gestos, expressões e oralidades, 2013. 75 f. TCC (Graduação)
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gestos, expressões e oralidades, 2013. 75 f. TCC (Graduação)
PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE SÃO JOSÉ CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ CURSO DE PEDAGOGIA GEOVANNA SANTOS A LINGUAGEM DOS BEBÊS: Gestos, expressões e oralidades. São José 2013 PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE SÃO JOSÉ CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ CURSO DE PEDAGOGIA GEOVANNA SANTOS A LINGUAGEM DOS BEBÊS: Gestos, Expressões e Oralidades. Trabalho elaborado para a disciplina de Conclusão de Curso (TCCII) do Curso de Pedagogia, como requisito parcial para curso de graduação em Pedagogia do Centro Universitário Municipal de São José – USJ. Orientadora: Profª. Ms. Arlete de Costa Pereira São José 2013 GEOVANNA SANTOS A LINGUAGEM DOS BEBÊS: Gestos, Expressões e Oralidades. Trabalho de Conclusão de Curso elaborado como requisito parcial para obtenção do grau de licenciada em Pedagogia do Centro Universitário Municipal de São José – USJ –, avaliado pela seguinte banca examinadora: BANCA EXAMINADORA ________________________________________________________ Profª. Ms. Arlete de Costa Pereira Orientadora- USJ _________________________________________________________ Profº. Dr. Adilson De Ângelo (UDESC) _________________________________________________________ Profª. Ms. Andréia Titon (USJ) São José, 25 de junho de 2013. Dedico meu trabalho para meu amado marido, pois sem ele eu não teria iniciado esta jornada. AGRADECIMENTOS A construção deste trabalho só se tornou possível pelo apoio e ajuda recebidos direta e indiretamente de pessoas muito importantes na minha vida que me incentivaram a superar os momentos difíceis e não me deixaram desistir dessa caminhada. Primeiramente, agradeço a Deus por me iluminar e me acompanhar sempre, e principalmente por colocar meu marido em minha vida. Ao meu príncipe e marido Anderson Athos Gotz, pois foi por sua insistência que entrei na universidade, e em todos os momentos ele esteve comigo sem me deixar desistir. À pessoa que me ensinou a lutar sempre e desistir nunca, minha super e maravilhosa mãe, Maria Aparecida Santos, a quem devo tudo o que sou e em que acredito. À minha irmã amada, Bianca Santos, a quem tenho como exemplo de superação das dificuldades da vida e que me ajudou diretamente na construção deste trabalho. Aos meus demais familiares que sempre me julgaram capaz e comemoraram comigo todas as vitórias dessa conquista. À minha querida afilhada, Olga Guimarães Rosa, que ainda não entende a importância de um trabalho como este, pois tem apenas três anos de idade, mas que renova minhas energias a cada encontro e abraço apertado. Aos meus amigos, em especial à Ana Carolina Silva e ao Leandro Silva, por me lembrarem o tempo todo que eu não poderia ‘deixar a peteca cair’. À minha orientadora, Profª. Ms. Arlete de Costa Pereira, que aturou meus desesperos de forma majestosa, enfatizando sempre meu potencial, com toda sua inteligência e dedicação. Ao Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI-UFSC), por abrir as portas para minha pesquisa de forma tão calorosa. À minha amiga e parceira de turma, Amanda da Silva Vieira, pela parceria em toda jornada acadêmica, nos estágio, projetos e trabalhos acadêmicos. E, por fim, à Teltec Solutions e a todos os meus colegas de trabalho, que me apoiaram e acreditaram no sucesso deste trabalho. Não há saber mais ou saber menos, há saberes diferentes. Paulo Freire RESUMO O presente trabalho é o resultado de uma pesquisa de campo sobre as diferentes linguagens dos bebês, que teve como objetivo principal compreender as diferentes linguagens e expressões utilizadas por eles para se comunicarem, a partir das interações sociais que estabelecem com outras crianças e com adultos no cotidiano da Educação Infantil, realizada com um grupo de bebês de 1 ano a 1 ano e 11 meses de vida, no Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI1), localizado no campus da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis. Com uma abordagem de cunho qualitativo, que proporcionou resultados consistentes que responderam com rigor a problemática, a pesquisa teve como ferramenta para o seu desenvolvimento observações, fotografias, vídeos, embasamento teórico e diário de campo. Como apoio teórico para a pesquisa, referenciou-se autores como Maria Carmem Barbosa (2012), Daniela Guimarães (2008), Izabel Galvão (1995) e Altno José Martins Filho (2005). Pelas observações realizadas em dez encontros, ficou evidente na prática pedagógica o uso de diferentes formas de linguagens nos trabalhos com os bebês, respeitando-os em suas individualidades e os estimulando de forma amorosa e respeitosa, priorizando o desenvolvimento integral deles. Palavras-chave: Bebês. Linguagens. Gestos. Oralidades. Educação Infantil. 1 A instituição permitiu que fosse divulgado seu nome na pesquisa. SUMMARY This work reflects the results of a field survey on the different languages of the babies, as a main objective sought to understand the different languages and expressions used by them to communicate, from the social interactions they establish with other children and adults, the daily kindergarten, conducted with a group of babies from a year to a year and eleven months, at Center for Child Development - NDI2, in Florianopolis on Federal University of Santa Catarina´s campus. A qualitative approach was used to provide consistent results and accuracy answers that research the problem. As a development tool for the research, we used observations, photographs, videos, theoretical and field diary. To support the theory for the research we had referenced some authors like Maria Carmen Barbosa (2012), Daniela Guimarães (2008), Izabel Galvão (1995) and José Altino Matins Son (2005). It became evident through the observations made during the ten meetings in pedagogical practice that they use of different languages in the work with babies, respecting them in their individuality, and encouraging them in a loving and respectful prioritizes the integral development of children.. Keywords: Babies. Different languages. Early Childhood Education. 2 The institution has allowed his name to be used in the research. LISTAS DE IMAGENS Imagens 1 – Valentina brinca com a caixa de jogos na cabeça. ........................ 28 Imagem 2 – Caio jogando capoeira no gramado da UFSC. ............................... 29 Imagem 3 – Lis anda, canta e interage com o grupo. ........................................ 32 Imagem 4 – "O espelho"..................................................................................... 33 Imagem 5 – Davi tenta moder o espelho, mas fica surpreso ao ver seu reflexo 35 Imagem 6 – Valentina se namorando no espelho .............................................. 36 Imagem 7 – Mateus e Henrique disputam brinquedo e Mateus morde Henrique38 Imagem 8 – Caio tenta morder a cabeça de Mateus.......................................... 40 Imagem 9 – Caio brinca, morde a Bia e depois sai imitando um monstro .......... 41 Imagem 10 – Caio embala a boneca como se estivesse a fazendo dormir ....... 42 Imagem 11 – Caio pula da beirada da piscina de bolinha .................................. 43 Imagem 12 – Caio brinca com criança do outro grupo balbuciando para interagir ........................................................................................................................... 43 Imagem 13 – Caio faz "charme" depois que a professora chama sua atenção . 44 Imagem 14 – Antônia interpreta a música da "pulguinha" e depois dança a da "casinha" ............................................................................................................ 45 Imagem 15 – As crianças cantando e interpretando a música de costume da hora do lanche.................................................................................................... 47 Imagem 16 – Crianças de grupos variados interagem no pátio através de uma roda de música ................................................................................................... 49 Imagem 17 – "As primeiras palavras" - In: TONUCCI, 1997, p.32 ..................... 50 Imagem 18 – Antonia pede a música da "casinha" para bolsista e Mateus aparece para acompanhar ................................................................................. 51 Imagem 19 – Caio briga comigo sem motivo, fazendo com cara de brabo dá dá dá dá! ................................................................................................................. 52 Imagem 20 – Antonia, Natalia e Bia brincam com legos e conversam, enquanto Caio observa e depois decide se juntar ............................................................. 53 Imagem 21 – Caio segue observando a brincadeira, mas sem interferir ........... 54 Imagem 22 – Caio interroga Valentina: “Dá?!” como se pedisse para ela entregar para ele o bicho de pelúcia................................................................................. 55 Imagem 23 – As crianças riem muito e se divertem com a professora na piscina de bolinhas ......................................................................................................... 55 LISTA DE ABREVIATUDAS CEI – Centro de Educação Infantil CED – Centro de Ciências da Educação DCNEI – Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil NDI – Núcleo de Desenvolvimento Infantil RCNEI – Referencial Curricular para a Educação Infantil UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina USJ – Centro Universitário Municipal de São José SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 12 1.1 JUSTIFICATIVA ........................................................................................... 14 2 APROFUNDAMENTO TEÓRICO SOBRE OS ESTUDOS COM OS BEBÊS E SUAS LINGUAGENS ........................................................................................ 16 2.1 PESQUISAS SOBRE BEBÊS ....................................................................... 16 2.2 DEFININDO LINGUAGEM............................................................................ 19 2.3 A LINGUAGEM DOS BEBÊS........................................................................ 20 3 CAMINHOS METODOLÓGICOS.................................................................... 23 4 CARACTERIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO E QUEM SÃO SO SUJEITOS DA PESQUISA?....................................................................................................... 25 5 APRESENTAÇÃO E ANÁLISES DOS RESULTADOS DA PESQUISA ........ 26 5.1 AS LINGUAGENS DO CORPO .................................................................... 26 5.1.1 As caras e bocas no espelho ................................................................. 33 5.1.2 As mordidas do Caio............................................................................... 36 5.1.3 A música como ferramenta no desenvolvimento da linguagem ......... 44 5.2 ORALIDADES: POUCAS PALAVRAS, MUITOS SIGNIFICADOS ................ 50 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 56 REFERÊNCIAS .................................................................................................. 59 ANEXOS ............................................................................................................ 62 APÊNDICE ......................................................................................................... 74 12 1 INTRODUÇÃO Os bebês são considerados sujeitos importantes? Quando eles começam a ser valorizados? Eles se comunicam? De que forma entendemos os meios de comunicação deles? Podemos chamá-los de linguagens? A escolha do tema deste Trabalho de Conclusão do Curso de Pedagogia do Centro Universitário Municipal de São José (USJ) partiu da necessidade de desvendar as linguagens dos bebês e, assim, ampliar as possibilidades de se estabelecer uma comunicação e interação mais próximas com eles, e também compreender as interações deles com o mundo. Durante muito tempo, não houve grande preocupação acerca de estudos sobre bebês. A atuação pedagógica com os pequenos não exigia muito além do cuidado com sua saúde, higiene, alimentação e sua proteção. Uma visão de atendimento assistencialista que desconsiderava o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social. As habilidades dos pequenos não eram observadas com um olhar apurado, com vistas ao seu desenvolvimento integral. Não se pensava na necessidade de comunicação dos bebês e em suas múltiplas linguagens e, até hoje, a prática pedagógica com, e para os bebês é ainda um grande desafio, muitas vezes desvalorizada perante as demais práticas pedagógicas. Segundo Oliveira (1997, p.7), [...] muitos educadores veem a infância apenas como período de carências, dado que as maneiras próprias da criança agir e interagir não são levadas a sério. Submetidas desde cedo às imposições dos adultos, ou paparicadas e deixadas à deriva em seu desenvolvimento, deixam as crianças pequenas de contar com um ambiente organizado e estruturador daquele desenvolvimento. Foi somente a partir da Constituição Federal de 1988 que os bebês receberam um espaço garantindo seu direito à educação, ou seja, a escola não seria mais somente assistencialista, mas deveria seguir uma concepção também pedagógica. A ideia desta pesquisa surgiu da necessidade, observada em estágio, de estreitar a relação com os bebês que ainda não falam, mas se utilizam de outras 13 formas de expressão, a fim de compreender suas diferentes linguagens e estratégias de comunicação que se fazem presentes nas relações sociais por eles construídas. Essas relações abrangem aspectos culturais, históricos, de gênero e de geração, nos quais os bebês estão inseridos e desenvolvem diferentes formas de comunicação ou linguagens. Durante a experiência de estágio, vivenciada no decorrer da sexta fase deste curso, percebeu-se como ainda se tem muito conhecimento a adquirir e construir para compreender, de forma mais completa e abrangente como se comunicar com os bebês e, então, identificar propostas e possibilidades de atuação possíveis que podem se dar na Educação Infantil, no âmbito do desenvolvimento da linguagem dos bebês. Apesar do grande avanço que já