a base social das relações de gênero: explicando o ciúme

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a base social das relações de gênero: explicando o ciúme
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL
A BASE SOCIAL DAS RELAÇÕES DE GÊNERO: EXPLICANDO
O CIÚME ROMÂNTICO ATRAVÉS DO SEXISMO AMBIVALENTE
E DOS VALORES HUMANOS BÁSICOS
Dissertação de Mestrado
Raquel Pereira Belo
João Pessoa, Fevereiro de 2003
ii
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL
A BASE SOCIAL DAS RELAÇÕES DE GÊNERO: EXPLICANDO
O CIÚME ROMÂNTICO ATRAVÉS DO SEXISMO AMBIVALENTE
E DOS VALORES HUMANOS BÁSICOS
Raquel Pereira Belo
Orientador: Jorge da Silva Raymundo
Co-Orientador: Valdiney Veloso Gouveia
Dissertação submetida como requisito parcial para a obtenção do grau
de Mestre em Psicologia Social
João Pessoa, Fevereiro de 2003.
iii
Raquel Pereira Belo
A BASE SOCIAL DAS RELAÇÕES DE GÊNERO: EXPLICANDO O
CIÚME ROMÂNTICO ATRAVÉS DO SEXISMO AMBIVALENTE E DOS
VALORES HUMANOS BÁSICOS
Prof. Dr.
Profª. Drª.
Prof. Dr.
Prof. Dr.
iv
PENSAMENTO
v
DEDICATÓRIA
vi
AGRADECIMENTOS
vii
RESUMO
Muitas foram as mudanças ocorridas com relação à mulher nas últimas décadas,
com capacidade de influenciar a construção do estereótipo feminino e a forma como
a mulher é encarada nos relacionamentos interpessoais. Diante deste quadro atual, a
presente dissertação tem como objetivo explicar o ciúme romântico, uma forma de
relacionamento interpessoal, a partir do sexismo ambivalente e dos valores
humanos. A fim de operacionalizar tal objetivo, três foram as teorias utilizadas.
Primeiramente, a teoria do sexismo ambivalente (Glick & Fiske, 1996) caracteriza o
sexismo como um conjunto de estereótipos que avaliam de forma cognitiva, afetiva e
atitudinal os papéis apropriados aos indivíduos, em função de seu sexo,
expressando-se de forma ambivalente. A ambivalência diz respeito a uma construção
simultânea de duas ideologias: a sexista hostil, que expressa intolerância em relação
à mulher que ocupa papéis de poder, e a sexista benévola, expressada através de
atitudes aparentemente positivas, nas quais a mulher é tida como frágil,
necessitando de atenção. A segunda teoria foi a de White e Mullen (1989), através
da qual o ciúme romântico faz-se presente na dinâmica da atração interpessoal
quando ocorre a sensação iminente de perda do parceiro. O ciúme romântico, neste
caso, é o resultado de ameaças à auto-estima e/ou à existência ou qualidade da
relação, em decorrência da percepção de uma atração real ou potencial entre o
parceiro e um rival. Finalmente, a tipologia dos valores humanos básicos (Gouveia,
1998) foi a terceira teoria considerada. Ela descreve que os valores são categorias
de orientação adotadas por atores sociais, baseadas nas necessidades humanas e
pré-condições para satisfazê-las. Participaram do estudo 301 pessoas, sendo 54,2%
mulheres, da população geral de João Pessoa, com idades variando entre 18 e 72
anos, que responderam ao Inventário de Sexismo Ambivalente (Glick & Fiske, 1996),
em sua versão adaptada para o Brasil (Formiga & cols., 2002), à Escala de Ciúme
Romântico (Ramos, Yazawa & Salazar, 1994), reduzida para 28 itens, ao
Questionário dos Valores Básicos (Gouveia, 1998) e a um conjunto de perguntas
sócio-demográficas. Os resultados encontrados corroboraram algumas das hipóteses
formuladas, evidenciando a importância das concepções sexistas ambivalentes, bem
como dos valores humanos básicos de função psicossocial normativa, para se
compreender o ciúme romântico, sugerindo a existência de um apego dos
participantes aos padrões culturais tradicionais. Além disto, foi encontrado um
equilíbrio entre os gêneros com relação ao sexismo benévolo e uma predominância
de aceitação do sexismo hostil entre os homens, levando a pensar que ainda nos
dias atuais se faz presente um preconceito flagrante para com as mulheres.
Concluindo, estabeleceu-se um modelo explicativo preliminar para compreender o
ciúme romântico, com ênfase nos valores e no sexismo ambivalente. Algumas
implicações práticas deste modelo foram sugeridas.
Palavras-chave: Sexismo Ambivalente, Ciúme Romântico, Valores Humanos
ABSTRACT
9
ÍNDICE
LISTA DE FIGURAS....................................................................................................X
LISTA DE TABELAS..................................................................................................XI
Introdução..................................................................................................................12
1 - Situação da Mulher no Contexto Social: Breve Relato Histórico e
Atualidade..................................................................................................................15
2 – Sexismo...............................................................................................................24
2.1.Sexismo: Uma Forma de Estereótipo Feminino..............................................24
2.2.Sexismo Hostil e Sexismo Benévolo................................................................29
3 – Ciúme Romântico...............................................................................................39
3.1. Definição e Principais Características.............................................................39
3.2. Elementos Constitutivos........................................................................41
3.2.1. Elementos Primários...........................................................................41
3.2.2. Reações Emocionais...........................................................................42
3.2.3. Elementos Secundários......................................................................42
3.2.4.Esforços de Enfrentamento.................................................................43
3.3. Principais Variáveis Relacionadas ao Ciúme Romântico.............................44
3.4. O Estudo do Ciúme e Ênfase no EU................................................................46
3.5. Aspectos Estruturais do Ciúme Romântico...................................................47
3.6. Construções Relacionais e Forma de Expressão..........................................48
3.7. Outras tentativas de Definições.......................................................................50
3.8. Diferenças entre Gêneros.................................................................................51
3.9. Considerações Finais.......................................................................................55
4 – Valores................................................................................................................59
4.1. Introdução....................................................................................................59
4.2.Tipologia dos Valores Humanos Básicos..................................................69
II – Método................................................................................................................80
1 – Delineamento e Hipóteses......................................................................80
2 – Amostra....................................................................................................83
3 – Instrumentos............................................................................................85
10
4 – Procedimento...........................................................................................88
5 – Análise dos Dados...................................................................................89
III – Resultados..........................................................................................................90
1 – Parâmetros psicométricos da medida de Ciúme Romântico..............90
2 - Concepções Sexistas Ambivalentes, intensidade de Ciúme Romântico
e Valores Humanos Básicos.........................................................................93
VI – Discussão...........................................................................................................98
4.2. Comprovação do Modelo Teórico....................................................................98
4.2.1. Sexismo Ambivalente e Valores Humanos Básicos.........................98
4.2.2. Sexismo Ambivalente e Ciúme Romântico......................................104
4.2.3. Ciúme Romântico e Valores Humanos Básicos..............................106
4.3. O Sexismo Ambivalente e o Gênero..............................................................108
V – Conclusão.........................................................................................................110
5.1. Medidas Utilizadas...........................................................................................110
5.2. Principais Resultados......................................................................................111
5.3. Aplicabilidade do Estudo................................................................................113
5.4. Pesquisas Futuras...........................................................................................114
VI - Referências.......................................................................................................116
Anexos.....................................................................................................................122
Anexo 1 – Escala de Ciúme Romântico – versão masculina (Ramos, Yazawa &
Salazar, 1994)...........................................................................................................123
Anexo 2 – Escala de Ciúme Romântico – versão feminina (Ramos, Yazawa &
Salazar, 1994)...........................................................................................................124
Anexo 3 – Inventário de Sexismo Ambivalente (Glick &Fiske, 1996)......................125
Anexo 4 – Questionário dos Valores Básicos (Gouveia, 1998)...............................126
Anexo 5 – Questionário sócio-demográfico.........................................................127
11
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Tipos de Valores Instrumentais e Terminais em Rokeach (Gouveia,
1998)...........................................................................................................................61
Figura 2. Estrutura Bidimensional dos Tipos Motivacionais (adaptado de Schwartz,
1992)...........................................................................................................................66
Figura 3. Inter-relações entre Ciúme Romântico, Sexismo Ambivalente e Valores
Humanos Básicos.......................................................................................................78
12
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Caracterização da Amostra........................................................................84
Tabela 2. Estrutura fatorial da Escala de Ciúme Romântico......................................92
Tabela 3. Correlação entre Valores Humanos, Sexismos Hostil e Benévolo e Ciúme
Romântico...................................................................................................................94
Tabela 4. - Comparação entre Homens e Mulheres e as Dimensões do Sexismo
Ambivalente................................................................................................................96
13
I.- Introdução
A estrutura social, em decorrência de sua dinâmica, permite aos indivíduos
que dela fazem parte, uma constante interação geradora de vários tipos de
fenômenos. Um destes fenômenos, bastante visível e presente nas mais diversas
culturas, além de resistente ao tempo, é a caracterização da mulher, construída a
partir de concepções elaboradas de forma generalizada e estabelecida como
imutável no processo de socialização dos indivíduos. Glick e Fiske (1996), ao
teorizarem este fenômeno como sexismo, pontuam que ele se estrutura seguindo
duas formas de expressão que, apesar de diferentes, não são mutuamente
excludentes: a benevolente e a hostil. A primeira defende uma constante
necessidade de proteção e sustento às mulheres, por serem elas consideradas puras
e fracas. A segunda legitima os homens como os únicos capazes de exercer o
controle social, econômico e político das instituições sociais, em função das
mulheres serem vistas como inferiores, tendo capacidade de exercerem apenas os
papéis de esposa, mãe e objeto romântico.
Esta concepção sexista, construída ao longo do tempo, a respeito dos papéis
que cabem a homens e mulheres, pode possuir dentro da dinâmica social a
capacidade de influenciar outros fenômenos, como, por exemplo, o ciúme romântico.
Segundo Ramos, Yazawa e Salazar (1994), o ciúme romântico pode ser definido
como um desejo frustrado de interação humana frente a uma ameaça percebida por
parte de um rival real ou imaginário, com o objetivo de eliminar os riscos da perda do
amor. Não se descarta, neste âmbito, que estas orientações sociais se fundamentem
14
em princípios mais gerais, que guiam a vida das pessoas, como podem ser os
valores humanos.
Em decorrência destas observações, o objetivo do presente estudo consiste
em averiguar se o sentimento de ciúme, nas relações heterossexuais, pode ser
influenciado pelos estereótipos construídos em relação à mulher. Pretende-se
igualmente verificar em que medida as concepções sexistas e o ciúme romântico,
dentro de uma relação amorosa, são pautados pelos valores humanos adotados
pelos participantes.
A presente dissertação encontra-se dividida em duas partes. A primeira parte
é constituída por quatro capítulos teóricos. No primeiro capítulo, apresenta-se um
levantamento histórico sobre a situação da mulher em diversos contextos culturais,
buscando fundamentalmente fazer referência às caracterizações ao seu respeito que
sofreram transformações e aquelas que permanecem inalteradas. No segundo
capítulo, são apresentados a teoria e os principais estudos realizados na área do
sexismo ambivalente. O terceiro capítulo faz referência às principais definições,
assim como a algumas reflexões a respeito do ciúme romântico. O quarto capítulo
caracteriza a teoria dos valores básicos, que é considerada neste estudo. A segunda
parte desta dissertação discorre sobre o método utilizado para a realização da
pesquisa empírica, seguido dos resultados que foram encontrados. Finalmente, são
apresentadas as discussões construídas em função destes resultados e do marco
teórico, assim como são delineadas as perspectivas para estudos futuros e as
possíveis contribuições desta dissertação para o contexto social em que se insere.
15
Capítulo 1
16
1.- Situação da Mulher no Contexto Social: Breve Relato Histórico e Atualidade
O patriarcalismo, uma forma de expressão do absolutismo masculino, é uma
das estruturas sobre as quais se assentam as sociedades contemporâneas e
demonstra, na maioria delas, a capacidade de influenciar relacionamentos
interpessoais (Castells, 2000). É um sistema que garante a supremacia social aos
homens, concedendo-lhes o controle das instituições econômicas, legais e políticas,
com poder estrutural como grupo dominante, delegando às mulheres uma educação
voltada predominantemente para a problemática doméstica, responsabilizando-as
pelo cuidado da casa, dos filhos e pela satisfação sexual do marido, em decorrência
de serem consideradas como intelectualmente menos dotadas. Tal contexto
ocasiona uma socialização na qual a representação da masculinidade é associada à
responsabilidade pelo sustento da família, enquanto a feminilidade está associada à
submissão e responsabilidade pelo lar e pela prole (Ferreira, 2000).
A ideologia que suporta este sistema é resultante de uma construção cultural
que, de acordo com Heiborn (1999), tem a capacidade de conduzir as construções
ideológicas/institucionais tanto na época atual como, provavelmente, em direção a
novos horizontes, que serão engendrados buscando primordialmente demonstrar as
mulheres como um grupo inferior. Tal construção possui um dinamismo tão
articulado e uma força progressiva tão constante que acaba parecendo aos
indivíduos uma construção universal e natural. Entretanto, partindo-se de uma visão
antropológica, observa-se que toda esta construção é o resultado de um sistema de
significação que pode ser chamado de “cultura ocidental moderna”, com a
capacidade de moldar a percepção dos sujeitos para aceitarem os fenômenos que
17
ocorrem à sua volta e nas culturas externas através de uma perspectiva única tida
como universal. As conseqüências deste tipo de construção cultural aparecem, de
forma visível, nas questões relativas à sexualidade.
É inegável que a instituição da sexualidade possui um papel fundamental e
uma grande influência dentro da organização social. Geralmente, observa-se uma
tentativa de explicar o fenômeno da sexualidade em relação à família, ao parentesco,
ao casamento e ao desejo, vinculando-a a construtos biológicos, políticos e morais.
Em um sentido mais subjetivo, considera-se a sexualidade como constitutiva da
identidade individual e social, através de um modelo calcado na atribuição de papéis
sociais e de características psicológicas aos dois sexos, em função de suas
diferenças biológicas e da forma como participam do processo reprodutivo. Tal
construção resulta em representações permanentes e responsáveis por concepções
e discursos contribuintes para a desigualdade existente entre homens e mulheres,
sendo capaz de demonstrar que as diferenças instituídas entre os sexos variam
conforme o tempo e espaço, em função do contexto sócio-cultural no qual os
indivíduos estão inseridos.
Neste âmbito, torna-se claro que a cultura é responsável não apenas pela
orientação sexual e escolha dos parceiros, realizadas pelos indivíduos, mas também
pela categorização dos gêneros, com capacidade de modelar, orientar e esculpir os
desejos e modos de viver a sexualidade. A história demonstra que, nas mais
diversas culturas, as mulheres sempre foram vistas dentro de contextos que
acentuam sua passividade e submissão, com conseqüentes punições quando elas
desafiam as normas estabelecidas pelo sistema patriarcal, sendo até mesmo
18
consideradas “anormais” quando se demonstram diferentes destas normas (Engel,
1997). No final do século XIX, com o objetivo da quebra do patriarcalismo
responsável pela situação de discriminação, surgiram várias organizações que
inauguraram novas oportunidades e ocupações de ordem educativa para as
mulheres. O surgimento dessas organizações foi seguido pelas constantes tentativas
das mulheres, alicerçadas em um espírito libertário, de obterem condições de
igualdade através do movimento feminista, no início do século XX. O feminismo
surgiu como um movimento político, originado de uma filosofia universal que
considera a existência de uma opressão específica a todas as mulheres. Expressase através de ideologias, políticas e culturas, objetivando questionar as relações de
poder, a opressão e a exploração de grupos de pessoas sobre outras, e propõe a
partir daí uma transformação social, política e ideológica da sociedade (Teles, 1999).
Tal movimento procura ainda demonstrar a capacidade da mulher de ir além da
aceitação de permanecer alienada e desintegrada do mundo e da realidade (Neotti,
1973). Em sua essência, este sistema ideológico tenta demonstrar que o valor das
mulheres não consiste apenas em bases biológicas, mas que existe uma experiência
feminina comum, responsável por sua orientação moral distinta (Freedman, 1990).
Nesta perspectiva, torna-se válido mencionar o estudo de Possati (2000), que
demonstra o quanto ainda se faz presente, na atualidade, a crença equivocada de
que o acúmulo de papéis (somando-se as atividades do lar às atividades externas)
interfere negativamente na saúde e no bem-estar psicológico da mulher. Contando
com uma amostra de 132 mulheres mães, moradoras no Estado da Paraíba, e com
trabalho remunerado externo ao lar, a autora observou que o acúmulo de papéis não
19
ocasiona necessariamente sobrecarga e prejuízo ao bem-estar, mas que, ao
contrário do que normalmente se acredita, tal acúmulo é capaz de ocasionar níveis
elevados de bem-estar entre as mulheres que possuem um trabalho remunerado, em
contraste com os níveis mais baixos encontrados para as mulheres que não
trabalham nestas condições.
Pensar a sexualidade requer ponderação e equilíbrio. Reduzir a sexualidade à
natureza representa um ato tão precipitado quanto considerar sua diferença apenas
como resultado de uma construção histórica, segundo Agacinski (1999). Para este
autor, é fundamental levar em conta que, se por um lado, a diferença natural entre os
sexos é real, por outro, considerar apenas esta naturalidade torna-se insignificante,
uma vez que ela só tem sentido quando interpretada no contexto em que está
inserida. Por este ponto de vista, a natureza fornece a diferença, mas a leitura de tal
diferença é construída e organizada socialmente por cada cultura. Além disso, a
diferença entre os gêneros estrutura universalmente as sociedades, com os valores e
os conteúdos atribuídos a esta diferença sendo culturalmente variáveis. É neste
contexto que se observa o quanto a diferença entre os sexos, apesar de construída,
adquiriu, praticamente em todas as partes do mundo, o sentido de uma hierarquia
(com o masculino aparecendo em um nível superior ao feminino), refletida através da
associação do poder e controle social do trabalho à masculinidade e capaz de tornar
os homens detentores do poder ao qual as mulheres estão subordinadas (Lima,
2002). Esta diferença construída busca, acima de tudo, demonstrar que os sexos
jamais merecem igual valor.
20
Além disto, o significado assumido pela sexualidade, nos diversos contextos
sociais, depende das relações afetivas entre homens e mulheres. Tais relações
resultam da diferença, ao mesmo tempo natural, artificial e política, existente entre
homens e mulheres, levando cada sociedade, em cada época, a oferecer uma
versão particular da diferença universal entre os sexos. Nesse processo, a idéia de
diferença, talvez melhor expressada pelas condições reais de desigualdade, aparece
como a única constante.
Atualmente, apesar de já ter sofrido bastantes modificações, de uma forma
geral o estereótipo da mulher continua resistindo ao tempo e às culturas. Através das
pesquisas realizadas na área dos estereótipos de gênero (Borgida, Locksley &
Brekke, 1981), por exemplo, observa-se uma avaliação quase permanente para
ambos os sexos. Isto é, o gênero masculino aparece normalmente como assertivo,
ativo, objetivo, racional e competente, em contraste com o modelo da típica mulher,
tida como mais passiva, emotiva, submissa, compassiva e irracional.
Resultados como estes refletem um tipo de concepção generalizada, construída
dentro do contexto social e caracterizada, pelos estudiosos da área, como
estereótipo. Freedman, Carlsmith e Sears (1970) defendem que tal construção, tanto
no nível grupal quanto individual, leva o percebedor a agir, em relação ao objeto em
questão, em função de conhecimentos prévios (construídos socialmente) a respeito
do grupo do qual o indivíduo faz parte. Entretanto, estruturar a percepção de um
indivíduo a partir de seu grupo ou do grupo a partir do indivíduo, é um caminho que
pouco tem a ver com o processo perceptivo, uma vez que, neste caso, o percebedor
torna-se influenciado por suas motivações afetivas que o levam, na maioria das
21
vezes, a construir idéias sem qualquer semelhança com as características reais dos
indivíduos.
O achado mais comum entre as pesquisas sobre estereótipos de gênero é a
associação de emoções específicas a homens e mulheres. Sentimentos como
tristeza e felicidade são normalmente associados às mulheres, enquanto que a raiva
e o orgulho são freqüentemente associados aos homens. Techio (1999), por
exemplo, objetivando estudar o papel dos fatores cognitivos e de certos indicadores
culturais no conhecimento social das emoções, além de conhecer se as avaliações
das emoções, no que diz respeito às causas, à intensidade e importância são
influenciadas pelo gênero do sujeito, observou que existem algumas diferenças
significativas na avaliação dos comportamentos masculino e feminino. Através de
uma amostra de 214 universitários (105 homens e 109 mulheres), ficou evidenciado
que se espera das mulheres expressões caracterizadas como sensíveis, ao mesmo
tempo em que dos homens são esperadas formas assertivas de expressão da
emoção. Este resultado sugere que as diferentes atribuições dirigidas para homens e
mulheres não podem ser explicadas apenas em função das diferenças originadas na
constituição do sexo, mas fundamentalmente em função das normas sociais e
culturais.
