SemPre

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SemPre
Sociedade
canção: «Usámos tecidos e formas que
recriassem a atmosfera da música e que
causasse uma experiência visual única.»
Em 2010, a cantora já tinha usado um
vestido da Cute Circuit, desenhado de
propósito para a Gala do MET Costume
Institute. A peça tinha 3000 luzes que
criavam um efeito arco-íris. A imprensa
rendeu-se ao vestido e a New York
Magazine escreveu: «O mais excitante
da noite foi o vestido iluminado de Kate
Perry!», num evento que é considerado
os Óscares da moda.
real e útil?
Ainda que as ideias sejam apelativas,
o problema pode ser conseguir criar tecnologia prática, útil e que as pessoas não
se importem de usar. Uma t-shirt que dá
abraços parece uma ideia fantástica mas se
não for minimamente confortável, haverá
mercado para ela? Mais do que a tecnologia que uma peça de roupa aporta, o facto
é que continuamos a querer sentirmo-nos
bem na nossa “segunda pele”, porque é
com ela que andamos um dia inteiro.
E as marcas de tecnologia têm isto em
mente: de que as áreas que trabalham
estes campos têm de ter uma noção de
moda, de usabilidade. E este entendimento está patente na forma como desenvolvem as suas estratégias de mercado.
Angela Ahrendt, CEO norte-americana,
esteve na casa de moda britânica Burberry
desde 2006 até ao final de 2013. O motivo da saída? Passou a integrar a equipa da
Apple como vice-presidente para as lojas
online. A decisão de contratar Ahrendts foi
tomada três meses após o recrutamento
de Paul Deneve, ex-diretor executivo
da marca francesa Yves Saint-Laurent,
para aquela marca norte-americana de
tecnologia, onde irá desenvolver projetos
especiais. Afirma-se que os dois irão trabalhar no lançamento do novo iWatch –
concorrente do Galaxy Gear, da Samsung,
um relógio que interage com o telemóvel
–, uma vez que num produto destes a
perceção da moda é tão importante como
a da tecnologia. Esta sensibilidade na conexão entre moda e tecnologia, premissa
na já referida Cute Circuit, foi também
considerada pelo designer de moda
britânico, de ascendência turca, Hussein
Chalayan, quando criou o “vestido-vídeo”
Airboune. A peça de vestuário, com 15 mil
LED encrustados no tecido, criada
em 2007, podia exibir desde a silhueta
de um tubarão em alto mar até às etapas
do desabrochar de uma flor.
Outro senão pode ser a utilidade real de
102
Saber Viver
março 2014
todos estes itens. Madalena Sena refere
os coletes de kevlar à prova de bala;
os fatos dos bombeiros à prova de fogo;
os tecidos que não precisam de ser engomados; as t-shirts que medem a frequência
cardíaca, úteis para pessoas com doenças
cardíacas e desportistas, como peças que
podem não só facilitar o dia a dia, como
salvar vidas. «Todos estes exemplos são o
resultado da união da ciência com o sector
têxtil e criam a denominada tecnologia de
têxteis e vestuário inteligente», conclui a
especialista com formação em design gráfico, design de moda e design de multimédia.
Francesca Rosella é direta a apontar mais
vantagens do que desvantagens nestas
novas criações. «Há muitas vantagens,
como a capacidade expressiva infinita que
o vestuário tecnológico tem, além de ser
visualmente maravilhoso; e ainda
o de permitir ligações emocionais com os
nossos amigos mais distantes. As baterias
precisam de ser carregadas, é verdade, mas
nas nossas coleções isso pode ser feito
através de USB e demora apenas uma
hora», explica a diretora criativa da Cute
Circuit. Ariele Elia e Emma McClendon
defendem que estas alterações tecnológicas permitem aumentar as possibilidades
criativas do design de moda (em forma,
produção e fabrico). «No entanto, estas
mesmas alterações podem fazer com que
estes mesmos meios de produção
e fabrico sejam esquecidos», rematam
as curadoras-assistentes do Museu do FIT.
No entanto, ainda estamos longe do
momento em que o vestuário tecnológico passará a ser comum nas passerelles,
e ainda mais da sua comercialização em
lojas de comércio tradicional. Ariele Elia
e Emma McClendon, do FIT, referem que
«ainda não é possível avaliar o impacto
que esta conexão terá na indústria
da moda».
Os maiores avanços são ainda proporcionados pela indústria militar e pela saúde.
O desporto e o bem-estar são áreas que
começam a apresentar mais consumíveis
mas, ainda assim, trata-se de roupa,
não de produtos de moda.
E até chegarmos a esse admirável mundo
novo, a nossa perceção da moda precisa
necessariamente de mudar: o vestuário
pode manter o seu lado mais glamoroso,
mas passará a incluir uma componente de
utilidade, conforme explica Francesca Rosella: «O que é bonito será sempre bonito,
mas, além disso, terá também uma série
de propriedades mágicas que permitirá
ao seu possuidor expressar-se de formas
completamente inovadoras. A moda será
mais divertida e significativa.» Í
desde
sempre
No ano passado, o Museu do FIT,
em Nova Iorque, apresentou a mostra
Fashion and Technology, que revelou
alguns dos exemplos desta relação.
Alguns deles datados já do século
XIX. «A tecnologia foi sempre a
essência da moda. O progresso daquela
complementa a estética, sempre
evolutiva, da moda e dá a cada criação
uma abertura de referência maior,
permitindo explorar novos horizontes»,
referiu o escritor de moda Bradley
Quinn, a propósito desta exposição.
© Photographs courtesy The Museum at FIT
© Photographs courtesy The Museum at FIT
vestido
“Cardine”, de
Pierre Cardin,
moldado
com formas
3D, 1968,
oferta
de Lauren
Bacall
vestido de
seda e tafetá
que usa uma
técnica de
tinturaria
sintética,
c.1860,
England,
museum