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E D I T O R I A L A revista Cidadania & Meio Ambiente é uma publicação da Câmara de Cultura Caros amigos, Pode-se desvincular “mudança climática” de “Economia Verde e sustentabilidade”? Nem os cada dia mais desacreditados “céticos do aquecimento global”conseguem sacar argumentos para justificar a bizarrice de tal divórcio. Por isso mesmo, os debates centrais e periféricos da Rio+20 não poderão se furtar à análise do modelo de desenvolvimento consubstanciado no “mercado”, entidade responsável pela crise econômico-financeira e pela perpetuação das iniqüidades socioambientais. Por isso não ficarão de fora dos painéis oficiais e paralelos as questões de segurança energética, alimentar, hídrica, climática, bioecológica e social. Telefax (21) 2487 4128 (21) 8197 6313 . 8549 1269 [email protected] www.camaradecultura.org Representante Comercial - Brasilia Armazem Eventos e Publicidade PABX (61) 3034 8677 [email protected] Diretora [email protected] Editor Como ponderam os autores dos artigos selecionadas para esta edição, a Rio+20 só se transformará numa alavanca de mudanças com o apoio da sociedade civil bem informada e, agora, dotada de efetivo poder de pressão e ação graças às redes sociais. A Rio+20 é nos oferece a chance de imprimirmos um novo rumo a nosso destino na Terra. Helio Carneiro Editor Hélio Carneiro [email protected] Subeditor Henrique Cortez [email protected] Projeto Gráfico A Rio+20 não deve nem pode se transformar apenas numa feira de alavancagem de “negócios verdes” – intenção de boa parte da governança global ao alegar que o momento de “crise” não permite acelerar a transição rumo à uma era de equilíbrio entre Planeta e sustentabilidade. Embora a governança global continue a avalizar o “mercado” e a infringir mais ansiedade e pobreza nas sociedades, ela já não se consegue enfiar goela abaixo da opinião pública seus deletérios argumentos. A Economia Verde – nascida como business – agora se revela fundamental para nos levar ao patamar da gestão consciente e sustentável do consumo. As propostas a ser analisadas na Rio+20 deverão brindar soluções para reverter a grande contradição embutida no estágio atual da Economia Verde: a de que ela só produz riqueza quando há escassez de recursos naturais. Ou seja, livrá-la das garras especulativas do “mercado”. Cabe sobretudo à sociedade civil desmascarar a armadilha dos que cooptam e desvirtuam as potencialidades da Economia Verde para ganho próprio – não para o bem-estar geral. Regina Lima Lucia H. Carneiro [email protected] Colaboraram nesta edição Achim Steiner Adrian G. White Alan AtKisson André Giacini de Freitas Camila Moreno CEPAT Cesar Sanson Hans Herren Ignacy Sachs Instituto Humanitas Unisinos (IHU) João Peres (Rede Brasil) Kathleen Rogers Michael Löwy PNUD Prof Mohan Munasingh Raquel Junia Ricardo Luis Mascheroni Severn Cullis-Suzuki UNEP/GRID-Arendal Visite o portal EcoDebate www.ecodebate.com.br Uma ferramenta de incentivo ao conhecimento e à reflexão através de notícias, informações, artigos de opinião e artigos técnicos, sempre discutindo cidadania e meio ambiente, de forma transversal e analítica. Cidadania & Meio Ambiente também pode ser lida e/ou baixada em pdf no portal www.ecodebate.com.br A Revista Cidadania & Meio Ambiente não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos em matérias e artigos assinados. Editada e impressa no Brasil. ISSN217-630X 977217763007 038 Nº 38 – 2012– ANO VII Capa: UN Photo/Parque Kibae - Corea RUMO À RIO+20 6 Linha do tempo do cinismo ambiental 9 Reflexões sobre o Dia da Terra Confira o histórico dos acordos ambientais, da privatização da natureza pelo modelo capitalista e os verdadeiros móbiles embutidos no discurso da Economia Verde. Por Raquel Junia O sucesso ou o fracasso das políticas de preservação do planeta dependem menos de ações dos governos e mais da decisão e da consciência dos povos. Por Ricardo Luis Mascheroni 10 Planeta habitável: o maior desafio humano 12 Rio+20 e a propaganda