gestos, expressões e oralidades, 2013. 75 f. TCC (Graduação)

Transcrição

gestos, expressões e oralidades, 2013. 75 f. TCC (Graduação)
PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ
FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE SÃO JOSÉ
CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ
CURSO DE PEDAGOGIA
GEOVANNA SANTOS
A LINGUAGEM DOS BEBÊS:
Gestos, expressões e oralidades.
São José
2013
PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ
FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE SÃO JOSÉ
CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ
CURSO DE PEDAGOGIA
GEOVANNA SANTOS
A LINGUAGEM DOS BEBÊS:
Gestos, Expressões e Oralidades.
Trabalho elaborado para a disciplina de
Conclusão de Curso (TCCII) do Curso de
Pedagogia, como requisito parcial para
curso de graduação em Pedagogia do
Centro Universitário Municipal de São
José – USJ.
Orientadora: Profª. Ms. Arlete de Costa
Pereira
São José
2013
GEOVANNA SANTOS
A LINGUAGEM DOS BEBÊS:
Gestos, Expressões e Oralidades.
Trabalho de Conclusão de Curso elaborado como requisito parcial para
obtenção do grau de licenciada em Pedagogia do Centro Universitário Municipal
de São José – USJ –, avaliado pela seguinte banca examinadora:
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________________
Profª. Ms. Arlete de Costa Pereira
Orientadora- USJ
_________________________________________________________
Profº. Dr. Adilson De Ângelo
(UDESC)
_________________________________________________________
Profª. Ms. Andréia Titon
(USJ)
São José, 25 de junho de 2013.
Dedico meu trabalho para meu amado
marido, pois sem ele eu não teria
iniciado esta jornada.
AGRADECIMENTOS
A construção deste trabalho só se tornou possível pelo apoio e ajuda recebidos
direta e indiretamente de pessoas muito importantes na minha vida que me
incentivaram a superar os momentos difíceis e não me deixaram desistir dessa
caminhada.
Primeiramente, agradeço a Deus por me iluminar e me acompanhar sempre, e
principalmente por colocar meu marido em minha vida.
Ao meu príncipe e marido Anderson Athos Gotz, pois foi por sua insistência que
entrei na universidade, e em todos os momentos ele esteve comigo sem me
deixar desistir.
À pessoa que me ensinou a lutar sempre e desistir nunca, minha super e
maravilhosa mãe, Maria Aparecida Santos, a quem devo tudo o que sou e em
que acredito.
À minha irmã amada, Bianca Santos, a quem tenho como exemplo de superação
das dificuldades da vida e que me ajudou diretamente na construção deste
trabalho.
Aos meus demais familiares que sempre me julgaram capaz e comemoraram
comigo todas as vitórias dessa conquista.
À minha querida afilhada, Olga Guimarães Rosa, que ainda não entende a
importância de um trabalho como este, pois tem apenas três anos de idade, mas
que renova minhas energias a cada encontro e abraço apertado.
Aos meus amigos, em especial à Ana Carolina Silva e ao Leandro Silva, por me
lembrarem o tempo todo que eu não poderia ‘deixar a peteca cair’.
À minha orientadora, Profª. Ms. Arlete de Costa Pereira, que aturou meus
desesperos de forma majestosa, enfatizando sempre meu potencial, com toda
sua inteligência e dedicação.
Ao Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI-UFSC), por abrir as portas para
minha pesquisa de forma tão calorosa.
À minha amiga e parceira de turma, Amanda da Silva Vieira, pela parceria em
toda jornada acadêmica, nos estágio, projetos e trabalhos acadêmicos.
E, por fim, à Teltec Solutions e a todos os meus colegas de trabalho, que me
apoiaram e acreditaram no sucesso deste trabalho.
Não há saber mais ou saber menos, há
saberes diferentes.
Paulo Freire
RESUMO
O presente trabalho é o resultado de uma pesquisa de campo sobre as
diferentes linguagens dos bebês, que teve como objetivo principal compreender
as diferentes linguagens e expressões utilizadas por eles para se comunicarem,
a partir das interações sociais que estabelecem com outras crianças e com
adultos no cotidiano da Educação Infantil, realizada com um grupo de bebês de
1 ano a 1 ano e 11 meses de vida, no Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI1),
localizado no campus da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em
Florianópolis. Com uma abordagem de cunho qualitativo, que proporcionou
resultados consistentes que responderam com rigor a problemática, a pesquisa
teve como ferramenta para o seu desenvolvimento observações, fotografias,
vídeos, embasamento teórico e diário de campo. Como apoio teórico para a
pesquisa, referenciou-se autores como Maria Carmem Barbosa (2012), Daniela
Guimarães (2008), Izabel Galvão (1995) e Altno José Martins Filho (2005). Pelas
observações realizadas em dez encontros, ficou evidente na prática pedagógica
o uso de diferentes formas de linguagens nos trabalhos com os bebês,
respeitando-os em suas individualidades e os estimulando de forma amorosa e
respeitosa, priorizando o desenvolvimento integral deles.
Palavras-chave: Bebês. Linguagens. Gestos. Oralidades. Educação Infantil.
1
A instituição permitiu que fosse divulgado seu nome na pesquisa.
SUMMARY
This work reflects the results of a field survey on the different languages of the
babies, as a main objective sought to understand the different languages and
expressions used by them to communicate, from the social interactions they
establish with other children and adults, the daily kindergarten, conducted with a
group of babies from a year to a year and eleven months, at Center for Child
Development - NDI2, in Florianopolis on Federal University of Santa Catarina´s
campus. A qualitative approach was used to provide consistent results and
accuracy answers that research the problem. As a development tool for the
research, we used observations, photographs, videos, theoretical and field diary.
To support the theory for the research we had referenced some authors like
Maria Carmen Barbosa (2012), Daniela Guimarães (2008), Izabel Galvão (1995)
and José Altino Matins Son (2005). It became evident through the observations
made during the ten meetings in pedagogical practice that they use of different
languages in the work with babies, respecting them in their individuality, and
encouraging them in a loving and respectful prioritizes the integral development
of children..
Keywords: Babies. Different languages. Early Childhood Education.
2
The institution has allowed his name to be used in the research.
LISTAS DE IMAGENS
Imagens 1 – Valentina brinca com a caixa de jogos na cabeça. ........................ 28
Imagem 2 – Caio jogando capoeira no gramado da UFSC. ............................... 29
Imagem 3 – Lis anda, canta e interage com o grupo. ........................................ 32
Imagem 4 – "O espelho"..................................................................................... 33
Imagem 5 – Davi tenta moder o espelho, mas fica surpreso ao ver seu reflexo 35
Imagem 6 – Valentina se namorando no espelho .............................................. 36
Imagem 7 – Mateus e Henrique disputam brinquedo e Mateus morde Henrique38
Imagem 8 – Caio tenta morder a cabeça de Mateus.......................................... 40
Imagem 9 – Caio brinca, morde a Bia e depois sai imitando um monstro .......... 41
Imagem 10 – Caio embala a boneca como se estivesse a fazendo dormir ....... 42
Imagem 11 – Caio pula da beirada da piscina de bolinha .................................. 43
Imagem 12 – Caio brinca com criança do outro grupo balbuciando para interagir
........................................................................................................................... 43
Imagem 13 – Caio faz "charme" depois que a professora chama sua atenção . 44
Imagem 14 – Antônia interpreta a música da "pulguinha" e depois dança a da
"casinha" ............................................................................................................ 45
Imagem 15 – As crianças cantando e interpretando a música de costume da
hora do lanche.................................................................................................... 47
Imagem 16 – Crianças de grupos variados interagem no pátio através de uma
roda de música ................................................................................................... 49
Imagem 17 – "As primeiras palavras" - In: TONUCCI, 1997, p.32 ..................... 50
Imagem 18 – Antonia pede a música da "casinha" para bolsista e Mateus
aparece para acompanhar ................................................................................. 51
Imagem 19 – Caio briga comigo sem motivo, fazendo com cara de brabo dá dá
dá dá! ................................................................................................................. 52
Imagem 20 – Antonia, Natalia e Bia brincam com legos e conversam, enquanto
Caio observa e depois decide se juntar ............................................................. 53
Imagem 21 – Caio segue observando a brincadeira, mas sem interferir ........... 54
Imagem 22 – Caio interroga Valentina: “Dá?!” como se pedisse para ela entregar
para ele o bicho de pelúcia................................................................................. 55
Imagem 23 – As crianças riem muito e se divertem com a professora na piscina
de bolinhas ......................................................................................................... 55
LISTA DE ABREVIATUDAS
CEI
– Centro de Educação Infantil
CED
– Centro de Ciências da Educação
DCNEI
– Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil
NDI
– Núcleo de Desenvolvimento Infantil
RCNEI
– Referencial Curricular para a Educação Infantil
UFSC
– Universidade Federal de Santa Catarina
USJ
– Centro Universitário Municipal de São José
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 12
1.1 JUSTIFICATIVA ........................................................................................... 14
2 APROFUNDAMENTO TEÓRICO SOBRE OS ESTUDOS COM OS BEBÊS E
SUAS LINGUAGENS ........................................................................................ 16
2.1 PESQUISAS SOBRE BEBÊS ....................................................................... 16
2.2 DEFININDO LINGUAGEM............................................................................ 19
2.3 A LINGUAGEM DOS BEBÊS........................................................................ 20
3 CAMINHOS METODOLÓGICOS.................................................................... 23
4 CARACTERIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO E QUEM SÃO SO SUJEITOS DA
PESQUISA?....................................................................................................... 25
5 APRESENTAÇÃO E ANÁLISES DOS RESULTADOS DA PESQUISA ........ 26
5.1 AS LINGUAGENS DO CORPO .................................................................... 26
5.1.1 As caras e bocas no espelho ................................................................. 33
5.1.2 As mordidas do Caio............................................................................... 36
5.1.3 A música como ferramenta no desenvolvimento da linguagem ......... 44
5.2 ORALIDADES: POUCAS PALAVRAS, MUITOS SIGNIFICADOS ................ 50
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 56
REFERÊNCIAS .................................................................................................. 59
ANEXOS ............................................................................................................ 62
APÊNDICE ......................................................................................................... 74
12
1 INTRODUÇÃO
Os bebês são considerados sujeitos importantes? Quando eles começam a
ser valorizados? Eles se comunicam? De que forma entendemos os meios de
comunicação deles? Podemos chamá-los de linguagens?
A escolha do tema deste Trabalho de Conclusão do Curso de Pedagogia do
Centro Universitário Municipal de São José (USJ) partiu da necessidade de
desvendar as linguagens dos bebês e, assim, ampliar as possibilidades de se
estabelecer uma comunicação e interação mais próximas com eles, e também
compreender as interações deles com o mundo.
Durante muito tempo, não houve grande preocupação acerca de estudos
sobre bebês. A atuação pedagógica com os pequenos não exigia muito além do
cuidado com sua saúde, higiene, alimentação e sua proteção. Uma visão de
atendimento assistencialista que desconsiderava o desenvolvimento cognitivo,
afetivo e social.
As habilidades dos pequenos não eram observadas com um olhar apurado,
com vistas ao seu desenvolvimento integral. Não se pensava na necessidade de
comunicação dos bebês e em suas múltiplas linguagens e, até hoje, a prática
pedagógica com, e para os bebês é ainda um grande desafio, muitas vezes
desvalorizada perante as demais práticas pedagógicas.
Segundo Oliveira (1997, p.7),
[...] muitos educadores veem a infância apenas como período de carências,
dado que as maneiras próprias da criança agir e interagir não são levadas a
sério. Submetidas desde cedo às imposições dos adultos, ou paparicadas e
deixadas à deriva em seu desenvolvimento, deixam as crianças pequenas
de contar com um ambiente organizado e estruturador daquele
desenvolvimento.
Foi somente a partir da Constituição Federal de 1988 que os bebês
receberam um espaço garantindo seu direito à educação, ou seja, a escola não seria
mais somente assistencialista, mas deveria seguir uma concepção também
pedagógica.
A ideia desta pesquisa surgiu da necessidade, observada em estágio, de
estreitar a relação com os bebês que ainda não falam, mas se utilizam de outras
13
formas de expressão, a fim de compreender suas diferentes linguagens e estratégias
de comunicação que se fazem presentes nas relações sociais por eles construídas.
Essas relações abrangem aspectos culturais, históricos, de gênero e de
geração, nos quais os bebês estão inseridos e desenvolvem diferentes formas de
comunicação ou linguagens.
Durante a experiência de estágio, vivenciada no decorrer da sexta fase deste
curso, percebeu-se como ainda se tem muito conhecimento a adquirir e construir
para compreender, de forma mais completa e abrangente como se comunicar com
os bebês e, então, identificar propostas e possibilidades de atuação possíveis que
podem se dar na Educação Infantil, no âmbito do desenvolvimento da linguagem dos
bebês.
Apesar do grande avanço que já se tem em pesquisas sobre a educação de
bebês, ainda é possível observar, na prática, a falta de aprofundamento teórico por
parte de docentes que atuam com esta faixa etária, o que reflete, muitas vezes,
numa educação superficial, que não explora todo o potencial destes pequenos
sujeitos.
O documento de revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação
Infantil, aprovado em 11 de novembro de 2009 afirma que
O conhecimento científico hoje disponível autoriza a visão de que desde o
nascimento a criança busca atribuir significado a sua experiência e nesse
processo volta-se para conhecer o mundo material e social, ampliando
gradativamente o campo de sua curiosidade e inquietações, mediada pelas
orientações, materiais, espaços e tempos que organizam as situações de
aprendizagem e pelas explicações e significados a que ela tem acesso [...]
O período de vida atendido pela Educação Infantil caracteriza-se por
marcantes aquisições: a marcha, a fala, o controle esfincteriano, a formação
da imaginação e da capacidade de fazer de conta e de representar usando
diferentes linguagens. (BRASIL, Parecer CNE/CEB nº 20/2009 p. 7).
Para isso, é preciso um entendimento teórico, aprofundado, que subsidie
mudanças nas práticas pedagógicas.