Resultados semelhantes foram encontrados por Lima (2002), que com o
objetivo de verificar de que maneira a mudança na configuração dos estereótipos
poderia estar ligada às mudanças na adesão à participação do homem em tarefas
domésticas, observou que as características estereotípicas assinaladas como
tradicionalmente masculinas foram a agressividade, a força e a lógica, ao mesmo
22
tempo em que para as mulheres foram atribuídas a sensibilidade, a beleza e a
instabilidade. A partir de sua amostra composta por 585 pessoas (55,5% do sexo
feminino) residentes na cidade de Recife e com idades variando entre 14 e 85 anos,
ficou claro mais uma vez que, em diversos contextos sociais, as mulheres são vistas
como mais propensas a vivenciar intensamente emoções que as caracterizam como
frágeis e sensíveis, ao contrário dos homens, nos quais tal vivência aparece como
comprometedora da masculinidade.
Buscando conhecer um pouco mais sobre estas proposições, Freedman,
Carlsmith e Sears (1970) estruturaram um estudo que teve como objetivo principal
examinar até que ponto os estereótipos a respeito das emoções de gênero podem
ser influenciados pela natureza dos contextos interpessoais e de realização.
Especificamente, para cada tipo de emoção foram previstos três caminhos de
interação: o objetivo do gênero, o tipo de reação às emoções e a natureza do
contexto no qual o evento ocorreu. Um total de 33 mulheres e 44 homens, com
idades variando de 18 a 25 anos (M = 19,25), responderam aos instrumentos
aplicados em ambos os contextos (interpessoal e de realização). De forma geral, os
resultados demonstraram que as emoções de alegria e tristeza, expressadas no
contexto interpessoal, foram consideradas características das mulheres, ao mesmo
tempo em que, também no contexto interpessoal, o “mascaramento” destas emoções
foi tido como um comportamento característico dos homens. Isto sugere, mais uma
vez, a existência de uma concepção social comum que inter-relaciona o tipo de
emoção ao gênero e ao contexto social.
23
Diante desta realidade, pode-se concluir que, apesar de todas as conquistas
obtidas pelas mulheres, no sentido de alcançarem igualdade de direitos, tanto no
âmbito teórico como no terreno prático, tais conquistas ainda aparecem como
insuficientes em relação aos objetivos desejados. A maior dificuldade, inerente à
interiorização de tais propostas, pode ser atribuída, sobretudo, à interiorização
“universal” das concepções defensoras de idéias como a da indiscutível
superioridade masculina e a das mulheres como mais calorosas, maternais e
compreensivas (ao contrário dos homens, que são independentes, ambiciosos e
competitivos), constituindo um grupo com menores capacidades intelectuais.
24
Capítulo 2
25
2. -Sexismo
2.1. - Sexismo: Uma Forma de Estereótipo Feminino
O processo de formação de impressão, que constitui um conjunto de
avaliações afetivas, morais e instrumentais, elaboradas a respeito de uma pessoa,
possui a capacidade de orientar o percebedor em suas relações com o meio social
(Camino, 1996). Na maioria dos casos, entretanto, por se constituir a partir de uma
única característica social da pessoa percebida, a construção pode resultar em uma
concepção equivocada. Tal processo, conceituado como estereótipo, representa
generalizações a respeito dos indivíduos em função destes pertencerem a algum
grupo ou alguma categoria social, sem levar em conta suas características
individuais.
Com base nestas observações, a presente dissertação tem como meta
analisar uma forma de estereótipo, relativamente aceita por ambos os sexos e
refletida através de uma ideologia preconceituosa voltada para a mulher. A idéia, por
exemplo, de que a mulher deve ficar dentro de casa, por ser o sexo mais frágil e a
divulgação de crenças que defendem ser ela incompetente para as tarefas que
dizem respeito às áreas econômica, jurídica e política, refletem uma forma de
pensamento estereotipada. Tais concepções, que delegam à mulher papéis
socialmente limitados, são conceituadas por Glick e Fiske (1996) como sexismo
ambivalente, e refletem mais uma das formas de preconceito existentes dentro do
contexto social, guiado por idéias como as de que as mulheres, apesar de puras e
frágeis, buscam controlar os homens através de seus atributos sexuais.
26
A ambivalência referente ao sexismo diz respeito à existência de uma
construção simultânea de duas ideologias voltadas para a mulher: uma de cunho
benévolo e outra de cunho hostil. Os dois tipos de sexismo, hostil e benévolo, são
produtos da estrutura relacional entre os sexos e expressados através de idéias
como as de que os homens são tipicamente constituídos de mais poder que as
mulheres; que homens e mulheres são freqüentemente diferenciados em termos de
papel social; e que as relações entre homens e mulheres são condicionadas apenas
pela reprodução sexual (Glick & Fiske, 2001b).
O
poder
estrutural
masculino,
o
patriarcalismo,
possui
implicações
fundamentais para o conteúdo ideológico hostil e benévolo. Tal sistema, apesar de
não ser universal, é adotado atualmente em diversas culturas, sendo refletido através
do domínio masculino prevalente na ocupação de cargos com alto status nas áreas
de negócios, governo e instituições religiosas. Portanto, as diferenças de poder
existentes entre os sexos, demonstram claramente a interiorização da ideologia
ambivalente, em conseqüência do estabelecimento ideológico de que o gênero
masculino é superior ao feminino. Neste contexto, Glick e Fiske (1996) propõem que
a ideologia sexista constitui uma construção refletora de tal pensamento (o
patriarcalista), existente em diversas culturas e responsável pelas diferenças de
poder entre os sexos nos contextos sócio-cultural (legitimando os papéis e as
relações convencionais entre os gêneros) e individual (os homens representando o
poder dentro da relação amorosa). Esta ideologia pode se expressar tanto através de
um sexismo interpessoal, que representa as atitudes e condutas negativas dos
homens voltadas para as mulheres nas relações interpessoais, como de um sexismo
27
institucional, isto é, práticas de exclusão promovidas por entidades, organizações e
comunidades que impõem às mulheres certas barreiras, impedindo-as de ter as
mesmas oportunidades que os homens em situações de trabalho.
Ashmore (1994, citado por Glick, Diebold, Bailey-Werner & Zhu, 1997), em
suas análises a respeito do sexismo, defende a existência de uma prática inerente,
característica dos homens sexistas: a constante categorização das mulheres através
de estereótipos, utilizados como um guia na elaboração do trato e das respostas que
lhes serão dadas.
Glick, Diebold, Bailey-Werner e Zhu (1997) conduziram dois estudos que, de
forma geral, foram capazes de demonstrar o quanto as ideologias sexistas hostil e
benévola podem ser conciliadas pelos indivíduos sem gerar conflitos cognitivos. Com
a hipótese de que os homens sexistas ambivalentes, quando comparados com os
não-sexistas, tenderiam a classificar as mulheres em sub-grupos polarizados, isto é,
“as que merecem ser colocadas em um pedestal” e “as que eles colocariam em uma
“sarjeta”, foram elaborados dois estudos. No primeiro, foi observado se os homens
sexistas ambivalentes, em comparação com os não-sexistas, categorizariam
espontaneamente as mulheres em subtipos com avaliações polarizadas. No
segundo, se analisou o quanto o sexismo hostil e o sexismo benévolo estariam
relacionados com as avaliações masculinas em subtipos específicos de mulheres,
nas dimensões mais comuns com que os homens costumam classificá-las: mulheres
tradicionais e não-tradicionais. Os resultados do primeiro estudo demonstraram que
o sexismo ambivalente ocasionou uma maior polarização dos subtipos femininos nas
avaliações masculinas. O segundo estudo revelou que o sexismo hostil levou a uma
28
avaliação menos favorável das mulheres que ocupam papéis não-tradicionais
(mulheres com carreira profissional), enquanto o sexismo benévolo ocasionou
sentimentos favoráveis às mulheres exercendo um papel tradicional (donas de casa).
Outra demonstração da existência desta ideologia pode ser observada
através do estudo de Ferreira (2001), referente ao ambiente de trabalho. A autora
partiu do pressuposto de que, ainda hoje, os homens constituem maioria em
ocupações de liderança, com maior poder e prestígio no contexto organizacional
(com salários mais altos que os das mulheres, apesar de estarem ocupando os
mesmos cargos). Os resultados mostraram que, no ambiente estudado, o sexismo
se expressou a partir de atitudes diretas ou indiretas, refletidas através de
comentários pejorativos (“Acho que você estaria melhor pilotando um fogão”);
impedimentos a determinados recursos, como tarefas que poderiam permitir o
crescimento profissional, viagens ou treinamentos; piadas pornográficas e assédio
sexual; além de atitudes diretas ou indiretas de oposição dos colegas, gerentes e/ou
supervisores. Esta situação acabou acarretando às mulheres um isolamento social,
uma insatisfação com o ambiente de trabalho e um constante estresse, ocasionado
pela necessidade de apresentar bom desempenho em ambiente adverso.
Buscando ampliar o conhecimento da relação do sexismo ambivalente com
outras variáveis, e partindo da constatação dos altos índices de violência doméstica
sofrida pelas mulheres, por parte do companheiro, em países como Canadá, Estados
Unidos e Brasil, Ferreira, Barros e Souza (2001) realizaram um estudo com o
objetivo de conhecer o poder preditivo do sexismo hostil, do sexismo benévolo, do
sexo e da idade nas atitudes a respeito da violência doméstica contra a mulher. Para
29
a realização do estudo, fez-se uso da Escala de Atitude sobre a Violência Doméstica
contra a Mulher e do Inventário de Sexismo Ambivalente, aplicando-os a uma
amostra brasileira de 394 sujeitos (182 homens e 212 mulheres). Realizando uma
comparação entre as respostas de homens e mulheres, os resultados demonstraram
que, enquanto as mulheres se apresentaram favoráveis ao combate à violência, os
homens apresentaram atitudes favoráveis à aceitação da violência doméstica,
justificando tal violência como resultado dos comportamentos femininos. Além disto,
foi também encontrada uma correlação positiva e significativa entre a violência
doméstica e o sexismo ambivalente, demonstrando ser o sexismo hostil um forte
preditor da violência doméstica.
A partir destas observações, pode-se concluir que o sexismo é um exemplo
de construção estereotípica e preconceituosa, uma vez que diz respeito a um
conjunto de concepções e julgamentos generalizados a respeito de um grupo, com
base em informações bastante pobres e limitadas, legitimando a crença de que
todos os membros deste grupo possuem características e atributos semelhantes e
proporcionando o surgimento de atitudes para com o grupo em questão. Nesta
perspectiva, vale salientar que não apenas o sexismo hostil é responsável por esta
discriminação, mas que o sexismo benévolo, de forma subjetiva, também promove a
desqualificação do gênero feminino. Embora as ideologias hostil e benévola sejam
diferentes em sua forma de apresentação, funcionam conjuntamente no contexto
cultural como um conjunto de crenças refletoras de um sistema de recompensa e
punição que estimula a aceitação da diferença de poder existente entre os sexos.
30
2.2. - Sexismo Hostil e Sexismo Benévolo
O sexismo ambivalente representa um reflexo da hostilidade voltada para a
mulher, sem negligenciar um aspecto significante: os sentimentos subjetivamente
positivos que freqüentemente acompanham a antipatia sexista. Esses sentimentos
“positivos” caracterizam as concepções sexistas benévolas, que se expressam
através de atitudes de admiração e proteção e, na maioria das vezes, não são
consideradas como uma forma de discriminação contra a mulher. Tais concepções
são complementadas por uma considerável saliência das concepções sexistas
hostis, estruturadas a partir de uma visão competitiva, que caracteriza as mulheres
como controladoras dos homens através da sexualidade ou da ideologia feminista.
Estas concepções refletem a permanência do sistema patriarcalista, demonstrando o
quanto, em diferentes períodos de tempo, as mulheres foram e ainda têm sido
restringidas a papéis sociais com menos status (tarefas domésticas e cuidados com
as crianças) que os papéis dos homens (administração de assuntos científicos,
políticos e de poder), nos mais diversos contextos sociais e culturais (Glick & Fiske,
1996).
Por ser uma forma de preconceito que se apresenta através de
comportamentos de proteção e afeição às mulheres, o sexismo benévolo aparece
como um “desafio” às afirmações que relacionam a antipatia ao preconceito. Isto é,
se se toma como certa a definição de Allport (1954) a respeito de preconceito, na
qual se admite que o preconceito é uma forma de antipatia ou hostilidade dirigida a
grupos ou a membros específicos desses grupos, o sexismo benévolo não poderá
ser concebido como preconceito (por não se apresentar hostilmente, as mulheres
31
sentem dificuldades em resistir ao cavalheirismo expressado pelos homens).
Entretanto, se se considera que o preconceito tem como meta primordial colocar o
seu objeto em desvantagem, pode-se afirmar que, mesmo se apresentando de forma
sutil, o sexismo benévolo é também uma forma de preconceito, que faz uso de um
caminho favorecedor às mulheres a fim de propagar a idéia de que o poder dos
homens é usado como forma de assegurar proteção para elas. Com base nesta
definição de Allport, Ferreira (2000) tenta demonstrar o quanto o sexismo benévolo
representa uma forma de preconceito. Partindo da definição de que o preconceito é
constituído por três componentes, cognitivo, afetivo e comportamental, pode-se
observar que o sexismo benévolo possui suas formas de expressão estruturadas
neste modelo: crenças e representações a respeito dos atributos negativos que
caracterizam as mulheres (componente cognitivo), sentimentos e avaliações
negativas dirigidas às mulheres (componente afetivo) e tendência à prática de atos
hostis e persecutórios dirigidos às mulheres (componente comportamental).
A ambivalência sentida para com as mulheres não necessariamente apresenta
com exclusividade uma ideologia adversária. Na verdade, o que ocorre é uma
simultaneidade dos sentimentos ambivalentes, expressos através de estereótipos
favoráveis e desfavoráveis, demonstrando serem complementares e guardando entre
si uma correlação positiva. Independentemente das formas de expressão, ambos os
sentimentos possuem o mesmo impulso primário: o desejo de dominar o gênero
feminino. Juntas, as ideologias hostil e benévola constituem uma ideologia de ordem
superior, representativa do sistema de recompensa e punição, gratificando as
mulheres que incorporam os papéis convencionais de gênero (inferior e incapaz de
32
realizar atividades de âmbito intelectual) e punindo as que desafiam seu status quo,
já determinado pela sociedade. Tal sistema busca, primordialmente, incentivar as
mulheres a permanecerem em seus papéis convencionais, estabelecidos em função
do gênero (Glick & Fiske, 2001a).
Diante destas constatações, pode-se supor que, talvez pelo afeto e proteção
provenientes das concepções sexistas benévolas, as mulheres se apresentam
aceitando mais facilmente tal ideologia, em detrimento das concepções sexistas
hostis. O sexismo benévolo, acima de tudo, possui a capacidade de reduzir a
resistência feminina ao sistema patriarcalista, uma vez, que sendo subjetivamente
favorável à caracterização da mulher, garante o poder masculino, com a tolerância
das mulheres ao comportamento sexista. Assim, enquanto o domínio masculino
perpetua o sexismo hostil, a dependência feminina favorece o sexismo benévolo.
Apesar de resistirem às concepções sexistas hostis, as mulheres, em seu
processo de socialização, mesmo encontrando-se no grupo objeto do preconceito,
acabam sendo receptoras culturais das crenças originadas da motivação masculina,
que as levam a interiorizar a ideologia sexista hostil. Pode-se dizer que tal
interiorização faz com que as mulheres, apesar de rejeitarem esta ideologia,
apresentam-se em alguns momentos como perpetuadoras da mesma, ou seja, é fácil
observar que muitas mulheres, por exemplo, não encaram outras como competentes
para ocupar cargos de liderança.
Glick e Fliske (1996) caracterizam, como idéia central de sua teoria, que
ambas as formas de sexismo se encontram estruturadas sobre três tipos de
expressão, definidores de um conjunto de crenças nas quais a ambivalência para
33
com a mulher é inerente, a saber: paternalismo, diferenciação de gênero e
heterossexualidade.
O paternalismo, concebido como a forma de proceder de um pai para com
suas crianças, pode ser expresso tanto através de um paternalismo dominante como
de um paternalismo protetor. O paternalismo dominante representa a face hostil da
ideologia sexista, na qual os homens representam a figura de autoridade e
dominação. Tal face, por ser defensora da crença de que o homem deve ter mais
poder que a mulher, objetiva o domínio sobre o gênero feminino e se expressa nos
contextos públicos (por exemplo, a discriminação constante às mulheres em seus
ambientes de trabalho) e nos contextos privados (a certeza de que os homens, na
intimidade sexual, devem tomar as decisões mais importantes para o casal). O
paternalismo protetor, por outro lado, propaga a idéia de que as mulheres, por serem
frágeis, devem ser protegidas pelos homens. Nos contextos público e privado, tal
paternalismo se expressa através de idéias como as de que “as mulheres devem ser
socorridas primeiro que os homens em situação de emergência” e “o homem deve
ser o provedor e protetor da família”, respectivamente.
Apesar da variação entre as culturas, na sua forma de encarar os papéis
ocupados por homens e mulheres, a diferenciação de gênero representa um dos
mais fortes e antigos tipos de identidade grupal. Tal diferenciação também possui
duas formas de expressão, construídas em função da hostilidade e da benevolência
para com a mulher. A diferenciação de gênero competitiva, representante da
ideologia hostil, realiza constantes comparações entre os sexos na busca de elevar a
auto-estima masculina e demonstrar que as mulheres são inferiores na dimensão da
34
competência. Entretanto, objetivando caracterizar as mulheres como capazes de
exercer papéis complementares aos dos homens, o gênero feminino recebe
socialmente alguns estereótipos favoráveis, associados às atividades domésticas e
aos cuidados com as crianças. A diferenciação de gênero complementar propõe a
idéia de que, enquanto os homens se concentram em sua carreira, as mulheres
devem trabalhar em casa, desempenhando os papéis de “objeto” romântico, esposa
e mãe.
Finalmente, com a capacidade de criar uma das mais fortes relações entre
homens e mulheres na intimidade, a heterossexualidade representa a terceira forma
de expressão do sexismo ambivalente. A hostilidade sexual resulta da crença de que
a sexualidade das mulheres representa um perigo para os homens, uma vez que os
homens se sentem vulneráveis às mulheres em suas relações íntimas. Por outro
lado, em função da capacidade das relações românticas inspirarem paixão, devoção
e idealização, ambos os sexos buscam a intimidade heterossexual com o parceiro, a
fim de alcançarem a verdadeira felicidade da vida.
Com o objetivo principal de distinguir ambos os tipos de sexismo, foi elaborado
o Ambivalent Sexism Inventory – ASI (Glick & Fiske, 1996), composto por 22 itens,
igualmente subdivididos nas dimensões de sexismo hostil e sexismo benévolo. As
afirmações apresentadas no ASI estão estruturadas em função de situações
características das relações de gênero. As proposições do sexismo benévolo
legitimam, de forma sutil, o poder dos homens. Em contraste, as afirmações sexistas
hostis justificam o poder dos homens através de uma antipatia sexista, na qual as
mulheres são percebidas como fazendo uso da sensualidade e da ideologia feminista
35
para controlar o gênero masculino. Ambos os grupos de itens apresentam-se
fortemente correlacionados, através das três sub-dimensões mencionadas pela
teoria, para cada ideologia sexista (hostil e benévola, respectivamente): paternalismo
dominante e paternalismo protetor, diferenciação de gênero competitiva e
complementar, hostilidade sexual e intimidade heterossexual. Finalmente, vale
salientar que as análises estatísticas indicam que os sexismos hostil e benévolo
compreendem ideologias significativas e coerentes não somente nos Estados Unidos
(onde foram inicialmente estudados), mas também em um considerável número de
outros países (Glick & cols., 2000).
A partir da aplicação realizada em 19 países, entre os quais figurava o Brasil,
em uma amostra de 15000 homens e mulheres, Glick e cols. (2000) reconhecem
que, embora seja prematuro afirmar a universalidade dos sexismos hostil e benévolo,
na maioria dos países constituintes do estudo apresentou-se uma reprodução da
ideologia sexista ambivalente. Isto foi notado, principalmente, no que se refere à
tendência das mulheres, em comparação com os homens, de rejeitarem as
concepções sexistas hostis e aceitarem as sexistas benévolas. Além disso, houve a
associação das concepções sexistas benévolas aos estereótipos positivos para com
a mulher e das sexistas hostis aos estereótipos negativos. De forma geral, pode-se
observar também que, nos países mais sexistas hostis, foram encontradas baixas
correlações entre as concepções hostis e benévolas. Tal resultado sugere que os
indivíduos sexistas hostis se apresentam mais fechados a aceitarem as concepções
sexistas benévolas, ao mesmo tempo em que os sexistas benévolos são mais
36
flexíveis a rejeitarem as concepções sexistas hostis e a encararem as concepções
sexistas benévolas tão sexistas quanto as hostis.
