Movimento e Inserção da Gymnastica no Gymnasio Mineiro

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Movimento e Inserção da Gymnastica no Gymnasio Mineiro
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MOVIMENTO DE INSERÇÃO DA GYMNASTICA NO GYMNASIO MINEIRO (1890 –1930) : APONTAMENTOS
DE UMA PESQUISA
Aleluia Heringer Lisboa Teixeira
Universidade Federal de Minas Gerais
RESUMO
Acompanhar o movimento de inserção da Gymnastica como um componente curricular no Gymnasio Mineiro é
o meu objetivo com esta pesquisa em andamento. Fundado no ano de 1890 pelo Sr. Presidente do Estado de
Minas Gerais Chrispim Bias Fortes, foi a primeira Instituição Pública de Ensino Secundário de Minas Gerais e
compunha de um Internato – em Barbacena – e um Externato – em Ouro Preto. De caráter propedêutico tinha
por finalidade habilitar os alunos para as academias e estudos superiores da República. Equiparado ao Ginásio
Nacional (antigo Imperial Colégio Pedro II), adotava o mesmo currículo e garantia aos seus alunos aprovados
nos exames finais, a matrícula nos cursos superiores da República. Seu currículo inicial era composto pelas
seguintes disciplinas : portuguez, latim, grego, francez, inglez, allemão, mathematica, astronomia, physica,
chimica, historia natural, biologia, sociologia e moral, geographia, historia universal e do Brasil, litteratura
nacional, desenho, gymnastica, evoluções militares, esgrima, e musica. O Gymnasio Mineiro simbolizava
aquilo que se queria para o Ensino Secundário em Minas Gerais e o ensino da Ginástica nessa instituição tornouse referência para as escolas mineiras e brasileiras. Como parte dos requisitos exigidos para a inscrição ao 1o
concurso de professor de Gymnastica e Educação Physica, temos a contribuição dos estudos, do então candidato
a vaga, Fernando de Azevedo, que foram publicados em 1915. Tais estudos são até os dias atuais, objeto de
discussão da Educação Física. O recorte temporal vai do momento de sua criação – 1890 - até os anos 30,
período da implantação da Reforma Francisco Campos que remodelou a estrutura do Ensino Secundário no país
são, portanto os quarenta anos iniciais da história da ginástica no Ensino Secundário em Minas Gerais. Interessame investigar qual sua função social e o que justificava sua presença. Quais as representações sobre a ginástica e
suas práticas; do que se constituía; que tipo de saber lhe era próprio; qual o lugar e espaço ocupavam e que foi
ocupando, e quem era seus professores. Para responder a estas perguntas venho utilizando fontes – impressas e
manuscritas tais como: a Legislação, Regimentos internos, Programas de Ensino, Relatórios dos Reitores e dos
Secretários do Interior enviados ao Presidente de Estado, as Atas da Congregação do Ginásio Mineiro, Jornais,
Revistas e fotografias. Este acervo se encontra no Arquivo Público Mineiro, Biblioteca do Colégio Estadual
Milton Campos e na Emeroteca, todos em Belo Horizonte. A análise das fontes se orientará por referencial
teórico-metodológico da História cultural: seus procedimentos e conceitos sobre fontes, cultura escolar,
representações e práticas, tempos e espaços escolares. As primeiras análises das fontes mostram que a ginástica é
justificada como forma de: fortalecer o organismo a serviço da capacidade intelectual.; formar o caráter do
jovem; fornecer condições higiênicas necessárias ao seu desenvolvimento intelectual, da atenção, da ordem e da
perseverança. Além disto, proporcionaria a flexibilidade, elasticidade e a coordenação necessária aos trabalhos
manuais nas indústrias e nas artes. Pelos primeiros documentos analisados podemos perceber também que
ginástica se confunde em muitos momentos com a esgrima e evoluções militares, também inclusas no currículo,
dividindo os mesmos professores, tempos e espaço físico. Tudo indica que os problemas gerados pela estrutura
do Ensino Secundário no período analisado, fizeram com que no trato com a ginástica no que se refere ao tempo,
espaço físico, participação dos alunos, material didático, dentre outros, fosse de muita precariedade. Na década
de 20 é perceptível um movimento de reestruturação do Ensino Secundário no qual a ginástica começa a ocupar
um lugar de destaque.