De acordo com Barbosa (2010),
A tarefa dessa pedagogia da pequeníssima infância é articular os campos
teóricos: o do cuidado e da educação, procurando que cada ato
pedagógico, cada palavra proferida tenha significado, tanto no contexto do
cuidado – como ato de atenção àquilo que temos de humano e singular –
como de educação, processo de inserção dos seres humanos, de forma
crítica, no mundo existente. (p. 6)
14
1.1 JUSTIFICATIVA
Nos últimos anos, os bebês têm sido sujeitos de várias pesquisas. Isto
porque, durante muito tempo, seus direitos foram negligenciados. Não havia grande
preocupação
com
essa
faixa
etária
quando
se
falava
em
educação.
Tradicionalmente, o trabalho com os bebês girava em torno de higiene, cuidado e
proteção, esquecendo-se das outras dimensões que constituem o desenvolvimento
integral dos bebês.
Afinal, o que se sabe sobre a linguagem? Em que fase da vida inicia a
comunicação? Os direitos das crianças quanto ao seu desenvolvimento integral está
sendo respeitado?
Visando responder essas perguntas e ampliar o conhecimento sobre esses
pequenos sujeitos de direitos, surge o tema em questão com o propósito de
entender como se deve trabalhar para construir algo junto com os bebês,
constituindo-os em sua integralidade enquanto sujeitos.
A intenção desta pesquisa foi então, a partir de uma análise teórica,
responder a alguns questionamentos, que são: 1) Os bebês se comunicam?; 2) De
que forma entendemos essa comunicação?; 3) Podemos chamar de linguagens?; 4)
Em que fase da vida se inicia a comunicação?; 5) Os direitos das crianças quanto ao
seu desenvolvimento integral estão sendo respeitados?; 6) Como entender e ampliar
as possibilidades de desenvolvimento das linguagens dos bebês?
Partindo desses questionamentos, o presente estudo teve como objetivo
principal compreender as diferentes linguagens e expressões utilizadas pelos bebês
para se comunicarem, a partir das interações sociais que estabelecem com outras
crianças e com adultos no cotidiano da Educação Infantil.
Como objetivos específicos, buscou-se aprofundamento acerca do que se
sabe sobre o modo de ser e de se desenvolver dos bebês, como é trabalhada a
linguagem na Educação Infantil e como é possível entender a ampliar as
possibilidades de desenvolvimento das linguagens dos bebês.
A pesquisa foi realizada no Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI),
pertencente ao Centro de Ciências da Educação (CED), da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC), localizado em Florianópolis, que tem como características o
ensino, a pesquisa e a extensão, o que faz com que o NDI chame a atenção dos
15
olhares de acadêmicos e pesquisadores de diversas áreas, principalmente no que
se refere ao desenvolvimento das crianças da Educação Infantil.
O grupo pesquisado é formado por oito crianças de 1 ano a 1 ano e 11 meses
de vida e, como ferramenta para o desenvolvimento da pesquisa no período de
observação, foram utilizados recursos como fotos, vídeos e registros em diário de
campo.
Dentro do processo de reflexão e análise, utilizou-se uma gama de autores
citados neste documento, como Maria Carmem Barbosa (2012), Daniela Guimarães
(2008), Izabel Galvão (1995), Altino José Martins Filho (2005), Rosenete Valdeti
Schmitt (2008), Maria Clotilde Rossetti Ferreira (2009) e Ângela Scalabrin Coutinho
(2002). Autores estes que apresentam ideias relevantes sobre as ações
pedagógicas com bebês bem pequenos.
As bases teóricas foram organizadas em capítulos e subcapítulos para maior
compreensão dos temas abordados.
Nos caminhos metodológicos, apresentam-se questões sobre o tipo de
pesquisa, a abordagem utilizada, além do detalhamento do espaço de Educação
Infantil onde foi realizada a pesquisa.
As análises que apresentam o resultado trazem os principais temas
observados e refletidos a partir da fundamentação teórica.
Por fim, as considerações finais abordam os resultados obtidos com a
pesquisa a partir das reflexões acerca do que foi observado e embasado
teoricamente.
16
2 APROFUNDAMENTO TEÓRICO SOBRE OS ESTUDOS COM OS BEBÊS E
SUAS LINGUAGENS
2.1 PESQUISAS SOBRE BEBÊS
As pesquisas e estudos relacionados ao desenvolvimento dos bebês têm se
ampliado, e muito, nas últimas duas décadas3. Como resultado destes estudos e
pesquisas, já é possível entender que os bebês, em seus processos corporais de
aprender, operam de fato uma linguagem. Esta operação se dá por meio da
intersecção entre o lúdico e o cognitivo, corpo e pensamento. E esse entendimento
vem se estendendo ao longo das últimas décadas, levando-se em conta o crescente
interesse de diversas áreas do conhecimento (Psicologia, Pedagogia, Saúde,
Economia etc.) por desenvolverem estudos relacionados a essa temática. As
próprias mudanças legais na Constituição Federal (1988), Estatuto da Criança e
Adolescente (1990) e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (1996),
que passaram a reconhecer os direitos das crianças de 0 a 6 anos, exigindo para
elas, inclusive, formação específica, embalam esse movimento crescente de
estudos. (SCHIMITT, 2008).
Do ponto de vista legal, a Educação Infantil é a primeira etapa da Educação
Básica e tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de 0 a 6 anos
de idade em seus aspectos físico, afetivo, intelectual, linguístico e social,
complementando a ação da família e da comunidade (LDB, 1996, art. 29).
O documento de revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação
Infantil entende que
[...] A criança, centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de
direitos que se desenvolve nas interações, relações e práticas cotidianas a
ela disponibilizadas e por ela estabelecidas com adultos e crianças de
diferentes idades nos grupos e contextos culturais nos quais se insere.
Nessas condições ela faz amizades, brinca com água ou terra, faz-de-conta,
6 deseja, aprende, observa, conversa, experimenta, questiona, constrói
sentidos sobre o mundo e suas identidades pessoal e coletiva, produzindo
cultura. [...] Assim, a motricidade, a linguagem, o pensamento, a afetividade
e a sociabilidade são aspectos integrados e se desenvolvem a partir das
3
Daniela Guimarães (2008), Altino José Martins Filho (2005), Rosenete Valdeti Schmitt (2008),
Ângela Scalabrin Coutinho (2002).
17
interações que, desde o nascimento, a criança estabelece com diferentes
parceiros, a depender da maneira como sua capacidade para construir
conhecimento é possibilitada e trabalhada nas situações em que ela
participa. Isso por que, na realização de tarefas diversas, na companhia de
adultos e de outras crianças, no confronto dos gestos, das falas, enfim, das
ações desses parceiros, cada criança modifica sua forma de agir, sentir e
pensar. (BRASIL, Parecer CNE/CEB nº 20/2009 p. 7).
Contudo, entendeu-se também que ainda há muito caminho a se percorrer.
Vive-se um tempo de avanços, porém, ainda com muitas questões a serem
respondidas.
Até
então,
o
cotidiano
nos
Centros
de
Educação
Infantil,
mais
especificamente nas creches, trazia propostas adultocêntricas e escolarizadas, em
que os bebês, de acordo com Maria Carmem Barbosa (2010), não eram
reconhecidos como seres linguageiros, ativos e interativos em suas primeiras
aprendizagens de convivência no e com o mundo. Ela afirma que
Durante muitos anos os bebês foram descritos e definidos principalmente
por suas fragilidades, suas incapacidades e sua imaturidade. Porém, nos
últimos tempos, as pesquisas vêm demonstrando as inúmeras capacidades
dos bebês. Temos cada vez um maior conhecimento acerca da
complexidade da sua herança genética, dos seus reflexos, das suas
competências sensoriais e, para além das suas capacidades orgânicas,
aprendemos que os bebês também são pessoas potentes no campo das
relações sociais e da cognição. Os bebês possuem um corpo onde afeto,
intelecto e motricidade estão profundamente conectados e é a forma
particular como estes elementos se articulam que vão definindo as
singularidades de cada indivíduo ao longo de sua história. Cada bebê
possui um ritmo pessoal, uma forma de ser e de se comunicar. (BARBOSA,
2010, p.2).
Como antes não se exigiam profissionais com formação para trabalhar com
os bebês, também não havia necessidade de pensar sobre questões de linguagens,
cognição, desenvolvimento infantil, nem sobre o que permeia tais questões.
Atualmente, entende-se que, para trabalhar com bebês, é preciso antes
conhecê-los e conhecer as especificidades desta faixa etária, assim como é
necessário conhecimentos específicos para trabalhar com educação em outras
etapas. Saber quem são esses sujeitos, quais suas necessidades e, principalmente
aqui, como e quais linguagens se comunicam.
Segundo Daniela Guimarães,
[...] hoje a Educação, no campo das práticas e no terreno das políticas
públicas, enfrenta um importante desafio: construir propostas para o
18
trabalho com as crianças de 0 a 3 anos, tendo em vista a integração das
creches aos sistemas públicos de ensino. Trata-se de delinear princípios
que desviem das iniciativas assistencialistas e higienistas tradicionais neste
contexto. (2008, p.1).
Com o advento dessas pesquisas, que ainda são relativamente poucas, a
partir da década de 80 tirou-se o adulto do lugar de centralizador, único motivador e
provedor do processo de construção de conhecimento dos bebês. Entendeu-se de
uma vez que bebês interagem entre si, além de interagir com os professores e
demais adultos, aqui pensando nas creches e não em ambientes familiares, e que
essas interações desenvolvem competências. A creche deixa, então, de ser
reconhecida como um espaço-depósito para cuidados básicos dos pequeninos,
como higiene, sono e alimentação, para reconhecidamente ser um lugar dinâmico de
desenvolvimento de novos saberes. (SCHMITT, 2008).
Barbosa contribui, indagando que
[...] As concepções contemporâneas sobre os bebês, a infância, a
aprendizagem e a educação encaminham para a compreensão de um
currículo que vislumbre o desenvolvimento integral de crianças nas suas
dimensões: expressivo-motora, afetiva, cognitiva, linguística, ética, estética
e sociocultural compreendendo as crianças em sua multiplicidade e
indivisibilidade. (2010, p.2)
Para Coutinho (2002), há que se considerar todo o aparato sociocultural no
qual o bebê está inserido em suas manifestações de comunicação – LINGUAGEM.
“Suas expressões decorrem da relação com a cultura [...] que a sociedade
disponibiliza para elas” (p.105). Ou seja, a responsabilidade de um ambiente de
Educação Infantil vai além dos cuidados com as necessidades básicas dos bebês.
Schmitt (2008) aponta em sua dissertação pesquisas em várias vertentes
encontradas com foco na educação de bebês – desenvolvimento infantil – e conclui
que há uma “[...] tensão entre as ações de cuidar e de educar.” (P.49). Há vários
estudos relacionados por ela que apontam para o desenvolvimento como um
processo evolutivo; que concentram ainda no professor a responsabilidade maior
sobre uma interação produtiva, não considerando a inter-relação bebê-bebê; que
destacam o momento da alimentação e das técnicas usadas para esse fim como
intervenção para o desenvolvimento; que urgem pela especificidade profissional
19
para bebês indicando a importância do adulto nesse processo de desenvolvimento;
que indicam a área da saúde também como centro de desenvolvimento infantil (por
exemplo, o desenvolvimento auditivo e o entendimento dos educadores sobre a
importância da conversação); que sugerem, ainda na área da saúde, a importância
do conhecimento sobre como se dá o desenvolvimento infantil; que referem a
importância do tempo de adaptação e a frequência do bebê no ambiente
institucional; entre outras.
A autora conclui, e este prévio estudo corrobora, que ainda é a partir da visão
adultocêntrica que se encaminham muitas das pesquisas encontradas acerca do
desenvolvimento dos bebês. Nos poucos estudos encontrados com crianças
efetivamente pesquisadas, estas estavam na faixa etária de 1 ano. Ela destaca que
encontrou o registro de apenas dois estudos com pesquisas com crianças mais
novas que isso.
Todo esse levantamento de referencial teórico reforça, para este estudo
proposto, a necessidade de se desenvolver uma pesquisa centrada nos bebês, o
interesse de se investigar a educação dessa faixa etária, percebendo-os como
sujeitos sociais que se relacionam entre si utilizando-se de linguagens diversas,
considerando-se, enfim, as inter-relações estabelecidas por eles no contexto da
educação infantil.
2.2 DEFININDO LINGUAGEM
Para Noam Chomsky (1998), linguista, filósofo, cientista, historiador, crítico
político e professor, a linguagem é competência inata de todo falante para produzir,
compreender e reconhecer a estrutura de toda sua língua materna. Tal teoria,
adotada hoje pelas academias como norteadora de estudos linguísticos, veio
contrapor o estruturalismo behaviorista (estímulo-resposta), no qual se entendia que
a linguagem era algo aprendido por imitação, adestramento, desconsiderando o
poder criativo do ser humano. (CHOMSKY, 1998).
No dicionário Michaelis on-line, encontramos como definições do termo
linguagem: “[...] expressão do pensamento pela palavra, pela escrita ou por meio de
sinais.”. Já no Dicionário Priberam, também on-line, linguagem é “[...] qualquer meio
que sirva para exprimir sensações ou ideias.”
20
Vygotsky, em sua obra Pensamento e Linguagem, afirma que esta é
desenvolvida de forma racional somente após os 2 anos de vida. Até este momento,
para ele, a linguagem não é intelectual e o pensamento não é verbal, porém, suas
trajetórias de desenvolvimento são paralelas. A linguagem então usada pela criança
até seus 2 anos de idade é um meio de interação superficial em seu convívio e,
depois, quando as curvas de desenvolvimento do pensamento e da linguagem se
cruzam, o uso da linguagem penetra em seu subconsciente para se construir na
estrutura do pensamento da criança. (VYGOTSKY, 2001 sp). 4
Elliot (1982), em seu livro ‘A linguagem da Criança’, levanta as seguintes
definições da linguagem: “[...] é um conjunto de frases gramaticais; é um meio de
controle social; é uma coletânea de respostas motoras; é um exemplo de
funcionamento simbólico” (p. 8).
Para Bakhtin (Apud SCHMITT, 2008), quando se fala aqui em linguagem, não
se descarta o uso da palavra, mas a comunicação é posta em foco. E esta não é
restrita à língua, oral ou escrita, à significante e significado, porque em si mesmas as
palavras não contemplam o universo de sentidos atribuídos possivelmente pelos
seus usuários. Com isso, amplia-se o entendimento de linguagem.