da Economia Verde 14 As florestas na Rio+20 16 Economia Verde + felicidade nacional = mundo sustentável Segundo o biólogo, a Terra deve ser administrada como o sistema biofísico que é, e deixar de exaurir os recursos naturais finitos, antes que seja tarde demais. por Thomas Lovejoy A Economia Verde nada mais seria que o capitalismo de mercado traduzindo em lucro e rentabilidade propostas técnicas verdes bastante limitas. Entrevista com Michael Löw A liquidação das florestas tropicais e subtropicais precisa ser sustada se quisermos uma Economia Verde. Confira como isso ainda é possível via certificação florestal. Por André Giacini de Freitas Economia Verde e Felicidade Nacional revela as diferenças entre crescimento que enriquece e empobrece, alicerçando o advento de uma nova era de sustentabilidade. Por Alan AtKisson 20 A transição para uma economia verde 22 As mulheres devem liderar a Economia Verde 26 Não há desenvolvimento sustentável sem alimento para todos 28 Objetivos de Consumo do Milênio – nova esperança 30 O “Brasil Grande” que pensa pequeno 34 O protagonismo dos emergentes A Cúpula do Rio poderá marcar um ponto de virada nos assuntos globais, um momento em que a estabilidade ambiental seja transformada em realidade. Por Achim Steiner Confira porque a autora advoga a participação das mulheres na construção de uma nova sociedade, já que elas estão na linha de frente das mudanças climáticas. Por Kathleen Rogers e PNUD O alimento é uma necessidade humana, não um produto sujeito às especulações do mercado internacional, que lucra com a fome de mais de 1,5 bilhão de indivíduos. Por Hans Herren Confira porque a iniciativa OCM, a ser debatida no Fórum da Rio+20, pode ajudar a preservar o planeta, proteger os pobres e promover a prosperidade. Por Prof Mohan Munasingh: Às vésperas da Rio+20, esta análise alinhava os pontos que indicariam um retrocesso na agenda socioambiental do país. Por IHU, CEPAT e Cesar Sanson Sob o álibi da crise econômico-financeira mundial, as nações ricas não irão levar propostas inovadoras à conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável. Por Ignacy Sachs Índice Global de irradiação UV 2012 COP 15 WWWF FRANCE Linha do tempo do cinismo ambiental Em sua palestra “Rio+20: a quem serve a Economia Verde?”, a pesquisadora Camila Moreno traça um detalhado histórico dos acordos ambientais, da privatização da natureza pelo modelo capitalista e analisa os verdadeiros móbiles embutidos no discurso da Economia Verde. Por Raquel Junia Q uase ninguém mais consegue negar que o mundo vive hoje uma crise ambiental – poluição do ar, do solo, das águas, extinção de espécies, inundações, desabamentos, falta d’água – enfim, inúmeras evidências de que há um desequilíbrio no meio ambiente. Mas o que pode ainda não estar tão claro é que, apesar de perversa para a maior parte das pessoas, a destruição dos bens naturais pode gerar lucros para uma minoria. E como isso acontece? “Se existisse floresta por todos os lados, alguém pagaria por um espaço para que as araras pudessem se reproduzir? Se tivesse água limpa por todos os cantos alguém pagaria por água?”, indaga a pesquisadora ao explicar que a Economia Verde carrega a 6 “Para falar de Economia Verde e Rio+20, primeiro temos que falar sobre o que é uma Conferência das Nações Unidas – lança Camila Moreno, coordenadora de sustentabilidade da Fundação Heinrich Böll e observadora atenta das convenções sobre clima e biodiversidade das Nações Unidas. Em tese, o voto de um país africano vale o mesmo que o voto da Alemanha ou da França. Mas a estrutura montada para governar o mundo vem passando por profundas transformações e sendo profundamente questionada. A formação de grupos de países – como os G7 e G20 –, alterou a correlação de forças dentro das Nações Unidas, dando mais poder às grandes potências”, explica Camila. A Organização das Nações Unidas surgiu em 1944, em substituição à Liga das Nações, que Camila comprara a uma reunião dos super-heróis de desenho animado empenhados em “salvar o mundo do mal”. “Depois da 2ª Guerra Mundial é impossível pensar o mundo sem multilateralismo. Na ONU cada país tem direito a um voto. Transformações também ocorreram no conceito “economia”, fato fundamental para a compreensão da proposta de “Economia Verde”. Camila observa que o vocábulo economia provem do grego ‘oikos’, que significa cuidar da casa, gerir o abastecimento, garantir a alimentação, o plantio, etc. O dinheiro, símbolo da economia atual, nem sempre se apresentou na grande contradição de só produzir riqueza quando há escassez dos recursos naturais. forma de papel ou moedas, como hoje. “Ao longo da história foram utilizadas conchas, sementes de cacau, pecinhas de cerâmica e outros artifícios para que as pessoas trocassem e o valor nas trocas permanecesse estável”. Mas as ideias econômicas ligadas a crescimento fazem parte da história mais recente. “Quando se pensa em oikos não se pensa em derrubar a casa dos outros, ocupar e passar por cima, e ir crescendo e acumulando”. LINHA DO TEMPO Camila destaca vários momentos importantes para compreender o mundo que chega à Rio+20 com a proposta oficial da Economia Verde como solução para a crise mundial. Seguindo a linha do tempo, a pesquisadora ressalta a realização da Conferência de Bretton Woods – quando foram criados o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) – e a Guerra Fria, que dividiu o mundo nos blocos socialista e capitalista. Da mesma forma, a própria criação da ONU e da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), então presidida pelo brasileiro Josué de Castro, é considerada um marco nesse processo. “Josué de Castro colocou bem claro que a fome e a questão da alimentação do mundo são problemas essencialmente políticos. Naquele momento, a estratégia da Guerra Fria – vencer o bloco comunista – foi promover a Revolução Verde baseada na ideia de transformar massivamente os ecossistemas do mundo em grandes monoculturas dependentes de sementes híbridas. Pela primeira vez na História, os camponeses tiveram de comprar sementes a cada colheita e usar todos os químicos que sobraram da 2ª Guerra”, critica. Entretanto, houve quem questionasse o discurso da Revolução Verde, como o livro Primavera Silenciosa, da bióloga norte-americana Rachel Carsons, em 1962, marco inicial do movimento ambientalista que a partir dos EUA ganhou outros países. “Estudando os botos na costa da Califórnia, ela descobriu que toda a vida marinha estava profundamente contaminada pelo uso cumulativo dos agrotóxicos que adentram a terra, permeiam o ciclo das águas e não saem mais da natureza. Ela diagnosticou não apenas a extinção de várias espécies, mas também que esses venenos químicos chegavam à maioria da população”. No início dos anos 70, outra publicação teve papel importante no processo que culminará com a Rio+20, mas, dessa vez, corroborando o UN Photo/JC McIlwaine A Economia Verde carrega a grande contradição de só produzir riqueza quando há escassez dos recursos naturais. “ ” pensamento de “privatização da natureza”. Trata-se do texto A tragédia dos Bens Comuns, de Garret Hardin, que defendia a ideia de que tudo que é público está fadado a desaparecer. É nesse contexto, segundo Camila, que se realiza a conferência inaugural da ONU sobre Meio Ambiente, em 1972, na cidade de Estocolmo. “Pela primeira vez esses países, no âmbito das Nações Unidas, se juntam para pensar o meio ambiente humano. Só que um ano depois da Conferência, quando deveria ser lançada uma agenda para pensar como proteger o meio ambiente como um bem comum, acontece o baque da Crise do Petróleo”. A pesquisadora conta que nesse momento é criada a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), e a economia entra na época da “financeirização”, com o término do lastro monetário em ouro. “Hoje como o dinheiro é todo virtual, como a economia internacional está entregue ao capital financeiro nas bolsas de valores, o sistema econômico precisa dar um salto e é esse salto que vai se cristalizar na Rio+20, onde o esforço