TRABALHO COMPLETO
1
INTRODUÇÃO
Indicações preliminares sobre o ensino secundário em Minas Gerais mostram que a
existência de colégios nos primórdios do século XIX, na província de Minas, era uma
raridade, como constata Marisa Guerra de Andrade (1992). O entendimento de colégio, a que
ela se refere, é de “uma instituição que recruta alunos em determinados segmentos sociais,
fornece um tipo particular de ensino centrado nas humanidades clássicas, preparando-os
eventualmente para a academia” (1992:100). Este processo de trazer para o “interior dos
muros dos colégios” as aulas avulsas ou isoladas foi um processo lento. O Liceu Mineiro, que
antecedeu ao Gymnasio Mineiro participou deste processo e foi instalado em 18 de Abril de
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18721. Não foi possível saber se esta instituição foi uma tentativa entre tantas outras, de idas
e vindas, dos liceus provinciais, ou se tinha ele alguma singularidade.
O Decreto n. 981 – de 1o de dezembro, que cria o Gymnasio Mineiro em 1890 é o
mesmo que suprime o Lyceu da Capital Ouro Preto2. O governador de Minas Gerais,
Chrispim Jacques Bias Fortes, justifica esta criação dizendo que era “conveniente uniformizar
o ensino primário, normal e secundário”. A legislação que vigorava era, segundo ele,
defeituosa e reclamava uma reforma “eficaz, urgente e adaptada às actuaes circumstancias”.
Só reformar o ensino secundário não seria proveitoso, havia a necessidade de estabelecer em
Minas, uma nova forma de escola secundária, e o modelo essa para mudança seria o Ginásio
Nacional (O Imperial Collegio de Pedro II) 3.
Segundo Carlos Fernando Ferreira da Cunha Junior4 (2002), o CPII foi a primeira
tentativa do poder central em organizar o ensino secundário regular e devia, por isso mesmo,
constituir, por meio do seu currículo e da forma de organização, em modelo para os demais
estabelecimentos de ensino secundário. Fundado em 1837, foi uma alternativa ao sistema de
aulas avulsas existentes no Município da Corte, sistema que perdurou durante a 1a República.
Oferecia uma formação ampla ao longo de sete anos. Para isso dispunha de um prédio próprio
à tarefa educativa, efetivada por um conjunto de profissionais específicos. (2002:1999). Ali,
os termos “gymnastica” ou “exercícios gymnasticos” foram utilizados para fazer referência às
práticas corporais – esgrima, jogos e exercícios ginásticos propriamente ditos. No Ginásio
Mineiro, tudo indica que este também foi um procedimento utilizado.
Estudos como os de Haidar (1972); Mourão (1962); Nagle (1974); Peres (1973),
apontam para uma quase total frustração nas iniciativas do Governo Federal em organizar o
ensino secundário até a entrada dos anos 30. Isto em função de dois sistemas paralelos que
vigoravam. O primeiro sistema era aquele oferecido pelo CPII, e já referido acima. O aluno
que cumprisse o percurso de sete anos sairia com o grau de “bacharel em Sciencias e lettras”,
podendo ingressar assim, em qualquer curso superior sem a necessidade de prestar mais
nenhum exame. Este percurso, considerado longo, produzia um decréscimo nas matrículas à
medida que os anos se passavam. Poucos concluíam e muitos buscavam apressar o ingresso
nos cursos superiores. Um exemplo está na relação entre o número de alunos matriculados e
aqueles que formavam no Imperial Colégio de Pedro II após 7 anos de estudos. Entre 1844 e
1884, num total de 5729 alunos matriculados, somente 210 se formaram bacharéis, ou seja,
3,7% do total (Cunha Junior: 2002:74).
