver a
lógica da integração entre desenvolvimento socioeconômico e conservação
da natureza. Paralelamente, a partir da Constituição de 1988, saem
fortalecidos os governos estaduais e municipais que, seguindo uma tendência
nacional, vêm estabelecendo secretarias especificamente responsáveis pela
área ambiental127, embora com uma influência política marginal em relação
às outras áreas.
Por outro lado, ainda que a maioria desses instrumentos mais recentes
de política e planejamento mencione a importância da diversidade biológica
amazônica, e embora seja genuína em certos setores de governo uma nova
postura a esse respeito, não há uma estratégia especificamente focada sobre
essa temática na região, e muito menos mecanismos de implementação, em
escala regional, dos dispositivos contidos na Convenção sobre Diversidade
Biológica. No próprio Ministério do Meio Ambiente, não se observa a
existência de um diálogo sistemático entre a Coordenação de Diversidade
Biológica e a Coordenação da Amazônia.
É corrente, portanto, a opinião de que, se a biodiversidade vem sendo,
ainda que lentamente, incorporada ao discurso, muito pouco tem sido feito
na prática. Até porque a biodiversidade em si não é solução; é preciso ter
conhecimento associado, seja conhecimento tradicional, seja conhecimento
científico moderno, o que envolve medidas de diferentes tipos e requer
recursos para atender prioridades em distintos níveis.
Elevar o nível de consciência geral — da sociedade e do poder público
— sobre a importância da biodiversidade é apontado como fundamental
para reverter o presente quadro que, na prática, trata a biodiversidade e os
recursos que dela advêm como algo marginal em relação às prioridades
nacionais e regionais.
Essa questão associa-se a uma outra, qual seja, a de que inexiste uma
estratégia ou projeto de longo prazo de desenvolvimento nacional, e muito
127
O tipo de intervenção desses governos na área ambiental mereceria um estudo à parte, não
sendo, no entanto, o foco deste trabalho.
237
menos de desenvolvimento sustentável, onde a questão da biodiversidade
esteja contemplada e onde a Amazônia insira-se de modo positivo.
Observa-se, sim, a presença de uma forte contradição entre uma
visão de curto prazo e uma perspectiva de longo prazo com respeito ao
desenvolvimento da Amazônia — e, pode-se dizer, do país — e ao uso de
seus recursos naturais, o que, inegavelmente, reflete-se na forma como é
tratada a problemática da biodiversidade. Aí se estabelece uma tensão entre
a tentação da exploração imediata da floresta por alguns setores, que
conseguem alta lucratividade com as formas predatórias; e setores
econômicos que apostam nas possibilidades de uma exploração de mais
longo prazo dos recursos naturais da Amazônia e até na possibilidade de
obtenção de ganhos muito maiores, através do uso da biodiversidade pela
biotecnologia.
Como bem observou Schubart (1991:20), “a Amazônia representa
uma fronteira sui generis, paradigmática do período de transição tecnológica
que atravessa a sociedade humana”, qual seja, a passagem para um padrão
cada vez menos intensivo em matéria-prima e energia e mais intensivo em
informação, ciência e tecnologia. E, dadas as suas características naturais,
econômicas e sociais, ela constitui a expressão territorial mais completa —
e complexa — de como convivem e colidem os interesses representantes
do velho e desse novo paradigma (este gestado nos países cêntricos); bem
como das contradições em que tal transição ocorre nos países em
desenvolvimento, que são ao mesmo tempo: ricos em reservas de natureza,
destituídos de capacitação técnico-científica suficiente e adequada e crivados
de problemas econômicos e sociais.
Promover esforços de conservação da natureza, em um contexto em
que são tão gritantes as pressões por desenvolvimento social, e em que são
tão exuberantes os atrativos para os que estão ávidos por ganhos econômicos
de curto prazo, sem qualquer ou conseqüente compromisso com objetivos
de sustentabilidade ambiental, não é, desse modo, nada trivial ou consensual.
A Amazônia representa, assim, uma verdadeira fronteira geopolítica
da biodiversidade, e, quem sabe, da busca de solução para os conflitos que
hoje se colocam ao seu redor.
238
CAPÍTULO VI
Considerações Finais
Ao longo deste livro, procurei demonstrar que a biodiversidade, ao
mesmo tempo que é hoje uma questão ecológica (fator relevante ao
equilíbrio ambiental e à reprodução da vida) e técnico-científica (fonte de
informação para a biotecnologia e a engenharia genética), caracteriza-se
também como questão geopolítica (objeto de estratégias e conflitos que se
projetam sobre o território).
1. Observadas essas relações de um plano mais geral, sugi que a
questão da biodiversidade é parte de uma dinâmica mais ampla, em que
ciência, tecnologia e meio ambiente adquirem a condição de variáveis
estratégicas no jogo de forças internacionais deste final de século.