Com relação às mulheres, estes autores observaram que, em todos os países
estudados, estas foram mais resistentes às concepções sexistas hostis do que às
benévolas, como uma provável forma de auto-defesa quando a cultura do país
apresenta altos níveis de sexismo.
Vale salientar ainda que, quando se comparam as concepções masculinas e
femininas, encontra-se uma correlação sistemática e inversa: quando as concepções
sexistas hostis masculinas atingem altas pontuações, as mulheres apresentam uma
forte tendência a aceitar as concepções sexistas benévolas, uma vez que, de acordo
com este sistema, elas recebem proteção, admiração e afeição dos homens. Glick e
Fiske (1996), por exemplo, com uma amostra de 2250 sujeitos, distribuída por seis
estudos, observaram que, de forma geral, enquanto os homens demonstraram
atitudes ambivalentes para com as mulheres, estas apresentaram uma menor
ambivalência por mostrarem uma maior aceitação da ideologia sexista benévola. A
pesquisa realizada por Formiga, Gouveia, Maia e Santos (2002), com 200 estudantes
de Psicologia de João Pessoa, com idades variando entre 20 e 56 anos, objetivando
a adaptação do Ambivalent Sexism Inventory para o Brasil, encontrou resultados
semelhantes. O estudo demonstrou a existência de uma correlação entre o sexismo
e o gênero: os homens apresentaram maior sexismo hostil e as mulheres maior
sexismo benévolo; o que de certa forma confirma os resultados encontrados em
estudos anteriores em outros países.
37
Com o objetivo de verificar a estrutura fatorial do referido inventário em
amostras brasileiras, bem como as inter-relações entre seus fatores e as diferenças
de gênero manifestas na concordância a tais fatores, Ferreira (2000) aplicou o
Inventário de Sexismo Ambivalente a uma amostra de 540 estudantes universitários,
com idades de 17 a 28 anos (média = 21,83), igualmente distribuídos entre homens e
mulheres. Os resultados demonstraram que com relação ao sexismo benévolo não
foi encontrada diferença entre os dois sexos, entretanto, com relação sexismo hostil,
pode-se observar uma diferença acentuada, com os homens apresentando
resultados significativamente mais altos do que as mulheres (homens, M = 41,76;
mulheres, M = 30,77; t = 13,13; p < 0,000).
Além destas diferenças entre os gêneros, os resultados também apresentaram
boas características psicométricas, no que diz respeito à identificação das atitudes
sexistas hostis e benévolas do Inventário de Sexismo Ambivalente. Ou seja, a
estrutura bi-dimensional obtida com a análise fatorial da versão brasileira do
Inventário reproduziu integralmente as duas formas de sexismo – hostil e benévola –
reveladas no estudo original da escala. Portanto, os índices psicométricos obtidos
atestam que este é um instrumento válido para a mensuração das concepções hostis
e benévolas. Finalmente, também foi possível observar que os sexismos benévolo e
hostil são ideologias válidas transculturalmente, uma vez que os resultados
brasileiros mostraram grande convergência com aqueles oriundos de amostras
diversificadas norte-americanas, mexicanas, chilenas, coreanas e alemães (Ferreira,
2000).
38
Antes de passar ao próximo capítulo, faz-se necessário justificar a suposta
relação entre o sexismo ambivalente e as atitudes de ciúme romântico, proposta no
início desta dissertação. A hipótese desta relação resulta da pretensa dominação do
homem sobre a mulher, característica das concepções sexistas. Estas idéias, não
importando a forma como se expressem, têm sempre como meta final mostrar
superioridade e controle sobre as mulheres, que são vistas freqüentemente como um
grupo social inferior. O ciúme romântico, por ser um sentimento que diz respeito às
intenções de um parceiro para com a outra pessoa, dentro de um relacionamento
amoroso, pode ser influenciado pelas concepções sexistas que os homens têm a
respeito das mulheres. A partir destas suposições, buscar-se-á observar se as
concepções construídas a respeito dos papéis que cabem às mulheres, dentro da
dinâmica social, são capazes de influenciar o ciúme romântico, considerado como
um sentimento próprio das relações amorosas.
39
Capítulo 3
40
3. – Ciúme Romântico
Tendo como característica principal o processo de comparação com outros
indivíduos, o ciúme diz respeito a um dos fenômenos produzidos nas relações
interpessoais. Tal processo possui a capacidade de acarretar conseqüências
cognitivas e afetivas à auto-estima, refletidas principalmente através de ansiedade,
falta de ânimo e uma constante avaliação dos outros em função da comparação.
De acordo com Salovey e Rodin (1984), existem dois tipos de ciúme: o ciúme
de comparação social, que é caracterizado pelo desejo de superioridade, quando se
realiza a comparação, e o ciúme de relação social, resultado de um desejo por
exclusividade na relação. Quando esta relação é caracterizada como romântica, uma
forma específica do ciúme emerge, como conseqüência da certeza ou suspeita de
que a relação está ameaçada: o ciúme romântico.
3.1.- Definição e Principais Características
Para White (1981a), o ciúme romântico diz respeito a um campo mais
complexo das relações interpessoais, constituindo não apenas uma simples emoção,
construída na tentativa de enfrentar a ameaça de um rival, mas sim um
conglomerado capaz de inter-relacionar processos emocionais, cognitivos e
comportamentais. A partir de tal observação, o referido autor conceitua o ciúme
romântico como um “complexo de pensamentos, sentimentos e ações que seguem
as ameaças da auto-estima e/ou ameaças da existência ou qualidade da relação,
quando estas ameaças são geradas pela percepção de uma atração real ou
potencial entre o parceiro e um (talvez imaginário) rival” (p. 296). Além disto, por
41
dizer respeito aos pensamentos, sentimentos e ações do indivíduo, em relação a ele
mesmo e ao contexto cultural no qual está inserido, a forma de expressão do ciúme
poderá diferir de pessoa para pessoa e de situação para situação. Nesta definição,
podem ser encontradas ao menos oito características importantes:
1) O ciúme como um complexo de pensamentos, emoções e ações – o complexo
com sentido de um construto composto de partes interrelacionadas;
2) A existência de dois sentimentos caracterizadores de tal complexo – de forma
inerente à vivência do ciúme, podem emergir os sentimentos de perda e ameaça,
tanto à auto-estima como à relação romântica;
3) As sensações de perda e ameaça resultando de duas percepções distintas –
percepção de uma relação rival real ou imaginária;
4) A percepção tendo origem em duas situações – a percepção da relação rival
podendo resultar de uma nova relação real ou do início de uma relação potencial, a
qual envolve o parceiro;
5) O tipo de percepção – a percepção das relações rivais imaginárias e a percepção
das relações rivais reais;
6) A existência de duas formas de sentir a ameaça do ciúme – a ameaça sentida
pela pessoa que vivencia o ciúme pode ser quanto à auto-estima ou quanto à relação
romântica construída com o parceiro;
7) As conseqüências acarretadas por uma relação rival – uma relação rival ao
relacionamento é capaz de ameaçar ou danificar a qualidade da relação. Não
necessariamente esta pode chegar ao fim, mas pode passar a ser composta por
42
menos confiança, menos suporte emocional e perda da sensação de singularidade e
de que se é uma pessoa especial;
8) Sentido do termo “romântico” – o termo romântico abarcando não apenas o amor
apaixonado, mas também o de companheirismo.
A partir desta descrição, na qual o ciúme é concebido como um complexo de
emoções, pensamentos, sentimentos e comportamentos, oriundos de uma situação
específica, White e Mullen (1989) assumem que tal complexo pode até mesmo ser
caracterizado como um padrão. Entretanto, salientam estes autores, existe uma
flexibilidade inerente à forma de expressão do ciúme romântico, fazendo com que o
indivíduo, no decorrer de seu relacionamento, expresse seu ciúme de diferentes
maneiras. Tal flexibilidade demonstra que, apesar do ciúme representar uma
construção padronizada, seus elementos constitutivos (emoção, pensamento e
comportamento), no que diz respeito à sua forma de expressão, não seguem moldes
pré-estabelecidos.
3.2.- Elementos Constitutivos
White
e
Mullen
(1989)
defendem
a
existência
de
uma
estrutura
multidimensional inerente aos elementos constitutivos do ciúme romântico. Para os
autores, o ciúme romântico possui elementos primários, as reações emocionais, os
elementos secundários e os esforços de enfrentamento.
43
3.2.1.- Elementos Primários
Os elementos primários dizem respeito às emoções sentidas no momento da
vivência do ciúme romântico. Para White e Mullen (1989) existem três tipos de
situações capazes de estimular estas emoções: (1) o julgamento a respeito de uma
relação rival imaginária, sem a crença de que esta relação realmente exista; (2) as
avaliações suscitadas sobre a existência ou não-existência de uma relação rival; e
(3) os graus de ameaça e medo resultantes da relação rival real ou potencial.
3.2.2.- Reações Emocionais
Com
relação
à
expressão
das
reações
emocionais
suscitadas
na
experimentação do ciúme, White e Mullen (1989) postulam a existência de duas
fases inerentes a tal processo: a forma de responder ao medo de uma possível
relação rival e a forma de responder à ameaça rival já existente. Vale salientar que a
qualidade das respostas emocionais emitidas pelos sujeitos pode ser influenciada
tanto por fatores situacionais como por ações pessoais e culturais, inerentes à
reação do ciúme.
3.2.3.- Elementos Secundários
As avaliações secundárias não apenas contribuem para as avaliações
realizadas pelos indivíduos ameaçados, mas são também capazes de habilitá-los
para elaborar esforços de enfrentamento, assim como para avaliar os resultados
obtidos a partir destes esforços. Para White e Mullen (1989), existem quatro
44
processos inerentes às avaliações secundárias: (1) os motivos que levam à
avaliação; (2) a comparação social com o rival; (3) as avaliações alternativas; e (4) a
sensação de perda após a avaliação.
3.2.4.- Esforços de Enfrentamento
Buscando fundamentalmente uma alteração na situação de ameaça, o
indivíduo que se sente ameaçado elabora constantemente maneiras que levem à sua
redução. White e Mullen (1989) identificaram oito tipos principais de enfrentamento
para a ameaça sentida: (1) intenção de melhorar a relação – nesta situação, o
indivíduo ameaçado tenta tornar a relação mais atrativa para o parceiro do que é a
relação rival; (2) interferir na relação rival – através da interferência, o parceiro
ameaçado busca tornar a relação rival menos atrativa; (3) exigir maiores provas de
confiança do parceiro – através de tais exigências, espera-se construir “formalidades”
(por exemplo, o casamento), a fim de fortalecer a relação; (4) denegrir o parceiro
e/ou o rival – através da diminuição do parceiro, o indivíduo ameaçado espera
reduzir a ameaça de sua auto-estima. Denegrindo a relação rival, espera-se reduzir a
ameaça de perda da relação; (5) desenvolvimento de alternativas – através do
desenvolvimento de novas alternativas para a relação, procura-se alcançar recursos
que garantam tornar mais desejosa a interação dentro do relacionamento; (6) recusar
e/ou evitar o parceiro – através da recusa, o parceiro ameaçado busca uma nova
forma de conduzir a relação que possa diminuir a ameaça; (7) realizar
constantemente auto-avaliações – através de mudanças pessoais, busca-se tornar
melhores as relações percebidas como ameaçadoras; e (8) apoio – o indivíduo
45
ameaçado busca manter a relação através de expressões de apoio ao parceiro
romântico.
3.3.- Principais Variáveis Relacionadas ao Ciúme Romântico
Apesar das constantes tentativas de definir o ciúme romântico, White (1981b)
constatou que são encontradas poucas referências na literatura especializada da
área a respeito da relação entre o ciúme e outras variáveis. Diante de tal observação,
o referido autor selecionou um conjunto de variáveis possivelmente relacionadas ao
ciúme romântico: (1) auto-estima – a possibilidade da auto-avaliação do indivíduo ser
influenciada pela sua relação com o parceiro amoroso; (2) auto-estima dependente –
quando a auto-avaliação do indivíduo é influenciada pela avaliação do parceiro ao
ponto deste se sentir desestruturado diante da possibilidade de perdê-lo; (3)
dependência da relação – quando pensar na atração do parceiro por um rival se
torna ameaçador ao bem estar do indivíduo; (4) percepção da dependência do
parceiro – quando o indivíduo acredita que a relação é bastante recompensadora
para o parceiro. Tal certeza o torna menos vigilante a respeito das indicações de que
o parceiro está atraído por outra relação; (5) exclusividade – quando o ciúme é
suscitado em decorrência da concorrência com um rival; (6) inadequação com o
parceiro – quando o indivíduo se sente inadequado ao parceiro, tornando-se mais
propenso a acreditar na existência de uma relação entre ele e um rival; (7)
romantismo – na perspectiva do “romantismo”, o ciúme representa o sinal do amor;
(8) papel tradicional dos sexos – esta perspectiva considera a atração feminina por
outro indivíduo bastante ameaçadora, uma vez que a atração feminina é concebida
46
como estando associada a um “amor real”, enquanto que a masculina é vista como
resultado do “apetite sexual” masculino; e (9) ordem de nascimento – nesta
perspectiva, sugere-se que o primeiro indivíduo a nascer, por ser mais ciumento,
torna-se mais dependente e sensível às críticas daqueles que são por eles amados.
A partir da elaboração de uma hipotética relação entre o ciúme e as variáveis
acima apresentadas, White (1981b), utilizando escalas desenvolvidas especialmente
para a realização deste estudo, observou que, de forma geral, o ciúme masculino
relacionou-se de forma positiva com as variáveis papel tradicional dos sexos e autoestima-dependente, além de relacionar-se de forma negativa com a auto-estima. O
ciúme feminino, por outro lado, apareceu relacionado positivamente à variável
dependência na relação. Diante de tais resultados, pode-se sugerir que, enquanto os
homens guiam-se por concepções tradicionais estabelecidas socialmente nas suas
construções relacionais (refletidas no presente estudo por uma pontuação
significativa com relação às variáveis auto-estima, auto-estima dependente e papel
tradicional dos sexos), as mulheres se preocupam de forma mais direta com a
relação propriamente dita e com os sentimentos a ela relacionados.
Objetivando apresentar uma possível estruturação teórica capaz de analisar o
ciúme romântico, Pines e Friedman (1998) enquadraram as definições para o ciúme
romântico em duas diferentes perspectivas: a sócio-cultural e a evolutiva. De acordo
com a visão sócio-cultural, o ciúme romântico se caracterizaria como um fenômeno
cultural, determinado por forças e normas sociais capazes de distinguir, para homens
e mulheres, as respostas apropriadas para cada tipo de situação. Nessa perspectiva,
o ciúme romântico pode ser definido como uma reação à ameaça percebida em uma
47
relação valorizada, enquanto que para a visão evolutiva, o ciúme romântico consiste
em uma resposta inata e universal, formada por diferentes forças evolutivas.
3.4.- O Estudo do Ciúme e a Ênfase no EU
Dentre as variáveis mais extensamente estudadas como relacionadas ao
ciúme romântico, a auto-estima aparece como a mais freqüente. White e Mullen
(1989) evidenciam a existência de uma preocupação em estruturar mais
especificamente os sentimentos próprios da relação romântica e sua inter-relação
com a auto-estima, sendo buscadas explicações para os significados concernentes à
satisfação das experiências relacionais e à natureza do valor do eu, respectivamente.
No que concerne ao estudo das relações humanas, foram estabelecidas duas
dimensões inter-relacionais dominantes: 1) as relações de poder que envolvem
dependência, interdependência, domínio e poder, construídas dentro da relação
romântica; e 2) as relações referentes aos aspectos afetivos da relação (conhecida
comumente como relação de “amor e ódio”).
Quanto ao valor do eu, diz respeito a um conjunto de significados
representativos da dimensão interpessoal e das experiências relacionais íntimas,
com capacidade de prover significados a respeito do indivíduo. Diante de tal
estrutura, dois aspectos se fazem relevantes na abstração dos significados da
relação romântica: a auto-estima, conceituada como o grau de análise do eu e o
auto-conceito, caracterizado como os conteúdos de conhecimento organizados a
respeito do eu.
48
Teoricamente, auto-estima e auto-conceito representam conceitos distintos.
De acordo com esta perspectiva, a ameaça à auto-estima ocorre quando o indivíduo,
em função de suas experiências, passa a valorizar as características do eu com
menos valor do que anteriormente estas eram valorizadas. Por outro lado, a ameaça
experienciada pelo auto-conceito representa um auto-conhecimento incompleto,
capaz de acarretar reações aversivas nas relações interpessoais, decorrentes da
insegurança sentida com relação ao futuro.
De acordo com White, o ciúme romântico possui a capacidade de ocasionar
ameaça e até mesmo diminuição da auto-estima, gerando, conseqüentemente,
danos ao auto-conceito: quanto mais ameaçadoras são as informações a respeito de
uma relação rival, mais intensos são os desafios ameaçadores vivenciados pelo eu.
Vale salientar, entretanto, que as ameaças à auto-estima não são sempre
equivalentes às ameaças ao auto-conceito. Saber, por exemplo, que o parceiro está
romanticamente atraído por outra pessoa, é, pode-se dizer, a informação mais
ameaçadora obtida ou inferida por um determinado indivíduo, com capacidade de
sinalizar a desvalorização de tal indivíduo quanto a aspectos centrais do eu, a partir
de uma dolorosa comparação, mas não necessariamente com a mesma capacidade
de ameaçar também seus conteúdos organizados de conhecimento.
3.5.- Aspectos Estruturais do Ciúme Romântico
Segundo White e Mullen (1989), quando no momento da padronização
estrutural a respeito do ciúme, faz-se necessário conhecer e compreender os
seguintes aspectos a ele relativos: (1) os padrões rotulados como ciúme - partindo-se
49
do pressuposto de que o indivíduo representa um subsistema de um sistema maior e
mais complexo, que são as relações românticas, que por sua vez representam
subsistemas de uma ordem superior composta pela família, pelo trabalho e pelas
amizades, pode-se dizer que os rótulos construídos a respeito do ciúme constituem
produtos culturais, influenciando a cultura e sendo, ao mesmo tempo, por ela
influenciados; e (2) as propriedades do sistema construídas na vivência do ciúme - o
sistema estrutural do ciúme, constituído por pensamentos, comportamentos e
sentimentos relacionados à sua experimentação, constitui um todo complexo, no qual
são interrelacionados as vivências de quem se sente ameaçado (estratégias de
competição e sentimentos de depressão e inferioridade) e a confiança sentida por
quem é amado.
3.6.- Construções Relacionais e Forma de Expressão
White e Mullen (1989), através de seu modelo teórico, preocuparam-se
também em delimitar as possíveis formas de expressão do ciúme romântico. Neste
aspecto, o modelo sugere a existência de uma característica multifacetada inerente à
expressão da ameaça sentida tanto pela auto-estima como pela relação romântica.
Este aspecto multifacetado se reflete a partir de cinco formas de construções
relacionais, que dizem respeito ao que é ameaçado ou perdido, à natureza da
proteção contra a ameaça, à natureza do significado de recuperação da perda e à
probabilidade de sucesso da relação rival. As estruturas são as seguintes:
1) Investimentos e Recompensas. Partindo do pressuposto de que quanto mais
valorizada é a relação romântica maior é a tentativa em mantê-la e maior a vigilância
50
às ameaças com fortes reações emocionais à perda ou ameaça da perda, observase que também são intensos os investimentos, como tempo e energia, em busca do
desenvolvimento e permanência da relação. Tais investimentos demonstram que são
capazes de refletir o objetivo de manter a relação e que a sua permanência, neste
contexto, pode ser considerada como a recompensa mais desejada;
2) Saliência e Avaliação das Dimensões do Auto-Conceito. Admitindo-se
que
os
conhecimentos referentes ao auto-conceito são influenciados diretamente pelas
relações românticas, pode-se compreender porque suas saliências e suas avaliações
dimensionais são também influenciadas pelas avaliações a respeito do indivíduo,
realizadas pelo parceiro. Em função da intimidade das relações românticas, as
observações feitas a respeito de uma determinada pessoa, por seu parceiro
amoroso, recebem normalmente mais credibilidade quando comparadas às
observações de outras pessoas;
3) Segurança na Relação Investimento-Recompensa. White e Mullen (1989) partem
do conceito de vulnerabilidade, caracterizada como a ação de equilibrar os
elementos que as pessoas buscam manter, com os recursos que elas têm
disponíveis para tal manutenção. Com base nisto, os autores sustentam que os
parceiros
amorosos
desenvolvem
constantemente
arranjos
preventivos
e
minimizadores da perda de seus investimentos, objetivando o aumento dos recursos
que os façam menos vulneráveis;
4) Segurança da Auto-Estima e do Auto-Conceito. Para White e Mullen (1989), a
competição entre determinado indivíduo e seu rival, na relação romântica, possui a
capacidade de fazê-lo experimentar uma desvalorização correspondente aos
51
aspectos centrais do eu (a desvalorização da auto-estima), acarretando implicações
nas incorretas concepções do auto-conceito;
5) Capacitação para a Observação da Existência de uma Relação Rival Real ou
Potencial. Este aspecto diz respeito aos fatores que capacitam o percebedor à
observação da existência de uma relação rival real ou potencial.