será o de convencer o mundo de que agora entramos na era do ‘capital natural’”. Nos anos 80, continua Camila, o então presidente dos EUA Ronald Reagan e a primeira ministra britânica Margareth Thatcher protagonizaram outro momento importante ao defender e colocar em prática as políticas neoliberais. As reformas implementadas pelos dois governantes – os “ajustes estruturais” – con- sistiram em privatização e precarização dos direitos dos trabalhadores. Essas medidas que transformaram todas as economias ficaram conhecidas como “Consenso de Washington”. Além dele, outro consenso também fora forjado um ano antes – o relatório “Nosso futuro Comum”, organizado pela primeira ministra noruguesa Gro Harlem Brundtland a pedido das Nações Unidas. Nele surge pela primeira vez a expressão “desenvolvimento sustentável”. Camila destaca a semelhança do nome desse relatório com o título do documento da Rio+20: “O futuro que queremos”. Mas a pergunta que não quer calar é: “quem queremos?” Para Camila, essa é a pergunta que devemos fazer: quem fala em nome de nós? A quem interessa?”. A QUEDA DO MURO DE BERLIM O ano de 1989, marcado pela queda do Muro de Berlim e pelo fim da Guerra Fria, também é outro período fundamental para entender a conjuntura do mundo. Pouco depois, em 1992, é realizada no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – a ECO 92. “A Conferência do Rio, sob o governo do Collor, foi a celebração da vitória de um sistema sobre o outro. Por isso trouxe ao Rio 108 chefes de estado e de governo. Em nenhuma outra ocasião tantas autoridades mundiais estiveram juntas em um mesmo lugar. Um feito histórico até hoje jamais repetido”, diz. Camila. E para dar uma justificativa à sociedade civil, na Conferência foram assinadas três convenções sobre clima, diversidade biológica e combate à desertificação – os mesmos temas da pauta da Economia Verde. “Vinte anos depois, o que a Conferência Rio+20 oferece é: o mercado do clima, da biodiversidade e do solo”, resume a pesquisadora. DEZ ANOS DA ECO 92 Seguindo a linha do tempo, Moreno chega a 2002, à Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, realizada, em Joanesburgo, África do Sul, e também conhecida como Rio+10. Segundo a pesquisadora, a Conferência foi um fracasso porque os governos tiveram que reconhecer que muito pouco fora feito em 10 anos após a ECO 92. Naquele momento, a solução apresentada pelos países para os problemas ambientais foi a “parceria público-privada”, quando ganhou força a ideia de que as empresas precisam ser sócias dos governos para a sustentabilidade acontecer. Cidadania&MeioAmbiente 7 “Dez anos antes, na Rio 92, era impensável que uma empresa estivesse sentada dentro das Nações Unidas. Isso mudou drasticamente em dez anos. O setor privado e todas as instituições que visam lucro começaram a se legitimar como parte do processo de governança mundial”. Bolsa Verde do Rio, e as recentes mudanças no Código Florestal Brasileiro. “Durante a Rio+20 haverá um evento imperdível: o lançamento da Bolsa Verde do Rio. O que será vendido? Créditos de carbono, direitos de emissão de efluentes químicos na Baía de Guanabara, títulos das UPPs [Unidades de Polícia Pacificadora], porque para fazer bons negócios é preciso ter a pobreza pacificada e militarizada”, afirma. Em 2005, os movimentos sociais conquistam uma vitória com o plebiscito contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Outro evento importante, segundo Camila, foi o furacão Katrina, nos EUA, que expôs a fragilidade do meio ambiente e das populações pobres às mudanças climáticas. Em 2006, outro relatório ganha a cena: o documento “A Economia das Mudanças Climáticas” ou “Relatório Stern”, redigido sob encomenda do governo britânico por Nicholas Stern, ex-economista chefe do Banco Mundial. Camila destaca que o documento vê oportunidades de negócios com o aquecimento global via, por exemplo, produção de agrocombustíveis. Segundo a pesquisadora, a partir desse relatório, o termo “economia de baixo carbono” começa a ganhar