Argumentei, a esse respeito, em primeiro lugar, que um dos elementos
explicativos desse fato associa-se ao papel que a ciência e a tecnologia passam
progressivamente a desempenhar como instrumentos precípuos das novas
formas de acumulação do capital contemporâneas, em um processo que
encontra suas raízes históricas associadas aos novos modos de pensar e
produzir que emergiram desde a passagem para a modernidade, o qual
acentuou-se a partir do esgotamento do modelo fordista que prevaleceu
no pós-guerra.
Sendo assim, no atual cenário globalizado, tornam-se cada vez mais
rígidas as fronteiras entre os que desenvolvem e, crescentemente,
monopolizam ciência e tecnologia de ponta e os que, quando muito,
239
consomem os artefatos de elevado teor técnico-científico, oferecidos no
mercado internacional aos que disponham de recursos financeiros para
adquiri-los. E que, ao fazê-lo, “adquirem” também um pacote de padrões
culturais e de estilos de vida e consumo, nem sempre desejáveis, sob vários
pontos de vista.
Um segundo elemento explicativo dessa relação associa-se à crescente
exploração e manipulação da natureza e de seus recursos, de início como
simples matéria-prima utilizada na construção de uma base material para
as sociedades industrializadas, mas hoje também como fonte para as
experimentações da ciência e tecnologia avançadas, dando origem à
fabricação de produtos de alta sofisticação e de elevado valor agregado no
mercado mundial, como assim sintetizado por Becker (1997:421):
“O novo modo de produzir redefine a natureza e as relações
sociedade-natureza. Por um lado, tende a se tornar independente
da base de recursos naturais, utilizando menor volume de matériasprimas e de energia mas, por outro, valoriza os elementos da
natureza num outro patamar mediante o uso de novas tecnologias,
sobretudo a biodiversidade — fonte de informação crucial para a
biotecnologia — e a água, como possível matriz energética. Em
outras palavras, valoriza a natureza como capital de realização atual
ou futura.”
Considerando o fato de que, como parte desse cenário global, acentuase a tendência à apropriação privada de informações e de conhecimentos,
através de instrumentos legais cada vez mais rigorosos de proteção à
propriedade intelectual, a natureza — e, pode-se dizer, a própria vida — é
assim “virtualizada” em fragmentos microscópicos patenteáveis, tornandose passível de privatização pelos grandes agentes econômicos.
Por outro lado, ressaltei que o reconhecimento dos limites ambientais
do modelo de desenvolvimento até então hegemônico tratou de inserir,
paulatinamente, essa temática nas agendas políticas dos países e das
instâncias de negociação internacionais, projetando a proposta de
240
desenvolvimento sustentável como meio de conciliar metas de crescimento
econômico e de sustentabilidade ecológica, ao mesmo tempo em que
estabelece termos para um compromisso político entre os atores globais.
No entanto, apesar de avanços no trato da questão ambiental,
introduzindo-se algumas alterações nas práticas econômicas e sociais de
modo a torná-las mais compatíveis com a conservação da natureza, os
cenários traçados para o meio ambiente global, cinco anos após a realização
da Rio-92, são ainda mais sombrios (Gallopín et al., 1996) e a construção de
uma nova ordem mundial mais eqüitativa parece ainda mais distante. Ao
que tudo indica, a variável ambiental pouco interferiu, até o momento, em
alterações no quadro geopolítico internacional, enquanto que o crescente
gap científico-tecnológico entre países centrais e periféricos tem
representado um fator de agravamento de suas desigualdades.
O desenvolvimento sustentável, do mesmo modo, está longe de ser
uma estratégia hegemônica ou consensual. Hoje convivem e,
freqüentemente, colidem formas tradicionais de exploração dos recursos
naturais e de produção de bens e formas características do que se apresenta
como um novo paradigma técnico-produtivo menos intensivo em recursos
naturais, o qual, entretanto, introduz-se de modo diferenciado e desigual
nos vários segmentos econômicos e nas diversas realidades nacionais e
regionais.
Esses distintos padrões expressam, por sua vez, diferentes projetos e
estratégias de intervenção sobre o meio ambiente e o território,
caracterizando igualmente distintas formas de apropriação da natureza, tais
como:
- exploração predatória, pelos segmentos do capital baseados no velho
paradigma intensivo em matérias-primas e energia;
- preservação como reserva de valor futuro, promovida pelos
segmentos do capital de alta tecnologia, baseados no novo paradigma
intensivo em conhecimento e informação;
- preservação sob motivações estritamente ecológicas, pelos que
desejam conservar a natureza motivados por seu valor intrínseco;
241
- conservação associada ao uso sustentável, pelos que valorizam o
meio ambiente e dele dependem para a sua sobrevivência imediata; e
- exploração, predatória ou sustentável, dos recursos naturais como
base para o desenvolvimento dos países periféricos.