3.7.- Outras Tentativas de Definições
Assim como White e Mullen (1989), outros autores têm atualmente
demonstrado interesse pelo tema. Tal interesse é refletido através da elaboração de
diferentes definições para o ciúme romântico. Hansen (1983), por exemplo, o define
como uma reação de proteção em face de uma ameaça percebida, em uma relação
de afeto valorizada. A partir de seus estudos, o autor sustenta que o ciúme é
vivenciado em maior intensidade pelas pessoas que se sentem inseguras nos seus
relacionamentos amorosos, em contraste com aquelas que vivenciam grande
satisfação.
Tentando responder à questão sobre o que constitui o ciúme romântico,
Pfeiffer e Wong (1989) buscaram conhecer os seus elementos constituintes,
ressaltando as diferenças existentes entre a teoria de White e a teoria por eles
construída. Os autores argumentam que, embora concordem com White que o ciúme
romântico
constitui
uma
reação
emocional
multidimensional,
envolvendo
pensamentos, sentimentos e comportamentos reproduzidos, esta concordância não
acontece em relação a quatro pontos. Primeiramente, para White, o ciúme surge
sempre após uma ameaça percebida, enquanto que Pfeiffer e Wong aceitam que o
52
ciúme pode ser sentido mesmo na ausência desta ameaça (por exemplo, no caso de
um ex-marido que sente ciúme do parceiro atual de sua ex-esposa). Em segundo
lugar, White enfatiza o ciúme como resultante de uma avaliação a uma situação
atual, enquanto Pfeiffer e Wong dão ênfase a uma suspeita permanente do sujeito,
concernente à infidelidade do parceiro. Como terceira diferença encontrada, White
concebe o ciúme como uma estratégia cognitiva e comportamental, enquanto Pfeiffer
e Wong conceituam o ciúme romântico como uma medida de proteção ao se
imaginar uma relação rival. Finalmente, White encara o ciúme como um processo
seqüencial da cognição para a emoção, enquanto que Pfeiffer e Wong defendem a
existência de um modelo paralelo, no qual cognição e emoção ocorrem
simultaneamente.
3.8.- Diferenças entre Gêneros
Pines e Friedman (1998) objetivaram conhecer as reações dos sujeitos caso
descobrissem que seu parceiro estava interessado por outra pessoa. Previamente,
foi elaborado um modelo constituído por cinco formas de expressão do ciúme
romântico: nível - intensidade e freqüência; desencadeamento - emocional vs.
ameaça sexual; experiência - dor e tristeza vs. raiva; focalização - ameaça para a
relação vs. ameaça para a auto-estima; e tipo de respostas - manutenção da relação
vs. manutenção do ego. A focalização principal do estudo consistiu em identificar as
condições dentro das quais homens e mulheres diferem em suas reações referentes
às cinco formas de expressão do ciúme descritas. Apesar das diferentes amostras,
diferentes métodos de pesquisa e diferentes instrumentos utilizados, os resultados
53
demonstraram que, embora não tenham sido encontradas diferenças concernentes
ao nível de ciúme, foram claras as diferenças de gênero com relação aos objetivos,
foco, experiência, expressão e reações frente aos eventos causadores de ciúme.
Isso demonstra, mais uma vez, que as diferenças entre homens e mulheres, com
relação ao ciúme, não concernem à intensidade, mas sim à forma como ambos os
gêneros (talvez em função das diferenças estabelecidas socialmente) vivenciam este
sentimento.
White e Mullen (1989) observaram que são várias as diferenças de gênero
encontradas nas pesquisas a respeito do ciúme e, de forma geral, tais diferenças são
relevantes para a compreensão da influência dos fatores culturais, biológicos e
relacionais na experimentação do ciúme romântico. As principais diferenças
encontradas foram as seguintes:
1) Intensidade
De acordo com a maioria das pesquisas realizadas na área, os resultados não
demonstram diferenças entre os gêneros com relação ao nível de ciúme autoobservado;
2) Focalização da Ameaça: Ameaça Sexual vs. Ameaça Relacional
Observa-se, através tanto da área clínica como da área social, que os homens
se mostram mais centrados nos aspectos sexuais da relação, enquanto que nas
mulheres esta atenção aparece focalizada no medo da perda da relação e na
qualidade emocional da relação rival (Bringle & Buunk, 1985; White, 1981). A maioria
das pesquisas demonstra que os homens se sentem mais ameaçados pelos
aspectos sexuais da relação rival, o que faz com que se preocupem constantemente
54
com os aspectos sexuais da sua própria relação. Por outro lado, as mulheres, diante
da ameaça sentida, dispensam maior atenção ao tempo e à atenção dedicados ao
parceiro, preocupando-se fundamentalmente com o grau de atração percebida entre
o seu parceiro e a rival;
3) Avaliações Secundárias
No que diz respeito às relações secundárias, as mulheres se apresentam mais
preocupadas sobre os motivos de seus parceiros para procurarem relacionamentos
externos (atribuindo a necessidade sexual como motivo para tal procura). Para os
homens, entretanto, sua procura externa é resultado de uma necessidade de
atenção vivida na relação;
4) Emoções
Enquanto as mulheres, diante da sensação de ciúme, apresentam-se mais
propensas a se tornarem ansiosas, confusas, depressivas, deprimidas e temerosas,
os homens apresentam sentimentos como cólera e raiva;
5) Esforços de Enfrentamento
Além de mais voltadas para conhecer as possíveis relações dos parceiros, as
mulheres também aparecem como mais propensas a resolver os problemas
relacionais, expressando suas emoções. Por outro lado, os homens demonstram
tendência a se comportarem com mais dominação e agressividade.
Buscando conhecer as diferenças de gênero na forma de vivenciar o ciúme
dentro da relação, Melamed (1991) investigou as formas de expressão de ciúme
mais comuns para homens e mulheres. De forma geral, os resultados demonstraram
que os homens tendem a reagir com raiva, utilizando tal sentimento como motivo
55
para a separação, uma vez que encaram a experiência do ciúme como uma ameaça
sexual. No caso das mulheres, foi possível observar que a vivência do ciúme as
torna freqüentemente deprimidas, e que tal sentimento ocasiona a demonstração do
medo de perder a relação romântica, com tentativas de aperfeiçoamento. Além disto,
as mulheres tendem a se tornar mais ciumentas quando acontece da relação estar
em perigo, enquanto que os homens demonstram mais ciúme quando sentem sua
auto-estima ameaçada. Finalmente, para ambos os sexos foi possível perceber que
o ciúme é vivenciado em maior intensidade pelos parceiros mais envolvidos no
relacionamento amoroso. A partir destes resultados, pode-se observar, mais uma
vez, que o que existe por parte dos homens é uma tentativa constante de
manutenção da sua auto-estima, ao contrário das mulheres, que demonstram um
maior esforço para a permanência de sua relação.
White e Mullen (1989) observaram a existência de várias definições de ciúme,
partindo das áreas clínicas e acadêmicas. Entretanto, apesar da considerável
variedade, constataram a presença constante de quatro temas causais: ameaça à
auto-estima, reação de ameaça à relação romântica, resultante de possessão,
exclusividade e rivalidade e o ciúme como resultado de um objetivo instintivo. Estes
temas são sumarizados a seguir:
1) Ameaça à Auto-Estima
A elaboração da relação entre a auto-estima e o ciúme é permanente, como já
foi sugerido previamente. Tais elaborações apresentam a auto-estima tanto como
causa do ciúme quanto como resultado de uma mistura de emoções mediadoras da
relação entre a ameaça e o comportamento;
56
2) Ameaça à Relação
O medo da perda do parceiro é também um aspecto presente nas mais
variadas definições, sem um critério claro do que significa a perda completa da
relação e a perda de sua qualidade;
3) Ênfase na Exclusividade, Possessão e Rivalidade
Nas mais diferentes definições, a possessão, a exclusividade e a rivalidade
são relatadas em relação a como a pessoa se sente e se comporta diante do ciúme,
além de constituir uma reação à forma de perceber tal ameaça;
4) Reações Instintivas
Para algumas abordagens teóricas, o sentimento de ameaça à auto-estima
constitui um fenômeno instintivo, em decorrência do ciúme ser uma reação sexual,
instintiva e natural.
3.9.- Considerações Finais
Nas várias tentativas de definição, o ciúme tem sido visto como ameaça para
a auto-estima, manifestação da perda de monopólio do amor, reação à violação das
normas prioritárias para a relação, projeção da incapacidade de impulsos homo e
heterossexuais, ou ainda como uma manifestação simbólica da perda de uma
relação valorizada. Vale lembrar que as ameaças desencadeadoras de ciúme podem
ser reais ou imaginárias. Ramos, Yazawa e Salazar (1994) concluem que, apesar de
serem várias as definições a respeito do ciúme romântico, a maioria é perpassada
pela idéia de três elementos comuns: (1) uma reação frente a uma ameaça
57
percebida; (2) que parte de um rival real ou imaginário; e (3) que tem como objetivo
eliminar os riscos da perda do amor.
Pode-se dizer que, assim como acontece com as concepções construídas a
respeito da mulher, o ciúme recebe forte influência do contexto no qual está inserido.
As evidências encontradas demonstram uma interação entre as construções culturais
dos papéis de gênero e as formas de vivência do ciúme romântico, o que sugere
mais uma vez a possível ligação existente entre este sentimento e as construções
estereotípicas a respeito da mulher. Os dados das diversas pesquisas mostram que
as concepções são construídas culturalmente, como as que sustentam que a mulher
é mais sensível e frágil ao vivenciar as relações de ordem sentimental. As evidências
empíricas também demonstram que os homens fazem uso do ciúme como motivo
para findar seus relacionamentos, por não aceitarem experienciá-los. Neste caso, as
preocupações dos homens aparecem voltadas muito mais para a sua imagem social
e a sua auto-estima do que para a relação. Tais constatações podem ser
interpretadas com base na convicção de que ainda hoje homens e mulheres
“recebem” e aceitam socialmente já prontos os papéis que por eles devem ser
representados. Esta aceitação de papéis instituídos talvez possa ser compreendida
em função da interiorização das concepções sexistas divulgadas socialmente, nas
quais os homens são vistos como fortes protetores e as mulheres como criaturas
frágeis que devem ser protegidas, além de conformadas com os papéis recebidos,
sem ter poder de desafiá-los.
Os aspectos relacionais do ciúme são complexos e freqüentemente
contraditórios, com dificuldades nas construções conceituais. Finalmente, apesar da
58
sua importância na área dos relacionamentos interpessoais, e mesmo diante da
construção de algumas teorias importantes ao seu respeito (como a de White, por
exemplo), observa-se que o ciúme romântico é normalmente citado pelos estudiosos
da área como um fenômeno ainda em processo de conhecimento e definição.
59
Capítulo 4
60
4.- Valores
4.1.- Introdução
Os valores humanos constituem uma estrutura bastante complexa. Algumas
demonstrações desta complexidade estão nas diversas tentativas de delimitar seus
parâmetros, construir definições e elaborar teorias a seu respeito, além da ampla
variedade de atributos como prazer, sofrimento e obrigações morais aos quais os
valores se encontram relacionados (Gouveia, 1998). Ao final da década de 60, após
consideráveis tentativas de definição e contextualização dentro da Psicologia, tanto
no campo da Personalidade como da Psicologia Social, os valores passaram a ter
uma considerável relevância na Psicologia Social Cognitiva, através de Rokeach
(1973), que nesta época, por haver demonstrado grande dedicação e interesse pelo
tema, destacou-se como um dos maiores estudiosos da área.
Para Rokeach, os valores representam o resultado da cultura, da sociedade e
da personalidade, com a capacidade de determinar atitudes e condutas. Diante de tal
observação, o autor propõe que: “o valor é uma crença duradoura de um modo
específico ou um estado final de existência, que é pessoal ou socialmente preferível
a um oposto ou contrário modo de conduta ou estado final de existência. Um sistema
de valores é uma organização duradoura de crenças referentes a modos de conduta
ou estados finais de existência ao longo de um contínuo de relativa importância”
(Rokeach, 1973, p.5).
A fim de esclarecer tal definição, Rokeach (1973) elabora a seguinte lista de
características dos valores:
61
1) O valor é duradouro – nesta perspectiva, é proposto que, caso os valores fossem
completamente estáveis para os indivíduos, seria impossível o processamento das
mudanças individuais e sociais; por outro lado, se os valores fossem completamente
instáveis, seria impossível ser construída uma continuidade valorativa humana
pessoal e social. A partir desta observação, Rokeach sugere que a adoção de
determinados valores requer um constante equilíbrio entre concebê-los como
absolutos e desejar integrá-los a novos valores, caso a situação assim exija;
2) O valor é uma crença – partindo do pressuposto de que as crenças são
inferências construídas a respeito dos estados fundamentais de observação,
Rokeach propõe três tipos de crenças: descritivas ou existenciais – crenças capazes
de ser julgadas como verdadeiras ou falsas; avaliativas - crenças nas quais seu
objeto pode ser julgado como bom ou ruim; e prescritivas – crenças que possibilitam
o julgamento das ações em desejáveis ou indesejáveis. A partir desta definição, este
autor caracteriza os valores como uma crença prescritiva, por ser a relação valorindivíduo, uma relação de preferência. Além disso, tanto os valores como as crenças
possuem, em sua constituição, componentes cognitivos, afetivos e comportamentais.
Tal característica possibilita aos valores constituírem uma cognição sobre o
desejável, com influências afetivas que conduzem o indivíduo à ação;
3) Os valores se referem a um modo de conduta ou estado final de existência – em
função da sua atuação, os valores podem representar modos de conduta – valores
instrumentais, que focalizam condutas inter ou intrapessoais; e estados finais de
existência – valores terminais, que dizem respeito aos valores morais e de
competência. Ambos os sistemas de valores, apesar de separados, são
62
estruturalmente interconectados: os valores relacionados aos modos de conduta são
instrumentais, ao alcance de valores representantes dos estados finais de existência.
Uma melhor compreensão desta elaboração pode ser observada na Figura 1:
Tipos de Valores
Terminais
Finais
(estados finais de existência)
(modos de conduta)
Pessoais
De competência
Centrados na própria pessoa, de foco
intrapessoal
Sua transgressão provoca
vergonha, de foco
intrapessoal
Sociais
Morais
Centrados na sociedade, de foco
interpessoal
Sua transgressão provoca
culpa, de foco interpessoal
Figura 1. – Tipos de valores instrumentais e terminais em Rokeach (Gouveia, 1998)
4) Os valores representam preferências – os valores têm como subjacente, em sua
construção, a característica fundamental de representar o desejável;
5) Os valores representam a concepção de alguma coisa pessoal ou socialmente
preferível – os valores são versáteis em sua interiorização por parte do indivíduo: sua
aplicabilidade transita com facilidade da aceitação pessoal ao compartilhamento
social. Podem ser aplicados, com igual intensidade: ao indivíduo e ao grupo do qual
este indivíduo faz parte; apenas ao grupo, mas não ao indivíduo; apenas ao
63
indivíduo, mas não ao grupo; mais ao grupo do que ao indivíduo; e, ainda, mais ao
indivíduo do que ao grupo.
Além de construir uma definição para os valores, tentando demonstrar a
importância deste fenômeno no contexto social, Rokeach se preocupou em delimitar
e distinguir os valores de outros fenômenos sociais. Segundo este autor, tal
preocupação se faz necessária, uma vez que os valores são estruturas complexas
que, por estarem relacionadas aos padrões de comportamento em diversas
condições e de várias formas, apresentando-se como planos gerais para resolução
de conflitos e tomadas de decisão, acabam muitas vezes sendo confundidos com
fenômenos como atitudes, normas sociais, necessidades, traços de personalidade e
interesses.
A partir destas observações, Rokeach (1973) estabeleceu cinco pressupostos
básicos para os valores: (1) o número total de valores que uma pessoa possui é
relativamente pequeno; (2) independentemente da cultura, todas as pessoas
possuem os mesmos valores, variando apenas o grau de importância que se atribui a
cada um deles; (3) os valores se encontram organizados em um sistema; (4) a
explicação deste sistema pode variar de acordo com a cultura, a sociedade e a
personalidade; e (5) as conseqüências manifestas dos valores constituem
fenômenos considerados pelos cientistas sociais como merecedores de estudos.
Rokeach (1973) apresenta ainda a funcionalidade como uma característica
própria dos valores. Os valores, por serem padrões de conduta, têm inerente em sua
estrutura a capacidade de posicionar o indivíduo diante de princípios sociais e diante
64
dos demais indivíduos, possibilitando-o avaliar, julgar e censurar a si mesmo e aos
outros. Neste contexto, o autor aponta seis funções básicas inerentes aos valores:
1) Os valores como critérios – os valores constituem critérios regentes da conduta
humana em situações diversas como, por exemplo, tomar posição diante uma
questão social, persuadir e influenciar os demais ou ainda realizar avaliações e
julgamentos tanto para si como para os demais;
2) Os valores como planos gerais para a resolução de conflito e a tomada de decisão
– neste aspecto, os valores são concebidos como um conjunto de regras aprendidas,
que servem para solucionar conflitos e tomar decisões;
3) Função motivacional – os valores são constituídos por uma base motivacional que,
através dos modos de conduta, conduz o indivíduo à realização das metas finais
desejadas;
4) Função adaptativa – observa-se que a maioria dos valores (tanto os instrumentais
quanto os terminais) tem claramente uma capacidade adaptativa;
5) Função egodefensiva – pode-se ver que os valores, não importando se
instrumentais ou terminais, representam conceitos construídos culturalmente, com a
finalidade de manter uma constante harmonia social;
6) Função de conhecimento e auto-realização – de forma geral, os valores possuem,
em sua estrutura, uma busca constante de significado e uma necessidade de
compreensão, objetivando o conhecimento do que se tem ao redor.
Diante de tais construções, observa-se que, para Rokeach, os valores
constituem um conjunto de crenças normativas, afetivas e cognitivas, através das
quais é possível prescrever modos de conduta e estados finais de existência,
65
representando as normas culturais socialmente aprendidas e condicionadas por
aspectos situacionais.
Tomando como parâmetro teórico a teoria de Rokeach, Schwartz iniciou seus
estudos na mesma área (Schwartz & Bilsky, 1987). Inicialmente, Schwartz (2001)
observou que, apesar das dificuldades encontradas por diversos pesquisadores na
tentativa de definição dos valores, cinco características se fazem presentes em tais
definições: 1) uma crença, 2) que pertence a fins desejáveis ou a formas de
comportamentos, 3) que transcendem as situações específicas, 4) que guiam a
seleção ou avaliação de comportamentos, pessoas e sucessos e 5) que se ordena
por sua importância relativa a outros valores, para formar um sistema de prioridades
valorativas.
Mais especificamente, Schwartz (2001) defende que os valores são
caracterizados como metas desejáveis e trans-situacionais que variam de
importância e servem como princípios na vida de uma pessoa ou de uma entidade
social. Subjacente à definição dos valores como metas, o referido autor observa que
tal construto serve aos interesses de alguma entidade social, podem motivar a ação,
funcionam como critérios para julgar e justificar tal ação e são adquiridos tanto
através da socialização pelos valores dos grupos dominantes como através da
experiência pessoal de aprendizagem. A partir desta teorização, este autor propõe
uma nova definição para os valores, reunindo considerações comuns acerca do tema
e estruturada em três requisitos universais: (1) as necessidades do organismo
(enquanto organismo biológico); (2) as necessidades de interação social coordenada;
e (3) as necessidades de manter as demandas sociais.
66
Em
função
destes três
requisitos
universais,
Schwartz
observou
a
possibilidade de derivar dez tipos motivacionais de valores: autodireção, estimulação,
hedonismo, realização, poder, segurança, conformidade, tradição, benevolência e
universalismo. Tais tipos motivacionais se encontram organizados de modo circular,
a partir de quatro dimensões: (1) abertura à mudança – composta pelos tipos
motivacionais estimulação e auto-direção; (2) conservação - constituída pelos tipos
motivacionais segurança, conformidade e tradição; (3) autopromoção – que diz
respeito aos tipos motivacionais poder, realização e hedonismo; e (4) autotranscendência – formada pelos tipos motivacionais universalismo e benevolência.
A partir da delimitação destes dez tipos motivacionais, Schwartz (2001)
buscou identificar um conjunto de relações dinâmicas entre tais tipos motivacionais,
os valores específicos e outras variáveis, tendo subjacente que a identificação das
relações das ações empregadas na realização de cada valor tem conseqüências
psicológicas, práticas e sociais que podem entrar em conflito ou serem compatíveis
com a realização de outros tipos de valores. Por exemplo: abertura à mudança
mantém uma estrutura contrária à conservação, assim como a autopromoção
encontra-se em um pólo oposto à auto-transcendência. Tal estruturação pode ser
observada na Figura 2:
67
AUTO-TRANSCENDÊNCIA
Benevolência
Tradição
Autodireção
Conformidade
Estimulação
Segurança
CONSERVAÇÃO
ABERTURA À MUDANÇA
Universalismo
Hedonismo
Realização
Poder
AUTO-PROMOÇÃO
Figura 2. – Estrutura Bidimensional dos Tipos Motivacionais (adaptado de Schwartz,
1992).