O ensino avulso era o segundo sistema. Se organizava em torno dos exames
preparatórios e era o mais curto caminho para o Curso Superior. As matérias desses exames
eram específicas para o curso desejado e os programas e pontos, eram aqueles fixados pelo
governo para os exames realizados em todo o país. As aulas secundárias ou avulsas
proliferavam, pois atendiam a uma demanda de alunos que se interessavam em preparar
somente para as disciplinas que seriam exigidas nos exames para ingresso nas faculdades.
Esta situação, me levou a perguntar como a existência desses dois sistemas paralelos
repercutiam no ensino da Ginástica? Conhecer esta situação se torna relevante à medida que
torna emblemática a inserção não só da ginástica neste ensino, mas de todas as outras matérias
que não eram exigidas para o acesso aos cursos superiores. Que motivos estariam justificando
esta escolarização? A inserção e permanência da Ginástica não estaria contrariando a visão
utilitarista do ensino secundário nesse período?
1
Sessão Provincial. Fundo: instrução pública – IP.número 63 – data: 1872. Atas de instalação da Escola Normal
de Outro Preto, Liceu Mineiro e de sessão do Conselho Diretor da Instrução Pública.
2
Este Decreto também suprime os Externatos do Estado de Minas Gerais.
3
O Collegio Imperial de Pedro Segundo com a proclamação da República, passa a ser chamado de Ginásio
Nacional. Em 1915, é renomeado Colégio Pedro II. Utilizarei a partir de agora CPII para designá-lo.
4
Trata-se da Tese “História do Imperial Collegio de Pedro Segundo”.
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2
O GINÁSIO MINEIRO
O Gymnasio Mineiro foi a primeira instituição pública de Minas Gerais a se equiparar
ao Ginásio Nacional. Uma escola equiparada significava possuir a vantagem de ter seus
exames finais validados junto aos cursos superiores. Com um Internato na cidade de
Barbacena e um Externato em Ouro Preto5, seu objetivo era “habilitar alunos para as
academias e estudos superiores da República” e para isto o programa de ensino prescrito no
decreto estava organizado em um curso de sete anos que incluía as seguintes disciplinas:
“portuguez, latim, grego, francez, inglez, allemão, mathematica, astronomia,
physica, chimica, historia natural, biologia, sociologia e moral, geographia,
historia universal e do Brasil, litteratura nacional, desenho, gymnastica, evoluções
militares, esgrima, e musica”.
O fato de o Estado por meio da legislação estar intervindo neste momento para
conformar a Ginástica no Ensino Secundário sinalizou para uma possibilidade de estudo sobre
esta inserção6. A leitura dos trabalhos de Eustáquia Salvadora de Sousa (1994) e de Tarcísio
Mauro Vago (2002), que se debruçaram sobre a História da Educação Física em Belo
Horizonte, motivou-me ainda mais a me enveredar no tema.
Na tese de Sousa (1994) 7, o Ginásio Mineiro que se “destinava inicialmente, à
educação dos jovens do sexo masculino oriundos de famílias da elite” (1994:54) é uma das
sete instituições selecionadas por Sousa, sendo mencionado várias vezes como o palco de
episódios envolvendo o ensino da Educação Física em Belo Horizonte. Um exemplo é o
primeiro concurso ocorrido em 1916, para professor de Ginástica e Educação Física8. O
Ginásio Mineiro, contudo, não foi o foco central de seu estudo. Seu pioneirismo, no entanto,
abriu caminhos para novas pesquisas, como a de Tarcísio Mauro Vago (2002), que investigou
a inserção da Ginástica no Ensino Público Primário em Belo Horizonte (1906-1920). 9
Segundo Vago (2002:15), uma nova forma escolar foi instituída com o aparecimento
dos Grupos Escolares em 1906, e a “Educação Physica”, em sentido alargado, era um de seus
pilares. As representações sobre a corporeidade das crianças, especialmente as mais pobres, as
produziram como “vadias, sujas, doentes e abandonadas à própria sorte”. A Ginástica foi
então mobilizada na certeza que “endireitaria e tornaria robustos os corpos destas crianças”.