Na prática, tende a haver uma verdadeira divisão territorial do trabalho,
que comporta tanto vetores orientados para o aprofundamento da
degradação e da devastação ambiental, quanto vetores que apontam para a
proteção do meio ambiente e para o uso sustentável dos recursos naturais,
ainda que, neste segundo caso, sob motivações diversas. O próprio conceito
de desenvolvimento sustentável pode ser visto, assim, como “uma noção
inerentemente geográfica” (Wüsten, 1997), não apenas porque supõe e
chama a atenção para a necessidade de um padrão alternativo nas relações
entre o Homem e seu meio físico, mas também porque expressa “um novo
modo de regulação do uso do território à escala global” (Becker, 1997).
2. Interpretada como parte e expressão dessa dinâmica mais ampla,
busquei, então, identificar e caracterizar os grandes contenciosos
geopolíticos hoje existentes em torno da problemática da biodiversidade,
mapeando os principais conflitos e os diferentes pontos de vista a seu
respeito. Supus que um dos principais focos de tensão nesse campo vem-se
dando entre os esforços para o estabelecimento de mecanismos de controle
sobre o acesso a recursos genéticos e a conhecimentos tradicionais, de um
lado, e as pressões para se restringir o acesso a tecnologias de ponta, de
outro.
A ausculta junto a observadores e partícipes do debate e da
implementação de ações no campo da biodiversidade no Brasil revelou
diferentes leituras sobre o que melhor caracteriza e distingue as várias
perspectivas hoje em choque, no plano internacional, no contexto de
definição de um regime global da biodiversidade:
- A maior parte converge para a visualização da existência de um
conflito Norte-Sul, ou entre países desenvolvidos e em desenvolvimento,
embora com ambigüidades e gradações, como atestam as negociações em
torno da Convenção sobre Diversidade Biológica, onde se tem observado,
242
na maior parte das vezes, uma polarização e um comportamento de “bloco”
nas posições defendidas pelo G77 e nas posições do G7 e de outros países
do grupo desenvolvido, liderados pelos Estados Unidos.
Desse ponto de vista, acredita-se que, no regime da biodiversidade,
o conflito Norte-Sul ocorre de uma maneira muito mais clara do que, por
exemplo, nos regimes do ozônio e do clima. Se o regime do clima traz, em
alguns momentos, essa dicotomia Norte-Sul, ela já não é tão óbvia quando
se consideram as alianças entre os membros do chamado Clube do Carbono,
como são conhecidos os grandes produtores de petróleo — os países árabes,
a Venezuela e até o Brasil — e os grandes consumidores globais desse
recurso, como os Estados Unidos. O mesmo se observa no regime do
ozônio que, apesar de um regime global, é basicamente um regime de
tecnologias do Norte, no qual os países do Sul exercem pouca influência.
A exceção é a China, um país do Sul que desempenha um papel decisivo
para a preservação ou não da camada de ozônio, considerando o seu elevado
potencial de consumo e, desse modo, o peso que pode ter sua opção em
utilizar ou não, em grande escala, tecnologias antigas ou não “ozônio friendly”.
Uma segunda leitura enfatiza a existência de uma polarização
principalmente entre os que detêm e os que não detêm grandes reservas de
biodiversidade, ou entre provedores e consumidores de recursos genéticos
e biológicos, diante da sua desigual distribuição nas diferentes regiões do
mundo.
Essa interpretação não foge totalmente à da polarização Norte-Sul
(ainda que considerando que tal dicotomia não é o fator determinante para
a delimitação de perspectivas divergentes na definição de um regime global
da biodiversidade), já que são as áreas mais quentes e úmidas as que contêm
maior diversidade de formas de vida — seja na forma de espécies
domesticadas ou na forma de germoplasma em condições naturais, o que
as faz coincidir com os territórios dos países em desenvolvimento, onde ao
final se concentram os maiores estoques de recursos biogenéticos do planeta.
Uma outra maneira de abordar essa mesma dicotomia é analisandoa como expressaão da existência de uma desigual distribuição, entre países
243
e regiões, de reservas de natureza e de reservas de tecnologia. Ou, dito de
outra maneira, como uma contradição entre os países que são os
depositários, por obra da natureza, da maior parte da biodiversidade do
mundo, mas que são pobres em tecnologia; e aqueles que, como resultado
do padrão de acumulação capitalista, detêm as tecnologias que agregam
valor à biodiversidade.
Daí estabelecem-se as divergências e as condições de barganha, ou
pressão, entre, de um lado, os países que possuem escassa diversidade
biológica, mas têm interesse em conservar esse patrimônio considerado
extremamente valioso pelos motivos já analisados; e, de outro, os países
que são depositários ou guardiões desses recursos naturais, mas que
percebem a proteção ao meio ambiente como algo conflitante com seus
esforços de desenvolvimento econômico. Estes últimos, submetidos a
crescentes pressões por conservação ambiental, e progressivamente (embora
lentamente) conscientes do valor estratégico de seus recursos genéticos,
começam a sair de uma posição apenas defensiva no que tange ao debate
internacional nessa área, para exigir que se estabeleça uma negociação global
a respeito.
Há também os que consideram a dicotomia Norte-Sul e leituras
similares um mero “jogo de cena”, preferindo interpretações alternativas
para analisar os conflitos que hoje permeiam a questão da biodiversidade.