peso nos discursos dos governantes. Já em 2008, seguindo a linha do tempo, explode a crise financeira internacional. “Recomendo que vocês assistam o filme Trabalho Interno (Inside Job), brilhante documentário sobre a formação dos economistas que conscientemente foram cúmplices da crise financeira, e sobre como o sistema se aproveita das crises para crescer. Ou seja, a crise ambiental não é um obstáculo ao capital, é uma oportunidade de negócios”. Segundo Camila, a partir de então o discurso “verde” ganha ainda mais corpo. A pesquisadora destaca que governos mundiais já entraram em acordo sobre uma métrica para precificar os serviços ecossistêmicos , como polinização, ou a renovação do ar. “A bolsa de carbono é um mercado de compra e venda do direito de poluir o ar. Hoje já existem dois projetos de lei que tratam sobre como será a legislação para determinar o pagamento de serviços ambientais. Um deles, que supostamente vale bilhões, é a polinização. Mas a pergunta que não quer calar é: como eu pago as abelhas? Qual é o sindicato das abelhas? Quem vai receber em nome das abelhas?”. HEGEMONIA DOS CONSENSOS A pesquisadora reforça o quanto o conceito de hegemonia é fundamental para compre- 8 UN Photo/Mark Garten Vinte anos depois, o que a Conferência Rio+20 oferece é o mercado do clima, da biodiversidade e do solo. “ ” ender os consensos forjados ao longo da história, inclusive o que se aproxima, de defesa da Economia Verde, na Rio+20. “A Economia Verde diz, por exemplo, que as cidades são as mais eficientes e que é ineficiente viver no campo. Uma das tarefas da Economia Verde é esvaziar o campo porque é impossível vender pacotes tecnológicos de transmissão de energia eólica, energia solar e vender patentes para as pessoas dispersas em assentamentos, para povos indígenas e quilombolas, que usam muito pouco dinheiro. O campo deve ser o local onde se vai produzir ecoturismo e vender pagamento por serviços ambientais. Mais uma vez, perguntas básicas que 3 não querem calar: quem pode vender serviços ambientais? Quem é o proprietário da terra? E sabemos que o Brasil é o país com a maior desigualdade em concentração de terra do planeta. Então, quem irá vender e lucrar novamente será o agronegócio.” Camila encerrou sua apresentação abordando mais dois instrumentos de implementação da Economia Verde em curso no Brasil: a Sobre o Código Florestal, ela explica que o principal capítulo da nova legislação fala justamente sobre incentivos financeiros, fator emblemático da Economia Verde. “O capítulo 10 especifica que cada hectare de cobertura vegetal que os proprietários de terra tenham poderá ser inscrito no cadastro rural. Dessa forma, será emitida uma cédula de cobertura vegetal, que o proprietário terá 30 dias para registrar na bolsa de valores, já que isso poderá ser comprado e vendido. Ou seja, a partir da aprovação do Código Florestal, o fiscal do Ibama pode chegar em uma monocultura de cana de açúcar de 5 mil hectares, com trabalho escravo, e perguntar: ‘cadê a reserva legal?’ Ele vai olhar em volta e não vai ver nenhuma árvore, mas o proprietário vai dizer assim: ‘tá aqui o papel, aqui está a minha reserva legal, eu tenho tantos hectares no Tocantins’”. Para a pesquisadora, esse é um prenúncio do que pode acontecer em escala mundial, embora ainda haja obstáculos a essa proposta que precisam ser potencializados. “Daqui a alguns anos poderá existir um mercado do que ainda resta da natureza e quem ganhará com a Economia Verde serão os proprietários dos recursos naturais. O grande obstáculo para isso é que ainda existam no mundo bens comuns, áreas de uso coletivo e povos e populações que ainda acreditem que não é privatizando e nem através do comércio que se vai construir outra sociedade e outra natureza”, conclui Camila Moreno. ■ Camila Moreno – Coordenadora de sustentabilidade da Fundação Heinrich Böll, membro do GT de Ecologia Política do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso) e do Conselho Internacional da Red por uma America Latina Libre de