Vale salientar que, embora exista diferença entre os tipos de valores, estes
formam um contínuo de motivações relacionadas, assim organizados:
a) Poder e realização – enfatizam a superioridade e a estima social;
b) Logro e hedonismo – centram-se na satisfação pessoal;
c) Hedonismo e estimulação – implicam o desejo de despertar o afetivo;
d) Estimulação e autodireção – compartilham o interesse pela novidade e maestria;
68
e) Autodireção e universalismo – confiança na própria capacidade e conforto com a
diversidade da existência;
f) Universalismo e benevolência – preocupam-se com o bem-estar dos demais e em
transcender os interesses egoístas;
g) Benevolência e conformismo – propagam o comportamento normativo que
promovem as relações;
h) Benevolência e tradição – estimulam a devoção ao próprio grupo;
i) Conformismo e tradição – implicam a subordinação do eu a favor das expectativas
sociais impostas;
j) Tradição e segurança – preservam os acordos sociais existentes, a fim de dar
segurança à vida;
k) Conformismo e segurança – estimulam a proteção à ordem e à harmonia nas
relações;
l) Segurança e poder – referentes à tendência de evitar o medo diante do controle
das relações e dos recursos.
Finalmente, Schwartz sintetiza os valores como conceitos ou crenças capazes
de expressar estados finais de existência ou comportamentos desejáveis, que
transcendem as situações específicas, guiam a seleção e a avaliação de
comportamentos e eventos, sendo classificados por sua importância relativa. Desta
maneira, a adoção de determinados valores é capaz de indicar interesses de ordem
individual – que atendem aos propósitos imediatos da própria pessoa; de ordem
coletiva – que cumprem prioritariamente aos anseios do grupo; e ainda de ordem
mista – que atendem tanto aos objetivos do grupo quanto aos do indivíduo. Schwartz
69
defende ainda a existência tanto de compatibilidade como de conflito entre os valores
individuais e coletivos.
Posteriormente, guiado por uma perspectiva sociológica, Inglehart (1991) se
dedicou ao estudo dos valores em função das questões sociais que enfatizam a
qualidade de vida. Em suas análises, Inglehart focalizou os aspectos ligados ao
materialismo e pós-materialismo, buscando uma identificação para estas estruturas.
Mais especificamente, Inglehart observou o quanto, em função das constantes
mudanças valorativas capazes de transformar a política e as normas sociais, se está
passando gradualmente da priorização dos valores materialistas à priorização dos
valores pós-materialistas. Tal mudança pode ser vista através das transformações na
atenção dos indivíduos, voltada atualmente para novos temas políticos e novos
movimentos sociais, demonstrando que o pós-materialismo é um processo amplo
capaz de transformar as ideologias religiosas, sexuais e culturais na sociedade
ocidental.
Diante das mudanças de valores observadas, Inglehart (1991) elabora duas
hipóteses fundamentais aos seus estudos e resultantes de descobrimentos recentes:
1) Hipótese da escassez – nesta hipótese, considera-se que as prioridades do
indivíduo refletem o meio ambiente sócio-econômico, concedendo mais valor às
coisas relativamente escassas;
2) Hipótese da socialização – em função do desajuste temporal, uma vez que os
valores básicos próprios refletem, em sua maioria, as condições prevalentes durante
os anos anteriores à maturidade, a relação entre o meio ambiente sócio-econômico e
as prioridades valorativas não é de ajuste imediato.
70
A partir destas hipóteses, Inglehart tem a possibilidade de construir uma série
de previsões hipotéticas concernentes à mudança dos valores, uma vez que a
hipótese da escassez possibilita compreender que a prosperidade leva à difusão de
valores pós-materialistas, ao mesmo tempo que a hipótese da socialização esclarece
que as mudanças ocorridas com os valores resultam de um processo gradual e não
de uma mudança imediata.
Como antes indicado, existem diferentes modelos teóricos sobre os valores.
Em lugar de se opor, estes modelos muitas vezes são complementares. Por
exemplo, Rokeach (1973) sintetizou estudos prévios sobre os valores, propondo um
modelo de medida inovador para a época; Schwartz (2001) aprimorou seu modelo,
buscando uma explicação mais sofisticada para a estrutura dos valores. Ambos
compartilham a ênfase no nível individual dos valores. Neste caso, a contribuição de
Inglehart (1991) é destacável, fazendo referência aos valores em um contexto
cultural. Apesar destes três modelos merecerem atenção, na presente dissertação se
optou por uma teoria mais parcimoniosa, que indica um conjunto de 24 valores,
subdivididos em seis funções psicossociais. Deste modo, faz-se necessário
descrever este marco de referência.
4.2.- Tipologia dos Valores Humanos Básicos
Tomando por base as principais teorias até então conhecidas sobre os valores
humanos dentro da Psicologia Social, Gouveia (1998) propõe uma tipologia dos
valores em um nível individual de análise, apresentando evidências empíricas em
relação à adequação estrutural dos valores básicos, à especificidade de alguns
71
valores por ele observados e à convergência de outros com o modelo proposto por
Schwartz. Seu modelo tem origem na suposição de uma relação entre os valores e
as necessidades humanas, proposta anteriormente por Maslow.
De acordo com Maslow (1954/1970), as necessidades humanas representam
as carências do organismo nos níveis fisiológico, psicológico e social, encontrandose inseridas em cinco pressupostos fundamentais: 1) são relativamente universais; 2)
são neutras ou positivas; 3) obedecem a uma hierarquia; 4) o homem caminha em
direção à auto-realização; e 5) a pessoa é um todo integrado e organizado. Partindo
do pressuposto de que os valores são modos de orientação disponíveis aos
indivíduos e adotados de acordo com o contexto sócio-cultural de cada um, Maslow
buscou em sua obra demonstrar a interação existente entre os valores e as
necessidades. Não obstante, seus argumentos e resultados de pesquisa não
prosperaram, sendo este autor mais conhecido por suas contribuições no campo dos
motivos do que dos valores.
Gouveia (1998) não assumiu completamente os pressupostos de Maslow, mas
somente à referência a sua lista de necessidades, aceitando que o homem é um ser
benévolo,
apresentando unicamente necessidades positivas.
Seguindo
esta
orientação, Gouveia definiu os valores como categorias de orientação, consideradas
desejáveis, baseadas nas necessidades humanas e nas pré-condições para
satisfazê-las, adotadas por atores sociais, podendo variar sua magnitude e seus
elementos constitutivos. Este autor explica as partes constituintes da sua definição
da seguinte maneira:
72
1) Categorias de orientação - componentes que permitem a delimitação dos valores
a partir de um conceito próprio, possibilitando concebê-los como construtos latentes
passíveis de operacionalização, uma vez que, apesar destes não existirem em
nenhum lugar específico, sua presença se faz sentir tanto na conduta como na
cultura humana;
2) Consideradas como desejáveis - este aspecto implica a capacidade dos valores
serem corretos e justificáveis, do ponto de vista moral e racional, no que diz respeito
tanto a um desejo pessoal como a uma orientação socialmente desejável. Tal
capacidade os faz ser reconhecidos como componentes de desejabilidade social,
contribuindo para as correlações positivas entre eles;
3) Baseados nas necessidades humanas e nas pré-condições para satisfazê-las - as
pré-condições correspondem aos valores que impedem o desenvolvimento dos
interesses pessoais, em função de condutas socialmente reprováveis, caso
coloquem em risco a harmonia social. Nesta perspectiva, os valores são concebidos
como elementos de socialização e não apenas como resultados estritos da
escassez. Ou seja, não se dá importância simplesmente ao que não se tem, mas ao
que, sendo reconhecido como fundamental na vida, se deseja ou se receia perder;
4) Adotadas por atores sociais - através de uma argumentação moral e/ou racional,
os valores são capazes de justificar o caráter desejável ou preferível do valor
assumido diante de outras pessoas, sendo percebidos como uma construção
pessoal adotada por cada pessoa individualmente e orientada por forças sociais;
5) Podendo variar intra e interculturalmente – este aspecto, que diz respeito à
diferença de intensidade na aderência aos valores por parte das pessoas, demonstra
73
que, mesmo quando os valores são relativamente homogêneos dentro das culturas,
sua magnitude de importância varia de indivíduo para indivíduo.
Tomando ainda como referencial a teoria das necessidades de Maslow,
Gouveia (1998) propõe a existência de 24 valores, conceituados como básicos, os
quais são sumariamente descritos a seguir:
1) Sobrevivência – representa as necessidades mais básicas, cuja privação
duradoura resultaria como letal. Caracteriza pessoas que vivem em culturas nas
quais é presente um contexto de escassez ou que não dispõem dos recursos
econômicos básicos;
2) Sexual – diz respeito às necessidades fisiológicas de sexo, compreendendo um
padrão de orientação para jovens e pessoas que são ou foram privadas desse
estímulo, sendo geralmente tratado como um elemento ou fator dos valores morais
ou religiosos;
3) Prazer – necessidade que o organismo tem de satisfação, entendida em termos
amplos;
4) Estimulação – representa as necessidades fisiológicas de movimento, variedade e
novidade de estímulos, colocando a ênfase em estar sempre ativo e ocupado;
5) Emoção – necessidades fisiológicas de ter excitação e buscar experiências
arriscadas;
6) Estabilidade Pessoal – representa parcialmente a necessidade de segurança,
acentuando ter uma vida organizada e planejada;
7) Saúde – representa, também, segurança de forma mais ampla, uma vez que
preza por não estar doente;
74
8) Religiosidade – independentemente do preconceito religioso, este valor reconhece
a existência de um ser superior, através do qual se busca a certeza das coisas e a
harmonia suficiente para uma vida tranqüila;
9) Apoio Social – diz respeito à manutenção dos padrões sociais que asseguram a
possibilidade de viver diariamente buscando estabilidade;
10) Ordem Social – compreende a orientação para a manutenção dos padrões
sociais que asseguram a possibilidade de viver buscando diariamente a estabilidade
no seu contexto;
11) Afetividade – representa as necessidades de amor e afiliação em uma esfera
mais íntima da vida social, refletindo o desejo por amizades íntimas, relações
familiares, carinhos, afetos, prazeres e tristezas;
12) Convivência – centrada na dimensão pessoa-grupo, objetiva uma esfera mais
íntima da vida social;
13) Êxito – representa a necessidade de estima, através da praticidade e do alcance
de metas;
14) Prestígio – enfatiza a importância atribuída ao contexto social, no sentido de ser
reconhecido publicamente e não apenas de ser aceito pelos demais;
15) Poder – reflete um valor de característica pouco social, uma vez que as pessoas
que o adotam não têm a noção de um poder socialmente constituído;
16) Maturidade – diz respeito à necessidade de auto-realização, através da autosatisfação e realização como ser humano, transcendendo a pessoa ou o grupo
específico;
75
17) Autodireção – representa a pré-condição de liberdade para satisfazer as
necessidades, com o reconhecimento da auto-suficiência;
18) Privacidade – representa a primazia da liberdade, que se reflete através da
busca de um espaço privado, não significando que o indivíduo nega ou menospreza
os demais, mas sim que reconhece os benefícios de ter seu próprio espaço;
19) Justiça Social – partindo da concepção de que cada indivíduo merece os
mesmos direitos e deveres que garantam uma vida social digna, este valor
representa a pré-condição de justiça ou igualdade de condições para todos os
indivíduos, para satisfazerem suas necessidades;
20) Honestidade – representa o compromisso das pessoas frente às demais,
permitindo a manutenção de um contexto adequado para as relações interpessoais;
21) Tradição – diz respeito à idéia de respeitar os padrões morais seculares que
favoreçam a harmonia no âmbito social;
22) Obediência – destaca a importância de cumprir os deveres e obrigações do dia a
dia, respeitar os pais e os mais velhos;
23) Conhecimento – representa as necessidades cognitivas de caráter extra-social,
não compreendendo apenas o interesse de obter benefícios pessoais;
24) Beleza – representa a necessidade de estética, com uma orientação global, sem
um interesse muito delimitado apenas aos benefícios, buscando o gosto pelo belo
como um meio para o transcendental e não apenas para a apreciação de um objeto
ou pessoa.
De acordo com a terminologia de Gouveia (1998), os 24 valores apresentados
podem ser caracterizados como valores terminais (Rokeach, 1973), uma vez que
76
expressam um fim em si mesmos, apresentando-se como um fim desejável (ao
contrário dos valores instrumentais, que representam modos de conduta utilizados
como meios de se alcançar o desejável). Além disto, tais valores se apresentam
estruturados em um sistema valorativo, constituído por três critérios de orientação, os
quais as pessoas adotam em menor ou maior medida como princípios-guia em suas
vidas. Estes critérios e suas respectivas funções psicossociais são descritos a seguir:
Valores Pessoais - os indivíduos que assumem estes valores normalmente mantêm
relações pessoais contratuais, procurando obter vantagens e lucros, priorizando seus
próprios interesses. Os valores desta orientação, indicados a seguir entre
parênteses, são agrupados em duas funções psicossociais:
 Valores de Experimentação: dizem respeito à descoberta e apreciação de
novos estímulos, ao enfrentamento de situações arriscadas e à procura de
satisfação sexual (emoção, estimulação, prazer e sexual);
 Valores de Realização: além da experimentação de novos estímulos, o
homem também tem o desejo constante de auto-cumprimento e um
sentimento de ser importante e poderoso ao ponto de possuir identidade e
espaço próprios (autodireção, êxito, poder, prestígio e privacidade);
Valores Centrais – indicam o caráter central ou adjacente dos valores, sendo
compatíveis com os valores pessoais e sociais, com interesses mistos, isto é,
individuais e coletivos. Subdividem-se em:
 Valores de Existência: a estes valores, o que interessa primordialmente é
garantir a própria existência orgânica, com ênfase na existência do indivíduo e
não na individualidade pessoal. Esta característica faz com que não sejam
77
compatíveis com os valores pessoais e sociais, levando-os a ser importantes
para os indivíduos em ambiente de escassez econômica sem colocar em risco
a harmonia social (estabilidade pessoal, saúde e sobrevivência);
 Valores Supra-Pessoais: estes valores descrevem alguém maduro, com
preocupações menos materiais, não sendo limitados a características
descritivas ou específicas para iniciar uma relação ou promover benefícios.
Neste
contexto,
os
indivíduos
tentam
atingir
seus
objetivos
independentemente do grupo ou condição social, enfatizando a importância de
todas as pessoas e não apenas a das que compõem o próprio grupo (beleza,
conhecimento, justiça social e maturidade);
Valores Sociais – os indivíduos que assumem estes valores se apresentam
direcionados aos outros, comportam-se como alguém que gosta de ser considerado,
que deseja ser aceito e integrado no grupo de pertença, mantendo a harmonia entre
os atores sociais em um contexto específico. Este critério de orientação é constituído
pelos seguintes grupos de valores:
 Valores Normativos: os indivíduos que se identificam com este grupo de
valores geralmente enfatizam a vida social, a estabilidade do grupo e o
respeito aos símbolos e padrões culturais que prevalecem durante anos
(obediência, ordem social, religiosidade e tradição);
 Valores Interacionais: aqui; a focalização do indivíduo aparece voltada para o
destino comum e a complacência, com o interesse consistindo em ser amado
e ter uma amizade verdadeira, com uma vida social ativa (afetividade, apoio
social, convivência e honestidade).
78
A partir desta teoria, buscar-se-á analisar as relações entre os valores
básicos, o ciúme romântico e o sexismo ambivalente. Um pouco desta relação pode
ser observada no estudo realizado por Formiga, Santos, Gouveia, Júnior e Jesus
(2000), ao menos no que se refere à relação entre os valores humanos e seus
critérios de orientação e as dimensões hostil e benévola do sexismo ambivalente.
Utilizando o Inventário de Sexismo Ambivalente e o Questionário de Valores Básicos,
em uma amostra de 200 graduandos, de ambos os sexos, de um curso de
psicologia, os resultados demonstraram que as concepções sexistas benévolas se
correlacionam diretamente com os critérios de orientação valorativa de existência e
normativa, ao mesmo tempo em que as concepções sexistas hostis se
correlacionaram diretamente com os critérios de orientação experimentação e
realização. Observou-se, também, que o critério de orientação valorativa normativo é
o que melhor explica as concepções sexistas benévolas, assim como o critério de
orientação valorativa realização explica as concepções sexistas hostis.
Em resumo, este estudo constitui um ponto de partida, mas não aborda
diretamente as questões aqui tratadas. Como foi possível evidenciar no decorrer
deste texto, são ainda escassos os estudos sobre a relação do ciúme romântico com
o sexismo e os valores humanos. Com base no referencial teórico antes
apresentado, é possível traçar um modelo causal desta presumível relação, que
deverá ser objeto de comprovação empírica. Este modelo é delineado na Figura 3:
79
Valores de
Realização
Sexismo Hostil
Ciúme
Romântico
Sexismo
Benévolo
Valores
Interacionais
Valores
Normativos
Valores Sociais
Figura 3. Inter-relações entre Ciúme Romântico, Sexismo Ambivalente e Valores
Humanos Básicos
Diante do apresentado anteriormente, o objetivo principal da presente
dissertação foi conhecer em que medida as concepções sexistas ambivalentes e os
valores humanos básicos explicam o ciúme romântico na população geral da cidade
de João Pessoa, PB. Especificamente, pretendeu-se: (1) conhecer o padrão de
80
correlações das medidas de ciúme romântico com as de sexismo hostil e benévolo e
os critérios de orientação valorativa; (2) comprovar em que medida os critérios de
orientação valorativa e os sexismos hostil e benévolo se correlacionam entre si; e (3)
saber em que medida os homens e as mulheres apresentam pontuações diferentes
nas medidas de sexismo hostil e benévolo.
81
II.- Método
1 – Delineamento e Hipóteses
O presente estudo é de tipo correlacional, contando com medidas de natureza
ex post facto. Em função dos objetivos antes descritos, foram formuladas seis
hipóteses principais, descritas a seguir:
Hipótese 1. A concepção sexista hostil apresentará correlação positiva com a função
psicossocial de realização;
Hipótese 2. A concepção sexista benévola apresentará correlação positiva com a
função psicossocial interacional;
Hipótese 3. O ciúme romântico se correlacionará positivamente com ambas
as
concepções sexistas ambivalentes (hostil e benévola);
Hipótese 4. O ciúme romântico se correlacionará positivamente com a função
psicossocial normativa;
Hipótese 5. Os homens apresentarão maior pontuação na concepção sexista hostil
do que as mulheres;
Hipótese 6. As mulheres apresentarão uma pontuação na concepção sexista
benévola similar a dos homens.
Em relação às duas primeiras hipóteses, considera-se o modelo teórico dos
valores humanos básicos. A primeira estabelece que, em razão do pressuposto de
que a função psicossocial de realização abarca valores representativos do
sentimento de ser importante e poderoso, adotados por indivíduos que buscam
identidade e espaço próprios, é provável que este conjunto de valores se
82
correlacione diretamente com o sexismo hostil. Estima-se que aqueles que se
pautam por este tipo de sexismo busquem seu espaço próprio através de um
preconceito flagrante contra a mulher, expressado por meio de atitudes que a fazem
inferior no contexto social. Além disto, por ser uma das funções psicossociais dos
valores de orientação pessoal, tal função é normalmente adotada por indivíduos que
priorizam seus próprios interesses, o que constitui também um comportamento
característico daqueles descritos como sexistas hostis.
A segunda hipótese sugere uma correlação direta entre o sexismo benévolo e
a função psicossocial de interação, sendo resultado da aparente compatibilidade de
objetivos existentes entre ambas as variáveis. A função psicossocial de interação é
constituída pelos valores de orientação social, que têm como foco principal a direção
para estar com os outros. Os valores interacionais focalizam a complacência,
assumindo o interesse em ser amado e apreciando, além de levar uma vida social
ativa. Todas estas características parecem guardar relação com as atitudes sexistas
benévolas, que expressam seu preconceito para com as mulheres através de
complacência e de atitudes subjetivamente positivas que preservam a vida social
ativa e o bem-estar social.
A terceira hipótese, coerente com a literatura consultada, antecipa a existência
de uma correlação direta e significativa entre o sexismo ambivalente e o ciúme. Não
obstante, assume-se uma diferença referente à intensidade da correlação destes
construtos, em razão dos subtipos de sexismo. O sexismo hostil, apesar de se
correlacionar de forma direta e significativa com o ciúme romântico, talvez por ser
uma forma flagrante de preconceito, que se faz bastante grosseira em seu modo de
83
expressão, é provável que apresente uma correlação com o ciúme romântico de
forma menos intensa à comparada com a do sexismo benévolo. Isso sugere pensar
que, apesar das concepções sexistas hostis serem adotadas socialmente ainda com
peso considerável, talvez em função de todas as conquistas realizadas pelas
mulheres em prol da igualdade de direitos, os sexistas hostis terminem não
expressando suas atitudes de forma mais aberta. O sexismo benévolo, por outro
lado, possui uma forma de expressão mais aceitável socialmente, correlacionando-se
mais diretamente com o ciúme romântico.
