universidade federal de uberlândia instituto de geografia
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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA INSTITUTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: GEOGRAFIA E GESTÃO DO TERRITÓRIO ANA ALICE BEZERRA PINTO DAMAS GARLIPP POLÍTICAS PÚBLICAS E TRANSFORMAÇÕES SOCIOESPACIAIS NO NORTE DE MINAS GERAIS: UM ESTUDO DO TERRITÓRIO DA CIDADANIA SERRA GERAL UBERLÂNDIA-MG 2015 2 ANA ALICE BEZERRA PINTO DAMAS GARLIPP POLÍTICAS PÚBLICAS E TRANSFORMAÇÕES SOCIOESPACIAIS NO NORTE DE MINAS GERAIS: UM ESTUDO DO TERRITÓRIO DA CIDADANIA SERRA GERAL Tese de Doutorado apresentada ao Programa de PósGraduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, como requisito à obtenção do título de Doutor em Geografia. Área de Concentração: Geografia e Gestão do Território Orientador: Prof. Dr. João Cleps Júnior UBERLÂNDIA-MG 2015 3 4 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Sistema de Bibliotecas da UFU, MG, Brasil _______________________________________________________________ 5 Dedico esta tese à José Rubens, pela grandeza de me ensinar, apoiar, criticar orientar, enfim, de ser responsável pela melhor parte de mim, para você todo meu amor. 6 AGRADECIMENTOS Ao Professor Doutor João Cleps Júnior, agradeço pela confiança em mim depositada quando aceitou me orientar; pela sua orientação, meu reconhecimento; Ao Programa de Pós-graduação em Geografia do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, pela oportunidade; Ao Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia, pela licença concedida, a qual permitiu-me o afastamento das funções que desempenho nesta Instituição para a realização desta Tese; Aos Professores, funcionários e aos colegas doutorandos do Curso de Doutorado do Programa de Pós-graduação em Geografia do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, pelas contribuições nesta importante fase da minha vida profissional; Aos entrevistados, em especial aos representantes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porteirinha-MG, pela solicitude com que me atenderam e pelas contribuições; Aos colegas e amigos do CEPES – Centro de Estudos, Pesquisas e Projetos Econômico-sociais do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia, pelo incentivo; Aos membros da Banca de Qualificação, pelas sugestões e observações; Ao Professor e amigo César Ortega, pelo constante apoio e incentivo; À Professoras e amigas Vanessa Petrelli e Marisa Botelho, à Ester, ao Clésio Marcelino e ao Giliander, pelos auxílios com os quais pude contar; Às amigas do “café do inglês”, Ester, Jucyene e Rita, pelos especiais momentos de convívio e relaxamento; Aos sempre presentes amigos Vanessa e Niemeyer, Marisa e Geraldo, César e Selva, Gilson e Iris, Maria Elisa e Adriano,Glaúcia Angélica, e José Flores pela amizade que engrandece a vida; 7 Aos meus familiares, que mesmo à distância, torceram para que esta tarefa se cumprisse; À Mariana e Maria Paula, pelas palavras e gestos de incentivo; Aos meus pais, José e Maria Solange, pela compreensão e amor incondicionais; Aos meus filhos, Frederico, Luíza e Felipe, por me engrandecerem e por me encorajarem à vida, em todos os dias; Ao meu marido, José Rubens por ser meu maior companheiro de vida. 8 RESUMO Depois de um interregno de vinte anos, nos anos 2000 o Estado brasileiro retoma sistematicamente o planejamento público, a partir de uma nova visão de desenvolvimento, caracterizado como Desenvolvimento Territorial Rural Sustentável. Com esta abordagem, as atuais políticas públicas criam programas de inclusão socioprodutiva com vistas a diminuir as desigualdades socioeconômicas que ainda persistem no Brasil, como é o caso do Programa Territórios da Cidadania, do governo federal, criado em 2008 e voltado para superação da pobreza e geração de trabalho e renda no meio rural brasileiro. Neste sentido, o objetivo desta tese é o de compreender as transformações socioespaciais do Norte de Minas Gerais pelo estudo do Território da Cidadania Serra Geral (TCSG), tendo como referência os resultados das políticas de desenvolvimento regional das décadas de 1970 e 1980, as quais,por meio da SUDENE, em parceria com a CODEVASF e RURALMINAS, foram responsáveis pela implantação dosprojetos de irrigação de Jaíba e Gorutuba, dando as condições para o desenvolvimento da fruticultura irrigada, atualmente conformada no espaço geográfico do TCSG. No entanto, os avanços alcançados pela agricultura irrigada não foram suficientes para diminuir as desigualdades de condições, sociais e produtivas, vistas nas diferenças de indicadores socioeconômicos dos dezesseis municípios do TCSG. Em vista disso, a pesquisa que realizamos buscou compreender em que medida as políticas que chegam no TCSG por meio dos programas PRONAF, PROINF, Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Bolsa Família (PBF) contribuem para a promoção de um desenvolvimento menos desigual, mais inclusivo e perene. Os resultados mostram que os programas sociais e de inclusão produtiva contribuem sobremaneira para a melhoria das condições de vida e de reprodução socioeconômica da população dos municípios do TCSG, o que pode ser comprovado pelo número de programas e volume de recursos, podendo ser relacionados com a evolução do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de 2010 da maior parte dos municípios do TCSG. Entretanto, ainda não são suficientes para alavancar o desenvolvimento endógeno e mais inclusivo, bem como para diminuir as discrepâncias dos apoios institucionais e dos aportes de recursos técnicos e financeiros das atividades do agronegócio em relação às atividades da agricultura familiar do TCSG. Palavras-chave: Desenvolvimento Territorial; Norte de Minas; Território da Cidadania Serra Geral; Agricultura Familiar; Fruticultura. 9 RESUMEN Enla década de 2000, trasun lapso de veinteañoselgobiernobrasileño se reanuda de forma sistemática laplanificación pública de una nuevavisióndeldesarrollo, caracterizado como elDesarrolloSostenible Rural Territorial. En este enfoque, las políticas públicas actualescrean programas de inclusiónsocio-productivosconelfin de reducirlas desigualdades socioeconómicas que aúnpersistenen Brasil, como el Programa Territórios da Cidadania creado por elgobierno federal 2008 y dirigido a lasuperación de la pobreza y lageneración de empleo e ingresosenel Brasil rural. En este sentido, el objetivo de este estudio es comprenderlastransformacionessocio-espaciales de laregióndel Norte de Minas Gerais para elestudio de caso de El Territorio da Cidadania Serra Geral (TCSG), con referencia a los resultados de las políticas de desarrollo regional de losaños 1970 y 1980 que, por SUDENE, encolaboraciónconla CODEVASF y RURALMINAS, fueronresponsables de laaplicacióndelproyecto de riego de Jaíba y de Gorutuba y dieronlas condiciones para eldesarrollo de la horticultura de regadío formado actualmenteenelespacio geográfico de laTCSG.Sin embargo, losprogresosalcanzados por la agricultura de regadío no fueron suficientes para reducirlas condiciones de desigualdad social y productiva vistas enlas diferencias de los indicadores socio-económicos de losdieciséismunicipios de TCSG. En vista de eso, esta investigación resulta de entender hasta que puntola política de llegar a TCSG través de programas como el PRONAF, PROINF, Programa de aquisição de Alimentos (PAA) y la Bolsa Familia (PBF) ayudan a promover undesarrollo más equitativo, más inclusivo y duradero. Por lo tanto, los resultados de laencuestamuestran que los programas sociales y lainclusiónproductivacontribuyenengran medida a mejorarlas condiciones de vida y lareproducción socioeconómica de lapoblación de losmunicipios de TCSG, que pueden ser probadas por lacantidad de programas y suvolumen de recursos, enrelaciónconlaevolución de Índice de Desarrollo Humano (IDHM) en 2010 enlamayoría de losmunicipios de TCSG; Sin embargo, aún no son suficientes para apalancar eldesarrollo inclusivo y endógeno o reducirlasdiscrepancias de apoyo institucional y aportaciones de recursos técnicos y financieros de lasactividadesagroindustrialesenrelaciónconlasactividades de la agricultura familiar de TCSG. Palabras clave:Desarrollo Territorial; Norte de Minas Gerais; Território daCidadania Serra Geral; La agricultura familiar; La producción de frutales 10 ABSTRACT In the 2000s, after a gap of twenty years the Brazilian government systematically resumes the public planning from a new vision of development, characterized as Territorial Rural Sustainable Development. In this approach, the current public policies create socio-productive inclusion programs in order to reduce socioeconomic inequalities that still persist in Brazil, such as the ProgramaTerritórios da Cidadania the federal government created in 2008 and aimed at overcoming poverty and generation of employment and income in rural Brazil. In this sense, the objective of this study is to understand the socio-spatial transformations of the region North of Minas Gerais for the case study of the Território da Cidadania Serra Geral (TCSG), with reference to the outcome of the regional development policies of the 1970s and 1980s which by SUDENE, in partnership with CODEVASF and RURALMINAS, were responsible for the implementation of Jaíba's and Gorutuba's irrigation project and gave conditions for the development of irrigated horticulture currently formed in the geographical space of the TCSG.However, the progresses reached by irrigated agriculture were not enough to reduce social and productive inequality conditions seen in the differences of socio-economic indicators of the sixteen municipalities of TCSG. In view of this, this research turns to understand to what extent the political arriving in TCSG through programs such as PRONAF, PROINF, Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) and BolsaFamilia (PBF) help to promote a more equitable development , more inclusive and lasting. Thus, the survey results show that social programs and productive inclusion greatly contribute to improve living conditions and socioeconomic reproduction of the population of the municipalities of TCSG, which can be proven by the amount of programs and their volume of resources, related to the evolution of Human Development Index (IDHM) in 2010 in most of the municipalities of TCSG; however, they are not yet sufficient to leverage inclusive and endogenous development or reduce the discrepancies of institutional support and technical and financial resource contributions of agribusiness activities in relation to the activities of the familiar agriculture of TCSG. Keywords:Territorial Development; North of Minas Gerais; Território da Cidadania Serra Geral; Family farming; Fruitgrowing 11 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Logomarca Região do Jaíba .................................................................... 123 Figura 2: Contêiner de Banana prata Climatizado, Exportado para Portugal, outubro de 2014 ................................................................................................................... 140 Figura 3: Pós-colheita Tradicional e Pós-colheita Moderna em Jaíba......... ............ 141 Figura 4: Limão beneficiado pela unidade de beneficiamento da Fazenda Thelo, Matias Cardoso......... .............................................................................................. 145 Figura 5: Estrutura do Colegiado Territorial do PTC......... ...................................... 203 Figura 6: Estrutura de Gestão do PTC......... ........................................................... 204 Mosaico de Fotos 1: Área Rural de Porteirinha-MG - Equipe técnica, maquinário e propriedade que recebeu cisterna do Programa P1MC ..................................................................................................................................171 Mosaico de Fotos 2: Porteirinha-MG- Produtos da Feira do Mercado Municipal..................................................................................................................170 Imagem 1 : Espacialização do Território da Cidadania Serra Geral .... ................... 100 Imagem 2: Polo de Fruticultura de Jaíba: Etapas 1 e 2 .... ...................................... 135 12 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: NM – Participação (%) das Principais Culturas na Produção de Frutas de MG, 2013............................................................................................................ 125 Gráfico 2: TCSG - Percentual dos Produtores da Agricultura Familiar e Assentados da Reforma Agrária, beneficiados pela venda dos produtos para o PAA doação simultânea, nos Municípios, 2011-2014 ..................................................... 191 Gráfico 3: TCSG - Condição do Produtor, com Título da Reforma Agrária ou aguardando titulação, 2006 .................................................................................... 192 13 LISTA DE MAPAS Mapa 1: Localização da Mesorregião Geográfica Norte de Minas Gerais ............... 67 Mapa 2: Localização Geográfica do Território da Cidadania Serra Geral ................ 94 Mapa 3: Biomas Predominantes no Território da Cidadania Serra Geral .................. 98 Mapa 4: TCSG – Índice de Desenvolvimento Humano, 2000 ................................. 109 Mapa 5: TCSG – Índice de Desenvolvimento Humano, 2010 ................................. 110 Mapa 6: Mapa do Projeto Jaíba......... ..................................................................... 122 Mapa 7: TCSG - Distribuição dos Recursos do PROINF,2003-2014 ...................... 185 14 LISTA DE QUADROS Quadro 1: TCSG – Biomas a que integram os Municípios ........................................ 99 Quadro 2: Municípios do TCSG - Índice de Desenvolvimento Humano, 1991, 2000 e 2010 ................................................................................................. 108 Quadro 3: Municípios do TCSG – PIB Agrícola, 2010 ............................................ 115 Quadro 4: Municípios do TCSG – Número de Famílias Assentadas, Área dos Assentamentos, e Percentual da Área por Família Assentada, 1988-2009 ............................................................................................ 116 Quadro 5: Municípios do TCSG – Comunidades Quilombolas, 2004-2013 ........... 117 Quadro 6: Brasil - Exportação de Frutas, 2009 e 2010 ........................................... 132 Quadro 7: Microrregiões do Brasil – Número de Estabelecimentos com Cultivo de Fruta da Lavoura Permanente, 2013 ......... .......................................... 132 Quadro 8: Microrregiões do NM – Número de Estabelecimentos com Cultivo de Fruta da Lavoura Permanente, 2013 ................................................................................ 133 Quadro 9: Municípios do TCSG – Número de Fábricas de Conservas de Frutas, 2013 ............................................................................................................ 146 Quadro 10: TCSG - Fruticultura Irrigada: Principais Produtores, 2015 ................... 148 Quadro 11: TCSG - Município com Empresa Exportadora de Frutas, 2015 ........... 148 Quadro 12: TCSG - VAF por Município, 2010-2012 ............................................... 154 Quadro 13: TCSG - PIB dos Municípios em relação ao PIB do conjunto dos Municípios, 2013 .................................................................................................... 155 Quadro 14: Propostas para um Desenvolvimento Regional Sustentável ................ 156 Quadro 15: Modelo de Agricultura Patronal e Familiar ............................................ 161 Quadro 16: TCSG - Distribuição do Crédito do FNE por município, 2011 ............... 181 Quadro 17: TCSG - Principais Produtos Comprados pelo PAA, 2012 ................... 190 Quadro 18: TCSG - TCSG - Dados Básicos sobre o Colegiado Territorial ............. 206 15 LISTA DE TABELAS Tabela 1: TCSG - Dados Populacionais, 2000 e 2010 ............................................ 105 Tabela 2: Municípios do TCSG - População Rural e Urbana, 2010 ........................ 106 Tabela 3: Municípios do TCSG - Número de Estabelecimentos por faixa de Área(ha) dos Imóveis Rurais ................................................................................... 114 Tabela 4: Principais Municípios do TCSG – Número de Estabelecimentos com Cultivo de Fruta da Lavoura Permanente, 2011-2013, e Participação Percentual, 2013 .................................................................................................... 133 Tabela 5: Municípios do TCSG - Produção de Bananas (t), Maiores Participações, 2010-2013, e Percentual em 2013. ....................................................... 135 Tabela 6: Municípios do TCSG - Área (ha) da Produção de Bananas, Maiores Participações, 2013 .............................................................................. 137 Tabela 7: Municípios do TCSG - Perfil e Número de Estabelecimentos e Área Territorial, 2006 .................................................................................... 138 Tabela 8: Municípios do TCSG - Produção de Limão (t), Maiores Participações, 2010-2013, e Participação Percentual, 2013 ......................................... 144 Tabela 9: Municípios do TCSG - Produção de Manga (t), Maiores Participações, 2010-2013, e Participação Percentual, 2013 ......................................... 145 Tabela 10: Mesorregiões de MG e TCSG - Vínculo Ocupacional dos Estabelecimentos com Cultivo de Frutas da Lavoura Permanente, 2013 ............... 151 Tabela 11: Mesorregiões de MG e TCSG - Número de Estabelecimentos por Faixa deVínculo Ocupacional com Cultivo de Frutas da Lavoura Permanente, 2013 ................................................................................................... 152 Tabela 12: Brasil – Número e Percentual de Estabelecimentos e Área (ha) da Agricultura Familiar e Não Familiar, 2006 ............................................................... 163 Tabela 13: TCSG - Número e Percentual de Estabelecimentos e Área (ha) Correspondente da Agricultura Familiar e Não Familiar, 2006 ................................ 166 Tabela 14: TCSG - Percentual de Estabelecimentos da Agricultura Familiar de até 50ha, 2006 .............................................................................................................. 167 Tabela 15: Municípios do TCSG - Principais Produtos da Agricultura Familiar, Área Colhida, 2007 ....................................................................................... 168 Tabela 16: Municípios do TCSG - Principais Tipos de Pecuária, 2006 .................. 169 Tabela 17: Municípios do TCSG - Número de Daps emitidas, 2015 ....................... 177 16 Tabela 18: Municípios do TCSG - Agricultor Familiar por Tipo, classificação PRONAF, 2006 ...................................................................................................... 178 Tabela 19: TCSG - Participação dos Municípios no Crédito Rural (STN), e em relação ao IDH dos Municípios, 2010 ..................................................................... 182 Tabela 20: Municípios do TCSG – PIB Agrícola, IDH ............................................. 186 Tabela 21: TCSG - PAA nos Municípios, 2011-2014 .............................................. 189 Tabela 22: TCSG - População Residente (estimada), Beneficiários do PBF (%) de Famílias Atendidas e Número de Famílias Cadastradas no CadÚnico, 2014 e 2015 ....................................................................................... 197 Tabela 23: Municípios do TCSG - Índice de Desenvolvimento Humano e outros Indicadores Municipais, 2000-2010 ..................................................... 198 Tabela 24: Municípios do TCSG - Renda Per capita e Serviços Básicos ............... 199 Tabela 25: TCSG - Matriz das Ações Territoriais e Respectivos Valores Previstos, 2013 ....................................................................................................................... 211 17 LlSTA DE SIGLAS ABANORTE Associação Central dos Fruticultores do Norte de Minas AMANS Associação Mineira dos Municípios da Área da Sudene ANA Agência Nacional de Águas APLs Programa de Fortalecimento das Cadeias e Arranjos Produtivos Locais BB Banco do Brasil BDMG Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais BIRD Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento BM Banco Mundial BNB Banco do Nordeste do Brasil BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CAGED Cadastro Geral de Empregados e Desempregados CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEDRS Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável CBHS Comitês de Bacias Hidrográficas CBHSF Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco CBHVG Comitê da Bacia Hidrográfica do Verde Grande CEPAL Comissão Econômica para os Países da América Latina CHESF Companhia Hidroelétrica do São Francisco CMDRS Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável CNPQ Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNAE CODEVASF Classificação Nacional de Atividades Econômicas Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba CONAB Companhia Nacional de Abastecimento CONSADs Consórcios Intermunicipais de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local CVSF Comissão do Vale do São Francisco CRAS Centro de Referência de Assistência Social DATALUTA Banco de Dados da Luta pela terra DLIS Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável DIJ Distrito de Irrigação do Jaíba 18 DIG Distrito de Irrigação do Gorutuba DNOCS Departamento Nacional de Obras Contra as Seca EMATER Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária EPAMIG Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais FAEMG Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais FAO Fundação das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura FAPEMIG Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais FMI Fundo Monetário Internacional GTDN Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBRAF Instituto Brasileiro de Frutas IBRAM Instituto Brasileiro de Mineração IDH Índice de Desenvolvimento Humano IEL Instituto Evaldo Loide IMA Instituto Mineiro de Agropecuária INCRA Instituto Nacional de Reforma Agrária INDI Instituto de Desenvolvimento Integrado de Minas Gerais IOCS Inspetoria de Obras Contra as Secas IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada JBIC Japan Bank for International Cooperation MCTI Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário MDIC Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior MDS Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome MI Ministério da Integração Nacional MPA Ministério da Pesca e Aquicultura MTE Ministério do Trabalho e Emprego NM Norte de Minas NUCLEOBRAS Empresas Nucleares Brasileiras S/A ONU Organização das Nações Unidas PAA Programa de Aquisição de Alimentos PBF Programa Bolsa Família PCA Programa de Comunidade Ativa 19 PDSTR Programa Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais PETROBRÁS Petróleo Brasileiro S.A PLT Programa Luz para Todos PLANVASF Plano Diretor para o Desenvolvimento do Vale do São Francisco PMDRS Plano Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável PND Plano Nacional de Desenvolvimento PNDR Política Nacional de Desenvolvimento Regional PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar PRONAT Programa Nacional de Apoio aos Territórios Rurais RAIS Relação Anual de Informações Sociais RURALMINAS Fundação Rural Mineira SEBRAE MG Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais SDT Secretaria de Desenvolvimento Territorial SIDRA Sistema IBGE de Recuperação Automática SIDERBRÁS Siderúrgica Brasileira Ltda. SPVEA Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia SUDAM Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste TCSG Território da Cidadania Serra Geral TELEBRÁS Telecomunicações Brasileira S.A 20 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 22 1. ESTADO E DESENVOLVIMENTO NO BRASIL: AVANÇOS E LIMITES .............. 32 1.1 Estado Nacional no Brasil: da Construção da Agenda Desenvolvimentista à Mudança da Agenda ............................................................................................. 33 1.2 Desenvolvimentismo para Transformar e a Transformação do Desenvolvimento ......... ............................................................................................. 43 1.3 Políticas Públicas e Planejamento Regional no Brasil ....................................... 49 1.4 Políticas de Desenvolvimento Territorial Rural no Brasil ..................................... 54 1.5 O Norte de Minas Gerais no Contexto da Política Regional do Nordeste Brasileiro ............................................................................................................ 67 2. REGIÃO E TERRITÓRIO COMO CATEGORIAS FUNDANTES PARA ANÁLISE DO TERRITÓRIO DA CIDADANIA SERRA GERAL ................................................. 75 2.1 As Categorias de Análise Geográfica Região e Território .................................. 76 2.1.1 A Categoria Região ......................................................................................... 77 2.1.2 A Categoria Território ...................................................................................... 85 2.2 O Território da Cidadania Serra Geral: Uma Realidade com Diversos Conteúdos .......................................................................................................... 93 2.2.1 As Particularidades do TCSG .......................................................................... 95 2.2.2 A Espacialização do TCSG ............................................................................ 100 2.2.2.1 Aspectos demográficos do TCSG ............................................................... 104 2.2.2.2 IDH: uma medida de qualidade de vida do TCSG ....................................... 107 2.2.2.3 Ocupação e uso da terra no TCSG ...........................................................................111 3. O ESPAÇO DA PRODUÇÃO CAPITALISTA NO TERRITÓRIO DA CIDADANIA SERRA GERAL .............................................................................. 119 3.1 Considerações sobre aFruticultura Irrigada ...................................................... 119 3.2 Os Apoios ao Arranjo Produtivo da Fruticultura do NM .................................... 124 3.3 O Conceito de Circuito Espacial Produtivo ....................................................... 128 3.3.1 O Circuito Espacial Produtivo da Fruticultura Irrigada .................................... 131 21 3.3.2 A Especialização Produtiva da Fruticultura (banana, limão e manga) ............ 134 4. A AGRICULTURA FAMILIAR DO TERRITÓRIO DA CIDADANIA SERRA GERAL E SUA INSERÇÃO NO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL ..............158 4.1 Agricultura Familiar: a Relevância do Conceito..................................................159 4.2 Características Gerais da Agricultura Familiar no Brasil ................................... 163 4.3 A Agricultura Familiar do Território da Cidadania Serra Geral.........................................................................................................................165 4.4 Os Beneficiários do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF ................................................................................................. 176 4.5O PROINF .......................................................................................................... 184 4.6 O Programa de Aquisição de Alimentos - PAA ................................................. 187 4.7 O Programa Bolsa Família - PBF ...................................................................... 193 4.8 Gestão e Representação no TCSG .................................................................. 201 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 213 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 218 APÊNDICES............................................................................................................ 235 ANEXOS ................................................................................................................. 237 22 INTRODUÇÃO O debate recente sobre o tema do Desenvolvimento Territorial Sustentável continua apontando para uma grande diferença no crescimento econômico e na distribuição de riqueza entre as regiões brasileiras. Tais diferenças parecem ser atribuídas à descontinuidade do modelo de desenvolvimento adotado no País nos últimos cinquenta anos, e que atualmente pretendem ser revertidas pelo novo enfoque no âmbito das políticas públicas, que é o de mobilizar as potencialidades locais com vistas a um desenvolvimento territorial menos desigual. Compreende-se que são dois os momentos mais importantes em que o Estado se debruça com maior vigor sobre a problemática do desenvolvimento brasileiro: o que remete às ideias desenvolvimentistas de crescimento econômico pela via da industrialização, cujo contexto histórico se inicia na década de 1930 e vai até a década de 1980, marcadamente pelos I e II Planos Nacionais de Desenvolvimento Econômico - I PND (1972-1974) e II PND(1975-1979); e o que se inicia nos anos 2000, pela abordagem do desenvolvimento territorial, diferenciada pela ideia de descentralização do planejamento por meio de menor escala de decisão das ações que estimulem o desenvolvimento autônomo dos espaços social e economicamente mais atrasados. É a partir dessas duas dimensões do desenvolvimento brasileiro que neste trabalho são analisadas as transformações ocorridas no Norte de Minas Gerais (NM), pesquisando os processos sob os quais as ações governamentais buscam atingir seus propósitos, bem como os reflexos quanto aos avanços e limites impostos ao desenvolvimento dessa região. Em decorrência, ao se identificar significativa sobreposição de apoios institucionais e de ações, advindas das políticas regionais e locais, a pesquisa se direcionou ao estudo de caso do Território da Cidadania Serra Geral (TCSG), por ser um espaço no qual elas se cindem,podendo ser avaliadas nos seus resultados mais objetivos, bem como na compreensão dos efeitos contidos nas diversidades sociais, econômicas e culturais que ali se manifestam. 23 A significativa intervenção do Estado no quesito infraestrutura foi definitiva para transformar economicamente o NM e integrar o mercado dessa região a outras regiões do País, enquanto espaço destinado ao desenvolvimento da agricultura na oferta de bens primários, situação pela qual se desencadeou a especialização e modernização da agricultura local, cujo principal vetor foi o Perímetro de Irrigação de Jaíba. Desta forma, essa região passou a se incorporar à dinâmica espacial do capitalismo brasileiro como um dos espaços de reprodução do capital agrário, principalmente pela atividade de fruticultura irrigada, geradora de maior ocupação e renda, transformando a natureza daquele espaço até então predominado pela agricultura e pecuária tradicionais. Os inegáveis avanços econômicos também são identificados no meio urbano, pela diversificação da estrutura produtiva com ênfase na industrialização de alguns municípios dessa região, a partir de incentivos concedidos pelo governo federal, via Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE(OLIVEIRA; RODRIGUES, 2000, p.139), bem como no desenvolvimento da infraestrutura viária e de energia e comunicação. Entretanto, mesmo reconhecendo os ganhos derivados das políticas regionais, ainda persistem no NM os problemas das desigualdades sociais e econômicas: concentração da renda e da riqueza urbana e rural; dificuldade de acesso à terra e água para produzir; precárias oferta e qualidade dos bens básicos etc. Situação que não foge do contexto nacional quanto aos resultados desse tipo de política, pelo tratamento do rural limitado à uma função econômico-produtivista. Nesse sentido, depois de interregno de vinte anos, o Estado retoma sistematicamente o planejamento brasileiro mudando a lógica das políticas públicas, priorizando a abordagem territorial a partir de metas que atinjam a realidade do local. Enquanto proposta, a orientação para o meio rural é a de priorizar os espaços com maior carência de política, a partir de um novo marco institucional, formado por segmentos do Estado, mercado e sociedade civil, contemplando as diversidades sociais e culturais do local. Nesse contexto, para captar a realidade dos locais merecedores de prioridade das ações governamentais, são constituídos territórios, conformados espacialmente 24 por municípios que se identificam pela intensidade de pobreza e desigualdades sociais. As primeiras experiências de política territorial acontecem com os programas Territórios Rurais e Territórios da Cidadania, a partir de 2004 e 2008, respectivamente. As transformações mais significativas no NM decorrem,primeiramente, da política regional da década de 1970, que modifica a infraestrutura produtiva dessa região através dos recursos oriundos da SUDENE pela implantação do canal de irrigação de Jaíba. O Projeto Jaíba foi iniciado em 1988 pelas parcerias do governo federal – representado pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (CODEVASF), e estadual, através da Fundação Rural Mineira RURALMINAS, tendo como foco a utilização intensiva dos recursos hídricos dos rios São Francisco e Paranaíba, para irrigação das áreas de solo infértil. A criação do Projeto Jaíba é datada de 1950, mas sua operacionalização só ocorreu em 1988, sob a tutela da CODEVASF e em parceria com a RURALMINAS. O principal foco deste projeto é a irrigação das áreas de solo infértil pela utilização intensiva dos recursos hídricos dos rios São Francisco e Paranaíba. Foi implantado no NM, numa área que concentra o maior percentual populacional da bacia do rio São Francisco, representada em 89 municípios dessa mesorregião, dentre os quais se incluem os do TCSG. Por meio da CODEVASF também se captam recursos financeiros provindos de programas de desenvolvimento governamentais das parcerias com os Ministérios da Integração Nacional (MI); da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI); do Desenvolvimento Agrário(MDA); e da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca, tornada Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA); e de instituições internacionais, pelos acordos de cooperação técnica e financeira de entidades oficiais internacionais, como o Banco Mundial (BM) e o Japan Bank for Internationa Cooperation (JBIC). Em nível estadual, a CODEVASF atua em parceria com a RURALMINAS e tem apoios da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Rural de Minas Gerais(EMATER), principal agente de extensão rural, realizando cursos de gerenciamento, capacitação e difusão de técnicas de produção; e os da Empresa de 25 Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG), e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária(EMBRAPA), que participam com pesquisas que permitem gerar e adaptar tecnologias voltadas ao melhoramento das culturas locais. Na mesma direção seguem outros apoios institucionais, como os financiamentos de curto e médio prazo dos bancos públicos: Banco do Brasil (BB), Banco do Nordeste (BNB) e Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), bem como os financiamentos de longo prazo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Um segundo momento do planejamento público nessa região se inicia com as políticas territoriais da década de 2000. Por meio do planejamento descentralizado, se adota uma nova estratégia de desenvolvimento, priorizando as regiões de baixo grau de desenvolvimento no sentido de receber as ações governamentais. Por esse critério é implantado o programa Territórios da Cidadania, em2008, cujos objetivos se traduzem em fomentar a geração de emprego e renda, visando à superação dos limites municipais nas áreas em que a presença do capital produtivo é tímida, dadas as estreitas condições de expropriação de valor, dos recursos naturais e do capital humano (ORTEGA, 2008). No NM foram eleitos três Territórios da Cidadania: Alto Rio Pardo, Sertão de Minas e Serra Geral.Para os propósitos da nossa pesquisa, o que merece a atenção é a consonância das ações governamentais oriundas das políticas regional e territorial que incidem sobre um mesmo recorte espacial, como as que ocorrem no TCSG. Com efeito, mudanças na estrutura produtiva local são desencadeadas pelas novas atividades rurais, bem como pela evolução de indicadores sociais básicos. No entanto, as transformações parecem não propiciar a formação de redes de cooperação produtiva e social entre o conjunto dos municípios do TCSG, uma vez que as melhorias identificadas como decorrentes das políticas citadas, continuam concentradas em poucos deles, destacadamente nos municípios com terras irrigadas, sendo estes, também, os que mais captam recursos do Programa Territórios da Cidadania, problemática central a ser perseguida, no que tange à superação dos limites ao desenvolvimento deste espaço. 26 Se o que anunciamos até aqui nos fornece uma justificativa para a pesquisa que propusemos desenvolver, é forçoso avançar algumas palavras com vistas a melhor estabelecer a sua problemática. Nesse sentido, desde logo vale observar que, a nosso juízo, a confluência das políticas públicas das décadas de 1980 e de 2000, dentre as que serviram ao propósito do desenvolvimento do NM, parece minimizar os problemas dessa região quanto as suas baixas vantagens comparativas1. Essas impressões, é certo, podem ser confirmadas observando-se a evolução positiva de um conjunto de indicadores socioeconômicos municipais os quais apontam melhorias na qualidade de vida dessa população. No entanto, quando se analisa os dois períodos das políticas públicas, tem-se primeiramente que decorre dos investimentos em infraestrutura básica a transformação no perfil socioprodutivo dessa região, e que grande parte de seus benefícios estão espacialmente concentrados em alguns dos municípios. As primeiras mudanças, sabemos, chegam ao NM pelo conjunto de medidas estruturantes derivadas da concepção do planejamento centralizado das décadas de 1970 e 1980, cujo eixo principal foi o de integrar regiões menos desenvolvidas do País ao mercado nacional, por meio de políticas regionais setoriais. Neste momento, grande parte do financiamento público tinha como fim o melhoramento dos sistemas de transportes e de infraestrutura básica para produção, enquanto a maior parte dos recursos pela via do crédito foi destinada aos setores da economia com maior eficiência produtiva. Por outro lado, na medida em que a modernização produtiva ampliou a reprodução do capital pelas atividades de mercado, ela restringiu a participação de significativa parcela da população ao acesso as melhorias ali criadas, provocando nas populações locais novos conflitos, de diversas naturezas, como a limitação do acesso a terra e água para produzir, por exemplo, denotando desigualdade na apropriação dos recursos oriundos do Estado. Dessa forma, entendemos que se explicita no local a experiência de um modelo de desenvolvimento agrário produtivista, que concebe o rural como um setor 1 Concepção da Teoria Clássica do Comércio Internacional que explica a troca pela disponibilidade e proporção dos fatores de produção locacionais. (KRUGMAN e OBSTFELD,1999) Tais fundamentos são revistos pela Nova Geografia Econômica e ganha corpo na década de 1990 a partir de Paul Krugman, seu principal formulador. Sobre modelagens e aplicações dessas duas abordagens indicase a obra de Céspedes (2011). 27 de abastecimento de bens primários com diferentes condições de produção e reprodução da força de trabalho, não se considerando diversidade social e cultural do meio rural. Com efeito, pela pesquisa buscamos averiguar em que medida a consonância das ações governamentais oriundas das políticas regional e territorial que incidem no TCSG estimula o desenvolvimento endógeno, mais inclusivo e homogêneo. Frente à problemática estabelecida, elegemos como objetivo principal analisar as transformações socioespaciais ocorridas nos municípios que compõem o TCSG, decorrentes das políticas de desenvolvimento regional das décadas de 1970 e 1980, e de desenvolvimento territorial iniciadas na década de 2000, naquilo que contribuíram para a promoção do desenvolvimento endógeno desse espaço geográfico, tendo em vista seus resultados em termos de um desenvolvimento menos desigual e perene. Neste propósito, são abordados os conceitos norteadores destas políticas, buscando identificar as atividades econômicas mais importantes na geração de emprego e renda, bem como analisar o papel particular da agricultura familiar, as articulações sociais inter e entre atores locais e destes com os formuladores de políticas. Igualmente importantes para os nossos propósitos, são os objetivos específicos que estabelecemos para a essa pesquisa: a) Identificar os conceitos norteadores e os alcances e limites das políticas de desenvolvimento regional, das décadas de 1970 e 1980, e das políticas territoriais de desenvolvimento, no período de 2008 a 2013; b) Identificar e investigar as atividades econômicas mais importantes na geração de emprego e renda, e de que modo a política pública teve incidência sobre estas e sobre o reordenamento espacial do TCSG; ec) Analisar o papel particular da agricultura familiar, de modo a identificar a sua contribuição para o melhor reordenamento no território. Para o desenvolvimento deste trabalho, entendemos que no TCSG as ações advindas das políticas de planejamento regional das décadas de 1970 e 1980, principalmente as que atingem a estrutura produtiva do meio rural, modificaram o perfil de reprodução socioeconômica desta população em condições bastante distintas, as quais permanecem até hoje, demonstradas por recentes indicadores que retratam a dinâmica socioespacial dos seus municípios. Buscando diminuir essas diferenças, ocorre a reorientação do planejamento público para as políticas 28 territoriais, no entanto, a hipótese que se levanta é que as ações governamentais que chegam ao TCSG ainda não são suficientes para diminuir as diferenças existentes entre seus municípios, que permanecem desiguais na capacidade de alcançar o desenvolvimento autônomo e inclusivo. Os procedimentos metodológicos escolhidos são predominantemente de natureza qualitativa, na medida em que nossa investigação se orienta pelo estudo dos fenômenos sociais, recorrendo à pesquisa explicativa para a identificação dos fatores que condicionam ou contribuem para a ocorrência dos fenômenos. Por conta disso, tais procedimentos são compostos de três partes: da revisão e análise bibliográfica; coleta, elaboração e análise dos dados secundários e pesquisa de campo, com entrevistas. Na revisão e análise das fontes bibliográficas foram incluídos: livros; dissertações; teses; artigos e periódicos, que tratam do assunto proposto e permitem embasamento teórico; publicações e acervos digitais de bibliotecas de instituições públicas como: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, BNDES, BNB), Ministérios e Secretarias de governo das esferas federal, municipal e estadual; boletins técnicos, jornais e revistas especializadas na temática do estudo. Os dados secundários da pesquisa foram obtidos nas seguintes fontes: Censos Demográficos de 2000 e 2010; Censo Agropecuário de 2006 e SIDRA (2006 a 2012) do IBGE, e IPEADATA (2007 e 2010). Pelo Censo Demográfico é possível obter um importante detalhamento sobre o perfil da população dos municípios através das informações sobre: composição familiar, grau de instrução, rendimento, área do domicílio etc. Quanto ao Censo Agropecuário, os dados detalhados sobre agricultura familiar, estrutura fundiária e perfil do produtor permitem traçar um panorama das condições de produção no campo, bem como a condição de ocupação rural dos municípios pesquisados. Para conhecer o mercado de trabalho formal e o perfil dos estabelecimentos desses municípios, foram utilizadas as bases de dados Relação Anual de Informações Sociais (RAIS, 1980-2012), do Ministério do Trabalho e Emprego (TEM). Através dela identificou-se a quantidade de emprego formal e faixa salarial, além do tamanho e número de estabelecimentos, por setor e atividade produtiva, segundo a Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE). 29 No âmbito da questão agrária,foram utilizadas as informações do banco de dados do Instituto Nacional de Reforma Agrária(INCRA) e do (DATALUTA) Banco de Dados da Luta pela terra. Por meio dos dados obtidos nos ministérios e secretarias federais e estaduais, buscou-se levantar o volume de recursos recebidos e a população beneficiada pelos programas do governo federal: Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Programa Bolsa Família(PBF), Programa de Fortalecimento das Cadeias e Arranjos Produtivos Locais – APLs, Ainda sobre as principais atividades produtivas desses municípios, foram utilizadas as informações das bases de dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), que subsidiam o estudo com as estatísticas sobre comércio exterior. Além destas, foram consultados dados sobre financiamentos do governo através do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste, disponibilizados no BNB, e os dados do BNDES destinados à APLs. Os dados primários foram obtidos através de entrevistas. Parte delas por meio de visita pré-agendada junto ao representante do Núcleo Diretivo do Colegiado do Território Serra Geral, no propósito de alcançar o maior número possível de representantes desse colegiado, que nas suas três instâncias (Plenária, Núcleo Diretivo e Núcleo Técnico) possui 71 membros representantes de entidades civis e governamentais (gestores públicos, extensionistas, representantes de sindicatos rurais, camponeses e representantes da sociedade civil nos arranjos socioprodutivos). No entanto, por motivos alheios ao pesquisador, foram realizadas onze entrevistas, nas quais se buscou contemplar representação da maior parte dos municípios do TCSG. Ainda, foram obtidas 14 entrevistas junto á produtores rurais e agricultores familiares, das quais, oito foram realizadas com agricultores na condição apenas de produtor e seis na condição de pequeno produtor e comerciante (feirante, autônomo). Pelo exposto, e para a consecução dos objetivos propostos, a tese está estruturada em quatro capítulos, além desta Introdução e das Considerações finais. 30 No Capítulo 1, intitulado ESTADO E DESENVOLVIMENTO NO BRASIL: AVANÇOS E LIMITES, abordamos os dois momentos que consideramos os mais importantes da atuação do Estado em relação a problemática do desenvolvimento brasileiro: o do desenvolvimentismo, cuja estratégia está ancorada nos esforços empreendidos para viabilizar a industrialização do País, marcadamente entre as décadas de 1930 e 1980, e o que, após importante interregno de mais de duas décadas, de reorientação liberalizante e desmonte do Estado desenvolvimentista, se inicia nos anos 2000, por meio de ações governamentais lastreadas na abordagem do desenvolvimento territorial. Com isso, buscamos estabelecer os referenciais para o nosso estudo sobre a transformação produtiva e organização social dos municípios que conformam o TCSG. No Capítulo 2, denominado REGIÃO E TERRITÓRIO COMO CATEGORIAS FUNDANTES PARA A ANÁLISE DO TERRITÓRIO DA CIDADANIA DE SERRA GERAL,é feita uma caraterização do Território da Cidadania Serra Geral(TCSG), objeto deste estudo, a fim subsidiar a reflexão sobre os alcances e limites das políticas públicas de planejamento regional (dos anos 1970 e 1980) e das políticas de desenvolvimento territorial (dos anos 2000) que incidiram nesta dimensão espacial. Para tanto, e considerando região e território não apenas como recortes espaciais do planejamento público, mas também a importância dessas categorias à análise espacial, o capítulo foi estruturado em duas seções. Na primeira, abordamos as categorias de análise região e território, no âmbito da Geografia, naquilo que permitem nos orientar em relação a abordagem territorial rural adotada pelo planejamento brasileiro, desde a década de 1990, experimentada pela participação coletiva das populações rurais e poderes públicos, com vistas ao desenvolvimento dos espaços rurais mais atrasados, como é o caso do TCSG, objeto do nosso estudo, cuja segunda seção é dedicada à sua caraterização. No Capítulo 3, O ESPAÇO DA PRODUÇÃO CAPITALISTA NO TERRITORIO DA CIDADANIA SERRA GERAL, buscamos compreender a relevância da atividade de fruticultura do NM, quanto à capacidade de alavancar o desenvolvimento endógeno uma vez que, se tornou a atividade produtiva mais importante desde a implantação dos polos de irrigação de Jaiba e Gorutuba, resultado dos estímulos governamentais recebidos por meio do planejamento regional, desencadeado na década de 1970. Atualmente (2015) a fruticultura faz parte do conjunto das 31 atividades que recebem incentivos institucionais públicos e privados de promoção às cadeias produtivas locais, com vistas a formação de APLs, aqui registradas pela importância do grau de institucionalidade alcançado. Dado esta condição, a atividade de fruticultura vem se desenvolvendo no NM, sobretudo no espaço do TCSG, transformando a dinâmica do local, cujas implicações devem ser percebidas pela interpretação de circuito espacial produtivo da fruticultura, no que se distingue de outras atividades produtivas também presentes neste espaço, pela modernização e especialização das atividades. No Capítulo 4, A AGRICULTURA FAMILIAR DO TERRITÓRIO DA CIDADANIA SERRA GERAL E SUA INSERÇÃO NO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL, nosso propósito é o de compreender a importância da agricultura familiar do Território Serra Geral, nas diversas formas de organização da produção e de suas relações sociais, por meio da análise dos Programas PRONAF, PROINF, Programa de Aquisição de Alimentos(PAA) e Programa Bolsa Família (PBF). Também buscamos apreender o atual momento do PTC no Território da Cidadania Serra Geral. Nas CONSIDERAÇÕES FINAIS apresentamos os resultados da pesquisa da Cidadania Serra Geral, considerando os avanços alcançados com as recentes políticas públicas pelo que valorizam dos territórios; e igualmente identificamos seus limites, pelo que deixam de contemplar das demandas locais. 32 1. ESTADO E DESENVOLVIMENTO NO BRASIL: AVANÇOS E LIMITES Ao levantarmos a hipótese de que as políticas públicas dirigidas ao Território da Cidadania Serra Geral (TCSG), no NM,é limitada quanto ao alcance da múltipla realidade local, expressa em distintas territorialidades e nos conflitos de interesse de sua população, estamos argumentando que a persistência de importantes diferenças no crescimento econômico e na distribuição de riqueza entre as regiões brasileiras está relacionada, em grande medida, às configurações assumidas pelas estratégias de desenvolvimento adotadas no País. Adiantamos que são dois os momentos mais importantes em que o Estado se debruça com maior vigor sobre a problemática do desenvolvimento brasileiro: o do “desenvolvimentismo”, cuja estratégia está ancorada nos esforços empreendidos para viabilizar a industrialização do País, marcadamente entre as décadas de 1930 e 1980, e o que, após importante interregno de mais de duas décadas, de reorientação liberalizante e desmonte do Estado desenvolvimentista, se inicia nos anos 2000, agora por meio de ações governamentais lastreadas na abordagem do “Desenvolvimento Territorial”. Mas é preciso notar que esses dois momentos de atuação do Estado, aqui privilegiados para a análise que empreendemos nesta tese, não podem ser apreendidos sem que, de início, seja feita uma referência, em largos traços, ao processo de formação do Estado nacional e a sua evolução na economia e na sociedade brasileira, para, na sequência, nos dedicarmos aos momentos do desenvolvimentismo, da sua crise, e o da emergência de um novo paradigma do desenvolvimento. 33 1.1 Estado Nacional no Brasil: da Construção da Agenda Desenvolvimentista à Mudança da Agenda Colônia de Portugal até 1822, o Brasil proclama a sua Independência sob um formato peculiar e diferente em relação ao observado tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. Ainda que se reconheça na Independência um momento importante da história brasileira, posto que marcado por uma fase de mudanças no plano político é preciso observar que o País se manteve solidamente atado ao passado colonial: a alta burocracia do reino português conservou suas funções e prestígio, e os grandes proprietários de terra e os estratos privilegiados na estrutura do sistema colonial uniram-se para conquistar o poder do Estado e perpetuarem a soberania econômica e social. Este o contexto que serviu de base para se costurar, aqui, o Estado nacional, enredado sob duas principais dimensões: a obsessão com as fronteiras, em busca de consolidar a herança portuguesa; e o estímulo ao escravismo como suporte a cafeicultura (LESSA, 2001). Grandes unidades produtoras de base agrícola, mineradora e extrativista, rígida ordem escravocrata,altíssima concentração de renda, riqueza e poder, e orientação para o exterior são as principais marcas dos três primeiros séculos da economia colonial brasileira que, de certa maneira, persistem mesmo com a formação do Estado nacional(BRANDÃO, 2007). O processo de formação do Estado nacional no Brasil se dá, assim, sem rupturas, ao tempo em que inaugura um período de transição de sua economia, sem evidentemente desmontar o instituto da escravidão, o que só viria a ocorrer em 1888, e sem criar as condições para o avanço e fortalecimento da sociedade civil, indispensável para o exercício do poder do Estado em seu sentido mais amplo. Será apenas com a instauração da República, em 1889, e a promulgação da Constituição, em 1891, que se pode demarcar, mais claramente, o início da constituição do Estado nacional, com a atribuição de articular as elites oligárquicas regionais e criar mecanismos de garantia da sua frágil unidade nacional. Isso significa que, no processo de sua formação, o Estado nacional brasileiro deveria ser capaz, a um só tempo, de revelar alguma capacidade de exercer o controle sobre seus diversos e diferenciados espaços regionais, e soldar os 34 interesses específicos e dispersos, com vistas a constituir um espaço econômico nacional. No período que antecede os anos 1930, caracterizado pela economia agroexportadora, o Estado brasileiro encontra-se ligado às oligarquias e interesses regionais, destituído de ossatura material, institucional, econômica e social, revelando-se incapaz de programar políticas de âmbito nacional e de atuar como Estado moderno e capitalista. Como bem assinala Fiori (2001, p.269), “até a crise econômica mundial de 1930 o país segue uma trajetória de crescimento e modernização restrita a suas áreas exportadoras, submetido às regras e políticas liberais impostas pelo padrãoouro”; e é somente com a „Revolução burguesa de 1930‟ que se inaugura a etapa decisiva do processo de constituição do Estado brasileiro como Estado capitalista2. Vale observar que a República brasileira nasce sem revolução política e burguesa, mas pelo alto, sobre as ruínas do capital mercantil-escravista, razão pela qual se pode afirmar, com Tavares (1999, p.454), que a República (velha e nova) e a Revolução burguesa de 1930 “nunca incluíram o povo num pacto democrático, porque todas as tentativas reformistas democráticas tendiam sistematicamente a extravasar os limites da tolerância do pacto oligárquico de dominação interna”. Desenham-se, então, entre 1889 e 1930, no campo econômico, os traços e as características de um Estado de cunho liberal. Isso porque, bem lembra Oliveira(2009), em compasso com as tendências mundiais, são restringidas as suas atividades, até mesmo pelas suas limitações financeiras, as localizadas incursões nas atividades econômicas, como investimento em infraestrutura e a adoção do protecionismo para a defesa da produção e dos níveis de renda das oligarquias dominantes do setor hegemônico da economia, o cafeeiro. 