Transgenicos (RALLT). Texto produzido a partir reportagem de Raquel Júnia, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/ Fiocruz) sobre a aula inaugural da EPSJV/Fiocruz (22;03;2012 proferida por Camila Moreno. Texto publicado no portal EcoDebate (03/04/2012). Joost J. Bakker IJmuiden O sucesso ou o fracasso das políticas de preservação do planeta dependem menos de ações dos governos e mais da decisão e da consciência dos povos. Reflexões sobre o Dia da Terra Ricardo Luis Mascheroni E ste 22 de abril, como nos últimos 42 anos, assinala o Dia Mundial da Terra, chamado de proposta da Bolívia em 2009, o Dia Internacional da Mãe Terra (em quéchua: Pachamama). Desta vez, o dia deve adquirir um significado especial em virtude do cumprimento de duas décadas da Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro, (RIO ECO 92), evento que levou muitos a acreditar que estávamos frente ao despertar de um novo mundo mais ecológico e menos injusto socialmente. As esperanças e utopias em uma relação mais harmoniosa, racional e menos agressiva ao meio ambiente não só não se concretizou como, em muitos aspectos, aprofundou a degradação, tornando a Terra um lugar de sobrevivência cada vez mais difícil, especialmente para os habitantes dos países pobres. Nos dias da ECO 92, o conceito de “desenvolvimento sustentável”, inventado por quem tem poder de vida e de morte sobre o planeta, parecia ser a varinha mágica que resolveria tudo, gerando a “terra prometida”, na qual os estreitos interesses econômicos, a desigualdade e a destruição dariam lugar à solidariedade e à preservação ambiental. A Rio +20 está chegando e os problemas ambientais igualam a obscena acumulação de riqueza, ambos em níveis recordes. O conceito de desenvolvimento sustentável – sinônimo de desenvolvimento econômico, desenvolvimento verde e outras variantes – nunca teve sua definição totalmenteconcluída, muito menos avançou em sua efetiva materialização e implementação. Se isso tivesse sido feito, a realidade social e ambiental seria completamente diferente. Na verdade, a idéia de desenvolvimento sustentável prosperou e acima de tudo serviu como enfeite dos discursos e declarações de uma massa heterogênea de autoridades ambientais e políticas, tornando-se uma cola que se estende e acomoda todas as circunstâncias. 20 anos depois e frente ao fracasso casual ou deliberado de políticas para preservar o planeta, os responsáveis pelo desastre sabem que precisam atualizar conceitos e, muito especialmente, impor novos slogans numa espécie de guerra cultural colonizadora para reavivar as esperanças e utopias de milhões de indivíduos que acreditam sinceramente e inocentemente que os organismos internacionais, até hoje mantenedores do status quo da apropriação de recursos, possam variar as tendências nesse sentido. E pensar que a desacreditada ONU – que provou sua ineficiência e ineficácia absolutas em resolver por meios pacíficos as muitas guerras que proliferaram no mundo nos últimos 50 anos – possa resolver os problemas sociais e ambientais, é pecar por excesso de perigosa inocência. Os dados numéricos das políticas globais alinhavados a seguir revelam o completo fracasso, senão o genocídio encoberto, que assola a população mundial e mostram: ❚ 1,020 bilhão de indivíduos cronicamente subnutridos; ❚ 1 bilhão de indivíduos sem acesso à água potável; ❚ 1 bilhão de indivíduos “sem teto”; ❚ 1,6 bilhão de indivíduos sem eletricidade; ❚ 2,5 bilhões de indivíduos sem esgoto; ❚ 800 milhões de indivíduos analfabetos; ❚ 18 milhões de indivíduos morrendo a cada ano devido à pobreza (a maioria crianças menores de cinco anos de idade). Confrontado com estes dados de organizações internacionais somos tentados a dizer que este é o trágico saldo de 20 anos do decantado “desenvolvimento sustentável” que prevalece na Terra. No RIO 2012, a ser realizada em junho, no Brasil, as novas criações ideológicas elaboradas, internalizadas e repetidas pelo poder global são “Economia Verde” e “governança global”. Termos quase