se tem em pesquisas sobre a educação de bebês, ainda é possível observar, na prática, a falta de aprofundamento teórico por parte de docentes que atuam com esta faixa etária, o que reflete, muitas vezes, numa educação superficial, que não explora todo o potencial destes pequenos sujeitos. O documento de revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Infantil, aprovado em 11 de novembro de 2009 afirma que O conhecimento científico hoje disponível autoriza a visão de que desde o nascimento a criança busca atribuir significado a sua experiência e nesse processo volta-se para conhecer o mundo material e social, ampliando gradativamente o campo de sua curiosidade e inquietações, mediada pelas orientações, materiais, espaços e tempos que organizam as situações de aprendizagem e pelas explicações e significados a que ela tem acesso [...] O período de vida atendido pela Educação Infantil caracteriza-se por marcantes aquisições: a marcha, a fala, o controle esfincteriano, a formação da imaginação e da capacidade de fazer de conta e de representar usando diferentes linguagens. (BRASIL, Parecer CNE/CEB nº 20/2009 p. 7). Para isso, é preciso um entendimento teórico, aprofundado, que subsidie mudanças nas práticas pedagógicas. De acordo com Barbosa (2010), A tarefa dessa pedagogia da pequeníssima infância é articular os campos teóricos: o do cuidado e da educação, procurando que cada ato pedagógico, cada palavra proferida tenha significado, tanto no contexto do cuidado – como ato de atenção àquilo que temos de humano e singular – como de educação, processo de inserção dos seres humanos, de forma crítica, no mundo existente. (p. 6) 14 1.1 JUSTIFICATIVA Nos últimos anos, os bebês têm sido sujeitos de várias pesquisas. Isto porque, durante muito tempo, seus direitos foram negligenciados. Não havia grande preocupação com essa faixa etária quando se falava em educação. Tradicionalmente, o trabalho com os bebês girava em torno de higiene, cuidado e proteção, esquecendo-se das outras dimensões que constituem o desenvolvimento integral dos bebês. Afinal, o que se sabe sobre a linguagem? Em que fase da vida inicia a comunicação? Os direitos das crianças quanto ao seu desenvolvimento integral está sendo respeitado? Visando responder essas perguntas e ampliar o conhecimento sobre esses pequenos sujeitos de direitos, surge o tema em questão com o propósito de entender como se deve trabalhar para construir algo junto com os bebês, constituindo-os em sua integralidade enquanto sujeitos. A intenção desta pesquisa foi então, a partir de uma análise teórica, responder a alguns questionamentos, que são: 1) Os bebês se comunicam?; 2) De que forma entendemos essa comunicação?; 3) Podemos chamar de linguagens?; 4) Em que fase da vida se inicia a comunicação?; 5) Os direitos das crianças quanto ao seu desenvolvimento integral estão sendo respeitados?; 6) Como entender e ampliar as possibilidades de desenvolvimento das linguagens dos bebês? Partindo desses questionamentos, o presente estudo teve como objetivo principal compreender as diferentes linguagens e expressões utilizadas pelos bebês para se comunicarem, a partir das interações sociais que estabelecem com outras crianças e com adultos no cotidiano da Educação Infantil. Como objetivos específicos, buscou-se aprofundamento acerca do que se sabe sobre o modo de ser e de se desenvolver dos bebês, como é trabalhada a linguagem na Educação Infantil e como é possível entender a ampliar as possibilidades de desenvolvimento das linguagens dos bebês. A pesquisa foi realizada no Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI), pertencente ao Centro de Ciências da Educação (CED), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), localizado em Florianópolis, que tem como características o ensino, a pesquisa e a extensão, o que faz com que o NDI chame a atenção dos 15 olhares de acadêmicos e pesquisadores de diversas áreas, principalmente no que se refere ao desenvolvimento das crianças da Educação Infantil. O grupo pesquisado é formado por oito crianças de 1 ano a 1 ano e 11 meses de vida e, como ferramenta para o desenvolvimento da pesquisa no período de observação, foram utilizados recursos como fotos, vídeos e registros em diário de campo. Dentro do processo de reflexão e análise, utilizou-se uma gama de autores citados neste documento, como Maria Carmem Barbosa (2012), Daniela Guimarães (2008), Izabel Galvão (1995), Altino José Martins Filho (2005), Rosenete Valdeti Schmitt (2008), Maria Clotilde Rossetti Ferreira (2009) e Ângela Scalabrin Coutinho (2002). Autores estes que apresentam ideias relevantes sobre as ações pedagógicas com bebês bem pequenos. As bases teóricas foram organizadas em capítulos e subcapítulos para maior compreensão dos temas abordados. Nos caminhos metodológicos, apresentam-se questões sobre o tipo de pesquisa, a abordagem utilizada, além do detalhamento do espaço de Educação Infantil onde foi realizada a pesquisa. As análises que apresentam o resultado trazem os principais temas observados e refletidos a partir da fundamentação teórica. Por fim, as considerações finais abordam os resultados obtidos com a pesquisa a partir das reflexões acerca do que foi observado e embasado teoricamente. 16 2 APROFUNDAMENTO TEÓRICO SOBRE OS ESTUDOS COM OS BEBÊS E SUAS LINGUAGENS 2.1 PESQUISAS SOBRE BEBÊS As pesquisas e estudos relacionados ao desenvolvimento dos bebês têm se ampliado, e muito, nas últimas duas décadas3. Como resultado destes estudos e pesquisas, já é possível entender que os bebês, em seus processos corporais de aprender, operam de fato uma linguagem. Esta operação se dá por meio da intersecção entre o lúdico e o cognitivo, corpo e pensamento. E esse entendimento vem se estendendo ao longo das últimas décadas, levando-se em conta o crescente interesse de diversas áreas do conhecimento (Psicologia, Pedagogia, Saúde, Economia etc.) por desenvolverem estudos relacionados a essa temática. As próprias mudanças legais na Constituição Federal (1988), Estatuto da Criança e Adolescente (1990) e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (1996), que passaram a reconhecer os direitos das crianças de 0 a 6 anos, exigindo para elas, inclusive, formação específica, embalam esse movimento crescente de estudos. (SCHIMITT, 2008). Do ponto de vista legal, a Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica e tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de 0 a 6 anos de idade em seus aspectos físico, afetivo, intelectual, linguístico e social, complementando a ação da família e da comunidade (LDB, 1996, art. 29). O documento de revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Infantil entende que [...] A criança, centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direitos que se desenvolve nas interações, relações e práticas cotidianas a ela disponibilizadas e por ela estabelecidas com adultos e crianças de diferentes idades nos grupos e contextos culturais nos quais se insere. Nessas condições ela faz amizades, brinca com água ou terra, faz-de-conta, 6 deseja, aprende, observa, conversa, experimenta, questiona, constrói sentidos sobre o mundo e suas identidades pessoal e coletiva, produzindo cultura. [...] Assim, a motricidade, a linguagem, o pensamento, a afetividade e a sociabilidade são aspectos integrados e se desenvolvem a partir das 3 Daniela Guimarães (2008), Altino José Martins Filho (2005), Rosenete Valdeti Schmitt (2008), Ângela Scalabrin Coutinho (2002). 17 interações que, desde o nascimento, a criança estabelece com diferentes parceiros, a depender da maneira como sua capacidade para construir conhecimento é possibilitada e trabalhada nas situações em que ela participa. Isso por que, na realização de tarefas diversas, na companhia de adultos e de outras crianças, no confronto dos gestos, das falas, enfim, das ações desses parceiros, cada criança modifica sua forma de agir, sentir e pensar. (BRASIL, Parecer CNE/CEB nº 20/2009 p. 7). Contudo, entendeu-se também que ainda há muito caminho a se percorrer. Vive-se um tempo de avanços, porém, ainda com muitas questões a serem respondidas. Até então, o cotidiano nos Centros de Educação Infantil, mais especificamente nas creches, trazia propostas adultocêntricas e escolarizadas, em que os bebês, de acordo com Maria Carmem Barbosa (2010), não eram reconhecidos como seres linguageiros, ativos e interativos em suas primeiras aprendizagens de convivência no e com o mundo. Ela afirma que Durante muitos anos os bebês foram descritos e definidos principalmente por suas fragilidades, suas incapacidades e sua imaturidade. Porém, nos últimos tempos, as pesquisas vêm demonstrando as inúmeras capacidades dos bebês. Temos cada vez um maior conhecimento acerca da complexidade da sua herança genética, dos seus reflexos, das suas competências sensoriais e, para além das suas capacidades orgânicas, aprendemos que os bebês também são pessoas potentes no campo das relações sociais e da cognição. Os bebês possuem um corpo onde afeto, intelecto e motricidade estão profundamente conectados e é a forma particular como estes elementos se articulam que vão definindo as singularidades de cada indivíduo ao longo de sua história. Cada bebê possui um ritmo pessoal, uma forma de ser e de se comunicar. (BARBOSA, 2010, p.2). Como antes não se exigiam profissionais com formação para trabalhar com os bebês, também não havia necessidade de pensar sobre questões de linguagens, cognição, desenvolvimento infantil, nem sobre o que permeia tais questões. Atualmente, entende-se que, para trabalhar com bebês, é preciso antes conhecê-los e conhecer as especificidades desta faixa etária, assim como é necessário conhecimentos específicos para trabalhar com educação em outras etapas. Saber quem são esses sujeitos, quais suas necessidades e, principalmente aqui, como e quais linguagens se comunicam. Segundo Daniela Guimarães, [...] hoje a Educação, no campo das práticas e no terreno das políticas públicas, enfrenta um importante desafio: construir propostas para o 18 trabalho com as crianças de 0 a 3 anos, tendo em vista a integração das creches aos sistemas públicos de ensino. Trata-se de delinear princípios que desviem das iniciativas assistencialistas e higienistas tradicionais neste contexto. (2008, p.1). Com o advento dessas pesquisas, que ainda são relativamente poucas, a partir da década de 80 tirou-se o adulto do lugar de centralizador, único motivador e provedor do processo de construção de conhecimento dos bebês. Entendeu-se de uma vez que bebês interagem entre si, além de interagir com os professores e demais adultos, aqui pensando nas creches e não em ambientes familiares, e que essas interações desenvolvem competências. A creche deixa, então, de ser reconhecida como um espaço-depósito para cuidados básicos dos pequeninos, como higiene, sono e alimentação, para reconhecidamente ser um lugar dinâmico de desenvolvimento de novos saberes. (SCHMITT, 2008). Barbosa contribui, indagando que [...] As concepções contemporâneas sobre os bebês, a infância, a aprendizagem e a educação encaminham para a compreensão de um currículo que vislumbre o desenvolvimento integral de crianças nas suas dimensões: expressivo-motora, afetiva, cognitiva, linguística, ética, estética e sociocultural compreendendo as crianças em sua multiplicidade e indivisibilidade. (2010, p.2) Para Coutinho (2002), há que se considerar todo o aparato sociocultural no qual o bebê está inserido em suas manifestações de comunicação – LINGUAGEM. “Suas expressões decorrem da relação com a cultura [...] que a sociedade disponibiliza para elas” (p.105). Ou seja, a responsabilidade de um ambiente de Educação Infantil vai além dos cuidados com as necessidades básicas dos bebês. Schmitt (2008) aponta em sua dissertação pesquisas em várias vertentes encontradas com foco na educação de bebês – desenvolvimento infantil – e conclui que há uma “[...] tensão entre as ações de cuidar e de educar.” (P.49). Há vários estudos relacionados por ela que apontam para o desenvolvimento como um processo evolutivo; que concentram ainda no professor a responsabilidade maior sobre uma interação produtiva, não considerando a inter-relação bebê-bebê; que destacam o momento da alimentação e das técnicas usadas para esse fim como intervenção para o desenvolvimento; que urgem pela especificidade profissional 19 para bebês indicando a importância do adulto nesse processo de desenvolvimento; que indicam a área da saúde também como centro de desenvolvimento infantil (por exemplo, o desenvolvimento auditivo e o entendimento dos educadores sobre a importância da conversação); que sugerem, ainda na área da saúde, a importância do conhecimento sobre como se dá o desenvolvimento infantil; que referem a importância do tempo de adaptação e a frequência do bebê no ambiente institucional; entre outras. A autora conclui, e este prévio estudo corrobora, que ainda é a partir da visão adultocêntrica que se encaminham muitas das pesquisas encontradas acerca do desenvolvimento dos bebês. Nos poucos estudos encontrados com crianças efetivamente pesquisadas, estas estavam na faixa etária de 1 ano. Ela destaca que encontrou o registro de apenas dois estudos com pesquisas com crianças mais novas que isso. Todo esse levantamento de referencial teórico reforça, para este estudo proposto, a necessidade de se desenvolver uma pesquisa centrada nos bebês, o interesse de se investigar a educação dessa faixa etária, percebendo-os como sujeitos sociais que se relacionam entre si utilizando-se de linguagens diversas, considerando-se, enfim, as inter-relações estabelecidas por eles no contexto da educação infantil. 2.2 DEFININDO LINGUAGEM Para Noam Chomsky (1998), linguista, filósofo, cientista, historiador, crítico político e professor, a linguagem é competência inata de todo falante para produzir, compreender e reconhecer a estrutura de toda sua língua materna. Tal teoria, adotada hoje pelas academias como norteadora de estudos linguísticos, veio contrapor o estruturalismo behaviorista (estímulo-resposta), no qual se entendia que a linguagem era algo aprendido por imitação, adestramento, desconsiderando o poder criativo do ser humano. (CHOMSKY, 1998). No dicionário Michaelis on-line, encontramos como definições do termo linguagem: “[...] expressão do pensamento pela palavra, pela escrita ou por meio de sinais.”