Alguns entendem que a principal polarização se dá entre os que se
alinham, ou se submetem, às exigências e regras do mercado global; e aqueles
que relativizam ou opõem-se à supremacia dessas regras, privilegiando uma
perspectiva de desenvolvimento centrada em interesses endógenos. Desse
ponto de vista, tanto no Norte quanto no Sul, convivem setores que desejam
promover mudanças expressivas nas regras do jogo internacional com outros
que não têm qualquer interesse em transformações estruturais. Aí, e não
no corte Norte-Sul, estaria a explicação central para as contradições
existentes no regime da biodiversidade.
Exempliquei com o caso do Brasil, que assinou logo de início a
Convenção sobre Diversidade Biológica, mas toma decisões que muitos
244
consideram contraditórias com as orientações da Convenção — como
quando da promulgação de sua Lei de Patentes, em que fez muito mais
concessões às orientações estabelecidas no âmbito do GATT — indo
inclusive além do que é estipulado nesse acordo internacional, do que o
próprio parlamento europeu, que se recusou a avançar na questão do
patenteamento, preferindo assumir as recomendações da Rio-92. A
explicação para isso estaria no fato de que, no caso brasileiro, teriam
predominado as forças políticas mais alinhadas com interesses dos grandes
grupos econômicos.
Por fim, uma leitura que foge à lógica de todas as demais, é a que
situa as divergências principalmente entre os que percebem a natureza como
mero recurso a ser explorado, ou seja, como uma questão de interesse apenas
econômico, estando portanto submetida de maneira total às regras do
mercado; e os que enfatizam o valor intrínseco da vida, sem reduzi-la a um
produto comercializável.
Estabelece-se, é verdade, uma convergência de interesses entre a luta
dos ambientalistas pela conservação da biodiversidade mundial e certos
segmentos do capital, não tão novos, mas certamente renovados pelos
recentes desenvolvimentos científico-tecnológicos, em resguardar os
recursos genéticos mundiais para uso futuro, ante as perspectivas econômicas
abertas pelas novas biotecnologias e a engenharia genética. Mas as
convergências terminam aí, já que, enquanto para os primeiros, o que
importa é o valor intrínseco da vida, para os últimos, sob uma ótica
estritamente econômica, importam menos os seres vivos enquanto tais e
mais a informação codificada em sua estrutura genética.
Opõe-se, assim, uma perspectiva economicista a outra
ambientalista, oposição esta que permeia tanto o Norte quanto o Sul e
que se expressa em todas as escalas. Dela derivam outras, particularmente
a dos limites ditados pela bioética e pela biossegurança, como a incorporação
ou não do princípio de prudência e de precaução.
Essa gama de interpretações revela a possibilidade de múltiplas
abordagens ou olhares não excludentes sobre a problemática da
245
biodiversidade, evidenciando-se o caráter político-espacial das diferenças e
conflitos ao seu entorno.
É curioso notar aqui como uma antiga premissa da teoria geopolítica,
já hoje ultrapassada, qual seja, a da sobredeterminação das características
físicas do território sobre as estratégias de poder, ganha novo significado
na questão da biodiversidade. Mas são outros atributos do território,
particularmente a desigualdade espacial de estoques de informações hoje
valorizadas no emergente paradigma técnico-produtivo — sejam aquelas
codificadas na natureza, sejam aquelas produzidas a partir de ciência e
tecnologia “de ponta”, sejam ainda as geradas a partir do saber tradicional
— que estabelecem distinções e conflitos entre as óticas e os projetos dos
vários atores.
É, portanto, na disputa pelas vias de acesso a essas informações, hoje
consideradas estratégicas, que atualmente se encontra o cerne da
biodiversidade como questão geopolítica. Do mesmo modo, é como
continente de informações estratégicas que o território ganha novo
significado como alvo de disputas no que tange a biodiversidade.
A análise dos temas em debate, no plano internacional, a respeito da
biodiversidade agrega novos elementos a essa abordagem.
Um primeiro aspecto que esse conjunto de temas traz à reflexão a
esse respeito refere-se à dimensão territorial, ao papel dos Estados e às
sinérgicas relações entre os atores intervenientes nas diferentes escalas.
No conflito em torno da soberania nacional sobre os recursos
genéticos — ponto central de negociação na Convenção sobre Diversidade
Biológica — os países ricos em biodiversidade, como observado por Arcanjo
(1996), “exigiram que a concepção territorial fosse acolhida para a disciplina
da matéria”, reputando aos Estados nacionais direitos de soberania sobre
seus próprios recursos biológicos. Ao mesmo tempo, a CDB afirma a
responsabilidade e o dever desses mesmos Estados, perante a comunidade
internacional, em garantirem e promoverem a conservação e o uso
sustentável da diversidade biológica, de certa forma assim impondo-lhes
certos padrões com respeito ao tratamento de seus recursos naturais, o
246
que, em última instância, coloca certos limites no exercício de soberania
sobre seus recursos.
