O Livre Mercado de Energia Elétrica Brasileiro – Parte III

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O Livre Mercado de Energia Elétrica Brasileiro – Parte III
O Livre Mercado de Energia Elétrica Brasileiro –
Parte III
Álvaro Augusto de Almeida*
Os Produtores Independentes de Energia (PIEs) surgiram nos Estados Unidos e
se espalharam pelo mundo. Após o primeiro choque do petróleo, na década de 70, o
órgão regulador norte-americano, a FERC – Federal Energy Regulatory
Comission, começou a investigar possíveis alternativas de suprimento de energia
para os cenários futuros, que projetavam preços elevados para os combustíveis
fósseis. Em 1978, a FERC publicou o Public Utility Regulatory Policies Act (Lei
Regulamentadora das Políticas das Concessionárias Públicas), conhecido como
PURPA. Um dispositivo importante desta lei era a obrigação de que as
concessionárias de energia elétrica comprassem uma parcela de suas necessidades
energéticas a partir de Produtores Independentes, a um preço igual ao respectivo
“custo evitado” da concessionária. O custo evitado é aqui entendido como o custo
que seria incorrido pela concessionária, caso ela tivesse que gerar a mesma parcela
de energia.
Os detalhes da implementação do PURPA ficaram a cargo de cada um dos 50
estados norte-americanos. Em alguns casos, especialmente em Nova Iorque e na
Califórnia, vários contratos de longo prazo foram assinados entre Produtores
Independentes e concessionárias. A posterior queda das cotações internacionais do
petróleo e derivados tornou tais contratos um pouco caros, pois, na época, a
energia gerada por Produtores Independentes, geralmente detentores de usinas
pequenas ou usinas de co-geração (**), era mais cara do que a energia gerada pelas
concessionárias em um cenário de preços baixos do petróleo e derivados.
A partir da década de 80, o preço da energia gerada por Produtores
Independentes começou a sofrer reduções, principalmente devido ao
desenvolvimento das turbinas a gás a ciclo combinado, que podem ser bastante
compactas e têm rendimentos mais elevados do que os das turbinas a vapor
convencionais (carvão e biomassa). Para efeito de comparação, já em 1998 uma
usina a carvão tinha potência ótima entre 600 e 800 MW, com custos de geração
de US$ 35/MWh, enquanto usinas a gás podiam ser construídas com potências
entre 40 e 150 MW e custos de geração semelhantes (1). Atualmente os custos da
geração a gás são menores do que os da geração a carvão.
O mercado de geração de energia passou então a se tornar atrativo também para
os “pequenos” investidores em energia (aqueles que têm apenas alguns milhões de
dólares) e não somente para os grandes investidores (aqueles que têm vários
bilhões de dólares).
No Brasil, o desenvolvimento da turbina a gás (que é basicamente uma turbina
de avião que não voa) não causou tanto impacto. A razão é que nossa base de
geração é hidrelétrica, energia ainda mais barata do que a das melhores turbinas a
gás. Nossas termelétricas (gás e carvão) são então usadas para complementar a
geração de energia em períodos de consumo elevado, em um regime que os
especialistas chamam de “complementação hidrotérmica”. Ainda assim, o
barateamento das tecnologias de geração hidrelétrica e o desenvolvimento de
sistemas eletrônicos de medição de energia contribuíram para reduzir os benefícios
de escala das grandes concessionárias, ainda que em menor proporção do que em
outros países, tornando mais atrativas as usinas de pequeno porte.
Há que se salientar que o termo “Produtor Independente de Energia” é usado no
Brasil de forma um pouco diferente. Nos EUA, o termo “independente” aplica-se
porque os produtores são independentes da estrutura das concessionárias de
energia (“utilities”), mas estas concessionárias também podem ser privadas. No
Brasil, o PIE tende a ser visto simplesmente como um produtor privado de energia,
que explora recursos naturais por sua conta e risco, independente do seu porte e da
fonte energética explorada.