Aqui, entendemos a linguagem como ferramenta usada para comunicação.
Esta ferramenta pode se apresentar bem desenvolvida, a partir de sistemas mais
complexos (a língua, por exemplo), ou ainda de modo mais simples, mas não menos
importante por isso, por meio de sinais, gestos, expressões, imagens etc.
2.3 A LINGUAGEM DOS BEBÊS
Partindo do princípio de que são os bebês informantes potenciais de suas
vidas, conclui-se que entender a sua linguagem não deveria ser uma preocupação
somente acadêmica, já que essa é a sua forma de comunicação.
Em pesquisas feitas para estudar os bebês, não raro os informantes são
adultos. Há que se levar em conta nesses estudos a observação efetiva, via
empirismo, da criança como sujeito ativo e participativo de sua vida. O adulto pode e
continuará sendo seu intérprete, mas visibilidade maior deve ser dada para o objeto
de pesquisa, a criança, em sua relação com o mundo (SCHMITT, 2008). Isso exige
4
Versão virtual: http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/vigo.html
21
uma focalização no olhar, uma sensibilidade aguçada da escuta e também do olhar
frente a esses pequenos sujeitos, os bebês.
Ver: observar, construir o olhar, captar e procurar entender, reeducar o olho
e a técnica. Ouvir: captar e procurar entender, escutar o que foi dito e o não
dito, valorizar a narrativa, entender a história. Ver e ouvir são cruciais para
que se possa compreender gestos, discursos e ações. Este aprender de
novo a ver e ouvir (a estar lá afastado; a participar e anotar; a interagir
enquanto observa a interação) se alicerça na sensibilidade e na teoria e é
produzida na investigação, mas é também um exercício que se enraíza na
trajetória vivida no cotidiano (BARBOSA; KRAMER; SILVA, 2005, p. 48).
O adulto-intérprete será sempre o outro na relação de observação, jamais lhe
sendo possível transcrever ou descrever ipsis litteris aquilo que a criança expressou
(quis comunicar com sua linguagem) em dado contexto, porque a experiência é dela,
e não do outro. Não há como ser fiel e isso não tem solução. Contudo, Bakhtin (apud
SCHMITT, 2008) nos tranquiliza, mostrando que essa é uma questão que ronda não
somente os bebês como não usuários competentes ainda de uma língua. Em outras
situações de estudo, nunca será possível conhecer o outro, pois cada um sempre
ocupará um lugar diferente no mundo, impossibilitando que se tenha o mesmo olhar,
sentimento, pensamento ou expressão da mesma forma que o ser analisado.
Richter e Barbosa (2010) defendem que
[...] as linguagens são aprendidas pelas crianças muito cedo nas interações
que estabelecem com outras crianças e adultos. [...] As suas formas de
interpretar, significar e comunicar emergem do corpo e acontecem através
dos gestos, dos olhares, dos sorrisos, dos choros, enquanto movimentos
expressivos e comunicativos anteriores à linguagem verbal e que
constituem, simultaneamente à criação do campo da confiança, os primeiros
canais de interação com o mundo e os outros, permanecendo em nós – em
nosso corpo – e no modo como estabelecemos nossas relações sociais.(p.
87).
Com os bebês, é preciso dar relevância não somente àquilo que os maiores
dizem de suas relações com eles, mas também ao todo não verbal que parte deles e
que também permeia as suas relações. Sua movimentação corporal, seu choro, riso,
olhar, e outras tantas expressões faciais, tudo ganha sentido e até confirma ou
rejeita os que falam. (SCHMITT, 2008).
Segundo a visão bakhtiniana, apresentada por Schmitt (2008), a língua em
contato com a realidade (enunciado) é que cria a expressão. Nada existe fora de
nós. Somos produtores efetivos e ativos da nossa realidade. Assim, a creche é mais
22
um espaço real no qual sujeitos se relacionam, enunciados são proferidos não
necessariamente por meio de verbalização, e os bebês, nesse contexto, apropriamse de tais enunciados e os respondem de fato por meio de sua linguagem
(expressões outras, balbucios, risadas, um franzir de sobrancelhas etc.), provocando
novos enunciados. E isso não pode ser negligenciado. É da linguagem do outro,
aquela que está fora, que o bebê se apropria e constrói a sua própria linguagem. É
nessa relação de troca na creche, a partir da linguagem como ferramenta, que o
bebê se reconhece como ser e como também outro na relação.
Vygotsky (1996) corrobora com esse entendimento apontando como aspectos
contribuintes o fato dos bebês, por sua dependência na manutenção da vida, serem
condicionalmente sociáveis e, por isso, a partir dessas socializações frequentes, vão
construindo sua forma de comunicação. Note-se que a relação é sempre de troca,
nunca unilateral. O bebê é sempre ser ativo nesse processo de construção
(SCHMITT, 2008).
O modo de posicionamento do adulto ou de um ser mais velho diante do bebê
indica sua forma de pensar o mundo. A maneira como se dá o toque no momento de
colocá-lo no berço, o fato de dispor objetos ou não no espaço, tudo comunica o seu
posicionamento diante do mundo e a credibilidade ou não que esse outro dá às
potencialidades do bebê.
Cabe ressaltar infinitas vezes que o bebê não é considerado um repositório
do outro para seus significados, ainda que se saiba que isso também acontece. Mas
não somente. Ele é sujeito ativo das relações nas quais constitui sua linguagem.
Para expressar, os bebês usam de seus movimentos que se transformam em gestos
comunicativos (apontar, oferecer, negar, chorar, enrugar, sorrir, bater, acariciar etc.)
na relação social, na qual se estabelecem vínculos sociais. Ou seja, o bebê, antes
mesmo de se apropriar de sua língua materna, desenvolve uma linguagem peculiar
para se fazer entender.
23
3 CAMINHOS METODOLÓGICOS
Como procedimento metodológico, esta pesquisa seguiu um estudo com
inspiração etnográfica, considerando a importância de se compreender as relações
no contexto em que elas ocorrem. Seu desenvolvimento se deu por meio de uma
pesquisa de campo, objetivando a produção de dados.
A abordagem utilizada foi de cunho qualitativo que, de acordo com Ludke e
André, a partir das ideias dos autores Bogdan e Biklen (1982),
[...] envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no contato direto do
pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o processo do que o
produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes (apud
LUDKE: ANDRÈ, 1986, p.13).
Visto se tratar de uma pesquisa científica, e destacando sua importância,
Barros e Lehfeld (1990, p.31) afirmam que esta “é o produto de uma investigação,
cujo objetivo é resolver problemas e solucionar dúvidas, mediante a utilização de
procedimentos científicos”.
Além da pesquisa de campo, houve o aprofundamento e embasamento
teórico, trazendo como principais autores Silvia Neli Falcão Barbosa; Sônia Kramer;
Juliana Pereira Silva (2005), Maristela Angotti (2006), Ângela Scalabrin Coutinho,
(2002), Maria Clotilde Rossetti Ferreira (2009), Altino José Martins Filho (2005),
Daniela Guimarães (2008), Maria Carmem Barbosa (2010), Rosinete Valdeti Schmitt
(2008), Lev Vygotsky (2001), Izabel Galvão (1995).
A pesquisa foi realizada no Núcleo de Educação Infantil (NDI), que faz parte
da Universidade Federal de Santa Catarina, localizado no bairro da Trindade, em
Florianópolis/SC.
A orientadora fez o primeiro contato com a instituição para que fosse
concedida permissão para realização do estudo proposto. Com a confirmação,
aconteceu um primeiro encontro com a coordenadora da instituição, que recebeu a
pesquisa de forma muito acolhedora e concordou que as observações ocorressem
em dez encontros, no período matutino, das 8h às 12h.
A observação se deu no grupo dois A, composto por oito crianças entre 1 ano
24
e 1 ano e 11 meses de vida, sendo quatro meninas e quatro meninos.
Já na primeira observação, a recepção foi calorosa por parte das professoras
e das crianças. As interações e brincadeiras foram constantes em todos os
momentos.
Durante o processo de observação, surgiu a necessidade de aguçar o olhar,
torná-lo mais crítico e minucioso para responder todos os questionamentos da
pesquisa, de forma a compreender as múltiplas linguagens dos bebês em questão.
Segundo Ostetto (2008), nas observações, por meio de um olhar atento, são
reveladas nas falas, nas expressões corporais ou artísticas, enfim, nas múltiplas
linguagens das crianças, suas dificuldades, suas conquistas, suas necessidades e
seus interesses.
Esse processo de observação foi fundamental para a pesquisa, permitindo
desvendar as interações e comunicações dos bebês com os adultos e entre si. Para
transformar esse processo investigativo em informações consistentes para a
pesquisa, foi utilizado como ferramenta o registro escrito das observações, registros
fotográficos e vídeos, tornando as observações muito mais esclarecedoras a partir
de análises realizadas sobre os registros, pois “[...] as observações precisam ser
registradas para serem compartilhadas e analisadas [...]” (BARBOSA, 2010 p. 10).
Ao final do processo de observação, foi realizada a análise dos dados
coletados, destacando-se os pontos-chaves da pesquisa que permitiram uma
reflexão sustentada pelos autores que se destacam na temática do estudo.
25
4 CARACTERIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO E QUEM SÃO OS SUJEITOS DA
PESQUISA
O Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI) é integrado à Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), localizado em Florianópolis, no bairro Trindade,
e atua na Educação Infantil com crianças de 0 a 5 anos. Considerado como
referência na área, o NDI tem como propostas o ensino, a pesquisa e a extensão5.
O espaço físico conta com quatro blocos com salas especialmente
organizadas para a educação infantil e para os demais profissionais da área
administrativa e coordenação pedagógica da escola. Para as crianças entre 4 e 6
anos, as salas são divididas em dois por um banheiro de acesso comum a ambas, e
estes são equipados com louças e mobílias próprias para crianças. No bloco onde
ficam as crianças de 0 a 3 anos, o espaço conta com um pátio que é comum a todas
as salas, localizado no meio delas.
A parte externa conta com cinco parques bem equipados com brinquedos
diversos e caixa de brinquedos para serem usados na areia, além de uma piscina
infantil. Há também um auditório, uma quadra, duas áreas de tablado com mesas e
cadeiras para as crianças brincarem e um campo de futebol.
O corpo docente é constituído por 26 professores entre graduados, mestres e
doutores na área da educação, e 37 bolsistas no período matutino e 41 no período
vespertino dentre as várias licenciaturas oferecidas na UFSC.
Esta pesquisa foi realizada com o grupo dois A, formado por oito crianças,
sendo quatro meninas e quatro meninos, entre 1 ano e 1 ano e 11 meses de idade,
a professora Roseli e a bolsista Monique. Este grupo fica instalado no bloco B da
instituição, junto aos demais grupos de crianças de até 3 anos.
5
Informações adquiridas no site da instituição http://ndi.ufsc.br/
26
5 APRESENTAÇÃO E ANÁLISES DOS RESULTADOS DA PESQUISA
No planejamento deste trabalho, os objetivos foram construídos para traçar os
rumos da pesquisa de campo. Ocorreu que, durante o período de observação da
pesquisa empírica, os dados produzidos mostraram muito mais que somente as
respostas às questões iniciais. Houve um encantamento com os sujeitos analisados
e tudo o que eles revelaram.
A partida inicial era entender se os bebês se comunicavam, como eles o
faziam e se os adultos entendiam. Não só foi possível entender, como também
desenvolver um olhar mais crítico sobre o assunto, fazendo com que a pesquisa se
aprofundasse nas diversas linguagens dos bebês e o meio de estimular seus
desenvolvimentos. A partir dos dados produzidos em campo, destacam-se os
seguintes pontos de análise: As linguagens do corpo; As caras e bocas no espelho:
expressões diversas...; Oralidades: entre falas e balbucios.
5.1 AS LINGUAGENS DO CORPO
Considerando o corpo como um meio de expressão da nossa subjetividade, é
possível compreender que é por meio dele que conhecemos o mundo,
movimentando-nos e expressando nossos sentimentos e emoções.
Falando de crianças bem pequenas, os bebês, entende-se que sua primeira
forma de linguagem se dá pela expressão corporal, pois com a oralidade em
processo inicial, a criança busca dialogar por meio dos seus movimentos, gestos e
expressões.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, instituídas pelo
Conselho Nacional de Educação por meio da Resolução nº5, de 17 de dezembro de
2009 e publicada pelo Ministério da Educação em 2010, preconizam que
[...] as práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular da
Educação Infantil devem ter como eixos norteadores as interações e a
brincadeira, garantindo experiências que: I - promovam o conhecimento de
si e do mundo por meio da ampliação de experiências sensoriais,
expressivas, corporais que possibilitem movimentação ampla, expressão da
individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança; II - favoreçam a
27
imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio por
elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica,
dramática e musical; [...] VI - possibilitem situações de aprendizagem
mediadas para a elaboração da autonomia das crianças nas ações de
cuidado pessoal, auto-organização, saúde e bem-estar (BRASIL, 2010, s.p).
Seguindo nessa direção, o Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil afirma que o movimento, os gestos e as expressões ganham significado na
cultura, assim como é na cultura que se aprende o manuseio dos objetos
específicos. Este documento também reconhece que
[...] o movimento para a criança pequena significa muito mais que mexer
partes do corpo ou deslocar-se no espaço. A criança se expressa e se
comunica por meio dos gestos e das mímicas faciais e interage usando
fortemente o apoio do corpo. A dimensão corporal integra-se ao conjunto de
atividade da criança. O ato motor faz-se presente em suas funções
expressivas, instrumental ou de sustentação às posturas e aos gestos
(BRASIL, 1998, p. 18).
Um dos motivos da escolha do NDI como campo de pesquisa foi ter
conhecimento da sua estrutura física e corpo docente, além de ser um núcleo de
estudos sobre a Educação Infantil. Justamente por ser um espaço comprometido
com a formação e a pesquisa, a aquisição de conhecimento por parte das crianças
se dá de forma lúdica, livre, interativa e amorosa, em que se considera as crianças
como sujeitos de direitos e com um amplo potencial de desenvolvimento cognitivo.