2 Aqui, acompanhamos Sônia Miriam Draibe no que diz respeito a constituição do Estado capitalista no Brasil. Em Draibe (1985), a autora examina no período de 1930 a 1960, alguns aspectos da formação das estruturas capitalistas do Estado, buscando apreender as relações entre este movimento e as alternativas político-econômicas de consolidação de uma economia fundada no trabalho assalariado e na acumulação industrial. Analisa o papel do Estado no processo de industrialização, apreendido no movimento simultâneo de diferenciação das classes sociais, das relações inter e intraclasses e da própria formação das estruturas do Estado. Trata-se, portanto, de captar num momento dado e à base da estrutura de classe e de poder, em transformação, a forma que assume o que denomina “Estado de transição” – o Estado nacional capitalista em formação. 35 Resulta, nesse período, um Estado brasileiro liberal na aparência e intervencionista na prática. Um Estado que seguirá federativo na sua forma, mas os núcleos de poder regional e local serão subordinados ao centro onde se gestam as decisões cruciais. Esse momento de concentração e centralização do poder, sob os múltiplos aspectos em que se expressou, conduzirá o Estado brasileiro a uma forma mais avançada de Estado nacional, capitalista e burguês (FIORI, 2001). É com a Revolução Burguesa de 1930 que se dá a consolidação de um capitalismo dependente, posto que mantidas as estruturas em que se apoia a burguesia nacional. Com efeito, a dualidade existente no Brasil (setor moderno e setor atrasado), a super exploração da força de trabalho e a dilapidação do meio ambiente não são vistos como um resíduo do passado colonial em processo de superação, mas como algo funcional ao processo de acumulação (SAMPAIO, 1999, p.427-36) Como bem esclarece Florestan Fernandes, a Revolução Burguesa no Brasil não foi democrática: Um capítulo da história econômica do Brasil se encerrou; e, com ele, foi arquivado o ideal de uma revolução nacional democrático-burguesa. Outro capítulo se abriu, pelo qual o passado se repete no presente: mais uma vez, o privilegiamento do agente econômico, social e político principal serve de base a toda uma nova evolução. Só que, agora, aceita a ideia e a prática da revolução de cima para baixo [...], o sentido da dominação burguesa se desmascara, deixando a nu sua natureza incoercivelmente autocrática. (FERNANDES, 1976, p.220) E, mais, como apreende Draibe (1985): [...] no seu processo não foram revolucionariamente destruídas formas sociais e políticas pretéritas – houve modernização, incorporação, sobreposição de formas. O Estado, no movimento de sua constituição, expressará as particularidades dessa revolução que dissociou e afastou os conteúdos e alternativas democráticas e que avançou, ao mesmo tempo, como contrarrevolução. Mas, mesmo assim, sob formas particulares, fez-se uma revolução burguesa, isto é, o seu movimento histórico foi o de uma transformação capitalista e de constituição das estruturas sociais e políticas correspondentes ao poder e à dominação burgueses. (DRAIBE,1985,p.15) Com efeito, trata-se de um processo de transformação continuada, em que, a um só tempo, tanto se constrói a estrutura econômico-industrial, quanto se formam e se diferenciam as classes sociais e estruturas políticas do próprio Estado, o qual, no bojo dos avanços e limites, não vê alterado o seu traço característico, posto que, 36 [...] mesmo depois da Proclamação da República, consolidou-se um Estado nacional frágil e prisioneiro de suas oligarquias regionais, e uma economia internamente „dualizada‟ e submetida externamente ao que Raúl Prebisch chamou de dinâmica do „centro cíclico principal‟ do sistema econômico mundial”. (FIORI, 2001, p. 269) Os condicionantes da crise internacional de 1929 e o momento social e político brasileiro, com a crise de hegemonia do grupo cafeeiro paulista, em parte explicam porque a Revolução de 30 desarticula a oligarquia tradicional do centro do poder, sem que os demais setores apresentem condições para legitimar o Estado, que se movia entre os distintos interesses e arbitrava os conflitos potencialmente existentes entre eles. O Estado visa neste momento tornar o polo urbano-industrial o eixo dinâmico da economia, até então agrário-exportador e, ao centralizar a vida política e econômica, passa a disciplinar os gastos produtivos e a dar suporte a industrialização, pelo que assume uma natureza modernizante, ainda que se trate de uma modernização conservadora3. Com a Grande Depressão se explicitam os limites do modelo agrárioexportador e a necessidade de superá-lo, via industrialização, com vistas a tornar a dinâmica da economia brasileira internamente determinada, a partir dos anos 1930. No entanto, trata-se de um processo de industrialização ainda incompleto, dado que os setores produtores de bens de capital e de bens intermediários ainda se mostram pouco desenvolvidos no País, razão pela qual Cardoso de Mello (1982) denominou de “industrialização restringida” esse período, que se estende até o início da implantação do Plano de Metas, no governo Juscelino Kubitschek (1955-1960). Isso porque as debilidades técnicas e financeiras da acumulação mostram-se impeditivas para que se implante, em uma única ação, o núcleo fundamental da indústria de bens de produção, requisito para que a capacidade produtiva viesse a crescer 3 Barrington MOORE JR. (1966) foi quem primeiro cunhou a expressão modernização conservadora para retratar o desenvolvimento capitalista na Alemanha e no Japão, países nos quais a revolução burguesa e o processo de industrialização resultaram de um pacto político orquestrado no interior do Estado, entre a burguesia industrial e a oligarquia rural, sem promover rupturas. Não obstante, as diferenças dos casos alemão e japonês em relação ao brasileiro, o conceito foi apropriado por analistas no Brasil para explicar, especialmente, o desenvolvimento econômico pós-1964 como um processo de modernização que não destruiu os elementos tradicionais, provenientes dasociedade pré-industrial, e no qual os proprietários rurais permaneceram no centro do poder político.Na agricultura, a modernização conservadora se expressa na Revolução Verde, ou Segunda Revolução Agrícola, cujas mudanças nas atividades agropecuárias nas décadas de 1960 e 1970ocorrem sem promover transformações na estrutura fundiária. Ver, entre outros, Guimarães (1977); Graziano da Silva (1982) e Delgado (2005). 37 adiante da demanda e tornasse auto determinado o processo de desenvolvimento industrial. De todo modo, ainda que “restringida”, é a partir desta primeira fase da industrialização que ocorre significativa transformação estrutural da economia e da sociedade brasileiras. É nos dois governos de Getúlio Vargas (1930-45 e 195154)que se consolida o Estado Nacional Desenvolvimentista e, especialmente no segundo Governo, o desenvolvimentismo nacional ganha corpo com a criação de novas agências voltadas para a formulação de políticas econômicas, como a Assessoria Econômica da Presidência da República e a Comissão de Desenvolvimento Industrial (CDI), pelas quais é firmada a concepção de um Estado ativo na formulação e execução de políticas econômicas, cujo papel não podia ficar restrito às injunções externas. A política econômica envolvia o Plano de Reaparelhamento Econômico e um programa industrial com a formulação de várias políticas setoriais, além da criação do Banco Nacional de Desenvolvimento – BNDE (que em 1982 passou a ser denominado Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES) e da Petróleo Brasileiro S/A(PETROBRAS).4 No que se refere ao desenvolvimento regional, cria-se a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia e o Banco do Nordeste, além de várias autarquias visando ao desenvolvimento agrícola e à colonização do país, como o Banco Nacional de Crédito Cooperativo, o Instituto Nacional de Imigração e Colonização, a Comissão Nacional de Política Agrária e o Serviço Social Rural. Reconhecendo a fragilidade tecnológica e científica do país, são criados o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior (Capes). No plano financeiro, Vargas e seus ministros da área econômica operaram uma difícil manobra visando conter a inflação e o déficit no balanço de pagamentos. Isso implicou mudanças na política de câmbio que acabaram se tornando fator crucial para a promoção do desenvolvimento industrial dentro do processo conhecido como “substituição de importações”. Ao fim do período, o setor industrial 4 Fontes documentais importantes para a compreensão da economia brasileira durante a implantação da industrialização, que marcou os dois governos Vargas e os governos Dutra e Kubitschek, tais como a lei de criação do Fundo de Reaparelhamento Econômico, as informações sobre a atuação do BNDE e o resultado dos estudos realizados pela Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, podem ser consultadas em Melo e Moraes (2008). 38 foi o que apresentou maior dinamismo, com um crescimento de 8% ao ano e com uma expansão significativa da ocupação de mão-de-obra. Florescem também os debates e as controvérsias sobre o papel do Estado na economia, o planejamento e o protecionismo. De toda forma, nos anos seguintes, o modelo Vargas foi predominante, lançou as bases para o desenvolvimentismo de Juscelino Kubitschek e inspirou os governos militares até as crises do petróleo dos anos 1970 e 1980 (FONSECA, 1986;D‟ARAÚJO, 1982). Uma segunda fase de forte expansão do desenvolvimento nacional acontece justamente com o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek,a partir da formação do tripé Estado, Empresas Estrangeiras e Empresas Nacionais, quando se inaugura a “industrialização pesada”, cabendo ao Estado a responsabilidade direta pelos planos de infraestrutura, de energia e logística, e ao BNDE o papel de grande banco público financiador do investimento (público e privado nacional). Para atender as necessidades do ciclo de crescimento, o crédito comercial é expandido, com o que se estimula o crescimento dos grandes bancos privados que, no início da década de 1970 irão se transformar em conglomerados bancários nacionais. Com efeito, é redefinido o setor industrial a ser beneficiado, a saber, o produtor de bens de consumo duráveis, e se estabelecem novas formas de financiamento da industrialização brasileira, com internacionalização. Para obter os recursos internos necessários ao financiamento da industrialização, o Estado recorre à inflação, ao tempo em que os trabalhadores são envolvidos no projeto nacional desenvolvimentista, visto que com o crescimento acelerado da indústria, aumenta o número de postos de trabalho. Ademais, tem-se a consolidação do tripé desta industrialização: o capital privado nacional (atuando no setor de bens de consumo); o capital estrangeiro (bens duráveis); e o capital estatal (bens de produção). O Plano de Metas, elaborado pelo grupo de trabalho CEPAL-BNDE, é certamente um marco5, posto que as atividades do capital público e do capital 5 Não apenas por ser considerado a primeira experiência efetiva de planejamento no Brasil, pela complexidade de suas formulações e profundidade dos seus impactos, mas também porque, nas décadas seguintes, vários planos são elaborados a partir dessa experiência, com destaque para o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico (1963-1965), o PAEG – Plano de Ação Econômica do Governo (1964-1966), e o Plano Estratégico de Desenvolvimento (1968-1970). Em etapas mais recentes há de se considerar, ainda no regime militar, o I PND – Plano Nacional de Desenvolvimento (1970-1974) e o II PND (1975-1979). No período de abertura política, não há como não fazer referência ao Plano Cruzado, lançado em 1986, voltado fundamentalmente para o combate ao 39 privado são integradas sob o controle do governo, de modo que o Estado assume novas funções, desde banqueiro do capital privado até a de proprietário. Tratava-se de acelerar o processo de acumulação capitalista, no curto prazo, e no médio prazo se buscava a elevação do nível de vida da população, com vistas a superar a miséria. O projeto desenvolvimentista defendido por Celso Furtado, e posto parcialmente em prática no Governo João Goulart, tinha como objetivo a construção de um país social e economicamente moderno, e sua consecução passaria necessariamente pela esfera política nacional, uma vez que historicamente é a ação do Estado essencial para a promoção da modernização brasileira, desempenhando no mercado um papel coadjuvante. Mas, como aponta o próprio Furtado (2002), a dificuldade para se realizar a transição de uma economia colonial para uma economia nacional modernizada decorre da ausência de rupturas efetivas com as estruturas políticas e econômicas do passado e do centro capitalista. Mas a construção do projeto nacional-desenvolvimentista é interrompida em 1964, com o golpe militar, que passa a neutralizar as formas de resistência e exacerba as tendências negativas do endividamento e dependência do Brasil. Baseado na aliança militares-empresários-tecnoburocratas, o golpe militar de 1964 removeu a mobilização política tida como ameaçadora do prosseguimento da acumulação e da consolidação do modelo dependente-associado. Promove-se, então, uma política anticrise e se orienta pelos objetivos de recriar as condições de financiamento das inversões necessárias à retomada da expansão capitalista, buscando captar poupança interna e redistribuí-la. Além disso, busca fornecer as bases institucionais do processo de concentração oligopolista e o gerenciamento de ativos financeiros. Assim é que o Estado promove o arrocho salarial, endivida-se no exterior e envolve-se no mercado financeiro, assumindo um novo papel: o de preposto do capital privado, ampliando a contraditória dependência entre eles. Tal esforço resulta no milagre econômico, sustentado pela superxploração do trabalho sem redistribuição dos ganhos de produtividade (MENDONÇA, 1986). processo inflacionário, bem como aos sucessivos planos centrados na mesma ênfase e que culminaram com o Plano Real (ou Plano de Estabilização Econômica), de 1993. 40 É justamente na década de 1970 que se verifica a terceira fase do desenvolvimentismo brasileiro. Superadas as tendências liberais e a etapa reformista do período Bulhões/Campos, no regime militar os agentes do desenvolvimento continuam a distribuir-se no Tripé, agora repaginado pelo reforço dos segmentos nacionais: bancos, construtoras, empresas industriais de insumos e grandes empresas agrícolas (agrobusiness, Pro-álcool); pelo reforço dos segmentos estrangeiros já existentes, ampliação para novos setores da indústria química (petroquímica e fármacos) papel e celulose e equipamentos de telecomunicação; e no setor estatal, do papel do BNDESe a reorganização das empresas estatais com a criação institucional de novas agências públicas: Siderúrgica Brasileira Ltda. – SIDERBRAS; Telecomunicações Brasileiras S.A. (TELEBRAS);Empresas Nucleares Brasileiras S/A (NUCLEBRAS) etc. É no governo Geisel (1975-79), com o II Plano Nacional de Desenvolvimento II PND, que a estatização avança a passos largos, dando lugar a protestos das empresas nacionais. No entanto, apesar do aumento do peso estatal na organização da indústria pesada, o sistema financeiro público não participa como sujeito do processo de monopolização do capital que lhe é exterior e a „Ciranda Financeira‟ (introduzida na década de 1970) desestabiliza o papel de „articulador financeiro‟ do Estado. A crise do endividamento e o esgotamento do fôlego do Estado na manutenção do ritmo de crescimento, em uma conjuntura internacional marcada pela crise do petróleo e pela queda da liquidez, se somam à profunda dependência entre Estado e capitalismo no Brasil, de sorte que a crise econômica se traduz em crise política e põe em questão a legitimidade do regime, e o País adentra a década de 1980 sob decomposição da parceria de dominação e sob um impasse político, ao tempo em que se inicia a crise do Estado Desenvolvimentista, agravada nos anos 1990, quando o Brasil passa a concentrar o grosso das políticas de abertura, desregulação, privatizações e desnacionalização industrial e bancária. A resposta à herança deletéria da crise deflagrada na década de 1970, em especial no que respeita a profunda crise fiscal, se dá por meio de políticas econômicas informadas pelo ideário liberalizante. Na ausência de novos consensos em torno de seu papel, o Estado mostra-se incapaz de desenhar uma nova trajetória 41 para a economia e a sociedade, de sorte a amortecer os antagonismos e conciliando os interesses do capital e do trabalho (FIORI, 2001). Nesse sentido, e ao contrário da sua atuação nas etapas anteriores do desenvolvimento do País, como condutor, organizador e agente estruturante deste processo, com forte atuação na constituição de suas bases, por meio de empresas estatais, dos investimentos públicos e da implementação de políticas voltadas para estimular o investimento privado, o Estado que surge deste novo paradigma liberalizante passa a assentar-se no compromisso de ampliação dos espaços para garantir a soberania do mercado (OLIVEIRA, 2009, p.47). Deste modo decorrem, a promoção de reformas preconizadas para „remover‟ os considerados obstáculos limitadores da ação do capital privado, a busca de maior „eficiência‟, de maior carga tributária e de sua incidência sobre a produção, os investimentos e a exportação, e também as mudanças nos marcos regulatórios das atividades econômicas e as aberturas, indiscriminadas, comercial e financeira. A fim de cumprir as exigências de valorização do grande capital, desencadeia-se um processo de flexibilização da produção e das relações capital-trabalho, de desregulamentação das relações comerciais e dos circuitos financeiros, em movimento liberalizante coroado pelas privatizações do patrimônio estatal. É sob este „novo‟ Estado, modificado em sua ossatura material, em suas instituições e em seus objetivos-alvos que, aderindo ao ideário liberal, os governos Collor (1990-1992) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) dão início tanto à construção como ao fortalecimento de suas bases, com a adoção de políticas de abertura comercial e financeira, de desregulamentação da economia e de desmonte do setor público e das políticas sociais, ao tempo em que promovem as privatizações das empresas estatais e reduzem o compromisso com as políticas públicas, em nítido processo de mudança da agenda do Estado, agora pró-mercado. Assim é que, sob uma coalizão de forças de centro-direita e reunindo praticamente todos os setores da burguesia e das oligarquias regionais de poder que haviam apoiado o ciclo desenvolvimentista, especialmente a partir de 1994 é levado à frente um projeto radical de transnacionalização da economia brasileira, mas mantendo-se as regras e estruturas básicas do velho pacto conservador. Em síntese, as metas e os resultados, como bem assinalado por Fiori (2001, pp.283-5), podem ser traduzidas no desmonte do Estado desenvolvimentista. As mudanças 42 que se processam via transnacionalização da estrutura produtiva e dos centros de decisão da economia brasileira, a estratégia político-econômica que fragilizou radicalmente o Estado e a economia brasileira, agora ainda mais dependentes do capital privado internacional, denotam a ausência de qualquer tipo de estratégia de longo prazo lastreada em algum projeto nacional de desenvolvimento. 43 1.2 Desenvolvimentismo para Transformar e Transformação do Desenvolvimento As energias políticas, econômicas e sociais que envolvem o ideário da industrialização como veículo da estratégia desenvolvimentista no Brasil – e na América Latina como um todo – em parte também se explicam pelo clima de época, posto que as consequências da crise econômica internacional de 1930 levaram o País a assumir uma postura defensiva, com vistas a construir uma economia nacional menos vulnerável aos humores da economia internacional. O desenvolvimentismo – é preciso que se diga com ênfase – não foi uma invenção idiossincrática de países exóticos. Foi também uma resposta aos desafios e oportunidades criadas pela Grande Depressão dos anos 30 e seu ambiente internacional catastrófico. Os projetos nacionais de desenvolvimento e industrialização na periferia nasceram no mesmo berço que produziu o keynesianismo nos países centrais. Uma reação contra as misérias e as desgraças produzidas pelo capitalismo dos anos 20. [...] O clima político e social estava saturado da ideia de que era possível adotar estratégias nacionais e intencionais de crescimento, industrialização e avanço social. (BELLUZZO, 2006, p.58-59). O desenvolvimentismo se revela, assim, como a “ideologia de transformação da sociedade brasileira” (BIELSCHOWSKY, 1988, p.7), ideologia que se expressa por meio de um „projeto nacional‟ de transformações econômicas e sociais com vistas a superar, via industrialização, a condição de subdesenvolvimento. Em lugar da crença liberal na capacidade de coordenação das ações via mercado, é assumida como imprescindível a atuação do Estado para viabilizar o projeto de modernização capitalista. Um Estado indutor, planejador do desenvolvimento e mesmo investidor direto. Isso não significa, necessariamente, que o pensamento desenvolvimentista seja monolítico, como bem denotam as controvérsias sobre o papel do capital estrangeiro e do Estado para a consecução do desenvolvimento. Ao analisar tanto o pensamento como as políticas econômicas que constituíram a experiência histórica brasileira dos governos considerados desenvolvimentistas, Fonseca (2004, p.226) conclui que três elementos sempre constituíram um “núcleo duro” comum às várias manifestações, que são a defesa: (a) da industrialização; (b) do intervencionismo pró-crescimento; e (c) do nacionalismo, delimitando o papel do capital estrangeiro e sempre o subordinando a um „projeto nacional‟. 44 O projeto nacional-desenvolvimentista brasileiro, posto em prática especialmente a partir de meados dos anos 1950, com bem assinala Mantega (1984), revela nítida influência da CEPAL, que forneceu os principais ingredientes para a formação da ideologia desenvolvimentista também no Brasil. A CEPAL considera que o subdesenvolvimento era caracterizado pela produção agroexportadora, sendo necessária uma política de planejamento e desenvolvimento industrial, com ativa participação do Estado. Isso significa que somente por meio da industrialização é que se poderia aumentar a renda nacional e o consequente ganho de produtividade. Portanto, ao Estado caberia a responsabilidade pela promoção do impulso desenvolvimentista. No caso do Brasil, que seguiria as suas principais determinações, verificase a consolidação de uma estrutura econômica capitalista, com capacidade própria de acumulação, dominada por oligopólios nacionais e estrangeiros, com forte participação estatal na economia. Já se implantara no País um setor considerável de bens de consumo final, articulados por uma infraestrutura de transporte e serviços, vários, de modo a constituir uma economia relativamente integrada, bem de acordo com os ditames da CEPAL. (MANTEGA, 1984, p. 43). Raúl Prebisch e Celso Furtado, principais autores cepalinos do debate conceitual e histórico sobre o desenvolvimento do capitalismo dos países periféricos, ao refutarem a explicação neoclássica de que o atraso dessas economias se explica pela Lei das Vantagens Comparativas9, elaboram um modelo interpretativo da divisão internacional do trabalho que resulta na visão Centro-Periferia para explicar o subdesenvolvimento. Neste sentido, atribuem ao Estado o papel de agente econômico, como o único capaz de transformar a falta de condição estrutural dos países de terceiro mundo, induzindo-os ao crescimento de dentro para fora. A importância da atuação do Estado na condução do processo de desenvolvimento é destacada por Prebisch quando define desenvolvimentismo, uma vez que a política de desenvolvimento, nas suas próprias palavras, Significa um esforço deliberado de atuar sobre as forças da economia a fim de acelerar seu crescimento, não pelo crescimento em sí, mas como meio de conseguir um melhoramento persistente da renda nos grupos sociais de rendas inferiores e médias, e sua participação progressiva na distribuição da renda global (PREBISCH, 1961, p.35). 45 O subdesenvolvimento, já havia assinalado Prebisch anos antes, é uma conformação estrutural produzida pela forma como se difundiu o progresso tecnológico no plano internacional: A realidade está destruindo na América Latina aquele pretérito esquema da divisão internacional do trabalho que, depois de haver adquirido grande vigor no século XIX, seguia prevalecendo doutrinariamente até há bem pouco tempo (PREBISCH,1949, p. 99). Nesta acepção, o centro e a periferia são, pois, o resultado histórico da maneira como se propagou o progresso técnico na economia mundial, dando lugar às estruturas produtivas diferentes tanto no centro como na periferia, além de funções também diferentes no sistema econômico mundial. Para justificar a industrialização da América Latina, que já vinha se realizando desde a Grande Depressão dos anos 1930, Prebisch questiona a validade da divisão internacional do trabalho. Segundo esta, o progresso técnico dos centros se distribuiria para a periferia pela baixa nos preços dos produtos manufaturados (em razão do aumento de sua produtividade). Desta maneira, os produtos primários da periferia, de menor produtividade, teriam um maior poder de compra, conforme evoluísse a técnica nos centros, não cabendo a industrialização da periferia do sistema. Prebisch desmente este pressuposto da distribuição do progresso técnico, afirmando que desde o final do século XIX, os preços dos produtos primários vêm se deteriorando em relação aos preços dos produtos manufaturados dos centros. Ou seja, por não terem sido repassados os aumentos de produtividade na baixa dos preços, o progresso técnico tem se concentrado nos centros. Assim, o desenvolvimento dos países periféricos “está intimamente ligado ao curso das exportações”, cujo ritmo “impõe limites ao desenvolvimento espontâneo da economia” (PREBISCH, 1961, p.7), uma vez que freia as importações necessárias ao crescimento. Trata-se de problemas estruturais, os quais requerem não apenas uma política anticíclica do estado, mas ações mais persistentes e de longo prazo. Esta, porém, é dificultada por insuficiência de poupança e outros fatores que conduzem à inflação. Nas suas próprias palavras, [...] a inflação ocorre porque a economia é estruturalmente vulnerável, porque existem fatores regressivos de distribuição de renda e porque há insuficiência de poupança para acelerar as inversões, dada uma estrutura econômica e social (idem, p. 10). 46 Assim, cabe ao Estado, por um lado, “fazer desaparecer a demanda excessiva de importações e desviá-la internamente para manter, em forma não inflacionária, a demanda de fatores produtivos empregados nas atividades de inversão” (idem, p. 47); “manter o volume de inversões antes realizadas inflacionariamente, cobrindo-as, porém, com poupança proveniente de impostos e da contribuição de recursos internacionais” (idem, p. 21); introduzir reformas estruturais no próprio Estado, que “terá que estabelecer uma clara distinção entre gastos crescentes da administração e as inversões internas que devem crescer ao ritmo imposto, de um lado por considerações de política econômica e social, e de outro pelas importações de bens de capital” (idem, p. 31). Nota-se, destarte, que Prebisch elabora um diagnóstico em consonância com seu momento histórico, cujos problemas de balanço de pagamentos se localizavam fundamentalmente nas transações correntes, mais precisamente na balança comercial, quando as exportações majoritariamente de produtos primários cumpriam a função de gerar divisas para sustentar o fluxo de importações de bens de capital e intermediários, necessário para viabilizar a industrialização. Celso Furtado (1961), por seu turno, se por um lado compartilhou do ideário da CEPAL, por outro manifestou discordância quanto à explicação do atraso dos países menos desenvolvidos e, segundo sua interpretação, o subdesenvolvimento é um processo em “si mesmo” que tende a se perpetuar, e não uma simples etapa de desenvolvimento pela qual passam os países, condição que só pode ser superada através de um projeto político. (FURTADO, 1961) Sendo partes do mesmo processo, desenvolvimento e subdesenvolvimento, o atraso dos países do terceiro mundo não deve ser justificado como uma situação que será superada quando esses países alcançarem suas etapas de industrialização, como queriam Rostow(1960) e Lewis (1954). Para esses autores, os países pobres só podem se desenvolver na mesma proporção dos países ricos pela superação de etapas que acontecerão num longo período de tempo, desde a economia natural até a formação das pré-condições para a completa industrialização. No entanto, apreender a ideia do desenvolvimento desigual e combinado é compreender que a expansão capitalista gera as diferenças pelas quais ela se 47 alimenta, na medida em que seu interesse é o de manter a hierarquia das relações de poder. No desafio de enfrentar essas questões, Prebischdedica seus estudos para compreender os entraves ao desenvolvimento dos países da América Latina, enquanto Celso Furtado busca interpretar o subdesenvolvimento da economia brasileira. Ambos se tornam as principais referências no pensamento da CEPAL, influenciando as diretrizes das políticas públicas desses países. Na perspectiva da CEPAL6 a superação da condição primário-exportadora dos países periféricos ocorreria com a internalização do D1 (Departamento produtor de bens de produção) num processo que deveria ser induzido pelo Estado nacional. Assim, para a CEPAL, a base da realização do desenvolvimento periférico está no fomento à industrialização como forma de internalizar esse fluxo dinâmico. A introdução da indústria na periferia promoveria a elevação da produtividade em todos os setores, bem com criaria mecanismos tanto para a elevação do excedente per capta, como da capacidade de consumo pela inserção de novos grupos sociais nesse fluxo [...] (SAWAYA 2006, p.120). Assim acontece no Brasil. O Estado mediou a união dos capitais nacional e internacional com vistas à sua industrialização. Mas, a despeito de todo avanço alcançado, estas transformações intensificaram as diferenças regionais já existentes. Sabidamente, a grande indústria se concentrou nas regiões Sul e Sudeste, se favorecendo do fator capital, enquanto as regiões Norte e Nordeste continuaram fornecendo o fator trabalho, de modo que se explicitou a divisão regional do trabalho no País. Historicamente, todo esse processo culmina no diagnóstico de que apenas a industrialização não basta para promover a superação das diferenças regionais no Brasil. Ao interpretar o desenvolvimento brasileiro, Furtado (1985) faz um paralelo entre o momento da expansão do capitalismo no mundo e a internalização da indústria no Brasil, e conclui que ambos os processos, isolados, representam a dinâmica dos capitais e seus interesses, que certamente não é o da redução das desigualdades sociais e econômicas existentes entre países e/ou regiões. 6 “A lógica do desenvolvimento cepalino era a internalização da dinâmica do capitalismo central na periferia, „pulando‟ as etapas tidas como „naturais‟ ao desenvolvimento de qualquer nação.Essa era a base crítica às etapas de Rostow, que ao analisar o processo de desenvolvimento das economias centrais, não observou que a periferia não estava numa etapa do processo de acumulação,mas tinha em si uma forma de acumulação específica (primário-exportadora) no processo de acumulação de capital mundial” (SAWAYA, 2006, p.121). 48 Diante dessa realidade, coube ao Estado brasileiro decidir e coordenar ações governamentais coesas com a ideia de planejamento regional. Suas diretrizes estiveram orientadas para viabilizar a inserção das regiões atrasadas nos mercados produtor e consumidor nacional e, por consequência, buscar a superação das adversas condições de vida dessa população. 49 1.3 Políticas Públicas e Planejamento Regional no Brasil, de 1970 e 1980. A experiência brasileira de ações governamentais baseadas em regiões específicas ou territórios, sabemos, precede os planos nacionais de desenvolvimento. Em virtude dos vários e peculiares aspectos do País, a começar pela sua dimensão continental, grande heterogeneidade e diferenciação territorial, vão sendo estabelecidas, ao longo do tempo, formas de concepção de políticas públicas e de atuação governamental crescentemente referidas às regiões e territórios. Tanto assim que a busca de superação dos problemas identificados em torno da grande desigualdade regionale sua relação com o desenvolvimento econômico e social do País como um todo remete a tratamentos assentados em recortes em macrorregiões, mesorregiões e microrregiões ou territórios, configurando a experiência nacional de planejamento regional, com vistas a enfrentar o que ficou estabelecido como a questão regional brasileira. Tratava-se de superar o legado do longo período de economia primárioexportadora e seu respectivo processo de ocupação do espaço geográfico brasileiro, o qual se deu segundo as possibilidades de cada região encontrar alternativa econômica que lhe permitisse inserir no mercado internacional, seja para atender à metrópole na fase colonial, seja na primeira etapa do país independente. Buscavase, pois, superar a experiência de um país que, em seus diferentes ciclos econômicos, viveu por mais de quatro séculos sob a dependência do mercado externo. Em função dessas experiências se formaram verdadeiras economias regionais no Brasil, voltadas para fora e com fraca integração nacional, a exemplo do açúcar no Nordeste, do ouro em Minas Gerais, do algodão no Maranhão, da madeira e mate no Paraná, da borracha na Amazônia, do café no Sudeste. Essas experiências seriam determinantes na configuração regional brasileira até os dias de hoje (DINIZ, 2001, p.9). Por conta disso, a configuração regional do Brasil não seria outra senão a de um “arquipélago de regiões” (OLIVEIRA, 1990), a ilustrar o modo como as economias regionais se articulavam: muito mais para fora do que para dentro do espaço nacional. E, enquanto a dinâmica das “ilhas regionais” brasileiras esteve 50 definida pelas condições do mercado externo, não se conforma a questão regional brasileira, a qual só se estabelece enquanto tal a partir da mudança de país primário-exportador para um de base industrial internalizada, quando então o mercado interno passa a comandar a dinâmica econômica. Com efeito, internaliza-se o comando da acumulação. Essa internalização das bases de comando, de articulação, da economia nacional e a hegemonia crescente do mercado interno, projetaram o futuro do país. Nesse momento, conforme Oliveira, o país deixa de ser organizado com base em „arquipélagos regionais‟ para ter „uma economia nacional regionalmente localizada‟. É quando as diversas ilhas do Brasil começam a se articular entre si, a estabelecerem relações cada vez mais intensas entre elas mesmas, e é aí onde começa a surgir a questão regional brasileira (BACELAR, 2000, p.72). Portanto, a questão regional no Brasil emerge como fruto de mudanças que se processam tendo em vista a necessidade de superar a restrita integração econômica das regiões menos desenvolvidas ao restante da economia nacional. Daí a ênfase das ações e políticas públicas na ampliação da integração e, principalmente, da aceleração da integração no imediato pós-Segunda Guerra, como forma de avançar o capitalismo brasileiro, da fase de articulação mercantil, em que predominam as trocas comerciais no processo de articulação interregional, para a fase da “integração produtiva” (GUIMARÃES NETO, 1989), em um processo que intenta modernizar sociedade e economias regionais, com vistas a uma maior homogeneidade econômica e social do espaço nacional e de suas regiões. Como já observamos, trata-se de um processo histórico que, referenciado nas experiências de industrialização substitutiva de importações, aceleradas pelos estrangulamentos externos provocados pelas duas guerras mundiais e pela crise de 1929, desperta a consciência sobre a situação de atraso relativo da América Latina, como bem apanhado pelas contribuições e proposições emanadas da CEPAL, as quais destacam a importância dos planos de desenvolvimento nacionais, com ênfase na industrialização e na construção da infraestrutura. Mas não só. No Brasil, tratava-se de promover o desenvolvimento econômico regional, a redução das desigualdades espaciais, a integração territorial nacional, a desconcentração do desenvolvimento econômico e a correção dos desequilíbrios setoriais e sociais nas diferentes regiões. De fato, o Estado nacional brasileiro assume, uma vez mais, a atribuição de articular as elites oligárquicas regionais e criar mecanismos de garantia da sua frágil 51 unidade nacional. Agora, como antes, o Estado nacional brasileiro busca exercer o controle sobre seus diversos e diferenciados espaços regionais e soldar os interesses específicos e dispersos, com vistas a constituir um espaço econômico nacional. Como afirma Nabuco (2007, p. 66): A grande estrutura territorial brasileira, as fortes diferenças climáticas e geológicas entre as regiões, a preocupação com a integração nacional, aliadas à forte influência política da elite das regiões menos desenvolvidas (com forte representatividade no Congresso Nacional) e a necessidade de promoção da acumulação capitalista no país, são consideradas como fortes razões para justificar a mobilização do aparelho estatal no apoio ao desenvolvimento de políticas regionais. Nesse sentido, é por meio da atuação do Estado nacional que se busca, a um só tempo, resolver o problema das disparidades regionais e ainda tornar estas regiões mais atraentes para o mercado capitalista. Isso explica a criação de instituições e a implantação de programas e projetos de desenvolvimento regional. A preocupação com as desigualdades macrorregionais, em especial em relação ao Nordeste e Norte, regiões marcadas pelo grande atraso econômico e problemas sociais, a começar pelo dramático fenômeno das secas; a questão da borracha na Amazônia e a abordagem específica do desenvolvimento de bacias, sobretudo a do Rio São Francisco, constituem os exemplos mais emblemáticos e a razão pela qual são criadas as instituições de planejamento macrorregional: Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) a mais antiga instituição federal com atuação no Nordeste, já em 1909, sob o nome de Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS); a Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF) e a Comissão do Vale do São Francisco(CVSF), na década de 1940; a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), em 1953, transformada em 1966 na Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM); e a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), em 1959. Nessa esteira, outras experiências, como os planos estaduais de desenvolvimento, as ações de fomento voltadas para produtos de exportações localizados em áreas delimitadas e com instituições responsáveis pela sua implantação (café, açúcar e álcool etc.), as comissões de desenvolvimento 52 localizadas em bacias,apenas confirmam a necessidade de compensar as ações predominantemente setoriais da tradição brasileira, com iniciativas em que o território se constituiu, na sua diversidade econômica e social, o ponto central das intervenções governamentais. Em termos gerais, no que diz respeito às décadas de 1950 e 1960, a política regional respondeu às tensões políticas e se configurou como política de caráter territorial, com o que, mesmo considerados os avanços alcançados, não se verifica mudança substantiva na dinâmica do processo de acumulação desenvolvimentista e modernizante do País. Os anos 1970, por seu turno, representam o período em que a questão da integração nacional e dos desequilíbrios regionais ganha relevo, ao tempo em que é vislumbrada a possibilidade de encaminhá-la via articulação entre o Estado e o grande capital privado, nacional e estrangeiro. Assim se explica a associação do Estado aos empreendimentos voltados à infraestrutura e a parceria estabelecida junto aos investimentos. Mas a integração da economia regional ao dinamismo da economia nacional, seguindo uma trajetória de forte crescimento até o final dos anos 1970, ocorre sem que a reestruturação e transformação da sociedade e sua dinamização e modernização se realizem nos termos da estratégia idealizada. Uma forte razão para tanto pode ser encontrada na dupla orientação que caracteriza a proposta de desenvolvimento deste período: reformista e transformadora da realidade regional, de uma parte; e modernizadora, de outra, sendo que esta última, centrada na diversificação e expansão da base econômica, acaba por se sobrepor à primeira até final dos anos 1970 e início dos anos 1980, com a prevalência de uma integração da economia regional à economia nacional, notadamente em relação ao Sul-Sudeste, mais desenvolvido e industrializado. A bem da verdade trata-se de uma trajetória que, impulsionada inicialmente pela recuperação do Estado, nos primeiros anos dos governos militares, e pelo ciclo expansivo do “milagre econômico”, registra sua inflexão a partir da crise no início dos anos 1980 e em toda década de 1990. De um modo geral, o planejamento regional no período do regime autoritário se caracteriza pelos esforços e recursos direcionados para apoiar o dinamismo e a articulação emanada da política econômica nacional, ao passo que os programas regionais não diretamente vinculados à essa política vão sendo fragilizados, em consonância com o caráter centralizador da atuação do Estado nacional brasileiro. 53 Tal fragilização é evidenciada por ocasião da crise fiscal e financeira do Estado, posto que erodida a sua capacidade de financiar programas setoriais e regionais. A crise do endividamento e o esgotamento do fôlego do Estado na manutenção do ritmo de crescimento, a crise econômica, enfim se traduz em crise política e de legitimidade do regime autoritário, ao tempo em que se inicia a crise do Estado Desenvolvimentista, agravada nos anos 1990, quando o Brasil passa a concentrar o grosso das políticas de abertura comercial e financeira, desregulação, privatizações e desnacionalização industrial e bancária, informadas pelo ideário liberalizante. Agora são outras as energias políticas, econômicas e sociais que, em lugar das que sustentaram a estratégia desenvolvimentista entre os anos 1930 e 1980, envolvem outro ideário, um outro clima de época, o da „globalização‟, que limita o alcance das políticas domésticas de cada um dos países em face da integração mundial dos mercados de bens e financeiro, ao tempo em que é desencadeada uma reorientação do papel dos Estados nacionais e das políticas de desenvolvimento. 54 1.4 Políticas de Desenvolvimento Territorial Rural no Brasil, a partir de 2000. A crise deflagrada ao final dos anos 1970 e início dos anos 1980 vem acompanhada de crescente contestação do modelo de desenvolvimento que prevaleceu desde os anos 1930, e suas principais manifestações relacionam-se à instabilidade monetária associada a inflação cronicamente elevada, crise da dívida pública, desaceleração do crescimento econômico, aumento das desigualdades, com incremento da pobreza (rural e urbana) e degradação dos recursos naturais. Cada um desses fenômenos esteve no centro do debate patrocinado pelas instituições financeiras e agências de cooperação internacionais durante os anos 1980 e 1990, notadamente o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Os novos preceitos viriam a ser cristalizados pelo chamado Consenso de Washington, bem como pelo Pós-Consenso, preceitos pelos quais deveriam se orientar as políticas públicas nacionais, e que remetiam à reorientação do papel do Estado, ao respeito da disciplina fiscal e monetária, à privatização das empresas públicas e ao incentivo das exportações. A defesa de cada um desses princípios, segundo Stiglitz (2002), partia da seguinte visão: a) os déficits públicos acumulados na década de 1980 tinham levado a maioria dos países latino-americanos à beira da hiperinflação, logo era preciso restabelecer a disciplina fiscal; b) os governos dos países em desenvolviment o gastavam energia demais administrando empresas estatais, cujos produtose serviços poderiam ser oferecidos de maneira mais eficiente pelas empresasprivadas; c) a liberação do mercado (remoção da interferência do governo nosmercados financeiros e de capitais, e eliminação do protecionismo comercial)era vista como a melhor maneira de estimular o aumento da produtividade pela melhor alocação dos recursos. Por meio dessa visão, se apregoa a supremacia da corrente neoliberal em relação ao enfoque keynesiano que havia prevalecido do segundo pós-guerra até final dos anos 1970 e, nestes termos, o objetivo do desenvolvimento de longo prazo, impulsionado desde a esfera estatal, é substituído pela primazia da estabilidade 55 monetária, de curto prazo, e cujo principal significado estaria em promover reformas macroeconômicas a fim de alcançar a estabilidade de preços,ajuste fiscal e abertura comercial e financeira.Como assinalam Baruco e Garlipp (2005), [..] o Consenso de Washington, bem como sua versão repaginada no PósConsenso, para além de um receituário, é melhor apreendido a partir de sua ideiaforça, qual seja, de que todos os países deveriam perseguir a estabilidade monetária, ainda que sob formas indubitavelmente distintas, para realizar este que foi tornado o objetivo supremo da política dos países aderentes. (BARUCO e GARLIPP, 2005, p.3) No Brasil, como na América Latina, também é imposta a prioridade à política de estabilização monetária sobre as demais políticas públicas, com o argumento de que, alcançada a estabilidade, os fluxos financeiros internacionais retornariam para essas economias, permitindo honrar os compromissos com o pagamento das dívidas públicas e, ao mesmo tempo, promover o crescimento da economia (BELLUZZO; ALMEIDA, 2002). Em linhas gerais, o programa neoliberal do Consenso de Washington, reafirmado no Pós-Consenso, enquanto estratégia de desenvolvimento, se estrutura em duas premissas básicas. 1) Em primeiro lugar, a estabilidade monetária, seguida da macroeconômica, portanto controle inflacionário e superávit fiscal primário, este como forma de controle doendividamento público, seriam pré-condição necessária para qualquer tentativa de retomada de crescimento/desenvolvimento econômico. Assim, a obtenção da estabilização deveria ser efetuada, independentemente da natureza ortodoxa ou heterodoxa da política utilizada (como políticas de regime de câmbio fixo, ou quase fixo, por exemplo), desde que fossem promovidas metas inflacionárias muito baixas, próximas de zero.2) A segunda premissa do programa neoliberal advoga que somente por meio das reformas estruturais pró-mercado (desregulamentação e flexibilização dos mercados, especialmente dos mercadosde trabalho e financeiro; liberalização/abertura comercial, financeira, produtiva e cambial; forte programa de privatização)ocorreria a retomada dos investimentos – de responsabilidade do setor privado – e o crescimento/desenvolvimento da economia. Como bem lembra Fiori (1997), [...] a partir daí, o mundo inteiro ingressou na chamada era das políticas deflacionárias, sob cuja égide nós estamos: moedas sobrevalorizadas, a inflação como inimigo principal, os equilíbrios macroeconômicos como um objetivo central de todos os governos e um desinteresse absoluto por crescimento/desenvolvimento e por emprego, que eram o grande objetivo da era keynesiana ou da era fordista. Isto é que foi invertido (FIORI,1997,p.118). 56 Os países que aderiram, ainda que a seu modo e a seu tempo, às políticas e medidas preconizadas pelo ideário liberalizante, não obtiveram os resultados alardeados. Ao contrário, passaram a acumular recorrentes indicadores de baixo crescimento econômico, de aumento das desigualdades, desequilíbrios sociais eexacerbação da instabilidade financeira, de sorte que a proposta neoliberal mostrou ser incapaz de equacionar os graves problemas para os quais prometia soluções. A resiliência desses graves problemas, em especial o da desigualdade e da pobreza, leva a que os organismos e agências multilaterais (notadamente o Banco Mundial, o FMI e a ONU) passem a encampá-los em suas agendas, como de resto a promover as suas orientações de política aos países em desenvolvimento, mas ainda segundo o ideário das propostas liberalizantes. A disseminação das ideias e das práticas neoliberais associadas ao processo de globalização acabaria, enfim, por marcar as décadas de 1980 e 1990, em especial pela influência exercida nas formas de planejamento,bem como no entendimento do papel que as regiões e os territórios deveriam ter nesse novo contexto. A experiência brasileira mostra que o processo relacionado com a crise fiscal e financeira do Estado nacional, vale frisar, implicou no abandono da política desenvolvimentista na forma de uma intensa atuação setorial e regional do setor público que prevaleceu desde a década de 1950 até a primeira metade da década de 1980. Nessa fase de crescente fragilidade, no final do desenvolvimentismo, várias experiências surgiram, por meio de diferentes formas de planejamento regional ou territorial, à medida que avançam os questionamentos ao modelo de desenvolvimento em declínio. Assim, distintos fatores contribuíram para a emergência de um novo referencial de políticas de desenvolvimento, sob processos que atuaram, conjunta ou isoladamente, tanto em nível internacional quanto nacional, para o surgimento de novas abordagens de planejamento regional ou territorial nas últimas décadas. Desde logo há que se considerar a influência das experiências alternativas de desenvolvimento territorial já em curso em países europeus nas décadas finais do século XX. Lá, o debate sobre a formação de territórios, com intuito de promover 57 estratégias de desenvolvimento articuladas a políticas públicas, buscava responder às mudanças que se processavam na relação rural-urbano, “valorizando as diversidades econômicas, sociais e políticas existentes em seus territórios locais" (MENDONÇA; ORTEGA, 2005, p. 2). Uma das experiências tornadas paradigmáticas para a formulação e implantação de estratégias de desenvolvimento local e regional foi a da chamada Terceira Itália, que se destacava pelas características morfológicas de determinados territórios e sua importância no estabelecimento da dinâmica econômica local, devido especialmente a articulações entre as empresas internas à própria região, mais que às orientações do planejamento regional. Mudanças percebidas pelos formuladores de políticas públicas estimularam uma reorientação na maneira de formulá-las. As políticas agrícolas de viés exclusivamente setorial começaram a perder terreno e as de corte mais holístico ede base territorial ganharam posição gradualmente. Também paradigmática foi a experiência do Programa Leader(Ligações Entre Ações de Desenvolvimento das Economias Rurais) de 1991, cuja concepção original foia de promover a dinamização das zonas deprimidas e excluídas do padrão agrícola-tecnológico(em Portugal, na Espanha e na Grécia), sob um novo modelo de organização das políticas para o rural europeu – em contraponto com o fortíssimo viés setorial da Política Agrícola Comum - e baseado justamente no seu enfoque territorial, razão que o faz, ainda hoje, a principal referência de programa territorial de desenvolvimento rural, como destaca Favareto (2010).7 Nessa mesma esteira se enquadram as experiências que envolveram ações para a consolidação e o desenvolvimento de arranjos produtivos territoriais e locais, cujas ideias centrais se apoiam na inovação dos processos de produção e na articulação dos atores locais de forma coletiva, a partir de uma visão sistêmica da atividade econômica. As mudanças decorrentes da globalização, especialmente no que se refere aos novos requerimentos de competitividade, levam à busca de um 7 Para a emergência do debate sobre desenvolvimento territorial na experiência internacional, ver Favareto (2012), que analisa os processos históricos e sociais que levaram à associação das ideias de território e desenvolvimento para, em seguida,apresentar a forma pela qual esse debate ganha contornos normativos, de modo a influenciar diretrizes e experiências de políticas para o desenvolvimento de regiões rurais. 