Do mesmo modo, o Estado é instado a assegurar que as regras de
“convivência” internacional, impostas pelos atores de maior poder no
(des)equilíbrio de forças internacionais, sejam respeitadas e implementadas
internamente, ainda que, pelo menos no caso dos países periféricos, tais
regras e padrões sejam com frequência contrários aos seus próprios
interesses. Cabe, portanto, ao Estado estabelecer condições e oferecer
garantias para a realização de uma sociedade espacialmente globalizada.
Ao mesmo tempo, é também dos Estados que hoje se espera e se
cobra a proteção dos interesses das comunidades tradicionais, oferecendolhes condições de sobrevivência física e cultural e, no caso específico da
biodiversidade, estabelecendo um aparato institucional que contemple a
garantia de seus direitos, inclusive, como vem sendo reivindicado por vários
setores, direitos de proteção à propriedade intelectual ou similar.
Essas populações tradicionais, por sua vez, por terem exercido
continuamente, muitas vezes teimosamente, sua territorialidade128, criando
raízes e exercitando uma intimidade com a natureza ao seu entorno a
despeito do rolo compressor das imposições universalizantes, acumularam
uma sabedoria que só a permanência no lugar, ao longo de gerações, poderia
propiciar. Como já havia observado Maffesoli (1984:54), “essa resistência
tradicional que engendra a solidariedade deve-se, sobretudo, à pregnância
de uma memória espacial. (....) É nesse sentido que podemos falar de
‘encarnação’ da socialidade que necessita de um solo para se enraizar.”.
Por outro lado, a própria territorialidade é virtualizada, na medida
em que, como amplamente argumentado, são as partículas genéticas, ou a
informação nelas contidas, o que tem valor estratégico para as biotecnologias
128
O conceito de territorialidade, de acordo com Sénécal (1992), “visa justamente englobar o conjunto
de formas sociais e das relações com a exterioridade, tendo em conta o meio.”. Na perspectiva de
Raffestin (1993:158), a territorialidade “reflete a multidimensionalidade do ‘vivivo’ territorial. (...)
Os homens ‘vivem’, ao mesmo tempo, o processo territorial e o produto territorial por intermédio
de um sistema de relações existenciais e/ou produtivistas.” E acrescenta: “todas são relações de
poder”.
247
avançadas. Através do mapeamento da informação codificada em genes e
das novas tecnologias de clonagem e engenharia genética, possibilitam-se
o desenvolvimento e a fabricação de produtos independentemente de seu
território de origem.
É também no âmbito do controle sobre o uso do território que se
colocam as mais fortes disputas sobre como (ou mesmo se) assimilar a
conservação e o uso sustentável da biodiversidade às estratégias de
desenvolvimento nacionais/ regionais/ locais. Como já assinalado, as
próprias pressões para se delimitarem espaços relativamente intocados
destinados à preservação ambiental, até então expressando a mobilização
de segmentos do movimento ambientalista, representam hoje também
interesses de segmentos mais preocupados em resguardar reservas genéticas
para ganhos econômicos futuros, do que com o equilíbrio ambiental ou
com as populações locais. Representam, assim, de um modo indireto, uma
tentativa de limitar (ou controlar) o uso da biodiversidade em dado território.
Do mesmo modo, são políticas e medidas de ordenamento territorial,
como a demarcação de áreas de conservação (in situ) e o zoneamento sócioecológico-econômico, as que se vêm destacando como alternativas para,
simultaneamente, garantir proteção a áreas vistas como relevantes do ponto
de vista da diversidade biológica e genética, e delimitar espaços para a
realização de distintos interesses de exploração econômica dos recursos
naturais, como bem ilustra o caso amazônico. Na conservação ex situ, por
outro lado, retiram-se amostras da biodiversidade de seu habitat natural,
geralmente mantendo-as fora (do controle) de seus territórios de origem.
Por fim, no tema da biossegurança, expressa-se a tensão quanto ao
alcance territorial das regulações internacionais: se limitadas ao controle
dos movimentos transfronteiriços de organismos transgênicos
potencialmente perigosos ou se intervindo sobre os padrões praticados
nos países no campo das biotecnologias.
Um segundo aspecto, que se associa ao anterior, refere-se ao caráter
simultaneamente público e privado da biodiversidade.
O novo regime instituído, a partir da CDB, define a biodiversidade
como objeto de preocupação comum, mas não mais um bem comum da
248
humanidade. O abandono do princípio de herança comum e o
estabelecimento de regras para o seu acesso institucionalizaram o exercício
de direitos proprietários sobre os recursos genéticos, transformando-os
em bens comercializáveis, como assim interpretou Svarstad (1994:49):
“Um regime de soberania nacional foi visto como necessário de
modo a obter dinheiro e tecnologia como pagamento pelo uso de
recursos genéticos do Sul. (...) Essa abordagem tomou como um
ponto de partida a seguinte definição de direitos de propriedade
para os recursos genéticos. Primeiro supõe que um ator tem o
direito de decidir sobre o acesso e o uso de recursos genéticos
específicos realizado por outros atores. Segundo, o possuidor tem
o direito a pagamento do ator que ganha acesso ou utiliza esses
recursos genéticos.”