A quarta hipótese relaciona o ciúme romântico com os valores normativos.
Espera-se que as pessoas ciumentas sejam guiadas por padrões tradicionais dentro
da sociedade, respeitando os papéis convencionais que cabem aos relacionamentos
heterossexuais. Socialmente, as regras sociais determinam, ao menos para o
contexto brasileiro, uma relação de convívio formada por duas pessoas do sexo
oposto, sendo qualquer possibilidade de interferência desta relação uma ameaça à
ordem social vigente. Portanto, aqueles que dão importância aos valores normativos
esperariam ver cumpridas as regras sociais, sendo mais afetados com a ameaça a
uma eventual ruptura com o seu consorte.
As duas últimas hipóteses se referem à relação do sexismo ambivalente com
o gênero. A quinta hipótese estabeleceu que os homens, em comparação às
mulheres, apresentarão uma maior pontuação na medida de sexismo hostil, uma vez
que esta é uma forma flagrante de expressão do sexismo ambivalente, o que parece
ser mais rejeitado pelas mulheres, as quais tenderiam a evitá-lo. A sexta hipótese
indica que as mulheres, em função da proteção e cuidados recebidos, tenderão a
84
aceitar mais facilmente as concepções sexistas benévolas, passando a ter
pontuações equiparáveis aos homens nesta medida de sexismo.
2 – Amostra
O presente estudo contou com a participação de 301 pessoas da população
geral da cidade de João Pessoa, sendo 163 mulheres (54,2%) e 138 homens
(45,8%), com idades compreendidas entre 18 e 72 anos (M = 29,5; DP = 11,58), e
engajados em um relacionamento romântico heterossexual com pelo menos três
meses de duração. Embora a média de meses de relacionamento tenha sido
consideravelmente alta (M = 81,6; DP = 116,36), devido principalmente ao grande
número de meses de relacionamento encontrado entre as pessoas casadas, a
moda desta variável ficou em 4 meses. Uma descrição mais detalhada das demais
características sócio-demográficas desta amostra pode ser observada na Tabela
1:
85
Tabela 1. Caracterização da Amostra (n = 301)
Variáveis
Níveis
f
%
Religião
Católica
Sem religião
Evangélica
Outra
171
63
40
27
56,8
20,9
13,3
9,0
Estado Civil
Solteiro
Casado/Convivente
Separado / Viúvo
160
124
17
53,2
41,2
5,6
Não Casado
Atualmente
Namorado fixo
Namorado ocasional
Noivo
110
39
28
62,1
22,1
15,8
Vive atualmente
Pais
Cônjuge/Companheiro
Sozinho
Parentes ou Amigos
Outro
135
107
16
22
21
44,9
35,5
5,3
7,3
7,0
Estuda
Sim
Não
168
133
55,8
44,2
Escolaridade
1º Grau
2º Grau
3º Grau
Outro(analfabeto)
37
102
161
1
12,3
33,9
53,5
0,3
Trabalha
Sim
Não
168
133
55,8
44,2
Classe SócioEconômica
Média
Alta
Baixa
110
104
87
36,5
34,6
28,9
De acordo com a Tabela 1, a maioria dos participantes indicou ser católica
(56,8%) e solteira (53,2%). Entre os que não se encontravam casados ou mantinham
um relacionamento afetivo estável, a maioria tinha um namoro fixo (62,1%). A
86
maioria indicou viver atualmente com seus pais (44,9%), estudar (55,8%), cursar ou
ter cursado o 3º Grau (53,5%) e trabalhar (55,5%).
Em relação à classe sócio-econômica, a coleta de dados foi realizada em
diferentes bairros de João Pessoa, a fim de conseguir uma maior representatividade
da amostra em termos desta variável. Foi seguido o mapeamento proposto por
Lopes de Andrade (2001). Este apresenta a seguinte classificação: classe baixa
(renda familiar média não superior a R$ 1.000,00), correspondendo aos bairros Alto
do Mateus, Bairro das Indústrias, Geisel, Mandacaru e Mangabeira; classe média
(renda familiar média entre R$ 1.001,00 e 3.000,00), reunindo os bairros Alto Roger,
Bancários, Castelo Branco, Centro, Cidade Universitária, Cristo, Cruz das Armas,
Jaguaribe, Rangel e Tambiá; e classe alta (renda familiar média acima de R$
3.001,00), representada pelos bairros que compreendem a Av. Epitácio Pessoa,
Bairro
dos
Estados,
Cabo
Branco,
Expedicionários,
Manaíra,
Tambaú
e
Tambauzinho. Portanto, houve uma distribuição relativamente equilibrada entre as
classes baixa, média e alta. Como é possível ver na Tabela 1, a amostra foi dividida,
aproximadamente, em terços, com um ligeiro predomínio de participantes da classe
média (36%).
3 – Instrumentos
Aplicaram-se três instrumentos aos participantes deste estudo, os quais são
descritos a seguir:
Inventário de Sexismo Ambivalente – ISA (ver Anexo 3). Este instrumento é
composto por 22 itens, respondidos em uma escala de cinco pontos, tipo Likert,
87
com os seguintes extremos: 1 = Discordo Totalmente e 5 = Concordo Totalmente.
Tais itens avaliam os estereótipos assumidos pelos gêneros masculino e feminino,
em função de duas dimensões do sexismo: hostil e benévolo. Cada uma destas
dimensões possui formas próprias de expressão de sexismo para com a mulher:
no caso do sexismo hostil, envolve o paternalismo dominante (por exemplo, As
mulheres tentam ganhar poder controlando os homens), a diferenciação do gênero
(por exemplo, As mulheres se ofendem muito facilmente) e a heterossexualidade
(por exemplo, Existem muitas mulheres que, para chamar a atenção de um
homem, primeiro se insinuam sensualmente e depois rejeitam seus avanços ou
cantadas). No caso do sexismo benévolo, também são apresentados itens aos
três tipos de ideologia: paternalismo protetor (por exemplo, Em caso de grandes
ou pequenos acidentes, as mulheres devem ser resgatadas antes que os
homens), diferenciação de gênero complementar (por exemplo, Muitas mulheres
se caracterizam por uma pureza que poucos homens possuem) e intimidade
heterossexual (por exemplo, Todo homem deve ter uma mulher a quem amar).
Este instrumento foi elaborado originalmente em língua inglesa por Glick e Fiske
(1996), tendo sido adaptado ao contexto brasileiro por Formiga, Gouveia, Maia e
Santos (2002).
Escala de Ciúme Romântico (ver Anexos 1 e 2). Elaborada por Ramos,
Yazawa e Salazar (1994), tomou-se como critério situações triangulares geradoras
de ciúme, envolvendo o(a) parceiro(a) do sexo oposto. Este critério foi seguido por
três outros: evitar o uso do termo ciumento, não perguntar o quão ciumento é o
indivíduo, e a criação a partir de situações hipotéticas. A partir destas orientações,
88
foram redigidos 59 itens, sendo a metade elaborada em sentido negativo (por
exemplo, Não tem nada de mal ele freqüentar a casa de uma antiga namorada), e a
outra metade em sentido positivo (por exemplo, É perfeitamente normal ele
conversar longamente com uma amiga). Esta escala contava com uma versão para o
sexo masculino e outra para o feminino. Os itens foram estruturados para serem
respondidos numa escala do tipo Likert, com 5 pontos, em que 1 = Discordo
Totalmente e 5 = Concordo Totalmente. No presente estudo, a referida escala foi
utilizada em uma versão reduzida, composta por 28 itens, selecionados em função
das 14 cargas fatoriais negativas e das 14 cargas fatoriais positivas mais altas. Estes
28 itens estão distribuídos através de três fatores: Não-ameaça (13 itens, por
exemplo, Não tem nada de mal ele ir a uma festa sozinho), Exclusão (11 itens, por
exemplo, Causa-lhe incômodo ele se arrumar demais para sair sem você) e
Interferência (4 itens, por exemplo, É indecente uma mulher se aproximar e
conversar com ele). O fator Não-ameaça representa o sentimento de não se sentir
ameaçado ou perturbado com a presença de uma terceira pessoa, considerando
natural e aceitável esta situação. O fator Exclusão diz respeito à fragilidade do
relacionamento a partir do enfraquecimento do vínculo que une o casal, refletido
através do distanciamento do parceiro. O fator Interferência se refere à interferência
direta e explícita de um terceiro, à intromissão de um rival na relação, sendo esta
intromissão capaz de causar forte ira no parceiro ciumento.
Questionário dos Valores Básicos (ver Anexo 4). Esta medida foi composta
por 24 itens, tendo sido sugerida por Gouveia (1998). Cada um dos itens é
constituído por valores específicos e apresentam-se estruturados com duas frases
89
que explicitam seu conteúdo. Por exemplo, justiça social (Lutar por menor diferença
entre ricos e pobres; permitir que cada indivíduo seja tratado como alguém valioso);
afetividade (Ter uma relação de afeto profunda e duradoura; ter alguém para
compartilhar seus êxitos e fracassos). Utilizando uma escala de sete pontos, com os
extremos 1 = Totalmente não Importante e 7 = Extremamente Importante, o
respondente indica o grau de importância que cada um destes valores tem como um
princípio-guia em sua vida. Além disso, ao final desta etapa o respondente é
solicitado a indicar quais dos 24 itens para ele o mais e o menos importante de
todos, que receberão os valores 8 e 0, respectivamente. Maia (2000) apresenta
provas da adequação psicométrica desta medida.
Além destas medidas, elaborou-se uma lista com perguntas de natureza
sócio-demográfica, a exemplo do sexo, idade e escolaridade dos participantes.
4 – Procedimento
Os questionários foram aplicados em moradores da cidade de João PessoaPB, através de visitas às suas casas e de abordagens em lugares públicos, como
ruas, shoppings e praias. Durante a abordagem, era perguntado a cada pessoa se
gostaria de participar de uma pesquisa realizada pelo Mestrado de Psicologia
Social da Universidade Federal da Paraíba. Caso a pessoa aceitasse, era
garantido o sigilo às respostas dadas. Também era explicado que não existiam
respostas certas ou erradas, e que apenas deveria apresentar o máximo de
sinceridade, sendo necessários, em média, 25 minutos para responder a todo o
questionário.
90
5 – Análise dos dados
A tabulação e análise dos dados foi realizada através do pacote estatístico
SPSS para Windows, versão 9. Além dos cálculos referentes aos Componentes
Principais, à Principal Axis Factoring – PAF, adotando uma rotação Oblimin e
calculando o respectivo Alfa de Cronbach dos fatores, foram também realizados
os cálculos relacionados às estatísticas descritivas (média, desvio padrão e
freqüências). Em seguida, através deste mesmo pacote estatístico, foram
computadas as correlações de Pearson e o teste t de Student.
91
III. – Resultados
Os resultados da presente dissertação se estruturam em dois grandes blocos.
No primeiro, é avaliada a adequação psicométrica da medida de ciúme romântico,
uma vez que se propõe aqui uma versão abreviada da escala, composta por 28 dos
59 itens que compunham a versão original. No segundo, são testadas as hipóteses
previamente elaboradas.
1 - Parâmetros Psicométricos da Medida de Ciúme Romântico
Inicialmente, decidiu-se realizar a mesma análise utilizada pelos autores da
versão original, no processo de validação do instrumento, isto é, a análise Fatorial
dos Eixos Principais (PAF), com rotação Oblimim, uma vez que seria teoricamente
coerente esperar fatores correlacionados entre si. Foram três os fatores encontrados
- Não ameaça, Interferência e Exclusão -, a partir da determinação do engevalue
mínimo de 1,5 para que seja considerada a existência de um fator. Entretanto, com
este procedimento foram encontrados alguns problemas.
No fator I, resultaram 16 itens, com cargas fatoriais acima de 0,30, com alguns
deles (itens 3 e 7) não fazendo parte do fator de origem. O fator II ficou composto por
nove itens, com cargas fatoriais acima de 0,30, com um destes (o item 15) também
não fazendo parte do fator de origem. Finalmente, o fator III terminou composto por
três itens (13, 4 e 20), que não faziam parte deste fator nas análises realizadas
originalmente por Ramos, Yazawa e Salazar (1994). Em função destes problemas,
decidiu-se extrair apenas dois fatores, através de uma PAF com rotação Oblimin. A
fim de conhecer os parâmetros psicométricos da Escala de Ciúme Romântico,
92
inicialmente se verificou a viabilidade de realizar uma análise fatorial, tendo sido
obtidos os seguintes índices: KMO = 0,86 e Teste de Esfericidade de Bartlett, ² =
1869,93; p < 0,001. Estes dados sugerem a adequação de se efetuar tal análise.
A partir desta análise, encontraram-se dois fatores, com eigenvalues (valores
próprios) iguais ou superiores a 1,0, explicando conjuntamente 23,7% da variância
total. Vale ressaltar que, seguindo procedimento utilizado inicialmente pelos autores
do instrumento original, as respostas dos homens e das mulheres foram tratadas
como um mesmo banco de dados, visto que os itens eram exatamente os mesmos,
mudando apenas o sujeito ou alguma expressão, quando a frase exigia. Os
resultados correspondentes a estas análises podem ser vistos na Tabela 2:
93
Tabela 2. Estrutura Fatorial da Escala de Ciúme Romântico
ITENS
FATORES
Não-ameaça
Exclusão
02. Não tem nada de mal ela ir a festa sozinha
12. É perfeitamente normal ela conversar longamente com um amigo
11. Pouco importa ela receber presentes de um amigo
18. Não tem nada de demais seus amigos freqüentarem a casa dela
03. É perfeitamente normal ela elogiar um amigo seu
08. É natural ela ter muitos amigos
17. É aceitável ela fazer elogios a outro homem na sua frente
25. É natural ela ouvir músicas na casa de um amigo
27. É tolerável ela ficar de papo com alguém
10. Não tem nada de mal ela freqüentar a casa de um antigo namorado
14. Não há problema ela preferir passear com amigos à ficar com você
01. Não há problema a fotografia de outro homem na carteira dela
07. Ligar para ela e uma voz masculina não-familiar atender lhe causa raiva
24. É aceitável ela sonhar com outro
09. É aceitável ela aparecer com um perfume estranho na camisa
06. É indecente um homem se aproximar e conversar com ela
13. Causa-lhe desconforto os objetos de uma outra paixão ocupar
04. Encontrá-la com outro em um barzinho o deixa chateado
21. É muito chato encontrar números de telefones de homens na agenda dela
19. Você fica furioso quando ela dança com um amigo seu em uma festa
22. Causa-lhe incômodo ela se arrumar demais para sair sem você
23. Encontrar um isqueiro no bolso dela, sem ela fumar, o deixa indignado
28. Ela trabalhar em um ambiente com muitos homens lhe incomoda
16. Provoca irritação amigos falarem dela com entusiasmo
26. É indecente ela dar olhadas para outros homens em uma festa
15. Ela ficar trancada no quarto com uma amiga lhe causa desconfiança
05. Fica furioso quando ela conversa com um amigo que acha bonito
20. Causa-lhe incômodo ela parar de demonstrar sentimentos
Engenvalue
Variância explicada
Número de itens
Alfa de Cronbach
0,70*
0,65*
0,62*
0,60*
0,60*
0,54*
0,50*
0,47*
0,45*
0,42*
0,42*
0,42*
0,41*
0,40*
0,38*
-0,27
-0,23
-0,22
0,03
0,03
-0,07
0,02
0,07
0,14
-0,09
0,10
0,23
0,12
5,33
19,05
15
0,79
0,14
0,04
-0,07
-0,07
-0,08
-0,03
0,09
-0,01
0,08
0,07
0,01
0,03
0,03
0,02
0,04
0,19
0,03
0,12
0,64*
0,56*
0,56*
0,52*
0,45*
0,42*
0,36*
0,30*
0,30*
0,18*
1,31
4,68
9
0,73
Notas: * Carga fatorial satisfatória igual ou superior a |0,30|
De acordo com a Tabela 2, o primeiro fator pode ser denominado de Nãoameaça. Este fator reuniu 15 itens, com cargas fatoriais acima de |0,30|. A maior
94
carga fatorial correspondeu ao item 2 (Não tem nada de mal ela ir a festa sozinha;
0,70) e a menor ao 9 (É aceitável ela aparecer com perfume estranho na camisa;
0,38). Este fator apresentou um valor próprio de 5,33, explicando cerca de 19% da
variância total. Sua consistência interna, Alfa de Cronbach, foi de 0,79. O segundo
fator, com valor próprio de 1,31, explicando 4,68% da variância total, pode ser
denominado de exclusão, tendo reunido 9 itens. A menor e maior cargas fatoriais
corresponderam aos itens 5 (Fica furioso quando ela conversa com um amigo bonito;
0,30) e 21 (É chato encontrar números de telefones de homem na sua bolsa; 0,64),
respectivamente. Seu Alfa de Cronbach foi de 0,73.
Os
dois
fatores
de
ciúme
romântico
se
correlacionaram
direta
e
significativamente entre si (r = 0,42, p < 0,001). Neste sentido, considerou-se a
possibilidade de tratar com uma pontuação total de ciúme, reunindo os 24 itens que
compuseram os dois fatores antes descritos. Esta pontuação será considerada aqui
em análises subseqüentes.
2 – Concepções sexistas ambivalentes, intensidade de ciúme romântico e
valores humanos básicos
Considerando o objetivo principal da presente dissertação, isto é, analisar a
relação entre os valores humanos básicos, o sexismo ambivalente e o ciúme
romântico, foram formuladas as três primeiras hipóteses. A propósito, efetuaramse cálculos de correlação r de Pearson, cujos resultados são apresentados na
Tabela 3:
95
Tabela 3. Correlação entre Valores Humanos, Sexismos Hostil e Benévolo e Ciúme
VALORES
SOCIAIS
Normativo
Obediência
Religiosidade
Ordem Social
Tradição
Interação
Afetividade
Convivência
Apoio social
Honestidade
CENTRAIS
Existência
Estabilidade Pessoal
Sobrevivência
Saúde
Supra-Pessoais
Maturidade
Justiça-Social
Conhecimento
Beleza
PESSOAIS
Realização
Prestígio
Êxito
Poder
Privacidade
Autodireção
Experimentação
Estimulação
Prazer
Sexual
Emoção
Sexismo Hostil
Sexismo Benévolo
SEXISMO
Hostil
0,08
0,07
0,15**
0,00
0,04
0,04
0,06
0,02
0,01
0,05
0,08
0,01
0,03
0,06
0,02
-0,01
-0,00
-0,00
0,02
0,08
-0,06
0,08
0,09
0,07
0,08
0,10*
0,06
-0,10*
0,03
0,00
0,03
0,08
-0,02
Benévolo
0,38***
0,36***
0,30***
0,28***
0,17**
0,19***
0,30***
0,23***
0,19***
0,17**
0,17**
0,20***
0,29***
0,32***
0,25***
0,09
0,07
0,15**
0,14**
-0,02
-0,04
0,13**
0,17***
0,16**
0,16**
0,08
0,06
-0,06
0,03
0,09
0,05
0,05
-0,07
Ciúme
0,20***
0,23***
0,21***
0,19***
0,13*
0,09
0,10*
0,15**
0,02
0,07
0,03
0,10*
0,22***
0,22***
0,14**
0,13*
-0,02
0,07
0,03
0,03
-0,09
0,08
0,14**
0,17**
0,11*
0,06
0,05
-0,07
-0,02
0,07
0,07
-0,08
-0,09
0,17**
0,36***
Notas: * p < 0,05; ** p < 0,01; *** p < 0,001 (teste unicaudal; eliminação pairwise
de itens em branco).
96
A primeira hipótese estabeleceu que a
concepção sexista hostil
apresentaria correlação positiva com o critério de orientação valorativa pessoal,
cuja função psicossocial foi de realização. Como é possível observar na Tabela 3,
esta hipótese não pôde ser corroborada (r = 0,09, p > 0,05). Unicamente o valor
poder, entre aqueles que cumprem esta função, correlacionou-se com o sexismo
hostil no sentido e com a magnitude esperada (r = 0,10, p < 0,05).
A segunda hipótese sugeria que o sexismo benévolo estaria direta e
significativamente correlacionado com os valores interacionais. Isto foi exatamente
o que ocorreu (r = 0,30, p < 0,001). Entre os valores desta função psicossocial,
destacaram-se, principalmente, afetividade (r = 0,23, p < 0,001) e convivência (r =
0,19, p < 0,001).
Os outros dois, apoio social e honestidade, apresentaram
igualmente uma correlação de 0,17 (p < 0,01 para ambos). Portanto, corrobora-se
plenamente esta hipótese.
A terceira hipótese propôs que o ciúme romântico se correlacionaria
positivamente com as concepções sexistas hostil (r = 0,17, p < 0,01) e benévola (r
= 0,36, p < 0,001), o que pôde ser perfeitamente corroborado. Assumir uma
concepção sexista ambivalente implica apresentar maior magnitude de ciúme
romântico.