58 novo modelo de desenvolvimento em que tais arranjos produtivos são tomados como alternativa para o desenvolvimento econômico e social. A difusão das experiências de arranjos produtivos locais no Brasil, certamente sob a influência de experiências internacionais sobre distritos industriais e clusters, também se deve, em grande medida, ao contexto de crise e respectivo esgotamento do Estado Desenvolvimentista a que nos referimos.Isso explica porque passam a ser estimuladas as propostas e adotadas políticas voltadas para os arranjos produtivos locais, em crescente envolvimento de instituições públicas e privadas, como Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comercio Exterior (MDIC), Serviço de Apoio à Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), bancos públicos, governos estaduais e municipais. O fato a ser destacado é que, por meio de tais experiências, foi sendo gerado um tipo de institucionalidade que estabeleceu relações entre os atores locais; entre eles e os representantes dos territórios; entre estes últimos e os Estados Nacionais, em conformidade com a ideia de governança, que advoga a coordenação de atores, grupos sociais e instituições na busca de objetivos definidos e discutidos coletivamente. Isso requer redução da estrutura estatal e uma nova institucionalidade, por meio da criação de rede de instituições presentes localmente com a finalidade de delegar a gestão territorial aos agentes locais - sociedade civil, representantes políticos, organizações não governamentais, empresariado etc – e dinamizar, assim, o chamado capital social territorial, ou seja, as interações sociais, políticas e econômicas singulares a cada território. Decorre da ideia de governança um novo papel do Estado, o qual deveria se limitar a incentivar a criação de instituições que facilitem e regulem „mercados eficientes‟, estimulando a criação de instâncias regulatórias públicas não estatais (BONNAL; MALUF, 2009, p.5). Mas vale notar que, no Brasil, exaurido o modelo assentado no planejamento macrorregional, o novo paradigma de desenvolvimento, com enfoque territorial, ganha força também devido a mudanças político-institucionais, em especial as relativas ao processo de abertura política e de redemocratização que marcou o fim do ciclo autoritário. Então, as políticas de desenvolvimento territorial adquirem expressão devido ao momento vivido pelo país, a partir do processo de redemocratização e da tendência a ele associada de descentralização das políticas públicas. Vislumbra-se a 59 revalorização das esferas estadual e municipal e maior participação da sociedade civil, tendo como marco inicial a Constituição Federal de 1988. A propósito, a Carta Magna consagra, em seu artigo 3º, inciso III, a redução das desigualdades regionais como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil e, igualmente, em seu artigo 43, ao estabelecer que, “para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais”. Além disso, os princípios gerais da atividade econômica indicados no artigo 170 incluem a redução das desigualdades regionais. Com base nesses artigos da Constituição Federal e na legislação específica que os regulamenta, o Governo Federal passa a dispor de um amplo conjunto de instrumentos, cuja utilização pode contribuir para a redução das desigualdades regionais no País. Também no bojo do processo de redemocratização brasileira se inclui um novo olhar para o meio rural, marcado por uma série de acontecimentos: os movimentos sociais que insurgem contra as mudanças ocorridas no meio rural; as novas composições políticas advindas da queda do regime militar; as novas instituições civis que surgem pela integração das atividades do meio rural com o urbano, dentre outros. Com os processos de redemocratização e de reorientação do Estado, ganha corpo a descentralização das políticas públicas: a descentralização das políticas e também da atividade industrial, associada à redução e ao redirecionamento da intervenção estatal, contribuíram para que, particularmente em meados das décadas de 1980 e 1990, se instituísse um padrão em que, em lugar dos investimentos diretos e de corte setorial, caberia ao Estado proporcionar condições e um ambiente a partir do qual os agentes privados pudessem, eles mesmos, fazer a alocação, supostamente mais eficiente, dos recursos humanos e materiais. Aqueles processos sociais e econômicos de corte eminentemente territorial e esse novo padrão são, em síntese, as principais razões de emergência e consolidação dessa nova abordagem territorial(FAVARETO, 2010, p. 25). Nestes termos, a adoção de políticas territoriais comunga da lógica de implementação descentralizada de ação e programas públicos, em especial das políticas sociais que remetem a prestação de serviços públicos, sob a perspectiva de interiorização do desenvolvimento. Pesam, para tanto, particularmente no caso brasileiro, ainda que não exclusivamente, as características do seu pacto federativo, 60 do poder político, e a relativa autonomia das esferas estaduais, como que favorecendo a incorporação do enfoque territorial. Talvez seja possível classificar a descentralização como uma modalidade de „territorialização‟ das políticas públicas que [...] reflete uma lógica de governança e compõe um dos movimentos („de cima para baixo‟) do enfoque territorial, ao lado dos determinantes „de baixo para cima‟(BONNAL; MALUF, 2009, p.10). Não por menos, as políticas e programas com enfoque territorial atravessam distintos ministérios, como por exemplo: MDA e MA concentram boa parte das políticas diferenciadas de apoio à agricultura familiar e relativas ao meio-ambiente; MDIC responde pelo programa de arranjos produtivos locais, com foco na dinamização de atividades econômicas; o MI desenvolve o programa de desenvolvimento regional centrado na dinamização econômica e na infraestrutura, além de coordenar as várias políticas territoriais do Governo Federal; o MDS respondendo pelos programas e políticas sociais, como a Estratégia Fome Zero envolvendo o PBF e PAA. Seja por apresentar alguma similaridade com a experiência europeia, seja por ter se convertido em instrumento de introdução de políticas territoriais no meio rural, seja ainda pelo seu caráter estruturante das ações públicas parao desenvolvimento rural do Brasil, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar(PRONAF), criado em 19968, no Governo Fernando Henrique Cardoso9 (no âmbito do MA, e posteriormente, sob responsabilidade do MDA), constituia primeira experiência de política setorial diferenciada voltada para a agricultura e para o mundo rural no país. O PRONAF foi estruturado sob quatro linhas de ação: a)financiamento de infraestrutura e serviços aos municípios;b) política de crédito rural (custeio e investimento); c)articulação institucional; ed) formação visando tanto à melhoria do desempenho profissional dos agricultores quanto a sua capacitação para elaborar propostas e políticas de desenvolvimento. Nesses termos, o Programa segue um recorte social que define uma categoria de agricultor a qual se associa um tipo de agricultura e, por meio dele, se introduziu a perspectiva de formulação e implementação de políticas públicas com participação social na forma de conselhos 8 Para uma apreciaçãodo significado institucional da criação do PRONAF, consultarAbramovaye Veiga (1998). 9 Ver Anexo 1. 61 nas três esferas de governo: na municipal, autoridades das entidades municipais e seus Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural; na estadual, as respectivas instâncias responsáveis do desenvolvimento rural e os Conselhos Estaduais de Desenvolvimento Rural e, no federal, o MDA e o Conselho Nacional do PRONAF 10. Uma das quatro linhas de atuação do Programa, denominada PronafInfraestrutura, visou atuar, inicialmente, nas regiões empobrecidas com infraestrutura precária e cujos agricultores familiares enfrentavam dificuldades para acessar o crédito agrícola e outras políticas públicas, razão pela qual o território neste Programa correspondia à unidade político-administrativa básica, o município. A liberação dos recursos seria dirigida a municípios que estabelecessem Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDRS) e formulassem um projeto para aquele espaço, em uma lógica de liberação dos recursos coletiva para municípios que apresentassem condições de desenvolvimento abaixo da média da sua região. Assim, o acesso ao financiamento por parte dos municípios selecionados pelo Conselho Nacional do PRONAF estava vinculado a apresentação de um Plano Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável (PMDRS) aprovado pelo CMDRS. Isso torna evidentea articulação entre uma política pública e a conformação de um conselho, cuja experiência mais relevante é a dos Consórcios Intermunicipais de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local (CONSADs)11, no âmbito do Programa Fome Zero –PFZ implantado no início do Governo Lula. Com o propósito de fomentar iniciativas territoriais na forma de projetos de dinamização econômica que vinculassem a garantia de segurança alimentar com a promoção do desenvolvimento local do Programa Comunidade Ativa (PCA) e dos Fóruns de Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável (DLIS) promovidos pelo Governo FHC, os CONSADs ampliaram o foco para além das fronteiras municipais de modo a reunir grupos de municípios escolhidos por apresentarem baixos IDH, pequena população e carências de infraestrutura, entre outras. Identificados os municípios e delimitadas as áreas de CONSADs, a implementação dos Consórcios envolveu a contratação de Entidades Implementadoras Regionais com a atribuição de apoiar a mobilização de atores locais e construir projetos supra-municipais 10 A partir de 2003, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário (CONDRAF). 11 Para uma apreciação dos limites e potencialidades dos CONSADs, ver Ortega e Mendonça (2007). 62 pactuados entre organizações sociais e o poder público, aprovados nos fóruns dos CONSADs respectivos. Chegou-a à instalação de 40 CONSADs em diversas regiões do país. Os critérios adotados levaram a que os CONSADs aglutinassem, sobretudo, pequenos e médios municípios com dinâmicas predominantemente rurais em áreas menos favorecidas do país. Também no Governo Lula, em 2003, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT), do MDA, se inicia uma política de “promoção de desenvolvimento dos territórios rurais”, tidos como “espaços de integração, articulação e concertação da diversidade atores sociais, identidades culturais, interesses políticos e políticas públicas que nele se manifestam”. Nesse mesmo ano iniciou-se a execução dessa política cujas ações estão ligadas ao Programa Nacional de Apoio aos Territórios Rurais (PRONAT), inserido no Plano Plurianual 2004-2007. Partindo de uma nova perspectiva conceitual e procurando superar no meio rural as persistentes desigualdades econômicas e sociais, o objetivo geral do Programa é promover e apoiar iniciativas das institucionalidades representativas dos territórios rurais que objetivem o incremento sustentável dos níveis de qualidade de vida da população rural, mediante três eixos estratégicos: i. organização e fortalecimento dos atores sociais; ii. adoção de princípios a práticas da gestão social; iii. promoção da implementação e integração de políticas públicas (Documentos Institucionais nº 02- 2005, p.7). Com efeito, são definidas quatro áreas de resultados a serem alcançados, a saber: fortalecimento da gestão social; fortalecimento das redes sociais de cooperação; dinamização econômica nos territórios rurais; e, articulação institucional. Para tanto, a SDT atua com duas linhas de ações em que se materializa seu referencial metodológico: a implementação de ações de apoio ao desenvolvimento sustentável dos territórios rurais e o fortalecimento da Rede Nacional de Órgãos Colegiados – formada pelos Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável assim como pelas instâncias de gestão do desenvolvimento territorial (MDA/SDT, 2005). Assim é que [...] a então recém-criada SDT assume uma definição de política chamada a transformar profundamente a orientação e gestão da política pública do desenvolvimento rural. É tomada a decisão de introduzir a unidade territorial como foco da política de desenvolvimento rural, de forma complementar à política focalizada na agricultura familiar que se fortalece na SAF. A SDT 63 estabelece como sua missão „apoiar a organização e o fortalecimento institucional dos atores sociais locais na gestão participativa do desenvolvimento sustentável dos Territórios Rurais e promover a implementação e integração de políticas públicas‟. Nesta definição é estabelecido o conceito de território rural como eixo central das ações de desenvolvimento rural (ECHEVERRI, 2012, p.89). A partir de 2003, com essa nova orientação para a política de desenvolvimento rural, é alterada a atribuição de prioridades de investimentos no interior do PRONAF-Infraestrutura,possibilitando uma capacidade de execução orientada a ações e programas com caráter de integração territorial, com a adequação a níveis intermunicipais, reconhecendo que essa instância regional é capaz de potencializar o desenvolvimento territorial rural e oferecer um apoio mais efetivo aos municípios incluídos nos referidos recortes territoriais.Igualmente, se estabelece a necessidade e a importância de contar com um 3333333Plano de Desenvolvimento Territorial. Para a definição operacional do território rural,a SDT utilizou critérios a partir da ideia de que um recorte intermediário entre o município e o estado é mais adequado aos propósitos de desenvolvimento: a escala municipal é muito restrita para o planejamento e organização de esforços visando à promoção do desenvolvimento [...] e a escala estadual é excessivamente ampla para dar conta da heterogeneidade e de especificidades locais que precisam ser mobilizadas com este tipo de iniciativa.(MDA/SDT, 2005, p.8). Assim, é utilizado um critério de território semelhante à categoria de microrregiões de planejamento construída pelo IBGE (estabelecidas a partir de análises de atributos espaciais), por considerá-la a unidade que melhor dimensiona os laços de proximidade entre pessoas, grupos sociais e instituições que podem ser mobilizadas e convertidas em um trunfo crucial para o estabelecimento de iniciativas voltadas para o desenvolvimento(MDA/SDT, 2005, p.8). Para a definição dos Territórios foi estabelecido um processo de focalização e priorização que incluiu critérios de ruralidade, entendida desde sua concepção dedensidade e quantitativo populacional e de predominância de agricultura familiar12.Para isto, estabeleceu-se um processo que categorizou todas as 12 A agricultura familiar compreende grande diversidade cultural, social e econômica, podendo variar desde o campesinato tradicional até à pequena produção modernizada. Os agricultores familiares 64 microrregiões em urbanas, intermediárias e rurais de acordo com as condições populacionais, chegando a seguinte classificação: 449 microrregiões rurais, 63 intermediárias e 44urbanas, estabelecendo-se um primeiro critério de elegibilidade naquelas de caráter rural,as quais foram categorizadas em termos de prioridade e quanto ao peso queteria a população beneficiária da política de agricultura familiar. Usou-se para isto indicadores de número de assentados da reforma agrária, concentração de pequenos produtores e indicadores de desenvolvimento humano. Com base nestes critérios foi concretizada a seleção dos primeiros 40 Territórios, no ano de 2003 (ECHEVERRI, 2012, p.94). A partir da definição dos territórios que são o alvo da política a ser desenvolvida, aideia é que cada um deles organize a sociedade civil e o governo de cada um desses espaços na forma de um Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável (CEDRS) e queessa instância organize seus projetos e demandas, considerando os indicadores pertinentes ao Programa Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (PDSTR).Paralelamente, em nível do PRONAT, definem-se as estratégias para a qualificação dos Planos Territoriais de Desenvolvimento Rural Sustentável (PTDRS) e, ainda, efetua-se a discussão sobre o papel dos colegiados no processo de desenvolvimento territorial (CORRÊA, 2009, p.31). A definição e institucionalização dos Territórios Rurais implementados pela SDT, por sua vez, revelou um avanço na direção da política de construção de novas institucionalidades com o perfil intermunicipal (ORTEGA; MENDONÇA, 2007), as quais redundaram no Programa de Territórios da Cidadania(PTC), envolvendo os territórios rurais (entre aqueles definidos pelo PRONAT) que apresentassem piores condições para que fossem alvo de políticas públicas específicas. Anunciada a sua criação, em fevereiro de 2008, o PTC foi concebido como um programa de desenvolvimento regional e de garantia de direitos sociais voltado às regiões mais carentes do país.Congregando ações de 19 ministérios e com expressivo montante de recursos sob coordenação da Casa Civil do Governo Federal, foi apresentado como uma tentativa de integrar e dar coesão a um conjunto de ações,antes dispersas em diversas estruturas do Poder Executivo. Seus objetivos foram chamados de pequenos produtores, pequenos agricultores, colonos, camponeses, entre tantas outras definições. A maioria das definições da agricultura familiar está vinculada ao número de empregados e ao tamanho da propriedade. O Ministério da Agricultura, para efeito do PRONAF, considerou como familiares todos os agricultores que contratavam até dois empregados permanentes e detinham área inferior a quatro módulos rurais. As principais características dos agricultores familiares são a independência de insumos externos à propriedade e a produção agrícola estar condicionada às necessidades do grupo familiar. 65 se relacionam mais diretamente com as metas de superação de pobreza e se identifica como uma estratégia diferenciada para atenção às populações mais vulneráveis, tanto em termos regionais, como de grupo social.Especificamente, é proposta a superação da pobreza e a geração de trabalho e renda por meio da inclusão produtiva dos mais pobres, a integração das políticas públicas em um marco de planejamento territorial, ampliação dos mecanismos de participação social e a universalização da oferta de programas de cidadania, ou seja,de reconhecimento e garantia de direitos. Foram definidos três eixos da atuação, os quais deveriam receber atenção prioritária: a)apoio a atividades produtivas,b) cidadania e acesso a direitos, e c)recuperação e qualificação de assentamentos. Por meio do PTC, busca-se desenvolver ações combinando os financiamentos do PRONAF com a ampliação da assistência técnica; a construção de estradas com a ampliação do Programa Luz para Todos (PLT); a recuperação da infraestrutura dos assentamentos com a ampliação do PBF; a implantação de Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) com a ampliação dos programas Saúde da Família, Farmácia Popular e Brasil Sorridente; e a construção de escolas com obras de saneamento básico e construção de cisternas. Para tanto, criou-se uma estrutura institucional ad-hoc, composta por um Comitê Gestor Nacional,Comitês de Articulação Estadual e os Colegiados Territoriais. No decreto de implantação ficou previsto que os Territórios da Cidadania são criados e modificados pelo Comitê Gestor Nacional, considerando agrupamentos municipais que apresentem densidade populacional médiaabaixo de 80 habitantes por quilômetro quadrado; e, concomitantemente, população média municipal de até 50 mil habitantes, com base nos dados censitários mais recentes. No próprio decreto constavam os Territórios da Cidadania já considerados para as ações de 2008 e para as ações de 2009, e se estabelecia que a escolha e priorização do território a ser incorporado ao PTC dar-se-iam pela ponderação de vários critérios, sendo que o primeiro deles estabelece queo território deve estar incorporado ao PDSTR, do MDA. A partir desse recorte se somam outros, de modo que, dentre os Territórios Rurais, são elegíveis os que apresentam:menor IDH territorial;maior concentração de beneficiários do PBF;maior concentração de agricultores familiares e assentados 66 da reforma agrária;maior concentração de populações tradicionais, quilombolas e indígenas; e baixo dinamismo econômico, segundo a tipologia das desigualdades regionais constantes da Política Nacional de Desenvolvimento Regional - PNDR, do MI. Posteriormente, foi dada uma nova redação ao decreto (Decreto de 23 de março de2009), acrescentando-se outras prioridades, para a incorporação dos territórios posteriores a 2009: convergência de programas de apoio ao desenvolvimento de distintos níveis de governo;maior organização social; e maior concentração de municípios de menor Índice de Desenvolvimento de Educação Básica (IDEB). Isto posto, em 2008 o PTC reuniu 135 ações de desenvolvimento regional e de garantia de direitos sociais, tendo sido definidos 60 territórios para o início das ações, número que chegou a 120 em 2013, dentre os quais o Território da Cidadania Serra Geral(TCSG), definido desde a primeira edição, cuja caraterização é feita no próximo Capítulo, não sem antes abordarmos, na próxima seção, como o NM se inseriu no contexto da Política Regional do Nordeste Brasileiro nos anos que antecederam as Políticas de Desenvolvimento Territorial que acabamos de tratar. 67 1.5 O Norte de Minas Gerais no contexto da Política Regional do Nordeste Brasileiro A experiência mais importante de planejamento macrorregional brasileiro se concentra nas décadas de 1970 e 1980, e persegue o objetivo da integração interregional como forma de superar as precárias condições produtivas das regiões atrasadas, como no caso da região NM. Mapa 1 Localização da Mesorregião Geográfica Norte de Minas Gerais Fonte: AFONSO (2013) com base em IBGE, 2005 Nesse sentido, o Estado brasileiro delineia as metas e delega a articulação e a coordenação prática das ações às instituições e autarquias regionais. Por conta disso, são retomados os princípios pelos quais se fez criar a SUDENE 13 (planejar, articular e coordenar o desenvolvimento social e econômico do Nordeste) e, ainda, 13 A SUDENE teve como idealizador e primeiro superintendente,justamente o economista Celso Furtado. 68 são reforçados o seu poder, porque passa a controlar todos os órgãos federais da região. Com o objetivo de promover políticas adequadas à realidade do Nordeste, inicialmente as diretrizes da SUDENE se baseiam nos estudos e relatórios do chamado GTDN (Grupo de Trabalho Diagnóstico do Nordeste), criado em 1958, cujo relator e mentor foi Celso Furtado. Ao interpretar o subdesenvolvimento brasileiro como uma questão históricoestrutural, Furtado acreditava que para diminuir as desigualdades do Nordeste frente ao Centro-Sul seria necessário superar as estruturas arcaicas seculares que sustentavam a economia nordestina, cuja base de acumulação se concentrava na produção e domínio de mão-de-obra pelos latifúndios. No entanto, superar o atraso desses meios de produção e de suas relações de trabalho, e implantar a indústria moderna nessa região, só seria possível por meio de políticas estruturantes. À sua interpretação teórica do subdesenvolvimento, Furtado adaptou a análise cepalina de relação centro-periferia, buscando demonstrar que a relação entre o Nordeste e o Centro-Sul do Brasil tinha um efeito extremamente negativo sobre a economia da primeira. Furtado deixa, portanto, de analisar a região de forma isolada e passa a examiná-la por meio da articulação de sua estrutura interna com o exterior e com a região Centro-Sul do País. Nega os princípios das vantagens comparativas naturais ou ricardianas, baseadas na dotação regional de fatores (terra e trabalho) e o desenvolvimento dessa corrente pelo pensamento neoclássico. De forma semelhante à análise da Cepal para as relações entre países centrais e periféricos, a relação comercial entre o Nordeste e o Centro-Sul do Brasil tinha um duplo efeito de transferência de renda da primeira para a segunda e de impedimento do processo de industrialização do Nordeste (DINIZ, 2009, p.87). Foi nessa direção que a SUDENE elaborou o I Plano Diretor (1961-1963),cujo planejamento exigiu investimentos de grande monta por parte da União, destinados principalmente para: setor de transportes, ampliando e criando redes de transporte rodoviário, portuário e ferroviário de carga; setor de energia elétrica, pela ampliação da capacidade geradora já existente e formação de novas usinas hidroelétricas; setor da indústria, pela implantação da siderurgia; setor agropecuário, pela reestruturação da economia agrícola através da criação do melhoramento dos sistemas nas bacias dos açudes, ampliação da oferta de terras, pesquisa e experimentação. 69 No período de 1963 até 1973 a SUDENE seguiu elaborando mais três planos diretores14 e até final da década de 1970 concluiu o período de sua maior atuação, através da sua participação no II PND. De fato, essa longa trajetória ajudou a caracterizar esse período como o mais relevante das políticas públicas de desenvolvimento regional, tanto pela grande articulação que se forma entre as três esferas de poder, em torno das diretrizes governamentais e suas ações, bem como pelo significativo volume de recursos investidos nos projetos estruturantes das regiões mais atrasadas. Entretanto, toda essa mudança ainda não fora suficiente para diminuir a dependência econômica do Nordeste em relação ao Sudeste, e ainda diminuir as desigualdades sociais existentes entre estas regiões. As transformações decorrentes da atuação da SUDENE, até meados da década 1980, promoveram modesta desconcentração regional no que tange a base produtiva nacional, mas não foi capaz de reduzir as desigualdades sociais. O que se fez no Brasil foi uma modernização conservadora, e na região mais problemática do país o Brasil se apresentava com enorme nitidez. Ou seja, o país tinha conseguido dar saltos, tinha conseguido modernizar-se, o Nordeste tinha conseguido se atrelar à dinâmica nacional, tinha conseguido industrializar-se, mas a miséria continuava intacta (ARAÚJO, 2000, p.77). Mesmo com a elevação da renda da economia nordestina, as mudanças desencadeadas pela modernização em seu padrão de produção não foram suficientes para que houvesse sua melhor distribuição, inclusive quanto à sua espacialização. No ambiente intrarregional, um dos fatores que agravou esta situação decorreu do fato de a maior parte da renda gerada pelos investimentos na indústria ter se concentrado na cidade, para onde também foram direcionados os gastos da renda gerada no campo. No que tange ao meio rural, estes resultados foram atribuídos ao equívoco do planejamento da época, sobretudo porque priorizou políticas setoriais de estímulo a modernização da tradicional monocultura dos latifúndios, sem alcançar o pequeno produtor.Daí a reconhecida crítica de Furtado (1989) aos limites e alcances da concepção de desenvolvimento regional adotada pela SUDENE. Ao apontar para a Fantasia Desfeita, conclui que para atacar os problemas estruturais do Nordeste não bastam grandes investimentos na economia, mas sim que seria preciso a reforma agrária. 14 Sobre o histórico desses Planos, sugere-se consultar SUDENE (1990). 70 Em se tratando das questões político-ideológicas, é importante destacar os argumentos de Francisco de Oliveira quando apreende o papel do Estado na questão regional. Para ele, a SUDENE foi criada para servir aos interesses da reprodução do capital monopolista no Brasil, que por meio da modernização da economia consegue arrefecer os conflitos de classes que existiam no Nordeste. Nesse sentido, A SUDENE foi criada em consonância com os interesses da burguesia industrial da região Centro-Sul do Brasil e articulada com os interesses da burguesia decadente do próprio Nordeste. Foi também uma forma de segurar a pressão das forças populares, cuja ação poderia apontar na direção de uma desintegração do País, pelos movimentos de caráter revolucionário que se despontavam na região, a exemplo das Ligas Camponesas (OLIVEIRA, 1977, p. 28). Portanto, seria estratégico para a política industrial do II PND o uso de instituições como a SUDENE, que representasse uma transformação radical na forma descentralizada de atuação do Estado nacional, cujos propósitos atendessem ao ambiente político e econômico. A área mineira de atuação da SUDENE se limita ao Norte de Minas e se deve ao fato de pertencer ao chamado Polígono das Secas15,motivo pelo qual são desencadeadas as principais ações governamentais registradas nessa região, iniciadas com a estratégia de diminuição da pobreza e promoção do desenvolvimento socioeconômico pelo combate a escassez de água. O recorte espacial da região Nordeste adotado pela SUDENE foi definido pelo planejamento público pela relativa homogeneidade de características físicas, sociais e econômicas, na ideia de região-programa.Assim, a região se vincula, inicialmente, num programa de combate aos efeitos da seca e, posteriormente, a uma situação de subdesenvolvimento agravado pelo fenômeno da seca(OLIVEIRA, 2000). Seguindo nessa perspectiva é que o NM é incluído na Política Nacional de Irrigação do final da década 1970. Através do aproveitamento hídrico da bacia do rio São Francisco foi possível se avançar na implantação do canal de irrigação do Projeto Jaíba, pela parceria da SUDENE com a CODEVASF. Caberia a SUDENE os incentivos fiscais e financeiros enquanto que a CODEVASF seria a responsável pela execução, operação e manutenção da infraestrutura de irrigação. 15 Para um histórico detalhado sobre a presença da SUDENE no Norte de Minas Gerais se indica a leitura de Oliveira(1977). 71 A atuação da CODEVASF elege espaços prioritários da bacia do São Francisco para implantação de projetos de irrigação. A infraestrutura de irrigação vai além das obras específicas de engenharia dentro do perímetro irrigado, envolvendo a construção de um aparato técnico para viabilizar os fluxos de mercadorias, especialmente num modelo produtivo voltado para exportação, promovendo uma concentração espacial das técnicas, da produção e dos serviços no entorno destas áreas selecionadas (COELHO NETO, 2009, p.27). A implantação do Perímetro de irrigação de Jaíba, pelas etapas que já estão consolidadas, provocou significativas mudanças na agricultura do NM. Através da irrigação de parte das terras dessa região, foi possível se inserir novas atividades produtivas no campo e modernizar as técnicas de produção agrícola, conformando resultados positivos quanto ao aumento da produtividade do meio rural e possibilidade de inserção em mercados mais dinâmicos. Apesar disso, a estrutura fundiária do meio rural não se modifica, sendo um dos motivos de agravamento dos problemas sociais e econômicos já existentes. Fazia parte da proposta do Projeto Jaíba destinar parte das glebas à parcela da população rural mais vulnerável, dos camponeses produtores da agricultura tradicional e micro produtores da pecuária que estavam em sua área de abrangência, no entanto as dificuldades de acesso aos recursos financeiros e assistência técnica do próprio projeto além de outras questões, agravaram os problemas sociais e econômicos dessa parcela da população. Estes agricultores, que se transformaram em irrigantes, tiveram seu modo de vida e forma de produzir alterados. Perderam o estabelecimento histórico secular a que pertenciam, e a forma de produzir baseada em baixa intensidade de capital, no conhecimento ancestral e dependente do regime pluvial. O pequeno excedente por eles gerado não lhes era suficiente para acumular e capitalizar. Necessitavam de políticas que proporcionassem o aumento da produção e da produtividade do trabalho aplicado à terra(RODRIGUES,1998, p.79). No intuito de compreender o progresso, e também o atraso do rural brasileiro, Martins (1994) traz suas contribuições no que tange a estas contradições, para quem coexistem diversos tempos do desenvolvimento capitalista no mundo rural, das formas mais atrasadas as mais modernas, que só poderão ser superadas a partir de uma reestruturação produtiva baseada na reforma agrária (FURTADO,1989,p.67-8). Assim, nos parece importante resgatar os argumentos de Delgado (2005) quanto à necessidade de se viabilizar um projeto político que dê conta de frear o 72 avanço do agronegócio nas terras ocupadas pela agricultura familiar e tradicional e, sobretudo, o de enfrentar a necessária reforma estrutural pela desconcentração fundiária, como forma de estancar o processo de migração da população do campo para a cidade. Essas reflexões vão ao encontro do que já problematizava Gervaise (1975)em seus estudos sobre a expansão agrícola do NM, ao destacar queboa parte dos títulos de propriedade das terras colonizadas do Jaíba não chegara a ser repassada aos colonos, causando diferenciação entre os legítimos proprietários e os que eram posseiros.E ainda,como registra Rodrigues (1998),houve forte apelo do governo federal em prol de angariar recursos financeiros para o Projeto Jaíba, através do discurso de agradar a população local, usando a justificativa social da necessidade de inclusão dos pequenos produtores locais nas atividades produtivas. No entanto, o plano de colonização do Projeto não teve o alcance anunciado, visto que muitos dos agricultores assentados, rapidamente se transformaram em mão de obra para o segmento empresarial ali instalado, pelo fato de não conseguirem produzir autonomamente. Ademais, também cabe registrar as consequências desse projeto quanto ao modo de vida da população nativa local, atingidos nos seus costumes e tradições. Um processo de exclusão social e/ou produtiva pode ser sinônimo de expulsão, visto como mobilidade forçada de determinado contingente de pessoas na busca por novos espaços de inserção socioprodutiva, sendo que nesse processo vão transformando as suas identidades culturais e histórias de vida. Como bem assinala Haesbaert (2007), Muito mais do que perdendo ou destruindo nossos territórios, ou melhor, novos processos de territorialização (para enfatizar a ação, a dinâmica), estamos na maior parte das vezes vivenciando a intensificação e complexificação de um processo de (re)territorialização muito mais múltiplo, „multiterritorial‟(HAESBAERT,2007,p.19) Diante do exposto, pode-se dizer que a modernização do NM serviu para transformar o campo em mais um espaço de reprodução do capital pelo tradicional modelo de crescimento econômico concentrador da renda, cuja dinâmica privilegia a ocupação de novos atores, produtores capitalizados, e baixa inclusão dos que já existiam. Como apontam Santos e Leite (2010) 73 do ponto de vista social o „desenvolvimento‟ trazido pelo capitalismo deixou de fora o principal ator norte mineiro, o sertanejo. Nesse processo de modernização as técnicas e práticas agrícolas do pequeno produtor, sua cultura e sua estreita relação com a natureza são desprezados para dar lugar a métodos modernos de produção, mecanização, uso intensivo do solo, adubos e fertilizantes químicos, agrotóxicos e irrigação com tecnologia (SANTOS; LEITE, 2010,p.5). Sem perder de vista a importância das críticas, ainda assim é necessário notar que os apoios da SUDENE e CODEVASF foram determinantes para romper com o isolamento social e econômico dessa região em relação às outras do estado e mesmo do País. O fato é que essa integração se deveu, sobretudo, aos projetos agropecuários implantados pela SUDENE, dando condições de atração à agricultura especializada, sobretudo pelos projetos de irrigação e reestruturação de redes de transportes. É por meio da SUDENE que são destinados os recursos para a expansão ferroviária e rodoviária, fundamental no processo de incorporação da economia norte-mineira à economia nacional, especialmente em relação às suas regiões mais dinâmicas(RODRIGUES, 2000, p.45). Ao tempo que a agricultura comercial vai se desenvolvendo no campo, ocorre o crescimento de atividades correlacionadas no meio urbano, tais como o comércio de produtos agropecuários; serviços especializados em assistência técnica; centros de estudos e pesquisa etc. Ademais, no meio rural surgem novas atividades agrícolas que, combinadas com atividades não-agrícolas, imprimem a pluriatividade no padrão de ocupação das pessoas, o que impõe considerar, na formulação de políticas de desenvolvimento, a importância de novos agentes, de lidar com novas variáveis e com novos interesses. Como destaca Favareto (2010), [...] uma nova estrutura de oposições e identidades sustentam a especificidade desta nova configuração da relação rural-urbano. E para completar, muda também o ambiente institucional que orienta a regulação das formas de uso social dos recursos naturais (FAVARETO, 2010,p.18) Com efeito, há de se levar em conta que O espaço rural vem passando por profundas transformações, quer seja no avanço da modernização agrícola, quer no avanço de novas atividades no seu interior, sendo que esse avanço, via de regra, está associado à integração da unidade produtiva às redes de produção, cada vez mais especializadas, visando atender „nichos‟ ou segmentos de mercados(GRAZIANO DA SILVA, 1997, p.165). 74 O redesenho da geografia econômica do NM se deve, sobretudo, às políticas públicas das décadas de 1970 e 1980, e expressa uma nova forma de reprodução deste espaço, cujo processo se inicia, como assinalamos, pelo paradigma do desenvolvimento regional. No entanto, os avanços causados no ambiente econômico não se colocaram ao alcance de boa parte da população (em que pese propiciarem a integração dessa região ao mercado nacional), aumentando as diferenças sociais e econômicas já existentes. Parte da literatura que crítica esses rumos, o faz se referindo ao equívoco do modelo de desenvolvimento centrado apenas na industrialização, pelo qual também se guiaram os elaboradores das políticas públicas brasileiras à época. Nesse contexto, também se acrescentam as críticas quanto à escala espacial no planejamento público. Numa avaliação ex-post, vale observar que não tendo sido observado o grande desafio da dimensão regional de apreender a heterogeneidade dos modos de vida de sua população e o atendimento às suas necessidades, em verdade ocorre certa homogeneização no tratamento dessas questões, representadas pela problemática das disparidades entre as grandes regiões do País, no esforço de superar aquela divisão regional do trabalho. De outra parte, mas ainda sobre a importância das escalas espaciais na compreensão dos processos socioprodutivos e, por consequência, do poder de subsidiar as políticas públicas, concordamos com as explicações de Brandão (2007) quanto a importância de se considerar diferentes escalas, mediadas pelos seus limites e possibilidades. Se na escala local há forças endógenas que podem e devem ser acionadas, por outro lado é preciso não negligenciar a real existência de hierarquia, poderes, macroeconomia, macro processos e decisões estratégicas que se encontram, muitas vezes, em outras escalas exógenas à localidade(BRANDÃO, 2007, p. 50). Perseguindo essa idéia é que buscamos compreender os recentes resultados da diversificação das políticas públicas que, por meio de novas abordagens de desenvolvimento, busca criar estratégias para alcançar diferentes realidades, sobretudo as causadas no meio rural. Neste sentido ... 75 2. REGIÃO E TERRITÓRIO COMO CATEGORIAS FUNDANTES PARA ANÁLISE DO TERRITÓRIO DA CIDADANIA SERRA GERAL Este capítulo tem o propósito de apresentar uma caraterização do Território da Cidadania Serra Geral (TCSG), objeto deste estudo, a fim subsidiar a reflexão sobre os alcances e limites das políticas públicas de planejamento regional (dos anos 1970 e 1980) e das políticas de desenvolvimento territorial (dos anos 2000) que incidiram nesta dimensão espacial. Para tanto, e considerando região e território enquanto recortes espaciais do planejamento público bem como a importância dessas categorias à análise espacial, o capítulo foi estruturado em duas seções. Na primeira, abordamos as categorias de análise região e território, no âmbito da Geografia, naquilo que permitem nos orientar em relação a abordagem territorial rural adotada pelo planejamento brasileiro, desde a década de 1990, experimentada pela participação coletiva das populações rurais e poderes públicos, com vistas ao desenvolvimento dos espaços rurais mais atrasados, como é o caso do TCSG, objeto do nosso estudo, cuja segunda seção (2.2) deste capítulo é dedicada à sua caracterização. 76 2.1 As Categorias de Análise Geográficas Região e Território Como bem coloca Breitbach (1986, p.50) as categorias são formulações intelectuais que expressam determinações reais de existência, elas são uma contrapartida da realidade no pensamento; elas não são fruto do pensamento. Reconhecidamente, região e território são , ambas, categorias polissêmicas, as quais assumem múltiplos significados, bem como multiplicidade de usos, nas diversas áreas do conhecimento e, igualmente, nas correntes da Geografia e, mesmo, no âmbito das políticas públicas. Com efeito, não são poucas as dificuldades associadas ao tratamento rigoroso dos conceitos região e território. Uma primeira, de caráter mais geral, advém do fato de o termo região, por exemplo, permitir referência a várias escalas, se prestar a indicar e localizar qualquer tipo de “extensão” concreta, desde uma “região” do cérebro humano até um bairro, uma província ou um conjunto de países (BEAUJEU-GARNIER, 1971). O termo tem também uma larga tradição de tratamento interdisciplinar (CLAVAL, 1987), sendo comum seu uso sistemático na biologia, na antropologia, na psicologia, na sociologia, na administração pública, na história e na economia, cada disciplina propondo da mesma forma definições próprias e significados “adequados” ao conceito. Essa polissemia se aplica, igualmente, à categoria território, não sendo incomum que pesquisadores, assim como formuladores de políticas, entendam que a simples existência de uma parcelada superfície terrestre é o próprio território; outros, que a existência do território é confirmada com a presença do Estado; ou que território é o mesmo que espaço geográfico; ou, ainda, o relacionam a uma certa dimensão espacial e durabilidade temporal ou forma de controle de uns agentes sociais sobre outros. O uso indiscriminado e subjetivo das categorias região e território comumente aparecem nas questões do planejamento e políticas regionais/territoriais. Não é infrequente que as categorias subjacentes aos planos e programas se circunscrevam, no mais das vezes, às abordagens geográficas e administrativas, operacionais, como que desconsiderando a realidade social em seu conjunto e sua relação com o espaço. 77 Em que pesem os múltiplos significados e multiplicidade de usos das categorias região e território, a Geografia tem se preocupado em conferir-lhes conteúdo teórico-metodológico, posto que consideradas „conceitos-chave‟ (GOMES,1995;CORRÊA,2001;HAESBAERT, 1999). O entendimento a seu respeito tem se modificado a partir da construção das correntes do pensamento geográfico, as quais revisitamos a seguir, apenas com o propósito de estabelecer um quadro de referências conceituais ao nosso objeto de estudo. 2.1.1 A Categoria Região Até início dos anos 2000 a categoria região se sobressaiu como principal recorte espacial aos olhos do planejamento público brasileiro, sobretudo nas décadas de 1970 e 1980, quando foi palco das ações governamentais direcionadas a superar o subdesenvolvimento, pautado na redução das diferenças econômicas e sociais interregionais. Visto nesta perspectiva, o NM foi identificado como uma região atrasada e de baixo potencial de crescimento econômico, características essas atribuídas, sobretudo, às más condições de clima e solo, com resultados expressos em baixos indicadores socioeconômicos. Neste sentido, o conceito região foi simplificado a uma extensão espacial contida de diversidade social e econômica delimitada pelas características de sua geografia física e homogeneizada por planos e programas governamentais, com os mais variados objetivos. No entanto, ao ser tomada por esta abordagem, região deixa de existir enquanto parte de um todo, cujas especificidades respondem a processos que ali ocorrem e, quando não captados,acaba por comprometer o diagnóstico do planejamento público. Todavia, no âmbito da Geografia é que a categoria região encontra suficiente aporte teórico, constituído nas diferentes abordagens das Escolas de Pensamento Geográfico. Em termos gerais, região é categoria de análise de matrizes teóricas convencionais e das filiadas ao materialismo histórico, portanto, acompanha ahistória da Ciência Geográfica e é considerada como a categoria espacial com maior riqueza de conceitos. 78 Deste modo, têm razão os pensadores dos fenômenos regionais quando afirmam que, pela imprecisão do conceito, ao ser operacionalizado deve ficar clara a correspondência de sua matriz teórica. Na Geografia, o uso da noção de região é mais complexo, pois ao tentar fazer dela um conceito científico, herdamos as indefinições e a força de seu uso na linguagem comum e a isto se somam as discussões epistemológicas que o emprego mesmo do conceito nos impõe. Uma das alternativas encontradas pelos geógrafos foi a de adjetivar a noção de região para assim diferenciá-la de seu uso pelo senso comum. (CASTRO; GOMES; CORREA, 1995, p. 34). Assim, optamos por percorrer, ainda que sumariamente, as principais escolas da Geografia, em um exercício que busca evidenciar seus conceitos e postulados sobre a categoria região, naquilo que contribuem para esse nosso estudo. No início do século XX, quando a sistematização de uma “geografia regional” começou a dar seus primeiros passos, despontam as primeiras definições de cunho mais teórico sobre o fenômeno regional, especialmente na Alemanha, França e na Grã-Bretanha. Naquela que pode ser considerada a primeira definição sistematizada,Herbertson (1905) propõe criar uma “geografia sistemática”, pela qual se buscam “ordens de divisões geográficas” no globo terrestre. Para tanto, faz referência explícita aos procedimentos de classificação da biologia (especialmente no que diz respeito à hierarquia da divisão dos seres vivos em espécie e gênero), demonstrando um viés dedutivo, partindo da definição prévia de critérios de delimitação das regiões para, em seguida, “dividir o mundo em grandes regiões naturais” (p. 302). Nesse período, “a região era um dado da geografia física, um dado da natureza” (CLAVAL, 1974, p. 63) e, nesse sentido, “o conceito de região natural nasce, pois, desta ideia de que o ambiente tem um certo domínio sobre a orientação do desenvolvimento da sociedade”.(GOMES, 1995, p. 55) Com efeito, nesta perspectiva convencional (Escolas Francesa e Alemã), a região é entendida como a diferenciação de áreas, seja como „região natural‟, nos termos de Ratzel, seja como “região geográfica”, na acepção de Vidal de La Blache. 79 Recorrendo a Ratzel, é possível apreender a lógica desta concepção pela ênfase atribuída ao caráter próprio de uma região, e compreender que a sua natureza é determinante no desenvolvimento de uma sociedade: O solo pode favorecer ou impedir o crescimento dos estados [...] Um território inóspito não pode „alimentar‟ nenhum estado, é um deserto histórico (...) Um sentimento de unidade com o território é mais forte naqueles lugares onde as fronteiras são claras e definidas, onde há mais facilidade de dominação e exploração dos recursos naturais. (RATZEL, 1980, p: 2-3). Percebe-se que nessa concepção a existência das diferentes regiões se encontra vinculada ao poder que a natureza exerce sobre o homem, de modo a determinar seu comportamento e explicitar o caráter ambientalista da realidade regional. Considerada determinista, essa concepção é alvo de críticas por parte de Vidal de La Blache. Este, por seu turno, busca unir aspectos “naturais” e “humanos” para a explicação dos fenômenos geográficos e propõe o conceito de “região geográfica” para denominar essas parcelas da superfície terrestre que apresentam certa homogeneidade de características, derivadas da combinação entre elementos do meio natural e da ação humana. Vale notar, com Bezzi (2004, pp. 65-6), que “não era mais a região natural – física – o objeto privilegiado da análise geográfica”, e sim as combinações diferentes de elementos naturais e culturais que em cada região geográfica se realizam. Assim, pode-se dizer que Vidal de La Blache sofistica o conceito região, ao conferir importância para a relação homem-natureza. Para ele, região é uma entidade concreta caracterizada pelos elementos da natureza e pela presença do homem, “onde se aproximam e se estreitam, ao mesmo tempo, a relação homemmeio, num processo de integração de todos os sistemas naturais e sociais que conduzem a organização do espaço geográfico”. (apud MOREIRA, 2012, p.44) Ao compreender que as condições naturais não determinam a vida em sociedade, e julgando importante a possibilidade de transformação da natureza pelo homem, o pensamento de La Blache foi tomado como referência pelo possibilismo geográfico e pela corrente de pensamento da Escola Francesa de Geografia. Suas ideias implicaram na mudança dos paradigmas da Geografia, porque deram abertura para a leitura crítica da realidade e instigaram rupturas e avanços em relação ao 80 saber anterior, na medida em que o conceito de “região geográfica” difere e supera o de“região natural” da Escola Alemã. (CAPEL,1981) Dando ênfase a este momento, em suas reflexões sobre as contribuições do pensamento de Vidal de La Blanche, Haesbaert (2002, p.79) registra que: Muito mais do que uma crítica „possibilista‟ ao „determinismo‟ de Ratzel, trata-se de uma perspectiva epistemológica ampla, que defende a não fragmentação da Geografia, nem em termos de valorização de ramos específicos (seja da geografia física, seja a geografia política), nem em termos de ênfase a uma escala prioritária (como a do Estado). Já a partir da década de 1950, os estudos regionais conhecem importantes mudanças em virtude da revolução teorético-quantitativa. Surge uma nova concepção da categoria, apoiada no positivismo lógico e na dedução. Nessa perspectiva, foram aplicados modelos quantitativos à análise regional, que passa a se preocupar com a demonstrabilidade de teorias e com o estabelecimento de previsões. Na Nova Geografia, região deixa de ser objeto concreto de análise e passa a ser entendida como uma criação intelectual, a partir de procedimentos classificatórios provenientes das ciências naturais: a região como “classe de área”, definida estatisticamente como, [...] um conjunto de lugares onde as diferenças internas entre esses lugares são menores que as existentes entre eles e qualquer elemento de outro conjunto de lugares. (CORRÊA, 1986, p.32). Na perspectiva do pensamento teorético, “a região se converte assim em uma espécie de laboratório em que se comprova a validez das teorias propostas pelo geógrafo sistemático”, como observa Capel (1981, p.390), de tal modo que região deixa de ser uma categoria chave: “A ascensão da Nova Geografia, na sua ênfase nas relações espaciais e o seu uso dos métodos estatísticos, coincidiu com o declínio na importância dos estudos regionais”. (GUELKE, 1982, p.213). Essa ideia de região estava fortemente relacionada ao planejamento regional apoiado pelo Estado capitalista na tentativa de organizar o espaço. Segundo Lencioni (2003), Com o planejamento regional, a face intervencionista do Estado e do capital se tornaram transparentes. O primeiro, como legitimador do segundo, procurou conter o desordenado padrão da produção capitalista, enquanto o segundo buscou ampliar sua base espacial de produção. Eficiência e 81 desempenho regional, significando eficiência nas formas de reprodução do capital, tornaram-se objetivos a serem alcançados, confundindo interesses econômicos com interesses sociais. (LENCIONI,2003, p. 135). Verifica-se a forte influência de constructos teóricos afeitos à Economia, como os de Christaller (Teoria dos Lugares Centrais); de Perroux e Boudeville (Teoria dos Pólos de Crescimento Econômico). Este último propõe uma caracterização das regiões em: “regiãopolarizada”, “região homogênea” e “região-plano”, na tentativa de enfatizar a natureza regional do espaço econômico. Nessas perspectivas, tais formulações concebem região pela localização de um conjunto de atividades econômicas distribuídas no rural e urbano, induzindo os conceitos de espaço e região geográfica, enfatizando a dimensão econômica da problemática regional. O fato é que, calcada no uso dos métodos quantitativos, na metodologia operacional, região assume um caráter de classificação junto a maior parte dos estudos: os que tratam das regiões simples (cuja divisão é produzida com base em um único critério); os que abordam as regiões complexas (múltiplos fatores são considerados no processo de regionalização), as regiões homogêneas (apresentam certo grau de homogeneidade entre seus elementos) e as regiões polarizadas ou funcionais (cuja base é a análise dos fluxos de matéria, capital e informação sobre a superfície terrestre). Constroem-se regiões cristalizadas no tempo e no espaço. No entanto, os avanços da Ciência Geográfica quanto aos seus aportes teóricos, até aqui, ainda não parecem suficientes para romper com a análise tradicional, porque em termos metodológicos se mantêm descritivos e empiristas. (GERALDI et al. 2008). Os problemas aos quais a Geografia quantitativa não consegue apresentar respostas a partir de sua base empirista e positivista acabam por desencadear uma série de críticas ao seu escopo empirista e positivista, com o que emergem novas perspectivas de análise regional, agora [...] fundamentadas no materialismo histórico e dialético, como também nas Geografias humanista e cultural. (CORRÊA, 1994, p.216) Assim, a Geografia que emerge na década de 1970 redireciona as bases teóricas e conceituais referentes à questão regional, com o surgimento das correntes de pensamento denominadas de Críticas: de base marxista (Escola Radical ou 82 Crítica) e fenomenologia (Geografia Humanística), ambas preocupadas com a indiferença das abordagens anteriores à dimensão social da realidade. Com efeito, buscam recuperar a vertente histórica perdida e partem para a construção de novos parâmetros de análise. No tocante à região, primou-se pelo seu entendimento a partir de aspectos históricos e culturais. Segundo Corrêa (1986), é possível organizar as ideias sobre região daí decorrentes em três grandes linhas: a primeira a entendia como resposta aos problemas capitalistas, onde os critérios de regionalização baseavam-se nos diferentes padrões de acumulação, no desigual desenvolvimento espacial, nos processos de reprodução do capital e nos ideológicos. A segunda, recebe a influência da Geografia Humanística que lhe cede às características de identificação, do real, do concreto, de ser fruto da vivência dos grupos sociais. E, por último, a linha de pensamento que a concebe sob uma perspectiva política, da realidade, baseada na ideia de que a dominação e o poder constituem fatores fundamentais na diferenciação de áreas, sendo um meio para as inteirações sociais. Como bem explica Santos (1979), ao interpretar a concepção de espaço pela leitura marxista de sociedade, a sociedade é definida através do espaço, que é resultado da história dos processos produtivos: [...] “o espaço é fundamentalmente social e histórico, evolui no quadro diferenciado das sociedades e em relação às forças externas, de onde mais frequentemente lhes provém os impulsos”. (SANTOS, 1979, p.10). Por ser contido de história, não há como desvincular espaço e tempo; da mesma forma, a ação dos sujeitos dos processos sociais. Essa é a indicação de Lefèbvre (1991) com sua abordagem sobre a produção social do espaço, tomado pelométodo dialético. Assim é que divideespaço em “espaço concebido”, “espaço vivido” e “espaço percebido”‟, e por este meio compreende que espaço traduz um conjunto de diferenças. Assim como em Harvey (1980), ao conceber as dimensões espaciais quanto ao espaço absoluto, porque cada lugar é único e não se repete; espaço relativo por causa da relação entre objetos, e ainda, espaço relacional porque cada objeto só existe na medida em que contém e representa dentro dele mesmo a relação com outros objetos (HARVEY,1980, p.5). 