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LITERATURA INFANTIL UNIVERSAL
AULA 01: LITERATURA INFANTIL E GÊNEROS LITERÁRIOS
TÓPICO 03: CONTOS DE FADA: ERA UMA VEZ...
VERSÃO TEXTUAL
Os contos de fada se caracterizam pela manifestação do
maravilhoso.
Etimologicamente, maravilhoso vem do latim mirabilia, que
significa “tudo que desencadeia a admiração pela surpresa” (MOISÉS,
1999: 318). O maravilhoso está associado ao mundo sobrenatural:
universo dos deuses, magia, bruxedos, cavalos alados, serpentes de
fogo, etc., e é assim que os contos de fada estão caracterizados.
Para Vladimir Propp, em As raízes históricas do conto maravilhoso, p.
04, há que se observar a estrutura desse tipo de narrativa: "partida do herói,
encontro com o doador que lhe dá um recurso mágico ou um auxiliar mágico
munido do qual poderá encontrar o objeto procurado. Seguem-se: o duelo
como adversário (cuja forma mais importante é o combate com o dragão), o
retorno e a perseguição. [...] o herói [...] passa por uma provação cumprindo
tarefas difíceis, torna-se rei e casa, em seu reino ou no do sogro". Ora, esse
esquema pode ser verificado em histórias como "A Bela Adormecida",
"Branca de Neve e os Sete Anões", "Cinderela" e tantos outros contos de fada.
Acredita-se que a origem dos contos de fadas remonte a
fontes orientais e célticas que, a partir da Idade Média, foram
assimiladas por textos de origens europeias.
Entre os celtas, os contos surgem como "poemas que revelam amores
estranhos, fatais, eternos... Poemas que são apontados como células
independentes, mais tarde integradas no ciclo novelesco arturiano,
essencialmente idealistas e preocupado com os valores eternos do ser
humano: os de seu espírito" (COELHO, 1998:14).
Inicialmente narrados de forma oral, eles foram sendo repassados de
geração para geração, pois cumpriam uma necessidade cultural – ensinavam
sobre os problemas interiores dos seres humanos, abrindo possibilidades de
solucionar dificuldades. Com o passar do tempo, modificações estruturais e
temáticas foram sendo efetuadas dada a dificuldade de cada cultura. Nesse
universo, coube a Charles Perrault, no século XVII, a compilação dessas
histórias que, há anos, estavam sendo contadas. Em um primeiro momento,
Perrault as nomeou de Contos da mamãe gansa; depois, modificou o nome
para Contos de tradição arábica, acrescentando nesses contos a famosa
"moral da história".
Atualmente, muito se tem falado sobre a psicanálise dos contos de fadas,
dando-lhes, sobretudo, um enfoque freudiano e/ou jounguiano.
Interpretações psicológicas têm sido realizadas de forma contundente, pois o
material ideológico dos contos continua sendo atual. Mais que histórias para
crianças, eles representam, metaforicamente, a busca da individualização e
seus conteúdos conservam mensagens de advertência, de crescimento, etc.
que, principalmente os adultos, deveriam entender e incorporar. Nesse
contexto, poder-se-ia dizer que "A Bela Adormecida"é caracterizada por um
processo de individualização; em "Cinderela"a rivalidade fraterna, a relação
edípica e o complexo de Cinderela são abordados; a história de "Os Três
Porquinhos"abarca uma mensagem de coragem que inspira confiança e
fortalece a autoestima do leitor; "Chapeuzinho Vermelho"previne contra o
descuido e ensina a determinação e independência; "João e
Maria"demonstram que os fraquinhos podem conseguir grandes feitos, que
não se deve desanimar mesmo nas piores situações porque a união faz a
força.
Apesar de cada cultura estabelecer a sua versão dos contos de fadas, eles
mantêm, entre si, uma efabulação básica: há "provas que precisam ser
vencidas, como um verdadeiro ritual iniciático, para que o herói alcance sua
autorrealização existencial, seja pelo encontro com o seu verdadeiro eu, seja
pelo encontro da princesa, que encarna o ideal a ser aclamado" (COELHO,
1998:13).
Em O conto na psicopedagogia, Jean-Marie Gillig
afirmaria a esse respeito: "O conto reproduz num outro plano
esse argumento de iniciação em que a luta contra o monstro (o
mal), os obstáculos a serem vencidos e os enigmas a serem
resolvidos são o equivalente, do ponto de vista dos motivos, à
descida ao inferno e à subida ao céu". Sendo assim, os contos
sugerem como os conflitos poder ser solucionados e quais os
próximos passos a serem dados na direção de uma humanidade
mais elevada.
Os contos de fadas utilizam ou reinterpretam questões universais, tais
como os conflitos do poder e a formação dos valores, por meio da mistura do
real e da fantasia. Utilizando-se do maravilhoso, os contos representam
traços do fantasma na vida cotidiana de cada um, não perdendo, com isso,
seu valor estético. Antes de tudo, "o contista é [...] o encantador que leva as
crianças consigo para o mundo da magia e do encantamento, mas, é claro,
com o consentimento delas" (GILLIG, 1999:70).