Seu ensino estava centralmente orientado e configurado sob o “primado da correção e
constituição dos corpos” (2002:340). Este envolveria não só a prática da ginástica e dos
exercícios militares, mas os cuidados com o corpo, e a educação dos sentidos. No Ensino
Secundário seria diferente?
5
O Externato foi transferido para a nova Capital de Minas Gerais em 17 de outubro de 1898.
Estudos iniciais indicam que o termo “gymnastica” era utilizado no sentido amplo. Fazia parte da ginástica a
esgrima e evoluções militares. Para este estudo utilizarei ginástica englobando também a esgrima e evoluções
militares. No momento em que os documentos se referirem à esgrima ou evoluções militares de forma separada,
assim também farei.
7
“Meninos, à marcha! Meninas, à sombra: A História do Ensino da Educação Física em Belo Horizonte (18971994).
8
O concurso contou com três candidatos: José Atalyba Santos, Fernando de Azevedo e o vencedor, Antônio
Pereira da Silva.
9
Refiro-me a Tese de doutoramento defendida em 1999 na Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo - “Cultura Escolar, Cultivo de Corpos: Educação Physica e Gymnastica como práticas constitutivas dos
Corpos de Crianças no Ensino Público Primário de Belo Horizonte (1906-1920)”. Esta tese foi publicada em
forma de livro pela Editora da Universidade São Francisco, em 2002.
6
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Já os trabalhos de Carmem Lúcia Soares10 trazem questões interessantes para se
pensar as razões da presença da Ginástica e, especialmente, da Esgrima no Ensino
Secundário11. Seus estudos mostram que para a educação das elites, somente a ginástica,
como era prescrita para o Ensino Primário, não bastaria para se obter um jeito “nobre” de se
apresentar. Era preciso ir mais além. Se a ginástica, genérica e utilitária, poderia ser comum a
todos, entretanto, para o completo trabalho de educação do corpo, seriam necessários também
exercícios “específicos”. Estes seriam o salto, a carreira, a natação, a equitação e a esgrima,
que poderiam desenvolver uma educação da sensibilidade, além de atenderem aos preceitos
da elegância. Estes exercícios eram um distintivo da classe burguesa e ditavam para o corpo
“atitudes respeitosas”, o “fortalecimento morfofuncional” e os “lisonjeios ao espírito”,
qualidades enaltecidas, por suas intermináveis vantagens, pelos médicos (200:80).
Outra contribuição de Soares é possibilitar a reflexão sobre como os modelos europeus
foram sendo apropriados no Brasil. Esta estreita ligação pode ser percebida nas idéias de
Fernando de Azevedo em sua tese apresentada no referido concurso à vaga de Professor da
Cadeira de Ginástica e Educação Física do Externato. Ele se fundamenta nas idéias de
Amoros12, George Demeny13, P. Tissié14 dentre outros nomes, que segundo Soares, são alguns
dos autores de estudos e pesquisas que “deram origem a um movimento de sistematização dos
exercícios físicos, na França, que se pautou pelo conteúdo médico-higiênico” (2001:65).
Estas questões contempladas nestes estudos contribuíram na construção do problema
desta pesquisa à medida que me levaram a perguntar: A ginástica no Ginásio Mineiro teria
essas mesmas características e influências? Em que circunstâncias acontecia o ensino da
Ginástica? Que representações de ginástica e de seus professores circularam naquela escola15?
Que práticas eram propostas e prescritas na legislação?