83 Nesta concepção, espaço deve ser compreendido no tempo, e este compreendido pelas mudanças das forças produtivas na medida em que o capital necessita se reproduzir e, neste sentido, a noção de espaço-tempo, indissociáveis, acompanha as transformações que decorrem do capitalismo. Para Santos (1996), o atual processo de globalização da economia, tomado pela flexibilidade nos processos de produção, fragmenta espaços e torna o conceito região mais complexo. A região é o resultado da dialética entre dois tipos de lógica, uma que é dada pelos arranjos internos de cada divisão do trabalho regional (que é mais o resultado da formação histórica, espontânea das regiões) e outra que é expressa pela influência cada vez mais aguda de vetores externos (sejam eles normas, fluxos de informação, de capitais, de mercadorias, de investimentos etc.) que instalam sobre estas combinações preexistentes seus nexos „organizacionais‟. (SANTOS, 1996, p. 196). Nesta perspectiva de análise, ao tratar do conceito região, Corrêa (1996) e Bezzi (1995;2004) propõem que uma região pode ser compreendida como expressão dascontradições do processo de acumulação de capital, resultando em especificidades sociais que, quando comparada a outras regiões, reflete suas diferenças pelos distintos níveis de produção e reprodução do capital e das relações de produção [...]diferenças resultantes de tempos históricosdiferentes,coexistindo no tempo presente [...] e no espaço (CORRÊA, 1996),cabendo interpretar região como uma resposta local aos processos capitalistas(BEZZI, 1995; 2004). Tomadas essas referências, é possível notar como elas influenciam a operacionalização do conceito região, no sentido de apreender o diagnóstico que dela se faz no uso do planejamento regional. Valem, a propósito, os esclarecimentos de Haesbaert, quando chama a atenção para a necessidade de distinguir região, enquanto conceito, de regionalização, método operacional, instrumento e técnica de recorte do espaço geográfico: Regionalização seria um processo e região seu produto. A regionalização enquanto instrumento e técnica de recorte do espaço geográfico geralmente está ligada a um objetivo prático, a necessidade do pesquisador ou mesmo do planejador de encontrar unidades espaciais coerentes para sua análise ou para aplicação de um programa de planejamento. A regionalização pode ser então vista como produto de um reconhecimento de diferenciação no/do espaço geográfico. Neste caso, a definição de “região” (na verdade um recorte espacial) irá variar de acordo com os propósitos do estudo ou com a finalidade do trabalho. Frequentemente, aí, a regionalização adquire um caráter normativo: não se trata tanto de reconhecer um fato (a existência da 84 região), mas de indicar a forma com que a região deve ser construída tendo em vista um determinado ordenamento requisitado para o território. (HAESBAERT, 2001, p. 278). Neste sentido, perseguir o conceito para compreender o alcance e limites de seu uso no planejamento impõe passar do teórico para o concreto, operacionalizando o conceito num movimento que busca captar: como tal região é regionalizada? Quais são os efeitos, anteriormente projetados, no recorte espacial escolhido?Tais questionamentos ganham expressão ao tratarmos de reconhecer os alcances e limitesdas políticas públicas de planejamento regional (dos anos 1970 e 1980) e das políticas de desenvolvimento territorial (dos anos 2000) que incidiram no TCSG.Entendemos, com Paiva (2009, p.2),que [...] uma região não é uma entidade física, mas uma construção social. Mais exatamente, uma região é o resultado de um processo de regionalização. E este processo (assim como seus resultados) é função dos objetivos daqueles que o encetam. Com efeito, é importante para os nossos propósitos ter claro as seguintes diferenciações a partir das observações de Duarte (1980): a) região como processo baseia-se na análise das desigualdades regionais do desenvolvimento econômico mundial, causadas pela expansão comercial; b) regionalização como instrumento de ação está centrada na relação entre diagnósticos regionais e os decorrentes de planejamento de desenvolvimento regional; c) regionalização estritamente como classificação está calcada no uso dos métodos quantitativos, na metodologia operacional; e d) regionalização como diferenciação de áreas remete à visão clássica, ligada ao conceito de paisagem. Do que foi posto pode-se depreender que a definição de região não é um deus exmachina, e sim um arranjo teórico flexível, maleável e formatado de acordo com os desdobramentos de novas categorias no processo de progressão do abstrato para o concreto ( LEMOS, 1993). Com efeito, compreender a definição e a construção histórica desse conceito que está diretamente ligado aos aspectos sociais, culturais e econômicos de cada momento histórico nos permite entender uma diversidade de formas de apropriação e de reestruturação do espaço pelos diversos agentes sociais e econômicos que compõem o cenário das transformações regionais, posto que as relações sociais são 85 também espaciais, dessa forma, compreendemos o espaço vinculado à esfera social, sempre acompanhado de uma prática social. Dessa forma concebemos região como um espaço socialmente construído que não necessariamente é um território rigidamente delimitado, mas é apreendido a partir de sua dimensão histórico-espacial. 2.1.2 A Categoria Território Os estudos recentes sobre o planejamento público no Brasil avançam no sentido de compreender as estratégias de políticas públicas por meio de outras escalas espaciais que não apenas região. Essa opção é justificada pela ideia de que menores escalas facilitam a compreensão das diversidades e processos sociais, econômicos, culturais e ambientais, que desta maneira serão incorporadas às ações das políticas locais, resultando em maior eficácia no alcance das ações governamentais daí decorrentes. Essas são as referências pelas quais se iniciam as mudanças no meio rural brasileiro, através da diversificação das políticas públicas, cujas escalas espaciais não devem ser vistas somente como instrumento para viabilizar as ações, posto que antes servem para reconhecer demandas e carências localizadas Outra importante escala espacial contida nesse estudo é, portanto, o território, utilizada pelo planejamento público desde os anos 2000 sob uma nova perspectiva de espaço de política, cujo eixo norteador implica no reconhecimento das diversidades sociais. Reconhecidamente, território é um conceito que possui múltiplos significados, bem como multiplicidade de usos, nas diversas áreas do conhecimento e, especialmente, no âmbito das políticas públicas.16 Ao se estudar um território de política pública,buscando compreender os avanços e limites decorrentes desta condição quanto aos objetivos eleitos, faz-se necessário uma breve referência aos principais enfoques conceituais sobre território. 16 Para uma revisão da abordagem disciplinar do conceito território e de seu conteúdo semântico no quadro das Ciências Sociais, sob os pontos de vista da Geografia e da Economia, consultar Cazella, Bonnal e Maluf (2009). 86 Na Geografia, em sua acepção mais geral, território remete a uma porção de espaço delimitado e qualificado por um caráter específico natural, cultural, político ou administrativo. Importantes debates e controvérsias se estabelecem em torno do tratamento e qualificações que se empregam a partir dessa acepção mais geral, particularmente em relação a existência de limite (ou fronteira) e a diferenciação do que está dentro ou fora do território. Mas não só. Também são observadas diferenças de enfoques entre as correntes econômica, política e social e mesmo no interior delas. Para autores da corrente econômica, território se define essencialmente a partir das atividades produtivas, devendo ser consideradas as relações entre os atores econômicos, as quais podem ou não revelar uma vantagem comparativa em relação ao exterior. Daí que, sob esse enfoque, as questões atinentes ao desenvolvimento econômico territorial buscam compreender como se dão os processos de concentração territorial dos agentes econômicos e seus efeitos (econômicos e sociais), bem como a construção de projetos econômicos territorializados. A Geografia política, por seu turno, concebe o território como locusdo exercício do poder, ainda que sob diferentes enfoques. No que respeita ao poder público, a abordagem política se debruça sobre a atuação do Estado na escala territorial, dedicando-se especialmente à questão da territorialização das políticas públicas. A abordagem política também se dedica às dinâmicas sociais e sua relação com a estrutura do poder, quando então busca compreender como se dão os processos de negociação (ou de contestação) do poder e as respectivas estratégias sociais daí decorrentes, seja pelas ações coletivas desencadeadas em complementaridade com a ação pública (estratégia proativa ou ofensiva),objetivando ampliaras oportunidades ofertadas pelo Estado; seja em contraposição à ação do Estado, buscando autonomia com respeito ao Estado (estratégia defensiva). A abordagem política também se dedica à organização espacial do Estado, daí a concepção de território enquanto unidade da estrutura funcional do Estado, sendo objeto de governança pública. Para os autores da corrente social, território se define pelas modalidades de uso do espaço, e é atribuída uma importância destacada às representações dos atores sociais em torno do território (dimensão simbólica), de tal sorte que a 87 representação coletiva e simbólica adquire o status de elemento centralda construção social do território. Ademais, para a abordagem social, também as informações elaboradas sobre o território, juntamente com a simbologia a ele associada, são os fatores da construção da representação coletiva. Nesses termos, o território se define a partir de quatro características: a natureza simbólica e material; as formas de colonização da natureza pelo homem; as configurações espaciais dos territórios; e os processos de autorreferência baseados nos aspectos materiais e simbólicos. Nessa acepção, território é a combinação de recursos materiais e simbólicos capaz de estruturar as práticas de existência de um indivíduo ou de um coletivo social e de informá-lo sobre sua própria identidade.(LÉVY e LUSSAULT, 2003) Isso significa que território não é apenas uma representação da realidade construída pelos atores que influencia a ação, mas é também uma representação que contribui para precisar ou até definir as suas próprias identidades. Com esta breve referência aos distintos enfoques, sabidamente uma referência insuficiente para dar conta da riqueza da discussão conceitual, buscamos fundamentar a afirmação da qual partimos, acerca do caráter polissêmico do conceito território. Para os propósitos da nossa discussão, entendemos que um possível ponto de partida para se compreender a escala território se encontra naconceituação de espaço geográfico como conjuntos indissociáveis de sistemas de objetos de ações, conforme Santos (1994; 1996). Tal conceituação de espaço conduz a uma multiplicidade de combinações entre ações e materialidade, e é a partir dela que o autor propõe “território usado” como categoria de análise: O território usado constitui-se como um todo complexo onde se tece umatrama de relações complementares e conflitantes. Daí o vigor do conceito,convidado a pensar processualmente as relações estabelecidas entre o lugar,a formação socioespacial e o mundo. (SANTOS, 2000, p. 3) E ainda, visto como uma totalidade, o território usado “é campo privilegiado para a análise, na medida em que, de um lado, nos revela a estrutura global da sociedade e, de outro lado, a própria complexidade do seu uso” (SANTOS, 2000, p. 12). Percebe-se, assim, que ao qualificar território enquanto categoria de análise, pelo que chamou de “território usado”,Santos procura esclarecer os limites e a inadequação das experiências de escalas espaciais definidas a priori que, no intuito 88 de maximizar suas ações, em geral não contemplam a diversidade do espaço em sua totalidade. O planejamento espacial, planejamento territorial, planejamento regional não são planejamentos do espaço... porque não são consideradas as totalidades dos atores, das instituições, e das pessoas e empresas. (SANTOS,1996, p.18) Importa notar que, quando colocadas nesta perspectiva, as políticas públicas tendem a alcançar apenas frações do território. Observadas enquanto proposição para gerar desenvolvimento num dado recorte territorial, ao operar o conceito território, os agentes do planejamento público são guiados por um (re)conhecimento limitado sobre a realidade do espaço eleito, mesmo atualmente, com todo o esforço de se ampliar a participação e dar peso aos sujeitos sociais e suas organizações. A propósito, Raffestin (1993, p.4) já assinalava que o território surge como resultado de uma ação social que, de forma concreta e abstrata, se apropria de um espaço (tanto física como simbolicamente), por isso denominado um processo de construção social: “É o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático, que ao se apropriar do espaço, o territorializa”. Na visão geopolítica do território, a espacialidade social é contida por limites e fronteiras e está sob o estatuto de um Estado-nação, e é entendida como estratégia geográfica para controlar e atingir a dinâmica das pessoas e dos fenômenos sociais, influenciando nestas relações através da manutenção do domínio de uma determinada área (SACK, 1986). Os estudos de Bourdieu (1992) consideram a importância dos sistemas simbólicos no processo de reconhecimento de um território. Para ele, os símbolos são instrumentos da integração social e devem ser analisados, apurados e reconhecidos. Sistemas simbólicos que também podem ser compreendidos pela leitura de Geertz (1989), através da teia de significados da cultura de um povo. É importante, ainda, resgatar as observações de Pecqueur (2000), as quais nos ajudam a diferenciar a natureza do território em dois tipos: “Território dado”, aquele estabelecido por decisões político-administrativas num processo de cima para baixo; e “Território construído”, que é o formado a partir de interesses comuns dos atores sociais que estão presentes, em um dado espaço geográfico. 89 Em certo sentido, essas abordagens encontram-se sintetizadas na visão de Haesbaert (2006), para quem território tem dupla conotação, material e simbólica, é a expressão da dominação político-econômica mais „concreta‟ e „funcional‟ à apropriação mais subjetiva e/ou „cultural-simbólica‟. Sendo assim, o território é contido de múltiplas representações, que se transformam (se desfazem e se refazem) numa dinâmica constante. Desse modo, a pluralidade de territórios pode ser vista de duas formas: [...] a partir do „território plural‟ como conjunto justaposto de diversos territórios compreendidos no seu interior; e outra, a partir do „território plural‟ como conjunto superposto de vários territórios (ou territorialidades) cuja abrangência pode ir bem além dos seus limites (HAESBAERT, 2006, p.67). Considerada a diferenciação feita por Lefèbvre entre apropriação, um processo mais simbólico relacionado ao valor de uso, e dominação, algo mais concreto, funcional e vinculado ao valor de troca, Haesbaert (2004, p. 76) afirma que o território vai da dominação política econômica concreta e funcional à apropriação simbólica mas subjetiva, “portanto,todo território é, ao mesmo tempo e obrigatoriamente, em diferentes combinações, funcional e simbólico, pois exercemos domínio sobre o espaço tanto para realizar „funções‟ quanto para produzir „significados‟”. Dialogando com a conceituação de Sack (1986), Haesbaert (2004) considera que a territorialidade está intimamente ligada aos modos como as pessoas utilizam a terra, experimentam a vida e dão significado a ela. Com efeito, propõe noções que dão suporte ao que chama de multiterritorialidade, como as de “territórios-rede” e “territórios-zona”, em múltiplas escalas e novas formas de articulação territorial 17. Embora exista, hoje, uma multiplicidade de territórios, Haesbaert alerta que eles não devem ser confundidos com a multiterriorialidade, visto que para a manifestação da multiterritorialidade é preciso existência de múltiplos territórios, porém a existência de múltiplos territórios não leva, necessariamente, à multiterritorialidade. 17 Territórios-zona entendidos como espaços contínuos de uma dimensão escalar que o constituem, e territórios-rede como articulações entre espaços descontínuos de diferentes escalas. Ver item 7.1 (Territórios, redes e territórios-rede) em Haesbaert (2004, pp. 279-311). 90 A multiterritorialidade, pois, caracteriza-se pela maior diversidade de territórios ao dispor das classes mais privilegiadas, e também pela possibilidade de combinar a intervenção e, de certa forma, a vivência,concomitante, de uma enorme gama de diferentes territórios, quer pela superposição de múltiplos territórios em um mesmo espaço, quer pela conexão de múltiplos territórios em rede. Com essa interação em distintas escalas da vivência do território, [...] a realização da multiterritorialidade contemporânea, fica evidente, envolve como condições básicas a presença de uma grande multiplicidade de territórios e sua articulação na forma de territórios-rede. Estes [...] são por definição, sempre, territórios múltiplos, na medida que podem conjugar territórios-zona (manifestados em uma escala espacialmente mais restrita) através de redes de conexão(numa escala mais ampla). (HAESBAERT, 2004, p.16). Não obstante, ainda de acordo com Haesbaert (2007, p.30), [...] a hegemonia dos territórios-zona característicos estatais que marcaram a grande colcha de retalhos política pretensamente uniterritorial, vê-se obrigada, hoje, a conviver com os novos circuitos de poder que desempenham complexas territorialidades, em geral na forma de territóriosrede. A tais ponderações se soma a necessidade de reconhecer que o território requer uma nova „delimitação‟ das fronteiras entre rural e urbano, devido ao corrência de novas estruturas e dinâmicas espaciais a estabelecer outras modalidades de articulação do rural com o urbano, com alteração dos antigos padrões da relação rural – urbano, que vem sem odificando diante de novos processos sociais que têm levado à diminuição da distância entre os espaços do campo e da cidade, e a redefinição da vida rural. Como bem assinala Favareto (2010, p.17), “a primaziamarcante das atividades primárias – agricultura, pecuária, mineração, silvicultura– cede espaço a uma maior diversificação, com uma crescente heterogeneidade das economias rurais, da qual se destacam o crescimento cada vez maior do setorde serviços” e o avanço do que chamou de industrialização difusa.Tecido social, organização complexa estabelecida por laços que vão muito além de seus atributos naturais, então, [...] um território representa uma trama de relações com raízes históricas, configurações políticas e identidades que desempenham um papel ainda pouco conhecido no próprio desenvolvimento econômico (ABRAMOVAY, 2000, p.6). 91 Com efeito, o enfoque territorial assume importância crescente no âmbito das políticas públicas, e o território [...] aparece cada vez mais como uma entrada programática, inovadora e privilegiada para renovar a concepção do desenvolvimento rural. Mas, apesar da adoção generalizada do conceito, observa-se uma dificuldade dos acadêmicos, dos profissionais do setor e dos próprios gestores de políticas públicas na definição rigorosa do conceito de território e, consequentemente, dos instrumentos de intervenção pública (CAZELLA; BONNAL; MALUF, 2009, p.25). Notamos que a política de desenvolvimento dos territórios rurais vem sendo oficialmente implementada no Brasil a partir de 2003, tendo como motivadores o resgate da importância econômica e dos valores rurais para o desenvolvimento do país, a necessidade premente de combater todos os tipos de desigualdades e o papel fundamental do sistema familiar de produção e da reforma agrária na geração de produção, emprego e renda, bem como na própria dinamização socioeconômica local e regional das comunidades rurais. Por isso, o processo de formação dos Territórios de Cidadania, como vimos, se baseou em resultados de indicadores relativos à falta de acesso aos serviços básicos; à inexistência de uma rede de infraestrutura básica; à falta de oportunidades de emprego e de renda etc. Com o objetivo central da superação da pobreza, foram adotados critérios de seleção considerando-se: a) locais com menor IDH; b) maior número de beneficiários do Programa Bolsa Família – PBF; c) maior concentração de agricultores familiares, assentados da reforma agrária, quilombolas e indígenas; d) maior número de municípios com baixo dinamismo econômico; e e) maior organização social. Também observamos que o PTC é uma das ações propostas pela Agenda Social do Governo Federal destinadas a reduzir as desigualdades. Seu objetivo é “a superação da pobreza e geração de trabalho e renda no meio rural por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável”. Especificamente, o programa visa à promoção da inclusão produtiva das populações pobres dos territórios, por meio do desenvolvimento rural sustentável. Nessa perspectiva, Putnam (2007) chama atenção para o fato de que, embora o Estado e o mercado sejam sempre apontados como os únicos 92 responsáveis para a solução dos problemas sociais, a participação dos atores locais melhora tanto o desempenho do Estado quanto do mercado. Nos últimos anos houve um aumento de políticas de valorização dos agentes locais, o chamado desenvolvimento endógeno, no qual há uma crescente valorização da participação dos agentes locais no processo de desenvolvimento. Dessa forma, houve um esforço para se reformular as teorias do desenvolvimento regional tradicionais, enfocando novas estratégias de desenvolvimento regional e local. Assim, a concepção de desenvolvimento rural, em contraposição à de desenvolvimento agrícola - que marcou as décadas da modernização conservadora, emerge como alternativa para orientar as políticas públicas no enfrentamento dos limites atribuídos ao estímulo à modernização agrícola. A esse respeito, a expressão mais evidente da incorporação destas mudanças conceituais reside na recente adoção de uma “abordagem territorial do desenvolvimento rural”, para a qual o desenvolvimento iria além de um viés normativo ou ideológico. De acordo com Favareto (2007): [...] compreender os fenômenos relativos ao desenvolvimento rural significa, pois, buscar o entendimento da complementaridade conflituosa que cerca a evolução de determinadas configurações territoriais, onde os traços definidores da ruralidade se compõem sob formas distintas e historicamente situadas. (Favareto, 2007, p.87). Com efeito, a categoria território desta“abordagem” certamente aponta para a superação daquilo que Brandão (2007) define como “localismo exagerado”, em que o processo de definição de uma estratégia de desenvolvimento resultaria do enfrentamento de interesses diferenciados, trans escalares, o que implica identificar a multiescalaridade espacial do desenvolvimento e as instâncias de poder presentes em cada situação. A partir de estratégias multiescalares para a análise dos fenômenos sobre os quais se deseja intervir é que o Estado incorpora novas retóricas sobre o desenvolvimento dos espaços rurais. 93 2.2 O Território da Cidadania Serra Geral: uma realidade com Diversos conteúdos O Território Serra Geral (TCSG) foi criado em 2003 como Território Rural (TR), fazendo parte dos primeiros Consórcios Intermunicipais de Desenvolvimento Rural Sustentável (CONSADs), instalados em Minas Gerais. Em fevereiro de 2008, foi incluído no Programa Territórios da Cidadania (PTC) como uma das primeiras experiências deste programa, no estado e no país. Neste sentido, foi conformado como um território de política, cujo objetivo é ter prioridade no acesso às ações governamentais de redução da pobreza e das desigualdades sociais, com recorte espacial identificado pelo baixo grau de desenvolvimento econômico e social. Geograficamente localizado na mesorregião Norte do estado, o TCSG abrange uma área de 20.504,20 Km², que corresponde a 15,96% dessa mesorregião, e é composto por 16 municípios: Espinosa, Jaíba, Janaúba, Manga, Matias Cardoso, Nova Porteirinha, Porteirinha, Verdelândia, Catuti, Gameleiras, Mamonas, Mato Verde, Monte Azul, Pai Pedro, Riacho dos Machados e Serranópolis de Minas. A maior parte destes municípios conforma a microrregião de Janaúba, sendo exceções os municípios da microrregião de Januária, Manga e Matias Cardoso, e o município de Verdelândia, da microrregião de Montes Claros. Sua localização geográfica mostra que os municípios de Manga, Matias Cardoso, Gameleiras e Espinosa fazem fronteira com o estado da Bahia, motivo pelo qual a população deste espaço territorial carrega hábitos e costumes próprios da região Nordeste. Observa-se, também, que uma parte deste território é cortada pela BR- 122, rodovia federal que liga a região Nordeste ao Sudeste do país. (Mapa 2) 94 Mapa 2 Localização Geográfica do Território da Cidadania Serra Geral Fonte: IBGE, 2013 e DNIT, 2012. Organizado pela autora, elaborado por Giliander A. da Silva. 95 2.2.1 As Particularidades do TCSG Mesmo que homogeneizado por indicadores econômicos e sociais que elegem o TCSG como um território de política (MDA, 2008), o recorte espacial do TCSG carrega consigo singularidades que devem ser apreciadas enquanto expressão do usado por seus atores sociais. (SANTOS,1988) Singularidades que podem ser observadas pela diversidade de riquezas, nos mais variados aspectos, dos quais chamam a atenção os aspectos ambientais, culturais, demográficos e de sua geografia física. Na medida em que essas riquezas são usadas, torna-se importante serem reconhecidas para as ações governamentais ali destinadas. Neste sentido, cabe percorrer, ainda que sucintamente, aspectos considerados relevantes, como melhor aproximação da realidade do TCSG, inclusive no intuito de rechaçar a crítica de que, pelo recorte dado ao TCSG, consideram-se iguais diferentes realidades. Predomina no TCSG o bioma Caatinga18, ainda que também inserido nos biomas Cerrado e em mesclas de Mata Atlântica. Por este motivo, as condições naturais nas quais se encontra são diferenciadas, influenciando também diferentes modos de vida e de reprodução de sua população. (Mapa 3) No domínio da Caatinga, bioma exclusivamente brasileiro, o clima é semiárido, caracterizado por longos períodos de seca e regime incerto de chuvas. A falta de água afeta o solo e, por sua vez, a vegetação, dificultando a relação do homem com a natureza, quando ainda mais prejudicados pela exploração econômica que ocorre na substituição das espécies vegetais nativas, por cultivos e pastagens de interesse comercial. Por estes e tantos outros motivos, diversos ecossistemas da caatinga estão comprometidos e necessitando de apoios institucionais de toda ordem. Assim também ocorre na porção do TCSG, com demandas sobre políticas públicas que atentem para a questão do acesso e distribuição dos recursos hídricos ali existentes; 18 Caatinga, nome originário do tupi: [caa(mata) +tinga (branca) = mata branca] e decorre da paisagem esbranquiçada apresentada pela vegetação durante o período anual de estiagem. Nesse período, a maioria das plantas perde as folhas (plantas xerófitascaducifólias) e os troncos tornam-se esbranquiçados. 96 para capacitação e apoio aos agricultores familiares mais dependentes de subsídios técnicos e financeiros para garantir-se na terra; para fiscalização e controle das ações predatórias, como as queimadas e desmatamentos, que intensificam a erosão do solo e assoreamentos dos rios, outros efeitos ambientais, e outros mais. No entanto, se a geografia da Caatinga limita o desenvolvimento de sua população, por outro lado é dela que surge a riqueza da cultura sertaneja, que, de tão importante, é considerada patrimônio imaterial nacional por várias áreas das ciências (antropólogos, historiadores, sociólogos etc.). A sabedoria do caatingueiro, do sertanejo, é algo que deve ser reconhecido e preservado como inerente à sobrevivência da própria Caatinga. O conhecimento local está relacionado às técnicas de agricultura no semiárido e se explica em face de uma cultura que abarca os modos de vida, maneiras de viver em conjunto, sistemas de valores, tradições e crenças. Por isso, é entendido como um patrimônio que se transmite de geração a geração e que é recriado constantemente pelas comunidades e grupos em função de sua interação com a natureza. (HORTA; ZANIRATO, 2014, p.145). No domínio do Cerrado, segundo maior bioma brasileiro, o clima é tropical com estação marcada pelo inverno seco e verão chuvoso, reconhecido como a savana mais rica do mundo, pela grande diversidade vegetal e animal.O Cerrado possui cobertura vegetal bastante diversificada que vai desde campos e florestas, expressas na diversidade de relevos que conformam belas paisagens. Devido à acidez do seu solo as terras do Cerrado eram consideradas inapropriadas para a agricultura, situação em grande parte superada por modernas técnicas de correção do solo e de irrigação, práticas que estimulam a expansão agrícola que, por sua vez, estimula o desmatamento, que já compromete quase a metade de sua área (MMA, 2012). Ainda quanto à caracterização do Cerrado, as inúmeras fontes bibliográficas permitem que ele seja descrito de várias maneiras, mas aqui optamos pela forma literária, de autoria de Ivo das Chagas: Eu sou o Cerrado. Domino, abraço e protejo cerca de 23% de minha pátria. Sou acusado de monótono em minhas paisagens. Ótica de quem não me conhece. Aqui, sou eu mesmo, com árvores pequenas, que não passam de 8 metros de altura, folhas grandes, troncos tortuosos, cascas grossas, para suportar os rigores do tempo e as labaredas de fogo, e após, qual Fênix, renascer das cinzas. Minhas árvores são bastante afastadas umas das outras, assim, abro-me para o céu. Ali, minhas árvores são bem baixas, as gramíneas mais contínuas e os arbustos mais frequentes, sou o cerrado 97 ralo ou o campo cerrado. Além, sou dominado pelas gramíneas, as árvores desaparecem, sou o campo sujo. Mais à frente, as gramíneas imperam quase absolutas, formando os meus campos limpos.No meu domínio aparece também o cerradão, uma das mais belas expressões florestais do Brasil. Tenho um carinho especial pelos rios, córregos e riachos. As matas de galeria, sinuosas, acompanham os cursos d‟água, protegendo-os contra o dessecamento das margens, evitando a erosão. A vereda, mãe de minhas águas, à ela confiei as mais nobres funções, a dotei de espécies únicas, como o buritizeiro, que dela tudo se tira e tudo se faz. Falam da minha pobreza, e acidez elevada de meus solos, mas saibam que exibo 2.000 espécies de vegetais lenhosos e uma presença ainda maior de plantas herbáceas. Observem-me mais atentamente e verão que exibo, durante todo o ano, as mais belas flores do Brasil. Acolhi em meu vasto coração os homens ditos civilizados. Ofereci alimentos para os seus rebanhos e para eles próprios. Porém, com eles, veio o fogo induzido e sistemático e minhas árvores começaram a ser dizimadas. Meus animais mais típicos foram ameaçados de extinção. As grandes estradas começaram a aparecer e com elas o decapeamento de meus morros. Topos de chapadas e de morros, vertentes, veredas e fontes, tudo foi tomado de assalto. Com rapidez impressionante a lavoura comercial foi chegando, e em vez de adaptar-se a meus solos, adaptou meus solos aos produtos de sua conveniência, como consequência de tudo isto, a desertificação tem sido a resposta. O homem é realmente uma criatura imponderável. Senhores racionais, não sou contra a minha utilização e quero continuar generoso, mas para isto faço um apelo quase desesperado: Estudem-me, conheçam-me, respeitemme, e eu prometo ser-lhes dadivoso de agora até a eternidade. (CHAGAS, 2003, p. 6). Esta caracterização ajuda a compreender a identidade territorial do TCSG, sobretudo quanto à influência da geografia nas condições e modos de vida de sua população, e a relação que daí se pode estabelecer com as demandas sobre as políticas públicas, e no que já ocorreu por meio delas. No TCSG Caatinga e Cerrado se entrecruzam (Mapa 3;Quadro 1), evidenciando o predomínio das características de clima e solo como fatores determinantes de sua inclusão em áreas do planejamento público de combate aos efeitos da seca, como área do Semiárido19, cujo recorte é compreendido pela ideia de domínio morfoclimático pela combinação de vários elementos da natureza. (AB‟SABER, 2003) 19 O clima semiárido é um tipo de clima caracterizado pela baixa umidade e pouco volume pluviométrico. Na classificação mundial do clima, o clima semiárido é aquele que apresenta precipitação de chuvas média entre 200 mm e 400 mm. 98 Mapa 3 Biomas Predominantes no Território da Cidadania Serra Geral Fonte: IBGE, 2013 e SOS Mata Atlântica, 2013. Organizado pela autora, elaborado por Giliander A. Silva. 99 Quadro 1 TCSG – Biomas a que integram os Municípios Municípios do TSG Manga Matias Cardoso Jaiba Gameleiras Mamonas Espinosa Monte Azul Catuti Mato Verde Pai Pedro Verdelândia Janaúba Nova Porteirnha Porteirnha Serranópolis de Minas Riacho dos Machados Biomas Caatinga e pouco Cerrado Caatinga e Cerrado Caatinga e pouco Cerrado Caatinga e pouco Cerrado Cerrado Caatinga, Cerrado e pouca Mata Atlântica Caatinga Caatinga Cerrado Caatinga Caatinga e Cerrado Cerrado pouca caatinga Caatinga e Cerrado Caatinga e Cerrado Cerrado e pouca Mata Atlântica Cerrado Da mesma forma, é pela necessidade de superar as limitações de uso e ocupação do solo que se instalam os polos de irrigação de Jaíba e Gorutuba, resultado de esforços conjuntos dos governos federal e estadual, que beneficiam parte dos municípios do TCSG com canais de irrigação, favorecendo a agricultura comercial neste território.Porém, refletir sobre a influência das condições edafoclimáticas20 no desenvolvimento do TCSG levanta múltiplas questões, como exemplo citam-se as demandas sobre a questão legal ao acesso e exploração dos recursos ambientais, aqui apontadas no âmbito das demandas do colegiado territorial, instância representativa do TCSG, quanto à agilidade no processo de legalização ambiental que diferencia o semiárido de outros biomas (Ata da reunião do núcleo territorial de 28/05/2014 – Anexo 1), ponto importante para liberação de recursos. Ainda circunscritos ao tema ambiental muito se discute: a democratização no acesso aos recursos hídricos; os impactos ambientais causados pelas práticas de novas atividades produtivas; questões que tratam da infraestrutura para abastecimento de água de uso humano, dentre outras, e que aparecem nos Capítulos 3 e 4. 20 Termo relacionado a influência do solo e clima nos seres vivos. 100 2.2.2. A espacialização do TCSG Espacialmente o TCSG está localizado entre a Serra do Espinhaço e a margem direita do Rio São Francisco, e quando visto pela imagem de satélite, o contorno de seus municípios sugere a forma de um triângulo, ladeado por estes dois elementos físicos, rio e serra. A Serra do Espinhaço21, nesta porção do NM é conhecida como Serra Geral, que também dá nome ao território estudado, é reconhecida de longa distância pela beleza que imprime na paisagem e por carregar importância histórica no processo de povoamento desta região, devido aos atrativos da mineração e da oferta de água para criação de gado, com marco no período colonial do País. O rio São Francisco, considerado berço das águas do semiárido mineiro, com seus afluentes da margem direita, proporciona rica hidrografia ao TCSG, atualmente oferecendo suportes ao desenvolvimento da agricultura moderna e à manutenção da agricultura tradicional. Historicamente, o rio São Francisco foi atrativo dos primeiros movimentos populacionais,que em função da busca por metais e da procura por água para criar rebanhos, se instalam em povoados próximos à margem direita do rio, nas áreas que correspondem ao que hoje são os municípios de Manga e Matias Cardoso (RODRIGUES,2000, p. 180-1; DAYRELL, 1993, p. 66). Na medida em que a pecuária extensiva cresce, vai se espalhando por toda porção do território, se conformando como uma das atividades econômicas mais importantes em termos de ocupação e de renda, com os maiores rebanhos nos municípios de Jaíba, Janaúba, Porteirinha, Matias Cardoso (IBGE, Produção da Pecuária Municipal, 2013). 21 Serra do Espinhaço é uma cadeia montanhosa localizada no planalto Atlântico, estendendo-se pelos estados de Minas Gerais e Bahia. Seus terrenos são do Proterozoico e contêm jazidas de ferro, manganês, bauxita e ouro. 101 Imagem 1 Espacialização do Território da Cidadania Serra Geral Fonte: Organizado pela autora; Elaborado por Giliander A. Silva. Quanto mais próximos da Serra do Espinhaço, os municípios retratam economias e modos de vida influenciados por essa posição, desde os efeitos que decorrem dos microclimas, que pela altitude da serra serve de barreira à precipitação de chuvas, até as que são vistas pela atividade de mineração, histórica 102 na busca pelo ouro e outros metais preciosos, sendo um dos atrativos do povoamento dessa região. Atualmente (2015), a riqueza de minérios da Serra do Espinhaço leva a retomada da atividade de mineração que havia sido interrompida em meados da década de 1990, com a exploração de minério de ferro na porção do município de Riacho dos Machados, valendo registrar as mudanças que vem causando neste município e nos seus vizinhos. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), a Mineração Riacho dos Machados (MRDM), subsidiária da canadense Carpathian Gold Inc., obteve licença em 2011 para se instalar e explorar reserva de ouro e de minério de ferro, a céu aberto, em área de 600 há, explorando o que já era jazida da empresa Vale até 1997. Até julho de 2014 tinha extraído 10.600 onças de ouro e processado 119 mil toneladas de minério de ferro, correspondendo a 56% de sua capacidade.(www.ibram.org.br). Fator que passa a interferir na organização sócio espacial e na economia dos municípios vizinhos de Porteirinha e Serranópolis de Minas, uma vez que esses municípios servem de apoio logístico à mão de obra temporária, direta e indiretamente envolvida com a mineração. Neste aspecto recaem críticas quanto ao apelo do discurso, sobre as vantagens de Riacho dos Machados fazer parte da nova fronteira mineral do estado, recebendo promessas do governo estadual através de protocolos de intenções e de apoio à projetos de infraestrutura logística; mais ainda, sobre as vantagens desses empreendimentos na geração de postos de trabalhos diretos e indiretos. No entanto, repercutem também outras falas, as que criticam os efeitos nocivos desta atividade, no que afeta o meio ambiente, a organização socio espacial e as atividades econômicas do município de Riacho dos Machados, e nos vizinhos Porteirinha e Serranópolis de Minas, uma vez que são usados no apoio logístico à mão de obra temporária das atividades de mineração.No município de Porteirinha a queixa é quanto a falsa sobrevalorização dos ativos, terra rural e empreendimento imobiliário urbano,pelos investimentos despendidos em melhorias que não tiveram retorno. Estas queixas foram registradas em conversa com proprietário de hotel que afirmam, assim como outros do ramo, ter construído mais uma unidade contando com o fluxo constante de pessoas, que só ocorreu na etapa de instalação da mina. 103 Nos municípios de Riacho dos Machados e Serranópolis de Minas, os motivos das críticas são pelos danos causados ao meio ambiente, o que inclusive serviu de matéria para uma audiência pública22para discutir o risco de contaminação das águas dos rios, conforme registrado na denúncia das comunidades locais sobre a contaminação do córrego Riachão pelos rejeitos da mineração. Como contido em ata, houve prejuízo a pequena agricultura familiar que depende dessas águas. De volta ao tema da espacialização do TCSG e a relevância da Serra do Espinhaço e do rio São Francisco na dinâmica dos seus municípios, registra-se também a importância do turismo na economia local, que se desenvolveu aproveitando-se da confluência destes recursos. A diversidade da paisagem circunscrita ao TCSG pode ser aproveitada pelos municípios de Mamonas, Monte Azul, Gameleiras e Espinosa, visto que estão inseridos no Parque Estadual Caminho dos Gerais, um dos espaços de preservação ambiental e de turismo local, que causa interesse pela diversidade de espécies, animal e vegetal que possui. Em busca de capacitar esses recursos como fonte alternativa de renda, e no aproveitamento da proteção ambiental, são institucionalizados os apoios do governo estadual e ONGs dando origem ao Circuito Turístico da Serra Geral do Norte de Minas23, do qual fazem parte todos os municípios deste território. Circuito turístico que também é favorecido pelo atrativo das quedas d‟águas e cachoeiras, como as famosas cachoeiras do Serrado, em Porteirinha; Catulé, em Mato Verde;e Areinha Branca, em Monte Azul, todas elas brotando da Serra do Espinhaço. O TCSG está inserido em rica bacia hidrográfica, se beneficiado pelo rio São Francisco através da Bacia do rio Verde24, cujas águas servem aos canais de 22 Audiência pública promovida pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais realizada no dia 25 de abril em Janaúba (www.jornaldaserrageral.com.br). 23 Associação do Circuito Turístico Serra Geral do Norte de Minas – SERRA–TUR foi constituída no dia 03 de março de 2006, com a participação de 19 municípios, localizados na Serra do Espinhaço – conhecida popularmente por Serra Geral –recebendo a certificação de Circuito Turístico pela Setur/MG, como Instância de Governança Regional do Turismo apta para a execução da Política de Regionalização do Turismo do Estado de Minas Gerais. Para ser certificado, o Circuito deve atender a uma série de pré-requisitos, estabelecidos no Decreto Estadual 43.321/2003 e na Resolução SETES nº 45/2014, dentre os quais possuir, no mínimo, um ano de existência formal, ser constituído por cinco ou mais municípios de uma mesma região, com afinidades culturais, sociais e econômicas, e ser uma entidade sem fins lucrativos, com a finalidade de promoção e desenvolvimento sustentável do turismo. 24 A bacia hidrográfica do rio Verde Grande está inserida na mesorregião NMe no TCSG e pelo rio Verde Grande e seus afluentes. Os dezesseis municpipios do TCSG fazem parte do Comitê da Bacia 104 irrigação de Jaíba e Gorutuba pelos rios Verde Grande e Gorutuba, que podem ser reconhecidos pelas manchas verdes das áreas irrigadas dos municípios de Jaíba e Janaúba (Imagem 1). Esta mesma hidrografia que favorece a paisagem e beneficia a 25 agricultura,também é objeto de disputa pelo o uso e apropriação de suas águas . Possui 19.357 agricultores familiares, 1.793 famílias assentadas e 21 comunidades quilombolas. 2.2.2.1 Aspectos demográficos do TCSG Com população total de 285.618 habitantes e população relativa de 13,93 hab/km², o TCSG registra densidade demográfica acima da calculada para o NM, de 12,57 hab/km², em 2010 (IBGE, Censo Demográfico 2010). Por outro lado, é possível observar grande assimetria na distribuição populacional de seus municípios: enquanto dez deles acompanham a média do TCSG, os outros seis municípios apontam baixa densidade demográfica, com destaque para o vazio populacional de Gameleiras, com densidade de 2,97hab/km². Também é importante observar que, no período de 2000 a 2010, enquanto alguns municípios crescem de população, outros registram perda populacional, como as ocorridas em Catuti, Gameleiras, Manga, Monte Azul, Mato Verde e Porteirinha (Tabela 1). Assim, infere-se que estes municípios acompanham o fluxo migratório dos pequenos municípios brasileiros, cuja tendência é de crescimento populacional dos municípios mais dinâmicos, em contraste com aqueles cujas atividades são predominantemente rurais, mas limitada na criação de recursos que permitam a fixação das pessoas no campo.26 Hidrográfica dos Afluentes Mineiros do Rio Verde Grande (criado em 2008 pelo Decreto Nº 44.758 – 17/03/2008). PORTAL DOS COMITÉS DE BACIA - MINAS GERAIS (http://comites.igam.mg.gov.br) 25 26 Sobre os conflitos e uso das águas no NM, indica-se a leitura de Afonso (2013). Sobre o assunto ver Diniz (2013) e Grossi e Silva (2002). 105 Tabela 1 TCSG - Dados Populacionais, 2000 e 2010 Municípios do TSG Catuti Espinosa Gameleiras Jaíba Janaúba Mamonas Manga Matias Cardoso Mato Verde Monte Azul Nova Porteirinha Pai Pedro Porteirinha Riacho dos Machados Serranópolis de Minas Verdelândia Total População População Taxa de Crescimento Área total Densidade Demográfica 2000 2010 Anual (%) (Km²) em 2010 288 17,73 5.337 5.102 -0,440 1.869 16,65 30.978 31.113 0,044 1.733 2,97 5.263 5.139 -0,236 2.626 12,79 27.287 33.587 2,309 2.181 30,63 61.651 66.803 0,836 291 21,69 6.138 6.321 0,298 1.950 10,16 21.959 19.813 -0,977 1.950 5,12 8.600 9.979 1,603 472 26,86 13.185 12.684 -0,380 994 22,12 23.832 21.994 -0,771 121 61,17 7.389 7.398 0,012 840 7,07 5.832 5.934 0,175 1.750 21,51 37.890 37.627 -0,069 1.316 7,11 9.358 9.360 0,002 552 8,02 4.038 4.425 0,958 1.571 5,31 7.179 8.346 1,626 275.916 285.625 0,352 20.504 13,93 Fonte: Autora, com dados dos Censos Demográficos– IBGE, 2000 e 2010 De acordo com a declaração do presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Porteirinha, os fatores que mais contribuem na expulsão populacional desses municípios decorrem da precariedade da oferta e perfil das ocupações na cidade, uma vez que se concentram nos serviços públicos, que tem oferta marginal, e no setor comércio, que depende da economia local. Enquanto as atividades no meio rural são majoritariamente ocupadas pelos próprios membros das famílias, resta aos que não encontram nenhum tipo de trabalho recorrer às cidades maiores como alternativa de sobrevivência. Neste contexto, o crescimento populacional de Jaíba, Janaúba, Matias Cardoso e Verdelândia, em 2010, também pode ser atribuído à presença de importante atividade produtiva local que é a fruticultura irrigada, instalada no espaço rural destes municípios e considerada como a atividade produtiva de maior dinamismo econômico no Território. Por outro lado, ao dizer sobre a influência do meio rural no crescimento populacional destes municípios parece ser contraditório com o fato de que a maior parte da população do TCSG se encontra na área urbana (Tabela 2). Quanto a isto, 106 se recorre aos apontamentos de Veiga (2002), que numa análise mais apurada sobre a compreensão do meio rural, adota metodologia própria para definir o perfil dos municípios brasileiros, se mais rurais, mais urbanos ou em processo de transição entre um tipo e outro, que chamou de rurbano. Segundo Veiga (2002), um município é considerado rural quando a sua população é inferior a 50.000 habitantes e sua densidade demográfica é inferior a 80 hab/km²; é considerado rurbano quando a sua população se situa entre 50 e 100.000 habitantes, ou com densidade demográfica superior a 80 hab/km², caso a população seja inferior a 50.000 habitantes. Nestes termos, conclui-se que o TCSG é composto de municípios rurais, inclusive Janaúba, cujo corte populacional correlacionado com sua densidade demográfica o caracteriza como município rural, conclusão que também ajuda a compreender outros aspectos da realidade do TCSG, que vão além dessas diferenças intermunicipais. Tabela 2 Municípios do TCSG - População Rural e Urbana, 2010 Municípios do Total População rural População urbana % % TSG em 2010 em 2010 em 2010 rural urbano Catuti 5.102 2.124 2.978 41,63 58,37 Espinosa 31.113 13.090 18.023 42,07 57,93 Gameleiras 5.139 3.726 1.413 72,50 27,50 Jaíba 33.587 15.952 17.635 47,49 52,51 Janaúba 66.803 6.233 60.570 9,33 90,67 6.321 3.509 2.812 55,51 44,49 19.813 5.965 13.848 30,11 69,89 9.979 4.843 5.136 48,53 51,47 Mato Verde 12.684 3.225 9.459 25,43 74,57 Monte Azul 21.994 9.576 12.418 43,54 56,46 Nova Porteirinha 7.398 3.329 4.069 45,00 55,00 Pai Pedro 5.934 4.185 1.749 70,53 29,47 Porteirinha 23.839 18.289 5.550 76,72 23,28 Riacho dos Machados 37.627 4.861 32.766 12,92 87,08 Serranópolis de Minas 4.425 2.697 1.728 60,95 39,05 Verdelândia 8.346 3.584 4.762 42,94 57,06 300.104 105.188 194.916 35,05 64,95 Mamonas Manga Matias Cardoso TOTAL Fonte: IBGE – Censo Demográfico, 2010. Elaborado pela autora. 107 2.2.2.2 IDH: uma medida de qualidade de vida do TCSG A respeito da qualidade de vida da população do TCSG, toma-se como principal referência o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) 27 , uma vez que é um indicador „universal‟ no sentido de se comparar municípios quaisquer pelas mesmas variáveis que os compõem (Educação, Saúde e Renda). E, ainda, porque é um dos indicadores considerados pelo recorte espacial do PTC, de onde se originou o TCSG. O registro dos IDHMs dos municípios do TCSG, expostos do Quadro 2, revela a evolução positiva deste indicador entre os anos de 1991, 2000 e 201028, chamando especial atenção para a mudança dos IDHMs de 2000 para 2010, porque desloca a maior parte destes municípios da faixa que os classifica como de baixo desenvolvimento humano para a de médio desenvolvimento. Dentre eles cabe destacar o IDH do município de Janaúba, por ser o maior de todos e ainda estar bem próximo da medida que inicia a faixa dos que apresentam alto grau de desenvolvimento humano (0,70). Por outro lado, também chama a atenção os resultados do IDHM de Pai Pedro e Verdelândia, em 2010, que embora tenham melhorado, ainda os colocam na faixa de baixo desenvolvimento humano. 27 28 Para maior detalhamento consultar www.atlasbrasil.org.br O ajuste metodológico nas faixas do IDH de 2010 não alteram os resultados apresentados, visto quejá foram extraídos corrigidos do Atlas de Desenvolvimento Humano Municipal. (www.pnud.org.br) 108 Quadro 2 Municípios do TCSG - Índice de Desenvolvimento Humano, 1991, 2000 e 2010 Município IDHM 1991 IDHM 2000 IDHM 2010 Janaúba 0,429 0,58 0,696 Mato Verde 0,351 0,505 0,662 Monte Azul 0,354 0,505 0,659 Gameleiras 0,293 0,461 0,65 Manga 0,364 0,493 0,642 Nova Porteirinha 0,327 0,518 0,641 Jaíba 0,288 0,467 0,638 Serranópolis de Minas 0,237 0,44 0,633 Espinosa 0,35 0,493 0,627 Riacho dos Machados 0,281 0,436 0,627 Catuti 0,205 0,413 0,621 Mamonas 0,241 0,44 0,618 Matias Cardoso 0,242 0,429 0,616 Pai Pedro 0,196 0,408 0,59 Verdelândia 0,217 0,358 0,584 Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano, 2013 (PNUD/ONU). Elaborado pela autora. Os resultados dos IDHMs no TCSG, quando expostos nos mapas 2.3 e 2.4., e comparados entre si, permitem visualizar a localização dos municípios que evoluíram quanto ao IDH, chamando a atenção para aqueles que permanecem com baixo IDH em 2010, como no caso de Verdelândia e Pai Pedro, uma vez que Verdelândia está localizada na zona da fruticultura irrigada do Norte de Minas, considerada a mais promissora do TCSG, diferente de Pai Pedro onde predomina a agricultura e pecuária de subsistência. 109 Mapa 4. TCSG – Índice de Desenvolvimento Humano, 2000 Fonte: IBGE, 2013 e Atlas do Desenvolvimento Humano, 2013 (PNUD/ONU). Elaborado pela autora e elaborado por Giliander A. da Silva. 110 Mapa 5. TCSG – Índice de Desenvolvimento Humano, 2010 Fonte: IBGE, 2013 e Atlas do Desenvolvimento Humano, 2013 (PNUD/ONU). Elaborado pela autora e elaborado por Giliander A. da Silva. 111 2.2.2.3 Ocupação e uso da terra no TCSG O espaço rural do TCSG está configurado pelas atividades decorrentes da agricultura tradicional e familiar, e do agronegócio, atividades que se expressam em relações de produção bastante distintas, sobretudo no que tange a agricultura tradicional. Segundo o que indica a Geografia Agrária, o termo agricultor tradicional se refere aos agricultores que se reproduzem consumindo, no todo ou em parte, os frutos do seu trabalho, obtidos a partir da apropriação de uma parcela da natureza, através da agricultura, pesca e artesanato.Carregam modos de vida, com costumes e tradições, que são repassados entre gerações. Um aspecto relevante na definição de culturas tradicionais é a existência de sistemas de manejo dos recursos naturais marcados pelo respeito aos ciclos naturais, à sua exploração dentro da capacidade de recuperação das espécies de animais e plantas utilizadas. Esses sistemas tradicionais de manejo não são somente formas de exploração econômica dos recursos naturais mas revelam a existência de um complexo de conhecimentos adquiridos pela tradição herdada dos mais velhos de mitos e símbolos que levam à manutenção e ao uso sustentados dos ecossistemas naturais. (DIEGUES, 1996, p. 84-5) Historicamente, o agricultor tradicional tinha o domínio das terras que conformam o TCSG, mas o processo de expansão da pecuária extensiva e da agricultura irrigada causou a expulsão da maior parte destes camponeses, que se deslocaram para outras áreas, enquanto os que ali permaneceram se converteram ao padrão de produção da agricultura familiar, abrindo mão das suas formas de uso da terra. Atualmente (2015), a agricultura tradicional do TCSG se concentra no grupo de agricultores denominados de catingueiros, definidos por Dayrell (1993) como os que tem a habilidade de produzir culturas que são mais resistentes à seca (feijão, milho, mandioca,algodão) e de criar o gado com as pastagens nativas (DAYRELL, 1993, p. 74). O autor também registra a presença dos geraizeiros neste Território, considerados um outro tipo de agricultor tradicional, sendo caracterizados como habitantes dos gerais. 