esotéricos para neófitos ou não, que deliberadamente nada têm de preciso e de interpretação duvidosa para a maioria das pessoas, embora sejam ouvidas regularmente das bocas de especialistas, funcionários governamentais, ONGs e recheiem os relatórios de especialistas e jornalistas. Através da “Economia Verde” poder-se-á mensu- rar, pesar e precificar os bens comuns (os ditos recursos naturais), que serão cotados nas bolsas, monitorados e distribuídos pelo onipresente mercado. Assim, o capital natural comum entra numa fase de monetização e financeirização via créditos de carbono, sacos verdes e outras iniciativas que tornam os gestores de private equity protetores desses bens. Quem mais tem, mais pode e, portanto, os detentores do poder econômico e financeiro serão os que mais se apropriarão mais destes bens sem qualquer questionamento, pagando em dinheiro sonante os países detentores desses assets naturais, mas cujas populações terão seu futuro e sua qualidade de vida comprometidos enquanto outros indivíduos ficam melhor às suas custas. Por sua vez, a “governança global” se constituirá numa espécie de organismo supranacional – na esfera não das Nações Unidas – para monitorar ou controlar o uso destes bens comuns. Uma espécie de raposa solta no galinheiro. Tenham em mente o que acabamos de expressar e verão como em um tempo não muito longo esses termos vão começar a ressoar em seus ouvidos, tal como um canto da sereia a anunciar a boa nova de que algo está mudando em favor de Pacha Mama. Saibam também que o poder global não faz concessões, muito menos está disposto a desistir de seus privilégios e regalias, tampouco às vantagens e satisfações que o modelo de desenvolvimento agressivo lhes tem garantido, embora venha condenando grande parte do mundo à pobreza mais cruel e vergonhosa. Espero que nas próximas duas décadas eu continue a escrever estas reflexões, e que vocês continuem a lê-las e para apontar meus erros e maus presságios de hoje... que assumirei de bom grado. ■ Ricardo Luis Mascheroni - Docente e pesquisador universitário de Santa Fe - Argentina . O texto original Reflexiones en el Día de la Terra: Hacia Río+20 foi publicado em www.ecoportal. net e em www.ecodebate.com.br (10/04/2012). Cidadania&MeioAmbiente 9 Segundo o biólogo, a Terra deve ser administrada como o sistema biofísico que é antes que seja tarde demais. por Thomas Lovejoy M yg ot hl au nd ry Planeta habitável: o maior desafio humano E m um cavernoso centro de conferências em Londres, tão destituído de vida que parece um set do filme Matrix, 3.000 cientistas, autoridades e membros de organizações da sociedade civil reuniramse na última semana de março de 2012 para discutir o estado do planeta e o que fazer a respeito. to do meio ambiente progride inexoravelmente, o gelo do Ártico afinou e retrocedeu ao seu menor ponto no verão, e foi associado a uma primavera excepcionalmente quente na Europa e na América do Norte, onde as flores nasceram cedo. A maior parte das pessoas só repara em como o tempo está agradável, sem ter noção da marcha da mudança climática. A Conferência Planeta Sob Pressão se propõe a alimentar diretamente a Conferência de Desenvolvimento Sustentável da ONU, a Rio+20, em junho, 20 anos após o Encontro da Terra, que reuniu o maior número de chefes de Estado e produziu, entre outras coisas, duas convenções internacionais, uma de mudança climática e outra de diversidade biológica. Desde a revolução industrial, as nações desenvolvidas contribuíram significativamente para a emissão dos gases de efeito estufa (GEE). E isso levou a uma diferenciação dos países no Protocolo de Kyoto, originalmente adotado em 1997, basicamente dando tempo para as nações em desenvolvimento melhorarem suas economias antes de serem obrigadas a tomar medidas exponenciais. Não se pode dizer que nesse ínterim nada foi alcançado ou que a compreensão científica ficou parada. Mas é óbvio que novos estudos não são necessários para se concluir que a humanidade fracassou em agir com a escala e a