. Já no Dicionário Priberam, também on-line, linguagem é “[...] qualquer meio que sirva para exprimir sensações ou ideias.” 20 Vygotsky, em sua obra Pensamento e Linguagem, afirma que esta é desenvolvida de forma racional somente após os 2 anos de vida. Até este momento, para ele, a linguagem não é intelectual e o pensamento não é verbal, porém, suas trajetórias de desenvolvimento são paralelas. A linguagem então usada pela criança até seus 2 anos de idade é um meio de interação superficial em seu convívio e, depois, quando as curvas de desenvolvimento do pensamento e da linguagem se cruzam, o uso da linguagem penetra em seu subconsciente para se construir na estrutura do pensamento da criança. (VYGOTSKY, 2001 sp). 4 Elliot (1982), em seu livro ‘A linguagem da Criança’, levanta as seguintes definições da linguagem: “[...] é um conjunto de frases gramaticais; é um meio de controle social; é uma coletânea de respostas motoras; é um exemplo de funcionamento simbólico” (p. 8). Para Bakhtin (Apud SCHMITT, 2008), quando se fala aqui em linguagem, não se descarta o uso da palavra, mas a comunicação é posta em foco. E esta não é restrita à língua, oral ou escrita, à significante e significado, porque em si mesmas as palavras não contemplam o universo de sentidos atribuídos possivelmente pelos seus usuários. Com isso, amplia-se o entendimento de linguagem. Aqui, entendemos a linguagem como ferramenta usada para comunicação. Esta ferramenta pode se apresentar bem desenvolvida, a partir de sistemas mais complexos (a língua, por exemplo), ou ainda de modo mais simples, mas não menos importante por isso, por meio de sinais, gestos, expressões, imagens etc. 2.3 A LINGUAGEM DOS BEBÊS Partindo do princípio de que são os bebês informantes potenciais de suas vidas, conclui-se que entender a sua linguagem não deveria ser uma preocupação somente acadêmica, já que essa é a sua forma de comunicação. Em pesquisas feitas para estudar os bebês, não raro os informantes são adultos. Há que se levar em conta nesses estudos a observação efetiva, via empirismo, da criança como sujeito ativo e participativo de sua vida. O adulto pode e continuará sendo seu intérprete, mas visibilidade maior deve ser dada para o objeto de pesquisa, a criança, em sua relação com o mundo (SCHMITT, 2008). Isso exige 4 Versão virtual: http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/vigo.html 21 uma focalização no olhar, uma sensibilidade aguçada da escuta e também do olhar frente a esses pequenos sujeitos, os bebês. Ver: observar, construir o olhar, captar e procurar entender, reeducar o olho e a técnica. Ouvir: captar e procurar entender, escutar o que foi dito e o não dito, valorizar a narrativa, entender a história. Ver e ouvir são cruciais para que se possa compreender gestos, discursos e ações. Este aprender de novo a ver e ouvir (a estar lá afastado; a participar e anotar; a interagir enquanto observa a interação) se alicerça na sensibilidade e na teoria e é produzida na investigação, mas é também um exercício que se enraíza na trajetória vivida no cotidiano (BARBOSA; KRAMER; SILVA, 2005, p. 48). O adulto-intérprete será sempre o outro na relação de observação, jamais lhe sendo possível transcrever ou descrever ipsis litteris aquilo que a criança expressou (quis comunicar com sua linguagem) em dado contexto, porque a experiência é dela, e não do outro. Não há como ser fiel e isso não tem solução. Contudo, Bakhtin (apud SCHMITT, 2008) nos tranquiliza, mostrando que essa é uma questão que ronda não somente os bebês como não usuários competentes ainda de uma língua. Em outras situações de estudo, nunca será possível conhecer o outro, pois cada um sempre ocupará um lugar diferente no mundo, impossibilitando que se tenha o mesmo olhar, sentimento, pensamento ou expressão da mesma forma que o ser analisado. Richter e Barbosa (2010) defendem que [...] as linguagens são aprendidas pelas crianças muito cedo nas interações que estabelecem com outras crianças e adultos. [...] As suas formas de interpretar, significar e comunicar emergem do corpo e acontecem através dos gestos, dos olhares, dos sorrisos, dos choros, enquanto movimentos expressivos e comunicativos anteriores à linguagem verbal e que constituem, simultaneamente à criação do campo da confiança, os primeiros canais de interação com o mundo e os outros, permanecendo em nós – em nosso corpo – e no modo como estabelecemos nossas relações sociais.(p. 87). Com os bebês, é preciso dar relevância não somente àquilo que os maiores dizem de suas relações com eles, mas também ao todo não verbal que parte deles e que também permeia as suas relações. Sua movimentação corporal, seu choro, riso, olhar, e outras tantas expressões faciais, tudo ganha sentido e até confirma ou rejeita os que falam. (SCHMITT, 2008). Segundo a visão bakhtiniana, apresentada por Schmitt (2008), a língua em contato com a realidade (enunciado) é que cria a expressão. Nada existe fora de nós. Somos produtores efetivos e ativos da nossa realidade. Assim, a creche é mais 22 um espaço real no qual sujeitos se relacionam, enunciados são proferidos não necessariamente por meio de verbalização, e os bebês, nesse contexto, apropriamse de tais enunciados e os respondem de fato por meio de sua linguagem (expressões outras, balbucios, risadas, um franzir de sobrancelhas etc.), provocando novos enunciados. E isso não pode ser negligenciado. É da linguagem do outro, aquela que está fora, que o bebê se apropria e constrói a sua própria linguagem. É nessa relação de troca na creche, a partir da linguagem como ferramenta, que o bebê se reconhece como ser e como também outro na relação. Vygotsky (1996) corrobora com esse entendimento apontando como aspectos contribuintes o fato dos bebês, por sua dependência na manutenção da vida, serem condicionalmente sociáveis e, por isso, a partir dessas socializações frequentes, vão construindo sua forma de comunicação. Note-se que a relação é sempre de troca, nunca unilateral. O bebê é sempre ser ativo nesse processo de construção (SCHMITT, 2008). O modo de posicionamento do adulto ou de um ser mais velho diante do bebê indica sua forma de pensar o mundo. A maneira como se dá o toque no momento de colocá-lo no berço, o fato de dispor objetos ou não no espaço, tudo comunica o seu posicionamento diante do mundo e a credibilidade ou não que esse outro dá às potencialidades do bebê. Cabe ressaltar infinitas vezes que o bebê não é considerado um repositório do outro para seus significados, ainda que se saiba que isso também acontece. Mas não somente. Ele é sujeito ativo das relações nas quais constitui sua linguagem. Para expressar, os bebês usam de seus movimentos que se transformam em gestos comunicativos (apontar, oferecer, negar, chorar, enrugar, sorrir, bater, acariciar etc.) na relação social, na qual se estabelecem vínculos sociais. Ou seja, o bebê, antes mesmo de se apropriar de sua língua materna, desenvolve uma linguagem peculiar para se fazer entender. 23 3 CAMINHOS METODOLÓGICOS Como procedimento metodológico, esta pesquisa seguiu um estudo com inspiração etnográfica, considerando a importância de se compreender as relações no contexto em que elas ocorrem. Seu desenvolvimento se deu por meio de uma pesquisa de campo, objetivando a produção de dados. A abordagem utilizada foi de cunho qualitativo que, de acordo com Ludke e André, a partir das ideias dos autores Bogdan e Biklen (1982), [...] envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes (apud LUDKE: ANDRÈ, 1986, p.13). Visto se tratar de uma pesquisa científica, e destacando sua importância, Barros e Lehfeld (1990, p.31) afirmam que esta “é o produto de uma investigação, cujo objetivo é resolver problemas e solucionar dúvidas, mediante a utilização de procedimentos científicos”. Além da pesquisa de campo, houve o aprofundamento e embasamento teórico, trazendo como principais autores Silvia Neli Falcão Barbosa; Sônia Kramer; Juliana Pereira Silva (2005), Maristela Angotti (2006), Ângela Scalabrin Coutinho, (2002), Maria Clotilde Rossetti Ferreira (2009), Altino José Martins Filho (2005), Daniela Guimarães (2008), Maria Carmem Barbosa (2010), Rosinete Valdeti Schmitt (2008), Lev Vygotsky (2001), Izabel Galvão (1995). A pesquisa foi realizada no Núcleo de Educação Infantil (NDI), que faz parte da Universidade Federal de Santa Catarina, localizado no bairro da Trindade, em Florianópolis/SC. A orientadora fez o primeiro contato com a instituição para que fosse concedida permissão para realização do estudo proposto. Com a confirmação, aconteceu um primeiro encontro com a coordenadora da instituição, que recebeu a pesquisa de forma muito acolhedora e concordou que as observações ocorressem em dez encontros, no período matutino, das 8h às 12h. A observação se deu no grupo dois A, composto por oito crianças entre 1 ano 24 e 1 ano e 11 meses de vida, sendo quatro meninas e quatro meninos. Já na primeira observação, a recepção foi calorosa por parte das professoras e das crianças. As interações e brincadeiras foram constantes em todos os momentos. Durante o processo de observação, surgiu a necessidade de aguçar o olhar, torná-lo mais crítico e minucioso para responder todos os questionamentos da pesquisa, de forma a compreender as múltiplas linguagens dos bebês em questão. Segundo Ostetto (2008), nas observações, por meio de um olhar atento, são reveladas nas falas, nas expressões corporais ou artísticas, enfim, nas múltiplas linguagens das crianças, suas dificuldades, suas conquistas, suas necessidades e seus interesses. Esse processo de observação foi fundamental para a pesquisa, permitindo desvendar as interações e comunicações dos bebês com os adultos e entre si. Para transformar esse processo investigativo em informações consistentes para a pesquisa, foi utilizado como ferramenta o registro escrito das observações, registros fotográficos e vídeos, tornando as observações muito mais esclarecedoras a partir de análises realizadas sobre os registros, pois “[...] as observações precisam ser registradas para serem compartilhadas e analisadas [...]” (BARBOSA, 2010 p. 10). Ao final do processo de observação, foi realizada a análise dos dados coletados, destacando-se os pontos-chaves da pesquisa que permitiram uma reflexão sustentada pelos autores que se destacam na temática do estudo. 25 4 CARACTERIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO E QUEM SÃO OS SUJEITOS DA PESQUISA O Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI) é integrado à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), localizado em Florianópolis, no bairro Trindade, e atua na Educação Infantil com crianças de 0 a 5 anos. Considerado como referência na área, o NDI tem como propostas o ensino, a pesquisa e a extensão5. O espaço físico conta com quatro blocos com salas especialmente organizadas para a educação infantil e para os demais profissionais da área administrativa e coordenação pedagógica da escola. Para as crianças entre 4 e 6 anos, as salas são divididas em dois por um banheiro de acesso comum a ambas, e estes são equipados com louças e mobílias próprias para crianças. No bloco onde ficam as crianças de 0 a 3 anos, o espaço conta com um pátio que é comum a todas as salas, localizado no meio delas. A parte externa conta com cinco parques bem equipados com brinquedos diversos e caixa de brinquedos para serem usados na areia, além de uma piscina infantil. Há também um auditório, uma quadra, duas áreas de tablado com mesas e cadeiras para as crianças brincarem e um campo de futebol. O corpo docente é constituído por 26 professores entre graduados, mestres e doutores na área da educação, e 37 bolsistas no período matutino e 41 no período vespertino dentre as várias licenciaturas oferecidas na UFSC. Esta pesquisa foi realizada com o grupo dois A, formado por oito crianças, sendo quatro meninas e quatro meninos, entre 1 ano e 1 ano e 11 meses de idade, a professora Roseli e a bolsista Monique. Este grupo fica instalado no bloco B da instituição, junto aos demais grupos de crianças de até 3 anos. 5 Informações adquiridas no site da instituição http://ndi.ufsc.br/ 26 5 APRESENTAÇÃO E ANÁLISES DOS RESULTADOS DA PESQUISA No planejamento deste trabalho, os objetivos foram construídos para traçar os rumos da pesquisa de campo. Ocorreu que, durante o período de observação da pesquisa empírica, os dados produzidos mostraram muito mais que somente as respostas às questões iniciais. Houve um encantamento com os sujeitos analisados e tudo o que eles revelaram. A partida inicial era entender se os bebês se comunicavam, como eles o faziam e se os adultos entendiam. Não só foi possível entender, como também desenvolver um olhar mais crítico sobre o assunto, fazendo com que a pesquisa se aprofundasse nas diversas linguagens dos bebês e o meio de estimular seus desenvolvimentos. A partir dos dados produzidos em campo, destacam-se os seguintes pontos de análise: As linguagens do corpo; As caras e bocas no espelho: expressões diversas...; Oralidades: entre falas e balbucios. 5.1 AS LINGUAGENS DO CORPO Considerando o corpo como um meio de expressão da nossa subjetividade, é possível compreender que é por meio dele que conhecemos o mundo, movimentando-nos e expressando nossos sentimentos e emoções. Falando de crianças bem pequenas, os bebês, entende-se que sua primeira forma de linguagem se dá pela expressão corporal, pois com a oralidade em processo inicial, a criança busca dialogar por meio dos seus movimentos, gestos e expressões. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, instituídas pelo Conselho Nacional de Educação por meio da Resolução nº5, de 17 de dezembro de 2009 e publicada pelo Ministério da Educação em 2010, preconizam que [...] as práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular da Educação Infantil devem ter como eixos norteadores as interações e a brincadeira, garantindo experiências que: I - promovam o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliação de experiências sensoriais, expressivas, corporais que possibilitem movimentação ampla, expressão da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança; II - favoreçam a 27 imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical; [...] VI - possibilitem situações de aprendizagem mediadas para a elaboração da autonomia das crianças nas ações de cuidado pessoal, auto-organização, saúde e bem-estar (BRASIL, 2010, s.p). Seguindo nessa direção, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil afirma que o movimento, os gestos e as expressões ganham significado na cultura, assim como é na cultura que se aprende o manuseio dos objetos específicos. Este documento também reconhece que [...] o movimento para a criança pequena significa muito mais que mexer partes do corpo ou deslocar-se no espaço. A criança se expressa e se comunica por meio dos gestos e das mímicas faciais e interage usando fortemente o apoio do corpo. A dimensão corporal integra-se ao conjunto de atividade da criança. O ato motor faz-se presente em suas funções expressivas, instrumental ou de sustentação às posturas e aos gestos (BRASIL, 1998, p. 18). Um dos motivos da escolha do NDI como campo de pesquisa foi ter conhecimento da sua estrutura física e corpo docente, além de ser um núcleo de estudos sobre a Educação Infantil. Justamente por ser um espaço comprometido com a formação e a pesquisa, a aquisição de conhecimento por parte das crianças se dá de forma lúdica, livre, interativa e amorosa, em que se considera as crianças como sujeitos de direitos e com um amplo potencial de desenvolvimento cognitivo. Depois do lanche as crianças brincam livremente na sala. Eu estou num cantinho, sem chamar a atenção, tentando registrar alguns momentos sem despertar a curiosidade dos pequenos. Deparo-me, então, com a Valentina, brincando muito concentrada com algumas peças de lego. O detalhe é que ela está com a caixa do lego na cabeça, e parece nem perceber. Ao se dar conta de que estou observando e batendo fotos, ela abre um sorriso lindo e tira a caixa da cabeça, olhando-me com um novo sorriso como quem diz “ACHOU!” (DIÁRIO DE CAMPO, 29/04/2013). 28 Imagens 1 – Valentina brinca com a caixa de jogos na cabeça. Fonte: Diário de Campo, 29/04/2013. Na tentativa de entender o comportamento da Valentina, afirma-se que ela se coloca de forma introspectiva e reservada. Desde o primeiro momento, notou-se que ela mais observava do que agia. Suas brincadeiras normalmente não envolviam outro colega. Ela sentava e brincava com o que estivesse ao seu alcance, mas sempre olhando de forma muito atenta ao que acontecia à sua volta. O uso da caixa de lego na cabeça causou inquietação por parte da pesquisadora. Queria Valentina se fechar num mundo só dela, fantasiando com a sua brincadeira? Ou simplesmente estava brincando com esta parte do corpo, a cabeça, no sentido de tomar consciência do tamanho em relação ao objeto caixa? Seria possível que ela estivesse imaginando que, com a caixa na cabeça, estaria se escondendo, como em uma brincadeira de esconde-esconde? 29 Entende-se que a descoberta da diversidade comunicativa, da qual são capazes, acontece nas crianças a partir de um processo dialógico em que a criança age e determina outras formas de agir, descobrindo-se e descobrindo o outro. Outra situação observada que provocou a reflexão acerca das linguagens do corpo e auxiliou na elaboração de outras reflexões foi a brincadeira do Caio, jogando capoeira: O pai do Caio joga capoeira. Descobri isso numa conversa nos primeiros dias de observação com a professora, pois observei o Caio fazendo movimentos corporais nos quais, colocava a cabeça no chão e parecia tentar virar uma cambalhota. A professora me explicou que na verdade ele estava tentando jogar capoeira. Hoje, fomos para um dos gramados da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina, local onde fica o NDI), e ao chegarmos lá a professora tirou o sapato de todos e jogou umas bolas de plástico para as crianças se divertirem. Corre pra lá, corre pra cá, e de repente vejo o Caio numa sequência de capoeira intensa, até dobrando os pezinhos. (DIÁRIO DE CAMPO, 02/05/2013). Imagem 2 – Caio jogando capoeira no gramado da UFSC. Fonte: Diário de Campo, 02/05/2013. Diante das observações registradas, é possível pensar que Caio se comunica o tempo todo a partir do seu corpo, e talvez seja possível associar esses movimentos à imitação do pai, que joga capoeira, por conta da provável admiração que Caio deva sentir por ele. 30 Nas observações, foi possível perceber também que essa criança só jogava capoeira em locais abertos, de espaço livre, como nas horas do parque ou nos passeios pelo campus da Universidade. Ou seja, nas relações que ele estabelece com o pai no momento dessa brincadeira, Caio demonstra entender o conceito desse jogo, que trabalha, acima de tudo, com a liberdade do corpo. Maristela Angotti (2006) acredita no desenvolvimento do conhecimento a partir da captação de dados que a criança faz. Captação essa feita pelos órgãos dos sentidos que sentem, percebem e possuem por meio de diferentes linguagens. Essas experiências vividas com o brinquedo constituído pelo próprio corpo expressam condição fundamental para entender o ritmo, o movimento e a musicalidade que estruturam e dinamizam o texto escrito, favorecendo o entendimento e a apropriação do produto sociocultural que constitui a base da identidade nacional, no caso a Língua Portuguesa, na interface das linguagens oral e escrita. (ANGOTTI, 2006 p. 24) Durante o período de observação, acompanhou-se uma transformação considerável no comportamento de uma das crianças, a Lis. No primeiro dia de observação, quando sua mãe a deixou no NDI, a professora falou que ela era umas das crianças em fase de adaptação. Com uma estrutura física miúda e delicada, a Lis parecia uma princesinha, quieta e observadora. Não andava e pouco engatinhava, talvez por receio de circular num espaço dividido com outras crianças maiores que ela. Em nenhum dos momentos da observação ouviu-se choro por parte dela ao ver a mãe indo embora. Ela chegava e ficava sentada, normalmente brincava com brinquedos de encaixe, e ficava sempre atenta a uma movimentação mais intensa a sua volta. As observações permitiram acreditar que esse jeito quieto e introspectivo nada mais era que a sua forma de lidar com o novo e enfrentar essa fase de adaptação, algo como um mecanismo de defesa. Assim como outras crianças choram de forma dolorosa até se adaptarem, Lis se resguardava de qualquer ação que pudesse ferir sua integridade física. Em conversa sobre o comportamento dessa pequena, a professora afirmou que a menina parecia não gostar de agito, de muito calor humano. Quando passava uma ou mais crianças correndo a sua volta, era visível que ela tencionava seu corpo tentando se encolher. Qualquer aproximação mais intensa de uma criança, fosse 31 para dividir um brinquedo ou apenas para estar perto, ela se manifestava de forma introspectiva. A Lis está brincando, sentada num cantinho da sala com alguns brinquedos de encaixe, quando o Caio, com seu jeito expansivo, chega perto dela na tentativa de estabelecer uma brincadeira a dois. A Lis não gosta. Mesmo sem o Caio sequer encostá-la, ela abre o choro. A professora intercede dizendo: “Lis, não precisa chorar, o Caio só que brincar. Vamos dividir os brinquedos com ele?”. O choro diminui com a presença da professora, como se a partir desse momento ela sentisse uma segurança maior. Mas o Caio desiste e vai procurar outra brincadeira, enquanto a professora segue tentando incentivá-la a ter uma maior interação com os demais. (DIÁRIO DE CAMPO, 17/04/2013). Para Fonseca (1988, p. 60), “[...] a corporalidade encarada na sua totalidade aparece imediatamente como abertura para o mundo. O corpo é o eixo de percepção existencial, é o agente do sujeito na percepção do mundo que o envolve.” O comportamento de Lis mudou durante a pesquisa. No quarto dia de observação, percebeu-se pela primeira vez o esboço de um sorriso, para ela mesma, em frente ao espelho. E daí para frente, o desenvolvimento da linguagem oral e gestual, além do desenvolvimento físico, deu-se de forma muito rápida. Essa evolução de comportamento ocorreu por diversos fatores, mas principalmente pela forma amorosa, calorosa e acolhedora com que as professoras a tratavam, incentivando sempre que ela conquistasse aquele espaço que também era dela. Ao sentir a segurança transmitida pelas professoras, ela então começou a se soltar. No quinto dia de observação, ela fez carinho no Caio, de quem ela mais se esquivava dentro da sala, e balbuciou “Caô”, chamando de forma compreensível seu nome. Esse momento demonstrou que ela estava superando a fase de adaptação e se integrando ao grupo. Sétimo dia de observação e a Lis segue em constante mudança. Começou a andar e já quer correr por todos os lados. No parque, subiu nos brinquedos e dançou na ponte pênsil da casinha de madeira enquanto a professora cantava pra ela. Sorriu muito e interagiu de forma intensa com o grupo. (DIÁRIO DE CAMPO, 29/04/2013). 32 Imagem 3 – Lis anda, canta e interage com o grupo. Fonte: Diário de Campo, 29/04/2013. Refletindo sobre o comportamento de Lis e acompanhando seu desenvolvimento, percebe-se que seu corpo é extremamente falante, mas suas expressões faciais pouco se alteram diante dos acontecimentos. Normalmente, estava com um semblante sério e observador, mas quando algo parecia lhe causar desconforto, seu corpo se encolhia e se contraía por completo, ombros, braços e pernas. Galvão (1995) afirma que A criança reage corporalmente aos estímulos exteriores, adotando posturas ou expressões, isto é, atitudes, de acordo com as sensações experimentadas em cada situação. É como se a excitação provocada se espalhasse pelo corpo, imprimindo-lhe determinada forma e consistência e resultando numa impregnação perceptiva, por meio da qual a criança vai tomando consciência das realidades externas. (GALVÃO, 1995, p. 72, grifo do autor). Dessa forma, é possível entender o corpo como ferramenta de comunicação e ir além, compreendendo-o também como uma etapa da linguagem que influenciará diretamente o desenvolvimento da oralidade e da escrita. É também por meio do corpo que ocorre a integração social. Somente depois de começar a dar seus 33 primeiros passos, Lis se sentiu segura para interagir com as demais crianças do grupo. A criança passa a compreender e dar significado aos objetos que explora por meio do movimento corporal, que muitas vezes vem acompanhado da curiosidade de criança. 5.1.1 As caras e bocas no espelho Imagem 4 – "O espelho". Fonte: TONUCCI, 1997, p.40. De acordo com pesquisadores como Zimerman (1999), inicialmente os bebês 34 não entendem seu corpo como inteiro. Eles passam horas olhando suas mãos e seus pés pensando que são partes soltas, apesar de serem suas. Ao ver pela primeira vez sua imagem refletida num espelho, o bebê assimila essa imagem como real, como sendo de outra pessoa a sua frente. Num segundo momento do seu desenvolvimento, o bebê passa a entender que a imagem refletida não é real, mas ainda não a relaciona com a sua própria imagem. É então num terceiro momento que a criança consegue perceber que a imagem refletida nada mais é que sua própria imagem. Depois dessa identificação, o bebê reconhece seu corpo como sendo seu, por inteiro, e não mais em partes. Inicia-se, então, a brincadeira, com os sorrisos, a tentativa de se comunicar, de pegar e morder o espelho. As caras e bocas, gritinhos e balbucios tornam-se frequentes nesses momentos. Durante as observações, um fato, até aquele momento isolado, chamou a atenção. Depois do lanche das crianças, enquanto elas brincam dispersamente pela sala, eu me encontro num cantinho tentando registrar momentos sem chamar a atenção. Olho para a Lis e ela está sorrindo. Não um sorrisinho pequeno, e sim um sorrisão. Até aquele momento, não tinha visto nenhuma expressão mais forte e significativa dela. Estava sempre séria analisando tudo a sua volta. Ao perceber que não havia ninguém perto dela, olhei na direção em que estava o seu olhar e me deparei com o espelho. Ela estava sorrindo para ela mesma, mas não tive certeza se ela sabia que a imagem era dela. (DIÁRIO DE CAMPO, 24/04/2013). Foi neste momento marcado pela dúvida e pela vontade de compreender os possíveis significados de uma brincadeira diante do espelho que se fez a opção por aprofundar conhecimentos e a análise sobre essa relação dos bebês com a própria imagem diante desse objeto. Os materiais encontrados para pesquisa não foram muito substanciais, fazendo com que se utilizassem artigos e reportagens para transcrever esta análise. Em uma reportagem6 da Revista Crescer, o autor7 diz que a atração que os bebês sentem pelo espelho revela sua vontade de se comunicar com o mundo. As diversas linguagens são treinadas no momento da brincadeira com o espelho, pois o bebê interage com o espelho com gritinhos e balbucios diversos, além de fazerem caretas e vários gestos, tentando compreender a imagem refletida. (Revista Crescer, SP.) 6 7 http://revistacrescer.globo.com/Revista/Crescer/0,,EMI24852-15162,00.html A reportagem não referencia autor 35 Não foi constatado nenhum estudo sobre o incentivo de trabalhos com o espelho na ação pedagógica com os pequenos e, durante as observações, não ficou evidente nenhuma prática específica. Apesar disso, ficou evidente o quanto as crianças bem pequenas gostam de se olhar o espelho e tentar entender aquele reflexo. Mesmo sem muito incentivo, o fato de ter um espelho de tamanho considerável e na altura das crianças no espaço em que se encontram já favorece essa descoberta. O Davi está mesmo sofrendo com o nascimento dos seus dentes. A coceira e a agonia ficam evidentes a cada objeto que ele pega e leva com gana à boca, mordendo com muita força. Hoje até o espelho ele tentou morder, mas quando percebeu uma imagem em sua frente parou e ficou ali, olhando por alguns segundos, como se tentasse entender se havia alguém tentando mordê-lo também. Depois começou a balbuciar, com sua boca encostada no espelho, algo tipo bá bá bá, mas ficou claro que nesse momento sua atenção estava voltada para a boca que se mexia no reflexo no mesmo tempo em que ele emitia os sons. (DIÁRIO DE CAMPO, 29/04/2013). Imagem 5 – Davi tenta moder o espelho, mas fica surpreso ao ver seu reflexo. Fonte: Diário de Campo, 29/04/2013. Ao longo do período de observação, Davi sofreu com o aparecimento dos dentes, inclusive tendo febre. Mas, isso não o impedia, ainda que por poucas vezes, de explorar seu corpo e o ambiente em que estava. Esse momento registrado com o espelho foi encantador, além de que, enquanto brincava com o objeto, não se lembrava do incômodo do dente, demonstrando o quanto o espelho o encantou. Como visto anteriormente, o espelho é um brinquedo gostoso, mesmo ou principalmente depois que a criança entende que ali está sua imagem refletida. Esta pesquisa pôde confirmar isso em vários momentos, como aqueles vivenciados pela Valentina. Em mais de uma observação, ela parou em frente ao espelho e ficou se observando, admirando-se, demonstrando satisfação com a imagem refletida. 