Depois do lanche as crianças brincam livremente na sala. Eu estou num
cantinho, sem chamar a atenção, tentando registrar alguns momentos sem
despertar a curiosidade dos pequenos. Deparo-me, então, com a Valentina,
brincando muito concentrada com algumas peças de lego. O detalhe é que
ela está com a caixa do lego na cabeça, e parece nem perceber. Ao se dar
conta de que estou observando e batendo fotos, ela abre um sorriso lindo e
tira a caixa da cabeça, olhando-me com um novo sorriso como quem diz
“ACHOU!” (DIÁRIO DE CAMPO, 29/04/2013).
28
Imagens 1 – Valentina brinca com a caixa de jogos na cabeça.
Fonte: Diário de Campo, 29/04/2013.
Na tentativa de entender o comportamento da Valentina, afirma-se que ela se
coloca de forma introspectiva e reservada. Desde o primeiro momento, notou-se que
ela mais observava do que agia. Suas brincadeiras normalmente não envolviam
outro colega. Ela sentava e brincava com o que estivesse ao seu alcance, mas
sempre olhando de forma muito atenta ao que acontecia à sua volta. O uso da caixa
de lego na cabeça causou inquietação por parte da pesquisadora. Queria Valentina
se fechar num mundo só dela, fantasiando com a sua brincadeira? Ou simplesmente
estava brincando com esta parte do corpo, a cabeça, no sentido de tomar
consciência do tamanho em relação ao objeto caixa? Seria possível que ela
estivesse imaginando que, com a caixa na cabeça, estaria se escondendo, como em
uma brincadeira de esconde-esconde?
29
Entende-se que a descoberta da diversidade comunicativa, da qual são
capazes, acontece nas crianças a partir de um processo dialógico em que a criança
age e determina outras formas de agir, descobrindo-se e descobrindo o outro.
Outra situação observada que provocou a reflexão acerca das linguagens do
corpo e auxiliou na elaboração de outras reflexões foi a brincadeira do Caio, jogando
capoeira:
O pai do Caio joga capoeira. Descobri isso numa conversa nos primeiros
dias de observação com a professora, pois observei o Caio fazendo
movimentos corporais nos quais, colocava a cabeça no chão e parecia
tentar virar uma cambalhota. A professora me explicou que na verdade ele
estava tentando jogar capoeira.
Hoje, fomos para um dos gramados da UFSC (Universidade Federal de
Santa Catarina, local onde fica o NDI), e ao chegarmos lá a professora tirou
o sapato de todos e jogou umas bolas de plástico para as crianças se
divertirem. Corre pra lá, corre pra cá, e de repente vejo o Caio numa
sequência de capoeira intensa, até dobrando os pezinhos. (DIÁRIO DE
CAMPO, 02/05/2013).
Imagem 2 – Caio jogando capoeira no gramado da UFSC.
Fonte: Diário de Campo, 02/05/2013.
Diante das observações registradas, é possível pensar que Caio se comunica
o tempo todo a partir do seu corpo, e talvez seja possível associar esses
movimentos à imitação do pai, que joga capoeira, por conta da provável admiração
que Caio deva sentir por ele.
30
Nas observações, foi possível perceber também que essa criança só jogava
capoeira em locais abertos, de espaço livre, como nas horas do parque ou nos
passeios pelo campus da Universidade. Ou seja, nas relações que ele estabelece
com o pai no momento dessa brincadeira, Caio demonstra entender o conceito
desse jogo, que trabalha, acima de tudo, com a liberdade do corpo.
Maristela Angotti (2006) acredita no desenvolvimento do conhecimento a
partir da captação de dados que a criança faz. Captação essa feita pelos órgãos dos
sentidos que sentem, percebem e possuem por meio de diferentes linguagens.
Essas experiências vividas com o brinquedo constituído pelo próprio corpo
expressam condição fundamental para entender o ritmo, o movimento e a
musicalidade que estruturam e dinamizam o texto escrito, favorecendo o
entendimento e a apropriação do produto sociocultural que constitui a base
da identidade nacional, no caso a Língua Portuguesa, na interface das
linguagens oral e escrita. (ANGOTTI, 2006 p. 24)
Durante o período de observação, acompanhou-se uma transformação
considerável no comportamento de uma das crianças, a Lis. No primeiro dia de
observação, quando sua mãe a deixou no NDI, a professora falou que ela era umas
das crianças em fase de adaptação. Com uma estrutura física miúda e delicada, a
Lis parecia uma princesinha, quieta e observadora. Não andava e pouco
engatinhava, talvez por receio de circular num espaço dividido com outras crianças
maiores que ela. Em nenhum dos momentos da observação ouviu-se choro por
parte dela ao ver a mãe indo embora. Ela chegava e ficava sentada, normalmente
brincava com brinquedos de encaixe, e ficava sempre atenta a uma movimentação
mais intensa a sua volta.
As observações permitiram acreditar que esse jeito quieto e introspectivo
nada mais era que a sua forma de lidar com o novo e enfrentar essa fase de
adaptação, algo como um mecanismo de defesa. Assim como outras crianças
choram de forma dolorosa até se adaptarem, Lis se resguardava de qualquer ação
que pudesse ferir sua integridade física.
Em conversa sobre o comportamento dessa pequena, a professora afirmou
que a menina parecia não gostar de agito, de muito calor humano. Quando passava
uma ou mais crianças correndo a sua volta, era visível que ela tencionava seu corpo
tentando se encolher. Qualquer aproximação mais intensa de uma criança, fosse
31
para dividir um brinquedo ou apenas para estar perto, ela se manifestava de forma
introspectiva.
A Lis está brincando, sentada num cantinho da sala com alguns brinquedos
de encaixe, quando o Caio, com seu jeito expansivo, chega perto dela na
tentativa de estabelecer uma brincadeira a dois. A Lis não gosta. Mesmo
sem o Caio sequer encostá-la, ela abre o choro. A professora intercede
dizendo: “Lis, não precisa chorar, o Caio só que brincar. Vamos dividir os
brinquedos com ele?”. O choro diminui com a presença da professora, como
se a partir desse momento ela sentisse uma segurança maior. Mas o Caio
desiste e vai procurar outra brincadeira, enquanto a professora segue
tentando incentivá-la a ter uma maior interação com os demais. (DIÁRIO DE
CAMPO, 17/04/2013).
Para Fonseca (1988, p. 60), “[...] a corporalidade encarada na sua totalidade
aparece imediatamente como abertura para o mundo. O corpo é o eixo de
percepção existencial, é o agente do sujeito na percepção do mundo que o envolve.”
O comportamento de Lis mudou durante a pesquisa. No quarto dia de
observação, percebeu-se pela primeira vez o esboço de um sorriso, para ela
mesma, em frente ao espelho. E daí para frente, o desenvolvimento da linguagem
oral e gestual, além do desenvolvimento físico, deu-se de forma muito rápida.
Essa evolução de comportamento ocorreu por diversos fatores, mas
principalmente pela forma amorosa, calorosa e acolhedora com que as professoras
a tratavam, incentivando sempre que ela conquistasse aquele espaço que também
era dela. Ao sentir a segurança transmitida pelas professoras, ela então começou a
se soltar.
No quinto dia de observação, ela fez carinho no Caio, de quem ela mais se
esquivava dentro da sala, e balbuciou “Caô”, chamando de forma compreensível seu
nome. Esse momento demonstrou que ela estava superando a fase de adaptação e
se integrando ao grupo.
Sétimo dia de observação e a Lis segue em constante mudança. Começou
a andar e já quer correr por todos os lados. No parque, subiu nos
brinquedos e dançou na ponte pênsil da casinha de madeira enquanto a
professora cantava pra ela. Sorriu muito e interagiu de forma intensa com o
grupo. (DIÁRIO DE CAMPO, 29/04/2013).
32
Imagem 3 – Lis anda, canta e interage com o grupo.
Fonte: Diário de Campo, 29/04/2013.
Refletindo
sobre
o
comportamento
de
Lis
e
acompanhando
seu
desenvolvimento, percebe-se que seu corpo é extremamente falante, mas suas
expressões faciais pouco se alteram diante dos acontecimentos. Normalmente,
estava com um semblante sério e observador, mas quando algo parecia lhe causar
desconforto, seu corpo se encolhia e se contraía por completo, ombros, braços e
pernas.
Galvão (1995) afirma que
A criança reage corporalmente aos estímulos exteriores, adotando posturas
ou expressões, isto é, atitudes, de acordo com as sensações
experimentadas em cada situação. É como se a excitação provocada se
espalhasse pelo corpo, imprimindo-lhe determinada forma e consistência e
resultando numa impregnação perceptiva, por meio da qual a criança vai
tomando consciência das realidades externas. (GALVÃO, 1995, p. 72, grifo
do autor).
Dessa forma, é possível entender o corpo como ferramenta de comunicação e
ir além, compreendendo-o também como uma etapa da linguagem que influenciará
diretamente o desenvolvimento da oralidade e da escrita. É também por meio do
corpo que ocorre a integração social. Somente depois de começar a dar seus
33
primeiros passos, Lis se sentiu segura para interagir com as demais crianças do
grupo.
A criança passa a compreender e dar significado aos objetos que explora por
meio do movimento corporal, que muitas vezes vem acompanhado da curiosidade
de criança.
5.1.1 As caras e bocas no espelho
Imagem 4 – "O espelho".
Fonte: TONUCCI, 1997, p.40.
De acordo com pesquisadores como Zimerman (1999), inicialmente os bebês
34
não entendem seu corpo como inteiro. Eles passam horas olhando suas mãos e
seus pés pensando que são partes soltas, apesar de serem suas. Ao ver pela
primeira vez sua imagem refletida num espelho, o bebê assimila essa imagem como
real, como sendo de outra pessoa a sua frente.
Num segundo momento do seu desenvolvimento, o bebê passa a entender
que a imagem refletida não é real, mas ainda não a relaciona com a sua própria
imagem. É então num terceiro momento que a criança consegue perceber que a
imagem refletida nada mais é que sua própria imagem.
Depois dessa identificação, o bebê reconhece seu corpo como sendo seu, por
inteiro, e não mais em partes. Inicia-se, então, a brincadeira, com os sorrisos, a
tentativa de se comunicar, de pegar e morder o espelho. As caras e bocas, gritinhos
e balbucios tornam-se frequentes nesses momentos.
Durante as observações, um fato, até aquele momento isolado, chamou a
atenção.
Depois do lanche das crianças, enquanto elas brincam dispersamente pela
sala, eu me encontro num cantinho tentando registrar momentos sem
chamar a atenção. Olho para a Lis e ela está sorrindo. Não um sorrisinho
pequeno, e sim um sorrisão. Até aquele momento, não tinha visto nenhuma
expressão mais forte e significativa dela. Estava sempre séria analisando
tudo a sua volta. Ao perceber que não havia ninguém perto dela, olhei na
direção em que estava o seu olhar e me deparei com o espelho. Ela estava
sorrindo para ela mesma, mas não tive certeza se ela sabia que a imagem
era dela. (DIÁRIO DE CAMPO, 24/04/2013).
Foi neste momento marcado pela dúvida e pela vontade de compreender os
possíveis significados de uma brincadeira diante do espelho que se fez a opção por
aprofundar conhecimentos e a análise sobre essa relação dos bebês com a própria
imagem diante desse objeto.
Os materiais encontrados para pesquisa não foram muito substanciais,
fazendo com que se utilizassem artigos e reportagens para transcrever esta análise.
Em uma reportagem6 da Revista Crescer, o autor7 diz que
a atração que os bebês sentem pelo espelho revela sua vontade de se
comunicar com o mundo. As diversas linguagens são treinadas no momento
da brincadeira com o espelho, pois o bebê interage com o espelho com
gritinhos e balbucios diversos, além de fazerem caretas e vários gestos,
tentando compreender a imagem refletida. (Revista Crescer, SP.)
6
7
http://revistacrescer.globo.com/Revista/Crescer/0,,EMI24852-15162,00.html
A reportagem não referencia autor
35
Não foi constatado nenhum estudo sobre o incentivo de trabalhos com o
espelho na ação pedagógica com os pequenos e, durante as observações, não ficou
evidente nenhuma prática específica.
Apesar disso, ficou evidente o quanto as crianças bem pequenas gostam de
se olhar o espelho e tentar entender aquele reflexo. Mesmo sem muito incentivo, o
fato de ter um espelho de tamanho considerável e na altura das crianças no espaço
em que se encontram já favorece essa descoberta.
O Davi está mesmo sofrendo com o nascimento dos seus dentes. A coceira
e a agonia ficam evidentes a cada objeto que ele pega e leva com gana à
boca, mordendo com muita força. Hoje até o espelho ele tentou morder,
mas quando percebeu uma imagem em sua frente parou e ficou ali, olhando
por alguns segundos, como se tentasse entender se havia alguém tentando
mordê-lo também. Depois começou a balbuciar, com sua boca encostada
no espelho, algo tipo bá bá bá, mas ficou claro que nesse momento sua
atenção estava voltada para a boca que se mexia no reflexo no mesmo
tempo em que ele emitia os sons. (DIÁRIO DE CAMPO, 29/04/2013).
Imagem 5 – Davi tenta moder o espelho, mas fica surpreso ao ver seu reflexo.
Fonte: Diário de Campo, 29/04/2013.
Ao longo do período de observação, Davi sofreu com o aparecimento dos
dentes, inclusive tendo febre. Mas, isso não o impedia, ainda que por poucas vezes,
de explorar seu corpo e o ambiente em que estava. Esse momento registrado com o
espelho foi encantador, além de que, enquanto brincava com o objeto, não se
lembrava do incômodo do dente, demonstrando o quanto o espelho o encantou.
Como visto anteriormente, o espelho é um brinquedo gostoso, mesmo ou
principalmente depois que a criança entende que ali está sua imagem refletida. Esta
pesquisa pôde confirmar isso em vários momentos, como aqueles vivenciados pela
Valentina. Em mais de uma observação, ela parou em frente ao espelho e ficou se
observando, admirando-se, demonstrando satisfação com a imagem refletida.