O encantamento se mistura a questões inconscientes do universo
infantil (decepções narcisistas, dependências infantis, sentimento de
individualidade e de autovalorização, etc.) e a criança, por um processo de
identificação como as personagens dos contos de fadas, encontra um espaço
para a elaboração de suas angústias cotidianas. Para Márcia Feldman,
"enquanto a literatura crítica e realista oferece à criança um acervo que a
capacita na direção da cidadania, num sentido político e ideológico, a
literatura fantástica oferece outro tipo de material de trabalho e espaço de
elaboração para o seu leitor: o espaço simbólico, arquetípico, que remexe as
profundezas ancestrais de nosso ser num sentido existencial, psicológico,
afetivo; enfim, num sentido de discussão política, por si só, não alcança até
por não se propor a isso".
DICA
Os benefícios dos contos de fadas são inúmeros. Além de servirem de
alívio à alma, funcionam como excelente auxiliar pedagógico. Cada
elemento do conto tem um papel significativo. Suprimir-lhe uma parte, ou
acentuá-la é impedir que a criança compreenda sua verdadeira essência –
“os símbolos organizam-se na história, formando uma composição cujos
elementos não podem ser dissociados, sob pena de prejudicar a sua
significação global”
Os leitores de contos de fadas devem ter em mente que o encantamento
destes se dá pelo prazer da redescoberta que eles propiciam: "criar e
contribuir para a cultura existente não é apenas uma questão de ser um
gênio criador individual ou de produzir uma obra-prima excepcional. Nós, o
público, você, o leitor, também fazemos parte do futuro do conto – seus
traços emergem sob a pressão das suas mãos, de nossos dedos" (WARNER,
1999:451).
Os contos oferecem uma metamorfose mágica para aqueles que dele se
aproximam; possibilitam e incentivam a imaginação, mesmo porque
"nenhuma história é igual a sua fonte ou modelo, pois a química entre
narrador e público a transforma" (WARNER, 1999:458). A utopia é um dos
portais por eles abertos: Quem não gostaria de transformar o planeta?
Tornar-se rei ou rainha de um reino harmônico? Os contos despertam a
criatividade e transportam-nos para o mundo do faz de conta, o mundo do
possível – "os contos de fadas sondam as regras: a porta proibida abre para
uma terra nova onde regras diferentes podem vigorar" (WARNER, 1999:
455). É por meio deles que intuímos aspirações e preconceitos, medos e
desejos, alegrias e tristezas, lágrimas e risos, mas, acima de tudo, prazer.
Esse prazer pode ser originado tanto pelo conto como pelo seu reconto.
Hoje, muito se tem realizado na linha do reconto. O que dizer da história de
"Os Três Porquinhos"sob a voz do lobo mau? Ou da atualização de
"Cinderela", agora com um par de tênis? É nessa perspectiva que textos
como A verdadeira história dos três porquinhos, de Jon Scieszka, O par de
tênis, de Pedro Bandeira, Chapeuzinho amarelo, de Chico Buarque, vêm
sendo produzidos. O mesmo ocorre com filmes tais como: "A floresta negra",
"Inteligência artificial" e "Sherek". Nessas produções, procura-se desvendar
algo que talvez não tenha sido elucidado na história original: uma voz que se
calou; um final que não agradou... enfim, uma palavra não dita, ou dita sob
um único enfoque. Seja pelo conto, ou seu reconto, o importante é que o
texto, por intermédio do maravilhoso, conduz o leitor a um universo de
magia. Não é pois, de estranhar, o dito por Ângela Kleiman: "Ler é
identificar-se com o apaixonado ou com o místico. É ser um pouco
clandestino, é abolir o mundo exterior, deportar-se para uma ficção, abrir o
parêntese do imaginário. Ler é muitas vezes trancar-se (no sentido próprio e
figurado). É manter uma ligação através do tato, do olhar, até mesmo do
ouvir (as palavras ressoam). As pessoas leem com seus corpos. Ler é também
sair transformado de uma experiência de vida, é esperar alguma coisa. É um
sinal de vida..."
Quando esse sinal de vida se manifesta, as produções começam a brotar
de forma encantadora e outras tantas histórias começam a surgir como
retrato, já modificado, do mundo de magia já vislumbrado pelo universo
infantil.
ATIVIDADE DE PORTFÓLIO
Assista ao filme SHREK 1, dirigido por Andrew Adamson e Vicky
Jenson, e estabeleça, a partir da análise dessa película, uma contraposição
entre os contos de fada tradicionais e os recontos desse gênero discursivo
na atualidade. Procure observar: enredo, caracterização dos personagens,
a intencionalidade do texto, entre outras questões.
REFERÊNCIAS
ABRAMOVICH, Fanny. A literatura infantil: gostosuras e bobices.
São Paulo: Scipione, 1997.
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1980.
COELHO, Nelly Novaes. O conto de fadas. São Paulo: Ática, 1998.
GILLIG, Jean-Marie. O conto na psicopedagogia. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1999.
KHEDE, Sônia Salomão. Personagens da literatura infanto-juvenil.
São Paulo: Ática, 1986.
MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. São Paulo:
Cultrix, 1999.
PERRAULT, Charles. Contos de Perrault. Belo Horizonte: Itatiaia,
1989.
PROPP, Vladimir. As raízes históricas do conto maravilhoso. São
Paulo: Martins Fontes, 1997.
_______________. Morfologia do conto maravilhoso. Rio de
Janeiro: Forense-Universitária, 1984.
SILVA, Victor Manuel de Aguiar e. Teoria da literatura. Coimbra:
Livraria Almedina, 1988.
WARNER, Marina. Da fera à loira: sobre contos de fadas e seus
narradores. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
FONTES DAS IMAGENS
1. http://www.adobe.com/go/getflashplayer
Responsável: Profª Edilene Ribeiro
Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

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