36 Hoje, mais uma vez a Valentina parece se ‘namorar’ no espelho. Ela foi chegando o rosto perto, depois afastou novamente, mexeu nos cabelos, aproximou novamente o rosto do espelho e grudou sua boca. Ficou ali, se olhando. Algo chamou sua atenção e ela foi virando o rosto, mas sem desencostá-lo do espelho. Ao me ver registrando o momento, deu aquele sorriso e um tchau para câmera. (DIÁRIO DE CAMPO, 17/04/2013). Imagem 6 – Valentina se namorando no espelho. Fonte: Diário de Campo, 17/04/2013. Para Martins Filho (2005), O trabalho pedagógico com os bebês não se resume a observá-los, mas a observação é a base para organizar as ações pedagógicas que tenham como meta o respeito para com cada um, pelas suas singularidades, pelos sinais comunicativos que emitem. Conhecendo cada um dos pequenininhos haverá mais elementos para estruturar a prática. (MARTINS FILHO, 2005, p. 42). A partir das observações e com base nos estudos teóricos realizados (Zimerman, 1999), é possível inferir que a relação dos bebês com o espelho auxilia no desenvolvimento das suas linguagens, seja nas gestuais ou nas orais. Ao brincar com o espelho, a criança passa a emitir novos sons que vêm da situação de êxtase em que se encontra, como se estivesse descobrindo um tesouro. E está, um tesouro que é seu próprio corpo. 5.1.2 As mordidas do Caio Estamos brincando no parque interno, quando o Davi está dentro de uma casinha de madeira e o Henrique está do lado de fora da casinha trocando balbucios com o Davi. O Caio assiste a cena e decide participar. Para ao lado do Henrique, fora da casinha, e emite gritinhos que são respondidos da mesma forma por Davi. O Caio então entra na casinha, ainda dando os gritos afinados, agarra o Davi e o morde. A professora mais que depressa separa, mas não a tempo. Ficou a marca. (DIÁRIO DE CAMPO, 06/05/2013). Quando se trabalha com um grupo de bebês, o tema das mordidas é quase 37 sempre assunto delicado a ser tratado entre crianças, com as famílias e até mesmo com outras profissionais da instituição. A questão que envolve o aprofundamento deste assunto é entender, afinal, o que pode significar uma mordida quando se trata de uma criança em um grupo de bebês? Seria uma forma de linguagem corporal das crianças? Uma tentativa de comunicação? De expressão de sentimentos? De expressão de agressividade? É intencional? Consciente? Ao fazer essas perguntas, é possível chegar a inúmeras respostas. A partir das pesquisas realizadas e da observação no campo, as respostas vão sendo construídas de diversas formas. A mordida geralmente é considerada, para os leigos, como um ato de agressão, ora como reflexo de uma situação em que a criança está descontente, ora por iniciativa própria para tentar dominar um espaço ou disputar um brinquedo. Um adulto, ao ver uma criança mordendo a outra, tende a reprimi-la como se aquela criança estivesse fazendo aquilo com o propósito de realmente machucar alguém. Mas, não é adequado interpretar de uma forma tão simplista e generalizada. É necessário refletir e pesquisar sobre o assunto para compreender e interpretar esta ação em todas as dimensões, entre elas como forma de linguagem e de descoberta. Pesquisadores sobre o tema8 alegam que, primeiramente, o uso tão constante da boca se dá em função de ser esta a primeira forma de conhecer e experimentar o mundo. Ao nascer, o primeiro contato da criança é com o peito da mãe. Daí pra frente é uma descoberta atrás da outra e todas utilizando a boca como ferramenta. É dessa forma que eles descobrem o próprio corpo e passam a morder todo e qualquer objeto, além dos próprios pais, amigos e professores. É um meio de conhecer sensações e movimentos. O psicólogo francês Henri Wallon (In: 1879-1962) escreveu que, assim, a criança constrói seu "eu corporal". "É nessa fase, em que ela testa os limites do próprio corpo, onde o dela acaba e começa o da outra pessoa9.” 8 Marilene Proença. Membro da diretoria da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (Abrapee) e professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo / Jussara de Barros. Graduada em Pedagogia - Equipe Brasil Escola / Maria Fernanda Hennemann. Psicóloga clínica e escolar. 9 http://websmed.portoalegre.rs.gov.br/escolas/liberato/psicologia/MORDIDAS%20NA%20EDUCACAO %20INFANTIL.htm 38 Imagem 7 – Mateus e Henrique disputam brinquedo e Mateus morde Henrique. Fonte: Diário de Campo, 17/04/2013. Ao morder outra criança, o bebê também busca conhecê-lo, estreitar as relações, experimentá-lo no sentido mais amplo da palavra. Ao que se refere a estreitar as relações, associa-se a mordida à linguagem. Sobre esta questão, Busnel (1997, p. 282-284) diz que “Eles brincam, caem, levantam-se, unham-se, mordem, correm, lambem, chupam... vivem. [...] São as próprias crianças, ainda que de apesar de às vezes não terem o verbal, nos ensinam.” As formas de comunicação das crianças são diversas. Ao falar das mordidas do Caio, refere-se apenas a mais uma forma de linguagem corporal. Crianças como ele tendem a ser tachadas de forma negativa nos espaços educativos, e com o Caio não é diferente. Já na primeira observação, ele chama a atenção, mostrando-se presente a todo instante. Ficou aparente que já foi atribuído ao Caio um rótulo. Entres as outras salas, o que se fala dele são: “Olha o furacão!”; “O Caio mordeu de novo?!”; “Só podia ser o Caio!”. Por que só podia ser o Caio? De acordo com Martins Filho (2005), É por meio da emoção que a criança mobiliza o outro para atender às suas necessidades, que o contagia e o afeta, visto que, indiscutivelmente, o pequeno ser humano não está apto nem mesmo para sair de uma posição desconfortável, dependendo inteiramente do outro para sobreviver. Dessa forma a criança atua primeiro não no universo físico, mas no ambiente humano. É o canal da emoção que garante a resposta dos adultos que cuidam do bebê. (p. 50). 39 Em conversa com a professora da sala, é possível perceber que este tipo de comportamento de alguns docentes a incomoda, visto que o Caio é uma criança como qualquer outra de sua idade, aprendendo com o meio, expressando-se das mais diversas formas e entendendo seus limites de necessidades. Durante as observações, foi possível perceber que o Caio mordia realmente com frequência, então se passou a analisar em que momentos aconteciam as mordidas. Em um dia de observação, em conversa com outra funcionária do NDI, ela comentou que esse comportamento do Caio não era uma coisa ruim como 10 se ‘pintava’ . Ela mencionou as brincadeiras que o pai fazia ao chegar para buscá-lo, como jogá-lo para cima e dar “mordidinhas” em suas bochechas. Num outro momento, a professora de sala voltou ao assunto, afirmando que isto já havia sido levado aos pais, e que nesse segundo momento de conversa, eles alegaram que não estavam mais fazendo essas brincadeiras, e que em casa ele estava bem. (DIÁRIO DE CAMPO, 06/05/2013). Após essa conversa e uma observação mais intensa, concluiu-se que as mordidas do Caio não são apenas uma forma de ataque ou de defesa ao que ele não quer ou não gosta, e que também não são feitas com o intuito de machucar o outro. Em momento de êxtase, em que se estava comemorando algo, ou finalizando uma música, a reação dele era a de rapidamente pegar o primeiro amiguinho e “nhac”, mais uma mordida! Essa é a sua forma mais livre e espontânea de comunicação. Contudo, não é por isso que não se deva repreender o ato e tentar fazê-lo entender que é errado, afinal, independente do motivo da mordida, ela é um ato agressivo e machuca. O Caio precisa seguir sendo orientado quanto a isso, e encontrar outra forma de extravasar suas emoções. E a professora responsável não peca nesse sentindo. Investe nas conversas, com muita amorosidade e principalmente na troca de carinho. Fica evidente que ela se preocupa com o bem-estar do Caio e dos demais, e com o seu desenvolvimento, sempre mediando e cuidando não somente dele, mas de todo o grupo. 10 Optou-se por usar o termo ‘pintava’ expressado pela profissional em questão. 40 Imagem 8 – Caio tenta morder a cabeça de Mateus Fonte: Diário de Campo, 23/04/2013. Na penúltima observação, aconteceu um fato que ilustra bem o que foi dito anteriormente. Enquanto a professora e a auxiliar faziam as trocas de fralda depois do lanche, eu estava sentada no colchonete cantando e brincando com a Bia e o Caio. Até que, num momento de euforia, o Caio agarrou a Bia e foi para morder na testa. A professora colocou a mão entre a cabeça da Bia e a boca do Caio, impedindo a mordida e questionando a atitude dele, dizendo que ele não podia morder. Nesse dia, ele estava com um camisão aberto. Após a professora falar que ele não podia morder, ele se virou, abriu a camisa com os dois braços e saiu andando em passos largos e imitando 11 ruídos de um monstro, que deduzimos ser o Incrível Hulk . (DIÁRIO DE CAMPO, 06/05/2013). 11 Herói das revistas em quadrinhos, integrante da equipe dos Vingadores, transmitido através de filmes e desenhos. 41 Imagens 9 – Caio brinca, morde a Bia e depois sai imitando um monstro. Fonte: Diário de Campo, 06/05/2013. A cena, inesquecível, deixou estáticas professora e pesquisadora, que ficaram observando aquele momento de fantasia dele. Teria sido esse o motivo da mordida, uma presa raptada por um monstro? Quem sabe? A questão é que não se pode apenas observar as crianças de forma superficial, sem tentar entender que elas se comunicam sim, e podem dizer muito mais do que se espera. As atitudes do Caio, neste momento, não são uma exclusividade desta criança, mas poderão ser experimentadas por outras, em outros 42 momentos. As demais crianças podem passar por fases semelhantes a da mordida, algumas com mais intensidade, outras com menos, assim como passam por outras fases distintas durante o seu desenvolvimento. O importante é compreender que não são etapas rígidas e que nem todas as crianças experimentam, vivenciam do mesmo jeito, já que outros fatores culturais, sociais, econômicos etc., contribuem para isso. Mello afirma que, É preciso compreender que esta é uma fase do desenvolvimento da criança. Praticamente todas as crianças, entre um e três anos, em algum momento, usaram ou usarão tal conduta. Esse recurso praticamente desaparece quando a linguagem estiver mais desenvolvida. (ROSSETTI - FERREIRA, M. C. et.al.Org, 2009, p.168) O comportamento do Caio, exceto pelo fato da mordida, ali naquele espaço, não se difere do das outras crianças nas demais situações. A Antônia dança e canta o tempo todo, a Liz gosta de se olhar no espelho e não gosta de agitação, a Bia gosta de cuidar da ordem, obedece sempre e faz com que os demais colegas também obedeçam, e o Caio morde. Este é o jeito dele chamar a atenção, ao menos neste momento. Cada um com sua particularidade tem uma forma de se comunicar mais ou menos expressiva que o outro. Cabe aos adultos, enquanto educadores, entenderem e compreenderem o significado, e mediar as situações que surgem no cotidiano da Educação Infantil. Imagem 10 – Caio embala a boneca como se a estivesse fazendo dormir. Fonte: Diário de Campo, 17/04/2013. 43 Imagem 11 – Caio pula da beirada da piscina de bolinha. Fonte: Diário de Campo, 23/04/2013. A observação ao longo da pesquisa auxiliou no desenvolvimento de uma escuta e de um olhar mais atentos, o que permitiu conhecer cada uma das crianças, suas preferências e seus diferentes modos de ser, agir e sentir. As mordidas também são uma forma de comunicação e de se conhecer o outro. A princípio, as crianças não sabem avaliar as consequências de suas mordidas e nem a força que podem colocar. Às vezes, o ato de morder é um modo de estar perto do amigo que gostam e de partilhar uma intimidade, como comer alguma coisa gostosa. Imagem 12 – Caio brinca com criança de outro grupo, balbuciando para interagir. Fonte: Diário de Campo, 29/04/2013. 44 Imagem 13 – Caio faz "charme" depois que a professora chama sua atenção. Fonte: Diário de Campo, 16/04/2013. 5.1.3 A música como ferramenta no desenvolvimento da linguagem Ao se pensar na linguagem corporal das crianças, é importante pensar o que pode manifestar essa comunicação. A música é uma ferramenta poderosa nesse caso e as crianças têm a necessidade de utilizá-la para se expressarem de alguma forma. No espaço escolar, essa ferramenta faz parte da rotina e, o mais interessante, é que na maioria das vezes quem puxa a cantoria são as crianças e não a professora. Entre uma brincadeira e outra, lá está a Antônia, a criança mais cantante e falante para sua idade, remexendo-se e cantarolando. “- A do gatinho”, dizia ela pedindo para cantar Atirei o pau no gato. Mas, a mais pedida sempre era a música da pulguinha, que diz assim: “Estava dormindo quando algo aconteceu, veio uma pulguinha e a danada me mordeu. Pula pulguinha, pula danada, pula pulguinha, que pulguinha assanhada”. A interpretação da música pela Antônia começava se deitando no chão, como se estivesse dormindo. A medida que a música ia sendo cantada, ela acompanhava cantando e interpretando, principalmente na parte final, em que pulava incansavelmente imitando a pulguinha pulando. A cabeça balançava de um lado para outro acompanhando o ritmo e olhando para a educadora, como se dissesse “estou dançando, canta que estou dançando” e, quando acabava, ela olhava e dizia: “de novo” ou então pedia “a da casinha”, pedindo para que a educadora cantasse a música “ fui morar numa casinha nha, nha...” (DIÁRIO DE CAMPO, 17/04/2013). 