112 Os gerais são os planaltos, encostas e vales das regiões dominadas pelos cerrados, com solos normalmente ácidos e de baixa fertilidade natural, são nestas áreas, denominadas genericamente como gerais, que os geraizeiros vão buscar o suplemento para garantir a sua subsistência: caça, frutos diversos, plantas medicinais, madeiras para diversos fins, mel silvestre, etc. Os produtos que levam para o mercado - farinha de mandioca, goma, rapadura, aguardente, frutas nativas, plantas medicinais, artesanato refletem o ambiente, o modo de vida, as possibilidades e potencialidades dos agroecossistemas onde vivem. (DAYRELL, 1993, p. 75) Até hoje, os agricultores tradicionais do TSCG são reconhecidamente importantes pela população local, considerados pelo consumo e uso dos produtos que cultivam, pelas tradições e costumes mantidos, festas e comemorações locais, dentre outras habilidades próprias. No entanto, toda essa importância não quando se trata de políticas públicas a divisão social adotada no âmbito da Geografia Agrária, com base nos diferentes modos de vida e de (re)produção social do meio rural, não aparece desta forma, estando os agricultores tradicionais incluídos na categoria de agricultor familiar. Neste sentido, a agricultura tradicional persegue os mesmos parâmetros sob os quais se define a categoria agricultor familiar, criada pela Leique regulamenta o PRONAF, e que condiciona esta categoria de agricultor ao tamanho de suas terras, não devendo ultrapassar quatro módulos fiscais29. O módulo fiscal serve de parâmetro para a classificação fundiária dos imóveis rurais do município quanto ao seu tamanho, em conformidade com o art. 4º da Lei nº 8.629/93 (BRASIL, 1993, 2012e). Para tanto, as propriedades rurais podem ser classificadas em: minifúndios: com tamanho de até um módulo fiscal; pequenas propriedades: com área entre um e quatro módulos fiscais; médias propriedades: com dimensão superior a quatro até 15 módulos fiscais e grandes propriedades: com área maior do que 15 módulos fiscais. De acordo com dados divulgados pelo INCRA, sobre a classificação dos imóveis rurais30 por faixa de área, foi possível detalhar a estrutura fundiária dos 29 Módulo Fiscal (MF) é uma unidade de medida agrária que representa a área mínima necessária para as propriedades rurais poderem ser consideradas economicamente viáveis (BRASIL, 2012a). Foi instituída pela Lei nº 6.746, de 10 de dezembro de 1979. O tamanho do módulo fiscal varia de 5 a 110 hectares, conforme o município. O tamanho dos módulos fiscais foi fixado inicialmente pela Instrução Especial nº 20, de 1980, do INCRA (BRASIL, 1980). Municípios criados posteriormente tiveram o tamanho do módulo fiscal fixado por Portarias e Instruções Especiais mais recentes. Foi o caso das Instruções Especiais no 541, de 1997, e no 3 de 2005, para municípios instalados em 1997 e 2005, respectivamente (BRASIL, 1997, 2005). 113 municípios do TCSG, comparando a classificação dos imóveis rurais com o tamanho do módulo fiscal, que é de 65 há, em todos os municípios do TCSG. Os dados da Tabela 2.3apontam que 59,84% dos imóveis rurais do TCSG possuem área com até 25 ha, sendo considerados de pequeno porte ou minifúndio, pela classificação do INCRA, também estando bem abaixo do teto de área de quatro módulos fiscais, correspondente a 260 ha, que delimita a classificação de agricultor familiar, usada pelas políticas públicas. Neste sentido, é possível dizer que a maior parte dos imóveis rurais do TCSG é de agricultores familiares, no entanto, é importante observar que, nestes resultados se deixa de fora o pequeno agricultor “com imóveis localizados na zona rural do município cuja área total for inferior a 5.000 m2 não são abrangidos pela classificação de “Imóvel Rural” e não são objeto de cadastro” (INCRA,1993), e com isto se infere que parcela dos chamados de agricultores tradicionais, esteja fora destes indicadores. Quanto as participações, note-se também que a maior parte dos imóveis rurais de pequeno porte se encontra nos municípios de Porteirinha, Monte Azul, Janaúba e Espinosa. Enquanto que Jaíba e Janaúba se destacam por ter o maior número de móveis rurais com grandes propriedades (Tabela 3). Ao relacionar as informações sobre os imóveis rurais de grande porte com o resultado do PIB Agrícola (2010) dos municípios do TCSG (Quadro 3), fica claro que os valores do PIB Agrícola de Jaíba e Janaúba estão diretamente relacionados com a estrutura produtiva do agronegócio. Porém, quando se atenta às questões sociais, sobretudo as que recaem na ocupação e no uso da terra do TCSG, verifica-se que a população rural que não possuí terras para produzir, enfrenta severas dificuldades quanto à este acesso, ficando vulneráveis aos resultados das conquistas dos movimentos sociais de luta pela terra, como é o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. 30 Imóvel Rural (Incra) - Imóvel Rural, para os fins de cadastro do Incra, é o prédio rústico, de área contínua, formado de uma ou mais parcelas de terra, pertencente a um mesmo dono, que seja ou possa ser utilizada em exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal ou agroindustrial, independente de sua localização na zona rural ou urbana do município, com as seguintes restrições: I - Os imóveis localizados na zona rural do município cuja área total for inferior a 5.000 m2 não são abrangidos pela classificação de “Imóvel Rural” e não são objeto de cadastro. II - Os imóveis rurais localizados na zona urbana do município somente serão cadastrados quando tiverem área total igual ou superior a 2 ha e que tenham produção comercializada. 114 Tabela 3 Municípios do TCSG – Número de Estabelecimentos por faixa de Área (ha) dos Imóveis Rurais Área dos Imóveis rurais (há) Municípios do mais de 0 de 1 a de 2 a de 5 a de 10 a de 25 a de 50 a de 100 a de 250 a de 500 a de 1.000 a de 2.000 a de 2.500 a de 5.000 a de 10.000 a Total TCSG menos de 1 menos de 2 menos de 5 menos de 10 menos de 25 menos de 50menos de 100 menos de 250 menos de 500 menos de 1.000 menos de 2.000 menos de 2.500 menos de 5.000 menos de 10.000menos de 20.000 Porteirinha 204 214 842 774 1.051 700 411 217 111 37 13 1 0 0 0 4.575 Monte Azul 293 169 533 542 805 460 218 100 64 26 13 4 4 1 0 3.232 Janaúba 115 124 368 309 451 296 228 145 129 73 30 5 3 1 0 2.277 Espinosa 20 63 272 400 559 374 277 116 87 28 8 1 8 1 0 2.214 Mato Verde 25 43 198 238 364 277 172 74 23 1 0 0 0 0 0 1.415 Manga 1 1 12 155 236 233 154 118 128 28 4 1 6 2 0 1.079 Jaíba 0 1 18 208 260 229 122 62 79 44 26 2 13 1 0 1.065 Riacho dos Machados 3 5 76 109 225 220 150 89 50 13 5 0 4 1 0 950 Matias Cardoso 0 0 12 25 267 258 160 55 47 7 6 5 7 7 1 857 Catuti 7 11 93 115 144 111 69 27 19 2 1 0 0 1 0 600 Mamonas 12 21 129 161 145 57 12 10 2 0 0 0 0 0 0 549 Serranópolis de Minas 6 8 53 75 131 79 66 32 15 3 1 0 0 0 0 469 Verdelândia 0 0 24 35 75 66 57 38 41 24 8 3 4 1 1 377 Pai Pedro 0 0 14 39 59 91 56 33 20 4 1 1 1 0 0 319 Nova Porteirinha 0 1 24 147 85 15 20 5 2 2 1 0 0 0 0 302 Gameleiras 1 3 17 23 35 35 40 33 32 15 7 1 3 2 0 247 Total geral 687 664 2.685 3.355 4.892 3.501 2.212 1.154 849 307 124 24 53 18 2 20.527 %do total 3,35 3,23 13,08 16,34 23,83 17,06 10,78 5,62 4,14 1,50 0,60 0,12 0,26 0,09 0,01 100,00 soma de (B+C+D+E+F+G)% do total 59,84 Fonte: Autora, com dados INCRA (www.incra.gov.br) 115 Quadro 3 Municípios do TCSG – PIB Agrícola, 2010 Municípios do TSG PIB, preços correntes (R$) Valor adiconado Agropecuária Jaíba 55.605,27 Janaúba 34.857,67 Matias Cardoso 20.803,30 Nova Porteirinha 14.426,84 Verdelândia 13.930,02 Manga 12.224,63 Porteirinha 9.497,97 Espinosa 8.031,14 Gameleiras 6.725,62 Monte Azul 4.861,45 Riacho dos Machados 4.124,02 Mato Verde 3.491,12 Pai Pedro 3.364,28 catuti 2.022,93 Serranópolis de Minas 1.801,57 Mamonas 1.713,65 Fonte: Autora, com base em IBGE, 2010 No TCSG os conflitos pela terra refletem a problemática da questão agrária brasileira, que desde seu passado mais remoto, persegue a necessidade de que o Estado brasileiro enfrente a intensa desigualdade de sua estrutura fundiária por meio da chamada reforma agrária. No entanto, o que se tem, até agora, são medidas paliativas, adotadas por consecutivos governos, mas que ainda estão longe de minimizar essas diferenças e aplacar a intensidade de ocupações e dos conflitos por terra.Tais observações são condizentes com os argumentos de Ribeiro e Cleps Jr. (2011), de que as iniciativas do Estado sempre ficaram aquém do necessário ao público demandante, inclusive nos casos dos governos considerados de esquerda, como o de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011). Segundo estes autores: A desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária foi posta em segundo plano aos poucos - embora seja um dispositivo historicamente reconhecido como central nas ações de ordenamento fundiário, tanto por legislações que tratam do assunto como pelos próprios segmentos sociais demandantes da reforma agrária (RIBEIRO; CLEPS JR, 2011, p. 84). 116 Os dados do Quadro 4 apontam a importância da questão agrária no TCSG, com assentamentos em 9dos 16 municípios deste Território. Segundo estas informações, a maior parte das famílias assentadas está no município de Jaíba que também apresenta a maior área dentre os demais assentamentos, no entanto quando relativizadas com o número de famílias assentadas, verifica-se grande diferença destas proporções, chamando atenção para os assentamentos de Matias Cardoso, cujas famílias ocupam, individualmente, maior área do que as famílias dos demais assentamentos. Quadro 4 Municípios do TCSG – Número de Famílias Assentadas, Área dos Assentamentos, e Percentual da Área por Família Assentada, 1988-2009 1988-2009 Municípios N º de famílias Área % Da área do TCSG assentadas dos assentamentos por família assentada JAIBA 1.023 59.480 58,14 JANAUBA 252 15.183 60,25 MANGA 178 11.096 62,34 MATIAS CARDOSO 108 27.849 257,86 NOVA PORTEIRINHA 45 1.846 41,02 PAI PEDRO 30 2.006 66,87 PORTEIRINHA 65 4.244 65,29 RIACHO DOS MACHADOS 40 3.866 96,65 VERDELANDIA 108 8.916 82,56 Total geral 1.849 134.486 72,73 Fonte: DATALUTA, 2012. Elaborado pela autora. Frente a importância que estas informações agregam ao panorama da ocupação das terras rurais do TCSG, cabe considerar que os dados também explicitam as contradições existentes entre as categorias de agricultores familiares e do agronegócio, sendo interpretadas como contradições entre o trabalho e capital, configuradas, sobremaneira, nos municípios com maiores indicadores de PIB agrícola (Quadro 3) sendo os mesmos que mais possuem famílias assentadas e com demandas de terra para produzir. Vale chamar a atenção, ainda, para outro perfil de população do TCSG, que são os quilombolas, tão importantes neste Território por serem os povos de origem mais antiga e os que carregam a cultura e tradição do local, além da própria cultura, considerada patrimônio imaterial do País. 117 No TCSG, até 2013, foram certificadas 28 comunidades quilombolas31, a maior parte delas localizada na área rural dos municípios de Manga e Monte Azul (Quadro 5). Todas estas comunidades receberam certificação de reconhecimento32, que é o primeiro passo para o processo de regularização do uso da terra que só se completa com o título de propriedade. No entanto, nenhuma delas possui título de propriedade, cabendo salientar que este documento é coletivo e deve ser registrado em cartório em nome de associação de moradores (INCRA, 2013). Quadro 5 Municípios do TCSG - Comunidades Quilombolas, 2004-2013 Municípios Nome da Data de Municípios Nome da Data de comunidade quilombola certificação comunidade quilombola certificação Verdelândia/Varzelândia e São José da Ponte Brejo dos Crioulos 2004 Riacho dos Machados Peixe Bravo 2008 Matias Cardoso Lapinha 2005 Serranópolis de Minas Brutiá 2008 Matias Cardoso Praia 2005 Serranópolis de Minas Campos 2008 Gameleiras,Jaíba, P. Pedro, Porteirinha,Catuti, Janaúba e M.Azul Gurutuba 2006 Janaúba Bem Viverde Vila Nova das Porções 2009 Manga Bebedouro 2006 Monte Azul Buqueirão 2013 Manga Brejo de São Caetano 2006 Monte Azul Lígua D'agua 2013 Manga Espinho 2006 Monte Azul Pesqueiro 2013 Manga Ilha da Ingazeira 2006 Monte Azul Poções e Pacui 2013 Manga Justa I 2006 Monte Azul Roçado 2013 Manga Justa II 2006 Monte Azul São Sebastião 2013 Manga Malhadinha 2006 Monte Azul Socô Velho 2013 Manga Pedra Preta 2006 Monte Azul Socô Verde 2013 Manga Puris 2006 Monte Azul Tira Barro 2013 Manga Vila Primavera 2006 Monte Azul Laranjeiras 2013 Fonte: INCRA, 2015. Elaborado pela autora. A falta de titulação das comunidades quilombolas do TCSG acompanha a realidade nacional, sendo a principal bandeira do movimento quilombola, presente em todo o País que tardiamente passou a reconhecer os quilombolas, via políticas 31 Ascomunidades quilombolas são grupos étnicos-predominantemente constituídos pela população negra rural e urbana-, que se autodefinem a partir das relações com a terra, o parentesco, o território, a ancestralidade, as tradições e práticas culturais próprias.O Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação,demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos do que trata o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Atualmente compete ao INCRA a delimitação,demarcação e titulação das terras (INCRA, 2013). 32 Cabe à Fundação Cultural Palmares emitir uma certidão sobre essa autodefinição. O processo para essa certificação obedece norma específica desse órgão. (Portaria da Fundação Cultural Palmares nº 98, de 26/11/2007). 118 públicas federais, como povos que foram excluídos de suas raízes e do conjunto da sociedade, cuja dívida é incontestável. Neste sentido, o governo federal criou o Programa Brasil Quilombola (PBQ), em 2004, junto com a Secretaria Especial de Promoção e Política da Igualdade Racial (Seppir), como uma política de Estado para as áreas remanescentes de quilombolos, envolvendo recursos e ações de diversos órgãos federais. No TCSG, as comunidades quilombolas são prioritárias das ações dos programas sociais e de inclusão produtiva, fazendo parte do conjunto da população descrita nos programas federais, como povos e comunidades tradicionais, nos quais se incluem os assentados da reforma agrária, cabendo ser identificados nos projetos enviados aos respectivos órgãos federais, pelos Conselhos e Colegiado do Território. 119 3. O ESPAÇO DA PRODUÇÃO CAPITALISTA TERRITÓRIO DA CIDADANIA SERRA GERAL NO Este capítulo tem por objetivo compreender a agricultura capitalista no TSCG a partir da relevância da atividade de fruticultura, em especial no que tange a sua capacidade de alavancar o desenvolvimento endógeno, uma vez que se tornou a atividade produtiva mais importante desde a implantação dos polos de irrigação de Jaíba e Gorutuba, resultado dos estímulos governamentais recebidos por meio do planejamento regional, desencadeado na década de 1970. Atualmente (2015) a fruticultura faz parte do conjunto das atividades que recebem incentivos institucionais públicos e privados de promoção às cadeias produtivas locais, com vistas a formação de APLs, aqui registradas pela importância do grau de institucionalidade alcançado. Dado esta condição, a atividade de fruticultura vem se desenvolvendo no NM, sobretudo no TCSG, transformando a dinâmica do local, cujas implicações devem ser percebidas pela interpretação de circuito espacial produtivo da fruticultura, no que se distingue de outras atividades produtivas também presentes neste território, pela modernização e especialização das atividades. 3.1 Considerações sobre a Fruticultura Irrigada A história da fruticultura do NM se confunde com a do TCSG, uma vez que toda área produtiva da fruticultura comercial está localizada nos municípios que compõem este território. Em decorrência, na medida em que a atividade de fruticultura se desenvolve, promove significativas mudanças na dinâmica socioespacial desses municípios. Essas mudanças se dão, notadamente, pelo crescimento da agricultura familiar e do agronegócio, ambas atividades incorporadas aos perímetros de irrigação, fator que desencadeia a atração para novos investimentos na produção e comercialização de frutas, e de outros ativos correspondentes à indústria, comércio e emprego local. Por esses motivos, entendemos que compreender a importância da atividade de fruticultura no NM é o mesmo que compreender o que ocorre no espaço do TCSG. Nessa perspectiva, o 120 ponto de partida decorre de um conjunto de ações governamentais que, quando colocadas em prática,fornecem as condições necessárias para o desenvolvimento da atividade de fruticultura. Como já apontamos nos Capítulos 1 e 2, as políticas públicas de combate às desigualdades regionais implementadas a partir da década de 1970fomentaram os incentivos para que a agricultura se desenvolvesse, notadamente, pelos quesitos que compõem a infraestrutura básica necessária à introdução de novas atividades produtivas, caso da fruticultura irrigada incentivada pelos projetos de irrigação de Jaíba e Gorutuba. Historicamente, os esforços governamentais empreendidos na direção da ocupação de terras pelo atrativo da irrigação para o NM se sucederam desde anos mais remotos, e decorreram dos estudos e ações de órgãos e comissões criados para atender as principais carências das regiões mais atrasadas. Com base no que já foi apontado pelos estudos de Gervaise (1975), citamos como exemplos: Comissão do Vale do São Francisco (CVSF), criada em 1948; Instituto Nacional de Irrigação e Colonização (INIC), fundado em 1952, de onde decorre o Plano de Colonização e Reforma Agrária do Estado de Minas Gerais, em 1961. (RODRIGUES et al, 2000, p.235-41) Entretanto, os investimentos mais importantes vieram do governo de Minas Gerais, pela implantação de um projeto piloto de irrigação, pensado para desenvolver a agricultura irrigada, atividade que preencheria o vazio econômico desta região. Instalado na margem direita do rio São Francisco, antiga Mata da Jaíba, a exitosa experiência desta engenharia fez com que o governo federal, no final da década de 1970, tomasse a frente deste projeto que, através da CODEVASF, cria as condições para implantar o Perímetro de Irrigação de Jaíba 33, passando a funcionar no final da década de 1980, com a primeira das quatro etapas de irrigação que compõem o projeto. Atualmente (2015), a segunda etapa do projeto também está em curso, cuja gestão é de responsabilidade do governo estadual, administrada pela RURALMINAS. As duas etapas, juntas, cobrem 70% da área planejada, o que 33 Sobre o Perímetro de Irrigação de Jaíba existe extensa bibliografia crítica. Indica-se as produzidas pelos grupos de estudos e pesquisa econômica e social da UNIMONTES (RODRIGUES et al., 2000). 121 corresponde a aproximadamente 45 mil há, razão pela qual se tornou importante polo de fruticultura irrigada (www.codevasf.gov.br) Sua localização espacial abrange os municípios de Jaíba, Matias Cardoso e Verdelândia, dividia entre lotes empresariais, com área proporcionalmente maior, e glebas destinadas ao assentamento dos irrigantes. Segundo entrevista com o gerente de campo da segunda etapa do projeto, as maiores partes da área desta etapa estão sendo ocupadas por fazendas do agronegócio, definidas por ele como as de maiores áreas, volume de maquinários, insumos utilizados e volume de produção. Ainda resultam do favorecimento público para irrigação de terras os investimentos em infraestrutura e em gestão no Perímetro de Irrigação de Gorutuba34, que desde 1978 foi se constituindo como um importante polo de fruticultura irrigada. Coordenado pela CODEVASF, seu abastecimento é feito pelas águas do rio Verde através da represa Bico da Pedra e, atualmente, cobre uma área de 11.280 há, que se estende entre os municípios de Porteirinha, Nova Porteirinha e Janaúba, sendo a maior parte ocupada por agricultores familiares, enquanto a produção empresarial se ocupa de alguns lotes no perímetro. Em decorrência desses dois projetos, houve toda uma mudança na estrutura produtiva dessa região, alterando substancialmente a dinâmica do local, que perde seu caráter de economia natural, posto que onde antes predominavam lavouras de subsistência estas foram substituídas por novas atividades produtivas, com destaque para a fruticultura. 34 Idem sobre o Perímetro de Irrigação de Gorotuba. 122 Mapa 6. Mapa do Projeto Jaíba Fonte: RURALMINAS. (www.ruralminas.mg.gov.br) De fato, a fruticultura comercial que se desenvolve nesse espaço alavancou o crescimento econômico dos municípios beneficiados com a irrigação, pelo grande volume de sua produção, e também criou outros ativos, os quais, quando articulados, consolidam as condições para que se conformem enquanto um território de fruticultura, se traduzindo no TCSG como uma atividade de produção capitalista. Um exemplo que abarca esses predicativos é a marca Região do Jaíba35, criada no propósito de ser reconhecida enquanto polo de negócios da fruticultura e para dar denominação de origem às frutas produzidas nesta região, da qual fazem parte os municípios de Matias Cardoso, Jaíba, Verdelândia, Janaúba, Nova Porteirinha, Porteirinha e Itacarambi, sendoeste último o único a não fazer parte do recorte territorial TCSG. (www.ruralminas.mg.gov.br/261-jaiba-) 35 A marca coletiva Região do Jaíba foi desenvolvida em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE-MG), e a iniciativa permite que o consumidor rastreie a procedência, o processo de produção e o produtor das frutas, acessando um código QR impresso (www.regiaodojaiba.com.br). 123 Figura 1 Logomarca Região do Jaíba Fonte: wwwregiaodojaiba.com.br Por outro lado, as mudanças advindas das melhorias governamentais, daquelas que foram capazes de transformar o uso e a produção desse território, também foram limitadoras e excludentes para parte da população local, uma vez que não satisfizeram o propósito de integrar aqueles mais pobres e com menor capacidade de gerir os recursos de produção. Fazem parte desta parcela os irrigantes que receberam o direito de uso da terra, mas não obtiveram acesso a conhecimento técnico, insumos etc. Ao ficarem comprometidos com a condição conquistada, comprometeram as suas próprias condições sociais e econômicas (RODRIGUES, 1998; GERVAISE, 1975), como pode se ter atestado nas palavras deumex-colono do Jaíba e hoje feirante itinerante: Só a água não dá pra fazer milagre, quando a gente conseguia uma produçãozinha melhor era quando se juntava com os vizinhos pra comprar produto pra combater as pragas da lavoura, mesmo assim, o que tirava só dava pra comer (feijão, mandioca, milho) então arrendei o meu pedaço e vim pra cá, pra Janaúba, depois larguei o Jaíba pra lá, e agora planto banana num pedacinho de chão junto com meu sobrinho. (Entrevista realizada pela autora na feira de Porteirinha, 06/03/2015) Nesse sentido, a mudança do padrão de produção da agricultura local também se encarregou de difundir conflitos e disputas causados, sobretudo, pela diferenciação e exclusão no uso dos recursos locais, tais como os conflitos pelo uso dos recursos hídricos e pelo uso e propriedade da terra, expressão de lógicas 124 distintas de apropriação de ambientes. Além, vale notar, das questões relativas aos impactos ambientais, pelo desmatamento das margens dos rios causando assoreamento e diminuindo o fluxo das águas nos córregos, bem como, pelo uso indiscriminado de agrotóxicos e resíduos químicos contaminam terra e água se tornando impróprias ao uso e consumo humano e comprometendo os recursos naturais, fonte de subsistência de uma parcela da população local, cuja privação aprofunda as diferenças entre realidades de vida contidas no espaço do TCSG. (MARTINS, 2011; AFONSO, 2013; MOURA, 2012). 3.2. Os Apoios ao Arranjo Produtivo da Fruticultura do Norte de Minas Gerais A fruticultura irrigada fez do NM uma região de destaque no cenário nacional da produção de frutas, posto que apresenta uma das maiores participações na produção de Minas Gerais, com significativa contribuição nesta atividade para o País. Seu potencial crescimento, revelado pelos indicadores de produção das culturas com maior grau de especialização produtiva, é atrativo para grandes investimentos privados e governamentais, que tornam esta atividade mais competitiva e essencial no desenvolvimento desta região. Segundo o IBGE, os dados da Produção Agrícola Municipal de 2013 registram importantes participações das culturas da banana, manga e limão no volume de produção do estado de Minas Gerais, culturas que se destacam por serem consideradas com maior grau de especialização devido ao conjunto de investimentos já agregados. A atividade de fruticultura do NM aparece nos programas estaduais de diversos órgãos e instituições que apoiam APLs, cujo objetivo principal é o fortalecimento de cadeias produtivas já constituídas e as de grande potencial de formação, e por estes motivos foi incluída na política de APLs do Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (PMDI), instrumento de planejamento de longo prazo, no contexto do apoio ao setor produtivo com capacidade de diminuição das desigualdades regionais. (BOTELHO et al. 2010, p. 12). 125 Gráfico 3.1NM – Participação (%) das Principais Culturas na Produção de Frutas de MG, 2013 Fonte: IBRAF, 2013. Elaborado pela autora. Os apoios advindos de instituições privadas são identificados pelos principais: Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais ( SEBRAE-MG); Instituto Evaldo Loide (IEL) e Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (FAEMG). Quase todos os apoios são direcionados as áreas de gestão e negociação profissional e capacitação de trabalhadores rurais, sendo conduzidos pela mesma lógica de concepção de APL referida na concepção do SEBRAE (2003): Arranjo Produtivo Local é uma aglomeração de empresas, localizadas em um mesmo território, que apresentam especialização produtiva e mantêm vínculos de articulação, interação, cooperação e aprendizagem entre si e com outros atores locais, tais como: governo, associações empresariais, instituições de crédito, ensino e pesquisa. Quanto ao termo APL, várias são as definições, sendo usado desde um recurso de linguagem para reforçar a importância de alguma atividade produtiva até as elaboradas numa concepção mais ampliada da atividade principal percebendo o que dela se desencadeia. Buscando este sentido, a definição mais apropriada quando se recorre ao conceito de APL é aquela adotada pelos organismos de estudos e pesquisas e instituições públicas de apoio à APL, com base no Grupo de Trabalho Permanente para Arranjos Produtivos Locais, definido pela Portaria 126 Interministerial nº 200/2004 do Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior36: Arranjo Produtivo Local (APL) caracteriza-se por um aglomerado significativo de empreendimentos em determinado território e indivíduos que atuam em torno de uma atividade produtiva predominante, que compartilham formas percebidas de cooperação e algum mecanismo de governança, e pode incluir pequenas, médias e grandes empresas.(Oficina Regional de Orientação à Instalação de APLs – GTP APL, MDIC, 2006). Em Minas Gerais, as primeiras iniciativas voltadas à APLs decorrem da preocupação do governo estadual de gerar condições de participação dos setores produtivos na economia do estado, tanto pelo interesse de melhorar a arrecadação fiscal, como de tornar mais competitivos os segmentos de menor capacidade de inserção em mercados mais dinâmicos. A partir de estudos financiados por instituições privadas e públicas (BOTELHO et al. 2009, p.6) se consolida em 2006 a Lei 16.296 de apoio a APL. (Apêndice 1) Segundo Botelho et al. (2010), atualmente o estado de Minas Gerais usufrui da confluência de ações dos governos estadual e federal, concentradas em nível de estado, nas Secretarias de Desenvolvimento Econômico (SEDE) e de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SECTES); Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) e Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG)37. Em nível federal, os principais apoios são coordenados pela CODEVASF, empresa pública ligada ao Ministério da Integração, que participa com recursos próprios e gere os recursos vindos do Ministério da Integração pelo repasse do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação; Ministério do Desenvolvimento Agrário, e da Agência Nacional de Águas (ANA). No plano mais geral, a Fruticultura do NM foi identificada como um APL com grande potencial de crescimento econômico, necessitando ser incrementado para 36 37 Buscar em http://portalapl.ibict.br/biblioteca/Portaria_Interministerial_numero_200_2004_MDIC.html Para maior detalhamento da política de apoio aos APLs de Minas Gerais, indica-se a leitura do Relatório de Pesquisa 03 do Projeto Análise do Mapeamento e das Políticas para Arranjos Produtivos Locais no Sudeste do Brasil, convênio BNDES/Fepese: (BOTELHO; CORREA; MARTINS; MUNIZ; GARLIPP, 2009). 127 conquistar maiores graus de interação entre os agentes da cadeia produtiva da fruticultura (BOTELHO et al. 2009, p. 35). Em nível mais próximo de análise, verifica-se que foram materializados diversos dos apoios citados, e alguns deles continuam sendo efetivados, e outros ainda sendo operacionalizados para que se realizem. Como são muitos os órgãos de apoio das instâncias federal e estadual, aqueles que a pesquisa conseguiu identificar estão contidos no Apêndice 1, organizados pelas classificações: instituições de apoio, atividade do órgão de apoio e características da ação. Feitas essas considerações, é possível perceber que o aparato institucional conformado pela atividade de fruticultura retrata o tamanho de sua importância como eixo de desenvolvimento da região NM e, neste sentido, tal atividade também deve ser perseguida enquanto principal vetor do desenvolvimento do recorte espacial do TCSG. Assim, cabe compreender, pela dimensão econômica e extensão do desenvolvimento da fruticultura irrigada frente as demais atividades produtivas do TCSG, como esta atividade se configura e interfere no reordenamento socioespacial do território, conformando o circuito espacial produtivo da fruticultura, sendo um caminho para apontar distintas realidades de reprodução socioeconômicas do TCSG. 128 3.3. O Conceito de Circuito Espacial Produtivo A Fruticultura irrigada do NM, ao se especializar, incorpora e transforma os recursos do lugar em favor do seu uso e, na medida em que avança, acaba por imprimir sua dinâmica no território. Espacialmente organizada no TCSG, instiga compreender o uso que faz deste espaço através de um conjunto de fatores os quais, imbricados, dão as condições para que se conforme um circuito produtivo, causando nova configuração ao território. Para isso, antecede compreender o conceito de circuito espacial produtivo e em que contexto ele é empregado. Compreende-se que a matriz teórica sob a qual se constitui a ideia de circuito espacial de produção é amparada na visão de Milton Santos sobre espaço e globalização, em que discute o uso do espaço geográfico pela globalização econômica, e os efeitos perversos do processo de globalização que, ao se apropriar do espaço, determina o seu uso (SANTOS,1994), que nesta ideia toma como referênciaseu próprio conceito de “território usado” (SANTOS, 2000); de que o território é o elo que permitiria pensar as relações existentes entre o lugar, a materialidade socioespacial e o mundo: O território usado constitui-se como um todo complexo onde se tece uma trama de relações complementares e conflitantes. Daí o vigor do conceito, convidando a pensar processualmente as relações estabelecidas entre o lugar, a formação socioespacial e o mundo. O território usado, visto como uma totalidade, é um campo privilegiado para análise na medida em que, de um lado, nos revela a estrutura global da sociedade e, de outro lado, a própria complexidade do seu uso. (SANTOS, 2000, p.3) Registre-se, ainda, que [...] do território não escapa nada, todas as pessoas estão nele, todas as empresas, não importa o tamanho, estão nele, todas as instituições também, então o território é um lugar privilegiado para interpretar o país. (SANTOS,1998, p32). Para compreender como a Fruticultura se forma no TCSG, a noção de território usado permite verificar o que decorre desta atividade que transforma o lugar. Nesse sentido, deve-se observar que desde a instalação da infraestrutura básica para uma produção de mercado, o espaço de (re)produção da fruticultura é composto de diferentes perfis de produção e que se distinguem de acordo com cada cultura, desde os mais capacitados, os que tiverem melhores condições de acesso 129 às melhorias e escolha do produto, e que conseguem fortalecer sua base de produção tornando-a mais robusta e competitiva; e aqueles que, dedicados a mesma atividade, não conseguem agregar valor ao seu produto, quer seja limitado pelo avanço das técnicas de produção, recurso financeiro, logística etc., ou todas essas questões juntas à da natureza do produto. Com efeito, A modernização da agricultura se caracterizou como um processo induzido, que ocorreu a partir do avanço da ciência e da tecnologia moderna que introduziu novas formas de produção que resultaram no aumento da produtividade e na baixa quantidade de mão-de-obra, mas é preciso apontar que nem todos os agricultores de um país adotam as mesmas técnicas, assim existem graus de modernização diferenciados em propriedades agrícolas vizinhas, sobretudo na relação latifúndio-minifúndio [...] (ABRAMOVAY, 1992, p.59-60). Neste sentido, se observa que, dentre as várias espécies da cultura de frutas, as dominantes são as que adotam técnicas de produção mais modernas, formadoras dos principais pontos (fixos) do circuito produtivo da fruticultura, bem como as que atraem investimentos que vão além do processo técnico de produção, implicando em novas formas de comercialização que passam pelas novas exigências de mercado enquanto condição de se tornar um bem que participa de mercados globalizados. Visto desta forma, a fruticultura que ocupa o TCSG, ao incorporar a modernização agrícola, amplia os fixos, intensificando sua estrutura de produção, capacitando maiores fluxos das ações, mesmo que carregue as limitações impostas pela própria natureza da agricultura. Tendo em vista as possibilidades de análise do circuito produtivo da fruticultura, cabe recorrer a Castillo e Frederico (2010) para compreender como se conformam circuitos espaciais de produção. Para eles, Os circuitos espaciais de produção pressupõem a circulação de matéria (fluxos materiais) no encadeamento das instâncias geograficamente separadas da produção, distribuição, troca e consumo, de um determinado produto, num movimento permanente; os círculos de cooperação no espaço, por sua vez, tratam da comunicação, consubstanciada na transferência de capitais, ordens, informação (fluxos imateriais), garantindo os níveis de organização necessários para articular lugares e agentes dispersos geograficamente, isto é, unificando, através de comandos centralizados, as diversas etapas, espacialmente segmentadas, da produção (CASTILLO; FREDERICO 2010, p 6). 130 De acordo com estes autores, a natureza deste conceito remete àpressupostos marxistas, em que a produção não se limita ao ato produtivo em si, ela é o start de um processo, composto das etapas produção-distribuição-trocaconsumo, processo não linear, contraditório e desajustado no tempo/espaço que, só ao se completar, dá sentido à produção. Assim, operar o conceito de circuito espacial produtivo implica ter noção do atual momento de globalização econômica, causada pelos movimentos dos capitais que, ao buscarem melhores condições de (re)produção, aprofundam a divisão territorial do trabalho, criando e fragmentando espaços,ao tempo em que esta mesma dinâmica se encarrega de gerar as condições de articular espaços por sistemas técnico-científico-informacionais (SANTOS,1998), operados na noção dos círculos de cooperação no espaço, pressuposto necessário para compreensão de circuitos espaciais de produção. Com efeito, Como os sistemas técnicos se materializam no espaço, constituindo-o, eles permitem compreender a história dos lugares. As técnicas não aparecem isoladas. Elas se mostram sempre como um conjunto de técnicas que materializam geograficamente uma determinada sociedade num dado momento histórico específico (MAIA, 2012, p.32). Quanto ao caminho para se identificar um circuito produtivo, seguimos aqui as orientações de Castillo e Frederico (2010): Numa orientação metodológica e operacionalização do conceito de circuito espacial de produção, sugerimos como necessário para a sua identificação a análise de alguns temas principais: a atividade produtiva dominante, os agentes envolvidos e seus círculos de cooperação, a logística e o uso e organização do território. (CASTILLO; FREDERICO, 2010, p.465). Desse modo, percorrer o circuito espacial produtivo da fruticultura irrigada implica conhecer as etapas que o compõem e perceber como se articulam e se revelam no uso do espaço geográfico TCSG, bem como identificar seus círculos de cooperação. 131 3.3.1 O Circuito Espacial Produtivo da Fruticultura Irrigada O uso do território pela atividade de fruticultura irrigada se inicia nas etapas que antecedem a da produção, que nesta pesquisa foram registradas anteriormente. Porém, ao tratar do circuito espacial produtivo, a produção é o ponto inicial deste processo. Vista em uma perspectiva geral, a fruticultura no Brasil é uma das atividades que mais cresce em volume de produção, bem como em sua tendência de atender ao mercado externo com participação cada vez maior no conjunto das commodities do País. Segundo dados do relatório técnico do Banco do Nordeste (2010), a partir de 1990 a exportação de frutas frescas vem ganhando mercado e, apesar de ainda ser pequeno o volume exportado (4%), quando comparado a produção total, vem superando questões como as relativas as condições de armazenamento, alta perecibilidade, preço e qualidade do produto, e se tornando mais competitiva. Dentre as frutas mais exportadas cabe destaque para a banana, a manga e o limão (Quadro 6), posto que ocupam as primeiras posições dentre as principais frutas exportadas nos anos de 2009 e 2010 (BNB, 2010), e também porque são destaques na fruticultura do NM. Segundo o Instituto de Desenvolvimento Integrado de Minas Gerais (INDI2010), o Estado de Minas é o quinto produtor nacional de frutas, utilizando uma área de 108 mil hectares para uma produção de dois milhões de toneladas, o equivalente a 4,5% da produção nacional. A fruticultura comercial em Minas Gerais se concentra na produção de laranja (28%), banana (27%) abacaxi (22%) e limão (20%). Na hierarquia do estado, a fruticultura do NM é a atividade mais importante, dentre as demais atividades desta região, justamente porque determina a dinâmica econômica e sua espacialização determina a sua inserção na divisão territorial do trabalho, ao mesmo tempo em que cria fluxos materiais e imateriais que se interligam conectando o lugar ao mundo (SANTOS,1998). 132 Quadro 6 Brasil - Exportação de Frutas, 2009 e 2010 Comparativo das Exportações Brasileiras de Frutas Frescas - 2010/2009 Frutas Variação 2010/2009 2010 Valor (%) Volume (%) Melões Valor (US$FOB) 2009 Volume (Kg) Valor (US$FOB) Volume (Kg) -0,1 -3,31 121.969.814 177.828.525 122.094.688 183.911.976 Bananas 15,24 -3 45.398.163 139.553.134 39.394.960 143.871.502 Mangas 23,15 13,15 119.929.762 124.694.284 97.388.159 110.202.283 Maçãs -1,71 -7,56 55.365.805 90.839.409 56.328.134 98.264.010 Limões 15,82 -4,99 50.693.603 63.060.909 43.771.018 66.374.045 Uvas 23,58 11,45 136.648.806 60.805.185 110.574.457 54.559.684 Laranjas 43,49 44,44 16.276.736 37.821.810 11.343.154 26.185.254 -21,48 -27,61 12.356.105 28.261.716 15.735.304 39.038.818 1,93 -1,8 35.121.752 27.057.332 34.457.466 27.554.464 -13,3 -7,93 3.126.434 2.699.698 3.606.220 2.932.222 Tangerinas -43,62 -55,18 1.850.034 1.977.479 3.281.271 4.411.914 Abacaxis -90,56 -90,46 998.318 1.889.842 10.580.302 19.817.923 Melancias Papaias Abacates Fonte: IBRAF, 2011 (www.ibraf.org.br). Elaborado pela autora. Os dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS)38 apontam que, dentre as microrregiões do Brasil com maior número de estabelecimentos com cultivo de frutas da lavoura permanente, é a microrregião de Janaúba, justamente onde estão o que concentra toda área irrigada da produção de frutas (Quadro 7). Quadro 7 Microrregiões do Brasil – Número de Estabelecimentos com Cultivo de Fruta da Lavoura Permanente, 2013 Brasil Microrregião Registro Campos de Lages Petrolina Janaúba Jaboticabal Vacaria Porto Seguro Linhares Juazeiro Joinville TOTAL UF SP SC PE MG SP RS BA ES BA SC Nº estab ano 2013 735 306 278 250 230 197 166 143 140 140 7147 Fonte: Base RAIS/CAGED, (MTE) 2013. Elaborado pela autora. 38 A base de dados RAIS registra informações trabalhistas do mercado de trabalho formal do País. Criada em 1975 no âmbito do Ministério do Trabalho e Ação Social, com vistas a suprir necessidade de controle da atividade trabalhista no País disponibilizando informações as entidades governamentais. (http://portal.mte.gov.br/rais). Esta base de dados registra informações do mercado formal, portanto, a fonte de dados e metodologia de coleta são distintas das do IBGE. 133 A microrregião de Janaúba também se destaca pela primeira posição em número de estabelecimentos com cultivo de frutas, dentre as microrregiões do NM (Quadro 8), sendo que todos esses estabelecimentos estão nos municípios que fazem parte do TCSG e, destes, Jaíba tem maior número.(Tabela 4) Quadro 8 Microrregiões do NM – Número de Estabelecimentos com Cultivo de Fruta da Lavoura Permanente, 2013 Messoregião Norte de Minas Nº estab Microrregiões ano 2013 Janaúba 250 Januária 43 Montes Claros 35 Pirapora 16 Salinas 4 Bocaiúva 1 Total 349 Fonte: Base RAIS/CAGED (MTE), 2013. Elaborado pela autora. Tabela 4 Principais Municípios do TCSG – Número de Estabelecimentos com Cultivo de Fruta da Lavoura Permanente, 2011-2013, e Participação Percentual, 2013 Microrregião Janaúba Janaúba Janaúba Januária Montes Claros Janaúba Janaúba Januária Janaúba Total Municípios do TSG Jaiba Janauba Nova Porteirinha Matias Cardoso Verdelandia Porteirinha Espinosa Manga Monte Azul 2011 79 73 65 32 13 6 6 1 1 276 2012 83 82 63 31 13 7 4 1 1 285 2013 91 88 61 35 14 7 3 1 0 300 Fonte: Base RAIS/CAGED (TEM), 2011 a 2013. Elaborado pela autora. Total 253 243 189 98 40 20 13 3 2 861 % do total 29,38 28,22 21,95 11,38 4,65 2,32 1,51 0,35 0,23 100,00 134 Então, com base nos dados ora apresentados, se pode apontar que atualmente a Fruticultura é considerada a mais importante atividade econômica de mercado do NM. Está espacialmente concentrada no TCSG, cuja estrutura territorial foi favorecida pelo Estado, através dos projetos de irrigação de Jaíba e Gorutuba, dando as condições iniciais para a reprodução do capital e do trabalho e transformando sua base produtiva, responsável por um novo sistema de objetos e ações (SANTOS,1998). Fatores como irrigação e microclimas são determinantes nos indicadores de produção de diversas culturas, como se sabe, mas se tornam mais relevantes nas culturas de banana, limão e manga, cujos níveis de produção são atrativos de uma série de investimentos, consubstanciando as cadeias produtivas destas culturas, cuja área de produção está dividida entre a agricultura familiar e empresarial, e se concentra no perímetro de irrigação de Jaíba. 3.3.2 A Especialização Produtiva da Fruticultura (banana, limão e manga) Como já apontado, a Fruticultura irrigada do NM, concentrada no recorte espacial TCSG, oferece uma cesta de produtos bastante diversificada, cabendo destaques para as culturas de banana, limão e manga cujas especializações produtivas foram capazes de gerar importantes circuitos produtivos no local, os quais requerem ser reconhecidos neste estudo. A partir da imagem de satélite (Imagem 3) é possível identificar as áreas onde estão as culturas beneficiadas pelos canais de irrigação de Jaíba, cuja ocupação é predominada pela fruticultura. 135 Tabela 5 Municípios do TCSG - Produção de Bananas (t), Maiores Participações, 2010-2013, e Participação Percentual, 2013 Anos Minas Gerais Norte de Minas Jaíba Nova Porteirinha Janaúba Matias Cardoso Verdelândia Porteirinha Manga Monte Azul Catuti Espinosa Gameleiras Pai Pedro Mato Verde Serranópolis de Minas Mamonas Riacho dos Machados Total TSG TSG/Norte de Minas (%) TSG/MG (%) 2010 2011 2012 (t) (t) (t) 654.444 654.566 687.293 327.564 322.408 347.462 81.780 75.000 82.000 42.946 42.488 42.265 55.800 55.875 58.075 51.000 48.500 48.500 22.100 22.100 22.960 3.000 3.000 3.000 220 500 226 252 252 72 72 152 3.430 4.746 4.700 60 150 225 200 95 80 44 42 36 200 50 30 17 17 42 48 48 12 1.242.931 1.229.629 1.297.584 Fonte: PAM/IBGE, 2010 a 2013. Elaborado pela autora. 2013 TSG/munic. (t) 2013 (%) 736.038 _ 385.969 _ 100.000 32,94 63.000 20,75 61.000 20,09 48.000 15,81 25.000 8,23 3.400 1,12 2.200 0,72 255 0,08 160 0,05 160 0,05 160 0,05 83 0,03 60 0,02 45 0,01 43 0,01 40 0,01 303.606 100,00 78,66 41,25 136 Imagem 3 Polo de Fruticultura de Jaíba: Etapas 1 e 2 Fonte: IBGE, 2013 LANDSAT 8, 2014. Organizado pela autora; Elaborado por Giliander A. da Silva. 137 Em uma análise comparada entre o volume de produção de bananas dos municípios do TCSG e a produção do NM, confirma-se que o TCSG é majoritário, bem como é importante no abastecimento do mercado estadual por participar com quase metade da produção do estado. Tabela 6 Municípios do TCSG - Área (ha) da Produção de Bananas, Maiores Participações, 2013 Cultivo de banana Minas Gerais (a) Área destinada à colheita (ha) 41.430 (b)Área colhida (ha) (c)Quantidade produzida (t) (d)Rendimento médio (kg/ha) (e)Valor (1 000 R$) 41.341 736.038 17.804 845.351 14.166 14.138 385.969 27.300 489.817 Jaíba 2.800 2.800 100.000 35.714 132.900 Nova Porteirinha 2.470 2.470 63.000 25.506 82.247 Janaúba 2.435 2.435 61.000 25.051 81.313 Matias Cardoso 1.300 1.300 48.000 36.923 65.184 Verdelândia 1.165 1.165 25.000 21.459 35.288 Porteirinha 170 170 3.400 20.000 4.422 Manga Norte de Minas 110 110 2.200 20.000 3.080 Monte Azul 13 13 255 19.615 301 Catuti 10 10 160 16.000 190 Espinosa 10 10 160 16.000 198 Gameleiras 10 10 160 16.000 191 Pai Pedro 5 5 83 16.600 94 Mamonas 4 4 43 10.750 49 Mato Verde 3 3 60 20.000 75 Riacho dos Machados 3 3 40 13.333 48 Serranópolis de Minas 3 3 45 15.000 51 10.511 10.511 303.606 TSG/Norte de Minas (%) Total 74,20 74,35 78,66 TSG/MG (%) 25,37 25,43 41,25 Fonte PAM/IBGE, 2010 a 2013. Elaborado pela autora. A partir dos dados sobre área ocupada com cultivo de banana é possível perceber as distintas posições dos municípios do TCSG, com atenção para as tímidas participações da maior parte deles, fator que se repete em relação a outras culturas e que vai se consubstanciando à medida que se conforma o circuito produtivo da fruticultura, o que explica as distintas condições de acesso, uso e apropriação dos recursos entre os municípios do TCSG. 138 Conforme a Tabela 7, a maior parte dos estabelecimentos do TCSG é de agricultura familiar, dentre os quais estão os que mais produzem banana. Corroboram com estes dados as informações da gerente executiva da Associação Central dos Fruticultores do Norte de Minas - ABANORTE, entidade que atualmente congrega os interesses de sindicatos, cooperativas e empresas ligadas a fruticultura irrigada do NM, predominantemente dos agentes econômicos mais “capacitados”, dos que se encarregam de introduzir as novas estratégias de produção. Segundo ela, a maior parte da agricultura familiar envolvida com a fruticultura está nos municípios de Jaíba e Matias Cardoso, que somam 1.670 agricultores, e nos municípios de Nova Porteirinha e Porteirinha, com 392 agricultores ao todo. A maior parte deles ocupa área de 5há nos perímetros de irrigação de Jaíba e Gorutuba, na condição de colonos/proprietários (Entrevista realizada pela autora em 22/04/2015). Por sua importância econômica, a bananicultura deu impulso às articulações políticas e aos apoios institucionais voltadas à fruticultura, carro-chefe das atividades representadas pela ABANORTE. Tabela 7 Municípios do TCSG - Perfil e Número de Estabelecimentos e Área Territorial, 2006 Municípios do TSG Agricultura familiar - Lei nº 11.326 % no total Nº Estabelecimento dos estab. Não familiar Nº Estabelecimento % no total Área da unidade dos estab. territorial em Km² Espinosa 2.839 12,29 428 1,85 1.869 Porteirinha 2.831 12,25 715 3,09 1.750 Monte Azul 2.290 9,91 204 0,88 994 Jaíba 1.854 8,02 301 1,30 2.626 Manga 1.125 4,87 157 0,68 1.950 Mamonas 1.089 4,71 118 0,51 291 Janaúba 1.037 4,49 437 1,89 2.181 Riacho dos Machados 928 4,02 222 0,96 1.316 Pai Pedro 898 3,89 184 0,80 840 Mato Verde 875 3,79 128 0,55 472 Matias Cardoso 723 3,13 127 0,55 1.950 Gameleiras 699 3,03 97 0,42 1.733 Catuti 698 3,02 68 0,29 288 Verdelândia 577 2,50 267 1,16 1.571 Serranópolis de Minas 469 2,03 76 0,33 552 Nova Porteirinha 425 1,84 219 0,95 121 19.357 83,78 3.748 16,22 20.504 Total Fonte: Censo Agropecuário do IBGE, 2006. Elaborado pela autora. Em termos de governança, os agentes envolvidos com a fruticultura irrigada atuam em suas respectivas representações, por associações e cooperativas, mas o 139 palco de quase todas as representações acaba sendo a ABANORTE, tanto no que tange à estrutura física que abriga a maior parte das reuniões para discutir interesses que vão de cursos de capacitação, empreendedorismo e gestão, até os maiores interesses, os que perfazem arranjos com vistas à comercialização dos produtos da fruticultura. Diante das informações sobre as recentes mudanças para valorização da fruticultura irrigada do TCSG, é importante conhecer onde elas ocorrem, e qual o raio de alcance dos produtores desta atividade. O conjunto de ações direcionados ao melhoramento da cultura da banana, se inicia pela adaptação das práticas de produção às exigências do mercado internacional, vistas desta forma, como uma meta da agricultura moderna que acrescenta maior retorno de capital. Seus resultados expressam um conjunto de apoios materiais e imateriais, que vão desde recursos financeiros de bancos privados e públicos; recursos governamentais institucionais; capacitação profissional de empresas públicas e privadas e saberes de centros e instituições de pesquisas públicas, evidenciando o forte apelo da fruticultura local e das relações de distintos interesses. Os reflexos desses investimentos, na prática, são vistos na mudança do padrão de qualidade da fruta pelo reconhecimento de novos mercados, através de selo de denominação de origem, registrado pela primeira experiência de exportação do produto com este recurso: No dia 10 de outubro, a Região do Jaíba deu um grande passo para o desenvolvimento da região: um contêiner climatizado de banana prata foi realizado e, no dia 13 enviado para Lisboa, Portugal. A intenção é fazer com que a fruta chegue ao destino no início do mês novembro no ponto ideal de maturação. Essa ação é fruto de uma pesquisa que visa estender o período de conservação pós-colheita da banana prata, produzida no Arranjo Produtivo Local (APL) de Fruticultura na região do Jaíba. O trabalho é desenvolvido com orientação do Sistema FIEMG, junto à Associação Central dos Fruticultores do Norte de Minas (Abanorte) e com apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) (www.abanorte.com.br). 140 Figura 2 Contêiner de Banana prata climatizado, exportado para Portugal, outubro de 2014. Fonte: www.abanorte.com.br Buscando dar alcance aos menores produtores foi criado o Centro de Qualidade em Fruticultura, pelo Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) 39, cujas funções se limitam ao apoio técnico na esfera da produção e comercialização de frutas através de capacitação sobre defesa sanitária vegetal, por eles entendida como um dos meios para garantir a competitividade dos produtores. Ainda quanto às medidas adotadas com o intuito de alcançar melhores mercados, as técnicas de colheita e pós-colheita são de grande importância nas garantias de melhores frutos, se tornando uma das mais importantes no circuito produtivo da fruticultura. Dependendo da forma como são aplicadas as técnicas, se torna um ganho de produtividade ao diminuir as perdas pelos manuseios das frutas no campo e no carregamento até o ponto onde é comercializada. Uma experiência a se registrar é a técnica de transportar por cabeamento, levando os cachos de bananas até o local onde a fruta será vistoriada e selecionada para ser vendida (EPAMIG, 2008). Este é um recurso aparentemente simples, mas na realidade da fruticultura do TCSG é adotado pelos produtores mais integrados à cadeia da bananicultura, não sendo o caso dos pequenos agricultores, cuja técnica da colheita e pós-colheita é 39 O IMA é responsável pela execução das políticas públicas de defesa sanitária animal e vegetal no estado de Minas Gerais. Atua também na inspeção de produtos de origem animal, certificação de produtos agropecuários, educação sanitária e no apoio à agroindústria familiar. Está vinculado à Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (SEAPA) de Minas Gerais. 141 toda manual até chegar aos tratores que conduzem a fruta até o depósito, ou entregue aos caminhões que abastecem os mercados locais, sendo um dos fatores que espelha distintos alcances, sobretudo na parcela de produtores familiares com menor renda. Dada a importância desses fatores, ainda realçados no decorrer do circuito produtivo da fruticultura, somados às questões sobre as condições da estrutura produtiva da agricultura familiar mais descapitalizada, são pormenorizados no Capítulo 4. Ainda faz parte da etapa pós-colheita o uso do sistema de rastreabilidade, mais caro e seletivo quanto ao seu acesso. Este sistema permite acompanhar o produto desde as unidades de beneficiamento das fazendas até o distribuidor, que na maioria é do mercado atacadista. Ao sistema compete armazenar todos os dados do produto, alimentado pelas informações dos produtores quanto às características da produção, coleta, armazenamento e distribuição, até a sua localização após a venda. Para isto, os produtos recebem uma identificação única em código numérico, que permite saber por onde o produto passou na cadeia produtiva, com detalhes como: insumos utilizados na produção, descrição do produto, localização da produção, fotos das unidades produtoras, dados sobre seus distribuidores. Informações que são armazenas em um banco de dados custeado pelo produtor e disponíveis através de consulta ao Banco de Dados da Rastreabilidade (BDR). Figura 3 Pós-colheita Tradicional e Pós-colheita Moderna em Jaíba Fonte: EPAMIG (2008) e Agência Minas (www.agencia.minas.mg.gov.br). 