Perguntar sobre os espaços e os tempos escolares se torna relevante no estudo da
inserção de uma disciplina, já que os mesmos não são neutros. Aprende-se em lugares e
tempos concretos que por sua vez, “são determinados e determinam modos de ensino e de
aprendizagem”(Frago2000:99). O espaço também tem uma dimensão dinâmica, pois segundo
Certeau, é um “lugar praticado”. Certeau nos dá um exemplo do que seria este lugar praticado
ao se reportar aos pedestres que “transformam aquilo que foi geometricamente definido pelo
urbanismo, em rua” (p.202). Sendo assim, quando e como os lugares conhecidos como a “sala
d’armas”, o pátio, ou um galpão foram sendo ocupados, utilizados e transformados em
espaços de ginástica, exercícios militares e esgrima por seus alunos e professores? Que
tempos e espaços a ginástica ocupava? Que requisitos eram considerados no momento de se
definir a localização das suas salas? Que mudanças na materialidade destes lugares foram
10
“Educação Física: Raízes Européias e Brasil” (2001-2a edição) e “Imagens da Educação no Corpo: estudo a
partir da Ginástica Francesa no século XIX” (1996).
11
A esgrima constava no programa do Ginásio Mineiro, e pelas primeiras observações, era uma prática que
pertencia à ginástica.
12
Nasceu em Valença, Espanha em 1770. Em 1816 naturalizou-se Francês e iniciou seus empreendimentos para
a criação dos ginásios. Em 1820 começou a publicar seus estudos sobre a ginástica. Fonte: SOARES (1996:15).
13
Biólogo, fisiologista e pedagogo. Nasceu em Dowai, França, em 12 de junho de 1850. Era um seguidor do
positivismo e buscava nesta abordagem de ciência as respostas para a Educação Física. Fundou o círculo de
Ginástica Racional, cuja atividade incluía cursos, palestras e publicações destinadas aos professores que
ensinavam Ginástica. Organizou em 1903, o primeiro curso superior de Educação Física na França. Morreu em
Paris, em 26 de dezembro de 1917. Fonte: SOARES (1996:60)
14
Médico entusiasta da Ginástica. Na França ele foi um defensor do Método Sueco a contrário de Demeny.
15
Representação aqui entendida “como aquilo que tanto dá a ver uma coisa ausente como exibe uma presença”,
conceito desenvolvido por Chartier (1990). A representação pode impressionar, “ostentando signos visíveis
como provas de uma realidade que não o é”. Esta deturpação da representação “transforma-se em máquina de
fabrico de respeito e submissão, num instrumento que produz constrangimento interiorizado” (p.22).
450
ocorrendo e que novos nomes foram recebendo em função dos seus usuários e de suas
práticas?
O estudo de Andréz Zarandin (2002:44) demonstra como sistemas de significados e
subjetividades são geradas pela cultura material. Esta entendida como “todos os produtos,
conscientes ou não, elaborados pelo homem – desde objetos até paisagens”. Este autor parte
do princípio que os objetos “produzidos e utilizados pelos homens são ativos, dinâmicos,
portadores e geradores de significados”(p. 16). Na composição do lugar próprio para as aulas
de ginástica que objetos eram indispensáveis?
3
A GINÁSTICA NO GINÁSIO MINEIRO
Ginástica, Esgrima e Evoluções Militares aparecem, como já visto, no programa do
Ginásio Mineiro no momento de sua criação. Estava prevista para ser ministrada duas vezes
por semana até o 5o ano, e, nos 6o e 7o anos, uma vez por semana. Apesar de no programa
estar escrito de forma separada consta no Decreto 260 que “ Cada um dos estabelecimentos,
de que se compõe o Gymnasio, terá os seguintes lentes: [...] um de desenho, um de
gymnastica, esgrima, e evoluções militares e um de música”. Ou seja, um professor bastaria
para ministrar as três disciplinas (art. 3o).