36
Hoje, mais uma vez a Valentina parece se ‘namorar’ no espelho. Ela foi
chegando o rosto perto, depois afastou novamente, mexeu nos cabelos,
aproximou novamente o rosto do espelho e grudou sua boca. Ficou ali, se
olhando. Algo chamou sua atenção e ela foi virando o rosto, mas sem
desencostá-lo do espelho. Ao me ver registrando o momento, deu aquele
sorriso e um tchau para câmera. (DIÁRIO DE CAMPO, 17/04/2013).
Imagem 6 – Valentina se namorando no espelho.
Fonte: Diário de Campo, 17/04/2013.
Para Martins Filho (2005),
O trabalho pedagógico com os bebês não se resume a observá-los, mas a
observação é a base para organizar as ações pedagógicas que tenham
como meta o respeito para com cada um, pelas suas singularidades, pelos
sinais comunicativos que emitem. Conhecendo cada um dos pequenininhos
haverá mais elementos para estruturar a prática. (MARTINS FILHO, 2005,
p. 42).
A partir das observações e com base nos estudos teóricos realizados
(Zimerman, 1999), é possível inferir que a relação dos bebês com o espelho auxilia
no desenvolvimento das suas linguagens, seja nas gestuais ou nas orais.
Ao brincar com o espelho, a criança passa a emitir novos sons que vêm da
situação de êxtase em que se encontra, como se estivesse descobrindo um tesouro.
E está, um tesouro que é seu próprio corpo.
5.1.2 As mordidas do Caio
Estamos brincando no parque interno, quando o Davi está dentro de uma
casinha de madeira e o Henrique está do lado de fora da casinha trocando
balbucios com o Davi. O Caio assiste a cena e decide participar. Para ao
lado do Henrique, fora da casinha, e emite gritinhos que são respondidos da
mesma forma por Davi. O Caio então entra na casinha, ainda dando os
gritos afinados, agarra o Davi e o morde. A professora mais que depressa
separa, mas não a tempo. Ficou a marca. (DIÁRIO DE CAMPO,
06/05/2013).
Quando se trabalha com um grupo de bebês, o tema das mordidas é quase
37
sempre assunto delicado a ser tratado entre crianças, com as famílias e até mesmo
com outras profissionais da instituição.
A questão que envolve o aprofundamento deste assunto é entender, afinal, o
que pode significar uma mordida quando se trata de uma criança em um grupo de
bebês? Seria uma forma de linguagem corporal das crianças? Uma tentativa de
comunicação? De expressão de sentimentos? De expressão de agressividade? É
intencional? Consciente?
Ao fazer essas perguntas, é possível chegar a inúmeras respostas. A partir
das pesquisas realizadas e da observação no campo, as respostas vão sendo
construídas de diversas formas.
A mordida geralmente é considerada, para os leigos, como um ato de
agressão, ora como reflexo de uma situação em que a criança está descontente, ora
por iniciativa própria para tentar dominar um espaço ou disputar um brinquedo. Um
adulto, ao ver uma criança mordendo a outra, tende a reprimi-la como se aquela
criança estivesse fazendo aquilo com o propósito de realmente machucar alguém.
Mas, não é adequado interpretar de uma forma tão simplista e generalizada. É
necessário refletir e pesquisar sobre o assunto para compreender e interpretar esta
ação em todas as dimensões, entre elas como forma de linguagem e de descoberta.
Pesquisadores sobre o tema8 alegam que, primeiramente, o uso tão constante
da boca se dá em função de ser esta a primeira forma de conhecer e experimentar o
mundo. Ao nascer, o primeiro contato da criança é com o peito da mãe. Daí pra
frente é uma descoberta atrás da outra e todas utilizando a boca como ferramenta. É
dessa forma que eles descobrem o próprio corpo e passam a morder todo e
qualquer objeto, além dos próprios pais, amigos e professores. É um meio de
conhecer sensações e movimentos.
O psicólogo francês Henri Wallon (In: 1879-1962) escreveu que, assim, a
criança constrói seu "eu corporal". "É nessa fase, em que ela testa os limites do
próprio corpo, onde o dela acaba e começa o da outra pessoa9.”
8
Marilene Proença. Membro da diretoria da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e
Educacional (Abrapee) e professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo /
Jussara de Barros. Graduada em Pedagogia - Equipe Brasil Escola / Maria Fernanda Hennemann.
Psicóloga clínica e escolar.
9
http://websmed.portoalegre.rs.gov.br/escolas/liberato/psicologia/MORDIDAS%20NA%20EDUCACAO
%20INFANTIL.htm
38
Imagem 7 – Mateus e Henrique disputam brinquedo e Mateus morde Henrique.
Fonte: Diário de Campo, 17/04/2013.
Ao morder outra criança, o bebê também busca conhecê-lo, estreitar as
relações, experimentá-lo no sentido mais amplo da palavra. Ao que se refere a
estreitar as relações, associa-se a mordida à linguagem. Sobre esta questão, Busnel
(1997, p. 282-284) diz que “Eles brincam, caem, levantam-se, unham-se, mordem,
correm, lambem, chupam... vivem. [...] São as próprias crianças, ainda que de
apesar de às vezes não terem o verbal, nos ensinam.”
As formas de comunicação das crianças são diversas. Ao falar das mordidas
do Caio, refere-se apenas a mais uma forma de linguagem corporal. Crianças como
ele tendem a ser tachadas de forma negativa nos espaços educativos, e com o Caio
não é diferente.
Já na primeira observação, ele chama a atenção, mostrando-se presente a
todo instante. Ficou aparente que já foi atribuído ao Caio um rótulo. Entres as outras
salas, o que se fala dele são: “Olha o furacão!”; “O Caio mordeu de novo?!”; “Só
podia ser o Caio!”. Por que só podia ser o Caio?
De acordo com Martins Filho (2005),
É por meio da emoção que a criança mobiliza o outro para atender às suas
necessidades, que o contagia e o afeta, visto que, indiscutivelmente, o
pequeno ser humano não está apto nem mesmo para sair de uma posição
desconfortável, dependendo inteiramente do outro para sobreviver. Dessa
forma a criança atua primeiro não no universo físico, mas no ambiente
humano. É o canal da emoção que garante a resposta dos adultos que
cuidam do bebê. (p. 50).
39
Em conversa com a professora da sala, é possível perceber que este tipo de
comportamento de alguns docentes a incomoda, visto que o Caio é uma criança
como qualquer outra de sua idade, aprendendo com o meio, expressando-se das
mais diversas formas e entendendo seus limites de necessidades.
Durante as observações, foi possível perceber que o Caio mordia realmente
com frequência, então se passou a analisar em que momentos aconteciam as
mordidas.
Em um dia de observação, em conversa com outra funcionária do NDI, ela
comentou que esse comportamento do Caio não era uma coisa ruim como
10
se ‘pintava’ . Ela mencionou as brincadeiras que o pai fazia ao chegar para
buscá-lo, como jogá-lo para cima e dar “mordidinhas” em suas bochechas.
Num outro momento, a professora de sala voltou ao assunto, afirmando que
isto já havia sido levado aos pais, e que nesse segundo momento de
conversa, eles alegaram que não estavam mais fazendo essas brincadeiras,
e que em casa ele estava bem. (DIÁRIO DE CAMPO, 06/05/2013).
Após essa conversa e uma observação mais intensa, concluiu-se que as
mordidas do Caio não são apenas uma forma de ataque ou de defesa ao que ele
não quer ou não gosta, e que também não são feitas com o intuito de machucar o
outro. Em momento de êxtase, em que se estava comemorando algo, ou finalizando
uma música, a reação dele era a de rapidamente pegar o primeiro amiguinho e
“nhac”, mais uma mordida! Essa é a sua forma mais livre e espontânea de
comunicação. Contudo, não é por isso que não se deva repreender o ato e tentar
fazê-lo entender que é errado, afinal, independente do motivo da mordida, ela é um
ato agressivo e machuca.
O Caio precisa seguir sendo orientado quanto a isso, e encontrar outra forma
de extravasar suas emoções. E a professora responsável não peca nesse sentindo.
Investe nas conversas, com muita amorosidade e principalmente na troca de
carinho. Fica evidente que ela se preocupa com o bem-estar do Caio e dos demais,
e com o seu desenvolvimento, sempre mediando e cuidando não somente dele, mas
de todo o grupo.
10
Optou-se por usar o termo ‘pintava’ expressado pela profissional em questão.
40
Imagem 8 – Caio tenta morder a cabeça de Mateus
Fonte: Diário de Campo, 23/04/2013.
Na penúltima observação, aconteceu um fato que ilustra bem o que foi dito
anteriormente.
Enquanto a professora e a auxiliar faziam as trocas de fralda depois do
lanche, eu estava sentada no colchonete cantando e brincando com a Bia e
o Caio. Até que, num momento de euforia, o Caio agarrou a Bia e foi para
morder na testa. A professora colocou a mão entre a cabeça da Bia e a
boca do Caio, impedindo a mordida e questionando a atitude dele, dizendo
que ele não podia morder. Nesse dia, ele estava com um camisão aberto.
Após a professora falar que ele não podia morder, ele se virou, abriu a
camisa com os dois braços e saiu andando em passos largos e imitando
11
ruídos de um monstro, que deduzimos ser o Incrível Hulk . (DIÁRIO DE
CAMPO, 06/05/2013).
11
Herói das revistas em quadrinhos, integrante da equipe dos Vingadores, transmitido através de
filmes e desenhos.
41
Imagens 9 – Caio brinca, morde a Bia e depois sai imitando um monstro.
Fonte: Diário de Campo, 06/05/2013.
A cena, inesquecível, deixou estáticas professora e pesquisadora, que
ficaram observando aquele momento de fantasia dele. Teria sido esse o motivo da
mordida, uma presa raptada por um monstro? Quem sabe?
A questão é que não se pode apenas observar as crianças de forma
superficial, sem tentar entender que elas se comunicam sim, e podem dizer muito
mais do que se espera. As atitudes do Caio, neste momento, não são uma
exclusividade desta criança, mas poderão ser experimentadas por outras, em outros
42
momentos. As demais crianças podem passar por fases semelhantes a da mordida,
algumas com mais intensidade, outras com menos, assim como passam por outras
fases distintas durante o seu desenvolvimento. O importante é compreender que não
são etapas rígidas e que nem todas as crianças experimentam, vivenciam do mesmo
jeito, já que outros fatores culturais, sociais, econômicos etc., contribuem para isso.
Mello afirma que,
É preciso compreender que esta é uma fase do desenvolvimento da criança.
Praticamente todas as crianças, entre um e três anos, em algum momento,
usaram ou usarão tal conduta. Esse recurso praticamente desaparece
quando a linguagem estiver mais desenvolvida. (ROSSETTI - FERREIRA,
M. C. et.al.Org, 2009, p.168)
O comportamento do Caio, exceto pelo fato da mordida, ali naquele espaço,
não se difere do das outras crianças nas demais situações. A Antônia dança e canta
o tempo todo, a Liz gosta de se olhar no espelho e não gosta de agitação, a Bia
gosta de cuidar da ordem, obedece sempre e faz com que os demais colegas
também obedeçam, e o Caio morde. Este é o jeito dele chamar a atenção, ao menos
neste momento. Cada um com sua particularidade tem uma forma de se comunicar
mais ou menos expressiva que o outro. Cabe aos adultos, enquanto educadores,
entenderem e compreenderem o significado, e mediar as situações que surgem no
cotidiano da Educação Infantil.
Imagem 10 – Caio embala a boneca como se a estivesse fazendo dormir.
Fonte: Diário de Campo, 17/04/2013.
43
Imagem 11 – Caio pula da beirada da piscina de bolinha.
Fonte: Diário de Campo, 23/04/2013.
A observação ao longo da pesquisa auxiliou no desenvolvimento de uma
escuta e de um olhar mais atentos, o que permitiu conhecer cada uma das crianças,
suas preferências e seus diferentes modos de ser, agir e sentir.
As mordidas também são uma forma de comunicação e de se conhecer o
outro. A princípio, as crianças não sabem avaliar as consequências de suas
mordidas e nem a força que podem colocar. Às vezes, o ato de morder é um modo
de estar perto do amigo que gostam e de partilhar uma intimidade, como comer
alguma coisa gostosa.
Imagem 12 – Caio brinca com criança de outro grupo, balbuciando para interagir.
Fonte: Diário de Campo, 29/04/2013.
44
Imagem 13 – Caio faz "charme" depois que a professora chama sua atenção.
Fonte: Diário de Campo, 16/04/2013.
5.1.3 A música como ferramenta no desenvolvimento da linguagem
Ao se pensar na linguagem corporal das crianças, é importante pensar o que
pode manifestar essa comunicação. A música é uma ferramenta poderosa nesse
caso e as crianças têm a necessidade de utilizá-la para se expressarem de alguma
forma. No espaço escolar, essa ferramenta faz parte da rotina e, o mais
interessante, é que na maioria das vezes quem puxa a cantoria são as crianças e
não a professora.
Entre uma brincadeira e outra, lá está a Antônia, a criança mais cantante e
falante para sua idade, remexendo-se e cantarolando.
“- A do gatinho”, dizia ela pedindo para cantar Atirei o pau no gato. Mas, a
mais pedida sempre era a música da pulguinha, que diz assim: “Estava
dormindo quando algo aconteceu, veio uma pulguinha e a danada me
mordeu. Pula pulguinha, pula danada, pula pulguinha, que pulguinha
assanhada”. A interpretação da música pela Antônia começava se deitando
no chão, como se estivesse dormindo.
A medida que a música ia sendo cantada, ela acompanhava cantando e
interpretando, principalmente na parte final, em que pulava incansavelmente
imitando a pulguinha pulando.
A cabeça balançava de um lado para outro acompanhando o ritmo e
olhando para a educadora, como se dissesse “estou dançando, canta que
estou dançando” e, quando acabava, ela olhava e dizia: “de novo” ou então
pedia “a da casinha”, pedindo para que a educadora cantasse a música “ fui
morar numa casinha nha, nha...” (DIÁRIO DE CAMPO, 17/04/2013).
45
Imagens 14 – Antônia interpreta a música da "pulguinha" e depois dança a da
"casinha".