A quarta hipótese previa que o ciúme romântico se correlacionaria
positivamente com a função psicossocial normativa, o que ocorreu (r = 0,23, p <
0,001), com apenas um dos valores, tradição, não se correlacionando
significativamente com o ciúme romântico (p < 0,09, p > 0,05).
97
Tomando como base os estudos prévios realizados na área, foram
elaboradas as duas últimas hipóteses. Para a sua comprovação, realizaram-se
testes t de Student, a um nível de significância de p < 0,05, comparando-se os
grupos de homens e mulheres. Os resultados são apresentados na Tabela 4:
Tabela 4. Comparação entre Homens e Mulheres e as Dimensões do Sexismo
Ambivalente
Gênero
Homem
_________
Sexismo Ambivalente
M
DP
Mulher
_________
M
DP
Estatísticas
__________
t
gl
p
Hostil
36,9 6,50
32,7 6,04
5,75 298
0,001
Benévolo
38,9 7,26
37,6 7,76
1,47 299
0,14
A hipótese 5 estabeleceu que a pontuação em sexismo hostil seria maior para
os homens (M = 36,9; DP = 6,50) quando comparados com as mulheres (M = 32,7;
DP = 6,04), o que pôde ser corroborado, t (298) = 5,75, p < 0,001. Da mesma forma,
a hipótese 6, que estabelecia que não haveria diferença em termos da pontuação na
medida de sexismo benévolo entre homens (M = 38,9; DP = 7,26) e mulheres (M =
37,6; DP = 7,76), foi corroborada, t (299) = 1,47, p > 0,05.
Finalmente, embora não tenha sido formulada nenhuma hipótese a respeito,
as pontuações de homens e mulheres foram comparadas em relação às duas subescalas de sexismo. Tratando com os dados da Tabela 4, observa-se uma
pontuação estatisticamente superior no sexismo benévolo, quando comparado com o
98
hostil, tanto no grupo de homens [t(136) = 2,78, p < 0,01] como no de mulheres
[t(162) = 7,77, p < 0,001].
Em resumo, pode-se observar, através dos resultados, a importância dos
valores e das dimensões do sexismo ambivalente para compreender o ciúme
romântico. Além disso, ficou evidenciada a predominância do sexismo benévolo
na amostra pesquisada, embora com uma ênfase diferenciada no sexismo hostil
por parte dos homens, demonstrando, ainda nos dias atuais, a existência de
preconceito flagrante para com as mulheres.
99
IV. Discussão
A presente dissertação procurou explicar o ciúme romântico a partir da sua
relação com o sexismo ambivalente e com os valores humanos básicos. Esta relação
será aqui considerada à luz do modelo teórico que fundamentou a elaboração das
hipóteses, bem como de pesquisas previamente realizadas.
4.1. Comprovação do Modelo Teórico
4.1.1. Sexismo Ambivalente e Valores Humanos Básicos
As duas primeiras hipóteses desta dissertação fazem referência à correlação
entre as concepções sexistas ambivalentes e os valores humanos. Para cada uma
das concepções sexistas, formulou-se uma hipótese específica que a relacionava
com determinada função psicossocial dos valores. A seguir, são apresentados os
fundamentos destas hipóteses e a provável explicação dos resultados obtidos.
As Concepções Sexistas Hostis e a Função Psicossocial de Realização
De acordo com os resultados, pode-se observar que a hipótese 1 não foi
corroborada. Esta hipótese propôs a existência de correlação entre a concepção
sexista hostil e a função psicossocial de realização.
As concepções sexistas hostis constituem um dos pólos de expressão do
sexismo ambivalente. Conforme já dito anteriormente, o sexismo ambivalente diz
respeito a um conjunto de avaliações negativas e atos discriminatórios dirigidos à
mulher, em função de sua condição de gênero (Ferreira, 2000), refletindo uma forma
de estereótipo construída, aceita e perpetuada por ambos os sexos no contexto
100
social. O sexismo hostil representa a expressão flagrante deste preconceito contra a
mulher, constituindo uma visão competitiva dos gêneros, na qual as mulheres são
percebidas como objetivando o controle dos homens através da sexualidade ou da
ideologia feminista (Glick & Fiske, 1996).
Partindo da clássica definição de preconceito construída por Allport (1954),
pode-se definir o sexismo hostil como uma antipatia contra a mulher, expressada no
contexto social através da supremacia e da dominação masculinas (características
do sistema patriarcalista), dirigindo-se tanto às mulheres que desafiam e lutam contra
o poder masculino como às que procuram controlar os homens. O sexismo hostil
possui, desta forma, a capacidade de reforçar os papéis sociais determinados aos
gêneros e aos estereótipos associados a tais papéis (Ferreira, 2000).
A função psicossocial de realização expressa uma orientação pessoal que se
caracteriza pelo foco intrapessoal (Gouveia, 1998). Tal focalização pode ser
observada através das prioridades estabelecidas pelos indivíduos que assumem
estes valores, isto é, normalmente procurando obter vantagens e/ou lucros,
priorizando seus próprios interesses. Neste contexto, esta função psicossocial diz
respeito ao sentimento de ser importante e poderoso, representando um indivíduo
com identidade e espaço próprios. Em razão desta estrutura, foi hipotetizada uma
relação entre esta função e o sexismo hostil, uma vez que este pólo da ambivalência
sexista é perpassado também pelo desejo masculino de obter lucros e vantagens
sobre as mulheres, priorizando seus próprios interesses. Entretanto, ao contrário do
esperado, apenas poder, dentre os outros valores (autodireção, êxito, prestígio e
privacidade), se correlacionou positivamente com o sexismo hostil.
101
Embora não tenha sido encontrada uma explicação convincente para a não
corroboração da hipótese 1, uma especulação pode ser realizada em termos da
composição da amostra. Nesta pesquisa, não foram diferenciadas as amostras de
homens e mulheres; é possível que, se apenas os homens respondessem à medida
de sexismo, o padrão de correlação entre as duas variáveis em pauta tivesse se
confirmado. Este aspecto não tinha sido levado em conta quando foi pensado este
estudo, mas deve merecer atenção em pesquisas futuras.
No caso do valor poder, ele é definido como: Ter poder para influenciar os
outros e controlar decisões; ser o chefe de uma equipe. Neste sentido, representa
um valor pouco social, uma vez que o indivíduo que o adota tende a se sentir
legitimamente constituído de um poder que não é estruturado socialmente. Ou seja,
trata-se de um poder de ordem individual, representado, neste caso, pelo simples
fato de pertencer ao gênero masculino, explicando, portanto, a correlação do poder
com o sexismo hostil.
Concepções Sexistas Benévolas e a Função Psicossocial Interacional
A hipótese 2 foi corroborada, uma vez que se encontrou uma correlação
direta e significativa entre a concepção sexista benévola e a função psicossocial de
interação.
Localizando-se no pólo contrário ao do sexismo hostil, o sexismo benévolo
possui uma característica bastante singular, isto é, a capacidade de não aparentar
clara e diretamente uma forma de preconceito. De acordo com Glick e Fiske (1996),
a forma de expressão característica do sexismo benévolo até mesmo ocasionou
102
dúvidas em sua teorização. Partindo-se do pressuposto de que o sexismo benévolo
não se apresenta através da antipatia inerente ao preconceito, surgiu a questão: será
que tal estrutura realmente poderia ser considerada uma forma de preconceito?
Entretanto, tais autores puderam observar que mesmo de forma sutil (através da
idéia de que os homens usam seu poder como forma de assegurar proteção às
mulheres), o sexismo benévolo objetiva colocar as mulheres em situação de
desvantagem no contexto social (Glick & Fiske, 1996). Na verdade, o sexismo
benévolo constitui um conjunto de atitudes voltadas para a mulher, que são sexistas
em termos da visão estereotipada que se tem deste grupo, apesar da forma
subjetivamente positiva com que se apresenta em relação aos sentimentos e
comportamentos.
Assim, como pontua Ferreira (2000), o sexismo benévolo constitui um
conjunto de sentimentos e condutas positivas em relação à mulher, concebida como
objeto romântico merecedor de reverência e proteção. Tais sentimentos e condutas
são motivados pela ideologia de que as mulheres, em função de sua estrutura
biológica feminina referente à reprodução, são as únicas capazes (o que as torna
responsáveis) pela atividade social de cuidar da casa e dos filhos.
A função psicossocial interacional, ao lado da normativa, constitui a orientação
valorativa social. Tal orientação corresponde aos valores assumidos pelos indivíduos
que desejam ser considerados, aceitos e integrados no grupo de pertença,
objetivando um nível essencial de harmonia entre os atores sociais em um
determinado contexto, uma vez que está direcionada a estar com os outros (Formiga,
2002). A partir de tal característica, foi elaborada a segunda hipótese, a qual sugere
103
uma correlação positiva entre o sexismo benévolo e a função psicossocial
interacional. Esta hipótese foi elaborada partindo do pressuposto de que os sexistas
benévolos, apesar de terem como objetivo final o domínio do gênero feminino,
buscam alcançar seus objetivos através de comportamentos com um nível essencial
de harmonia entre os atores sociais e se direcionando a estar com os outros.
Mais especificamente, a função psicossocial interacional é normalmente
assumida por indivíduos que possuem interesse de serem amados, apreciando uma
vida social ativa composta de amizades verdadeiras. Os resultados demonstraram
uma correlação direta e significativa com todos os valores: afetividade, apoio social,
convivência e honestidade. A seguir, baseada em Gouveia (1998), é apresentada
uma breve descrição destes valores.
O valor afetividade expressa ter uma relação de afeto profunda e duradoura,
ter alguém para compartilhar seus êxitos e fracassos, correspondendo a um campo
mais íntimo da esfera social. Este campo representa a necessidade de amor e
afiliação que tem origem nas amizades íntimas e nas relações familiares, nas quais
são vivenciados afetos, prazeres e tristezas. A correlação com o sexismo benévolo
pode ser explicada pela afetividade desenvolvida na relação entre os sexos, partindo
dos homens e sendo recebida pelas mulheres.
O valor apoio social é descrito por itens como: Obter ajuda quando a necessite
e sentir que não está só no mundo, representando a necessidade de segurança no
sentido de encontrar apoio no contexto social no qual está o indivíduo está inserido,
sem que necessariamente exista uma relação íntima. A correlação significativa e
positiva entre este valor e o sexismo benévolo sugere um desejo de interação entre
104
os gêneros nas relações sociais. Provavelmente, isto acontece mais por parte das
mulheres, uma vez que, quando da aceitação dos limites estabelecidos socialmente
pelos homens, vivenciam segurança, obtendo ajuda quando a necessitam.
Convivência compreende um valor que é definido por itens como: Conviver
diariamente com os vizinhos; fazer parte de algum grupo, como: social, religioso,
esportivo, entre outros, tendo um sentido socializador. Este valor se centra na
dimensão pessoa-grupo, refletindo ações como fazer parte de grupos pessoais e
conviver com os vizinhos. Sua correlação com o sexismo benévolo pode ser
explicada pela busca de uma convivência harmoniosa entre os sexos nos diversos
contextos sociais. É como se os homens, mesmo buscando a dominação sobre as
mulheres, apresentassem tal dominação investida de um contexto socializador que é
tranqüilamente aceito pelo sexo oposto.
Honestidade é o último valor da função psicossocial interacional, estando
operacionalizado por itens, como: Agir responsavelmente quando dá sua palavra; ser
honesto e honrado. Tem seu foco principal no compromisso do indivíduo frente aos
demais, permitindo que se mantenha um contexto adequado para as relações
interpessoais.
Tal
valor
representa
as
pré-condições
de
honestidade
e
responsabilidade para satisfazer as necessidades. Sua correlação positiva com o
sexismo benévolo se pode dizer que é resultado do desejo de alcançar um adequado
relacionamento interpessoal, através do compromisso entre os gêneros, com atitudes
que privilegiam e priorizam as necessidades femininas diante das masculinas.
105
4.1.2. Sexismo Ambivalente e Ciúme Romântico
Fazendo referência à correlação entre as concepções sexistas ambivalentes e
o ciúme romântico, foi elaborada a terceira hipótese da presente dissertação: O
ciúme romântico se correlacionará positivamente com ambas as concepções
sexistas ambivalentes. De acordo com os resultados para o sexismo hostil (r = 0,17,
p < 0,01) e para o sexismo benévolo (r = 0,36, p < 0,001), pode-se observar que tal
hipótese foi corroborada, uma vez que se encontrou uma correlação direta entre
ambas as concepções sexistas ambivalentes e o ciúme romântico.
O ciúme é definido por White (1981a) como um “complexo de pensamentos,
sentimentos, e ações que seguem as ameaças da auto-estima e/ou ameaças da
existência ou qualidade da relação, quando estas ameaças são geradas pela
percepção de uma atração real ou potencial entre o parceiro e um (talvez imaginário)
rival” (p. 296). Este autor, em sua revisão dos estudos que relacionam o ciúme com
outras variáveis, observou uma correlação inversa deste construto com auto-estima,
e direta com dependência, exclusividade, sensação de inadequação e papel
tradicional dos sexos (ver também Pines & Friedman, 1998; White & Mullen, 1989).
Levando-se em conta as principais variáveis relacionadas com o ciúme, podese dizer que a correlação direta e significativa entre o sexismo hostil e o ciúme
romântico é produto da sociedade patriarcalista, que propaga a soberania masculina.
Em diversas culturas (inclusive a brasileira), tal soberania acaba por estabelecer, no
contexto social, crenças relacionadas ao gênero que influenciam o relacionamento
amoroso. Estas crenças, na verdade, são responsáveis pelo estereótipo feminino
relacionado à fragilidade e sensibilidade, com a mulher expressando suas emoções
106
mais abertamente através de melancolia e depressão, ao contrário dos homens que
expressam seus sentimentos através da raiva. Além disto, o sistema patriarcalista é
também responsável pela construção da ideologia que defende as mulheres como
menos capacitadas para as tomadas de decisão, ocasionando, na maioria dos casos,
o predomínio do poder masculino dentro do relacionamento amoroso. Os resultados,
portanto, demonstram que todo este complexo ideológico apresenta-se na amostra
entrevistada, que correlacionou positivamente as concepções sexistas hostis com o
ciúme romântico.
Fazendo uso da mesma lógica contextual, apresentada com relação ao
sexismo hostil, no que concerne ao sexismo benévolo, considerou-se como
primordial o dado de que tanto os homens como as mulheres apresentaram
pontuações significativas no que diz respeito ao ciúme romântico. Tais pontuações
sugerem que a correlação direta e significativa entre o sexismo benévolo e o ciúme
romântico pode ser um resultado da forma como homens e mulheres se relacionam.
O ciúme romântico representa um complexo emocional que aflora fundamentalmente
a auto-estima e a ameaça. Sua correlação com o sexismo benévolo leva a pensar
que existe entre homens e mulheres uma troca, na qual os homens expressam seu
ciúme romântico através de atitudes de proteção e cuidado, atitudes estas que são
facilmente aceitas pelas mulheres, por terem a capacidade de fazê-las se sentir
como se estivessem obtendo vantagens neste tipo de construção relacional.
107
4.1.3. Ciúme Romântico e Valores Humanos Básicos
A última hipótese correlacional desta dissertação, a hipótese 4, faz referência
à correlação entre o ciúme romântico e os valores humanos. Especificamente,
estabelece o seguinte: O ciúme romântico se correlacionará positivamente com a
função psicossocial normativa. A presente hipótese pôde ser corroborada, uma vez
que os resultados demonstraram correlações positivas entre estes dois construtos. A
função psicossocial normativa é constituída pelos seguintes valores:
Obediência. Compreende uma ênfase em cumprir seus deveres e obrigações
do dia a dia e respeitar aos seus pais e aos mais velhos. Representa a conduta do
indivíduo que assume um papel social e se conforma à hierarquia tradicionalmente
imposta. Este valor destaca a importância de cumprir os deveres e obrigações do dia
a dia e respeitar aos pais e aos mais velhos. Portanto, sua correlação com o ciúme
romântico reforça uma tendência, por parte dos sujeitos, de obediência aos padrões
construídos socialmente.
Religiosidade. Dois itens, que podem ajudar a descrever este valor são: Crer
em Deus como o salvador da humanidade e cumprir a vontade de Deus. Este valor
independe de preceito religioso, dizendo respeito ao reconhecimento de um ser
superior através do qual se busca a certeza das coisas e a harmonia para uma vida
tranqüila. Partindo do pressuposto de que a fidelidade em uma relação amorosa faz
parte dos preceitos religiosos ensinados durante o processo de socialização em uma
sociedade de base católica, como a brasileira, esta condição pode servir para a
compreensão da correlação encontrada. Encontrar uma correlação positiva entre o
ciúme romântico e o valor religiosidade sugere uma tendência dos sujeitos, que
108
adotam tal valor como princípio-guia em sua vida, exortando-os a aceitarem os
preceitos divinos de respeito e fidelidade ao outro.
Ordem Social. Este valor é descrito pelos seguintes itens: Viver em um país
ordenado e estruturado e ter um governo estável e eficaz. Expressa uma busca de
estabilidade do contexto no qual se está inserido, o que pode ser conseguido através
da manutenção dos padrões sociais que assegurem uma vida diária tranqüila. Sua
correlação com o ciúme romântico sugere a fidelidade à relação amorosa como uma
busca à manutenção dos padrões sociais.
Portanto, de acordo com o antes indicado, os valores da função psicossocial
normativa cumprem uma orientação social. De acordo com Gouveia (1998), uma vez
que os valores sociais possuem um foco interpessoal dizendo respeito à direção para
estar com os outros, os indivíduos que assumem tais valores tendem a se comportar
como indivíduos que buscam ser considerados, aceitos e integrados no grupo de
pertença, mantendo a harmonia entre os atores sociais no contexto ao qual estão
inseridos. Esta função é constituída por valores que enfatizam a vida social e a
estabilidade grupal. Além disto, existe uma apreciação constante da ordem
associada ao respeito a símbolos e padrões culturais prevalentes durante anos
(Formiga, 2002).
Diante destas características, pode-se dizer que a correlação positiva e direta
com o Ciúme Romântico é o resultado de uma interiorização de padrões culturais
convencionais, que se reflete através da concepção de que a relação romântica deve
ser uma relação vivenciada com exclusividade entre duas pessoas, sem a presença
de uma terceira.
109
4.2. O Sexismo Ambivalente e o Gênero
As duas últimas hipóteses desta dissertação fazem referência à comparação
entre homens e mulheres em relação à aceitação das concepções sexistas hostis e
benévolas. As pesquisas realizadas nesta área, desde 1996, quando a teoria foi
construída, demonstram uma maior tendência das mulheres (em função do afeto
recebido) a aceitarem o sexismo benévolo e a rejeitarem o sexismo hostil. Os
homens, entretanto, têm demonstrado uma maior tendência a aceitarem ambas as
concepções sexistas ambivalentes (Glick & cols., 2000). Diante deste panorama,
foram elaboradas as seguintes hipóteses: os homens apresentarão maior pontuação
na concepção sexista hostil do que as mulheres; e as mulheres apresentarão uma
pontuação na concepção sexista benévola similar à dos homens.
Através dos resultados obtidos, foi possível observar que ambas as hipóteses
foram corroboradas, isto é, os homens pessoenses realmente se apresentaram mais
sexistas hostis que as mulheres;
e a
pontuação masculina
não
diferiu
estatisticamente da feminina em termos do sexismo benévolo. Tal resultado sugere,
portanto, que, embora a mulher paraibana não encare como legítimo o sexismo
hostil, parece aceitar de bom grado o sexismo benévolo. Isso reforça a sutileza deste
tipo de sexismo, muito mais eficaz como forma de discriminar e propagar a
discriminação das mulheres, inclusive por elas mesmas. O sexismo hostil, como
forma flagrante de sexismo, apenas encontra respaldo entre os homens,
especificamente os participantes do presente estudo, que compartilham crenças,
estilos de vida e ideologias de uma sociedade coletivista como a paraibana (Gouveia,
1998).
110
V. Conclusão
Embora
a presente dissertação
ofereça
algumas contribuições para
compreender a relação entre o ciúme romântico, os valores e o sexismo ambivalente,
não se descartam possíveis limitações. Especificamente, a amostra, embora
apresente o aspecto positivo de contar com pessoas da população geral, pode conter
alguns vieses. Por exemplo, o número de homens foi relativamente pequeno (n =
138), sendo considerados indistintamente em conjunto com a amostra de mulheres
(n = 163) no momento de avaliar a relação destas três variáveis. Apesar deste
aspecto, os resultados encontrados são bastante coerentes com os presentes na
literatura, sugerindo a pertinência da presente pesquisa.
5.1. Medidas Utilizadas
Foram três as medidas utilizadas na presente dissertação: o Inventário de
Sexismo Ambivalente (Glick & Fiske, 1996), a Escala de Ciúme Romântico (Ramos,
Yazawa & Salazar, 1994) e o Questionário dos Valores Básicos (Gouveia, 1998).
Destes, apenas a Escala de Ciúme Romântico necessitou de uma nova validação
para ser utilizada.