Recorre-se à própria lógica do mercado para buscar alguma
contrapartida ao concedente dos recursos biogenéticos (seja país ou
comunidade) por uma apropriação que já vinha ocorrendo, na prática, sem
qualquer retribuição ou regulação a respeito.
Mas, embora sujeitos à apropriação privada, os recursos biogenéticos,
na qualidade componentes do meio ambiente — reconhecidamente um
“macrobem público de uso comum” —, são também bens de interesse
público (Arcanjo, 1996). Idealmente, caberá ao Estado, mais uma vez, como
a autoridade sobre a biodiversidade de um país, garantir que seu uso privado
tenha em consideração esse interesse público.
4. Buscando os rebatimentos desse debate geral em torno da
biodiversidade no plano institucional internacional, demonstrei que as
instâncias reguladoras e os aparatos jurídico-normativos têm-se mostrado
um espaço privilegiado para o debate e a negociação dessas questões,
evidentemente sob a ação e a pressão dos diferentes atores e interesses,
confirmando-se, assim, a importância da dimensão institucional como
produto e instrumento da geopolítica nas várias escalas. Mais
especificamente na Convenção sobre Diversidade Biológica, verificam-se
249
os reflexos dos grandes conflitos quanto à problemática da biodiversidade,
enquanto que, a partir da CDB, introduzem-se novos elementos ao processo
de negociação entre os atores.
Ao mesmo tempo, porém, evidenciaram-se os limites da ação
institucional. Quer dizer, de que não basta estabelecer um arcabouço
jurídico-normativo, seja de âmbito internacional ou nacional. São
necessários, também, mecanismos mais concretos, seja de estímulo e apoio
a iniciativas de conservação e uso sustentável da biodiversidade, seja para
inibir ações degradantes do meio ambiente e da diversidade biológica e
genética.
O próprio mercado é sem dúvida um fator estratégico, em sentido
positivo ou negativo. Por exemplo, o preço da borracha no mercado
internacional inegavelmente afeta a sustentabilidade dos seringueiros na
Amazônia, do mesmo modo que o tipo de demanda internacional sobre
produtos madeireiros é determinante para a viabilidade de manejos
sustentáveis da floresta. Pelo outro lado, a certificação da origem do
germoplasma de produtos baseados em matéria-prima biológica, que é uma
proposição que começa a ganhar espaço, pode envolver os próprios
consumidores no controle do acesso a recursos genéticos.
Mas, sobretudo, é mister o grande envolvimento e o
comprometimento, não apenas dos atores mais diretamente interessados e
afetados pela temática da biodiversidade, mas de toda a sociedade, fazendoa consciente e sensível a seu respeito. Ou seja, a dinâmica institucional,
para ser levada a termo, deve estar respaldada em uma dinâmica política e
social muito mais ampla.
5. Olhando essa questão do ponto de vista do Brasil, concluí que a
importância ecológica e econômica das reservas biogenéticas existentes
em nosso território só farão da biodiversidade uma questão de fato
estratégica para nós, caso o país capacite-se para tomar a dianteira nessa
área, não apenas como pré-requisito para inserir-se dentre os que somam
esforços para a construção de uma via sustentável de desenvolvimento em
escala global, mas também como condição para o exercício soberano da
sua territorialidade e para um posicionamento vantajoso no cenário mundial.
250
Verifiquei, no entanto, que estamos longe de construir estratégias
que viabilizem o aproveitamento do amplo potencial apresentado por nossa
biodiversidade.
A condição de “semiperiferia” e “potência regional” (Becker & Egler,
1993) confere ao país uma situação bastante ambígua no novo cenário
mundial. Por um lado, o país apresenta todas as potencialidades para
capitalizar em seu favor os novos espaços que se abrem nesse período de
transformações, bem como para exercer um papel de liderança entre os
países em desenvolvimento. Por outro, o país ainda enfrenta os seus velhos
problemas estruturais que fazem daquelas mesmas potencialidades um
pesado obstáculo a se superar nesses momentos de crise e restruturação
em escala global.
O país não demonstra sinais de superação das dificuldades e
contradições no tratamento de seus problemas ambientais, ao mesmo tempo
em que se apressa em aderir aos padrões de comércio e propriedade
intelectual ditados internacionalmente, na expectativa de que assim garanta
seu ingresso no mercado globalizado.
Dentro de uma perspectiva histórica, são por outro lado perceptíveis
alguns avanços, ainda que pontuais, na área ambiental, em termos do
acúmulo de experiências e de conhecimentos, bem como da construção de
um aparato institucional e de uma capacitação do governo e da sociedade
para melhor lidar com as questões relativas ao meio ambiente. Pode-se
mesmo dizer que já se estabeleceu no Brasil um campo ambiental
(parafraseando Pierre Bourdieu), delimitando-se um espaço próprio de
debate, conflitos e intervenção nessa área. E, ainda que de forma não
hegemônica, afirma-se, pouco a pouco, no interior desse campo, a temática
da biodiversidade.