142 Com base nesta tecnologia de rastreamento a ABANORTE, em parceria com SEBRAE-MG e com apoios do Banco Mundial, IEL e Governo de Minas, foi criada a marca “Região do Jaíba”, identificada por selo em cada produto, contemplando os produtos da fruticultura irrigada dos municípios de Janaúba, Porteirinha, Nova Porteirinha, Verdelândia, Jaíba, Matias Cardoso, sendo o primeiro passo para obter o certificado de Indicação Geográfica40. Com isto, o intuito é facilitar a comercialização dos produtos da fruticultura pela garantia da qualidade do produto, sendo mais um canal de busca de novos mercados, principalmente do mercado internacional, cuja prática já é bastante difundida. Com relação à rastreabilidade e criação de marcas para os produtos da agricultura moderna, Ortega e Jeziorny (2011) apontam a importância das dinâmicas locais serem vistas enquanto resposta à pressão da globalização: Uma indicação geográfica pode abrir a possibilidade de se escapar à competição por preços de mercados consumidores pouco exigentes à qualidade dos produtos. Ao mesmo tempo, produtos que estampam selos de indicação geográfica reduzem a incerteza dos consumidores com relação à sua qualidade, conferindo a esse signo distintivo uma sinalização crível de que o produto guarda um certo padrão de qualidade (ORTEGA; JEZIORNY, 2011, p. 79). O acesso às inovações tecnológicas como a da transmissão por códigos dos produtos da fruticultura se dá pelos agricultores com maior capacidade monetária, aqueles que autonomamente conseguem adaptar suas culturas aos padrões das chamadas boas práticas de produção, sendo mais um fator de diferenciação das capacidades de produção que ocupam o mesmo espaço de produção da fruticultura irrigada, do que integradora das diferenças, sendo esta a realidade do momento atual. De acordo com extensionista da EMATER, a certificação aumenta a renda obtida com a venda das frutas, mas exige também adaptações nas propriedades e na produção. Para conseguir a certificação o agricultor precisa implantar melhorias como construção de 40 Registro de Indicação Geográfica (IG) é conferido a produtos ou serviços que são característicos do seu local de origem, o que lhes atribui reputação, valor intrínseco e identidade própria, além de os distinguir em relação aos seus similares disponíveis no mercado. São produtos que apresentam uma qualidade única em função de recursos naturais como solo, vegetação, clima e saber fazer (knowhow ou savoir-faire). O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) é a instituição que concede o registro e emite o certificado. O Ministério da Agricultura é uma das instâncias de fomento das atividades e ações para Indicação Geográfica (IG) de produtos agropecuários 143 banheiros; sala de estoque de defensivos, fertilizantes e embalagens, além do uso de equipamentos de proteção individual (EPI‟s), construção de fossas sépticas, lavatórios de equipamentos e tratamento da água utilizada na limpeza do maquinário e outras melhorias exigidas pela empresa certificadora. Neste contexto, são as empresas públicas que se encarregam de minimizar as diferenças de acesso entre os produtores locais, as quais, através de cursos de capacitação, repassam conhecimento para que o agricultor se torne mais apto ao mercado. Pela EMATER os agricultores familiares recebem assessoramento técnico e cursos de capacitação para as práticas necessárias para certificação de seus produtos; EMBRAPA e EPAMIG se encarregam de ofertar cursos sobre técnicas de manejo de irrigação e de combate de pragas nas lavouras, dentre outras ações coordenadas pelas associações e sindicatos correspondentes. A consolidação dessas ações em torno da agregação de valor aos produtos da fruticultura também se estende as culturas da manga e limão, perfazendo-se nos vetores de verticalização dessas atividades produtivas, compreendidas enquanto resposta a um comando externo, que altera o modo de produzir do local pelas exigências que vem de fora dele. A verticalidade é a combinação dos diferentes nós postos acima e além da horizontalidade. Seu veículo integrador é a circulação, circulação de produtos, mas, sobretudo, de informações. Sua forma material é a trama da rede dos transportes, das comunicações e meios de transmissão de energia, mas, sobretudo, a infovia, que leva aos diferentes planos horizontais as coisas que lhe vêm de fora (MOREIRA, 2007, p.60). Em face desses aspectos é importante também conhecer a estrutura produtiva das culturas do limão e manga, cujos processos de especialização produtiva participam do circuito espacial produtivo da fruticultura irrigada do TCSG. A estrutura produtiva da cultura do limão está concentrada nos municípios de Matias Cardoso e Jaíba, onde se situam as maiores glebas empresariais desta cultura. A expressiva participação de sua produção no estado de Minas Gerais (73%) é um marcador muito importante, tanto mais porque parte desta produção é responsável por toda exportação de limão de Minas Gerais. 144 Tabela 8 Municípios do TCSG - Produção de Limão (t), Maiores Participações, 2010-2013, e Participação Percentual, 2013 Anos Minas Gerais Norte de Minas Matias Cardoso Jaíba Janaúba Espinosa Riacho dos Machados Porteirinha Catuti Gameleiras Mato Verde Monte Azul Nova Porteirinha Pai Pedro Serranópolis de Minas Verdelândia Mamonas Manga Total TSG TSG/Norte de Minas (%) TSG/MG (%) 2010 (t) 3.086 1.777 320 950 90 12 8 15 5 5 5 8 115 5 6 25 5 41 6.478 2011 (t) 4.009 2.287 380 1.400 140 10 8 12 4 5 5 5 120 5 5 30 3 10 8.438 2012 (t) 4.219 2.538 700 1.500 103 10 8 6 4 5 4 5 20 5 5 3 3 10 9.148 2013 TSG/munic. (t) 2013 (%) 4.659 _ 3.237 _ 1.500 47,63 1.500 47,63 80 2,54 11 0,35 8 0,25 6 0,19 5 0,16 5 0,16 5 0,16 5 0,16 5 0,16 5 0,16 5 0,16 5 0,16 3 0,10 1 0,03 3.149 100,00 97,28 67,59 Fonte: PAM/IBGE, 2010 a 2013. Elaborado pela autora. A cultura de limão, voltada para o agronegócio, atualmente é a que tem fluxo constante de exportação, e a que agrega mais valor por tonelada produzida, desde quando adaptou práticas de manejo, colheita e beneficiamento para atender aos compradores internacionais. A maior parte dos produtores de limão participa da Associação dos Produtores de Limão de Jaíba (ASLIM), que tem papel estratégico na negociação de preços e distribuição do produto dos associados e dos produtores não-associados (cooperantes), associação que aparenta também ser atuante na capacitação dos agricultores familiares, pelos cursos de extensão, usando da parceria de órgãos públicos e privados, como a EMATER e SEBRAE-MG. 145 Figura 4 Limão beneficiado pela unidade de beneficiamento da Fazenda Thelo, Matias Cardoso Fonte: Jornal do Distrito de Irrigação de Jaíba (DIJ) Quanto a cultura da manga, sua importância se expressa no indicador de participação do mercado estadual, registrado pela série de dados da Tabela 9. É uma cultura importante também na atração de investimentos do setor industrial, captando interesses estratégicos que se agregam a condição de ocupação de áreas de produção e volume produzido, como recursos favoráveis à instalação das indústrias processadoras de frutas. Tabela 9 Municípios do TCSG - Produção de Manga (t), Maiores Participações, 2010-2013, e Participação Percentual, 2013 Anos Minas Gerais Norte de Minas Matias Cardoso Jaíba Janaúba Nova Porteirinha Verdelândia Porteirinha Manga Catuti Espinosa Gameleiras Riacho dos Machados Mamonas Mato Verde Monte Azul Pai Pedro Serranópolis de Minas Total TSG TSG/Norte de Minas (%) TSG/MG (%) 2010 (t) 100.418 36.927 6.500 9.000 5.000 4.000 2.400 550 180 60 40 55 30 28 60 60 19 36 165.363 2011 (t) 108.590 37.663 7.000 9.750 5.000 3.500 2.350 390 330 40 38 50 27 21 25 35 17 36 174.862 2012 (t) 123.359 48.627 24.000 4.500 5.000 3.150 1.450 648 330 40 38 50 30 40 25 35 17 36 211.375 Fonte: PAM/IBGE, 2010 a 2013. Elaborado pela autora. 2013 TSG/munic. (t) 2013 (%) 131.691 _ 64.334 _ 24.000 43,15 15.000 26,97 11.250 20,23 3.000 5,39 1.500 2,70 360 0,65 330 0,59 40 0,07 35 0,06 25 0,04 20 0,04 16 0,03 16 0,03 13 0,02 9 0,02 4 0,01 55.618 100,00 86,45 42,23 146 A maior parte da produção de manga vem dos municípios de Matias Cardoso e Jaíba, das áreas da agricultura empresarial, e assim como as demais culturas citadas anteriormente, também faz parte do leque de culturas da produção familiar dos perímetros de irrigação de Jaíba e Gorutuba, embora, com menor participação 41. Da agricultura empresarial, chama especial atenção A Pomar Brasil Agroindustrial, como a primeira indústria de processamento de frutas a se instalar na área rural do município de Jaíba, sendo atraída pela produção de suas próprias fazendas, ali localizadas, participa do mercado de concentrados e de polpas de frutas, e ainda, processando outras frutas de sua produção (abacaxi, goiaba e maracujá). Ainda quanto ao processamento de frutas, faz parte do conjunto das atividades que decorrem da fruticultura local, as fábricas processadoras de doces e geleias, que atualmente também são alvos de atração para novos investimentos, no entanto, hoje este segmento é preenchido pela produção de pequenas instalações que produzem com sistemas caseiros, onde a maior parte opera na informalidade de mercado, cujos dados expressos no Quadro 9 não captam esta parcela de produtores. Quadro 9 Municípios do TCSG – Número de Fábricas de Conservas de Frutas,2013 Municípios Fabricação de Conservas do TSG de Frutas (CNAE 2.0 Classe) Total Jaiba 1 1 Janauba 4 4 Matias Cardoso 1 1 Total 6 6 Fonte: RAIS, 2013 Na perspectiva da consolidação dos sistemas de objetos e ações (SANTOS,1999) do circuito produtivo da fruticultura, cabe percorrer as instâncias pelas quais a fruticultura irrigada realiza sua produção, compreendendo que os fixos 41 Com relação à dados específicos sobre o volume de agricultores familiares, descriminados por cultivo de frutas, dentro dos dois projetos de irrigação, registra-se a impossibilidade da informação por meio de bancos de dados oficiais, sendo aqui registrada como uma aproximação da realidade do local, colhida por meio de entrevista com representante da ABANORTE e de outros recursos de informação (sites informativos). 147 gerados pela especialização das culturas de banana, manga e limão são representativos de como ocorre esta etapa de realização da produção, uma vez que expressam suas diferenças. A maior parte da produção in natura de manga, banana e limão dos maiores produtores é comercializada nos grandes centros, os que estão relativamente mais próximos, concentrando-se em Brasília, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Segundo entrevista com o gerente da Fazenda Thelo, considerada de grande porte para os padrões dos estabelecimentos produtores de frutas do perímetro de Jaíba, frequentemente a maior parte de sua produção é vendida para o Rio de Janeiro e Belo Horizonte e, em menor volume, atende ao mercado local de Montes Claros. A negociação das vendas é feita por contatos telefônicos e via internet, sendo que o comprador se encarrega de buscar o produto no interior das fazendas. Nesse contexto, verifica-se que a produção que abastece o mercado cerealista resulta das compras dos atacadistas das regiões mais próximas, das grandes e médias cidades, e estão concentradas nos produtores das fazendas que ocupam os lotes empresariais de Jaíba e Matias Cardoso. Do que se pode identificar por meio de contato telefônico e ratificado nos informes em sites de jornais, revistas e associações correspondentes, os maiores grupos da atividade de fruticultura irrigada são os indicados no Quadro 10. Quanto aos pequenos produtores, parte da comercialização é feita diretamente nos locais de produção, por meio da compra de atravessadores que revendem para cerealistas da região, e parte é feita pelos próprios produtores, entregando nas cidades do entorno dos perímetros de irrigação de Jaíba e Gorutuba. Revelam-se, também, pela prática da comercialização, as diferentes condições de participação no mercado de consumo de frutas, no retorno monetário e na forma de distribuição. Conforme observamos, o maior avanço em termos de agregação dos valores material e imaterial, registrados nos processos de produção, repercute nas condições de exportação das culturas da manga, limão e banana. 148 Quadro 10 TCSG - Fruticultura Irrigada: Principais Produtores, 2015 Grupo Fazendas Principais Frutas Pomar Brasil Fazenda Sucesso Abacaxi, goiaba, manga e maracujá Centro de distribuição Fazenda Modelo Fazenda Vitória Fazenda Experimental Jaíba ( FEJA) Brasnica Fazenda Brasica banana, manga, romã, abacate, Janaúba- MG (matriz) cajá-manga, atémoia, pinha, siriguela Contagem-MG caja, maracujá, mamão, limão,umbu Brasíli- DF grapefruit, laranja, ponkan. Montes Claros-MG Rio de Janeiro-RJ São Paulo-SP Uberlândia -MG Aguiarnópolis -TO Thelo Thelo 1 - Jaíba limao, manga e banana Thelo 2- Matias Cardoso Fazenda Lote 30- Matias Cardoso Grupo Borborema Fazenda Borborema 1- Jaiba banana, mamão, manga, limão e atemóia Fazenda Borborema 3-Jaiba Fazenda Borborema 4-Jaiba Fazenda Borborema 6-Jaiba Fonte: Organizado pela autora, com base em entrevistas realizadas e dados extraídos de portais informativos . Parte da produção exportada é realizada por quatro empresas exportadoras de frutos e derivados, todas localizadas no município de Jaíba. No entanto, essas informações não captam toda a exportação de frutas, uma vez que a maior parte da produção é vendida para compradores nacionais, sendo alguns deles também exportadores. Então, os dados da balança comercial do município produtor não traduzem, necessariamente, o quanto alcançam esses produtos no mercado internacional. De todo modo, os registros encontrados na base de dados do MDIC são importantes para confirmar a inserção da fruticultura do TCSG no mercado mundial, mesmo com volumes de exportação de frutas ainda tímidos, se comparados aos de outros produtos da agricultura que compõem as comoddities brasileiras. (www.brazilianfruits.com.br) Quadro 11 TCSG - Município com Empresa Exportadora de Frutas, 2015 Município Empresa Exportadora JAIBA TRANSPORTADORA E COMERCIO DE FRUTAS, IMPORTACAO E EXPOR JAIBA ITACITRUS AGROINDUSTRIAL E EXPORTADORA S/A JAIBA POMAR BRASIL AGROINDUSTRIAL LIMITADA JAIBA REGINALDO NUNES SARAIVA-ME Fonte: MDIC (www.mdic.gov.br) 149 No entanto, o fato de ter pequena participação não retira os interesses do setor privado sobre as exportações de frutas do Brasil. Segundo dados do relatório INDI de 2011, o interesse crescente do capital privado na exportação de frutas se soma ao dos grandes projetos do Estado para o país, descritas no esforço de melhorias em infraestrutura básica de transportes. Segundo este relatório, o governo federal vem destinando recursos do PAC para investimentos em portos e hidrovias, com vistas ampliar a base exportadora do país. Quanto aos meios de circulação usados pela fruticultura, predomina o uso da rede de transportes rodoviário no abastecimento regional e nacional e apenas uma pequena parte é feita pela navegação de cabotagem e transoceânica, usando da logística ferroviária para chegar ao porto. Exemplo disto é a empresa Transcomexgg Ltda, de capital local, exporta limão para Inglaterra cujos containers são transportados de Jaíba para Salvador (Bahia) em caminhões Elaborados para manter a qualidade do produto, e de lá seguem de navio para os portos de Hotterdam na Holanda e Hamburg na Alemanha (DIJ- www.abanorte.com.br). Desta maneira, é possível entender que o avanço técnico-científicoinformacional de espaços requalificados pelo capital dão as condições de interação entre diferentes pontos, articulando diferentes frações de territórios (Santos, 1996), aprimorando as trocas materiais e imateriais, bem como suprimindo o tempo de valorização do capital (HARVEY,1980), não interessando os seus tamanhos, individualmente, mas sim, o quanto são capazes de se integrarem a mercados, sozinhos ou por meio de cooperativas. No caminho desta interpretação, vale observar que, diferentemente da indústria, os produtos da agricultura, por sua própria natureza, carregam maior tempo para realização da produção e, neste sentido, ainda são superados aqueles que não conseguem incorporar melhorias tecnológicas ao seu produto, situação que poderia ser minimizada pelas cooperativas agrícolas locais através de outros ganhos, como os ganhos pelo volume comercializado e pela maior agilidade nas vendas. As respostas às entrevistas colhidas junto aos representantes dos sindicatos dos trabalhadores rurais de Janaúba e Porteirinha, indicam que a maior parte das cooperativas dos municípios da fruticultura irrigada, aqui estudados, não persegue esta ação, sendo considerados frágeis, pelos agricultores familiares, pela baixa 150 capacidade de articulação entre os agricultores cooperados e o mercado, tornando desacreditados nesta função. De outra parte, a pesquisa identificou a forte atuação da ABANORTE, representativa de 26 associações, cooperativas e sindicatos ligados ao agronegócio da fruticultura, com cerca de 3.500 produtores rurais. A Associação tem o papel de captar os mais variados apoios formando parcerias com órgãos e instituições públicas e privadas, sendo os mais citados EMATER e SEBRAE-MG42. Tais parcerias aparecem num amplo espectro de ações, aqui resumidos em algumas delas, tais como cursos de capacitação e extensão rural; formadora de banco de dados com informações sobre os interesses dos associados; fornecedora em tempo real das cotações de preços dos mercados de frutas, dentre outras. Entretanto, atualmente seus maiores esforços se concentram na conquista da marca “Região do Jaíba”, e seu registro de Indicação Geográfica junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), considerada pelos produtores do agronegócio da fruticultura decisiva para a integração de mercados, nacional e internacional. Como se observa, mesmo em instâncias de governança coletiva43, como é o caso da ABANORTE, há fortes distinções dos interesses e proposições entre os atores que dela participam, dando a crer que os maiores esforços se concentram nas representações do agronegócio da fruticultura irrigada. Dentre os sindicatos associados à ABANORTE parte da representação dos trabalhadores rurais é exercida pelo Sindicato dos Produtores Rurais44, compreendido pelos agricultores 42 Chamam atenção também outros órgãos e instituições envolvidos em apoios diversos, tais como EMBRAPA, Universidade Federal de Viçosa, Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade Federal de Lavras, Universidades Federal e Estadual de Montes Claros, SEPLANMG, FIEMG, BNDES, BNB, CODEVASF. 43 “Governança como poder partilhado ou ação coletiva gerenciada, sendo particularmente pertinente para tratar organizações de natureza cooperativa, democrática e associativa. O termo torna-se uma categoria analítica, associada a conceitos como participação, parceria, aprendizagem coletiva, regulação e práticas de bom governo, tal como orçamento participativo e ações de desenvolvimento local e regional”. (RODRIGUES; MALO, 2006, p.32) 44 A área do Sindicato abrange, além de Janaúba, os municípios de Jaíba, Verdelândia, Matias Cardoso, Riacho dos Machados, Nova Porteirinha, Pai Pedro, Gameleiras, Serranópolis de Minas e Catuti. 151 familiares mais especializados e dos que praticam a pluratividade de cultivos45, realidade muito comum na conformação dos sindicatos dos pequenos produtores. Visto com outra descrição e também com estas características cita-se o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porteirinha, composto com a maioria de pequenos produtores rurais. No entanto, não quer dizer que o contingente de pessoas empregadas, com vínculos formais não seja relevante, antes o contrário. A maior parte dos vínculos empregatícios do cultivo de frutas na lavoura permanente, do contingente registrado em Minas Gerais, está no NM (76,52%) e, por sua vez, os maiores vínculos são nos estabelecimentos do TCSG (59,40%), conforme os dados do ano de 2013. (Tabela 10) Tabela 10 Mesorregiões de MG e TCSG - Vínculo Ocupacional dos Estabelecimentos com Cultivo de Frutas da Lavoura Permanente, 2013 Cultivo de frutas de lavoura permanente, exceto laranja e uva Mesorregiões de MG e TSG Norte de Minas ocupação nº % 5.950 76,52 Sul/Sudoeste de Minas 697 8,96 Metropolitana de B.Horizonte 197 2,53 Zona da Mata 178 2,29 Jequitinhonha 173 2,22 Triâng Mineiro/Alto Paranaiba 173 2,22 Campo das Vertentes 157 2,02 Noroeste de Minas 119 1,53 Vale do Rio Doce 55 0,71 Oeste de Minas 36 0,46 Central Mineira 31 0,40 Vale do Mucuri 10 0,13 4.619 7.776 59,40 100,00 Total no TSG Total estado de MG Fonte: RAIS (MTE), 2013. Elaborado pela autora. Ainda analisando a base de dados do RAIS (MTE), percebe-se que os estabelecimentos com cultivo de frutas do município de Jaíba empregam mais trabalhadores do que os demais municípios do TCSG, bem como abriga os 45 A pluratividade da Agricultura Familiar dos produtores familiares do TCSG é de grande relevância para os estudos desta tese, merecendo a atenção dedicada no Capítulo 4. 152 estabelecimentos com maior número de trabalhadores, ao passo que em Janaúba a maior parte dos estabelecimentos emprega de 1 a 4 pessoas, espelhando a composição das áreas utilizadas com a fruticultura e confirmando que os estabelecimentos do agronegócio estão concentrados em Jaíba. Tabela 11 Mesorregiões de MG e TCSG - Número de Estabelecimentos por faixa de Vínculo Ocupacional com Cultivo de Frutas da Lavoura Permanente, 2013 Cultivo de frutas de lavoura permanente, exceto laranja e uva Nº estab. nº empregado 0 empregado De 1 a 4 De 5 a 9 De 10 a 19 De 20 a 49 De 50 a 99 De 100 a 249 De 250 a 499 Total Total % Espinosa 0 3 0 0 0 0 0 0 3 1,00 Jaiba Janauba Manga M. Cardoso N. Porteirinha Porteirinha Verdelandia Total 11 8 0 2 4 0 0 25 33 40 0 7 28 5 5 121 15 18 0 8 13 0 4 58 10 10 0 16 10 0 1 47 11 8 0 2 6 2 2 31 4 2 0 0 0 0 1 7 7 2 0 0 0 0 1 10 0 0 1 0 0 0 0 1 91 88 1 35 61 7 14 300 30,33 29,33 0,33 11,67 20,33 2,33 4,67 100,00 Fonte: RAIS (MTE), 2013. Elaborado pela autora. Com estes dados cabe traçar um panorama sobre os diferentes perfis de ocupação, resgatando a importância do agricultor/trabalhador rural no papel de preservar suas identidades, ao mesmo tempo em que sobrevivem pelo trabalho em conjunto com suas famílias, diferentemente dos que participam do ambiente produtivo nas condições impostas de fora, como são os empregados contratados das fazendas do agronegócio da fruticultura, cuja maioria é de agricultores tradicionais que moram em comunidades mais distantes dos lugares de trabalho,passando a semana nos alojamentos das fazendas e privados do convívio da família. Os empregados das fazendas do agronegócio, que migram das comunidades rurais, o fazem pela falta de oportunidade de trabalho nos pequenos municípios a que pertencem, realidade essa da maior parte dos municípios do TCSG, cabendo exceção para Jaíba, Porteirinha e Janaúba, municípios onde a presença da agricultura especializada é maior, como é o caso de Janaúba. 153 Considerada como uma das cidades-polo da região NM, Janaúba se destaca por sua localização geográfica, tanto porque concentra as redes de saúde, educação, bancos, associações e outros serviços de atendimento ao público, como também pela riqueza econômica gerada no município. O fato de apresentar o maior contingente populacional dos municípios que conformam o TCSG, faz com que concentre grande parte da circulação de mercadorias produzidas no seu entorno. Historicamente, Janaúba foi beneficiada pela a instalação da ferrovia, em 1926, que perpassa Montes Claros ligando Belo Horizonte a Salvador porque causou externalidades positivas ao longo do tempo, como o estímulo a ocupação produtiva e escoamento da produção local. Já na década de 1970,sua importância cresce com a implantação do Pólo de Irrigação de Gorutuba, favorecendo a fruticultura irrigada, cujo desempenho prepondera sobre demais atividades agrícolas. Atualmente Janaúba é um importante polo de agricultura e pecuária, com unidades de distribuição dos produtos agrícolas, bem como possui agroindústrias destes segmentos produtivos, condição que aparece na sua participação no VAF (Valor Adicionado Fiscal)46(Quadro 12), quando comparado aos demais municípios do TCSG. Por este meio também se pode dizer que a maior parte da rede de serviços está intimamente relacionada com essas atividades, e é reflexo da agricultura comercial de sua economia, sendo um exemplo daquilo que Elias (2003) chama de cidades do campo. No Brasil agrícola com áreas urbanas são muitos os exemplos do crescimento de cidades do campo que se desenvolvem associadas a este tipo de consumo, uma vez que, no período técnico-científico-informacional, a cidade se torna o lugar da regulação da agricultura científica, o ponto de interseção entre as novas verticalidades e horizontalidades por ela erigidas (ELIAS, 2003, p. 4485). 46 Valor Adicionado Fiscal (VAF) é um indicador econômico-contábil utilizado pelo Estado para calcular o índice de participação municipal no repasse de receita do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS). (www.fazenda.mg.gov.br) 154 Quadro 12 TCSG - VAF por Município, 2010-2012 Valor Adicionado Fiscal ( VAF) ( R$) Municípios do TSG JANAÚBA 2010 240.692.927 2011 269.575.358 2012 333.024.800 JAÍBA 232.959.880 285.430.840 294.210.547 MATIAS CARDOSO 74.049.548 117.968.259 76.506.820 ESPINOSA 42.285.113 45.772.680 65.707.042 PORTEIRINHA 46.788.860 52.095.160 62.922.218 NOVA PORTEIRINHA 55.607.376 54.854.752 57.877.979 VERDELÂNDIA 44.306.254 41.931.387 53.502.993 MANGA 27.977.435 29.279.242 42.990.225 MONTE AZUL 24.996.061 27.389.842 36.446.227 MATO VERDE 14.658.343 18.798.842 32.767.332 RIACHO DOS MACHADOS 9.398.870 14.288.294 16.474.760 PAI PEDRO 2.460.768 3.064.259 8.229.860 GAMELEIRAS 1.980.389 3.552.950 7.164.463 CATUTI 2.598.870 4.423.783 4.264.704 SERRANÓPOLIS DE MINAS 2.405.230 1.967.878 4.224.464 MAMONAS 2.435.388 2.802.518 3.709.334 Fonte: Secretaria da Receita Estadual-MG (www.fazenda.mg.gov.br/governo) As informações constantes do Quadro 13 corroboram com a caracterização econômica da participação dos setores da economia no Produto Interno Bruto (PIB) dos municípios do TCSG. Por elas, fica evidenciado que, do total de riqueza gerada nesses municípios, os setores Indústria e Serviços aparecem como os mais importantes em Janaúba, enquanto em Jaíba o maior peso é do setor Agricultura. Dados que também ajudam a demonstrar os diferentes perfis econômicos dos municípios do TCSG. Diante do exposto, pode-se dizer que a fruticultura irrigada vem se desenvolvendo pelo aumento da área plantada e modernização das técnicas de produção, e se especializando pela instalação de empresas processadoras, cooperativas de produto e crédito, sindicatos e sistema de transportes, alcançando os mercados local, regional e internacional. Este panorama expressa o conjunto das mudanças ocorridas na atividade de fruticultura irrigada, consolidada pela especialização produtiva de cultivos que dominam a formação do circuito espacial produtivo da fruticultura. As novas possibilidades de fluidez do espaço, somadas às que a revolução tecnológica vem propiciando à intensificação da forma capitalista de produzir na agropecuária, promovem verdadeira reestruturação produtiva no setor. A partir desta reestruturação, muitos novos espaços agrícolas podem ser incorporados à produção e ao consumo agropecuário globalizado (ELIAS, 2003,p23). 155 Quadro 13 TCSG - PIB dos Municípios em relação ao PIB do conjunto dos Municípios, 2013 PIB por setor (%) no PIB, preços correntes (R$) Municípios valor adicionado valor adicionado valor adicionado do TSG Indústria Serviços (Serv.+Adm.Pub) Agropecuária Jaíba 17,23 11,36 28,16 Janaúba 33,13 30,03 17,65 Matias Cardoso 2,80 3,45 10,53 Nova Porteirinha 2,40 2,89 7,31 Verdelândia 2,30 2,69 7,05 Manga 5,45 6,60 6,19 Porteirinha 9,68 11,28 4,81 Espinosa 9,32 9,83 4,07 Gameleiras 1,07 1,70 3,41 Monte Azul 5,81 7,28 2,46 Riacho dos Machados 2,32 2,38 2,09 Mato Verde 3,64 4,29 1,77 Pai Pedro 1,31 1,68 1,70 Catuti 1,21 1,56 1,02 Serranópolis de Minas 1,07 1,27 0,91 Mamonas 1,26 1,70 0,87 Total 100,00 100,00 100,00 Fonte: IPEADATA, 2013. Ao mesmo tempo, indica que a riqueza material gerada pela especialização produtiva da fruticultura não se coloca para todos os perfis de produção, mesmo que atinja significativamente produtores familiares, tanto mais porque a modernização exigida não é economicamente viável para eles, resultando em mais diferenciação na participação dos resultados da riqueza local e impossibilidade de alcançar o mercado globalizado. Neste sentido, cabe a crítica de que os indicadores que decidem o contorno geográfico do TCSG, ao mesmo tempo homogeneízam distintos interesses, sendo também o espaço de expressão das contradições da produção capitalista, que imprimem no quadro dos territórios o modelo de desenvolvimento desigual. (PEREIRA, 2010) E, ainda, cabe considerar a proposição dos estudos contidos na série Desenvolvimento Regional Sustentável (Quadro 14), Cadernos de Propostas para atuação em Cadeias Produtivas, do Banco do Brasil, que diante de análise de várias cadeias produtivas do setor agrícola, aborda a cadeia produtiva da bananicultura concluindo com o que deve ser melhorado na cadeia produtiva, dentre as indicações, chama atenção as indicações para o associativismo como meio de melhorar as etapas de compra e venda dos agricultores familiares. 156 Quadro 14 Propostas para um Desenvolvimento Regional Sustentável Setor Primário Comercialização Insumos, Crédito, Produção Compra/venda Compra conjunta de insumos; • Padronização da qualidade (produção e beneficiamento primário); • Intercâmbio entre agricultores: experiências de venda conjunta, de manejo e de plantio; • Capacitação em Boas Práticas Agrícolas (BPA/Embrapa-Sebrae); • Capacitação para o associativismo; • Acesso a crédito de investimento e custeio; Setor Secundário Elementos básicos do setor: Insumos, Crédito, Transformação Forma de intervenção: Comercialização por Instalação de packing contrato via cooperativa, houses em associações grupos organizados e grupos informais de agricultores; de agricultores para • Acesso a crédito para supermercados, atacadistas investimento e capital e instituições de giro ; governamentais (Prefeituras, • Empacotamento de alimentação bananas padronizadas escolar e PAA). com marca comercial; • Certificação do produto (orgânico, origem, ecossocial (ambiental, sem trabalho infantil e escravo, dentre outros Comercialização Setor Terciário Compra/venda Crédito, Distribuição, Venda, Consumidor Final Negociação com redes de supermercados e atacadistas para compra, por meio de contratos, de produtos diferenciados de agricultores organizados Acesso a crédito (investimento e capital de giro) • Adoção de Boas Práticas para a manutenção da qualidade na distribuição e na exposição do produto ao consumidor; • Comercialização de bananas certificadas; • Compras governamentais: Prefeituras Municipais, FNDE e PAA Fonte: Caderno de Propostas para atuação em Cadeias Produtivas, vol.3, BB, 2010 Por fim, cabe considerar que os esforços envidados neste estudo, sobre a conformação do circuito espacial produtivo da fruticultura irrigada, foram realizados no sentido de compreender a importância desta atividade no desenvolvimento dos municípios do TCSG, uma vez que este recorte espacial foi constituído para receber um conjunto de apoios de entes governamentais, no objetivo de capacitarem melhores condições de reprodução social e econômica. No entanto, ao se perceber as múltiplas diferenças entre as realidades dos dezesseis municípios que compõem este território, coube apurar estas diferenças, que nesta tese vem se confirmando pelos Capítulos 2, 3 e 4, de que o maior proveito do conjunto dos apoios e ações é de poucos municípios do TCSG, reforçando as diferenças sociais e econômicas existentes entre eles. Até este terceiro capítulo, fica nítido que os municípios com agricultura do agronegócio são os mais importantes na captação de recurso financeiros, decorrentes de apoios institucionais de entes federativos e de instituições privadas sem fins lucrativos; bancos privados nacionais e internacionais; bancos públicos e de desenvolvimento. Fica claro, também, que são os que mais angariam os apoios institucionais voltados a capacitações, técnica, gestão, conhecimento científico, 157 mediados por universidades, centros de pesquisas e empresas privadas etc., dentre outros apoios citados no decorrer desse estudo. Neste sentido, é possível hierarquizá-los pelos tamanhos de seus indicadores econômicos e graus de maturidade de suas articulações institucionais e informais, donde despontam os municípios e Janaúba e Jaíba, ambos conjugando todos esses fatores. Porém, se sabe que o TCSG é predominantemente um espaço contido de agricultura familiar, desde a agricultura familiar mais integrada aos mercados de bens e serviços até a agricultura familiar tradicional, motivo pelo qual se insere nas políticas de territórios do governo federal, de onde se conforma enquanto um dos territórios de política do Programa Territórios da Cidadania. Neste sentido, o Capítulo 4 se dedica a compreender o alcance das ações que decorrem das políticas de territórios no âmbito da agricultura familiar nos termos contidos na própria concepção do PTC, percorrendo os resultados dos programas: PRONAT; PROINF, PBF e PAA. 158 4. A AGRICULTURA FAMILIAR NO TERRITÓRIO DA CIDADANIA SERRA GERAL E SUA INSERÇÃO NO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL Neste capítulo o propósito é o de compreender a importância da agricultura familiar no Território da Cidadania Serra Geral no intuito de identificar a atuação das políticas públicas voltadas a este segmento, uma vez que foi um dos critérios considerados para este recorte territorial. No TCSG, a agricultura familiar é a atividade produtiva que ocupa a maior parte das famílias e da estrutura fundiária dos seus dezesseis municípios. É caracterizada pela diversificada produção, voltada para o autoconsumo e para o abastecimento de mercados locais. No entanto, ao tomar conhecimento desta realidade, se percebe a complexidade de relações sociais que decorrem do universo da agricultura familiar local, mas apreende-las no seu todo é tarefa inesgotável, aparecendo aqui na medida em que a pesquisa pode captar por meio das informações contidas em outros estudos, e pelas visitas e entrevistas de campo. Assim, se entende que, ao percorrer as questões da agricultura familiar do TCSG sua importância é evidenciada no uso que faz deste espaço, que também é o espaço do agronegócio da fruticultura irrigada, e de onde se confrontam distintas realidades.Neste sentido, também é uma aproximação com o pensamento de Haesbaert (2007) na compreensão de território e multiterritorialidade,do funcional e do vivido. Todo território é, ao mesmo tempo e obrigatoriamente, funcional simbólico, pois as relações de poder têm no espaço um componente indissociável tanto na realização de „funções‟ quanto na produção de „significados‟. O território é „funcional‟ a começar pelo papel enquanto recurso, desde sua relação com os chamados „recursos naturais‟ (HAESBAERT, 2007a, p. 23). Porém, ao tratar das questões pertinentes a agricultura familiar do TCSG, é importante pontuar o atual debate sobre o papel da agricultura familiar no desenvolvimento territorial rural brasileiro. 159 4.1. Agricultura Familiar: a relevância do conceito A agricultura familiar ganha relevância no cenário nacional brasileiro desde quando reconhecida pelas políticas públicas, iniciadas na década de 1990, fazendo parte das prioridades governamentais para o desenvolvimento do rural e do novo enfoque do desenvolvimento territorial. Porém, antecede aeste papel o protagonismo dos seus sujeitos sociais, enquanto catalizadores deste processo, ponto de vários debates que merecem ser citados. Como objeto de políticas públicas, o agricultor familiar é um sujeito classificado de acordo com os parâmetros estabelecidos a partir do Decreto 1946/1996 do governofederal. Apesar disto, não há unanimidade conceitual do que é agricultor familiar, e o uso deste termo requer ser definido, mesmo quando não esgotado. Para Wanderley (2001), A agricultura familiar não é uma categoria social recente, nem a ela corresponde uma categoria analítica nova na sociologia rural. No entanto, sua utilização, com o significado e abrangência que lhe tem sido atribuído nos últimos anos, no Brasil, assume ares de novidade e renovação. Na década de 70, em plena „modernização conservadora‟, houve um deslocamento nos termos e os proprietários de pequenos lotes de terra deixaram de ser identificados como minifundiários ou camponeses para tornarem-se pequenos produtores. Denominação essa que foi ressaltada à medida que crescia a capacidade do Estado, naqueles anos, de propor e executar políticas de crédito e assistência técnica para estas categorias então, também chamadas de produtores de baixa renda (WANDERLEY 2001, p.21). No entanto, também é possível notar, com Martins (1990), que as recentes apropriações do termo agricultor familiar desvirtuam do que de fato é este sujeito social, que traz consigo a ideia de uma coletividade cultural específica, de costumes próprios com forte enraizamento territorial. Abordagem esta que parece estar implícita às questões da luta pela terra desde quando foi identificada com o termo camponês, numa associação feita as Ligas Camponesas no Nordeste da década de 1950. Já na década de 1970, as mudanças ocorridas no meio rural impostas pelo pacote tecnológico da revolução verde trouxeram outra denominação aos sujeitos do campo, como o caso do termo camponês,que passou a ser substituído pelo de pequeno produtor numa referência oposta ao de grande produtor. 160 Neste sentido Wanderley (2003, p. 47) pondera sobre os efeitos da modernização da agricultura sobre o homem do campo: Mais do que propriamente uma passagem irreversível e absoluta da condição de camponês tradicional para a de agricultor familiar „moderno‟, teríamos que considerar, simultaneamente, pontos de ruptura e elementos de continuidade entre as duas categorias sociais (WANDERLEY 2003, p.47). Termo que ainda é criticado por que padece de forte conotação produtivista, no sentido da produção apenas, deixando de lado fatores importantes como, a influência de modos de vida e de costumes na relação do homem com os recursos que dispõe para este fim, e ainda, inapropriado mesmo que se tratando de volumes de produção, porque confunde produção com tamanho, nem toda pequena propriedade resulta em pequena produção e vice-versa. Por outro lado, Abramovay (1992) entende que a transformação do termo agricultor faz parte da evolução do modo de produção do capitalismo que não seria simplesmente em termos de denominação. Para ele “o modo de vida camponês deixaria de existir, imposto pela condição real de um novo momento histórico de reprodução do capital, e em seu lugar surgira o agricultor familiar” (ABRAMOVAY, 1992, p.160). Mesmo sem consenso entre o meio acadêmico e os formadores de política, é que a denominação agricultura familiar surge como um conceito que é usado para regulamentar as políticas para o meio rural, alcançando também parte das demandas dos movimentos sociais do campo. Neste sentido, as críticas quanto ao uso indevido do termo são amenizadas pelo fato de que o conceito agricultor familiar simboliza as reivindicações dos movimentos sociais do campo, por demandas por políticas específicas para o meio rural, reconhecendo-se como um ganho político que marcou o processo de redemocratização do País. Dando prioridade às políticas agrícolas para a agricultura familiar se institui a Lei Agrícola n. 8.171/91, baseada no princípio das diferenças de tratamento entre agricultura familiar e patronal. Assim, as principais características que definem o agricultor familiar são: unidades de produção administradas pelas próprias famílias que nelas trabalham diretamente, com ou sem auxílio de terceiros, e gestão feita pela própria família. 161 O modelo familiar teria como característica a relação íntima entre trabalho e gestão, a direção do processo produtivo conduzido pelos proprietários, a ênfase na diversificação produtiva e na durabilidade dos recursos e na qualidade de vida, a utilização do trabalho assalariado em caráter complementar e a tomada de decisões imediatas, ligadas ao alto grau de imprevisibilidade do processo produtivo (FAO/INCRA, 1994). Quadro 15 Modelo de Agricultura Patronal e Familiar MODELO PATRIMONIAL Completa separação entre gestão e trabalho Organização centralizada Ênfase na especialização Ênfase em práticas agrícolas padronizáveis Trabalho assalariado predominante Tecnologias dirigidas à eliminação das decisões “de terreno” e “de momento” Tecnologias voltadas principalmente à redução das necessidades de mão de obra Pesada dependência de insumos comprados MODELO FAMILIAR Trabalho e gestão intimamente relacionados Direção no processo produtivo assegurada diretamente pelos proprietários Ênfase na diversificação Ênfase na durabilidade dos recursos naturais e na qualidade de vida Trabalho assalariado complementar Decisões imediatas, adequadas ao alto grau de imprevisibilidade do processo produtivo Tomada de decisões “in loco”, condicionadas pelas especialidades do processo produtivo Ênfase no uso de insumos internos Fonte: FAO/INCRA, 2006. De acordo com o documento “Novo Retrato da Agricultura Familiar- O Brasil Redescoberto” (MDA,2000), a agricultura familiar no Brasil se divide em cinco tipos representativos da quase totalidade dos perfis de agricultores do campo: Grupo A, formado por beneficiários dos programas de Reforma Agrária e Crédito Fundiário. Por serem agricultores que precisam de forte apoio para sua consolidação são os que podem receber maior volume de recursos para investimento (até R$13.500,00 mais R$ 1.500,00 de assistência técnica), menor taxa de juros (1,15% ao ano) e maior nível de subsídio (46% de descontos para o pagamento do principal no prazo). O Grupo B que são os agricultores abaixo da linha de pobreza e contam com um empréstimo dentro de suas possibilidades de investimento de até R$ 1.000,00, com juros de 1% ao ano e descontos de 25% sobre o principal. Os agricultores do Grupo C, com renda de R$ 2.000,00 até 14.000,00 ao ano e podem receber crédito para investimentos de até R$ 6.000,00, 3% de juros ao ano e descontos de R$ 700,00 sobre o principal e valores de custeio de até 3 mil com juros de 4% ao ano e descontos de R$ 200,00. 162 Os agricultores do Grupo D com Renda de até R$ 40.000,00, que contam com valores de investimento de até R$ 18 mil, juros de 3% ao ano e para custeio valores até R$ 6.000,00 e juros de 4% ao ano. A partir do Plano de Safra 2003/2004 temos o Grupo E, no qual os agricultores podem ter renda bruta de até R$ 60 000, 00. Com a criação deste novo grupo o Programa reconhece que existe um segmento da agricultura familiar já mais capitalizado que não vinha recebendo apoio do Pronaf, mas que também deve ter condições de crédito especiais para ampliar a sua capacidade de produção. Este novo grupo conta na Safra 2004/2005 com linha de crédito com valores de investimento até 36 mil e de custeio de até 28 mil com juros de 7,25% ao ano. Com base nessas características são definidos os demais requisitos que conformam a lei 11.326/2006, pela qual se reconhece a categoria agricultor familiar e se instala o Programa Nacional da Agricultura Familiar (PRONAF), considerado a primeira experiência abrangente de política de financiamento para a agricultura familiar. Com isso, o PRONAF passa a ser o principal instrumento do governo na distribuição de crédito para o meio rural, se consolidando também como principal vetor da nova proposta do desenvolvimento territorial, que se inicia no ano 2000, com o objetivo de diminuir as carências do meio rural pelo melhoramento de sua infraestrutura produtiva, através do Programa Territórios Rurais (PRONAT). 163 4.2. Características Gerais da Agricultura Familiar no Brasil A agricultura familiar brasileira é responsável por abastecer a cesta de consumo alimentar do mercado interno, e ainda é de onde provem a formação dos estoques reguladores de alimentos do governo federal. Mesmo tendo o maior número do total de estabelecimentos do país em 2006 (84,40%), ocupa menos que a quinta parte da área total dos estabelecimentos, revelando assim o grau de concentração da estrutura agrária do Brasil. Tabela 12 Brasil – Número e Percentual de Estabelecimentos e Área (ha) da Agricultura Familiar e Não Familiar, 2006 Tipo de agricultura Total Agricultura familiar Lei 11. 326 Não familiar Total de estabelecimentos Área total (ha) 5.175.489 % do total 100,00 329.941.393 % do total 4.367.902 807.587 84,40 15,60 80.250.453 249.690.940 24,32 75,68 Fonte: IBGE - Censo Agropecuário, 2006. Elaborado pela autora. Os dados do Censo Agropecuário de 2006 demonstram que 70% dos alimentos consumidos no país vem da agricultura familiar, sendo os maiores produtores em mandioca (87%), feijão (70%), carne suína (59%), leite (58%), carne de aves (50%) e milho (46%). Ainda segundo dados deste Censo, a agricultura familiar também é responsável por 74,4% do pessoal ocupado no meio rural, sendo que 90% deles possuem laços de parentesco com o produtor e 81% residem no próprio estabelecimento. Em resumo, este era o quadro da agricultura familiar em 2006, com números que demonstram a sua importância no equilíbrio do mercado de bens básicos, na ocupação do meio rural, na geração de renda para as famílias de agricultores, dentre outras. 164 Porém, também é fato que expressiva parcela dos produtores familiares depende de crédito para se reproduzir e ainda alcançar mercados, e que o acesso ao crédito é de difícil realização para a maior parte dos agricultores familiares. Neste sentido, chama atenção o papel da política agrícola para a agricultura familiar, sobretudo por meio dos recursos do PRONAF, criado para facilitar o acesso ao crédito daqueles que tem menor alcance pela via do crédito de mercado. Segundo a Secretaria de Agricultura Familiar (SAF/MDA, 2009), o PRONAF se tornou o principal instrumento na geração de renda dos agricultores familiares, sua evolução vem modificando a estrutura produtiva da agricultura familiar, criando melhores condições para que a pequena produção possa se expandir. No entanto, como apontam Corrêa, Silva e Neder (2007), a distribuição dos créditos do PRONAF indica tendência de concentração na parcela dos mais consolidados da agricultura familiar, e que estão concentrados nas regiões Sul e Sudeste, regiões mais desenvolvidas do país, se desvirtuando do público-alvo, dos menores produtores e dos menos capacitados economicamente. Buscando diminuir essas diferenças, bem como as diferenças das bases produtivas e dos espaços mais comprometidos pela carência de melhorias, coube a aplicação dos recursos do PROINF (Programa de Apoio à Infraestrutura nos Territórios Rurais), direcionados para este fim e operados por meio do Programa Territórios Rurais (PRONAT), abordado na seção 4.5. 165 4.3. A Agricultura Familiar do Território da Cidadania Serra Geral O TCSG é tradicionalmente tido como um espaço que abriga a agricultura familiar (Tabela 13), cuja importância é difícil de dimensionar, dada a diversidade de riquezas, material e imaterial, geradas por diferentes perfis produtivos de diferentes atores sociais. Porém, no que tange cumprir os objetivos da pesquisa, cabe identificar as atuais condições socioprodutivas da agricultura familiar do TCSG, contextualizando sua importância na participação das políticas públicas voltadas ao desenvolvimento territorial local, verificadas pelas participações dos municípios que compõem este espaço. Nesse sentido se observa que nos 16 municípios que compõem o TCSG, a maior parte dos estabelecimentos rurais é de agricultura familiar, onde são destaques os municípios de Espinosa, Porteirinha e Monte Azul, pela maior participação em número de estabelecimentos e área ocupada com agricultura familiar. (Tabela 13) Aqui vale um registro sobre os fatores históricos (apontados no Capítulo 1) que contribuíram para que o TCSG seja mais ocupado por pequenos estabelecimentos, característica influenciada pelo processo de colonização ocorrido no NM, e concentrado neste espaço, que ao substituir as populações nativas pela pequena pecuária e agricultura de subsistência47 ou tradicional, aos poucos vão evoluindo e tomando outras feições, até chegar nas populações rurais de hoje, de maior parte da agricultura familiar. No TCSG, a maior parte dos estabelecimentos da agricultura familiar tem até dez hectares e, junto aos outros, soma menor área do que o total das áreas dos estabelecimentos não familiar, realidade que muito se aproxima do quadro da estrutura rural brasileira, das diferenças de proporção entre o número de 47 É um tipo de agricultura praticada em pequenas propriedades que depende da natureza, pois agricultor utiliza poucas máquinas e não costuma adubar a terra. Os trabalhos de plantar, cuidar colher são feitos pelo agricultor e seus familiares, com o objetivo de produzir alimentos para consumo da própria família, não para a venda dos produtos excedentes, em contraposição agricultura comercial. o e o à 166 estabelecimentos da agricultura familiar e área que ocupam, em relação à agricultura não familiar. Observa-se, também, que no segmento da agricultura não familiar do TCSG os municípios de Porteirinha, Espinosa, Janaúba e Jaíba comportam a maior parte dos estabelecimentos deste perfil de produção, indicando que a estrutura produtiva agrícola desses municípios é mais concentrada do que a dos demais municípios do TCSG, situação que remete ao agronegócio da fruticultura, em Jaíba e Janaúba, e a pecuária comercial, de Porteirinha e Espinosa. (Tabela 13) Ainda sobre a estrutura produtiva da agricultura familiar, 80% dos municípios estão na faixa de até 50 ha e, desses, mais de 50% possuem até 10 há (Tabela 14), sendo indicadores de peso quanto à necessidade de políticas agrícolas que alcancem esta categoria de produtores. Neste sentido, cabe dar atenção aos programas de crédito rural pela via do PRONAF, e os de melhoria da renda produtiva,pela via da compra de alimentos da agricultura familiar, pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Tabela 13 TCSG - Número e Percentual de Estabelecimentos e Área (ha) correspondente da Agricultura Familiar e Não Familiar, 2006. Agricultura familiar - Lei nº 11.326 Municípios do TCSG Estabele- % no total cimentos dos estab. Área (ha) Não familiar Estabele- % no total cimentos dos estab. Área (ha) Espinosa 2.839 14,67 46.445 428 11,42 41.182 Porteirinha 2.831 14,63 46.811 715 19,08 44.270 Monte Azul 2.290 11,83 46.094 204 5,44 18.922 Jaíba 1.854 9,58 29.469 301 8,03 90.275 Manga 1.125 5,81 29.815 157 4,19 75.924 Mamonas 1.089 5,63 13.974 118 3,15 1.988 Janaúba 1.037 5,36 28.544 437 11,66 127.126 Riacho dos Machados 928 4,79 28.403 222 5,92 44.469 Pai Pedro 898 4,64 21.674 184 4,91 43.539 Mato Verde 875 4,52 22.928 128 3,42 16.151 Matias Cardoso 723 3,74 21.071 127 3,39 90.972 Gameleiras 699 3,61 20.038 97 2,59 60.194 Catuti 698 3,61 14.396 68 1,81 12.943 Verdelândia 577 2,98 16.143 267 7,12 103.382 Serranópolis de Minas 469 2,42 12.250 76 2,03 12.072 Nova Porteirinha 425 2,20 3.250 219 5,84 7.149 19.357 100,00 401.303 3 748 100 790.559 Total Fonte: IBGE - Censo Agropecuário, 2006. Elaborado pela autora. 167 Tabela 14 TCSG - Percentual de Estabelecimentos da Agricultura Familiar de até 50ha,2006 Municípios do TCSG Catuti 2 a menos de 5 ha 2 a menos de 5 ha % do total % do total 5 a menos de 10 ha 10 a menos de 20 ha % do total 20 a menos de 50 ha % do total % do total 2,31 4,76 4,40 4,63 3,81 31,10 25,90 13,50 14,57 12,47 Gameleiras 2,68 3,70 3,66 5,47 3,89 Jaíba 2,82 3,25 26,14 10,07 10,41 Janaúba 8,42 6,11 4,61 5,37 8,18 Mamonas 5,23 9,74 8,59 8,56 5,22 Manga 6,11 4,88 3,03 6,01 9,50 Matias Cardoso 0,69 1,83 1,55 2,62 6,62 Mato Verde 3,70 4,88 4,04 6,21 6,14 Monte Azul 14,44 14,07 12,49 15,41 13,71 Nova Porteirinha 5,88 2,06 4,91 3,26 0,37 Pai Pedro 6,15 7,17 3,84 4,73 5,40 Riacho dos Machados 2,87 7,17 4,85 5,27 6,09 Serranópolis de Minas 2,13 2,28 2,41 3,63 3,07 Verdelândia 5,46 2,22 1,99 4,16 5,11 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 12,33 17,76 19,19 16,99 21,56 Espinosa Total % nototal dos estab. da agricultura familiar por faixa de área (há) Fonte: IBGE - Censo Agropecuário, 2006. Elaborado pela autora. O perfil produtivo dos municípios do TCSG, grosso modo, pode ser dividido entre os municípios da agricultura irrigada e os que não possuem esta fonte de recurso, sendo o diferencial mais importante em termos de renda produtiva e inserção em mercados locais, bem como das posições entre os produtores familiares mais vulneráveis e os mais consolidados. As informações contidas nos estudos de Rodrigues (2000), Martins (2010) e Barbosa (2012) contribuem para o conhecimento sobre a realidade dos pequenos produtores do NM e sobre a dinâmica dos municípios do TCSG, partindo dos municípios ribeirinhos de Matias Cardoso e Manga, onde se concentram as comunidades quilombolas, praticantes da agricultura tradicional; parte dos irrigantes do Projeto Jaíba e parte da agricultura familiar mais integrada ao mercado. E, ainda, os municípios de Janaúba, Jaíba, Verdelândia e Pai Pedro completam o escopo dos municípios ribeirinhos e dos favorecidos por recursos hídricos artificiais, como no caso de Jaíba. Estes últimos possuem uma agricultura familiar integrada, cabendo distinguir o caso do município de Pai Pedro, com perfil 168 produtivo de agricultura familiar de baixa capacidade na oferta de alimentos, mas com pecuária de leite bem estabelecida. O grupo de municípios com agricultura irrigada se diferencia dos que estão localizados próximos da Serra do Espinhaço como: Porteirinha, Riacho dos Machados, Serranópolis de Minas, Mato Verde, Monte Azul, justamente porque, estes municípios possuem maior número de pequenos estabelecimentos com menores áreas, ocupando um espaço onde a água é um recurso escasso e de difícil acesso (BARBOSA et al, 2013). Em que pese se assemelharem pelas suas localizações em relação à Serra do Espinhaço,as diferenças se dão quanto a capacidade produtiva e diversificação de produtos. Neste sentido, se alinham pela produção da lavoura temporária, principalmente pelo cultivo de milho (Tabela 15), e se diferenciam pela pecuária bovina (Tabela 16), como no exemplo comparado do efetivo bovino de Porteirinha com o do seu vizinho Serranópolis de Minas. Tabela 15 Municípios do TCSG - Principais Produtos da Agricultura Familiar, Área Colhida, 2007 Municípios Área plantada Área colhida do TCSG lavoura temporária lavoura temporária Área colhida Área colhida Área colhida arroz feijão Área colhida mandioca milho Porteirinha 7.103 5.788 20 420 16 4.610 Mamonas 5.781 5.809 40 1.240 20 4.200 Riacho dos Machados 7.036 5.381 60 2.522 25 2.600 Manga 5.773 6.611 110 1.515 1.030 2.000 Monte Azul 4.253 3.814 100 1.515 11 1.800 Mato Verde 3.612 3.232 150 361 9 1.500 Gameleiras 3.763 3.677 1.100 610 338 1.400 Jaíba 5.879 6.704 33 490 30 1.350 Espinosa 4.997 3.629 120 558 240 1.200 Janaúba 2.832 2.999 20 945 30 1.200 Verdelândia 2.851 1.548 5 221 60 1.095 Matias Cardoso 2.899 2.322 12 230 40 800 Pai Pedro 2.216 1.085 5 140 35 330 Catuti 1.644 1.223 35 207 30 200 Serranópolis de Minas 1.176 971 12 477 20 180 640 671 12 106 35 170 Nova Porteirinha Fonte: IPEADATA, 2007. Elaborado pela autora. 