Também ao demonstrar a divisão das matérias ao longo dos 07 anos, consta somente
“Gymnastica” como se estivesse implícito aí a presença da Esgrima e Evoluções Militares. O
decreto as agrupa deixando transparecer que eram uma única “cadeira de ensino”. (art. 4o).
Seriam elas realmente consideradas uma só disciplina, matéria ou cadeira de ensino? Qual a
relação entre elas? Seriam elas vizinhas ou combinadas? Quais os traços comuns entre as
mesmas?
Dentre os constituintes de uma disciplina escolar apontados por André Chervel
(1999:200), tais como estrutura própria, economia interna, conteúdo de conhecimentos dentre
outros, o autor levanta questões pertinentes àquelas disciplinas que escondem atrás de uma
única denominação, duas ou três disciplinas. Será necessário investigar a “economia interna”
dessas três práticas para perceber se constituíam uma única cadeira, ou se eram práticas
distintas.
Era também previsto três exames de avaliação. O primeiro chamado de suficiência
seria para as matérias que iriam continuar no ano seguinte. Neste caso a prova seria oral. O
segundo seria os exames finais que previam provas escritas e orais, além de provas práticas
para as seguintes cadeiras “physica e chimica, biologia, geographia, desenho e musica e
gymnastica”(Art. 7).O terceiro exame era o de madureza, que prestado no final do curso
integral, destinava-se a “verificar se o aluno tinha cultura intellectual necessaria”. A prova
prática de ginástica estava prevista para acontecer no final do sétimo ano. De que constava
esta prova? Que pontos eram exigidos?
Os compêndios e livros adotados nas aulas seriam propostos pelos próprios lentes (art.
19). Circulariam compêndios de Ginástica? De onde viam? Sabemos também através do
Decreto 290. que as primeiras nomeações para o provimento das cadeiras do ginásio, seriam
feitas pelo Governador. O critério seria os candidatos “que lhe parecerem mais capazes e que
tenham já dado provas de idoneidade profissional”(art. 22). Interessa-me investigar de onde
viam estes professores? E onde se dava a preparação profissional dos mesmos?
4
TEMA/PROBLEMA DE PESQUISA
Com esse trabalho busco investigar a inserção e permanência da Ginástica como
prática constitutiva da cultura escolar do Ginásio Mineiro (Internato/Externato). O período a
ser pesquisado é o que vai do momento de sua fundação, em 1890 a 1940.
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A razão deste recorte decorre do fato de este ser um momento rico em elementos e
esforços que criaram condições para a afirmação da hoje denominada Educação Física no
Ensino Secundário em Minas. Acompanhar estes cinqüenta anos de existência da Ginástica
significa investigar seu “enraizamento” e de sua configuração como prática constitutiva
daquela cultura escolar. Como limite temporal desta pesquisa estão as repercussões da
Reforma Francisco Campos (Decreto n. 19.890, de 18 de Abril de 1931) no ensino da
Ginástica no Ginásio Mineiro. Nos primeiros anos da década de 30, segundo Sousa, o ensino
secundário ministrado em Belo Horizonte, “deixa suas feições tipicamente literárias e
humanística, para ter como destaques as ciências físicas, químicas e a Educação Física”
(1994:88).
A Reforma Francisco Campos deu uma nova configuração à Ginástica passando a
utilizar o termo “Educação Física”, a partir de então. No art. 9o do Capítulo I prescreve:
“Durante o ano letivo haverá ainda, nos estabelecimentos de ensino secundário, exercícios de
educação física obrigatórios para todas as classes”. Chama a atenção que ao mesmo tempo em
que a Educação Física recebe um destaque, ela desaparece da relação das “matérias” que
constituíam o curso de cinco anos. O que esta mudança significou no cotidiano das aulas?