Fonte: Diário de Campo, 16/04/2013.
A Antônia despertou a atenção no processo da pesquisa, fazendo com que
houvesse um aprofundamento sobre como a música pode auxiliar e até ser
responsável pela comunicação das crianças nessa faixa etária. Tendo em vista que
a oralidade ainda está em processo inicial de desenvolvimento nessa fase, a criança
tende a dançar e gesticular para interpretar a música. Analisando por esse ponto,
pode-se considerar que a música ajuda a construir a linguagem oral e corporal. A
criança se esforça para entender e cantá-la, mas com a falta da linguagem oral, ela
gesticula, encena e canta do seu jeito.
O Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil enfatiza que
Ouvir música, aprender uma canção, brincar de roda, realizar brinquedos
rítmicos, jogos de mãos etc., são atividades que despertam, estimulam e
desenvolvem o gosto pela atividade musical, além de atenderem a
necessidades de expressão que passam pela esfera afetiva, estética e
cognitiva. Aprender música significa integrar experiências que envolvem a
vivência, a percepção e a reflexão, encaminhando-as para níveis cada vez
mais elaborados. [...]O trabalho com música deve considerar, portanto, que
ela é um meio de expressão e forma de conhecimento acessível aos bebês
e crianças, inclusive aquelas que apresentem necessidades especiais. A
linguagem musical é excelente meio para o desenvolvimento da expressão,
do equilíbrio, da auto-estima e autoconhecimento, além de poderoso meio
de integração social. (BRASIL, 1998 p.48-49).
A observação mostrou ainda outro aspecto da importância da música, que é o
da interação. Em momentos diversos, Antônia procurava a professora pedindo para
cantar, ou simplesmente cantava e pedia que a acompanhasse, enquanto as demais
crianças brincavam espalhadas na sala. Logo, era possível observar uma reunião
com as demais crianças rodeando a professora e a Antônia, cantarolando e
46
dançando da mesma forma. Esse momento era muito rico, pois as crianças iam em
direção a Antônia e cantavam olhando e dançando em sua direção, como se
dissessem que estavam ali, participando junto com ela daquele momento. Os
sorrisos tomavam conta do momento.
Ao ouvir uma música, o Henrique era o primeiro a aparecer na roda.
Independente com o que estivesse brincando, ao ouvir a Antônia cantando e a
professora dando atenção a esse momento, ele logo largava tudo e começava a
dançar, de um jeitinho tímido, com as mãos próximas ao corpo, fazendo um
movimento de um lado para o outro com o tronco e com um sorriso inigualável. E
quando a música acabava, ele parava e ficava olhando, esperando a próxima
cantoria, diferente da Antônia, que já pedia outra música. Esses momentos eram tão
comuns que é possível pensar que o Henrique já sabia que a Antônia ia seguir
cantando ou ia pedir outra música, então ele ficava ali, parado, só esperando o
momento acontecer.
As demais crianças também estavam sempre atentas às músicas. Em todos
os momentos, fossem na sala, no parque ou na hora do lanche, era comum ver
alguma criança cantarolando com ou sem a participação da professora.
Está previsto nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil o
uso da música como ferramenta para atingir os eixos norteadores que são as
interações e as brincadeiras. De acordo com este documento, as práticas
pedagógicas devem garantir experiências que [...] favoreçam a imersão das crianças
nas diferentes linguagens e o progressivo domínio por elas de vários gêneros e
formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical. (BRASIL, 2010
p. 25).
O cumprimento desta questão é observado no NDI. Qualquer momento,
brincadeira, ou atividade pode ser acompanhado de cantorias, sempre com o
incentivo das professoras.
Durante os dias de pesquisa, foi possível observar que sempre, na hora do
lanche, a professora cantava com as crianças uma música que mencionava as
partes do corpo, como braço, dedos, palma da mão, punhos e cotovelos.
A música cantada por eles na hora do lanche trazia movimentos de bater na
mesa com a parte do corpo que estava sendo citada, e a música seguia: “o
dedo, o dedo, o dedo, o dedo, o dedo; a palma, a palma, a palma, a palma,
a palma; o punho, o punho, o punho, o punho, o punho; o coto, o coto, o
47
cotovelo e... repetia tudo.” (DIÁRIO DE CAMPO, 16/04/2013).
Chama a atenção o fato de que, ao longo da pesquisa, as crianças foram
melhorando suas atuações com relação à música. No começo, era somente
interpretação. As carinhas ficavam atentas olhando para a professora enquanto
tentavam imitar o movimento de maneira correta. Já nas últimas observações, era
possível ouvir balbucios produzidos na tentativa de acompanhar também a letra da
música, revelando traços da oralidade que avança. Isso demonstra o quanto o
desenvolvimento infantil, em especial, as linguagens acontecem com rapidez nesta
fase da vida das crianças.
Num determinado dia, em que o momento do lanche estava agitado,
enquanto a professora organizava as crianças em volta da mesa e a
estagiária cortava as frutas, as crianças começaram sozinhas a cantar a
música. Começou com a Liz, que iniciou os movimentos com os punhos,
então a Bia e a Valentina copiaram, e logo os mais desenvolvidos oralmente
já estavam balbuciando os sons da música. Nesse momento, educadora e
estagiária se olharam e percebeu-se o entusiasmo de ambas sobre aquele
momento. Elas começaram, então, a cantar junto com as crianças
incentivando o momento. (DIÁRIO DE CAMPO, 23/04/2013).
Imagem 15 – As crianças cantando e interpretando a música de costume da hora do
lanche.
Fonte: Diário de Campo, 23/04/2013.
Como já dito anteriormente, o NDI é um espaço comprometido com a
formação e a pesquisa, onde a aquisição de conhecimento por parte das crianças se
48
dá de forma lúdica, livre, interativa e amorosa, e isto ficou evidente nas observações
dos momentos de integração do grande grupo, ou seja, momentos em que várias
turmas de bebês se encontravam no pátio central, que é amplo e aconchegante, e
disponibiliza para as crianças brinquedos, jogos, livros, tapetes, rolos de almofadas
etc.
Este pátio fica no centro de todas as salas e é livre para todas as crianças.
Entre uma atividade e outra, sempre que um grupo de crianças passa por ali em
direção a sua sala, para e brinca um pouquinho, ou dá um oi para outras turmas indo
a suas portas.
Era muito comum rodas de música com uma ou mais turmas nesse pátio,
contando com a participação de outros profissionais da instituição que, por vezes,
estavam apenas passando por ali e acabavam ficando e cantando um pouquinho.
Outro ponto observado é a liberdade que as famílias têm dentro da instituição,
sendo convidadas a todo o momento para participar ativamente. Na turma do
berçário, por exemplo, normalmente há pais e mães cuidando dos seus bebês de 4
meses a 1 ano, para ajudá-los no processo de adaptação.
Mas não é só na adaptação que eles participam. Observou-se, neste ínterim,
um pai indo buscar o filho no momento em que acontecia uma brincadeira no pátio.
Ele ficou ali e participou. Noutra ocasião, este mesmo pai entrou na sala e falou com
os outros bebês. Esses momentos eram rotineiros, mas com a consciência dos pais
em não interferir no cotidiano da instituição.
O último dia de observação fecha com chave de ouro. Já no final da manhã,
enquanto algumas crianças estão tirando sua soneca em uma sala
preparada especialmente para isso de forma aconchegante, as outras se
misturam no pátio central, com seus professores, bolsistas e alguns pais, e
começa uma cantoria.
Uma funcionária da parte de coordenação pedagógica da instituição foi dar
um oi para as crianças, e quando viu que a maioria estava no pátio puxou
algumas músicas infantis, batendo palmas e convidando as crianças a
cantarem e dançarem com ela. Em segundos todas as crianças que
brincavam no espaço largaram suas brincadeiras e começaram a interagir
com a música, batendo palmas, balançando o corpo, alguns tentando
acompanhar oralmente, outros simplesmente estáticos, com os olhinhos
brilhando. Foi um momento mágico. Pena que faltou a Antônia. (DIÁRIO DE
CAMPO, 06/05/2013).
49
Imagem 16 – Crianças de grupos variados interagem no pátio numa roda de música.
Fonte: Diário de Campo, 06/05/2013.
O NDI estimula todo o tempo todas as crianças com a música. Num passeio
pelas salas, é sempre possível ouvir algumas turmas cantando entre uma atividade e
outra.
Na rotina da instituição, e reforçado nas conversas com diversos profissionais,
há o comprometimento do NDI em trabalhar a música sem esquecer as diferentes
culturas. Essa observação ficou registrada no dia em que um professor de Educação
Física levou para o pátio externo um grupo de capoeira para brincar com as
crianças.
O professor de Educação Física passou nas salas chamando as
professoras, bolsistas e crianças para brincarem com um grupo de roda de
capoeira que está no pátio externo. A professora pergunta se eu não
gostaria de levar o Caio pra ver, enquanto ela ficaria com os demais
fazendo troca de fralda e alguns dormir. Adorei a ideia e fui. Tinha uma roda
enorme com vários grupos de até os seis anos de idade. Sentamos na roda
e o Caio ficou perplexo. Achei que ele iria querer levantar e ir para o meio,
mas não, ficou totalmente parado olhando seriamente todos os movimentos.
Os jogadores da capoeira convidaram as crianças para entrarem no jogo,
mas o Caio não quis. Poucas crianças, e somente as maiores participaram
do jogo. Os mais novos de até três anos ficaram sentados acompanhando,
batendo palmas e se embalando com a música. (DIÁRIO DE CAMPO,
24/04/2013).
Diante de todo o exposto que foi observado no período da pesquisa, e
complementado com as reflexões acerca das leituras realizadas, ratifica-se a
50
importância da música como ferramenta no desenvolvimento da linguagem nas
crianças bem pequenas, visto que, ao se trabalhar este elemento, a criança não
apenas se diverte, como também interage, aprende, sente, ri, cria, recria e interpreta
o mundo em que vive.
5.2 ORALIDADES: POUCAS PALAVRAS, MUITOS SIGNIFICADOS
Imagem 17 – "As primeiras palavras"
Fonte: TONUCCI, 1997, p.32.
51
Pensando nos bebês, nas suas múltiplas linguagens, e diante das análises
aqui apresentadas, pode-se dizer que eles possuem uma oralidade mesmo antes de
pronunciarem uma palavra, no sentido literal. Os balbucios e diversos outros sons
que os bebês emitem como gritinhos, e mesmo o choro, são suas formas de
expressar a oralidade nessa fase da vida.
Um artigo postado no site Medipédia12 afirma que
Após uma fase de tentativas, o bebê começa, aos 6 meses de vida, a gritar
com toda a intenção, de modo a chamar a atenção, transformando os seus
sons desconexos numa verdadeira tagarelice. A partir do momento em que
o bebê incorpora as consoantes, começa a pronunciar alguns dos sons mais
comuns da linguagem. O bebê costuma começar a utilizar alguns sons que
saem com mais facilidade, presentes numa grande variedade de línguas,
como o "p", o "m", o "c" ou o "b", muito característicos do ponto de vista da
articulação fonética. Estas ações constituem as bases para a construção de
sílabas separadas, como "ma", "pa", "ba" ou "ca", que aos 8 ou 9 meses
podem ser repetidas e encadeadas como se pronunciasse palavras: "mama", "ba-ba", "ca-ca".
Esse fato pôde ser observado durante a pesquisa de campo, conforme
registro a seguir:
Estamos no parque interno brincando e a bolsista está cantando para
Antônia, enquanto ela escuta atentamente a cantoria. Acaba a música e a
Antônia diz: “a da caxinha”, pedindo para a Monique cantar a música “fui
morar numa casinha-nhá-nhá...”. A Monique começa a cantar e a Antônia
dança, e rapidamente o Mateus, que estava brincando dentro de uma
casinha de madeira, aparece cantando: nhá, nhá, nhá... (DIÁRIO DE
CAMPO, 17/04/2013).
Imagens 18 – Antônia pede a música da "casinha" e Mateus aparece para
acompanhar
Fonte: Diário de Campo, 16/04/2013.
Além
da
música,
aqui
já
entendida
como
ferramenta
pedagógica
constantemente utilizada pelas professoras do grupo, a conversa é uma prática
12
Site com conteúdos e serviços de saúde do Instituto Pedro Nunes, de Coimbra – Portugal.
http://www.medipedia.pt/home/home.php?module=artigoEnc&id=838
52
vivenciada integralmente enquanto as crianças estão no NDI. As professoras
interagem o tempo inteiro com as crianças estabelecendo diálogos ricos. Acontecem
também momentos de leitura de histórias em que as crianças participam ativamente
apontando, por exemplo, para um macaco em um livro, e falando “cacaco”.
Poucas eram as crianças que não respondiam às conversas das professoras
emitindo algum tipo de fala. Das oito crianças do grupo, três não expressavam muito
a sua oralidade. Os outros cinco eram bem falantes.
O Davi, que estava em fase de adaptação e com os dentinhos crescendo,
assim que chegava ficava chamando “mã mã mã”, pedindo pela mãe. Ficava
compreensível o que ele queria dizer. O Mateus, que também estava em adaptação,
algumas vezes após chegar no NDI, também chamava “mã mã mã”, pedindo
igualmente por sua mãe. O Caio, por sua vez, articulava bastante. Por vezes, a
professora ia chamá-lo a atenção por alguma coisa que ele estava fazendo de
errado e ele, numa expressão de brabeza, franzindo a testa, olhava bem sério pra
ela e falava “DÁ DÁ DÁ DÁ DÁ!!!”.
Hoje, Caio brigou comigo, mas sem motivo. Entrou na casinha de madeira
do parque interno, olhou para mim bem brabo e repetiu o DÁ DÁ DÁ DÁ!!!.
O Mateus, que estava atrás do Caio dentro da casinha, ficou olhando bem
atento e paradinho, no canto da casa. Perguntei para o Caio por que ele
estava brigando comigo e ele parou, ficou me olhando bem sério, e
novamente repetiu DÁ DÁ DÁ DÁ!!! (DIÁRIO DE CAMPO, 16/04/2013).
Imagem 19 – Caio briga comigo sem motivo, fazendo com cara de brabo dá dá dá
dá!
Fonte: Diário de Campo, 16/04/2013.