169 Tabela 16 Municípios do TCSG - Principais Tipos de Pecuária, 2006 Município Efetivo Município Efetivo Município Efetivo do TCSG bovinos do TCSG Suínos do TCSG Galináceos Janaúba 116.171 Serran. de Minas Jaíba 104.893 Jaíba 10.165 Serran. de Minas 95.216 7.280 Jaíba 60.750 Verdelândia 57.746 Pai Pedro 6.590 Pai Pedro 59.870 Manga 55.287 Manga 6.550 Manga 55.570 Porteirinha 53.998 Porteirinha 5.300 Porteirinha 45.150 Matias Cardoso 51.491 Riacho dos Machados 4.665 Riacho dos Machados 32.670 Gameleiras 31.655 Matias Cardoso 4.385 Matias Cardoso 27.200 Espinosa 31.596 Catuti 3.260 Catuti 27.050 Monte Azul 30.567 Nova Porteirinha 3.200 Nova Porteirinha 26.380 Pai Pedro 17.266 Espinosa 2.920 Espinosa 25.180 Riacho dos Machados 12.839 Mato Verde 2.730 Mato Verde 21.900 Mato Verde 12.245 Monte Azul 2.560 Monte Azul 20.980 Serran. de Minas 9.505 Verdelândia 1.800 Verdelândia 16.410 Catuti 8.965 Mamonas 1.475 Mamonas 12.900 Mamonas 7.487 Gameleiras 1.185 Gameleiras 11.450 Nova Porteirinha 4.711 Janaúba 1.175 Janaúba 10.333 Fonte: IPEADATA, 2007. Elaborado pela autora. Dentre os produtos da lavoura da agricultura familiar, os mais comuns são os da cesta de alimentos (feijão, mandioca, hortaliças, verduras e frutas), usados para abastecimento próprio e para comercialização do excedente, chamando atenção para o fato de a produção agrícola dos municípios de Porteirinha, Riacho dos Machados, Serranópolis de Minas, Mato Verde, Monte Azul, ainda sofrer do agravante da falta de chuvas durante quase todo o ano, restringindo a produção pela falta de acesso ao recurso água. Realidade que é distinta da dos municípios de Matias Cardoso, Jaíba, Janaúba e Verdelândia, os quais podem ser beneficiados pelos perímetros de irrigação de Jaíba e Janaúba. Quanto aos efeitos da falta de água, esta situação foi registrada na pesquisa de campo realizada na área rural dos municípios de Porteirinha e de Serranópolis de Minas, quando pudemos acompanhar a equipe técnica que monitora os estabelecimentos agrícolas credenciados para receber cisternas pelo Programa P1MC. Vale, aqui, um parêntesis sobre este programa. Considerado fundamental na melhoria de vida de grande parte da população rural com carência de água, como é o caso de boa parte da população rural destes municípios, o P1MC é de responsabilidade do MDS, que financia a construção de 170 cisternas para captação e armazenamento de água nas regiões que fazem parte do Semiárido nordestino, consideradas com escassez de recursos hídricos. O Programa é operado por meio de parceria com a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), instituição organizada pela sociedade civil, que gere as ações das políticas de convivência com a região do Semiárido. Os critérios para conferir acesso ao P1MC são assim estabelecidos pelo MDS: O programa é destinado às famílias com renda até meio salário mínimo por membro da família, incluídas no Cadastro Único do governo federal e que contenham o Número de Identificação Social (NIS). Além disso, é preciso residir permanentemente na área rural e não ter acesso ao sistema público de abastecimento de água. (MDS, 2010) Retomando aos trabalhos de campo, foram realizadas entrevistas com dois dos beneficiários do P1MC que estavam recebendo cisternas pela equipe técnica, formada por um técnico “animador de campo” contratado para levantar as condições dos potenciais beneficiários e levar as informações de como acessar o programa, que também tem a função de acompanhar e fiscalizar as obras de instalação das cisternas. Um operador de máquinas, responsável pela instalação, e o coordenador local do programa, que também é presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Porteirinha. Diante dos entrevistados foi possível registrar, em ambas as falas, as queixas quanto a recorrente falta de água, o que compromete a lavoura de subsistência e a plantação de milho, fonte principal de suas rendas. Uma das famílias ainda complementou ao observar que a falta de água daquele lugar fez com que seus dois filhos fossem buscar emprego em Belo Horizonte, e que atualmente vivem em precárias condições naquela cidade, mas não podem voltar, porque ali não existe ocupação. 171 Mosaico de Fotos 1 Área rural de Porteirinha-MG - Equipe técnica, maquinário e propriedade que recebeu cisterna do Programa P1MC Fonte: Autora (04/03/205) Como exposto nas entrevistas e nos dados da Tabela 15, a cultura do milho é de grande importância para os agricultores familiares da maior parte dos municípios do TCSG. Por ser considerada uma cultura que exige relativamente pouca água e de fácil cultivo e manejo, ela se destaca como uma das principais culturas na geração de renda agrícola, geralmente pela comercialização in natura, servindo como complemento de ração animal e atendendo as pequenas fábricas processadoras de farinha de milho e outros derivados, como também para uso doméstico no autoabastecimento alimentar e para o consumo dos animais. 172 As observações sobre os demais municípios, Catuti, Espinosa, Mamonas e Gameleiras se direcionam para o que eles têm de diferente quanto ao uso dos seus estabelecimentos, como é o caso do município de Espinosa. Com maior número de estabelecimentos da agricultura familiar do TCSG, produz cana de açúcar, milho e algodão, e ainda tem importante pecuária bovina, com estabelecimentos de médio porte. Os demais municípios, Catuti, Mamonas e Gameleiras, ocupam suas áreas de produção com pequena agricultura, gado para extração de leite, milho e algodão. Cabe destaque para a cultura do algodão, que aos poucos vem sendo reintroduzida na perspectiva de se consolidar como fonte de renda da agricultura familiar destes municípios e de outros do TCSG, que conformavam o polo algodoeiro do NM até a década de 1990. Quanto à comercialização dos produtos da agricultura familiar do TCSG, ela praticamente se divide entre o comércio local, nas feiras livres e mercados locais, dominado pela produção dos pequenos agricultores; sendo também comercializada para cerealistas da região, da produção dos agricultores de maior porte, os que estão na área da agricultura irrigada. No entanto, a maior parte dos produtores familiares do TCSG vende sua produção no comércio local, abastecendo sacolões, minimercados e feiras livres, pela entrega direta do produto, ou aos donos dos estabelecimentos comerciais que costumeiramente fazem os percursos das roças e comunidades rurais adquirindo os produtos para vender na cidade. O tipo mais comum de comércio é o das feiras livres, tão importantes para os pequenos agricultores que recorrentemente demandam apoios a entidades governamentais por meio dos seus representantes de classe, nas instâncias dos conselhos e colegiados territoriais locais. Suas demandas se concentram em ter espaços apropriados que disponham de infraestrurura básica de água e esgoto, com cobertura física e barracas adequadas aos diferentes tipos de produto. Exemplo disso é o registro da demanda por barracas para feira agroecológica (Ata 04, Anexo 2) encaminhada pelo colegiado do TCSG, para ser atendido pelos programas de apoio a agricultura familiar do território. Cabe também registrar que alguns municípios do TCSG já dispõem de locais próprios ou Elaborados para receber os produtos da agricultura familiar local e de 173 outros municípios, fazendo das feiras uma atividade importante na geração de renda para o agricultor e para a economia do lugar. Assim ocorre no município de Porteirinha, onde a feira é o ponto de encontro entre agricultores das comunidades rurais do próprio município, dos vizinhos e das localidades mais distantes, inclusive a ocupação do espaço físico além de ser dividida entre os feirantes, por tipo de produto, onde se agrupam barracas com os produtos de fabricação caseira (broas, bolachas, farinha, temperos, ervas medicinais), barracas com hortaliças e frutas, barracas com galinhas vivas e abatidas etc. O espaço físico também é divido por áreas que são identificadas de acordo com as comunidades tradicionais do TCSG, nas quais se concentram os feirantes dos lugares, como no caso dos pequenos produtores dos gerais, reconhecidos pelo nome de geraizeiros, e considerados exemplos de camponeses mais tradicionais do TCSG. Os trabalhos de campo também envolveram a feira de Porteirinha-MG, sendo o lugar que mais chamou atenção, porque ali se explicitaram os diferentes tempos de produção, de modos de vida e de costumes, tão diversificados e ao mesmo tempo tão integrados nos mesmos propósitos, e onde foi possível observar vendedores de frutas comerciais altamente selecionadas, produzidas no perímetro de irrigação de Gorutuba; vendedores de hortaliças e legumes orgânicos, garantidos pelas hortas comunitárias que praticam a agricultura livre de produtos químicos; vendedores de queijos e derivados, empacotados à vácuo e com marca de cooperativa; vendedores de hortaliças e legumes processados e empacotados; vendedores de artesanato de palha de milho e de tecido. Observamos, também, o contraste entre estes vendedores e os feirantes dos Gerais, que vendem pequenos produtos e „sabedorias‟, como os vendedores de ervas medicinais que fazem questão de passar seus conhecimentos, herança de seus antepassados, discorrendo exemplos sobre os efeitos de um bom uso daquelas raízes e sementes; os vendedores de cachaças artesanais, produzidas com parcos recursos, inclusive engarrafadas com vasilhames, reutilizados de garrafas pet, vidros de suco e de outros produtos, que mesmo com toda a precariedade de produção são bastante aguardados pelos seus fiéis consumidores. 174 Mosaico de Fotos 2 Porteirinha-MG – Produtos da Feira do Mercado Municipal Fonte: Autora (05/03/2015) Esta experiência da pesquisa aproxima a visão de quem está de fora, no esforço de apreender o que é de dentro, numa situação que remete ao dizer popular: “Pode o senhor caminhar um estirão dentro de Minas sem achar Minas. Mas também pode ir por aí à toa e quebrando uma esquina ser de repente: Minas Gerais”. Ou seja, no âmbito da agricultura familiar do TCSG a diversidade produtiva e dos perfis de agricultores é tão importante que, para eles, é comum se distinguirem por autodenominações de acordo com as localidades onde vivem e seguindo outra lógica de classificação. Como bem explica Martins, sobre a origem dos geraizeiros: “Os Gerais é um amálgama cultural e histórico e também circunstâncias ambientais. Se isolarmos qualquer uma destas características, ele deixa de ser o que é” (MARTINS, 2010, p. 16). 175 Por outro lado, entendemos que as questões socioculturais fazem parte de um conjunto de elementos, os quais, somados, são vistos pela clássica tipologia de agricultor familiar, de onde são estabelecidas as subdivisões por tipo de agricultor, detalhadas para atender aos programas das políticas públicas, de apoio a esta categoria de produtor, como são os programas PRONAF e PAA. Estes programas estão presentes no TCSG como meio de fortalecer as atividades desenvolvidas pela agricultura familiar, quer seja por meio do crédito agrícola, pela via do PRONAF, quer pela compra direta dos produtos da agricultura familiar, feita pelo governo através do PAA. 176 4.4 Os Beneficiários do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) O PRONAF é considerado o programa mais importante no fortalecimento e valorização da agricultura familiar no Brasil, também sendo o principal instrumento de promoção da agricultura familiar do TCSG, que se manifesta acompanhando a realidade mais ampla deste segmento sobre o acesso e alcance ao crédito. Para poder pleitear as linhas de crédito do PRONAF, o produtor familiar deve cumprir os trâmites legais, para que seja incluído no programa. Uma vez identificado como produtor familiar, para ter acesso deve corresponder às exigências do PRONAF e possuir a Declaração de Aptidão ao PRONAF (DAP)48, instrumento pelo qual se contabiliza o número de produtores da categoria familiar aptos à participarem. Os registros da DAP do ano de 2015 demonstram que a maioria dos produtores familiares do TCSG, habilitados a acessarem o PRONAF, está nos municípios de Espinosa, Porteirinha, Monte Azul e Jaíba49 (Tabela 17). Enquanto a base de dados do Censo Agropecuário de 2006 permite visualizar o perfil dos produtores familiares do TCSG quando classificados por tipos de produtor (A, B, C, D, E) e de acordo com as variáveis descritas na cartilha do PRONAF. Por esta classificação é feita a correspondência entre o tipo de produtor e as linhas de crédito que podem ser acessadas pelo PRONAF. Segundo esta classificação, é possível conhecer os tipos de produtor familiar do TCSG50, bem como as participações por tipos de produtor do total de produtor 48 A base de dados da DAP é da alçada do MDA, sendo alimentada continuadamente por várias outras instituições autorizadas. Com efeito, os dados aqui apresentados correspondem a data da coleta. 49 É importante ressaltar que a metodologia de coleta da base de dados da DAP não é a mesma do Censo Agropecuário de 2006, e também os anos base são diferentes. Enquanto os dados do Censo Agropecuário refletem um retrato da data de coleta, os dados da DAP são alimentados continuamente. 50 Tipo A Agricultores familiares assentados pelo Programa Nacional de Reforma Agrária que não foram contemplados com operação de investimento sob à égide do PROCERA ou com crédito de investimento para estruturação no âmbito do PRONAF; e beneficiados por programas de crédito fundiário do Governo Federal. Tipo B Agricultores familiares, inclusive remanescentes de quilombos, trabalhadores rurais e indígenas que obtém renda bruta anual de até R$ 2.000,00, excluídos os proventos vinculados a benefícios previdenciários decorrentes das atividades rurais. Tipo C Agricultores familiares e trabalhadores rurais, inclusive os egressos do PROCERA e/ou Grupo A, que 177 familiar do TCSG, interessando perceber onde a agricultura familiar indica estar mais consolidada e onde aparece mais necessitada de apoios governamentais. Tabela 17 Municípios do TCSG - Número de Daps emitidas,2015 Municípios do TCSG N º de DAPs em 12/07/2015 total registrada ativa Espinosa 5.107 4.029 Porteirinha 4.910 3.829 Monte Azul 4.187 3.364 Jaíba 4.475 3.071 Janaúba 2.683 2.316 Manga 2.869 2.171 Matias Cardoso 2.598 1.401 Mato Verde 1.780 1.292 Pai Pedro 1.444 1.245 Mamonas 1.527 1.234 Gameleirias 1.287 1.064 Nova Porteirinha 1.503 1.062 Riacho dos Machados 1.648 1.023 Verdelandia 2.040 875 Serranópolis de Minas 1.018 849 Catuti 1.160 839 Fonte: Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), 2015. Elaborado pela autora. Neste sentido, os dados da Tabela 18 expressam importante polarização entre as participações dos produtores do tipo B (22,19%) e os produtores do tipo D (56,15%), em 2006, revelando que a agricultura familiar do TCSG está basicamente dividida entre produtores familiares mais pobres e produtores familiares mais capitalizados, sendo estes últimos preponderantes nesta relação. Diante deste fato, coube uma análise mais detalhada sobre a atual situação dos produtores familiares do TCSG no que se refere a acesso ao crédito, com vistas a identificar o estado da arte da distribuição dos créditos do PRONAF neste Território, dos créditos de responsabilidade do Tesouro Nacional e os do Fundo obtém renda bruta anual familiar acima de R$ 2.000,00 e até R$ 14.000,00, excluídos os proventos vinculados a benefícios previdenciários decorrentes das atividades rurais. Tipo D Agricultores familiares e trabalhadores rurais, inclusive os egressos do PROCERA e/ou Grupo A, que obtém renda bruta anual familiar acima de R$ 14.000,00 e até R$ 40.000,00, excluídos os proventos vinculados a benefícios previdenciários decorrentes das atividades rurais. 178 Constitucional do Nordeste, cabendo especial atenção por ser considerado o principal meio de recursos para inserção socioprodutiva dos agricultores familiares. Tabela 18 Municípios do TCSG - Agricultor Familiar por Tipo, classificação PRONAF, 2006 Tipo de Agricultor Familiar Municípios TCSG Catuti A % grupo A B %grupo B C %grupo C D %grupo D 36 4,22 129 2,79 114 3,11 431 3,68 115 13,47 692 14,95 503 13,73 1.820 15,54 2 0,23 149 3,22 111 3,03 478 4,08 107 12,53 342 7,39 293 8,00 1.096 9,36 Janaúba 97 11,36 380 8,21 230 6,28 474 4,05 Mamonas 11 1,29 341 7,37 288 7,86 554 4,73 Manga 38 4,45 214 4,62 168 4,59 681 5,81 Matias Cardoso 16 1,87 74 1,60 104 2,84 392 3,35 Mato Verde 45 5,27 148 3,20 189 5,16 559 4,77 Monte Azul 90 10,54 655 14,15 414 11,30 1.222 10,43 Nova Porteirinha 41 4,80 127 2,74 63 1,72 245 2,09 Pai Pedro 21 2,46 193 4,17 171 4,67 611 5,22 Porteirinha 87 10,19 576 12,44 600 16,38 2.080 17,76 Riacho dos Machados 75 8,78 373 8,06 196 5,35 403 3,44 Serranópolis de Minas 20 2,34 111 2,40 99 2,70 268 2,29 Verdelândia 53 6,21 125 2,70 121 3,30 400 3,41 854 100,00 4.629 100,00 3.664 100,00 11.714 100,00 56,15 20.861 100,00 Espinosa Gameleiras Jaíba Total Total*= ( A+B+C+D) Total*(%) 4,09 22,19 17,56 Fonte: IBGE - Censo Agropecuário, 2006. Elaborado pela autora. - Antes, porém, é preciso fazer algumas considerações sobre como o sistema operacionaliza estes créditos, como estão vinculados à determinadas linhas de financiamento, de curto ou longo prazos, e quais as implicações na distribuição do crédito, para podermos compreender como acontece no TCSG. A distribuição do crédito do PRONAF ocorre pelo chamado “Sistema BNB”, que incorpora os recursos operados diretamente pelo Banco do Nordeste, sendo parte correspondente ao Fundo Constitucional do Nordeste (FNE) 51 51 . O Fundo Constitucional do Nordeste (FNE) faz parte dos Fundos Constitucionais, instituídos pela Constituição Federal de 1988, são importante fonte de financiamento das atividades produtivas e de infraestrutura das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, tendo sido criados para fomentar o 179 A análise da liberação dos créditos do BNB mostra o movimento da liberação de seus financiamentos e é importante para se entender os recursos captados pela Região Nordeste, como também os captados pelo NM – espaços de operação do BNB, em que é importante a ação do Estado, no sentido de direcionar recursos para a redução das desigualdades regionais quer seja via crédito, quer seja via a organização de programas que tenham este intuito explícito, como é o PTC. No caso específico do BNB, os estudos de Silva (2012) apontam uma dinâmica dupla em suas liberações. De um lado, as operações de crédito liberadas diretamente pelo Banco se concentram nos créditos de Curto Prazo. Nestas operações estão contidas as operações de crédito do PRONAF Custeio e Comercialização e os direcionamentos se concentram nos agricultores de perfil CDE, grupo criado recentemente e que não foi captado pelo Censo Agropecuário de 2006 (hoje Grupo Especial), não fazendo parte das informações da Tabela 19. De outro lado, estão as operações de crédito vinculadas ao FNE, que tem o objetivo de direcionar os recursos prioritariamente aos agentes mais carentes, pelas operações de Longo Prazo vinculadas ao “Sistema BNB” liberadas pelo Fundo Constitucional do Nordeste. Este crédito de Longo Prazo refere-se a créditos de Investimento, cabendo observar que os recursos do FNE são destinados para vários setores da economia, mas no que cabe ao crédito agrícola a maior parte é destinada ao PRONAF tipo B. Com base nessas informações é possível compreender a metodologia desenvolvida nos estudos de Fernandes (2011) e Silva (2012), para qualificar a distribuição dos recursos do BNB nos municípios do Nordeste, que correlacionam as operações de crédito dos municípios com o PIB Municipal e o indicador relativo ao IDH do município, análise que foi feita sobre os créditos de Curto Prazo e de Longo Prazo. Em resumo, os estudos desses autores demonstraram que para o caso do crédito de curto prazo a lógica é a da concentração dos recursos nos municípios mais dinâmicos. Encontrou-se a relação entre: IDH ALTO e Crédito/PIB ALTO; IDH MÉDIO e Crédito/PIB MÉDIO; IDH BAIXO e Crédito/PIB BAIXO; IDH MUITO BAIXO e Crédito/PIB MUITO BAIXO. (SILVA, 2012). E, ainda, que os municípios desenvolvimento dessas regiões com vistas a contribuir para a redução das desigualdades regionais. (FERREIRA, 2013, p. 8) 180 relacionados com o “Crédito Alto” receberam 97% do total do crédito distribuído pelo BNB entre 2003 e 2005 e 87% entre 2007 e 2010. Ou seja, uma enorme concentração em municípios que apresentaram proximidade com o índice de Desenvolvimento “Alto”. No caso das operações de Longo Prazo, o resultado não é o mesmo. O estudo constatou que a relação entre índice Crédito/PIB e o índice de desenvolvimento tendeu a ser inversa, com a seguinte relação: IDH ALTO e Crédito/PIB MUITO BAIXO; IDH MUITO BAIXO e Crédito/PIB ALTO; IDH MÉDIO e Crédito/PIB MÉDIO; IDH BAIXO e Crédito/PIB BAIXO. Ou seja; o maior nível de captação de Crédito/PIB estava ocorrendo para os municípios com menores IDHs e isto, provavelmente, estava sendo liberado pela via da expansão do PRONAF B para estes municípios. (SILVA, 2012). Nestes termos, é possível observar que os recursos dos Fundos Constitucionais para créditos de Longo Prazo, distribuídos pelo BNB, foram mais distributivos do que os créditos de Curto Prazo. Os estudos de Fernandes (2011) e Silva (2012) são corroborados pelos estudos de Ferreira (2013), dedicado ao comportamento da distribuição dos recursos do FNE no período de 2007 a 2010, o qual aponta resultados que podem ser resumidos na conclusão de que os municípios de IDH MÉDIO são os que mais foram contemplados, relativamente aos demais tipos de IDHs. Dessa maneira, se busca verificar o que ocorre nos municípios do TCSG, a partir de uma aproximação com a metodologia desses estudos, no intuito de compreender os resultados na distribuição de recursos pela via dos créditos do PRONAF nos municípios do TCSG. Com este propósito, se analisa os dados de distribuição de recursos do Crédito Agrícola em 2010, em conjunto com os dados do IDH de 2010 e também comparando com os valores do PIB agrícola e da população agrícola, na mesma data. Ao analisar o indicador Crédito/População Agrícola, os dados de crédito decorrem do FNE (Anexo3), por ser importante fonte de recursos para a região do TCSG, visto que faz parte da área de atuação do BNB, e também dos dados do Banco Central do Brasil, cuja fonte é o Relatório do Crédito Rural, que expressa o balancete de todos bancos referentes às Operações de Crédito agrícola. Pelos dados da Tabela 19, é possível perceber que não se apresenta uma diferença substantiva entre os municípios considerados em termos de IDH. No entanto, como se percebe o porte dos municípios em termos populacionais e de PIB 181 agropecuário difere bastante. Os municípios que apresentam a maior relação entre Crédito/População são: Jaíba, Janaúba, Matias Cardoso, Nova Porteirinha e Verdelândia. São justamente estes municípios que apresentam as maiores relações, PIB agrícola /População agrícola. Nestes temos, são estes os municípios com maior dinamismo econômico no TCSG, explicitado pela lógica concentradora da distribuição dos recursos, como indicada anteriormente pelos resultados dos estudos de Fernandes (2011). Quanto ao perfil dos agricultores familiares dos municípios do TCSG, é interessante observar que no caso dos municípios de Jaíba, Matias Cardoso, Nova Porteirinha e Verdelândia, há uma dominância de agricultores que eram anteriormente classificados pelo PRONAF, como Grupo D, referindo-se aos mais capitalizados e com grande integração econômica, com agroindústrias e redes de distribuição. A única exceção é ó município de Janaúba, que apresenta alto contingente de agricultores do Grupo B e C, mas que se explica pelo perfil da agricultura irrigada deste município, onde a maior a parte é de pequenos produtores de pequena área de produção. Quadro 16 TCSG - Distribuição do Crédito do FNE por município, 2011 Municípios do TCSG FNE (%) Jaíba 14,57 Janaúba 12,40 Manga 11,17 Porteirinha 7,78 Nova Porteirinha 6,55 Matias Cardoso 6,02 Monte Azul 5,91 Verdelândia 5,37 Mato Verde 5,26 Pai Pedro 4,38 Espinosa 4,16 Mamonas 3,94 Riacho dos Machados 3,50 Gameleiras 3,18 Serranopolis de Minas 2,96 Catuti 2,85 Total 100,00 Fonte: BNB/FNE, 2011. Elaborado pela autora. 182 Tabela 19 TCSG - Participação dos Municípios no Crédito Rural (STN), e em relação ao IDH dos Municípios, 2010 Município PIB agricola IDH TCSG 2010 2010 2010 2011 2010 Catuti 2.022,93 0,621 758.843,48 1.134.642,91 2.124 357,27 534,20 0,95 Espinosa 8.031,14 0,627 3.236.803,61 3.927.280,04 13.090 247,27 300,02 0,61 Gameleiras 6.725,62 0,650 1.121.626,80 1.141.064,25 3.726 301,03 306,24 1,81 Jaíba 55.605,27 0,638 40.033.840,39 32.187.785,29 15.952 2.509,64 2.017,79 3,49 Janaúba 34.857,67 0,696 27.560.095,34 29.595.423,86 6.233 4.421,64 4.748,18 5,59 1.713,65 0,618 1.138.336,59 1.328.499,84 3.509 324,40 378,60 0,49 Manga 12.224,63 0,642 9.528.071,93 5.973.384,02 5.965 1.597,33 1.001,41 2,05 Matias Cardoso Mamonas crédito rural BCB 2010 crédito rural BCB Pop. Rural 2011 2.010 credito/pop. credito/pop. PIB agric./pop.rural 20.803,30 0,616 17.635.908,55 35.287.684,33 4.843 3.641,53 7.286,33 4,30 Mato Verde 3.491,12 0,662 2.179.255,75 3.322.592,12 3.225 675,74 1.030,26 1,08 Monte Azul 4.861,45 0,659 3.497.451,79 4.741.229,16 9.576 365,23 495,12 0,51 14.426,84 0,641 5.608.135,44 7.796.975,39 3.329 1.684,63 2.342,14 4,33 Pai Pedro 3.364,28 0,590 2.333.572,27 2.488.882,19 4.185 557,60 594,71 0,80 Porteirinha 9.497,97 0,651 12.642.325,56 11.667.884,00 18.289 691,25 637,97 0,52 Riacho dos Machados 4.124,02 0,627 1.535.918,44 1.623.866,04 4.861 315,97 334,06 0,85 Serranópolis de Minas 1.801,57 0,633 1.700.213,00 1.441.649,49 2.697 630,41 534,54 0,67 Verdelândia 0,584 3.829.925,02 9.174.305,97 3.584 1.068,62 2.559,80 3,89 Nova Porteirinha 13.930,02 Fonte: IPEADATA, 2012 e Atlas do Desenvolvimento Humano, 2013 (PNUD/ONU). Elaborado pela autora. 183 Assim, se pode dizer, de forma geral, que o crédito agrícola está se concentrando nos municípios de maior dinâmica agrícola, e direcionando-se aos agricultores mais capitalizados. De fato, o que se percebe é que os municípios da fruticultura irrigada, se destacam pela maior capacidade de captação de crédito. No caso dos municípios que não têm APLs apoiados, o município de Matias Cardoso também deve ser destacado. A conclusão que se pode obter é que a Fruticultura Irrigada de Jaíba e Janaúba é um elemento fundamental para a dinâmica da captação. Isto é devido ao fato dos agricultores envolvidos estarem mais organizados e mostrarem capacidade de compreensão e conhecimento das regras e condições de acesso ao crédito, indicando que este é também um elemento importante no acesso aos recursos. No que se refere aos créditos vinculados aos Fundos Constitucionais, ainda que a maior concentração da liberação continue basicamente nos mesmos municípios, note-se que a dispersão é muito menor. Ou seja, os recursos dos Fundos Constitucionais estão chegando aos municípios do Território. Ainda assim, é possível perceber a forte liberação dos recursos para os agricultores classificados como sendo de Grande Porte (classificação FNE). Então, o que se percebe é que a dinâmica do crédito, por si só, não rompe a lógica concentradora, mesmo nos Territórios da Cidadania. Ainda assim, é importante observar que o crescimento do crédito agrícola, puxado pelo PRONAF, tem repercussões importantes para o Território, ainda que não mude a lógica dos municípios entre si. Ou seja; os municípios mais dinâmicos do território são aqueles que concentram os serviços, dentre eles o crédito, aprofundando a sua liderança no próprio território. Com efeito a lógica bancária é essencialmente concentradora e isto se mantém quando o crédito é liberado sem haver uma relação de dependência ou de exigência entre esta liberação e as demais políticas do território. No caso dos recursos liberados via FNE, ainda que estes atinjam de forma menos diferenciada os municípios do território, a concentração existe e é preocupante a concentração nos grandes produtores, quando se entende que este fundo foi criado para dirigir os recursos aos menos capitalizados. Ainda assim, como este fundo foge, em parte, da lógica bancária, porque é 184 abastecido como recursos do Tesouro Nacional a fundo perdido, percebe-se que ele pode ter um melhor papel na distribuição do crédito do PRONAF. 4.5 O Programa de Apoio à Infraestrutura nos Territórios Rurais (PROINF) O PROINF, Programa de Apoio à Infraestrutura nos Territórios Rurais (PROINF), se tornou o principal mecanismo de financiamento das demandas dos agricultores familiares no quesito infraestrutura. Este programa substituí o que e Serviços Municipais PROINF é uma das linhas do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, criado em 1996. A partir de 2003, passou a fazer parte da estratégia de Desenvolvimento Territorial do Programa Territórios Rurais - PRONAT através dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural - CMDR e atualmente (2015) é o principal foco do Programa Territórios da Cidadania – PTC. O PROINF é da alçada do Ministério do Desenvolvimento Agrário e gestado pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial, criada com objetivo de direcionar e coordenar as ações voltadas para a agricultura familiar, estimulando a implantação, ampliação e modernização, de infraestrutura e serviços públicos municipais necessários ao melhoramento das condições de produção e reprodução da agricultura familiar, tais como recuperação de estradas vicinais, linha e tronco de energia elétrica, construção de armazéns comunitários e obras hídricas de uso coletivo. (SCHNEIDER; MATTEI ; CAZELLA, 2004) O PROINF segue o princípio de descentralização das políticas públicas, com envolvimento das comunidades rurais e dos agricultores familiares na concepção, gestão e fiscalização deste programa, através do Colegiado Territorial do PTC. Todo o recurso do PROINF é distribuído de acordo com os encaminhamentos do Colegiado Territorial, instância local encarregada de decidir as prioridades das ações, elaborar projetos, abriga as decisões sobre as 185 prioridades de uso e alocação destes recursos, nos municípios que fazem parte do PTC. No TCSG, os recursos do PROINF nos anos de 2003 a 2014, atenderam quinze municípios, deixando de contemplar o município de Riacho dos Machados, entretanto ainda chama atenção a desproporção na distribuição dos recursos, sobremaneira concentrados nos municípios de Janaúba e Porteirinha. (Mapa 7 e Anexo 4). Mapa 7 TCSG - Distribuição dos Recursos do PROINF, 2003-2014 Fonte: IBGE, 2013 e SDT/MDA, 2015(dados fornecidos pelo Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão, em 31/03/2015). Elaborado pela autora e elaborado por Giliander A. Silva. Quando se relaciona a distribuição dos recursos do PROINF com o IDHM e PIB Agrícola dos municípios, se verifica que os cinco que mais recebem estes recursos são os que têm os melhores perfis de IDHM, com 186 destaque para Janaúba. No entanto, apesar deste resultado, quando se analisa a distribuição do crédito relacionada com a população dos municípios atendidos, e esta com a distribuição do PIB agrícola por município, se nota que os municípios mais pobres são relativamente melhor contemplados do que os de maior valor absoluto, exceção para o caso de Janaúba. ( Tabela 20) Tabela 20 Municípios do TCSG – PIB Agrícola, IDH Município PIB do agrícola TCSG 2010 Janaúba IDH 2010 PRONAF % Infraestrutura do Proinf. 2003-2014 por munic. Pop. Rural credito/pop. PIB agric./pop.rural 2010 2010 2010 34.857,67 0,696 1.790.975,93 38,12 6.233 287,34 5,592 Porteirinha 9.497,97 0,651 1.177.563,82 25,06 18.289 64,39 0,519 Catuti 2.022,93 0,621 289.763,88 6,17 2.124 136,42 0,952 Mato Verde 3.491,12 0,662 252.535,38 5,37 3.225 78,31 1,083 Monte Azul Manga Pai Pedro 4.861,45 0,659 211.347,10 4,50 9.576 22,07 0,508 12.224,63 0,642 206.813,51 4,40 5.965 34,67 2,049 3.364,28 0,590 170.305,73 3,62 4.185 40,69 0,804 14.426,84 0,641 144.179,39 3,07 3.329 43,31 4,334 Serranópolis de Minas 1.801,57 0,633 141.200,17 3,01 2.697 52,35 0,668 Espinosa 8.031,14 0,627 75.439,05 1,61 13.090 5,76 0,614 Mamonas 1.713,65 0,618 62.908,57 1,34 3.509 17,93 0,488 Verdelândia 13.930,02 0,584 46.246,47 0,98 3.584 12,90 3,887 Gameleiras 6.725,62 0,650 45.869,44 0,98 3.726 12,31 1,805 Jaíba 55.605,27 0,638 43.140,50 0,92 15.952 2,70 3,486 Matias Cardoso 20.803,30 0,616 40.105,16 0,85 4.843 8,28 4,296 4.124,02 0,627 0,00 0,00 4.861 0,00 4.698.394,10 100 Nova Porteirinha Riacho dos Machados Total - - - - 0,848 - Fonte: IPEADATA, 2010, Atlas do Desenvolvimento Humano, 2013 (PNUD/ONU) e SDT/MDA, 2015(dados fornecidos pelo Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão, em 31/03/2015). Elaborado pela autora. Com base nestes resultados, se verifica que o PROINF tem maior alcance entre os municípios mais carentes de políticas de inserção produtiva, no TCSG, assim considerados como os de menor PIB Agrícola, a exemplo dos municípios de Catuti, Pai Pedro, Serranópolis de Minas, Mamonas. Além disto, quando se compara o PROINF com o PRONAF Crédito, é possível afirmar que os recursos do PROINF alcançam melhor distribuição, em termos de valor relativo e de número de municípios contemplados com este programa. Dessa forma, se compreende que a participação dos sujeitos locais, sobretudo daqueles que representam a pequena agricultura familiar, é de grande importância na construção dos projetos territoriais de inclusão 187 socioprodutiva, podendo fazer à diferença no alcance e no melhor aproveitamento dos recursos dos programas, como é o caso do PTC. 4.6 O Programa de Aquisição de Alimentos – PAA O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) é um dos programas de combate a pobreza, que tem como objetivo fortalecer a agricultura familiar e promover o acesso à alimentação das pessoas em insegurança alimentar. Foi instituído pelo art. 19 da Lei nº 10.696, de 02 de julho de 2003, no âmbito do Programa Fome Zero. Esta Lei foi alterada pela Lei nº 12.512, de 14 de outubro de 2011 e regulamentada por diversos decretos, estando em vigência (2015) o Decreto nº 7.775, de 4 de julho de 2012. O PAA opera com recursos do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS) e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), através da Companhia Nacional de Abastecimento - CONAB. O PAA possui seis tipos de modalidades: Compra com Doação Simultânea, Compra Direta, Apoio à Formação de Estoques, Incentivo à Produção e ao Consumo de Leite, Compra Institucional e Aquisição de Sementes (MDS, 2015). Assim como os demais programas sociais, o PAA faz parte dos programas prioritários dos Territórios da Cidadania, aos quais são destinados os recursos para a compra de alimentos produzidos pela agricultura familiar, e destinados às redes socioassistenciais e rede pública e filantrópica de ensino, através dos asilos, creches, escolas, penitenciárias, etc., sem que seja preciso licitação. A compra com a doação simultânea, na qual o governo federal adquire alimentos de agricultores familiares e doa para famílias em situação de insegurança alimentar e nutricional, tornou-se uma garantia de comercialização de parte da produção desses agricultores. Ela permite que seja comercializada praticamente toda a diversidade produzida pela agricultura familiar, desde produtos in naturadas lavouras, pomares comerciais e domésticos, assim como os processados (massas, rapadurinha, polpa de frutas). Para ter acesso a essa política pública o agricultor deve possuir declaração de aptidão ao Pronaf. O projeto é feito por meio de associação ou 188 cooperativa, que apresenta a proposta à Conab, contendo a relação de beneficiários fornecedores e consumidores, com toda a documentação exigida pela companhia (MDA, 2015). Por ser um programa que envolve vários setores sociais, sua gestão é feita pelo conjunto dos ministérios: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Ministério do Desenvolvimento Agrário; Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;Ministério da Fazenda; e Ministério da Educação. No âmbito municipal o PAA é controlado pelos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural ou de Assistência Social, que também são as instâncias responsáveis pela elaboração dos projetos que definem os agricultores familiares que serão contemplados com os recursos do programa. Neste sentido, chama a atenção para a modalidade do PAA Alimentos compra com doação simultânea, sendo a mais usada nos municípios dos Territórios da Cidadania. No TCSG a distribuição dos recursos do PAA dos últimos quatro anos (2011-2014) ocorreu em torno de poucos municípios, se concentrando nos agricultores familiares dos municípios de Jaíba, e Nova Porteirinha. Os dados da Tabela 21 também apontam que é nos anos de 2011 e 2012 que ocorre o maior número de municípios com agricultores beneficiados pelo programa. Outro aspecto a ser ressaltado é que os agricultores familiares dos municípios de Catuti e Mamonas não foram contemplados em nenhum destes anos. Tabela 21 TCSG - PAA nos Municípios, 2011-2014 Municípios TCSG Anos- PAA modalidade doação simultânea( MDS / CONAB) Jaiba 2011 3.563.370,82 N Porteirunha 1.889.671,41 310.442,52 Porteirinha 1.034.891,07 768.218,96 814.185,74 Espinosa 449.802,90 Manga 256.497,50 R Machado 2012 2013 1.237.322,97 1.701.148,19 2014 1.865.317,78 8.367.159,76 - 389.933,27 2.590.047,20 - - 1.849.076,81 - - 768.218,96 142.962,36 - - 592.765,26 183.461,90 - 114.000,00 553.959,40 - Total Pai Pedro - 528.115,17 - - 528.115,17 Mato Verde - 449.411,67 - - 449.411,67 Janauba - 413.512,18 - - 413.512,18 Serranop. Minas - - - 179.877,45 M Azul - 179.877,45 130.460,61 - - 130.460,61 Verdelandia - - - 121.485,67 Gameleiras - 121.485,67 49.184,50 - - 49.184,50 M Cardoso 44.960,74 - - - 44.960,74 Catuti - - - - Mamonas - - - - Total no ano 8.007.413,40 4.560.422,74 1.701.148,19 - 2.369.251,05 16.638.235,38 Fonte: Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA/CONAB), 2015 (www.conab.br). 189 Todos os recursos do PAA no TCSG são da modalidade doação simultânea, embora o grande número de produtos que compõe a cesta de compras do PAA expresse a diversidade da agricultura local, a maior parte dos gastos foi com produtos in natura, com destaque para os produtos que tradicionalmente fazem parte, da cesta básica e de uso cotidiano da população do TCSG (mandioca, abóbora, batata doce), e também, das frutas que comumente são mais abundantes, pela oferta da fruticultura local (banana, melancia,mamão, limão). Para operacionalizar a modalidade PAA doação simultânea, necessita ao mesmo tempo em que, o governo, compre os produtos dos agricultores familiares, repasse as entidades com população em insegurança alimentar. No caso TCSG, o destino da maior parte das compras do PAA, nos anos de 2011 a 2014, foram para orfanatos, creches e escolas, públicas, e a maior parte, para o Banco de Alimentos de Jaíba52. Quanto ao perfil dos produtores atendidos com os recursos do PAA, no TCSG, 91,96% é de agricultor familiar, seguido de 8,04% de assentados da reforma agrária, com maior participação de ambos, no município de Jaíba. 52 O Programa Municipal de Doação de Alimentos de Jaíba, intitulado Banco de Alimentos, foi criado em 2005, com incentivos do Programa Fome Zero. Opera através da Prefeitura em parceria com a CONAB, com recursos PAA, por meio da compra de alimentos dos produtores rurais, distribuídos aos que estão em insegurança alimentar. Cabe a Prefeitura arrecadar os alimentos nos estabelecimentos rurais, verificando se estão em condições adequadas para consumo, entregando os produtos nas instituições beneficiárias contempladas nos projetos eleitos (www.jaiba.mg.gov.br- 28/10/2014). 190 Quadro 17 TCSG - Principais Produtos comprados pelo PAA no TCSG, 2011-2014 Principais Produtos compra PAA doaçao simultânea % do total dos produtos ABÓBORA/JERIMUM 8,455 CENOURA 5,663 MAMÃO 5,016 BATATA DOCE 4,854 BOLO NÃO ESPECIFICADO 4,773 BETERRABA 4,733 PIMENTÃO NÃO ESPECIFICADO 4,490 MANDIOCA/MACAXEIRA/AIPIM 4,248 PÃO NÃO ESPECIFICADO 4,126 BANANA 4,045 BISCOITO DE GOMA/TAPIOCA 3,762 CEBOLA 3,722 COUVE 3,196 CEBOLINHA 2,549 ALFACE 2,387 COENTRO 2,387 TOMATE 2,306 MELANCIA 2,184 MANGA 2,144 FEIJÃO COMUM/PHASEOLUS VULGARIS 1,699 TEMPERO 1,456 TOMATE CEREJA 1,416 MILHO VERDE ESPIGA 1,375 LIMÃO 1,335 MARACUJÁ 1,294 BATATA BAROA/BATATA SALSA/MANDIOQUINHA 1,214 FEIJÃO CARIOCA 1,173 GOIABA 1,092 PEPINO 1,092 ROSCA 0,890 TAMARINDO 0,809 LARANJA 0,728 SALSÃO 0,728 ARROZ 0,688 DOCE DE MARACUJÁ 0,688 PIMENTÃO VERDE 0,688 MAXIXE 0,607 PÃO DE TRIGO 0,566 ACEROLA 0,526 SALSA 0,526 CAXIXE 0,485 CARNE BOVINA 0,405 CARNE SUÍNA 0,405 FARINHA DE MANDIOCA 0,364 QUIABO 0,364 COLORAU/CORANTE DE URUCUM 0,283 CAJU 0,243 POLPA DE FRUTA NÃO ESPECIFICADA 0,243 ABACATE 0,202 MEL DE ABELHA 0,202 PINHA/FRUTA DO CONDE 0,202 QUEIJO NÃO ESPECIFICADO 0,202 ALHO 0,162 CAJÁ 0,162 FEIJÃO NÃO ESPECIFICADO 0,162 FRANGO/GALINHA VIVO(A) 0,121 FRANGO/GALINHA CAIPIRA ABATIDO(A) 0,081 QUEIJO FRESCAL 0,081 Fonte: MDA/CONAB 2011, 2012,2013,2014 (www.conab.br) 191 60,00 54,02 Gráfico 2 TCSG - Percentual dos Produtores da Agricultura Familiar e Assentados da Reforma Agrária, beneficiados pela venda dos produtos para o PAA doação simultânea, nos Municípios, 2011-2014 Produtor Familiar ( 91,96%) 3,11 2,90 1,17 MONTE AZUL VERDELÂNDIA GAMELEIRAS 6,63 3,41 3,80 MANGA ESPINOSA 4,29 9,82 7,41 SERRANÓPOLIS DE MINAS JANAÚBA PORTEIRINHA 0,00 JAÍBA 10,00 NOVA PORTEIRINHA 10,02 PAI PEDRO 29,53 Assentado da Ref orma Agrária (8,04%) 9,01 10,73 20,00 MATO VERDE 30,00 19,33 40,00 24,81 50,00 Fonte: MDA/CONAB 2011, 2012,2013,2014 (www.conab.br). Elaborado pela autora. Estes dados chamam a atenção e se tornam mais relevantes quando interpretados na perspectiva da concepção do próprio programa, uma vez que faz parte dos objetivos do PAA fortalecer os produtores menos capacitados em ofertar seus produtos pela via do mercado, neste sentido, os dados do Gráfico 4.1 indicam que há distribuição desigual dos recursos do programa, embora sua concentração esteja no perfil dos produtores com maior número de produtores, que é o do produtor familiar (91,96%).Esta crítica ganha reforço quando se relaciona o volume de recursos alcançados pelos assentados da reforma agrária com os municípios que possuem estabelecimentos com títulos de terra da reforma agrária (Gráfico 2), e se verifica que mais da metade destes municípios não tiverem assentados contemplados pelo PAA. Assim, cabe observar que o PAA no TCSG ainda é um programa que merece ser ampliado, mesmo que aqui não se discutam questões como as relativas aovolume dos recursos disponibilizados pelos ministérios para o programa; meios de alcance dos potenciais beneficiários do PAA, bem como a baixa frequência com que foi feita a distribuição dos seus recursos. 192 Gráfico 3 TCSG - Condição do Produtor, com Título da Reforma Agrária ou aguardando titulação, 2006 Mato Verde Mamonas Gameleiras Espinosa Catuti Monte Azul Serranópoli… Nova … Porteirinha Pai Pedro Riacho dos … Matias … Janaúba Manga Verdelândia Jaíba 0 0 0 0 0 1 4 14 23 27 47 Nº de estabelecimento com títulação da reforma agrária ou aguardando titulação,em 2006. 117 136 150 184 797 Fonte: IBGE - Censo Agropecuário, 2006.Elaborado pela autora. Cabe registrar, também, que a maior parte dos beneficiários do PAA, no TCSG está concentrada em poucos municípios, sobremaneira, naqueles em que a agricultura familiar é mais consolidada, como no caso dos municípios com melhor estrutura produtiva e capacidade de organização social, como são Jaíba e Porteirinha. 193 4.7 O Programa Bolsa Família - PBF O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência direta de renda, que faz parte do Sistema Brasileiro de Proteção Social, e foi criado pelo governo federal através da Lei 10.836/2004, com o propósito de beneficiar famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza, que são àquelas consideradas com renda familiar per capita inferior a R$ 77,00. (MDS, 2015) O PBF se originou em decorrência do Programa Fome Zero (PFZ), pela experiência do Programa Nacional de Acesso à Alimentação (PNAA), de 2003, que unificou os programas já existentes:Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio-Gás e Cadastro Único, levando a que o PBF seja operado através de um só cartão de transferência direta, entre os recursos do governo federal e os beneficiários identificados pelo PBF. Os programas sociais de transferência de renda direta surgem no Brasil em 2001, em um momento em que organismos multilateriais, como o BM, divulgam relatórios com dados que apontam o aprofundamento da pobreza e exclusão social nos países considerados em desenvolvimento, bem como indicam a importância de políticas públicas que venham arrefecer as desigualdades sociais e de renda desses países. Por sua vez, esses estudos são acompanhados de uma nova visão do desenvolvimento em que o conceito de pobreza tem caráter multidimensional, ou seja, além da renda, se considera os aspectos relativos ao bem-estar com acesso aos bens e serviços essenciais. Neste sentido, os programas de transferência de renda no Brasil buscam associar seus benefícios condicionando às famílias ao uso dos serviços básicos. No caso do PBF, os principais compromissos que devem ser assumidos pelas famílias beneficiárias são:Na área de saúde, as famílias beneficiárias assumem o compromisso de acompanhar o cartão de vacinação e o crescimento e desenvolvimento das crianças menores de 7 anos. As mulheres na faixa de 14 a 44 anos também devem fazer o acompanhamento e, se gestantes ou nutrizes (lactantes), devem realizar o pré-natal e o acompanhamento da sua saúde e do bebê.Na educação, todas as crianças e 194 adolescentes entre 6 e 15 anos devem estar devidamente matriculados e com frequência escolar mensal mínima de 85% da carga horária. Já os estudantes entre 16 e 17 anos devem ter frequência de, no mínimo, 75%. O PBF, desde a sua implantação, vem ampliando o espectro das famílias que podem ser atendidas por este programa, com os seguintes perfis: famílias em situação de extrema pobreza, com renda per capita de até R$ 70,00 por mês; famílias que são consideradas pobres, renda per capita entre R$ 70,01 e R$ 140,00 por mês; e as que são pobres ou extremamente pobres e tenham em sua composição gestantes, nutrizes, crianças ou adolescentes entre 0 e 17 anos. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS, 2015), mais de 14 milhões de famílias brasileiras são atendidas pelo PBF, programa que é reconhecido como de sucesso por instituições nacionais e internacionais, pelos prêmios recebidos, com destaque para o prêmio da Associação Internacional de Seguridade Social (ISSA), recebido em 2013, e por ter sido indicado como programa modelo, pelo Banco Mundial, em 2012. Apesar da reconhecida importância do PBF, o programa também é alvo de muitas críticas, sobretudo das que fazem o diagnóstico de que a pobreza no Brasil é de causa estrutural, indicando que as políticas sociais devem ser articuladas com as políticas econômicas para poder consolidar as mudanças do quadro social do país, bem como, superar o aspecto assistencialista dos programas de transferência de renda. No entanto, as condicionalidades do próprio programa obrigam a que o poder público oferte mais bens e serviços básicos, requerendo o envolvimento de todas as esferas de poder, mas, sobretudo, do poder municipal por ser o locus principal na oferta desses bens. É na esfera municipal que ocorre o cadastramento dos potenciais beneficiários do PBF, pelo registro no Cadastro Único53, cujo instrumento é 53 O Cadastro Único (CadÚnico) para Programas Sociais do Governo Federal, é um instrumento de coleta e gestão de dados que tem como objetivo identificar todas as famílias de baixa renda existentes no Brasil, registrando informações de famílias com renda familiar per capita de até meio salário mínimo. 195 controlado por Conselho Municipal54, sendo o meio pelo qual o MDS recebe todas as informações dos programas que fazem parte da Rede de Proteção Social do país, de cada município. Nos municípios que fazem parte do Programa Territórios da Cidadania (PTC), as informações e os dados do PBF são fundamentais na orientação das ações governamentais, prioritárias ao Território, uma vez que a universalização do Bolsa Família faz parte da estratégia de promover o desenvolvimento territorial rural sustentável. Segundo o MDS (2013), a partir da base de dados do PBF é possível melhorar a qualidade da oferta e do acesso aos recursos de outros ministérios, daqueles comprometidos em atender a contrapartida das condicionalidades deste programa, à exemplo do que ocorrem nas áreas da educação e da saúde: A reorientação do Programa Mais Educação, pela expansão da oferta de educação em tempo integral nas escolas públicas, este programa passou a dar prioridade para a adesão de escolas com maioria dos alunos beneficiários do PBF. Além disso, o repasse financeiro para alunos em creches foi acrescido de até R$ 1,4 mil/ano caso a criança seja de família beneficiária. Trata-se de um forte mecanismo de indução para abertura de novas vagas e direcionamento das matrículas. Na saúde, várias iniciativas foram derivadas das informações do Bolsa Família, como as que compuseram a ação Brasil Carinhoso, com a distribuição de sulfato ferroso nas unidades básicas de saúde e a suplementação de vitamina A. As iniciativas voltadas para a melhoria de oportunidades de inclusão produtiva das famílias mais pobres também foram fortemente apoiadas, com destaque para o PRONATEC Brasil Sem Miséria, que oferece cursos de formação inicial e continuada para a população de baixa renda. (MDS, 2015) 54 Todo município que aderiu formalmente ao PBF tem uma Instância de Controle Social constituída. O prefeito, ao assinar o Termo de Adesão ao PBF criou um Conselho ou Comitê ou indicou (designou), por meio de decreto ou portaria, algum já existente no município que pudesse assumir o papel de controle social do PBF (MDS,2015). 196 No âmbito do PTC, a incidência do Bolsa Família é maior do que a dos demais programas sociais, e ainda se sobressaí dentre os programas de apoio às atividades produtivas. (CAZELLA; ZIMMERMANN; LEITE, 2013) Dessa forma, se delega ao PBF papel substantivo na contribuição da qualidade de vida dos municípios que compõem o PTC, inclusive, podendo ser relacionado com às mudanças de patamar do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) da maioria dos municípios brasileiros. Segundo relatório da ONU (2008), o PBF contribuiu com 20% a 25% da redução da desigualdade no Brasil. No caso do TCSG, as informações registradas na Tabela 22, com o número de famílias atendidas pelo PBF e a população residente correspondente, permite que se tenha uma noção da proporção de famílias atendidas pelo PBF, em cada município. Para isto foi considerando que uma família tenha, em média, quatro pessoas55. Desta forma, se indica que a maior parte das famílias do TCSG é beneficiária do PBF, resultado que pode ser comparado com a média da região Nordeste (51,2%), pelo conjunto das características dos municípios do TCSG, e com a média da região Sudeste (25,0%), região administrativa a que pertencem os municípios do TCSG. (Matriz de Informação Social do MDS, 2014). Com isso, se pode constatar que os municípios com maior número de famílias pobres, Catuti (68,25%), Manga (58,71%), Mato Verde (57,24%) e Porteirinha (56,58%), se destacam por ficarem bem acima da média dos demais municípios do TCSG e da média da região Nordeste, e que apenas Matias Cardoso (41,06%) e Janaúba (42,63%) ficam mais abaixo desta média. 