No Ensino Primário ocorreu também uma transição, ao longo da década de 20, em
torno do termo que designa essa disciplina. Segundo Vago (2002), o termo “educação física”
vai sendo cada vez mais empregado e isto, segundo ele, não se trata de “uma simples e
mecânica mudança de nomes, mas de uma paulatina especialização de tarefas”. Mas, este
movimento parece ter sido o de
“atribuir a uma disciplina específica do programa a responsabilidade por realizála, a ponto de assumir tal designação, que vai perdendo seu sentido alargado,
como antes, e assumindo um sentido restrito. Isso indicia a consolidação de um
campo disciplinar específico para uma tarefa específica, que requer professores
específicos, práticas específicas, demandas das décadas anteriores que marcam o
enraizamento escolar da Ginástica (Educação Física), em Minas Gerais,
especialmente a partir da segunda metade da década de 20” (2002:351).
Estes são alguns motivos para este recorte temporal, que poderá ser reduzido ou
ampliado a partir da coleta e tratamento das fontes.
Já no Internato em Barbacena, pretendo acompanhar este movimento apenas até o
período de 1912, momento em que ele é extinto, para ser criado em seu lugar um Colégio
Militar16. É ali também que a ginástica permanece no currículo, ao contrário do Externato,
mesmo após o Decreto n. 1.285 de 30 de maio de 1899, que a extinguiu. Este fato impediu
que houvesse uma interrupção no movimento das aulas de ginástica no Internato, e que por
isto, torna-se interessante para esta pesquisa.
Para perseguir os objetivos traçados neste projeto, penso ser essencial apropriar-me e
operar com conceitos e procedimentos que a História Cultural oferece para educação.
Segundo Roger Chartier (1990:16), a história cultural tem por principal objeto “identificar o
modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída,
pensada, dada a ler”. Para isto, Chartier trabalha com o conceito de representação. As
representações do mundo social não são discursos neutros, mas sempre “determinadas pelos
interesses de grupo que as forjam” daí ser necessário “relacionar os discursos proferidos com
a posição de quem os utiliza”. Estes discursos produzem estratégias e práticas que se impõem,
ou tentam se impor, à medida que menospreza a autoridade do outro. Chartier utiliza então o
termo “lutas de representações”, para dar ênfase a este campo de concorrências e
16
Decreto Federal n. 9507 de abril de 1912.
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competições. O que está em jogo nestes “pontos de afrontamento”, é “a ordenação, logo a
hierarquização da própria estrutura social” (p.17 e 23).
Miriam Jorge Warde e Marta Maria Chagas de Carvalho (2000:15) assinalam um
deslocamento do interesse dos historiadores para práticas diferenciadas e que diante deste
quadro, o que ganha destaque são as idéias encarnadas, “os dispositivos de organização e o
cotidiano de suas práticas”. Esta mudança de olhar produz várias transformações, como a
forma de ver e interrogar as fontes disponíveis, até a própria escola que passa a “ser concebida
como produto histórico de interação de dispositivos de normatização pedagógica e das
práticas dos agentes que deles se apropriam”. Neste caso, a escola não é um dado natural,
mas todas as pessoas, objetos, decisões, tempos e espaços passam a ser objetos de estudos.
O conceito de cultura escolar proposto, entre outros, por Vinão Frago (2000:100) será
uma ferramenta indispensável. Para ele, cultura escolar é definida como “conjunto de idéias,
princípios, critérios, normas e práticas sedimentadas ao longo do tempo nas instituições
educativas. Interferem, neste todo, a mentalidade, atitudes, rituais, mitos, discursos, ações”,
dentre outros. Este conceito, segundo Luciano Faria Filho(digit.:4), nos permite “articular,
descrever e analisar, de uma forma muito rica e complexa, os elementos chave que compõem
o fenômeno educativo, tais como os tempos, os espaços, os sujeitos, os conhecimentos e as
práticas escolares”.