A versão original da Escala de Ciúme Romântico possui 59 itens, distribuídos
entre os fatores Não-ameaça, Exclusão e Interferência. Para a realização do
presente estudo, utilizou-se uma nova versão, composta de 28 itens, selecionados a
partir das 14 cargas negativas e as 14 maiores cargas positivas, e distribuídos entre
os três fatores Não-ameaça (13 itens), Exclusão (11 itens) e Interferência (04 itens).
Não obstante, as análises estatísticas efetuadas sugeriram que esta medida poderia
111
ser perfeitamente reduzida a 24 itens, que podem avaliar a dimensão ciúme
romântico com parâmetros psicométricos aceitáveis. Portanto, apesar de não ter sido
o objetivo principal desta dissertação, oferece-se aqui uma nova estrutura do ciúme
romântico, que poderá ser útil em estudos futuros.
5.2. Principais Resultados
Apesar da lacuna encontrada na literatura relativa aos estudos na área do
ciúme romântico, bem como da relação deste construto com as variáveis sexismo
ambivalente e valores humanos, os resultados demonstraram a importância destes
últimos na compreensão das dimensões do ciúme romântico. Tais resultados
corroboraram a maioria das hipóteses elaboradas, entre elas as que se referiam à
correlação positiva entre o ciúme romântico e ambas as concepções sexistas
ambivalentes, bem como a uma maior interiorização, por parte dos homens, das
concepções sexistas hostis. Neste contexto, pode-se ressaltar alguns dos principais
achados desta dissertação:

A predominância do sexismo benévolo entre os participantes da pesquisa,
sugerindo uma facilitação na interiorização das concepções sexistas.

A evidência de uma interiorização significativa da dimensão de ciúme
romântico por parte dos indivíduos sexistas ambivalentes, principalmente
aqueles que se pautam pelo sexismo benévolo;

A demonstração de um apego aos valores de função psicossocial normativa
por parte dos indivíduos que pontuaram significativamente nas concepções do
ciúme romântico, indicando uma prioridade concedida às tradições, à ordem
112
social e à obediência aos padrões estabelecidos no contexto social, por parte
dos indivíduos que adotam tal comportamento;

Um apego diferenciado dos participantes à ideologia sexista ambivalente. Este
apego se expressou de uma forma diferente entre os distintos pólos de tal
ideologia (pólo hostil e pólo benévolo), uma vez que o sexismo hostil, além de
apresentar uma baixa correlação com o ciúme romântico, correlacionou-se
apenas com os valores obediência e poder.
Diante destes resultados, pode-se dizer que os participantes deste estudo
demonstraram uma ideologia sexista ambivalente, que pode ser descrita como
reveladora da cultura nordestina. Isto decorre de que, apesar de homens e mulheres
terem se apresentado como sexistas ambivalentes, a concepção sexista hostil
apareceu prioritariamente, como uma ideologia masculina. Demonstraram, ainda,
quanto está presente no Nordeste, e mais especificamente em João Pessoa, a
fundamentação patriarcalista definida por Falci (1997). Este autor acentua que, em
sociedades com esta orientação, se comprova uma estratificação bem delimitada
entre homens e mulheres, ricos e pobres, escravos e senhores, mas tendo sempre o
homem em primeiro lugar, não importando a que grupo social se esteja fazendo
referência. O sexismo pode ser inerente ao perfil axiológico das pessoas
entrevistadas, que se mostraram como adotando prioritariamente princípios-guia que
destacam as funções psicossociais normativa, interacional e existência.
Em resumo, estes resultados contribuem para demonstrar que, apesar de
todas as mudanças ocorridas no contexto social, referentes ao preconceito contra a
mulher, mudanças estas resultantes das conquistas realizadas pelas próprias
113
mulheres em busca de direitos iguais, de acordo com o apresentado, parece existir
ainda um apego à ideologia, estabelecida socialmente, que busca caracterizar as
mulheres como menos capacitadas que os homens devendo, portanto, aceitar suas
decisões.
5.3. Aplicabilidade do Estudo
Embora o objetivo primordial desta pesquisa diz respeito à apreensão teórica
sobre as relações entre o ciúme romântico, as concepções sexistas ambivalentes e
os valores humanos, é possível sua aplicabilidade relacionada a assessorar ações
que visem promover o respeito à mulher.
Ficou comprovada aqui, a importância do sexismo ambivalente, assim como
dos valores humanos, mais especificamente daqueles que formam as funções
psicossociais normativa, interacional e existência, para o conhecimento do ciúme
romântico. Diante do exposto, bem como da comprovação de um apego por parte
dos respondentes às concepções sexistas ambivalentes, e dos homens às
concepções sexistas hostis, pode-se propor, a partir dos resultados, intervenções
que auxiliem a redução da exclusão feminina. Primordialmente, procurar-se-á definir
estratégias de construção de uma nova visão da mulher, intervindo na sociedade,
através dos agentes socializadores, no sentido de tornar claras as práticas que têm
produzido sua discriminação, pautada geralmente por ações sexistas, hostis em
alguns casos, mas predominantemente benévolas. Esta forma sutil de discriminar
precisa ficar evidente, pois do contrário se estará reproduzindo o sexismo como um
favor à mulher.
114
Em resumo, pode-se dizer que a contribuição desta pesquisa, além de estar
vinculada a um progresso teórico a respeito do assunto, tem também uma ligação
com a realidade social, através de sua capacidade de suscitar discussões
condutoras à percepção do quanto a mulher sofre os efeitos do patriarcalismo, tão
presente no Nordeste brasileiro, que a conceitua como inferior e impede a sua
autonomia nos mais diversos contextos sociais.
5.4. Pesquisas Futuras
Em função de uma certa falta de pesquisas realizadas na área do ciúme
romântico, relacionando-o inclusive com outras variáveis, pesquisas futuras poderão
possibilitar uma maior clareza a respeito das relações entre o sexismo, o ciúme
romântico e os valores humanos. Neste aspecto, o estudo de Formiga, Santos,
Gouveia, Júnior e Jesus (2000), por exemplo, já demonstrou um pouco da relação
entre sexismo ambivalente e os valores humanos, tendo apresentado resultados que
são muito consistentes com os aqui descritos. No presente estudo, estas duas
variáveis se mostraram relevantes para explicar o ciúme romântico. Caberia, não
obstante, incluir novas variáveis que permitissem definir um modelo causal que
servisse de explicação para o ciúme, comprovando-se o peso que cada uma dessas
variáveis teria. Por exemplo, embora não tenha sido encontrado nenhum estudo no
Brasil que a considerasse, se poderia averiguar a suposta relação direta entre o
ciúme romântico e o papel tradicional dos sexos e inversa com a auto-estima (White,
1981b). Seria interessante, neste caso, compor uma amostra apenas masculina,
procurando definir com maior clareza o padrão de correlação entre estas variáveis.
115
Outra possibilidade seria a replicação da presente pesquisa com uma amostra de
sujeitos distribuídos igualitariamente em diferentes faixas etárias, o que permitiria
conhecer até que ponto a interiorização das concepções sexistas, o ciúme romântico
e a adoção dos valores humanos que os promovem têm sofrido influência das
gerações.
116
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122
ANEXOS
123
ANEXO 1
INSTRUÇÕES. A seguir você encontrará uma lista com 28 afirmações com as quais poderá ou não estar
de acordo. Pedimos-lhe, por favor, que indique ao lado de cada uma o seu grau de acordo ou desacordo,
segundo a escala de resposta descrita a seguir:
1 = Discordo Totalmente
2 = Discordo
3 = Indeciso
4 = Concordo
5 = Concordo Totalmente
Esclarecermos que não existem respostas certas ou erradas; interessa unicamente conhecer sua
opinião. A propósito, saiba que sua participação deverá ser voluntária, sendo suas respostas tratadas
de modo estatístico, sem que seja nosso propósito identificá-lo.
01. ____ Não há problema algum em encontrar uma fotografia de outro homem na carteira dela.
02. ____ Não tem nada de mal ela ir a festa sozinha.
03. ____ É perfeitamente normal ela elogiar um amigo seu.
04. ____ Encontrá-la com outro em um barzinho o deixa chateado.
05. ____ Fica furioso quando ela conversa com um amigo que acha bonito.
06. ____ É indecente um homem se aproximar e conversar com ela.
07. ____ Você ligar para ela e uma voz masculina não-familiar atender, lhe causa raiva.
08. ____ É natural ela ter muitos amigos.
09. ____ É aceitável ela aparecer com um perfume estranho na camisa.
10. ____ Não tem nada de mal ela freqüentar a casa de um antigo namorado.
11. ____ Pouco importa, ela receber presentes de um amigo.
12. ____ É perfeitamente normal ela conversar longamente com um amigo.
13. ____ Causa-lhe desconforto ver que os objetos de uma antiga paixão dela ocupam mais espaço do
que os seus.
14. ____ Não há nada de errado preferir fazer um passeio com os amigos a ficar com você.
15. ____ Ela ficar trancada no quarto com uma amiga lhe causa desconfiança.
16. ____ Provoca irritação amigos falarem dela com entusiasmo.
17. ____ É aceitável ela fazer elogios a outro homem na sua frente.
18. ____ Não tem nada demais seus amigos freqüentarem a casa dela.
19. ____ Você fica furioso se ela começa a dançar com um amigo seu numa festa.
20. ____ Causa-lhe incômodo ela parar de demonstrar seus sentimentos.
21. ____ É muito chato encontrar um grande número de telefones de homens na agenda dela.
22. ____ Causa-lhe incômodo ela se arrumar demais para sair sem você.
23. ____ Encontrar um isqueiro no bolso dela, sendo que ela não fuma, o deixa indignado
24. ____ É aceitável ela sonhar com outro.
25. ____ É natural ela passar algumas horas ouvindo músicas na casa de um amigo.
26. ____ É indecente ela dar olhadas para outros homens em uma festa.
27. ____ É tolerável ela ficar de papo com alguém.
28. ____ Ela trabalhar num ambiente onde há predominância de homens lhe incomoda.
124
ANEXO 2
INSTRUÇÕES. A seguir você encontrará uma lista com 28 afirmações com as quais poderá ou não estar
de acordo. Pedimos-lhe, por favor, que indique ao lado de cada uma o seu grau de acordo ou desacordo,
segundo a escala de resposta descrita a seguir:
1 = Discordo Totalmente
2 = Discordo
3 = Indeciso
4 = Concordo
5 = Concordo Totalmente
Esclarecermos que não existem respostas certas ou erradas; interessa unicamente conhecer sua
opinião. A propósito, saiba que sua participação deverá ser voluntária, sendo suas respostas tratadas
de modo estatístico, sem que seja nosso propósito identificá-lo.
01. ____ Não há problema algum em encontrar uma fotografia de outra mulher na carteira dele.
02. ____ Não tem nada de mal ele ir a festa sozinho.
03. ____ É perfeitamente normal ele elogiar uma amiga sua.
04. ____ Encontrá-lo com outra em um barzinho a deixa chateada.
05. ____ Fica furiosa quando ele conversa com uma amiga que acha bonita.
06. ____ É indecente uma mulher se aproximar e conversar com ele.
07. ____ Você ligar para ele e uma voz feminina não-familiar atender, lhe causa raiva.
08. ____ É natural ele ter muitas amigas.
09. ____ É aceitável ele aparecer com um perfume estranho na camisa.
10. ____ Não tem nada de mal ele freqüentar a casa de uma antiga namorada.
11. ____ Pouco importa ele receber presentes de uma amiga.
12. ____ É perfeitamente normal ele conversar longamente com uma amiga.
13. ____ Causa-lhe desconforto ver que os objetos de uma antiga paixão dele ocupam mais espaço do
que os seus.
14. ____ Não há nada de errado preferir fazer um passeio com as amigas a ficar com você.
15. ____ Ele ficar trancado no quarto com um amigo lhe causa desconfiança.
16. ____ Provoca irritação amigas falarem dele com entusiasmo.
17. ____ É aceitável ele fazer elogios à outra mulher na sua frente.
18. ____ Não tem nada demais suas amigas freqüentarem a casa dele.
19. ____ Você fica furiosa se ele começa a dançar com uma amiga sua numa festa.
20. ____ Causa-lhe incômodo ele parar de demonstrar seus sentimentos.
21. ____ É muito chato encontrar um grande número de telefones de mulheres na agenda dele.
22. ____ Causa-lhe incômodo ele se arrumar demais para sair sem você.
23. ____ Encontrar um isqueiro no bolso dele, sendo que ele não fuma, a deixa indignada.
24. ____ É aceitável ele sonhar com outra.
25. ____ É natural ele passar algumas horas ouvindo músicas na casa de uma amiga.
26. ____ É indecente ele dar olhadas para outras mulheres em uma festa
27. ____ É tolerável ele ficar de papo com alguém.
28. ____ Ele trabalhar num ambiente onde há predominância de mulheres lhe incomoda.
125
ANEXO 3
INSTRUÇÕES. A seguir você encontrará uma série de frases sobre os homens e as mulheres e suas
relações mútuas na sociedade contemporânea. Por favor, indique em que medida você concorda ou discorda
com cada uma delas, utilizando a seguinte escala de resposta:
1 = Discordo Totalmente
2 = Discordo
3 = Indeciso
4 = Concordo
5 = Concordo Totalmente
Esclarecemos que não existem respostas certas ou erradas; interessa unicamente conhecer sua
opinião. A propósito, saiba que sua participação deverá ser voluntária, sendo suas respostas tratadas de
modo estatístico, sem que seja nosso propósito identificá-lo.
01. ____ Ainda que um homem tenha muito êxito em sua vida, não poderá sentir-se completo a menos que
tenha o amor de uma mulher.
02. ____ Com o pretexto da igualdade, muitas mulheres buscam privilégios especiais, como condições de
trabalho que as favoreçam.
03. ____ Em caso de grandes ou pequenos acidentes, as mulheres devem ser resgatadas antes que os
homens.
04. ____ A maioria das mulheres interpreta os comentários ou brincadeiras inocentes como sexistas, isto é,
como expressões preconceituosas ou discriminatórias contra elas.
05. ____ As mulheres se ofendem muito facilmente.
06. ____ As pessoas não podem ser verdadeiramente felizes em suas vidas a menos que tenham uma outra
pessoa do sexo oposto. (Ex.: para o homem, uma mulher, e vice-versa).
07. ____ Na verdade, o que as mulheres feministas pretendem é que a mulher tenha mais poder que o
homem.
08. ____ Muitas mulheres se caracterizam por uma pureza que poucos homens possuem.
09. ____ As mulheres devem ser queridas e protegidas pelos homens.
10. ____ A maioria das mulheres não dá valor completamente a tudo o que os homens fazem por ela
11. ____ As mulheres tentam ganhar poder controlando os homens.
12. ____ Todo homem deve ter uma mulher a quem amar.
13. ____ O homem está incompleto sem a mulher.
14. ____ As mulheres exageram os problemas que têm no trabalho.
15. ____ Uma vez que uma mulher consiga que o homem se comprometa com ela, geralmente, ela tenta
controlá-lo.
16. ____ Quando as mulheres são vencidas pelos homens numa disputa justa, geralmente elas se queixam
de haver sido “roubadas” ou discriminadas.
17. ____ Uma boa mulher deveria ser posta em um pedestal pelo homem.
18.____ Existem muitas mulheres que, para chamar a atenção de um homem, primeiro se insinuam
sensualmente e depois rejeitam seus avanços ou ‘cantadas’.
19. ____As mulheres, em comparação com os homens, tendem a ter uma maior sensibilidade moral.
20. ____Os homens deveriam estar dispostos a sacrificar seu próprio bem-estar a fim de dar segurança
econômica e social às mulheres.
21. ____As mulheres feministas estão fazendo exigências completamente irracionais aos homens.
22. ____ As mulheres, em comparação com os homens, mostram um sentido mais refinado para a
cultura e o bom gosto.
126
ANEXO 4
QUESTIONÁRIO DOS VALORES BÁSICOS – QVB
INSTRUÇÕES. Por favor, leia atentamente a lista de valores descritos a seguir, considerando seu
conteúdo. Utilizando a escala de resposta abaixo, indique com um número ao lado de cada valor o grau
de importância que este tem como um princípio que guia sua vida.
1
Totalmente
não
Importante
2
Não
Importante
3
Pouco
Importante
4
5
Mais
ou Importante
menos
Importante
6
Muito
Importante
7
Extremament
e Importante
01.____JUSTIÇA SOCIAL. Lutar por menor diferença entre ricos e pobres; permitir que cada indivíduo seja
tratado como alguém valioso.
02.____SEXUAL. Ter relações sexuais; obter prazer sexual.
03.____ÊXITO. Obter o que se propõe; ser eficiente em tudo que faz.
04.____APOIO SOCIAL. Obter ajuda quando a necessite; sentir que não está só no mundo.
05.____HONESTIDADE. Agir responsavelmente quando dá sua palavra; ser honesto e honrado.
06.____CONHECIMENTO. Procurar notícias atualizadas sobre assuntos pouco conhecidos; tentar descobrir
coisas novas sobre o mundo.
07.____EMOÇÃO. Desfrutar desafiando o perigo; buscar aventuras.
08.____PODER. Ter poder para influenciar os outros e controlar decisões; ser o chefe de uma equipe.
09.____AFETIVIDADE. Ter uma relação de afeto profunda e duradoura; ter alguém para compartilhar seus
êxitos e fracassos.
10.____RELIGIOSIDADE. Crer em Deus como o salvador da humanidade; cumprir a vontade de Deus.
11.____AUTODIREÇÃO. Sentir-se livre para vestir-se como queira; estar livre para se mover, ir e vir sem
impedimentos.
12.____ORDEM SOCIAL. Viver em um país ordenado e estruturado; ter um governo estável e eficaz.
13.____SAÚDE. Preocupar-se com sua saúde antes de ficar doente; não estar enfermo.
14.____PRAZER. Desfrutar da vida; satisfazer todos os seus desejos.
15.____PRESTÍGIO. Saber que muita gente lhe conhece e admira; quando velho receber uma homenagem
por suas contribuições.
16.____OBEDIÊNCIA. Cumprir seus deveres e obrigações do dia a dia; respeitar aos seus pais e aos mais
velhos.
17.____ESTABILIDADE PESSOAL. Ter certeza de que amanhã terá tudo o que tem hoje; ter uma vida
organizada e planificada.
18.____ESTIMULAÇÃO. Fazer coisas que lhe permitam estar ocupado, em movimento; participar em tantas
atividades como seja possível.
19.____CONVIVÊNCIA. Conviver diariamente com os vizinhos; fazer parte de algum grupo, como: social,
religioso, esportivo, entre outros.
20.____BELEZA. Ser capaz de apreciar o melhor da arte, música e literatura; ir a museus ou exposições
onde possa ver coisas belas.
21.____TRADIÇÃO. Seguir as normas sociais do seu país; respeitar as tradições da sua sociedade.
22.____SOBREVIVÊNCIA. Ter água, comida e poder dormir bem todos os dias; viver em um lugar com
abundância de alimentos.
23.____MATURIDADE. Sentir que conseguiu alcançar seus objetivos na vida; desenvolver todas as suas
capacidades.
24.____PRIVACIDADE. Ter uma vida privada sem que os assuntos ou as pessoas da comunidade
interfiram; ter sua própria moradia e receber nela só a quem deseja.
Para finalizar, reconsidere a lista de valores acima. Escreva o nome de um único valor que você pensa que
é o MAIS IMPORTANTE como um princípio-guia na sua vida: _______________. Embora todos possam
ser importantes, qual julga ser o MENOS IMPORTANTE DE TODOS: __________________.
127
ANEXO 5
INSTRUÇÕES. Finalmente, gostaríamos que você fornecesse alguns dados a seu respeito. Não será
necessário que você se identifique, apenas pedimos que responda com total sinceridade a todas as
perguntas.
1) Qual a sua idade?_____ anos
2) Qual o seu sexo? p Masculino p Feminino
3) Qual a sua religião? (ponha um zero se não tem religião):____________________________________
4) Qual o seu estado civil? (marque):
p Casado(a)/Convivente p Solteiro(a)
p Viúvo
p Separado / Divorciado p Outro:____________
5) Se você não estiver casado, atualmente você está:
p Sem relacionamento
p Com Namorado(a) Ocasional
p Namorando Fixo
p Noivo(a)
6) Se você está mantendo algum tipo de relacionamento, ele existe a quanto tempo? (expresse em
números)_____________ meses
7) Com quem você vive atualmente?
p Pais
p Cônjuge/Companheiro(a)
p Amigos
p Parentes
p Sozinho(a)
p Outros (escreva aqui): _______________
8) Qual a sua opção sexual?
p Heterossexual
p Bissexual
9) Você estuda? p Não
p Homossexual
p Outra (escreva qual): ___________
p Sim
10) Qual o seu grau de educação escolar?
p 1º grau incompleto
p 1º grau completo
p 2º grau incompleto
p 2º grau completo
p 3ºgrau incompleto
p 3º grau completo
p Outro________________
11) Você está trabalhando atualmente?
p Não
p Sim
12) Em comparação com as pessoas de seu país (Brasil), você acredita que faz parte da classe (circule):
1
Baixa
2
3
4
5
6
Média
7
8
9
10
Alta

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