55 De acordo com o Censo Demográfico 2010, cada lar brasileiro contava, em média, com 3,3 moradores, e em 2000 esse número era um pouco maior: 3,8 moradores. (www.censo2010.ibge.gov.br/painel) 197 Tabela 22 TCSG - População Residente (estimada), Beneficiários do PBF (%) de Famílias Atendidas e Número de Famílias Cadastradas no CadÚnico, 2014 e 2015 População Municípios do TCSG Nº bolsa família estimada em 2014 Pop. CadÙnico (IBGE Cidades) 2015 Estimativa do % famílias em 05/2015 Nº de famílias (MDS) em 2014 com Bolsa Família CATUTI 5.187 1.565 885 1.297 68,25 MANGA 19.757 5.324 2.900 4.939 58,71 MATO VERDE 12.921 3.446 1.849 3.230 57,24 PORTEIRINHA 38.709 10.027 5.475 9.677 56,58 MAMONAS 6.573 1.922 906 1.643 55,13 RIACHO DOS MACHADOS 9.650 2.425 1.307 2.413 54,18 ESPINOSA 32.117 7.609 4.342 8.029 54,08 PAI PEDRO 6.150 1.626 821 1.538 53,40 GAMELEIRAS 5.259 1.676 700 1.315 53,24 NOVA PORTEIRINHA 7.630 1.890 986 1.908 51,69 SERRANOPOLIS DE MINAS 4.682 1.133 588 1.171 50,23 MONTE AZUL 22.102 5.048 2.749 5.526 49,75 VERDELANDIA 8.967 2.041 1.106 2.242 49,34 JAIBA 36.586 9.603 4.485 9.147 49,04 JANAUBA 70.472 15.578 7.511 17.618 42,63 MATIAS CARDOSO 10.717 1.990 1.100 2.679 41,06 Fonte IBGECidades, 2014 e MDS,2015. Elaborado pela auotra. A pobreza da maior parte das famílias do TCSG indica a importância dos programas sociais de combate as carências básicas. No caso do PBF, se pode inferir que a transferência de renda decorrente deste programa contribuiu na qualidade dos indicadores municipais de educação, saúde e renda, constatados pela evolução do IDHM entre as décadas de 2000 e 2010. Os resultados comparados dos IDHMs de 2000 e 2010 demonstram evolução positiva do IDHM de todos os municípios do TCSG. Quando observado o comportamento dos indicadores que compõem este índice,se verifica que, dentre eles, a maior mudança está relacionada à Educação, dando mais sentido à relação que se faz entre o PBF e a melhoria das condições de vida da população do TCSG. No entanto, ao comparar os dados do número de famílias atendidas pelo PBF com as que estão cadastradas no CadÚnico, sistema que registra o número de famílias usuárias da Rede de Proteção Social, é possível notar que a quantidade de famílias dependentes dos programas sociais,no TCSG, é bem 198 maior do que as inscritas no PBF, o que não impede que as famílias beneficiárias deste programa participem de outros programas do governo,e vice-versa, mas demonstra que as condições de pobreza ainda podem ser maior do que o que expressam os números do PBF neste Território. (Tabela 22) Tabela 23 Municípios do TCSG - Índice de Desenvolvimento Humano e outros Indicadores Municipais, 2000-2010 2000 Município IDHM TCSG IDHM 2010 IDHM Esperança Educação de vida nascer IDHM IDHM renda IDHM IDHM Esperança Educação de vida nascer IDHM renda Janaúba 0,580 0,450 0,743 0,585 0,696 0,649 0,796 0,654 Mato Verde 0,505 0,339 0,717 0,531 0,662 0,610 0,789 0,604 Monte Azul 0,505 0,363 0,715 0,497 0,659 0,578 0,811 0,611 Porteirinha 0,482 0,310 0,698 0,519 0,651 0,585 0,796 0,593 Gameleiras 0,461 0,310 0,715 0,441 0,650 0,618 0,796 0,559 Manga 0,493 0,290 0,698 0,593 0,642 0,530 0,799 0,624 Nova Porteirinha 0,518 0,358 0,715 0,544 0,641 0,556 0,811 0,584 Jaíba 0,467 0,269 0,698 0,541 0,638 0,531 0,789 0,619 Serranópolis de Minas 0,440 0,233 0,717 0,509 0,633 0,539 0,773 0,608 Riacho dos Machados 0,436 0,255 0,715 0,455 0,627 0,547 0,808 0,557 Espinosa 0,493 0,324 0,698 0,530 0,627 0,526 0,804 0,582 Catuti 0,413 0,241 0,671 0,437 0,621 0,549 0,773 0,563 Mamonas 0,440 0,247 0,689 0,501 0,618 0,537 0,779 0,565 Matias Cardoso 0,429 0,249 0,715 0,445 0,616 0,501 0,799 0,584 Pai Pedro 0,408 0,219 0,666 0,465 0,590 0,520 0,760 0,520 Verdelândia 0,358 0,151 0,697 0,435 0,584 0,462 0,797 0,542 Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2013 (PNUD/ONU). Elaborado pela autora. No quadro das carências que denotam a necessidade das políticas públicas de combate à pobreza, contribuem os dados do Atlas de Desenvolvimento Humano de 2013 (Tabela 23), porque apontam significativas discrepâncias da renda e do acesso à bens básicos entre a população do TCSG, no ano de 2010. Estes dados trazem informações sobre a categoria de pessoas que vivem em domicílios permanentes, nos municípios do TCSG, revelando que a maior parte das pessoas recebe renda de até R$ 140,00, e que o município de Pai Pedro, tem mais de 90% de pessoas com esta condição de renda. Em Pai Pedro, Catuti e Gameleiras, também chama atenção a falta 199 da coleta de lixo direta no domicilio, e ainda, a precariedade dos domicílios no acesso à energia elétrica e água ( Tabela 24). Por outro lado, é importante observar que nos municípios onde a condição da renda é melhor, também é maior o acesso dos domicílios ao conjunto dos serviços e bens públicos, como são os casos dos municípios de Jaíba, Janaúba. Tabela 24 Municípios do TCSG - Renda Per capita e Serviços Básicos % das pessoas Municípios do TCSG % de pessoas em domicílios % das pessoas que vivem % renda percapita que vivem até R$ 140,00 com abastecimento em domicílio urbano em domicílios de água e esgoto com serviço de coleta de lixo com energia elétrica inadequados Pai Pedro 92,08 22,26 51,15 0,00 Serranópolis de Minas 88,00 35,50 38,09 3,40 Catuti 85,70 43,16 15,78 0,00 Gameleiras 84,99 39,54 15,59 0,00 Mamonas 84,98 26,50 16,96 27,93 Verdelândia 83,53 56,74 14,97 14,71 Matias Cardoso 81,06 31,40 48,31 50,80 Riacho dos Machados 79,79 28,70 6,11 16,57 Porteirinha 76,24 46,79 42,09 37,94 Nova Porteirinha 73,32 81,13 23,68 60,29 Monte Azul 73,31 64,20 19,60 68,89 Espinosa 71,89 56,43 31,82 28,92 Manga 70,74 58,88 21,77 32,25 Mato Verde 70,46 67,26 19,79 51,63 Jaíba 67,63 66,75 31,17 83,29 Janaúba 61,52 83,22 7,24 61,79 Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano, 2013 (PNUD/ONU). Elaborado pela autora. Enfim, a realidade das condições de vida da população do TCSG, demonstra a relevância das políticas sociais no combate às desigualdades, sobretudo quanto ao PBF no TCSG, uma vez que este programa atende um grande número de famílias beneficiárias, seja através da complementação da renda, pelo valor recebido do Bolsa Família, ou pelo maior acesso à educação e saúde e, assim, contribuindo para a melhoria de vida da população mais pobre. De outra parte, mediante as informações e registros aqui levantados, é possível dizer que estas melhorias devam estar acompanhadas por políticas de promoção de renda, daquelas que permitem maior inclusão produtiva, e que 200 foram denotados nos exemplos dos municípios onde a atividade produtiva é mais consolidada, como nos perfis dos indicadores dos municípios de Jaíba, Janáuba, Porteirinha, Matias Cardoso, Monte Azul, Espinosa, sendo o caminho para o alcance ao desenvolvimento territorial sustentável, dos espaços escolhidos para este fim. 201 4.8 Gestão e Representação no TCSG A partir da pesquisa de campo, também foi possível relatar o atual momento do PTC no Território da Cidadania Serra Geral. Com base em entrevistas realizadas com os coordenadores e membros do Colegiado Territorial, se buscou melhor conhecer o programa, bem como colher informações quanto ao seu funcionamento e quais são os resultados já alcançados, segundo suas avaliações. Antes, porém, cabe ressaltar que o propósito da pesquisa de campo era o de ter acesso ao maior número possível de integrantes do Colegiado Territorial do TCSG e, por conta disso, foi agendada visita junto ao coordenador do colegiado, de acordo com calendário previsto para realização da plenária territorial, indicada para cinco de março de 2015. No entanto, tal evento não se realizou, comprometendo o número de entrevistas tal como pretendido, posto que ficaram limitadas aos principais dirigentes do Colegiado Territorial e alguns dos seus membros. Mesmo assim, os relatos colhidos nas entrevistas foram de grande importância para melhor compreender a realidade do TCSG. Uma das questões que mais chama a atenção é que o recorte territorial da política do PTC é feito com base nos resultados de indicadores socioeconômicos que identificam municípios mais pobres, aqueles considerados como os mais necessitados de políticas públicas de inclusão socioprodutiva. Neste sentido, se percebe que,no TCSG, é que as diferenças entre os dezesseis municípios que o conformam é mais intensa do que apresentam os indicadores, denotadas pelas estruturas produtivas com distintas capacidades de adensamento produtivo e de articulação de interesses, que vão desde a agricultura familiar tradicional, agricultura familiar consolidada até a agricultura do agronegócio. Neste contexto, se observa que a articulação dos interesses dos pequenos agricultores fica circunscrita ao local, com pouca capacidade de fortalecimento pelo baixo grau de adensamento de sua estrutura de produção e 202 pelas limitações impostas à natureza do seu capital social, enquanto as atividades do agronegócio, sendo conformadas em cadeias produtivas, permitem a verticalização na representação de interesses, se articulando desde o local até demais esferas de poder e de representações de classes. Assim, foi possível verificar, pelas informações das atas das Plenárias do TCSG e pelo relato do coordenador do TCSG, que: à participação dos representantes das atividades do agronegócio, comumente ficam circunscritas às questões sobre legalização ambiental e uso e posse dos recursos naturais; que a maior parte de suas demandas é atendida diretamente por outros canais de negociação e por programas mais robustos (destacado no capítulo 3, sobre os apoios ao APL de Fruticultura). Desta forma, ficam comprometidas as experiências e trocas de informações, que seriam importantes para fortalecer os instrumentos de captação dos recursos direcionados ao TCSG, das instâncias consultivas e deliberativas do Colegiado Territorial, bem como, a baixa interface criada entre os diferentes perfis produtivos. Pela sua importância, a questão da paridade das participações no Colegiado Territorial do TCSG merece um registro especial. A Figura 4.1permite compreender a estrutura de gestão do programa desde a instância de gestão nacional até a gestão territorial, com o que se pode conhecer as funções e a formação das representações de cada uma delas. Na instância do Colegiado Territorial, cuja estrutura está descrita na Figura 5, a indicação é de que deve ser formado com participações paritárias dos poderes públicos e sociedade civil. Registre-se, porém, que a composição das instâncias que elegem as questões que são indicadas para votação na Plenária do Colegiado tem maior representação do poder público local, informação que também se confirma pelos estudos de Barbosa et al. (2013) e Cazella et al. (2013) e nos registros da ata da Plenária (Ata 3, Anexo 5) para a votação da renovação do Colegiado Territorial do TCSG. 203 Figura 5 Estrutura do Colegiado Territorial do PTC Fonte: BARBOSA (2013) e CAZELLA, ZIMMERMANN e LEITE (2013). Elaborado pela autora. 204 Figura 6 Estrutura de Gestão do PTC ESTRUTURA DE GESTÃO DO PROGRAMA TERRITÓRIOS DA CIDADANIA (PTC) Comitê Gestor Nacional Formação Congrega todos os ministérios que participam do PTC Função: Aprovar diretrizes; organizar as ações e avaliar o desempenho do programa PTC Comitê de Articulação Estadual Formação Representantes de órgãos: federais, estaduais e municipais Função: Auxiliar na organização do território; promover articulação e integração de políticas públicas; acompanhar a execução das ações do PTC. Formação Colegiados Territoriais Composição paritária: representantes governamentais e da sociedade civil Função : Identificar demandas locais ; divulgar as ações do programa; promover a interação entre os gestores públicos e conselhos setoriais; Sistematizar as contribuições para o Plano Territorial de Ações Integradas e exercer o controle social do programa. Fonte : Adaptado de Cazella, Zimermman e Leite,2013. 205 Barbosa et al. (2013), ao examinarem os dados de 2012 da SDT/MDA, apontam a relação entre representantes do poder público na composição das instâncias de gestão do Colegiado do TCSG: a) a Plenária é composta por 42,62% de representantes do poder público e 37,7% de representantes da sociedade civil; b) o Núcleo Diretivo é composto por 40% de representantes do poder público e40% de representantes da sociedade civil. c) o Núcleo Técnico é composto por 61% de representantes do poder público e31% de representantes da sociedade civil. Concluindo que: A representação do poder público é majoritária nas instâncias Plenária e Núcleo Técnico, sendo equilibrada apenas no Núcleo Diretivo. Entretanto, é preciso considerar que a representação indireta do poder público pode ocorrer por meio dos conselhos, por exemplo, o Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDRS). É comum no Brasil que a direção do CMDRS (e de outros conselhos municipais) seja ocupada por um representante da prefeitura municipal, e que o dirigente do conselho seja o seu represente em espaços de gestão política. Em outras palavras, é possível que o peso do poder público na gestão territorial seja ainda maior (BARBOSA; ZIMMERMANN; TECCHIO, 2013, p.189). Essas informações parecem permanecer até recentemente. Segundo os dados da Plenária de setembro de 2013, a eleição para recomposição do Colegiado Territorial apresentou o Núcleo Técnico composto de cinco representantes de prefeituras (Verdelândia, Pai Pedro, Manga, Serranópolis de Minas, Mamonas) um representante da Unimontes, um representante da EMATER e um representante da Associação de quilombolas (Ata da Plenária Territorial do TCSG, 12/09/2013, Anexo 5) - embora os dados sobre gestão dos Territórios do PTC (MDA, 2015) registrem paridade das participações em todas as instâncias do Colegiado Territorial do TCSG. (Quadro 18) Feitos os esclarecimentos sobre a conformação das instâncias de gestão do PTC e a crítica quanto às questões pertinentes a forma de representação e da composição do colegiado do TCSG, cabe dar registro a importância do próprio programa PTC, aqui reveladas nas ações que foram elencadas na Matriz de Ações Territoriais. A Matriz de Ações permite que os integrantes do colegiado territorial iniciem um debate acerca das ações e demandas prioritárias. É por 206 iniciativa desse fórum que se almeja a formulação de uma agenda de articulação entre o colegiado territorial e as instâncias governamentais para o atendimento de necessidades específicas, a exemplo de contrapartidas a projetos das administrações municipais. (CAZELLA; ZIMMERMANN; LEITE, 2013, p.78) Quadro 18 TCSG - Dados Básicos sobre o Colegiado Territorial Dados Basicos 47 Serra Geral MG 3135100 Janaúba Av. Reinaldo Viana, n° 2630 Bairro Santa Centro 39.440-000 (38) 3821-2756 (38) 9938-7620 (38) 9102-9620 [email protected] (38) 3821-2756 (38) 9938-7620 (38) 9102-9620 [email protected] Armário, Arquivo p/ pasta suspensa, Automóvel, Cadeiras, Computador, Data show , Fone/Fax, Impressora, Mesa p/ reunião Institucionalidade N N Bimestral S S S 05/2005 Composição do Colegiado Agricultura, Agricultura, Agricultura, Agricultura, Agricultura Plenária Núcleo Diretivo Núcleo Técnico Plenária Nº de Entidades % Nº de Entidades % Nº de Entidades % Conselhos 12 19,67 1 20,00 1 7,69 Poder Público Estadual 9 14,75 1 20,00 5 38,46 Poder Público Federal 3 4,92 0 0,00 0 0,00 Poder Público Municipal 14 22,95 1 20,00 3 23,08 Sociedade Civil 23 37,70 2 40,00 4 30,77 TOTAL 61 - 5 - 13 - A Plenária contém 26 (42.62%) Entidades representando o Poder Público e 35 (57.38%) representando a Sociedade Civil. Página 1 de 1 cr_r1 Fonte: Base de dados dos Colegiados em Rede, SDT/MDA,2015 A despeito das questões apontadas por esta pesquisa, quanto à diversidade de modos de vida contidas no TCSG, bem como a grande disparidade das capacidades de reprodução socioeconômicas de sua população, e a relativamente baixa capacidade das políticas públicas alcançarem estas realidades, por meio dos atuais instrumentos de promoção ao desenvolvimento territorial, sobretudo dos que são usados a partir das políticas de Territórios, não se exclui o reconhecimento e valorização do PTC. O conjunto de dados registrados na Matriz de Ações de 2013 (Tabela 25),é indicativo da importância do programa para os municípios que compõem o TCSG. Mesmo que os dados se refiram apenas a um só ano, é possível perceber que o programa aglutina várias ações e de vários ministérios, embora 207 este seja um ponto de crítica por parte dos que enxergam ser problemática a fragmentação das ações por ministérios, da forma como é feito, sem que haja combinações sobre os pontos que devem ser alvos prioritários das ações. Quanto a Matriz de Ações, é um instrumento que é elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, e que condensa as informações de todos os ministérios envolvidos e das ações previstas para o desenvolvimento territorial, do ano de referência. É a partir da Matriz de Ações que os Colegiados Territoriais decidem propostas que devem ser encaminhadas as instâncias correspondentes. No caso do TCSG, é possível verificar na Matriz das Ações de 2013 que a maior parte das ações propostas (51%), foram encaminhadas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, e que delas, a maior parte (79%) está prevista para projetos de infraestrutura, através do PROINF para a aquisição de máquina e equipamentos. Em seguida, estão as ações do Ministério do Desenvolvimento Social (18,67%) com quase todo o recurso previsto, estando concentrado no PAA (90%), programa que também fez parte das análises desta pesquisa, e assim como o PROINF coube ser detalhado através de dados específicos por municípios contemplados. Quanto às avaliações feitas por coordenadores do atual Colegiado Territorial, e de alguns representantes da sociedade civil e pública municipal, sobre o funcionamento do PTC, nos âmbitos aqui levantados, cabem os seguintes registros: de maneira geral, foi comum a todos avaliarem positivamente o PTC no Território Serra Geral, primeiramente porque consideram uma instância de práticas democráticas, no sentido de aglutinar pessoas de vários lugares, com interesses diversos, que são atraídas pelo fato de se sentirem à vontade para conhecer, discutir e opinar sobre os assuntos tratados no âmbito das plenárias territoriais. Fazendo ressalvas de que, a maioria das pessoas que participam das plenárias faz parte do Colegiado Territorial, mas, ainda registram que essas pessoas comumente vão acompanhadas de outras, e assim, também, se multiplicam as informações e assuntos debatidos, e que é de interesse da população em geral. É comum entre os entrevistados avaliarem que, a partir dos programas Territórios Rurais e Territórios da Cidadania, se abriram vários canais de 208 interlocução, fundamentalmente entre os representantes do Colegiado Territorial e as instâncias públicas de pesquisa, ensino e extensão, sobremaneira, da Unimontes. Destacam que esta interlocução fez melhorar o capital social do TCSG, através do conhecimento que estas instituições proporcionam, promovendo trocas de informações e capacitando pessoas. Neste sentido, avaliam que a atuação dos representantes da sociedade civil, por meio dos sindicatos e associações de classe e das representações das comunidades locais, os torna mais “politizados”, termo usado no sentido de que podem melhor alcançar as ações dos programas sociais e de renda. Quanto à participação da sociedade civil, durante a pesquisa de campo foi possível presenciar o grande envolvimento das comunidades rurais nas atividades que envolvem logísticas, de lugar para a realização de eventos e divulgação e operacionalização de cursos, ocorrendo por meio de mutirões. Neste sentido, acompanhamos a reunião para organizar as comemorações do dia da Mulher, ocasião em que pudemos registrar a importância conferida a data por parte de todos os que estavam presentes, bem como, a atuação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porteirinha, considerado pelos representantes locais como o mais atuante dentre os demais sindicatos do TCSG. Com relação às críticas, estas se dividiram entre os que fazem parte da coordenação do Colegiado Territorial e os representantes da sociedade civil, daqueles que compõem este colegiado. Dos representantes da sociedade civil, todos são agricultores, sendo três de Porteirinha e que residem na área rural, e um de Janaúba, que reside na cidade, tem roça mais não depende, exclusivamente da produção rural para sobreviver. Para eles, a maior crítica, é que nos últimos dois anos o programa TC no TCSG, vem sendo deixado de lado, por parte dos gestores federais, revelado pelo baixo grau de participação e pelas mudanças dos gestores do programa, dificultando os devidos esclarecimentos e orientações que deveriam ser levados ao Colegiado Territorial do TCSG. Por parte do Núcleo Dirigente, as principais críticas atingem os dois eixos mais importantes do programa, o primeiro deles, é a limitação do programa quanto aouso e apropriação dos bens adquiridos por meio do PTC, 209 através do PROINF, uma vez que ficam sob guarda das prefeituras dos municípios do TCSG. Este fato impede a socialização e o uso democrático dos equipamentos adquiridos, e desta forma, ocorre o beneficiamento de poucos produtores rurais, se comparado ao volume de produtores que necessitam fazer uso desses bens. Assim, se um dos eixos do programa tem por objetivo descentralizar os recursos e o acesso à bens e serviços para o alcance do maior número de pessoas, sobretudo das que mais necessitam das políticas públicas de combate a desigualdade socioeconômica, esta ação não está sendo executada da forma como os recursos foram decididos no Colegiado Territorial, no TCSG. E a segunda crítica, que completa a primeira, foi dirigida ao fato de que o PROINF é o único programa em que os recursos são discutidos e definidos no âmbito do Território, desta forma, para os demais recursos que não são previstos por este programa, mas que, chegam ao Território por meio de outros programas, como são os casos do PRONAF Crédito, PAA e PBF, dentre outros, não cabe nenhum tipo de decisão ou mesmo de orientação, por parte do Colegiado Territorial. Assim, concluem que, a ideia de desenvolvimento através da gestão conjunta, que favorece o fortalecimento dos espaços mais necessitados de políticas públicas, é bastante limitadora, dando relativa dimensão do discurso top-down e botton-up. Por fim, cabem algumas observações quanto aos dados da Matriz de Ações do TCSG, de 2013, data da última referência que consta no portal do Programa Territórios da Cidadania. Pela Matriz de Ações, foi possível calcular as participações dos ministérios envolvidos nos programas de Desenvolvimento Territorial, com base no volume de recursos previstos em seus orçamentos, bem como, a distribuição destes recursos, por tipo de ação. Assim, o resultado desta análise permitiu apontar que os maiores volumes de recurso são provenientes do Ministério do Desenvolvimento Agrário (51,17%) e que estão concentrando na ação, Compra e Aquisição de Máquinas e Equipamentos (79,97%) derivada do programa PROINF. 210 Em segundo lugar, o Ministério do Desenvolvimento Social (18,67%), com recursos quase todos direcionado para o PAA (90,61%), destacado como um dos eixos do Plano Brasil sem Miséria. Na sequência estão as demais participações: Ministério da Saúde (14,81%) com recursos concentrados em programas de saneamento e acesso a água (96,45%); Ministério da Educação (14,10%), com maior parte dos recursos divididos entre os programas Proinfância (52,59%) e Mais Educação no Campo (34,42%); Ministério da Integração Nacional (1,12%), com a maior parte dos recursos previstos para a Organização Sustentável da Produção (84,00%), e por último, Ministério das Comunicações (0,12%) com todos os recursos previstos para Ampliação e Manutenção de Conexão à internet, do programa Inclusão Digital. Embora estes resultados se refiram apenas ao ano de 2013, se revelam importantes porque apontam que a maior parte das ações do MDA, são direcionadas ao melhoramento da estrutura produtiva do TCSG, seja através da aquisição de máquinas e equipamentos utilizados no ambiente da produção, ou na aquisição de máquinas e equipamento para construção e melhoramento de estradas vicinais. E ainda, pelos recursos previstos com assistência técnica e capacitação das famílias rurais, assentados e quilombolas; dos que estão previstos para aquisição de imóveis rurais e melhorias, do Programa Fundo de Terras, e dos recursos para instalação das famílias nos assentamentos que são regulamentados pelo INCRA. 211 Tabela 25 TCSG - Matriz das Ações Territoriais e Respectivos Valores Previstos, 2013 Valor Previsto % de participação em relaçao (R$) ao total e subtotais % do total dos % do total recursos por Minist.por ação no Minist. Min. da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA 0,00 Desenvolvimento da Agricultura Orgânica - PRÓ-ORGÂNICO (8606) 0,00 Organização Sustentável da Produção 0,00 Min. da Educação - MEC 6.275.445,00 14,10 Apoio à Formação Profissional e Tecnológica - Pronatec Campo (20RW) 0,00 0,00 Computador Interativo 495.000,00 7,89 Construção de Escolas no Campo 0,00 0,00 Educação e Cultura 0,00 0,00 Laboratórios de Informática para as Escolas no Campo 9.420,00 0,15 Programa Laptop Educacional para as Escolas no Campo 311.025,00 4,96 Programa Mais Educação Campo 2.160.000,00 34,42 ProInfância 3.300.000,00 52,59 Min. da Integração Nacional - MI 500.000,00 1,12 Capacitação e Monitoramento da Juventude Rural (Projeto Amanhã) - Plano Brasil sem Miséria (4786) 80.000,00 16,00 Organização Sustentável da Produção 420.000,00 84,00 Provimento de Infraestrutura Produtiva para Arranjos Produtivos Locais - APLs - Plano Brasil sem Miséria (20N7)0,00 0,00 Min. da Saúde - MS 6.588.798,31 14,81 Ampliação da Resolutividade da Saúde Bucal na Atenção Básica e Especializada (8730) 0,00 0,00 Incentivo Financeiro aos Entes Federados em Vigilância em Saúde (20YK) 233.642,06 3,55 Saúde, Saneamento e Acesso à Água 6.355.156,25 96,45 Vacinas para Prevenção e Controle de Doenças (20YE) 0,00 0,00 Min. das Comunicações - MC 52.789,39 0,12 Ampliação e Manutenção de Conexão à Internet para Inclusão Digital (2184) 52.789,39 100,00 Min. do Desenvolvimento Agrário - MDA 22.768.833,57 51,17 Apoio a Projetos de Infraestrutura e Serviços em Territórios Rurais (8991) 550.000,00 2,42 Apoio ao Planejamento e à Gestão Social com Perspectiva de Gênero no Desenvolvimento Territorial Rural10.000,00 (20T0) 0,04 Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar - PAA (2B81) 376.673,87 1,65 Aquisição de Máquinas e Equipamentos para Municípios com até 50.000 habitantes (12NR) 18.207.109,79 79,97 Assistência Técnica e Extensão Rural para a Reforma Agrária (210S) 294.157,29 1,29 Assistência Técnica e Extensão Rural para Comunidades Quilombolas (8358) 0,00 0,00 Assistência Técnica Especializada para Mulheres Rurais (8332) 41.666,66 0,18 Capacitação de Agentes de Desenvolvimento (6466) 177.243,75 0,78 Concessão de Crédito para Aquisição de Imóveis Rurais e Investimentos Básicos Fundo de Terras (0061) 389.873,17 1,71 Concessão de Crédito-Instalação às Famílias de Assentados (0427S) 2.186.085,06 9,60 Disponibilização de Insumos para a Agricultura Familiar (4266) 58.333,33 0,26 Documentação da Trabalhadora Rural (8402) 311.550,15 1,37 Fomento à Estruturação e Consolidação de Redes Sócio-Produtivas da Agricultura Familiar no Âmbito dos80.000,00 Territórios Rurais (8394) 0,35 Fomento à Participação da Agricultura Familiar nas Cadeias de Energias Renováveis (2B54) 13.445,04 0,06 Implantação de Bibliotecas Rurais - Arca das Letras (2C72) 0,00 0,00 Educação e Cultura 0,00 0,00 Implantação e Recuperação de Infraestrutura Básica em Projetos de Assentamento (211A - 0008) 72.695,46 0,32 Min. do Desenvolvimento Social - MDS 8.309.254,27 18,67 Acesso à Água para a Produção de Alimentos - Plano Brasil sem Miséria (8948) 0,00 0,00 Infra-estrutura 0,00 0,00 Aquisição de Alimentos Provenientes da Agricultura Familiar - Plano Brasil sem Miséria (2798) 7.529.254,27 90,61 Proteção Social para Crianças e Adolescentes Identificadas em Situação de Traballho Infantil - Plano Brasil 780.000,00 sem Miséria (2060) 9,39 Presidência da República - SPM 0,00 0,00 Aquisição de Unidades Móveis de Acolhimento às Mulheres do Campo e da Floresta (210B) 0,00 0,00 Ministérios e respectivas linhas de ação Direitos e Desenvolvimento Social Total geral 0,00 44.495.120,54 100,00 Fonte: Autora, Elaborado da Matriz de Ações 2013, (www.territóriosdacidadania.gov.br) 0,00 0,00 212 O conjunto dos dados até aqui apresentados indica o fortalecimento da atual estrutura produtiva prioritariamente pelas atividades agrícolas. Pode-se dizer que a expansão da agricultura comercial não retirou de Serra Geral a importância da agricultura familiar, representada pelos agricultores que se integram às novas atividades produtivas que surgem no local; dos que se mantêm nas atividades agropecuárias dos produtos da cesta básica alimentar (milho, feijão,farinha, leite etc.); dos que se dedicam à outras atividades no meio rural (turismo, artesanato); formando um mosaico de diferentes perfis, dos mais integrados ao sistema capitalista aos que mantêm práticas tradicionais de se relacionar com o campo, e não modificam suas estratégias de produção e reprodução de vida. Neste contexto, fica clara a importância social e econômica da agricultura de base familiar no desenvolvimento territorial local, bem como, de sua participação nas políticas públicas voltadas a este segmento. No entanto, a diversidade de situações existentes dificulta o enquadramento das diferentes identidades de agricultor familiar no escopo das políticas públicas, uma vez que parte deles demanda ser reconhecido por suas especificidades, como é o exemplo da população quilombola. E isso envolve uma flexibilização da categoria agricultor familiar, de forma que não se reduza seu sentido e ela possa abranger formas de uso coletivo do solo distintas do modelo produtivo. (MEDEIROS e DIAS, 2011, p.219) Com efeito, concordamos com Rodrigues (1998), em sua avaliação de que as faltas de assistência técnica e de créditos subsidiados comprometem a produtividade e são os fatores determinantes para a baixa capacidade dos pequenos agricultores se organizarem e se fortalecerem por meio de cooperativas, fatores que também determinam a expulsão dos que não possuem título de propriedade da terra. De outra parte, como bem assinala Cleps Jr. (2008), enquanto o agronegócio segue se territorializando pela atividade de fruticultura irrigada, a agricultura familiar e camponesa parece perder os melhores espaços de produção e de uso da terra. 213 CONSIDERAÇÕES FINAIS Em um esforço para compreender as transformações ocorridas no Norte de Minas Gerais (NM), nesta tese nos propusemos a analisar os processos sob os quais as ações governamentais buscam, ao longo do tempo, enfrentar os persistentes problemas relativos ao desenvolvimento dessa região. Argumentamos que a persistência de grandes diferenças no crescimento econômico e na distribuição de riqueza entre as regiões brasileiras, como de resto no NM, podem ser atribuídas à descontinuidade do modelo de desenvolvimento adotado no País nos últimos cinquenta anos, e que atualmente pretendem ser revertidas pelo novo enfoque no âmbito das políticas públicas, que é o de mobilizar as potencialidades locais e regionais com vistas a um desenvolvimento territorial menos desigual. Discorremos, inicialmente, sobre os momentos considerados os mais importantes e de atuação mais vigorosa do Estado brasileiro sobre a problemática do desenvolvimento: o que remete às ideias desenvolvimentistas de crescimento econômico pela via da industrialização, cujo contexto histórico se inicia na década de 1930 e vai até a década de 1980; e o que se inicia nos anos 2000, pela abordagem do desenvolvimento territorial, diferenciada pela ideia de descentralização do planejamento por meio de menor escala de decisão das ações que estimulem o desenvolvimento autônomo dos espaços social e economicamente mais atrasados. Foi a partir dessas duas dimensões do desenvolvimento brasileiro que nesta tese foram analisadas as transformações ocorridas no NM. O estudo que realizamos acerca das categorias região e território como categorias fundantes para a análise mostrou-se relevante para compreender as transformações socioespaciais decorrentes da Política de Desenvolvimento Regional, das décadas de 1970 e 1980, no NM; e da Política de Desenvolvimento Territorial Rural, iniciada na década de 2000, nos municípios que conformam o Território da Cidadania Serra Geral (TCSG). 214 Pudemos observar que as ações estruturantes decorrentes da política de desenvolvimento regional foram fundamentais para desencadear o processo de desenvolvimento do NM, sobretudo as que permitiram a instalação dos polos de irrigação de Jaíba e Janaúba. Desta forma, essa região passou a se incorporar à dinâmica socioespacial do capitalismo brasileiro como um dos espaços de reprodução do capital agrário, principalmente pela atividade de fruticultura irrigada. Mas foi possível observar, também e no entanto, que ao lado dos avanços derivados das políticas regionais, persistiam no NM os problemas das desigualdades sociais e econômicas:dificuldade de acesso à terra e água para produzir; precárias oferta e qualidade dos bens básicos etc. Situação que não foge do contexto nacional quanto aos resultados desse tipo de política, pelo tratamento do rural limitado à uma função econômico-produtivista. No intuito de verificar as contribuições decorrentes da nova estratégia de Desenvolvimento Territorial, que prioriza as regiões de baixo grau de desenvolvimento, como é o caso do NM, analisamos o alcance das políticas públicas de promoção à inclusão socioprodutiva, que chegam nesta região por meio do Programa Territórios da Cidadania. Por meio do estudo do Território da Cidadania Serra Geral foi possível compreender e avaliar os limites e avanços das ações governamentais quanto a capacidade de alavancar o desenvolvimento, diminuindo as desigualdades socioeconômicas constatadas nas diferenças dos indicadores sociais e de renda dos dezesseis municípios que conformam este Território. Neste sentido, registramos que as mudanças na estrutura produtiva do TCSGocorreram, em boa medida, devido à implantação dos polos de irrigação de Jaíba e Gorutuba, pela modernização da agricultura, sobretudo pela atividade de Fruticultura irrigada, a mais importante atividade produtiva de mercado do TCSG, cujos indicadores de produção, grau de articulação e de inserção nacional e internacional, conformam importante cadeia produtiva local. Atualmente, a fruticultura faz parte do conjunto das atividades que recebem incentivos institucionais públicos e privados de promoção às cadeias produtivas locais, com vistas a formação de APLs. Trata-se de uma atividade 215 que vem se desenvolvendo no TCSG por um conjunto de fatores, identificados pelo circuito espacial produtivo desta atividade, que contribuem com a dinâmica socioeconômica do local. Foi possível perceber, contudo, que a riqueza material gerada pela especialização produtiva da fruticultura é causa de maior diferenciação das condições de vida e de reprodução da população do TCSG, sobretudo quando se compara a parcela dos agricultores que não tem acesso às melhorias da infraestrutura básica de produção com os da agricultura familiar consolidada e do agronegócio. Isto porque os processos desencadeados pela atividade de fruticultura mostraram-se concentrados em alguns poucos municípios deste Território, se sobressaindo nos municípios de Jaíba e Janaúba. Neste sentido, confirma-se a hipótese que estabelecemos nesta tese acerca das limitações das ações governamentais de estímulo à inclusão produtiva, posto que não alcançam o conjunto da população, e parte dela permanece excluída das atividades produtivas mais dinâmicas do TCSG. Nos estudos que dedicamos à agricultura familiar do TCSG demonstramos a importância desta categoria de agricultores. A agricultura familiar ocupa a maior parte das famílias e das terras rurais do Território, também merecendo atenção pela diversidade de atividades produtivas e de perfis de agricultores, especialmente por serem os que mais dependem das políticas de crédito e de proteção social. Desta forma, pudemos constatar significativo desequilíbrio na distribuição do crédito agrícola, considerado o principal meio de inclusão e fortalecimento dos pequenos agricultores familiares. Pelo tratamento que dispensamos aos dados do PRONAF Crédito pudemos identificar que a maior parte do crédito que chega pelo TCSG está concentrado em municípios com melhores Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) e com melhor PIB agrícola per capita, que são Jaíba, Janaúba e Manga e Matias Cardoso, Nova Porteirinha e Verdelândia. Também a análise dos dados do PROINF veio confirmar que os recursos destinados à aquisição de máquinas, equipamentos e serviços rurais foram mais direcionados para alguns dos municípios, embora todos os municípios integrantes do TCSG tenham sido contemplados por este programa. Há que se considerar que o PROINF é o único programa em que a alocação 216 dos recursos pode ser definida pela população local, via planejamento conjunto dos representantes da sociedade civil e poderes públicos, no âmbito do Programa Território da Cidadania (PTC). Isso nos leva a observar que, quando são resguardados os interesses comuns e as reais demandas da população local, são alcançados melhores resultados no uso e na distribuição dos recursos dos programas do governo federal. Porém, dos programas da Rede de Proteção Social que chegam ao TCSG, chamam a atenção os programas de combate a vulnerabilidade social e insegurança alimentar: Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Bolsa Família ( PBF) por serem prioritários aos municípios que fazem parte do Programa Territórios da Cidadania (PTC). Um dos objetivos do PAA é o de fortalecer a agricultura familiar através da compra de alimentos produzidos pelos pequenos agricultores, preferencialmente, pelos assentados da reforma agrária, quilombolas, mulheres e jovens agricultores. A nossa análise dos dados dos recursos do PAA no TCSG revelou que estes se mostraram modestos, no período de 2011 a 2014, seja em termos de volume seja pela distribuição destes recursos entre os municípios do TCSG. Também foi possível observar que parte significativa destes recursos coube ao município de Jaíba, o que poderia ser explicado pela prioridade na compra dos produtos dos assentamentos, já que se concentram neste município, no entanto, o que se constata é que a maior parte dos recursos governamentais foi direcionada aos demais perfis de pequenos agricultores, neste período. A análise que desenvolvemos acerca do PBF permitiu constatar que, em 2015, mais da metade das famílias do TCSG são beneficiárias deste programa, e que a maior parte dela reside nos municípios que apresentam os mais baixos indicadores sociais e de renda: Catuti, Gameleiras e Pai Pedro. Ao relacionarmos os dados do PBF com os principais indicadores que compõem o IDHM, notamos evolução em todos eles, mas principalmente em relação ao indicador educação, certamente devido a condicionalidade estabelecida aos beneficiários do PBF. De sua parte, as entrevistas de campo que realizamos, com foco na avaliação dos gestores locais sobre o Programa Territórios da Cidadania 217 (PTC), confluíram para a conclusão de que as políticas de desenvolvimento territorial que chegam por meio do PTC contribuem sobremaneira para a melhoria das condições de vida e de reprodução socioeconômica da população dos municípios do TCSG, fato que pode ser comprovado pelo número de programas e volume de recursos dos programas sociais e de inclusão produtiva. Ainda assim, não se revelam suficientes para alavancar o desenvolvimento endógeno, inclusivo e menos desigual no TCSG, o que abre espaço a críticas: a escolha dos municípios deste território pelos programas não reconhecem a heterogeneidade das condições de vida e reprodução de sua população;as discrepâncias dos apoios institucionais e dos aportes de recursos técnicos e financeiros acabam por reforçar as atividades que já estão consolidadas, em detrimento daquelas mais desprovidas destes fatores. As críticas aqui levantadas, há que se ressaltar, não diminuem o reconhecimento da importância do PTC para promover o acesso às ações governamentais de redução da pobreza e das desigualdades sociais, por parte dos territórios identificados pelo baixo grau de desenvolvimento econômico e social. Os resultados obtidos por meio desta tese reforçam nossa convicção de que os desafios impostos pelas persistentes desigualdades econômicas e sociais requerem políticas públicas para a promoção das transformações socioespaciais nas regiões, no NM e nos municípios que conformam o TCSG. Ao contrário, pois, do que propõem os adeptos da ortodoxia neoliberal, acreditamos que o Estado pode e deve cumprir um papel para além de simples facilitador do processo de desenvolvimento local, especialmente dos territórios que permanecem à margem dos mercados dinâmicos e, principalmente, se encontram em graus de miséria e pobreza elevados. 218 REFERÊNCIAS AB‟SABER, Aziz Nacib. Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. ABRAMOVAY, Ricardo. O capital social dos territórios: repensando o desenvolvimento rural.Economia Aplicada, n° 2, vol. IV, pp. 379-397, 2000. ABRAMOVAY, Ricardo.Paradigmas do Capitalismo Agrário em Questão. 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Disponibiliza informações sobre o Programa Territórios da Cidadania 235 APÊNDICE 1 236 Apoios Institucionais ao APL de Fruticultura Instituições que apoiam a atividade de Fruticultura do TSG Natureza do orgão Instituições Esfera de governo Financiamento SEPLAG SEDE BNB BB CODEVASF SEBRAE/MG Unimontes Fapemig BDMG MDIC BNDES BID Caixa Econ. Federal Embrapa ABANORTE Epamig Apex EMATER IMA IEL/Fiemg Sindcato dos Produtores Ruraisde Janaúba Fonte: Autora Público-estadual Público-estadual Público-estadual Mista Público-federal Privada s fins lucrat. Público-estadual Público-estadual Público-estadual Público-federal Público-federal Público-federal Público-federal Privada Público-estadual Privada Público-estadual Público-estadual Privada C&T Atividade fim do orgão Característica da ação política Educação Representação e Entretenimento Exportação (de classe) Outros Seleção Coordenação Execução x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x 237 ANEXO 1 238 239 240 241 ANEXO 2 242 Ata da reunião de Núcleo Diretivo e Técnico do Território da Cidadania da Serra Geral de Minas Gerais. Aos vinte e oito dias do mês de novembro de dois mil e treze, as 09:00 horas, reuniram-se os membros do Núcleo Diretivo e Núcleo Técnico, conforme livro de presença da página 04 no auditório da UNIMONTES em Janaúba-MG para tratar dos seguintes assuntos em pauta: Informes sobre a contratação do PROINF2013; Matriz de Ações Territoriais; Apresentação da Célula de Acompanhamento e informação do Território no Conselho de Articulação Estadual –CAE; Informes Gerais. O coordenador adjunto José Antônio Mendes Costa fez abertura da reunião desejando boas vindas a todos e informou a todos sobre o atraso do coordenador Elton Mendes Barbosa devido à chuva. Após justificativa foi feita uma oração e em seguida com a chegada de Elton Mendes Barbosa assumiu a coordenação dos trabalhos pedindo desculpas a todos por motivo do seu atraso. Na sequencia foi feita a leitura da ata anterior e foi solicitada a correção do nome Alberto Magno Fonseca Cardoso para Alberto Rodrigues Muniz. Dando continuidade a Leila Moraes Alkmim apresentou a pauta a todos conforme acima citadas e passou a palavra para Josimara Mendes Rabelo da UNIMONTES que fez apresentação sobre Célula de Acompanhamento de Informações falando de suas funcionalidades e composição da nova equipe de acompanhamento. Após apresentação foram indicados para composição representando o colegiado Fabrícia Evangelista Alves de Verdelândia, Frederico Camargo Costa de Mato Verde, Esmeraldo Dias Tiago de Espinosa como titulares; Carla Simone Pereira de Nova Porteirinha, Clarindo José de Oliveira de Gameleiras, Madalena, digo, Maria Madalena Ferreira Marques de Matias Cardoso como membros suplentes; Representando a Universidade Unimontes Lize de Moraes Vieira da Cunha, Josimara Mendes Rabelo, Keila Fernandes Jorge como membro titular; VirgilioJamir Gonçalves Mota e VirgilioJamir Gonçalves Mota Filho como membro suplente. O Coordenador do Território coordenará as ações do Comitê de Acompanhamento e Avaliação da Célula. Dando sequencia a Leila Alkmim fez apresentação sobre orientações do Comitê de Articulação Estadual- CAE, falando sobre as ações e atribuições. Após apresentação foram apresentados os nomes dos prefeitos interessados a representar o território no CAE, sendo: Hélio Pinheiro de Catuti, Silvanei Batista de Porteirinha, Wagner Danilo de Serranopolis de Minas e Edivan de Mamonas. Após a votação foram eleitos: Silvanei Batista com 17 votos e Hélio Pinheiro com 15 votos. Representando a Sociedade Civil os interessados a representar no CAE: José Antônio Mendes Costa de Mato Verde, Fabrícia Evangelista Alves de Verdelândia e José Dionísio de Manga. Após eleição ficaram como membro titular: José Antônio Mendes Costa com 13 votos e membro suplente: Fabrícia Evangelista Alves com 09 votos. Na sequencia foram apresentadas as ações constantes da Matriz de Ações de 2013 e agendadas com os municípios a apresentação da mesma Matriz por CMDRS. Sobre informações do PROINF foram priorizados o Projeto de Barracas de Feiras Agroecológica, sendo a entidade proponente Consórcio Intermunicipal União da Serra Geral no valor de R$ 425.000,00 (quatrocentos e vinte cinco mil reais), terá 256 (duzentos e cinquenta e seis) barracas e kits de apoio à comercialização onde serão beneficiados os dezesseis municípios. O Tiago Leal de Souza do CAA apresentou o Projeto ATER Sustentabilidade executada pelo CAA em parceria com sindicatos, onde atenderão 1600(mil e seiscentos) famílias que terão acompanhamento de um técnico sendo 12 (doze) municípios beneficiados Catuti, Francisco Sá, Grão Mogol, Jaíba, Janaúba, Mato Verde, Pai Pedro, Porteirinha, Riacho dos Machados, Rio Pardo de Minas, Serranopólis de Minas, Taiobeiras e Verdelândia. A senhora Elizete Gomes da Silva apresentou sobre o projeto AMEFA convênio Petrobrás para o Território da Cidadania. Não havendo mais nada a se tratar, foi encerrada a reunião as 13:00 horas, e eu Edinês Medrado Cantuária, lavrei a presente ata, se aprovada, será assinada por mim e pelo Coordenador do Território. Elton Mendes Barbosa Coordenador do Colegiado Edinês Medrado Cantuária Secretária do Colegiado 243 ANEXO 3 244 continua 245 continuação Recursos do PRONAF para os Municípios do TCSG, 2011 R$ 1,00 CORRENTES 2011 MG JANAUBA PEQUENO Agrícola RECIN 1 63842,33 2011 MG JANAUBA PEQUENO Pecuária FNE 7 518976,68 2011 MG JANAUBA PEQUENO Agroindústria FNE 1 103000 2011 MG JANAUBA PEQUENO Industrial FNE 11 607934 2011 MG JANAUBA PEQUENO Serviços FNE 6 470139,2 2011 MG JANAUBA PEQUENO Comércio FNE 114 3834782,77 2011 MG JANAUBA MEDIO Agrícola FNE 6 634919,31 2011 MG JANAUBA MEDIO Pecuária FNE 18 4138553,95 2011 MG JANAUBA MEDIO Serviços FNE 1 94500 2011 MG JANAUBA MEDIO Comércio FNE 8 488917,37 2011 MG JANAUBA GRANDE Agrícola FNE 3 2843436,8 2011 MG JANAUBA GRANDE Pecuária FNE 4 1692096,82 2011 MG JANAUBA PEQUENO-MEDIO Industrial FNE 1 100000 2011 MG JANAUBA PEQUENO-MEDIO Comércio FNE 1 75000 2011 MG MAMONAS MINI Agrícola FNE 19 40050 2011 MG MAMONAS MINI Pecuária FNE 435 987073,5 2011 MG MAMONAS MINI Pecuária STN 3 20542,04 2011 MG MAMONAS MICRO Industrial FNE 1 25369,2 2011 MG MAMONAS PEQUENO Comércio FNE 3 52500 2011 MG MANGA MINI Agrícola FNE 16 32600 2011 MG MANGA MINI Pecuária FNE 518 1375086,64 2011 MG MANGA MICRO Industrial FNE 1 10150 2011 MG MANGA MICRO Comércio FNE 6 145960,97 2011 MG MANGA PEQUENO Pecuária FNE 4 551124,85 2011 MG MANGA PEQUENO Comércio FNE 13 372808,93 2011 MG MANGA MEDIO Agrícola FNE 1 90250 2011 MG MANGA GRANDE Pecuária FNE 2 6413400 2011 MG MANGA PEQUENO-MEDIO Comércio FNE 1 15000 2011 MG MATIAS CARDOSO MINI Agrícola FNE 31 86898,98 2011 MG MATIAS CARDOSO MINI Agrícola RECIN 2011 MG MATIAS CARDOSO MINI Pecuária FNE 2011 MG MATIAS CARDOSO MINI Pecuária RECIN 2011 MG MATIAS CARDOSO MICRO Comércio FNE 1 7000 2011 MG MATIAS CARDOSO PEQUENO Pecuária FNE 3 123019,04 2011 MG MATIAS CARDOSO PEQUENO Comércio FNE 2 49000 2011 MG MATIAS CARDOSO MEDIO Agrícola FNE 3 299688,21 2011 MG MATIAS CARDOSO MEDIO Pecuária FNE 2 218500 2011 MG MATIAS CARDOSO MEDIO Comércio FNE 1 24037,02 2011 MG MATIAS CARDOSO GRANDE Pecuária FNE 6 17480091,6 2011 MG MONTE AZUL MINI Agrícola FNE 106 252378,94 2011 MG MONTE AZUL MINI Pecuária FNE 570 1631872,45 2011 MG MONTE AZUL MINI Pecuária STN 10 84305,2 2011 MG MONTE AZUL MICRO Serviços FNE 2 38323,49 2011 MG MONTE AZUL MICRO Comércio FNE 6 268489,19 2011 MG MONTE AZUL PEQUENO Pecuária FNE 5 307591,33 2011 MG MONTE AZUL PEQUENO Industrial FNE 9 776120 2011 MG MONTE AZUL PEQUENO Serviços FNE 2 171784,4 2011 MG MONTE AZUL PEQUENO Comércio FNE 72 3056479,94 2011 MG MONTE AZUL MEDIO Pecuária FNE 1 126288 2011 MG NOVA PORTEIRINHA MINI Agrícola FNE 104 191095 2 7812,22 236 498040,63 19 51138,97 continua 246 continuação Recursos do PRONAF para os Municípios do TCSG, 2011 R$ 1,00 CORRENTES 2011 MG NOVA PORTEIRINHA MINI Agrícola STN 1 9996 2011 MG NOVA PORTEIRINHA MINI Pecuária FNE 155 327249,77 2011 MG NOVA PORTEIRINHA MINI Pecuária STN 1 9996 2011 MG NOVA PORTEIRINHA MICRO Comércio FNE 8 66000 2011 MG NOVA PORTEIRINHA PEQUENO Agrícola FNE 1 153823 2011 MG NOVA PORTEIRINHA PEQUENO Industrial FNE 4 185100 2011 MG NOVA PORTEIRINHA PEQUENO Comércio FNE 1 16100 2011 MG NOVA PORTEIRINHA MEDIO Agrícola FNE 3 936134,95 2011 MG NOVA PORTEIRINHA MEDIO Pecuária FNE 3 187894,14 2011 MG NOVA PORTEIRINHA MEDIO Serviços FNE 1 76962,18 2011 MG NOVA PORTEIRINHA GRANDE Agrícola FNE 1 708750 2011 MG NOVA PORTEIRINHA GRANDE Pecuária FNE 1 220500 2011 MG PAI PEDRO MINI Agrícola FNE 2 4500 2011 MG PAI PEDRO MINI Pecuária FNE 114 519791,89 2011 MG PAI PEDRO MINI Pecuária STN 1 11995,2 2011 MG PAI PEDRO MICRO Serviços FNE 1 6000 2011 MG PAI PEDRO MICRO Comércio FNE 1 5000 2011 MG PAI PEDRO PEQUENO Pecuária FNE 3 74970 2011 MG PAI PEDRO PEQUENO Comércio FNE 2 31010 2011 MG PAI PEDRO MEDIO Pecuária FNE 1 889200 2011 MG PORTEIRINHA MINI Agrícola FNE 25 125009,24 2011 MG PORTEIRINHA MINI Agrícola STN 35 162869,48 2011 MG PORTEIRINHA MINI Pecuária FNE 1180 3531653,89 2011 MG PORTEIRINHA MINI Pecuária STN 56 282643,17 2011 MG PORTEIRINHA MICRO Industrial FNE 2 78937,54 2011 MG PORTEIRINHA MICRO Serviços FNE 4 184891,19 2011 MG PORTEIRINHA MICRO Comércio FNE 23 971167,64 2011 MG PORTEIRINHA PEQUENO Agrícola FNE 1 29977,3 2011 MG PORTEIRINHA PEQUENO Pecuária FNE 11 644872,05 2011 MG PORTEIRINHA PEQUENO Industrial FNE 1 240000 2011 MG PORTEIRINHA PEQUENO Serviços FNE 5 1502635,72 2011 MG PORTEIRINHA PEQUENO Comércio FNE 32 771017,25 2011 MG PORTEIRINHA MEDIO Pecuária FNE 3 742794 2011 MG PORTEIRINHA MEDIO Comércio FNE 2 227872,77 2011 MG PORTEIRINHA GRANDE Comércio FNE 1 136112 2011 MG RIACHO DOS MACHADOS MINI Agrícola FNE 4 7000 2011 MG RIACHO DOS MACHADOS MINI Pecuária FNE 179 637196,63 2011 MG RIACHO DOS MACHADOS MICRO Comércio FNE 1 12810 2011 MG RIACHO DOS MACHADOS PEQUENO Pecuária FNE 4 207954 2011 MG RIACHO DOS MACHADOS PEQUENO Serviços FNE 2 36584,9 2011 MG SERRANOPOLIS DE MINI MINAS Agrícola FNE 3 18084,2 2011 MG SERRANOPOLIS DE MINI MINAS Agrícola STN 3 21985,08 2011 MG SERRANOPOLIS DE MINI MINAS Pecuária FNE 162 353732,87 2011 MG SERRANOPOLIS DE MINI MINAS Pecuária STN 1 9016,8 2011 MG SERRANOPOLIS DE MICRO MINAS Serviços FNE 1 140000 2011 MG SERRANOPOLIS DE MICRO MINAS Comércio FNE 1 66536,11 2011 MG SERRANOPOLIS DE PEQUENO MINAS Pecuária FNE 1 42947,86 2011 MG SERRANOPOLIS DE PEQUENO MINAS Comércio FNE 1 17500 2011 MG VERDELANDIA MINI Agrícola FNE 11 26794,9 2011 MG VERDELANDIA MINI Pecuária FNE 197 664663,17 2011 MG VERDELANDIA MINI Pecuária STN 10 99917,32 2011 MG VERDELANDIA MICRO Comércio FNE 1 4200 2011 MG VERDELANDIA PEQUENO Pecuária FNE 1 72240 2011 MG VERDELANDIA PEQUENO Comércio FNE 9 400594,8 2011 MG VERDELANDIA MEDIO Agrícola FNE 5 635372,42 2011 MG VERDELANDIA MEDIO Pecuária FNE 1 231101,71 2011 MG VERDELANDIA GRANDE Pecuária FNE 4 1917000 ANEXO 4 247 248 249 ANEXO 5 250 ATA DA PLENÁRIA DO TERRITÓRIO DA CIDADANIA DA SERRA GERAL DE MINAS GERAIS PARA RECOMPOSIÇÃO DO COLEGIADO, ELEIÇÃO DO NÚCLEO DIRETIVO, ELEIÇÃO DO NÚCLEO TÉCNICO E SELEÇÃO DO PROJETO TERRITORIAL COM RECURSOS DO PROINF DOIS MIL E TREZE. Aos doze de Setembro do ano de dois mil e treze, no auditório da Unimontes, em Janaúba-MG, aconteceu a plenária do Território da Cidadania da Serra Geral para recomposição do colegiado, eleição do núcleo diretivo, eleição do núcleo técnico e seleção do projeto Proinf dois mil e treze. A professora Lize Moraes, da Unimontes, deu as boas vindas aos participantes e promoveu a auto apresentação dos mesmos, constatando que os municípios de Espinosa, Monte Azul, Mamonas, Catuti, Gameleiras, Pai Pedro, Porteirinha, Serranópolis de Minas, Nova Porteirinha, Janaúba, Verdelândia e Manga estavam representados; além do Banco do Nordeste, do Circuito Turístico da Serra Geral, da Organização de Quilombolas, da Emater-MG e de organizações sindicais. Como aviam pessoas novas no colegiado, a Assessora Territorial, Leila Alkimim, fez uma apresentação sobre os objetivos, às instâncias de gestão e a composição dos colegiados nos territórios da cidadania. Ao falar da previsão de recursos para as plenárias territoriais, Aberto Magno, questionou a forma de distribuição dos recursos de apoio aos colegiados, feita de cima para baixo sem considerar as demandas dos colegiados. Disse ela que na capacitação dos assessores, em Brasília, foi questionado o uso da logomarca do colegiado em documentos oficiais da assessoria, mas o colegiado da Serra Geral foi unânime de que a logomarca identifica o território e continuará a ser usada em todos os seus documentos. A plenária cobrou a visita ao território, de representantes da diretoria da entidade parceira, CEADES, para que conheçam o colegiado. O colegiado solicitou que seja enviada uma correspondência a todas as organizações que compõem o colegiado e se encontram ausentes para que as mesmas expressem o desejo de continuarem ou não. A pedido Lize de Moraes Vieira da Cunha fez a leitura do regimento interno para conhecimento de todos. Foi questionado se o que foi lido é a última versão aprovada, pois o mesmo não traz as integrações antigas do SERRATUR, das cooperativas, pelos municípios e a mais nova do Consórcio Público União da Serra Geral. No artigo décimo quinto inserir: “Apoiada por entidades que queiram ajudar, mesmo que estas não integrem o colegiado”. Em seguida procedeuse o processo eleitoral, sendo indicadas pelos participantes, as candidaturas de Elton Mendes Barbosa e Jose Antonio Mendes Costa para a coordenação; Edinês Medrado Cantuária e Dayane Silva de Sá, para a secretaria; Jose Francisco de Mendonça neto, Maria Vitor Cavalcante Cardoso e Guilherme Aguiar Silva para captação de recursos financeiros. Após a votação para a coordenação, Elton Mendes Barbosa obteve vinte votos, mantendo-se como coordenador e Jose Antonio Mendes Costa dezoito votos, ocupando a vaga de coordenador adjunto; na secretaria foi eleita Edinês Medrado Cantuária como secretária e Dayane Silva de Sá como vice. Já nas finanças foram mantidos os três citados acima. Logo depois foi feita a composição do núcleo técnico ficando assim constituído: Lize Moraes Vieira da Cunha, da Unimontes; Daniel Costa de Paula, da prefeitura de Verdelândia; Hamon Ferreira de Souza, da prefeitura de Pai Pedro; Jose Francisco de Mendonça Neto, da prefeitura de Manga; Alberto Magno Fonseca Cardoso, da Emater; Faustina Soares Santana, da Associação de quilombolas; Guilherme Aguiar Silva, da prefeitura de Serranópolis de Minas e Dayane Costa de Paula, da prefeitura de Mamonas. Encerrada a eleição o novo núcleo diretivo e o núcleo técnico tomaram posse. Agora como coordenador eleito, Elton Barbosa falou da 251 necessidade do colegiado priorizar um projeto a ser financiado pelo proinf e a assessora territorial, Leila, apresentou os prazos a serem cumpridos até a contratação. Por sugestão dos participantes, foram resgatados os projetos aprovados e encaminhados em anos anteriores e não foram liberados. Também surgiu uma nova proposta, que seria para organização dos sistemas de inspeção nos municípios e no território (SUASA). Após debate, chegou-se ao consenso em encaminhar o projeto de aquisição de barracas de feiras para apoiarem os agricultores familiares, jovens e mulheres na comercialização das suas produções. A entidade proponente será o Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento Sustentável da Microrregião da Serra Geral de Minas “União da Serra Geral”. Antes do encerramento, Jose Mendonça e Hamon Ferreira de Souza, propuseram que o colegiado pense e encaminhe propostas aos governos e organizações para minimizar os efeitos do terceiro ano consecutivo de seca. Elton Mendes Barbosa convidou a todos para um dia de campo sobre terraços e plantio em nível, no próximo dia treze, na comunidade de pajeú e para o dia da agricultura familiar, no dia vinte e cinco de Setembro, ambos no município de Porteirinha. Na avaliação positiva de encerramento, Alberto Magno Fonseca Cardoso, de Espinosa, pediu a todos pensar na possibilidade do território ter personalidade jurídica. Encerrada a reunião, eu, Edinês Medrado Cantuária, lavrei a presente ata, que após lida e aprovada será assinada. Em tempo: Onde se lê na avaliação positiva de encerramento, Alberto Magno Fonseca Cardoso, lê-se na avaliação positiva de encerramento, Alberto Rodrigues Muniz. Elton Mendes Barbosa Coordenador do Colegiado Edinês Medrado Cantuária Secretária do Colegiado 252