45 Imagens 14 – Antônia interpreta a música da "pulguinha" e depois dança a da "casinha". Fonte: Diário de Campo, 16/04/2013. A Antônia despertou a atenção no processo da pesquisa, fazendo com que houvesse um aprofundamento sobre como a música pode auxiliar e até ser responsável pela comunicação das crianças nessa faixa etária. Tendo em vista que a oralidade ainda está em processo inicial de desenvolvimento nessa fase, a criança tende a dançar e gesticular para interpretar a música. Analisando por esse ponto, pode-se considerar que a música ajuda a construir a linguagem oral e corporal. A criança se esforça para entender e cantá-la, mas com a falta da linguagem oral, ela gesticula, encena e canta do seu jeito. O Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil enfatiza que Ouvir música, aprender uma canção, brincar de roda, realizar brinquedos rítmicos, jogos de mãos etc., são atividades que despertam, estimulam e desenvolvem o gosto pela atividade musical, além de atenderem a necessidades de expressão que passam pela esfera afetiva, estética e cognitiva. Aprender música significa integrar experiências que envolvem a vivência, a percepção e a reflexão, encaminhando-as para níveis cada vez mais elaborados. [...]O trabalho com música deve considerar, portanto, que ela é um meio de expressão e forma de conhecimento acessível aos bebês e crianças, inclusive aquelas que apresentem necessidades especiais. A linguagem musical é excelente meio para o desenvolvimento da expressão, do equilíbrio, da auto-estima e autoconhecimento, além de poderoso meio de integração social. (BRASIL, 1998 p.48-49). A observação mostrou ainda outro aspecto da importância da música, que é o da interação. Em momentos diversos, Antônia procurava a professora pedindo para cantar, ou simplesmente cantava e pedia que a acompanhasse, enquanto as demais crianças brincavam espalhadas na sala. Logo, era possível observar uma reunião com as demais crianças rodeando a professora e a Antônia, cantarolando e 46 dançando da mesma forma. Esse momento era muito rico, pois as crianças iam em direção a Antônia e cantavam olhando e dançando em sua direção, como se dissessem que estavam ali, participando junto com ela daquele momento. Os sorrisos tomavam conta do momento. Ao ouvir uma música, o Henrique era o primeiro a aparecer na roda. Independente com o que estivesse brincando, ao ouvir a Antônia cantando e a professora dando atenção a esse momento, ele logo largava tudo e começava a dançar, de um jeitinho tímido, com as mãos próximas ao corpo, fazendo um movimento de um lado para o outro com o tronco e com um sorriso inigualável. E quando a música acabava, ele parava e ficava olhando, esperando a próxima cantoria, diferente da Antônia, que já pedia outra música. Esses momentos eram tão comuns que é possível pensar que o Henrique já sabia que a Antônia ia seguir cantando ou ia pedir outra música, então ele ficava ali, parado, só esperando o momento acontecer. As demais crianças também estavam sempre atentas às músicas. Em todos os momentos, fossem na sala, no parque ou na hora do lanche, era comum ver alguma criança cantarolando com ou sem a participação da professora. Está previsto nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil o uso da música como ferramenta para atingir os eixos norteadores que são as interações e as brincadeiras. De acordo com este documento, as práticas pedagógicas devem garantir experiências que [...] favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical. (BRASIL, 2010 p. 25). O cumprimento desta questão é observado no NDI. Qualquer momento, brincadeira, ou atividade pode ser acompanhado de cantorias, sempre com o incentivo das professoras. Durante os dias de pesquisa, foi possível observar que sempre, na hora do lanche, a professora cantava com as crianças uma música que mencionava as partes do corpo, como braço, dedos, palma da mão, punhos e cotovelos. A música cantada por eles na hora do lanche trazia movimentos de bater na mesa com a parte do corpo que estava sendo citada, e a música seguia: “o dedo, o dedo, o dedo, o dedo, o dedo; a palma, a palma, a palma, a palma, a palma; o punho, o punho, o punho, o punho, o punho; o coto, o coto, o 47 cotovelo e... repetia tudo.” (DIÁRIO DE CAMPO, 16/04/2013). Chama a atenção o fato de que, ao longo da pesquisa, as crianças foram melhorando suas atuações com relação à música. No começo, era somente interpretação. As carinhas ficavam atentas olhando para a professora enquanto tentavam imitar o movimento de maneira correta. Já nas últimas observações, era possível ouvir balbucios produzidos na tentativa de acompanhar também a letra da música, revelando traços da oralidade que avança. Isso demonstra o quanto o desenvolvimento infantil, em especial, as linguagens acontecem com rapidez nesta fase da vida das crianças. Num determinado dia, em que o momento do lanche estava agitado, enquanto a professora organizava as crianças em volta da mesa e a estagiária cortava as frutas, as crianças começaram sozinhas a cantar a música. Começou com a Liz, que iniciou os movimentos com os punhos, então a Bia e a Valentina copiaram, e logo os mais desenvolvidos oralmente já estavam balbuciando os sons da música. Nesse momento, educadora e estagiária se olharam e percebeu-se o entusiasmo de ambas sobre aquele momento. Elas começaram, então, a cantar junto com as crianças incentivando o momento. (DIÁRIO DE CAMPO, 23/04/2013). Imagem 15 – As crianças cantando e interpretando a música de costume da hora do lanche. Fonte: Diário de Campo, 23/04/2013. Como já dito anteriormente, o NDI é um espaço comprometido com a formação e a pesquisa, onde a aquisição de conhecimento por parte das crianças se 48 dá de forma lúdica, livre, interativa e amorosa, e isto ficou evidente nas observações dos momentos de integração do grande grupo, ou seja, momentos em que várias turmas de bebês se encontravam no pátio central, que é amplo e aconchegante, e disponibiliza para as crianças brinquedos, jogos, livros, tapetes, rolos de almofadas etc. Este pátio fica no centro de todas as salas e é livre para todas as crianças. Entre uma atividade e outra, sempre que um grupo de crianças passa por ali em direção a sua sala, para e brinca um pouquinho, ou dá um oi para outras turmas indo a suas portas. Era muito comum rodas de música com uma ou mais turmas nesse pátio, contando com a participação de outros profissionais da instituição que, por vezes, estavam apenas passando por ali e acabavam ficando e cantando um pouquinho. Outro ponto observado é a liberdade que as famílias têm dentro da instituição, sendo convidadas a todo o momento para participar ativamente. Na turma do berçário, por exemplo, normalmente há pais e mães cuidando dos seus bebês de 4 meses a 1 ano, para ajudá-los no processo de adaptação. Mas não é só na adaptação que eles participam. Observou-se, neste ínterim, um pai indo buscar o filho no momento em que acontecia uma brincadeira no pátio. Ele ficou ali e participou. Noutra ocasião, este mesmo pai entrou na sala e falou com os outros bebês. Esses momentos eram rotineiros, mas com a consciência dos pais em não interferir no cotidiano da instituição. O último dia de observação fecha com chave de ouro. Já no final da manhã, enquanto algumas crianças estão tirando sua soneca em uma sala preparada especialmente para isso de forma aconchegante, as outras se misturam no pátio central, com seus professores, bolsistas e alguns pais, e começa uma cantoria. Uma funcionária da parte de coordenação pedagógica da instituição foi dar um oi para as crianças, e quando viu que a maioria estava no pátio puxou algumas músicas infantis, batendo palmas e convidando as crianças a cantarem e dançarem com ela. Em segundos todas as crianças que brincavam no espaço largaram suas brincadeiras e começaram a interagir com a música, batendo palmas, balançando o corpo, alguns tentando acompanhar oralmente, outros simplesmente estáticos, com os olhinhos brilhando. Foi um momento mágico. Pena que faltou a Antônia. (DIÁRIO DE CAMPO, 06/05/2013). 49 Imagem 16 – Crianças de grupos variados interagem no pátio numa roda de música. Fonte: Diário de Campo, 06/05/2013. O NDI estimula todo o tempo todas as crianças com a música. Num passeio pelas salas, é sempre possível ouvir algumas turmas cantando entre uma atividade e outra. Na rotina da instituição, e reforçado nas conversas com diversos profissionais, há o comprometimento do NDI em trabalhar a música sem esquecer as diferentes culturas. Essa observação ficou registrada no dia em que um professor de Educação Física levou para o pátio externo um grupo de capoeira para brincar com as crianças. O professor de Educação Física passou nas salas chamando as professoras, bolsistas e crianças para brincarem com um grupo de roda de capoeira que está no pátio externo. A professora pergunta se eu não gostaria de levar o Caio pra ver, enquanto ela ficaria com os demais fazendo troca de fralda e alguns dormir. Adorei a ideia e fui. Tinha uma roda enorme com vários grupos de até os seis anos de idade. Sentamos na roda e o Caio ficou perplexo. Achei que ele iria querer levantar e ir para o meio, mas não, ficou totalmente parado olhando seriamente todos os movimentos. Os jogadores da capoeira convidaram as crianças para entrarem no jogo, mas o Caio não quis. Poucas crianças, e somente as maiores participaram do jogo. Os mais novos de até três anos ficaram sentados acompanhando, batendo palmas e se embalando com a música. (DIÁRIO DE CAMPO, 24/04/2013). Diante de todo o exposto que foi observado no período da pesquisa, e complementado com as reflexões acerca das leituras realizadas, ratifica-se a 50 importância da música como ferramenta no desenvolvimento da linguagem nas crianças bem pequenas, visto que, ao se trabalhar este elemento, a criança não apenas se diverte, como também interage, aprende, sente, ri, cria, recria e interpreta o mundo em que vive. 5.2 ORALIDADES: POUCAS PALAVRAS, MUITOS SIGNIFICADOS Imagem 17 – "As primeiras palavras" Fonte: TONUCCI, 1997, p.32. 51 Pensando nos bebês, nas suas múltiplas linguagens, e diante das análises aqui apresentadas, pode-se dizer que eles possuem uma oralidade mesmo antes de pronunciarem uma palavra, no sentido literal. Os balbucios e diversos outros sons que os bebês emitem como gritinhos, e mesmo o choro, são suas formas de expressar a oralidade nessa fase da vida. Um artigo postado no site Medipédia12 afirma que Após uma fase de tentativas, o bebê começa, aos 6 meses de vida, a gritar com toda a intenção, de modo a chamar a atenção, transformando os seus sons desconexos numa verdadeira tagarelice. A partir do momento em que o bebê incorpora as consoantes, começa a pronunciar alguns dos sons mais comuns da linguagem. O bebê costuma começar a utilizar alguns sons que saem com mais facilidade, presentes numa grande variedade de línguas, como o "p", o "m", o "c" ou o "b", muito característicos do ponto de vista da articulação fonética. Estas ações constituem as bases para a construção de sílabas separadas, como "ma", "pa", "ba" ou "ca", que aos 8 ou 9 meses podem ser repetidas e encadeadas como se pronunciasse palavras: "mama", "ba-ba", "ca-ca". Esse fato pôde ser observado durante a pesquisa de campo, conforme registro a seguir: Estamos no parque interno brincando e a bolsista está cantando para Antônia, enquanto ela escuta atentamente a cantoria. Acaba a música e a Antônia diz: “a da caxinha”, pedindo para a Monique cantar a música “fui morar numa casinha-nhá-nhá...”. A Monique começa a cantar e a Antônia dança, e rapidamente o Mateus, que estava brincando dentro de uma casinha de madeira, aparece cantando: nhá, nhá, nhá... (DIÁRIO DE CAMPO, 17/04/2013). Imagens 18 – Antônia pede a música da "casinha" e Mateus aparece para acompanhar Fonte: Diário de Campo, 16/04/2013. Além da música, aqui já entendida como ferramenta pedagógica constantemente utilizada pelas professoras do grupo, a conversa é uma prática 12 Site com conteúdos e serviços de saúde do Instituto Pedro Nunes, de Coimbra – Portugal. http://www.medipedia.pt/home/home.php?module=artigoEnc&id=838 52 vivenciada integralmente enquanto as crianças estão no NDI. As professoras interagem o tempo inteiro com as crianças estabelecendo diálogos ricos. Acontecem também momentos de leitura de histórias em que as crianças participam ativamente apontando, por exemplo, para um macaco em um livro, e falando “cacaco”. Poucas eram as crianças que não respondiam às conversas das professoras emitindo algum tipo de fala. Das oito crianças do grupo, três não expressavam muito a sua oralidade. Os outros cinco eram bem falantes. O Davi, que estava em fase de adaptação e com os dentinhos crescendo, assim que chegava ficava chamando “mã mã mã”, pedindo pela mãe. Ficava compreensível o que ele queria dizer. O Mateus, que também estava em adaptação, algumas vezes após chegar no NDI, também chamava “mã mã mã”, pedindo igualmente por sua mãe. O Caio, por sua vez, articulava bastante. Por vezes, a professora ia chamá-lo a atenção por alguma coisa que ele estava fazendo de errado e ele, numa expressão de brabeza, franzindo a testa, olhava bem sério pra ela e falava “DÁ DÁ DÁ DÁ DÁ!!!”. Hoje, Caio brigou comigo, mas sem motivo. Entrou na casinha de madeira do parque interno, olhou para mim bem brabo e repetiu o DÁ DÁ DÁ DÁ!!!. O Mateus, que estava atrás do Caio dentro da casinha, ficou olhando bem atento e paradinho, no canto da casa. Perguntei para o Caio por que ele estava brigando comigo e ele parou, ficou me olhando bem sério, e novamente repetiu DÁ DÁ DÁ DÁ!!! (DIÁRIO DE CAMPO, 16/04/2013). Imagem 19 – Caio briga comigo sem motivo, fazendo com cara de brabo dá dá dá dá! Fonte: Diário de Campo, 16/04/2013. 