53
Nas situações apontadas, pode-se afirmar que todas as falas foram
intencionais, querendo realmente dizer algo. Por outro lado, constantemente as
crianças mais novas do grupo pegavam algum objeto para morder ou pressioná-lo
contra boca emitindo sons como ba ba ba ba. Nestes casos, pode-se então sugerir
que a criança não tenha a intenção de expressar algo propriamente, mas apenas a
de brincar.
Talvez, nessa fase do desenvolvimento da oralidade, as crianças não apenas
emitam sons para dizer algo, mas também para brincar. Brincar com o próprio som,
com o movimento da boca, com o seu corpo, explorando cada vez mais o seu
mundo.
Outras observações permitiram também a vivência de momentos de diálogo
entre duas crianças. Entre uma brincadeira e outra, acontecia um encontro pela sala
em volta de algum brinquedo e as crianças conversam, por meio de gestos, ou
oralmente.
Hoje, a Natália, irmã da Bia, que está num grupo de crianças maiores,
passou para nos visitar. A Bia ficou muito feliz. As duas brincaram, pularam,
se abraçaram, e tudo isso interagindo com os demais. Em um dado
momento, observo que a Natália, a Bia e a Antônia estão brincando com um
jogo de blocos. As três estão bem entretidas com a brincadeira, e interagem
bastante. Ouvem-se vários: “esxe, esxe” (esse, apontando para uma
pecinha do jogo), “ali ó” (também apontando para o jogo), “dáaa” (querendo
uma peça que está na mão da outra criança). O Caio observa a brincadeira
de longe por um tempo e logo resolve se juntar ao grupo. Mas ele só
observa, senta e levanta, sem entrar na brincadeira. (DIÁRIO DE CAMPO,
25/04/2013).
Imagens 20 – Antônia, Natália e Bia brincam com legos e conversam, enquanto Caio
observa e depois decide se juntar.
Fonte: Diário de Campo, 25/04/2013.
54
Imagens 21 – Caio segue observando a brincadeira, mas sem interferir.
Fonte: Diário de Campo, 25/04/2013.
Para Richter e Barbosa,
A criança nasce inscrita em um código natural e sociocultural. Na interação
com o outro, nas inúmeras possibilidades que o outro lhe aponta, ela
imprime as marcas do humano e constrói sentido nas linguagens. Sentidos
intimamente vinculados ao ato de brincar, criar, linguajar. (2010, p.91).
A pesquisa permitiu analisar mais profundamente esses detalhes que, para
quem ainda não é professor e não convive diariamente com os pequeninos, passam
despercebidos, no sentido de que pessoas não profissionais da área da educação
infantil observam esses balbucios e oralidades, mas não refletem sobre o porquê
disso ocorrer, como acontece e como se pode contribuir para o desenvolvimento
desta linguagem.
É preciso um olhar mais atento e observador também por parte dos
educadores, pois, infelizmente, alguns profissionais da educação ainda se utilizam
de práticas muito tradicionais, sem muita preocupação e conhecimentos sobre o
desenvolvimento cognitivo das crianças dessa faixa estaria.
As observações demonstraram que esse não é o caso dos profissionais do
NDI, onde, de modo geral, todos os funcionários circulam pelos espaços
rotineiramente e sempre param e conversavam com as crianças. No grupo
observado, sempre na hora do lanche, em que a cozinheira levava a refeição para
as crianças na sala, ela chamava o Caio e ele ficava todo feliz. Logo, já começava o
“dá dá dá” e ela ficava conversando com ele.
Entende-se a partir das análises que a criança desenvolve sua oralidade já
55
nos primeiros momentos de vida, começando de forma instintiva e, aos poucos,
crescendo e se desenvolvendo de forma intencional e objetiva e, principalmente, a
partir da interação com o meio, com outras crianças e com adultos. Nesse ponto, a
prática
pedagógica
comprometida
contribui
e
interfere
diretamente
no
desenvolvimento da oralidade do bebê, que dali começará a falar e logo mais a
escrever.
Para Richter e Barbosa, “[...] os seres humanos, ao nascerem, trazem como
condição de sobrevivência a necessidade e o desejo de se relacionar e se
comunicar”. (2010, p.86).
Para que isso ocorra, é preciso que os estímulos sejam constantes,
praticados tanto pela família como pela instituição de educação.
Imagem 22 – Caio interroga Valentina: “Dá?!” como se pedisse para ela entregar
para ele o bicho de pelúcia.
Fonte: Diário de Campo, 25/04/2013.
Imagem 23 – As crianças riem muito e se divertem com a professora na piscina de
bolinhas.
Fonte: Diário de Campo, 23/04/2013
56
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho proporcionou um aprofundamento prático e teórico sobre os
bebês e suas linguagens. As etapas do trabalho – observação, registro, análise dos
dados e análise teórica – colaboraram para as reflexões e ampliaram o olhar sobre
os questionamentos que nortearam a pesquisa.
Analisando os resultados em suas diversas etapas, é possível concluir que os
objetivos principais e específicos foram atendidos, promovendo uma ampla
compreensão acerca de como as crianças se comunicam, que tipos de linguagens
utilizam, se as entendemos e como lidamos com essas diversas linguagens e,
principalmente, se há estímulo por parte dos professores para o desenvolvimento
delas.
A etapa de observação aconteceu de forma também participativa, permitindo
a interação diretamente com as crianças. Durante quase todo o período de
observação, pode-se ter contato com os bebês desde os momentos de recepção, na
chegada à instituição, nas diversas brincadeiras, na hora do lanche, na hora do
sono, nos momentos de choros e diversão, até a ocasião do retorno pra casa.
Esta proximidade possibilitou um olhar direto, investigativo e analítico sobre
as conversas que puderam se desenvolver com as crianças e com os profissionais.
Foi a partir das observações que os tópicos de análise foram surgindo. Depois
de compreender a variedade de linguagens que as crianças do grupo utilizam para
se comunicar, passou-se a analisar mais especificamente algumas delas, como
podem
ser
desenvolvidas
e
que
estímulos
são
realizados
para
o
seu
desenvolvimento.
Os registros escritos e fotográficos possibilitaram a visão e revisão dos
acontecimentos registrados, sugerindo os rumos da pesquisa teórica.
Os tipos de linguagens analisados mais detalhadamente nesta pesquisa
foram as do corpo, explorando os gestos, as expressões e o comportamento, e a
oralidade, existente na faixa etária do grupo.
Sobre a linguagem corporal e suas especificidades, foi possível concluir que
as crianças interagem com o adulto e com os demais do grupo usando muito o seu
corpo como ferramenta. A pouca oralidade existente faz com que as crianças se
57
comuniquem com o mundo a partir das suas caras e bocas, gestos diversos e com
muito uso do tato. Elas abraçam o mundo com suas pequenas mãos na busca de se
descobrirem e se criarem ao mesmo tempo.
As cabecinhas viradas com um olhar carinhoso, o balanço dos braços ao
tentar contar uma história, os sorrisos, as mordidas, seus autorreconhecimentos por
meio do espelho e as caras brabas sugerem aos que “não falam essa língua13” um
convite a desvendá-la, compreendê-la e correspondê-la para estabelecer uma
comunicação com os pequenos.
Sobre a oralidade, os estudos realizados permitiram compreender que as
crianças
as
têm
desde
seus
primeiros
momentos
de
vida,
porém,
até
aproximadamente seus 6 meses de vidas, ela acontece involuntariamente. Os
gritinhos e balbucios nessa fase fazem parte da descoberta do bebê sobre a
existência da sua fala e audição.
Depois dos 6 meses, os bebês já tomam consciência de que o som que
escutam é emitido por eles e, então, começam a brincar incansavelmente com sua
voz, desenvolvendo sua linguagem e seu pensamento. Os sons emitidos já sugerem
uma comunicação com sentido e objetivos e seus choros se diferenciam de acordo
com o que desejam no momento.
Logo, a criança começa a entender as dimensões do seu corpo e passa a
usar sua oralidade em conjunto com sua linguagem corporal para dizer o que quer e
o que não quer, o que gosta e o que não gosta, apontando para objetos, chorando
de diferentes formas e estabelecendo uma ampla comunicação que se desenvolverá
continuamente.
No grupo observado, o incentivo de toda essa comunicação é praticado a
todo o momento. As professoras dialogam constantemente com as crianças do
grupo e entendem perfeitamente todas as suas manifestações. Essa intimidade de
relação é muito importante para o bom desenvolvimento dessas linguagens, pois os
pequenos precisam se sentir à vontade e seguros para se expressarem.
Isso comprova também o respeito, o carinho e a atenção com que as
professoras da instituição tratam as crianças, estando sempre atentas às suas
necessidades físicas, comportamentais e emocionais.
O NDI considera importante uma prática que consista no desenvolvimento
13
Referência ao trabalho de Schmitt (2008) “Mas eu não falo a língua deles...”.
58
integral das crianças. Neste espaço, as crianças têm a sua disposição a música, as
brincadeiras, os ambientes propostos e bem planejados, contado com diferentes
culturas, o uso da fantasia, que lhes oportunizam as mais variadas formas de se
expressarem, interagirem, se comunicarem, descobrirem e criarem o seu mundo.
Portando, pesquisar as linguagens dos bebês em seus variados aspectos
permite oportunizar para a sociedade e o corpo docente desta instituição (não
somente) o entendimento de que a prática pedagógica para com os bebês deve
consistir na preocupação de seu desenvolvimento integral. Considerando que esses
pequenos são seres de direitos, e que estes precisam ser respeitados e
compreendidos. E, disponibilizando-se a escutá-los, pode-se surpreender com como
eles se comunicam com propriedade, intencionalidade e objetividade, permitindo
uma troca de aprendizado constante.
59
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62
ANEXOS
ANEXO A
PLANO POLÍTICO PEDAGÓGICO DO NÚCLEO DE DESENVOLVIMENTO
INFANTIL – NDI
63
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA
CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS DA
EDUCAÇÃO NÚCLEO DE DESENVOLVIMENTO
INFANTIL
SÍNTESE do PROJETO POLÍTICO
PEDAGÓGICO¹
[...] tomar a criança como ponto de partida exigiria
compreender que para ela, conhecer o mundo
envolve o afeto, o prazer e o desprazer, a fantasia, o
brinquedo e o movimento, a poesia, as ciências, as
artes plásticas e dramáticas, a linguagem, a música e
a matemática (KUHLMANN JR, 1999).
1–INTRODUÇAO
O presente documento tem por finalidade estabelecer em linhas gerais
os fundamentos teóricos, os objetivos e os encaminhamentos metodológicos
para o desenvolvimento do trabalho pedagógico com crianças de 0 a 6 anos do
Núcleo de Desenvolvimento Infantil.
Atualmente o NDI, atende 242 crianças2 de 3 meses a 5 anos e 11 meses3
divididas em 20 turmas, nos períodos matutino e vespertino. Este atendimento é
realizado por docentes com nível superior, alguns com Mestrado e Doutorado e
outros em formação de Especialização, Mestrado e Doutorado. Além das
atividades de Ensino os professores também realizam atividades de Pesquisa e
Extensão. Realiza-se ainda, nesta instituição estágios dos mais diferentes Cursos
de Graduação (Pedagogia, Educação Física, Psicologia, Nutrição, Agronomia,
1
Esta síntese foi elaborada em 2007. O Projeto Político Pedagógico completo encontra-se
disponível, para consulta, no NDI.
2
O Núcleo de Desenvolvimento Infantil atende até o momento crianças oriundas da
Comunidade Universitária, são filhos de docentes, técnicos administrativos e estudantes, que
ingressam na instituição por meio de sorteio, com percentuais determinados para cada uma
das categorias acima citadas.
3
Com o ensino fundamental tendo sido ampliado para 9 anos, foi necessário uma adequação
da faixa-etária atendida pela educação infantil, razão pela qual o NDI extinguiu os Grupos 7 já
que as crianças que completam seis anos após o dia 31 de março devem automaticamente se
matricular no 1ª ano do ensino fundamental.
64
entre outros) efetivando-se como espaço de experimentação pedagógica e
contribuindo na formação e qualificação de profissionais.
Faz-se mister explicitar com clareza os princípios teóricos e práticos
que estarão norteando o trabalho pedagógico desta instituição, para tal,
primeiramente delineia-se os fundamentos que estarão subsidiando as
práticas docentes tendo-se buscado para compô-lo, principalmente, elementos
oriundos da antropologia, sociologia e psicologia. Em seguida especificam-se
as metas e objetivos que estarão balizando estas práticas e as orientações
metodológicas.
2–FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A educação infantil vem, historicamente, desenvolvendo suas práticas
pedagógicas orientada, principalmente, pelos estudos oriundos da psicologia.
Nas últimas décadas, com o aprofundamento de pesquisas e estudos produzidos
na área, entre outras questões, várias críticas foram feitas ao que se considerou
uma excessiva “psicologização” da criança; crítica que se consubstancia
sobretudo a partir da fragilidade verificada na própria compreensão e
aprofundamento das diferentes correntes teóricas no interior da própria
psicologia por parte dos professores.
Uma tendência que vem se consolidando na área da educação infantil
busca
dialogar
com
outros
campos
de
conhecimento,
notadamente
a
antropologia e a sociologia, além da história e da filosofia. A contribuição destes
estudos vem trazendo para a educação infantil subsídios que possibilitam
avançar e refinar o conhecimento sobre a criança e a infância tornando possível
desenvolver novas metodologias de trabalho pedagógico com as crianças
pequenas.
A antropologia é um ramo do conhecimento que se firmou no final
do século XIX e começo do século XX como a ciência social responsável pelo
estudo de outras sociedades e culturas. Essa definição tornou-se menos precisa
no decorrer do século passado e, contemporaneamente, os antropólogos
passaram a se interessar pelo estudo de nossa própria sociedade estudando
65
fenômenos sociais que nos são próximos. Dessa forma, “uma antropologia da
criança pode ser desde aquela que analisa o que significa ser criança em
outras culturas e sociedades até aquela que fala das que vivem em um grande
centro urbano” (COHN, p. 8, 2005).