Como irá o Brasil se comportar está por ser visto: se conseguindo
mobilizar-se para sacudir esse velhos problemas e articulando suas forças
em torno de um projeto nacional que contemple estratégica e positivamente
os desafios internacionais; se sucumbindo ante a incapacidade de mudar
sua história política, marcada pelo imediatismo dos seus dilemas internos.
251
6. O levantamento de percepções sobre essa problemática na
Amazônia confirmou que, até o momento, prevalece uma visão de curto
prazo com respeito à exploração dos recursos naturais e à biodiversidade,
que é ainda tratada como um ônus e não como uma oportunidade para a
região e para o país. Paralelamente, indicou que emergem novos atores,
estruturam-se novas parcerias e propõem-se novos projetos alternativos de
uso da terra e dos recursos naturais da região, de geração e distribuição de
renda, de aplicação de tecnologias novas e tradicionais, o que pode ser
interpretado como uma sinalização de importantes mudanças.
A Amazônia representa, assim, um campo avançado de
experimentação de novas alternativas para se lidar com a questão da
biodiversidade. Através do aproveitamento adequado de suas reservas
biogenéticas e da socialização dos benefícios daí advindos, a biodiversidade
pode contribuir na geração de riqueza para o conjunto da sociedade nacional.
Para isso, no entanto, o Estado brasileiro tem como desafio tratar de forma
integrada a questão nacional brasileira, a questão regional amazônica e a
questão das populações tradicionais.
7. Finalmente, devo assinalar que a temática da biodiversidade pode
vir a ser não apenas expressão ou resultado de uma dinâmica geopolítica
mais geral, mas também um elemento de mudança no desenvolvimento
futuro desse quadro mais amplo, a partir do processo político que se
estabelece ao seu redor.
Ela pode estar contribuindo no sentido de reverter práticas milenares
de saqueio e exploração de riquezas naturais, contemporaneamente
renovadas com a chamada biopirataria internacional; de garantir soberania
aos Estados-Nações sobre suas reservas de natureza, subvertendo
avassaladoras pressões globalizantes; de fazer com que esses mesmos
Estados, por sua vez, honrem, de fato, compromissos internacionalmente
assumidos em relação ao meio ambiente; de promover a incorporação, na
prática, pelos diferentes agentes econômicos, da variável socioambiental.
De elevar à condição de atores, cujos direitos, opiniões e modos de vida
sejam respeitados e garantidos, populações historicamente marginalizadas
252
e submetidas ainda hoje à ameaça de genocídio - não só cultural, mas de
fato. E, por fim, poderá estar contribuindo no sentido de reverter a tendência
à hegemonia do mercado, recuperando a ética e resgatando o valor intrínseco
da natureza e da vida.
Este é um processo que está em curso, sendo seu desfecho
imprevisível, mas acredito que ele pode vir a estabelecer novos vínculos
entre a questão ambiental e uma geopolítica pautada na democracia política
e social.
253
254
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synergies. Conference of the Parties to the Convention on Biological
Diversity. Third Meeting. Buenos Aires, 4 to 15 November, 1996 (UNEP/
CBD/COP/3/23).
UNEP/CBD. Knowledge, innovations and practices of indigenous and local
communities: implementation of Article 8(j). Note by the Secretariat.
Conference of the Parties to the Convention on Biological Diversity. Third
Meeting. Buenos Aires, 4 to 15 November, 1996 (UNEP/CBD/COP/3/19).
UNEP/CBD. Biological diversity and intellectual property rights: issues
and considerations. 20 September 1996. Conference of the Parties to the
Convention on Biological Diversity. Third Meeting. Buenos Aires, 4 to 15
November, 1996 (UNEP/CBD/COP/3/20).
UNEP/CBD. Ways and means to promote and facilitate access to, and
transfer and development of technology, including biotechnology. 12
August 1996. (UNEP/CBD/SBSTTA/1/4)
UNEP/CBD. Report of the Second Meeting of the Subsidiary Body on
Scientific, Technical and Technological Advice. 7 September
1996.(UNEP/CBD/SBSTTA/2/6)
UNEP/CBD. Draft Programme of Work for Forest Biological Diversity. 14
July 1997. (UNEP/CBD/SBSTTA/3/5).
UNEP/CBD. Report of the Third Meeting of the Subsidiary Body on
Scientific, Technical and Technological Advice. 11 September 1997
(UNEP/CBD/COP/4/2).
Universidade do Amazonas. Centro de Biotecnologia da Universidade do
Amazonas. Versão resumida do projeto.
WTO/CTE. Report of the WTO Committee on trade and environment. 14
November 1996 (PRESS/TE 014).
272
Legislação Brasileira
Projeto de Lei do Senado, nº. 306, de 1995.
Projeto de Lei nº 2.892, de 1992.