53 Nas situações apontadas, pode-se afirmar que todas as falas foram intencionais, querendo realmente dizer algo. Por outro lado, constantemente as crianças mais novas do grupo pegavam algum objeto para morder ou pressioná-lo contra boca emitindo sons como ba ba ba ba. Nestes casos, pode-se então sugerir que a criança não tenha a intenção de expressar algo propriamente, mas apenas a de brincar. Talvez, nessa fase do desenvolvimento da oralidade, as crianças não apenas emitam sons para dizer algo, mas também para brincar. Brincar com o próprio som, com o movimento da boca, com o seu corpo, explorando cada vez mais o seu mundo. Outras observações permitiram também a vivência de momentos de diálogo entre duas crianças. Entre uma brincadeira e outra, acontecia um encontro pela sala em volta de algum brinquedo e as crianças conversam, por meio de gestos, ou oralmente. Hoje, a Natália, irmã da Bia, que está num grupo de crianças maiores, passou para nos visitar. A Bia ficou muito feliz. As duas brincaram, pularam, se abraçaram, e tudo isso interagindo com os demais. Em um dado momento, observo que a Natália, a Bia e a Antônia estão brincando com um jogo de blocos. As três estão bem entretidas com a brincadeira, e interagem bastante. Ouvem-se vários: “esxe, esxe” (esse, apontando para uma pecinha do jogo), “ali ó” (também apontando para o jogo), “dáaa” (querendo uma peça que está na mão da outra criança). O Caio observa a brincadeira de longe por um tempo e logo resolve se juntar ao grupo. Mas ele só observa, senta e levanta, sem entrar na brincadeira. (DIÁRIO DE CAMPO, 25/04/2013). Imagens 20 – Antônia, Natália e Bia brincam com legos e conversam, enquanto Caio observa e depois decide se juntar. Fonte: Diário de Campo, 25/04/2013. 54 Imagens 21 – Caio segue observando a brincadeira, mas sem interferir. Fonte: Diário de Campo, 25/04/2013. Para Richter e Barbosa, A criança nasce inscrita em um código natural e sociocultural. Na interação com o outro, nas inúmeras possibilidades que o outro lhe aponta, ela imprime as marcas do humano e constrói sentido nas linguagens. Sentidos intimamente vinculados ao ato de brincar, criar, linguajar. (2010, p.91). A pesquisa permitiu analisar mais profundamente esses detalhes que, para quem ainda não é professor e não convive diariamente com os pequeninos, passam despercebidos, no sentido de que pessoas não profissionais da área da educação infantil observam esses balbucios e oralidades, mas não refletem sobre o porquê disso ocorrer, como acontece e como se pode contribuir para o desenvolvimento desta linguagem. É preciso um olhar mais atento e observador também por parte dos educadores, pois, infelizmente, alguns profissionais da educação ainda se utilizam de práticas muito tradicionais, sem muita preocupação e conhecimentos sobre o desenvolvimento cognitivo das crianças dessa faixa estaria. As observações demonstraram que esse não é o caso dos profissionais do NDI, onde, de modo geral, todos os funcionários circulam pelos espaços rotineiramente e sempre param e conversavam com as crianças. No grupo observado, sempre na hora do lanche, em que a cozinheira levava a refeição para as crianças na sala, ela chamava o Caio e ele ficava todo feliz. Logo, já começava o “dá dá dá” e ela ficava conversando com ele. Entende-se a partir das análises que a criança desenvolve sua oralidade já 55 nos primeiros momentos de vida, começando de forma instintiva e, aos poucos, crescendo e se desenvolvendo de forma intencional e objetiva e, principalmente, a partir da interação com o meio, com outras crianças e com adultos. Nesse ponto, a prática pedagógica comprometida contribui e interfere diretamente no desenvolvimento da oralidade do bebê, que dali começará a falar e logo mais a escrever. Para Richter e Barbosa, “[...] os seres humanos, ao nascerem, trazem como condição de sobrevivência a necessidade e o desejo de se relacionar e se comunicar”. (2010, p.86). Para que isso ocorra, é preciso que os estímulos sejam constantes, praticados tanto pela família como pela instituição de educação. Imagem 22 – Caio interroga Valentina: “Dá?!” como se pedisse para ela entregar para ele o bicho de pelúcia. Fonte: Diário de Campo, 25/04/2013. Imagem 23 – As crianças riem muito e se divertem com a professora na piscina de bolinhas. Fonte: Diário de Campo, 23/04/2013 56 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho proporcionou um aprofundamento prático e teórico sobre os bebês e suas linguagens. As etapas do trabalho – observação, registro, análise dos dados e análise teórica – colaboraram para as reflexões e ampliaram o olhar sobre os questionamentos que nortearam a pesquisa. Analisando os resultados em suas diversas etapas, é possível concluir que os objetivos principais e específicos foram atendidos, promovendo uma ampla compreensão acerca de como as crianças se comunicam, que tipos de linguagens utilizam, se as entendemos e como lidamos com essas diversas linguagens e, principalmente, se há estímulo por parte dos professores para o desenvolvimento delas. A etapa de observação aconteceu de forma também participativa, permitindo a interação diretamente com as crianças. Durante quase todo o período de observação, pode-se ter contato com os bebês desde os momentos de recepção, na chegada à instituição, nas diversas brincadeiras, na hora do lanche, na hora do sono, nos momentos de choros e diversão, até a ocasião do retorno pra casa. Esta proximidade possibilitou um olhar direto, investigativo e analítico sobre as conversas que puderam se desenvolver com as crianças e com os profissionais. Foi a partir das observações que os tópicos de análise foram surgindo. Depois de compreender a variedade de linguagens que as crianças do grupo utilizam para se comunicar, passou-se a analisar mais especificamente algumas delas, como podem ser desenvolvidas e que estímulos são realizados para o seu desenvolvimento. Os registros escritos e fotográficos possibilitaram a visão e revisão dos acontecimentos registrados, sugerindo os rumos da pesquisa teórica. Os tipos de linguagens analisados mais detalhadamente nesta pesquisa foram as do corpo, explorando os gestos, as expressões e o comportamento, e a oralidade, existente na faixa etária do grupo. Sobre a linguagem corporal e suas especificidades, foi possível concluir que as crianças interagem com o adulto e com os demais do grupo usando muito o seu corpo como ferramenta. A pouca oralidade existente faz com que as crianças se 57 comuniquem com o mundo a partir das suas caras e bocas, gestos diversos e com muito uso do tato. Elas abraçam o mundo com suas pequenas mãos na busca de se descobrirem e se criarem ao mesmo tempo. As cabecinhas viradas com um olhar carinhoso, o balanço dos braços ao tentar contar uma história, os sorrisos, as mordidas, seus autorreconhecimentos por meio do espelho e as caras brabas sugerem aos que “não falam essa língua13” um convite a desvendá-la, compreendê-la e correspondê-la para estabelecer uma comunicação com os pequenos. Sobre a oralidade, os estudos realizados permitiram compreender que as crianças as têm desde seus primeiros momentos de vida, porém, até aproximadamente seus 6 meses de vidas, ela acontece involuntariamente. Os gritinhos e balbucios nessa fase fazem parte da descoberta do bebê sobre a existência da sua fala e audição. Depois dos 6 meses, os bebês já tomam consciência de que o som que escutam é emitido por eles e, então, começam a brincar incansavelmente com sua voz, desenvolvendo sua linguagem e seu pensamento. Os sons emitidos já sugerem uma comunicação com sentido e objetivos e seus choros se diferenciam de acordo com o que desejam no momento. Logo, a criança começa a entender as dimensões do seu corpo e passa a usar sua oralidade em conjunto com sua linguagem corporal para dizer o que quer e o que não quer, o que gosta e o que não gosta, apontando para objetos, chorando de diferentes formas e estabelecendo uma ampla comunicação que se desenvolverá continuamente. No grupo observado, o incentivo de toda essa comunicação é praticado a todo o momento. As professoras dialogam constantemente com as crianças do grupo e entendem perfeitamente todas as suas manifestações. Essa intimidade de relação é muito importante para o bom desenvolvimento dessas linguagens, pois os pequenos precisam se sentir à vontade e seguros para se expressarem. Isso comprova também o respeito, o carinho e a atenção com que as professoras da instituição tratam as crianças, estando sempre atentas às suas necessidades físicas, comportamentais e emocionais. O NDI considera importante uma prática que consista no desenvolvimento 13 Referência ao trabalho de Schmitt (2008) “Mas eu não falo a língua deles...”. 58 integral das crianças. Neste espaço, as crianças têm a sua disposição a música, as brincadeiras, os ambientes propostos e bem planejados, contado com diferentes culturas, o uso da fantasia, que lhes oportunizam as mais variadas formas de se expressarem, interagirem, se comunicarem, descobrirem e criarem o seu mundo. Portando, pesquisar as linguagens dos bebês em seus variados aspectos permite oportunizar para a sociedade e o corpo docente desta instituição (não somente) o entendimento de que a prática pedagógica para com os bebês deve consistir na preocupação de seu desenvolvimento integral. Considerando que esses pequenos são seres de direitos, e que estes precisam ser respeitados e compreendidos. E, disponibilizando-se a escutá-los, pode-se surpreender com como eles se comunicam com propriedade, intencionalidade e objetividade, permitindo uma troca de aprendizado constante. 59 REFERÊNCIAS ANGOTTI, Maristela. Educação Infantil: pra que, para quem e por quê? CampinasSP: Alínea, 2006. BARBOSA, Maria Carmem. As especificidades da ação pedagógica com os bebês. Texto de apoio às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Consulta Pública. Ministério da Educação, 2010. Disponível em: <portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc>. Acesso em 30 mar. 2013. BARBOSA, Silvia Neli Falcão; KRAMER, Sônia; SILVA, Juliana Pereira. Questões teórico-metodológicas da pesquisa com crianças. In: Perspectiva, Florianópolis, v.23, n.1, p.41-64, jan/jun.2005. BARROS, Aidil de Jesus Paes; LEHFELD, Neide Aparecida de Souza. Projeto de Pesquisa: Propostas metodológicas. 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ZIMERMAN, D. E. Fundamentos psicanalíticos. Porto Alegre: ArtMed, 1999. 62 ANEXOS ANEXO A PLANO POLÍTICO PEDAGÓGICO DO NÚCLEO DE DESENVOLVIMENTO INFANTIL – NDI 63 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO NÚCLEO DE DESENVOLVIMENTO INFANTIL SÍNTESE do PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO¹ [...] tomar a criança como ponto de partida exigiria compreender que para ela, conhecer o mundo envolve o afeto, o prazer e o desprazer, a fantasia, o brinquedo e o movimento, a poesia, as ciências, as artes plásticas e dramáticas, a linguagem, a música e a matemática (KUHLMANN JR, 1999). 1–INTRODUÇAO O presente documento tem por finalidade estabelecer em linhas gerais os fundamentos teóricos, os objetivos e os encaminhamentos metodológicos para o desenvolvimento do trabalho pedagógico com crianças de 0 a 6 anos do Núcleo de Desenvolvimento Infantil. Atualmente o NDI, atende 242 crianças2 de 3 meses a 5 anos e 11 meses3 divididas em 20 turmas, nos períodos matutino e vespertino. Este atendimento é realizado por docentes com nível superior, alguns com Mestrado e Doutorado e outros em formação de Especialização, Mestrado e Doutorado. Além das atividades de Ensino os professores também realizam atividades de Pesquisa e Extensão. Realiza-se ainda, nesta instituição estágios dos mais diferentes Cursos de Graduação (Pedagogia, Educação Física, Psicologia, Nutrição, Agronomia, 1 Esta síntese foi elaborada em 2007. O Projeto Político Pedagógico completo encontra-se disponível, para consulta, no NDI. 2 O Núcleo de Desenvolvimento Infantil atende até o momento crianças oriundas da Comunidade Universitária, são filhos de docentes, técnicos administrativos e estudantes, que ingressam na instituição por meio de sorteio, com percentuais determinados para cada uma das categorias acima citadas. 3 Com o ensino fundamental tendo sido ampliado para 9 anos, foi necessário uma adequação da faixa-etária atendida pela educação infantil, razão pela qual o NDI extinguiu os Grupos 7 já que as crianças que completam seis anos após o dia 31 de março devem automaticamente se matricular no 1ª ano do ensino fundamental. 64 entre outros) efetivando-se como espaço de experimentação pedagógica e contribuindo na formação e qualificação de profissionais. Faz-se mister explicitar com clareza os princípios teóricos e práticos que estarão norteando o trabalho pedagógico desta instituição, para tal, primeiramente delineia-se os fundamentos que estarão subsidiando as práticas docentes tendo-se buscado para compô-lo, principalmente, elementos oriundos da antropologia, sociologia e psicologia. Em seguida especificam-se as metas e objetivos que estarão balizando estas práticas e as orientações metodológicas. 