No Brasil, a figura institucional do Produtor Independente de Energia foi criada
pela Lei 9.074/1995, que também criou as figuras de consumidor livre e abriu
espaço para a criação dos agentes comercializadores de energia. No âmbito da
legislação atual, os PIEs podem vender energia diretamente aos consumidores
livres ou aos comercializadores de energia. Essa operação se dá no Ambiente de
Contratação Livre, ACL, operacionalizado pela CCEE- Câmara de Comercialização
de Energia Elétrica. Alternativamente, os PIEs podem vender energia nos leilões do
Ambiente de Contratação Regulada, ACR, também operacionalizado pela CCEE.
Nesse caso, os compradores são as distribuidoras de energia, que repassam a
energia aos consumidores cativos atendidos por elas.
O surgimento dos PIEs no Brasil deu-se em paralelo com o programa de
reestruturação iniciado no governo de Fernando Henrique Cardoso. Uma das
metas desse programa era privatizar todos os geradores nacionais. Contudo,
dificuldades políticas e conjunturais não permitiram que se atingisse tal meta.
Ainda assim, considerando-se somente os agentes de maior porte, o Brasil conta
hoje com 70 PIEs, 49 Autoprodutores (que podem comercializar excedentes
energéticos no mercado livre) e 41 concessionárias públicas de geração (2). Os PIEs
brasileiros são também bastante diversificados e servem a diversas finalidades (3):
- Usinas direcionadas ao mercado, como a UHE Cana Brava (466 MW), da
Tractebel.
- Usinas construídas por grandes consumidores, como a UHE Pedra do Cavalo (160
MW), da Votorantin.
- Usinas construídas em parceria com concessionárias privadas, como a UTE
Uruguaiana (639 MW), construída pela AES (privada) e CEEE (estatal).
- Usinas que suprem sistemas isolados, como as usinas de Manaus e Porto Velho.
- Usinas que produzem energia alternativa (PCHs, biomassa, solar e eólica) e
vendem sua produção a consumidores livres ou por meio de programas
governamentais, como o Proinfa.
A expansão futura do parque gerador brasileiro não será feita sem dificuldades.
Embora nosso potencial hidrelétrico inexplorado ainda seja grande, as restrições
ambientais tornarão difícil a construção de usinas hidrelétricas de médio e grande
porte. Em termos de usinas termelétricas, não dispomos de grandes reservas de
carvão mineral e de gás natural. Particularmente quanto ao gás natural, nossas
relações com nosso maior fornecedor, a Bolívia, não tem sido estáveis o suficiente
para se fazer apostas no longo prazo. A opção nuclear existe, mas, devido a
questões de segurança, ela será certamente explorada pelo Governo Federal.
Apesar das incertezas, usinas de pequeno porte, como PCHs (Pequenas Centrais
Hidrelétricas), usinas de biomassa, usinas eólicas, bem como usinas de maior
porte, continuarão a ser construídas por investidores privados. A liberalização do
mercado é irreversível, e também necessária, pois o Governo, amarrado pelas
obrigações da Constituição de 1988 e pelo déficit da previdência pública, não terá
mais condições de ser o único investidor em geração de energia.
(1) VAN DOREN, P.M. The deregulation of the electricity industry: a primer. Cato
Institute, Policy Analysis, out. 1998. Disponível:
http://www.cato.org/pubs/pas/pa-320.pdf. Acesso: mar. 2007.
(2) ELETRICIDADE MODERNA. Perfil do Setor Elétrico – jul. 2006. p. 93, 96.
(3) DE OLIVEIRA, A.; WOODHOUSE, E.J.; LOSEKANN, L.; ARAUJO, V.S. The
IPP experience in the Brazilian electricity market. Stanford University, Program on
Energy and Sustainable Development Working Paper #53, out. 2005. Disponível:
http://iis-db.stanford.edu/pubs/20995/Brazil_IPP.pdf. Acesso: mar. 2007.
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(*) Álvaro Augusto de Almeida é professor do curso de Engenharia Industrial
Elétrica da UTFPR, sócio da Electra Power Geração de Energia, formado em
Engenharia Elétrica pelo CEFET-PR, pós-graduado em Finanças Empresariais pela
FGV e em Desenvolvimento Web pela PUC-PR.
(**) Usinas de co-geração são aquelas instaladas em indústrias, produzindo energia
elétrica, vapor e calor para uso em processos industriais, e vendendo os excedentes
no mercado.

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