Faria Filho17 também diz que pensar os componentes de uma cultura escolar “implica
não apenas examinar a sua historicidade, mas também determinar as necessidades e forças
sociais, incluindo as escolares, que presidiram a sua elaboração enquanto conhecimento
escolarizado”. É nesse sentido que penso ser importante acompanhar o movimento de
inserção da ginástica no Ginásio Mineiro, no período proposto, procurando captar as
necessidades e forças sociais nele envolvidos.
Entendo o rastreamento dos registros sobre o Ginásio Mineiro como o “momento de
identificar no conjunto dos materiais produzidos por uma determinada época, aqueles que
poderão dar sentido à pergunta que inicialmente se propôs”. (Lopes 1996:37). Estes serão
então, recortados e reagrupados. Estes documentos que estão nos arquivos e que, portanto
sobreviveram de um passado, não são conforme Le Goff, o conjunto daquilo que existiu, mas
é fruto de uma escolha já efetuada por alguém, ou seja, “produto da sociedade que o fabricou
segundo as relações de forças que aí detinham o poder” (1985:102). Dada esta condição, é que
o passado nunca será plenamente conhecido e compreendido; “no limite, podemos entendê-lo
em seus fragmentos, em suas incertezas” (2001:77).
Lopes diz que é difícil, senão impossível, penetrar no cotidiano da escola somente
através da Legislação ou de relatórios escritos por autoridades do ensino, mas se a história se
faz com tudo o que, “pertencendo ao homem, depende do homem, serve o homem, exprime o
homem, demonstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem” (Le
Goff 1985:98), é então, nas perguntas que faço a estes documentos e no cruzamento de
informações que os mesmos oferecem, que se torna possível escrever sobre o cotidiano da
escola. Sendo assim, conhecer por meio do relatório de um reitor quais cadeiras funcionaram,
ou então, por meio de uma nota fiscal de compra identificar o tipo de material que ia sendo
adquirido para a composição das aulas de ginástica, são formas que pretendo utilizar para
falar dos procedimentos que foram aos poucos constituindo a ginástica como prática
constitutiva do programa de Ensino do Ginásio Mineiro.
Sendo assim, já está em andamento a consulta dos seguintes documentos:
Ordenamentos Jurídicos sobre Educação. Correspondências referentes à Instrução Pública
destinadas ao externato e internato do Ginásio Mineiro. Regimentos Internos. Discursos;
programas de Ensino; atas da Congregação do Ginásio Mineiro de 1891 a 1930, que se
17
Escolarização, culturas e práticas escolares no Brasil: elementos teórico-metodológicos de um programa de
pesquisa. Pg.6 mimeografado.
453
encontram no arquivo da Escola Estadual Milton Campos. Relatórios dos Secretários do
Interior ao Presidente de Estado, de 1890 em diante; relação de assuntos tratados nos
Relatórios de Prefeitos; inventário analítico da Nova Capital de Minas de 17.02.1894 –
03.01.1898, com o livro de registro das medições dos trabalhos executados por tarefeiros, para
a construção do Ginásio Mineiro, apresentando detalhes técnicos. Jornais, almanaques,
revistas e fotografias.
No trato com estes documentos, entendo ser importante a advertência de Jacques Le
Goff, de que cabe ao historiador “não fazer o papel de ingênuo”, pois se todo documento é um
monumento, e este é, “em primeiro lugar uma roupagem”, é preciso então “começar por
desmontar, demolir esta montagem, desestruturar esta construção e analisar as condições de
produção dos documentos-monumentos” (1985:103).
Tenho encontrado ao vasculhar os arquivos, ao mesmo tempo em que atuo como
professora do Ensino Fundamental e Médio, aquilo que disse Certeau (2000:46), “a história
não pára de encontrar o presente no seu objeto, e o passado, nas suas práticas”. Lidar com esta
pesquisa tem se revelado, por isto, uma desafiadora e perturbadora experiência.
454
RERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
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Minas Gerais, Belo Horizonte.
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2000. 345 p.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano – Artes de Fazer. Petrópolis: Vozes. 6a
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