Segundo Cohn (2005, p. 9) a maior contribuição que a antropologia pode
nos fornecer é de um modelo analítico que permite entender a criança por si
mesma, permitindo escapar de uma imagem negativa na qual se fala mais de
outras coisas e menos das crianças, como por exemplo, a corrupção do homem
pela sociedade ou o valor da vida em sociedade.
A etnografia é um método oferecido pela antropologia que tem sido
apropriado pelos estudos desenvolvidos em diversas áreas, sobretudo nas
pesquisas realizadas com crianças, pois “permite observar diretamente o que
elas fazem e ouvir delas o que têm a dizer sobre o mundo”.
Na última década a sociologia vem também oferecendo uma importante
contribuição para os estudos sobre a criança; contribuição que vai constituir os
primeiros elementos de uma sociologia da infância.
Esta sociologia se opõe a uma concepção de infância construída como
objeto sociológico reconstruído através de seus dispositivos institucionais,
como por exemplo, a escola, a família e a justiça, onde a criança é
considerada como um simples objeto passivo (SIROTA, 2001, p. 9).
Propõe que a infância não seja considerada simplesmente como um
momento precursor, mas como um componente da cultura e da sociedade, pois
a infância possui uma especificidade própria e ainda que se situe como uma das
idades da vida sua forma estrutural jamais desaparece, não obstante seus
membros mudem constantemente. As crianças devem ser consideradas como
sujeitos em sentido pleno e não simplesmente como seres em devir, elas são ao
mesmo tempo produto e produtores dos processos sociais (SIROTA, 2001, p. 19).
Tanto os estudos provenientes da antropologia quanto da sociologia da
infância vêm exercendo uma expressiva influência na produção do conhecimento
sobre a criança e a infância refletindo, consequentemente, em diferentes
aspectos da prática pedagógica.
É importante salientar também que as conquistas legais concretizadas
66
preponderantemente no final da década de 1980 consubstanciadas através do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), da Constituição Federal e mais
recentemente com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN),
concomitante a emergência de novos campos de estudos sobre a criança e a
infância, redundaram, sobretudo, em uma concepção de criança como ser social
e sujeito de direitos.
Estas questões vêm suscitando os educadores a repensarem suas práticas
reconhecendo a necessidade de considerar cada criança como sujeito concreto,
respeitando-as em suas singularidades, procurando compreendê-las, atentando
para suas idiossincrasias pessoais, ouvindo o que cada uma tem para dizer.
Atentos a estas discussões, os profissionais do Núcleo de Desenvolvimento
Infantil vêm buscando orientar suas práticas pedagógicas tendo como uma de
suas bases fundamentais a concepção da criança como sujeito de direito, como
ser social, respeitando a infância como o tempo de ser criança devendo ser
vivido em sua plenitude. Não obstante tais considerações, é importante
esclarecer que não é possível desconsiderar que as contribuições oriundas da
psicologia são fundamentais para compreender como as crianças aprendem e se
desenvolvem e que aliada a outros campos do conhecimento, ela oferece um
aporte teórico imprescindível para a objetivação das práticas educativas.
Nesse sentido reafirma-se a psicologia sócio-histórica como basilar para
fundamentar a compreensão dos educadores sobre o desenvolvimento infantil
sem, contudo, reduzir esta compreensão em explicações baseadas em modelos
mecanicistas ou modelos organicistas.
Esta psicologia teve início com as obras de Vigotski (1896-1934) e formou
uma corrente teórica que vem sendo chamada de “Escola soviética”. Vários
autores inscritos nesta corrente teórica, através de seus estudos e pesquisas,
oferecem conhecimentos essenciais para a compreensão da formação do
psiquismo humano numa perspectiva historicizadora possibilitando superar a
visão idealista do desenvolvimento psicológico. Destacam-se aqui os estudos
feitos por Elkonin e Leontiev que demonstraram que é possível visualizar estágios
de desenvolvimento do ser humano, sendo que cada estágio é caracterizado por
uma relação determinada, por uma atividade principal. A atividade principal
67
desempenha a função central na forma de relacionamento do ser com a
realidade.
É por meio destas atividades principais que a criança relaciona-se com o
mundo, e em cada estágio formam-se nela necessidades especificas em termos
psíquicos (FACCI, 2006, p. 13).
Os principais estágios do desenvolvimento pelos quais os sujeitos passam
são, segundo Elkonin (ELKONIN, 1998, pp. 207-216): comunicação emocional do
bebê; atividade objetal manipulatória; jogo de papéis; atividade de estudo;
comunicação íntima pessoal e atividade profissional/estudo.
Limitar-se-á, para os objetivos deste projeto, a especificar mais
detalhadamente àqueles estágios correspondentes a faixa-etária entre 0 a 6 anos,
por ser esta a idade das crianças que frequentam o Núcleo de Desenvolvimento
Infantil.
A comunicação emocional direta dos bebês com os adultos é a atividade
principal desde as primeiras semanas de vida até mais ou menos a idade de um
ano. O choro, o sorriso, o balbucio são formas de comunicação social. Para
Vigotski, há no primeiro ano de vida uma sociabilidade totalmente específica e
peculiar devido a uma situação social de desenvolvimento única e que é
determinada por dois momentos fundamentais: a total incapacidade biológica da
criança, pois ela é incapaz de satisfazer quaisquer uma das suas necessidades
básicas de sobrevivência; e a necessidade da criança de estabelecer uma
comunicação máxima com os adultos, embora esta comunicação seja uma
comunicação sem palavras, muitas vezes silenciosa, uma comunicação de gênero
totalmente peculiar. Portanto, “o desenvolvimento do bebê no primeiro ano
baseia-se na contradição entre a máxima sociabilidade (devido a situação em
que se encontra) e suas mínimas possibilidades de comunicação” (VIGOTSKI,
apud FACCI, 2006, p. 14).
No segundo ano de vida a atividade principal passa a ser a objetalinstrumental. A comunicação emocional dá lugar a uma colaboração prática,
onde por intermédio da linguagem a criança mantém contato com o adulto e
aprende a manipular os objetos criados pelos seres humanos organizando a
comunicação e a colaboração com os adultos. Nesta etapa a linguagem tem um a
68
função auxiliar que ajuda a criança a compreender e assimilar os procedimentos,
socialmente elaborados, de ação com os objetos (FACCI, 2006).
É importante destacar que nos três primeiros anos de vida, o
desenvolvimento infantil é profundamente marcado por reações emocionais e
sentimentos. Como afirma Martins (2006, p. 34),
Os sentimentos da criança na primeira infância são intensos,
porem instáveis, diretamente dependentes da situação
experienciada. Ela extrai suas vivencias emocionais das relações
que estabelece com adultos e crianças que a rodeiam,
transpondo-as para tudo que faz, em especial para suas atividades
lúdicas com os objetos.
Na sequência, no período entre três e seis anos, a atividade principal
passa a ser o jogo ou a brincadeira. A partir dela, a criança apropria-se do
mundo concreto dos objetos humanos, por meio da reprodução das ações
realizadas pelos adultos com esses objetos. As brincadeiras das crianças não
são instintivas e o que determina seu conteúdo é a percepção que a criança tem
do mundo dos objetos humanos. O principal significado do jogo é permitir
que a criança modele as relações entre as pessoas. Possibilita também que
a criança possa fazer suas primeiras abstrações, pois na brincadeira ela pode
realizar ações e resolver a contradição entre a necessidade de agir e a
impossibilidade de executar as operações exigidas pela ação. Segundo Leontiev
(1998, p. 125),
[...] sabemos como o brinquedo aparece na criança em idade préescolar. Ele surge de sua necessidade de agir em relação não
apenas ao mundo dos objetos diretamente acessíveis a ela, mas
também em relação ao mundo mais amplo dos adultos. Uma
necessidade de agir como um adulto surge na criança, isto é, de
agir da maneira que ela vê os outros agirem, da maneira que lhe
disseram, e assim por diante. Ela deseja montar um cavalo,
mas não sabe como fazê-lo; isto está além de sua capacidade.
Ocorre, por isso, um tipo de substituição; um objeto pertencente
ao mundo dos objetos diretamente acessíveis a ela toma o lugar
do cavalo em suas brincadeiras.
A brincadeira de papéis incita na criança novas demandas, pois pouco-apouco, não basta para ela apenas fazer-de-conta àquilo que os adultos fazem, e,
como afirma Martins, “torna-se necessário saber aquilo que os adultos
sabem”, dessa forma,
69
O interesse pela construção dos saberes
historicamente
sistematizados expresso pela vasta curiosidade infantil, pela busca
de explicações verdadeiras, pelos questionamentos sobre os
fenômenos físicos e sociais, etc., são as mais vivas formas de
manifestação da linha acessória do desenvolvimento do
pré- escolar [...] (MARTINS, 2006, p. 42).
Fatores globais do desenvolvimento psíquico, tais como, a memória, a
atenção, a linguagem, o pensamento, a imaginação e o sentimento estão
relacionados diretamente com o desenvolvimento da brincadeira de papel, ou
seja, esta desempenha funções imprescindíveis em todo o desenvolvimento da
criança passando pelo desenvolvimento da consciência e o desenvolvimento
afetivo-emocional até o desenvolvimento de capacidades e traços de caráter e a
própria formação moral.
Existem relações complexas entre o desenvolvimento e a aprendizagem
da criança. Vigotski (1984), identificou dois níveis de desenvolvimento:
o
primeiro é o nível denominado de real ou efetivo e constitui-se pelas funções
psicológicas já efetivadas; o segundo é o nível de desenvolvimento próximo e se
define como aquelas funções que estão em vias de amadurecer podendo ser
identificadas por meio de solução de tarefas com o auxílio do adulto e outras
crianças mais experientes.
Nesse sentido, o ensino deve incidir sobre o segundo nível, pois a zona de
desenvolvimento próximo tem um valor mais direto para a dinâmica da instrução
do que o nível atual de desenvolvimento. Portanto, neste processo, o professor
tem um papel destacado enquanto mediador entre a criança e o conhecimento
produzido e acumulado historicamente pela humanidade, cabendo a ele intervir
na zona de desenvolvimento próximo da criança conduzindo a prática
pedagógica (FACCI, 2006, p. 23).
Partindo destes fundamentos, destaca-se a importância de:
- ver cada criança como sujeito do processo de ensino/aprendizagem e,
consequentemente, respeitá-la como “ser que é” e não apenas como um “vir-aser”;
- levar em consideração as especificidades próprias da infância,
considerando também a importância dos diferentes momentos vividos pelas
crianças em seu desenvolvimento, dependendo de sua faixa-etária;
70
- reconhecer que a criança, como ser social, é também produtora e
reprodutora da cultura e para tal é fundamental que se aproprie dos
conhecimentos produzidos e acumulados historicamente pela humanidade;
- reconhecer que o papel da escola reside na transmissão-assimilação de
conhecimentos;
- reafirmar a importância do papel do professor como mediador do
processo de ensino/aprendizagem;
3 – OBJETIVOS
3.1 Objetivos Gerais
•
Reconhecer a criança como ser social e sujeito de direitos;
•
Possibilitar as
crianças o
acesso
aos
conhecimentos produzidos
historicamente pela humanidade.
3.1 Objetivos Específicos
•
Auxiliar a criança (0 a 3) a compreender a ação dos objetos tendo a
linguagem oral como campo mediador;
•
Oferecer conhecimentos que enriqueçam e ampliem as brincadeiras
de papéis sociais;
•
Estimular na criança o respeito ao outro – adulto/criança;
•
Proporcionar as crianças ambientes estimulantes, aconchegantes e
seguros;
•
Desenvolver a curiosidade, imaginação e capacidade de expressão;
•
Propiciar condições favoráveis e seguras que oportunizem as crianças
movimentar-se livremente;
•
Proporcionar vivências que suscitem compreender a importância do
equilíbrio ambiental e do respeito à natureza.
4 – ENCAMINHAMENTOS METODOLÓGICOS
Delineados os pressupostos teóricos e os objetivos que estarão norteando
o trabalho pedagógico desenvolvido com as crianças que frequentam o Núcleo
71
de Desenvolvimento Infantil é importante esclarecer que, a partir destas bases,
os professores estarão desenvolvendo projetos pedagógicos específicos para a
faixa-etária com a qual trabalham.
Ressalte-se que embora não se tenha a intenção de estabelecer práticas
compartidas, vimos que não é possível desconsiderar as diferenças flagrantes
entre o desenvolvimento, por exemplo, de um bebê e de uma criança de cinco
anos. Como afirma Kuhlmann Jr. (1999, p. 64), “se o bebê está distante dos
conceitos científicos [...], também a criança de cinco ou seis anos está distante do
que foi quando bebê”.
Considerando as diferenças básicas existentes no período entre zero e seis
anos no desenvolvimento infantil, os projetos pedagógicos para cada faixa-etária
estarão estabelecendo objetivos e definindo atividades específicas a serem
desenvolvidas com cada grupo de trabalho que, por sua vez, serão retomadas
com minudência no planejamento diário de cada professor.
4.1 – Avaliação
Para efetivar a avaliação o professor terá como base fundamental as
referências
indicadas
pela
psicologia
para
referendar
o
nível
de
desenvolvimento e aprendizagem adequado à faixa-etária. É importante
ressaltar que cada criança é avaliada individualmente e tomam-se as
referências apenas como base geral, pois há vários fatores que influenciam o
desenvolvimento infantil e não deve-se padronizar de maneira a cristalizar as
possibilidades de trabalho e muito menos fazer comparações que podem
prejudicar a própria criança que está sendo avaliada.
A avaliação das crianças é feita também em acordo com o projeto
pedagógico elaborado para os diferentes grupos de crianças, levando em conta
os acontecimentos/situações vividas pelo grupo. Pauta-se na realidade, a partir
da observação e da reflexão teórica (registro) daquilo que se propôs ao grupo
considerando evidentemente cada criança individualmente. A avaliação também
leva em consideração as propostas para o grupo e as respostas dadas pelas
crianças de acordo com o nível de desenvolvimento que se encontram tanto
coletiva quanto individualmente.
72
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VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. São Paulo; Martins Fontes, 1984.
73
ANEXO B
CARTA DE RESPONSABILIDADE DE REVISÃO ORTOGRÁFICA
74
APÊNDICE
Carta de apresentação no campo