2–FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A educação infantil vem, historicamente, desenvolvendo suas práticas pedagógicas orientada, principalmente, pelos estudos oriundos da psicologia. Nas últimas décadas, com o aprofundamento de pesquisas e estudos produzidos na área, entre outras questões, várias críticas foram feitas ao que se considerou uma excessiva “psicologização” da criança; crítica que se consubstancia sobretudo a partir da fragilidade verificada na própria compreensão e aprofundamento das diferentes correntes teóricas no interior da própria psicologia por parte dos professores. Uma tendência que vem se consolidando na área da educação infantil busca dialogar com outros campos de conhecimento, notadamente a antropologia e a sociologia, além da história e da filosofia. A contribuição destes estudos vem trazendo para a educação infantil subsídios que possibilitam avançar e refinar o conhecimento sobre a criança e a infância tornando possível desenvolver novas metodologias de trabalho pedagógico com as crianças pequenas. A antropologia é um ramo do conhecimento que se firmou no final do século XIX e começo do século XX como a ciência social responsável pelo estudo de outras sociedades e culturas. Essa definição tornou-se menos precisa no decorrer do século passado e, contemporaneamente, os antropólogos passaram a se interessar pelo estudo de nossa própria sociedade estudando 65 fenômenos sociais que nos são próximos. Dessa forma, “uma antropologia da criança pode ser desde aquela que analisa o que significa ser criança em outras culturas e sociedades até aquela que fala das que vivem em um grande centro urbano” (COHN, p. 8, 2005). Segundo Cohn (2005, p. 9) a maior contribuição que a antropologia pode nos fornecer é de um modelo analítico que permite entender a criança por si mesma, permitindo escapar de uma imagem negativa na qual se fala mais de outras coisas e menos das crianças, como por exemplo, a corrupção do homem pela sociedade ou o valor da vida em sociedade. A etnografia é um método oferecido pela antropologia que tem sido apropriado pelos estudos desenvolvidos em diversas áreas, sobretudo nas pesquisas realizadas com crianças, pois “permite observar diretamente o que elas fazem e ouvir delas o que têm a dizer sobre o mundo”. Na última década a sociologia vem também oferecendo uma importante contribuição para os estudos sobre a criança; contribuição que vai constituir os primeiros elementos de uma sociologia da infância. Esta sociologia se opõe a uma concepção de infância construída como objeto sociológico reconstruído através de seus dispositivos institucionais, como por exemplo, a escola, a família e a justiça, onde a criança é considerada como um simples objeto passivo (SIROTA, 2001, p. 9). Propõe que a infância não seja considerada simplesmente como um momento precursor, mas como um componente da cultura e da sociedade, pois a infância possui uma especificidade própria e ainda que se situe como uma das idades da vida sua forma estrutural jamais desaparece, não obstante seus membros mudem constantemente. As crianças devem ser consideradas como sujeitos em sentido pleno e não simplesmente como seres em devir, elas são ao mesmo tempo produto e produtores dos processos sociais (SIROTA, 2001, p. 19). Tanto os estudos provenientes da antropologia quanto da sociologia da infância vêm exercendo uma expressiva influência na produção do conhecimento sobre a criança e a infância refletindo, consequentemente, em diferentes aspectos da prática pedagógica. É importante salientar também que as conquistas legais concretizadas 66 preponderantemente no final da década de 1980 consubstanciadas através do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), da Constituição Federal e mais recentemente com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), concomitante a emergência de novos campos de estudos sobre a criança e a infância, redundaram, sobretudo, em uma concepção de criança como ser social e sujeito de direitos. Estas questões vêm suscitando os educadores a repensarem suas práticas reconhecendo a necessidade de considerar cada criança como sujeito concreto, respeitando-as em suas singularidades, procurando compreendê-las, atentando para suas idiossincrasias pessoais, ouvindo o que cada uma tem para dizer. Atentos a estas discussões, os profissionais do Núcleo de Desenvolvimento Infantil vêm buscando orientar suas práticas pedagógicas tendo como uma de suas bases fundamentais a concepção da criança como sujeito de direito, como ser social, respeitando a infância como o tempo de ser criança devendo ser vivido em sua plenitude. Não obstante tais considerações, é importante esclarecer que não é possível desconsiderar que as contribuições oriundas da psicologia são fundamentais para compreender como as crianças aprendem e se desenvolvem e que aliada a outros campos do conhecimento, ela oferece um aporte teórico imprescindível para a objetivação das práticas educativas. Nesse sentido reafirma-se a psicologia sócio-histórica como basilar para fundamentar a compreensão dos educadores sobre o desenvolvimento infantil sem, contudo, reduzir esta compreensão em explicações baseadas em modelos mecanicistas ou modelos organicistas. Esta psicologia teve início com as obras de Vigotski (1896-1934) e formou uma corrente teórica que vem sendo chamada de “Escola soviética”. Vários autores inscritos nesta corrente teórica, através de seus estudos e pesquisas, oferecem conhecimentos essenciais para a compreensão da formação do psiquismo humano numa perspectiva historicizadora possibilitando superar a visão idealista do desenvolvimento psicológico. Destacam-se aqui os estudos feitos por Elkonin e Leontiev que demonstraram que é possível visualizar estágios de desenvolvimento do ser humano, sendo que cada estágio é caracterizado por uma relação determinada, por uma atividade principal. A atividade principal 67 desempenha a função central na forma de relacionamento do ser com a realidade. É por meio destas atividades principais que a criança relaciona-se com o mundo, e em cada estágio formam-se nela necessidades especificas em termos psíquicos (FACCI, 2006, p. 13). Os principais estágios do desenvolvimento pelos quais os sujeitos passam são, segundo Elkonin (ELKONIN, 1998, pp. 207-216): comunicação emocional do bebê; atividade objetal manipulatória; jogo de papéis; atividade de estudo; comunicação íntima pessoal e atividade profissional/estudo. Limitar-se-á, para os objetivos deste projeto, a especificar mais detalhadamente àqueles estágios correspondentes a faixa-etária entre 0 a 6 anos, por ser esta a idade das crianças que frequentam o Núcleo de Desenvolvimento Infantil. A comunicação emocional direta dos bebês com os adultos é a atividade principal desde as primeiras semanas de vida até mais ou menos a idade de um ano. O choro, o sorriso, o balbucio são formas de comunicação social. Para Vigotski, há no primeiro ano de vida uma sociabilidade totalmente específica e peculiar devido a uma situação social de desenvolvimento única e que é determinada por dois momentos fundamentais: a total incapacidade biológica da criança, pois ela é incapaz de satisfazer quaisquer uma das suas necessidades básicas de sobrevivência; e a necessidade da criança de estabelecer uma comunicação máxima com os adultos, embora esta comunicação seja uma comunicação sem palavras, muitas vezes silenciosa, uma comunicação de gênero totalmente peculiar. Portanto, “o desenvolvimento do bebê no primeiro ano baseia-se na contradição entre a máxima sociabilidade (devido a situação em que se encontra) e suas mínimas possibilidades de comunicação” (VIGOTSKI, apud FACCI, 2006, p. 14). No segundo ano de vida a atividade principal passa a ser a objetalinstrumental. A comunicação emocional dá lugar a uma colaboração prática, onde por intermédio da linguagem a criança mantém contato com o adulto e aprende a manipular os objetos criados pelos seres humanos organizando a comunicação e a colaboração com os adultos. Nesta etapa a linguagem tem um a 68 função auxiliar que ajuda a criança a compreender e assimilar os procedimentos, socialmente elaborados, de ação com os objetos (FACCI, 2006). É importante destacar que nos três primeiros anos de vida, o desenvolvimento infantil é profundamente marcado por reações emocionais e sentimentos. Como afirma Martins (2006, p. 34), Os sentimentos da criança na primeira infância são intensos, porem instáveis, diretamente dependentes da situação experienciada. Ela extrai suas vivencias emocionais das relações que estabelece com adultos e crianças que a rodeiam, transpondo-as para tudo que faz, em especial para suas atividades lúdicas com os objetos. Na sequência, no período entre três e seis anos, a atividade principal passa a ser o jogo ou a brincadeira. A partir dela, a criança apropria-se do mundo concreto dos objetos humanos, por meio da reprodução das ações realizadas pelos adultos com esses objetos. As brincadeiras das crianças não são instintivas e o que determina seu conteúdo é a percepção que a criança tem do mundo dos objetos humanos. O principal significado do jogo é permitir que a criança modele as relações entre as pessoas. Possibilita também que a criança possa fazer suas primeiras abstrações, pois na brincadeira ela pode realizar ações e resolver a contradição entre a necessidade de agir e a impossibilidade de executar as operações exigidas pela ação. Segundo Leontiev (1998, p. 125), [...] sabemos como o brinquedo aparece na criança em idade préescolar. Ele surge de sua necessidade de agir em relação não apenas ao mundo dos objetos diretamente acessíveis a ela, mas também em relação ao mundo mais amplo dos adultos. Uma necessidade de agir como um adulto surge na criança, isto é, de agir da maneira que ela vê os outros agirem, da maneira que lhe disseram, e assim por diante. Ela deseja montar um cavalo, mas não sabe como fazê-lo; isto está além de sua capacidade. Ocorre, por isso, um tipo de substituição; um objeto pertencente ao mundo dos objetos diretamente acessíveis a ela toma o lugar do cavalo em suas brincadeiras. A brincadeira de papéis incita na criança novas demandas, pois pouco-apouco, não basta para ela apenas fazer-de-conta àquilo que os adultos fazem, e, como afirma Martins, “torna-se necessário saber aquilo que os adultos sabem”, dessa forma, 69 O interesse pela construção dos saberes historicamente sistematizados expresso pela vasta curiosidade infantil, pela busca de explicações verdadeiras, pelos questionamentos sobre os fenômenos físicos e sociais, etc., são as mais vivas formas de manifestação da linha acessória do desenvolvimento do pré- escolar [...] (MARTINS, 2006, p. 42). Fatores globais do desenvolvimento psíquico, tais como, a memória, a atenção, a linguagem, o pensamento, a imaginação e o sentimento estão relacionados diretamente com o desenvolvimento da brincadeira de papel, ou seja, esta desempenha funções imprescindíveis em todo o desenvolvimento da criança passando pelo desenvolvimento da consciência e o desenvolvimento afetivo-emocional até o desenvolvimento de capacidades e traços de caráter e a própria formação moral. Existem relações complexas entre o desenvolvimento e a aprendizagem da criança. Vigotski (1984), identificou dois níveis de desenvolvimento: o primeiro é o nível denominado de real ou efetivo e constitui-se pelas funções psicológicas já efetivadas; o segundo é o nível de desenvolvimento próximo e se define como aquelas funções que estão em vias de amadurecer podendo ser identificadas por meio de solução de tarefas com o auxílio do adulto e outras crianças mais experientes. Nesse sentido, o ensino deve incidir sobre o segundo nível, pois a zona de desenvolvimento próximo tem um valor mais direto para a dinâmica da instrução do que o nível atual de desenvolvimento. Portanto, neste processo, o professor tem um papel destacado enquanto mediador entre a criança e o conhecimento produzido e acumulado historicamente pela humanidade, cabendo a ele intervir na zona de desenvolvimento próximo da criança conduzindo a prática pedagógica (FACCI, 2006, p. 23). Partindo destes fundamentos, destaca-se a importância de: - ver cada criança como sujeito do processo de ensino/aprendizagem e, consequentemente, respeitá-la como “ser que é” e não apenas como um “vir-aser”; - levar em consideração as especificidades próprias da infância, considerando também a importância dos diferentes momentos vividos pelas crianças em seu desenvolvimento, dependendo de sua faixa-etária; 70 - reconhecer que a criança, como ser social, é também produtora e reprodutora da cultura e para tal é fundamental que se aproprie dos conhecimentos produzidos e acumulados historicamente pela humanidade; - reconhecer que o papel da escola reside na transmissão-assimilação de conhecimentos; - reafirmar a importância do papel do professor como mediador do processo de ensino/aprendizagem; 3 – OBJETIVOS 3.1 Objetivos Gerais • Reconhecer a criança como ser social e sujeito de direitos; • Possibilitar as crianças o acesso aos conhecimentos produzidos historicamente pela humanidade. 3.1 Objetivos Específicos • Auxiliar a criança (0 a 3) a compreender a ação dos objetos tendo a linguagem oral como campo mediador; • Oferecer conhecimentos que enriqueçam e ampliem as brincadeiras de papéis sociais; • Estimular na criança o respeito ao outro – adulto/criança; • Proporcionar as crianças ambientes estimulantes, aconchegantes e seguros; • Desenvolver a curiosidade, imaginação e capacidade de expressão; • Propiciar condições favoráveis e seguras que oportunizem as crianças movimentar-se livremente; • Proporcionar vivências que suscitem compreender a importância do equilíbrio ambiental e do respeito à natureza. 4 – ENCAMINHAMENTOS METODOLÓGICOS Delineados os pressupostos teóricos e os objetivos que estarão norteando o trabalho pedagógico desenvolvido com as crianças que frequentam o Núcleo 71 de Desenvolvimento Infantil é importante esclarecer que, a partir destas bases, os professores estarão desenvolvendo projetos pedagógicos específicos para a faixa-etária com a qual trabalham. Ressalte-se que embora não se tenha a intenção de estabelecer práticas compartidas, vimos que não é possível desconsiderar as diferenças flagrantes entre o desenvolvimento, por exemplo, de um bebê e de uma criança de cinco anos. Como afirma Kuhlmann Jr. (1999, p. 64), “se o bebê está distante dos conceitos científicos [...], também a criança de cinco ou seis anos está distante do que foi quando bebê”. Considerando as diferenças básicas existentes no período entre zero e seis anos no desenvolvimento infantil, os projetos pedagógicos para cada faixa-etária estarão estabelecendo objetivos e definindo atividades específicas a serem desenvolvidas com cada grupo de trabalho que, por sua vez, serão retomadas com minudência no planejamento diário de cada professor. 4.1 – Avaliação Para efetivar a avaliação o professor terá como base fundamental as referências indicadas pela psicologia para referendar o nível de desenvolvimento e aprendizagem adequado à faixa-etária. É importante ressaltar que cada criança é avaliada individualmente e tomam-se as referências apenas como base geral, pois há vários fatores que influenciam o desenvolvimento infantil e não deve-se padronizar de maneira a cristalizar as possibilidades de trabalho e muito menos fazer comparações que podem prejudicar a própria criança que está sendo avaliada. A avaliação das crianças é feita também em acordo com o projeto pedagógico elaborado para os diferentes grupos de crianças, levando em conta os acontecimentos/situações vividas pelo grupo. Pauta-se na realidade, a partir da observação e da reflexão teórica (registro) daquilo que se propôs ao grupo considerando evidentemente cada criança individualmente. A avaliação também leva em consideração as propostas para o grupo e as respostas dadas pelas crianças de acordo com o nível de desenvolvimento que se encontram tanto coletiva quanto individualmente. 72 5–REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARCE, A. 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A formação social da mente. São Paulo; Martins Fontes, 1984. 73 ANEXO B CARTA DE RESPONSABILIDADE DE REVISÃO ORTOGRÁFICA 74 APÊNDICE Carta de apresentação no campo