Relatório sobre o Projeto de Lei nº 2.892, do Deputado Fernando Gabeira(1996).
Substitutivo ao PL. 2.892/92, apresentado em 1996.
Decreto nº. 1.354 de 29/12/94
273
274
Sobre a autora
Sarita Albagli é socióloga e D.Sc. em Geografia, pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro. Atualmente é pesquisadora do Instituto Brasileiro de
Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), vinculado ao CNPq, e
professora do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação
(Convênio UFRJ - IBICT). Vem desenvolvendo, há vários anos, projetos
de pesquisa sobre temas associados à ciência, tecnologia e meio ambiente,
sob uma perspectiva sociopolítica. Dentre suas publicações mais recentes,
destacam-se os livros: La popularización de la ciencia y la tecnologia: una
revisión de la literatura, organizado pela UNESCO; e Sustainable
Development and Advanced Materials: Strategies for Brazil, resultado de
projeto de pesquisa apoiado pelo International Development Research
Center (IDRC, Canadá).
275
Sumário
Imperativo Tecnológico e Politização da Natureza........... 27
............................................................................................................28
O Imperativo Tecnológico ..................................................................28
Ciência e Tecnologia como Instrumentos de Poder ............................28
Propriedade Intelectual e Privatização do Saber ................................34
............................................................................................................34
A Politização da Natureza ..................................................................42
Conflitos Geopolíticos sobre a Questão Ambiental ........................... 43
............................................................................................................43
Meio Ambiente e Governabilidade Global .........................................51
Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente ............................................... 55
na Geopolítica Contemporânea ..........................................................55
Biodiversidade como Questão Estratégica ........................ 59
Emergência da Questão ...................................................................... 60
Conceito ..............................................................................................61
Ameaças à Biodiversidade ..................................................................64
As Novas Biotecnologias e o Caráter ................................................. 66
Estratégico da Biodiversidade ............................................................66
............................................................................................................66
Polêmicas e Conflitos .........................................................................72
Conservar para quem? ........................................................................73
Soberania sobre a Biodiversidade: do Global ao Local ......................80
Propriedade Intelectual sobre Seres Vivos .........................................83
Controle do Acesso aos Recursos Genéticos ......................................92
Proteção dos Conhecimentos Tradicionais .........................................98
Os Riscos da Biotecnologia .............................................................. 104
Quem Paga? ...................................................................................... 106
Regulando os Conflitos: .................................................. 113
A Convenção sobre Diversidade Biológica .................... 113
Estabelecimento de um Regime Global da Biodiversidade .............. 114
Definindo o Escopo .......................................................................... 114
Soluções de Compromisso ............................................................... 116
Mecanismos de Implementação ........................................................ 119
276
.......................................................................................................... 119
Tentando Gerir Conflitos ..................................................................125
Conservação x Uso Sustentáve: Ampliação do Escopo ..................125
Enfoque Global x Enfoque Nacional: ...............................................126
Prevalência do Estado Nacional ....................................................... 126
Acesso a Recursos Genéticos: Estabelecendo o Controle ................128
Acesso à Tecnologia: Avanço e Ambigüidades ................................133
Reconhecendo o Papel das Comunidades Tradicionais....................138
Biossegurança: Questão em Aberto ..................................................140
Financiamento: Solução Interna .......................................................142
Interfaces entre a CDB e Outras Instâncias Multilaterais .................144
Organização Mundial do Comércio — OMC ...................................145
Organização para Alimentação e Agricultura — FAO ..................... 148
Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONU — CDS .........152
Balanço da Convenção sobre Diversidade Biológica .......................155
Institucionalizando a Biodiversidade no Brasil .............. 159
Implementação da CDB no Brasil: Avanços e .................................. 161
Limites da Ação Governamental ......................................................161
Regulações em Conflito.................................................................... 167
Um Novo Modelo de Conservação da Natureza: O Projeto do SNUC
168
Tentando Proteger os Conhecimentos Tradicionais: O Estatuto das
Sociedades Indígenas ...................................................................174
Cedendo às Pressões Externas: Lei de Propriedade Intelectual ........176
Estendendo o Monopólio às Variedades Agrícolas: .........................179
Lei de Cultivares ...............................................................................179
Contrabalançando as Perdas: ............................................................183
Lei de Acesso a Recursos Genéticos ................................................183
Normatizando a Biotecnologia no País: Lei de Biossegurança ........193
Balanço do Tratamento da Problemática da ..................................... 194
Biodiversidade no Brasil ..................................................................194
Amazônia: Fronteira Geopolítica da Biodiversidade ...... 199
Da Proteção das Florestas à Proteção da Biodiversidade .................201
Conflitos e Convergências ................................................................204
Da Preservação ao uso Sustentável .................................................. 207
Vias de Acesso à Informação Associada à Biodiversidade ..............225
Biodiversidade na Amazônia: Questão Estratégica ou Marginal? ... 231
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Considerações Finais ....................................................... 239
Bibliografia ...................................................................... 255
278
279