APOSTILA 1

Transcrição

APOSTILA 1
Apostíla de Sociologia da Educação - texto avulso (Prof. Renato Fialho Jr.)
Tortura musical
Um esquema de dominação não nasce do
dia para a noite. É preparado em seus mínimos
detalhes. Custa tempo e dinheiro. Pode ser que
em 1964, se os cabos anselmos não houvessem exigido tanto de Jango, ocorressem eleições
em outubro e JK fosse eleito.
Na época, porém, quem tinha um dente de
ouro achava que seria fuzilado. Chegara a era
dos generais, a fim de que os EUA pudessem
desenvolver com calma seus planos de expansão. O resto é História de sujeira e sangue. Muitos, porém, queriam liberdade; queriam, como
dizia Chico Buarque, parar de falar de lado e olhar
para o chão.
Quando os generais passaram a ser um
trambolho, os americanos resolveram nos conceder a democracia indireta. Depois tivemos
aquela vergonhosa anistia de fio duplo e, por fim,
as eleições indiretas, que acabaram sendo
vencidas pelos médicos do Hospital de Base de
Brasília.
Os militares haviam se metido em tudo.
Pornochanchada no cinema, besteirol no teatro
e novela na TV. Eventualmente, alguma música
de protesto. O carnaval virou show para turistas
como é até hoje, pois o protagonista - o povo assiste pela TV.
Essa política cultural imposta pelas grandes
gravadoras e pelas grandes distribuidoras de filmes se manteve e se firmou sem maiores reações da mídia ou das massas. O próximo passo
seria o surgimento da religião neoliberal instaurada por Reagan e Thatcher e posta em execução, por aqui, por FHC, que abusou literalmente
da democracia vacilante e do torpor da maioria
despolitizada.
Deteriorou a educação, a ciência e a cultura a ponto de as novelas substituírem a vida e a
ignorância da classe média procurar refúgio em
Paulo Coelho. Quando você tem um povo desesperado que acha que é prêmio ganhar pouco mais que um salário-mínimo, é fácil implantar
qualquer ditadura. Como não existe crime perfeito, o neoliberalismo cometeu um grande erro.
O desespero levou muita gente ao crime.
O que os sacerdotes da nova seita não esperavam é que junto com o crime surgisse a teoria do crime. Boa parte da garotada favelada
não quer o emprego humilhante que o mercado
oferece. Já nasce para o crime. E depois de décadas de necessidade envergonhada, não dá
valor à vida humana. Mata-se mais no Rio e em
São Paulo do que no Líbano.
Disse que a política imiscuiu-se em todas
as artes para degradá-las e ganhar mais dinheiro. Vou usar somente a música como exemplo
de como é fácil boçalizar um povo.
1930: A lua vem surgindo cor de prata, do
alto da montanha verdejante, a lira do cantor em
serenata reclama na janela a sua amante. 1940:
A deusa da minha rua tem os olhos onde a lua
costuma se embriagar; em seus olhos eu suponho que o sol num dourado sonho vai claridade
buscar. 1950: A minha felicidade está sonhando
nos olhos da minha namorada, é como esta noite passando, passando em busca da madrugada... 1960: Estava à toa na vida, o meu amor me
chamou pra ver a banda passar, cantando coisas de amor. 1970: Bandeira branca, amor, não
posso mais, pela saudade que me dói, eu peço
paz. 1980: Azar, a esperança equilibrista, sabe
que o show de todo artista deve continuar. E
então:
1990: Bota a mão no joelho e dá uma
baixadinha, vai mexendo gostoso, balançando
a bundinha. 2001: Tchuchuca, vem aqui com teu
tigrão. Vou te jogar na cama. Vou te dar muita
pressão. 2002: Abre as pernas, faz beicinho, vou
morder o teu gr...inho. Vai, Serginho, vai,
Serginho. Abre a boca e se espanta, vou botar
na tua garganta. 2003: Vou mandando um
beijinho pra filhinha e pra vovó, pois não posso
esquecer minha eguinha pocotó. 2005: Tô ficando atoladinha, foguetinha, piriri, piriri, piriri, alguém ligou pra mim? 2006: E eis o último grande sucesso das paradas este ano: Vai de tapinha na bundinha, vai que sou sua cachorrinha,
vai que tô muito assanhada, vamos dá uma
lapadinha, só se for na rachadinha.
Eis aí o que fizeram com nosso povo e ainda querem que ele vote direito, depois de tanta
tortura.
Fausto Wolff
Artigo publicado em sua Coluna do JB - 2006
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