urgência necessárias. Nos EUA, em particular, mas não exclusivamente, atenção demais foi dada a uma questão inexistente, ou seja, se a mudança climática é real ou não. Enquanto isso, o aquecimen- 10 À época, a resposta dos Estados Unidos foi abdicar de sua posição tradicional de liderança, com uma votação no Senado baseada na noção míope de que não havia sentido fazer nada se a China e a Índia mantivessem suas políticas de expansão de usinas a carvão. Enquanto isso, a China está fazendo um progresso mensurável em descarbonizar sua economia, e se tornou o maior produtor de painéis solares no mundo. Mas a questão diante da humanidade é, de fato, maior do que a combustão de combustível fóssil e muito maior do que a mudança climática. O Instituto Ambiental de Estocolmo resumiu muito bem a situação em uma análise que identificou uma Terra extrapolando seus limites planetários de três formas: mudança climática, uso de nitrogênio e perda de biodiversidade. Nitrogênio – O uso frequente e excessivo de fertilizantes de nitrogênio, primariamente pela agricultura industrializada, poluiu rios e lagos e, por sua vez, as águas costeiras ao redor do mundo. As zonas mortas resultantes nas águas costeiras e nos estuários foram privadas de oxigênio e em grande parte estão sem vida. Elas dobraram em número a cada década durante quatro décadas – um aumento fatorial de 16. A quantidade de nitrogênio biologicamente ativo no mundo é o dobro do nível natural. Diversidade biológica – Aqui ocorre a maior violação perpetrada nos limites planetários. Isso porque, por definição, todos os problemas ambientais afetam os sistemas vivos, e a diversidade biológica integra todos eles. Reduzir o capital biológico é pura loucura. O planeta funciona como um sistema biofísico que modera o clima (mundial, continental e regional) e forma o solo e sua fertilidade. Os ecossistemas oferecem uma variedade de serviços, inclusive o fornecimento de água limpa e confiável. A diversidade biológica é uma biblioteca viva essencial para a sustentabilidade. Cada espécie representa um conjunto de soluções único para uma série de problemas biológicos, e pode ser de importância crítica ao avanço da medicina, da agricultura produtiva, da biologia que fornece a atual sustentação para a humanidade e, mais importante, pode fornecer soluções para o desafio ambiental. PERDA DE BIODIVERSIDADE DEVIDO À CONTÍNUA EXPANSÃO DA AGRICULTURA, À POLUIÇÃO, ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E À INSTALAÇÃO DE INFRAESTRUTURA Olhando para o futuro, não temos apenas que lidar com esses problemas em escala planetária, mas também encontrar formas de alimentar e produzir uma qualidade de vida decente para pelo menos dois bilhões de pessoas além dos sete bilhões que já estão aqui. Precisamos fazer isso sem destruir mais ecossistemas e perder mais diversidade biológica. A inventividade humana deve se abrir ao desafio. Mas tem que reconhecer o problema e lidar com ele imediatamente. Em grande escala. Um passo importante, a criação da organização o “Futuro da Terra”, foi anunciado na conferência. Ela reunirá todas as disciplinas científicas relevantes para trabalhar neste que é o maior desafio na história da nossa espécie. Isso é essencial porque muitos cientistas físicos parecem cegos à importância da biologia no funcionamento do planeta vivo e como ela pode prover soluções críticas. A economia e as ciências sociais também são críticas. A história vai medir o impacto da conferência do Planeta Sob Pressão e se a Rio+20 vai enfrentar o desafio. Chegou a hora de entender que este planeta que nos deu a existência deve ser administrado como o sistema biofísico que é. É hora de botar as mãos no volante, não para salvar o planeta, mas para mantê-lo habitável. ■ Biodiversidade em percentual de espécies abundantes antes dos impactos antropogênicos Thomas Lovejoy – Professor de ciências e política pública na Universidade George Mason e diretor de biaodiversidade do Centro H. John Heinz III de Ciência, Economia e Meio-Ambiente. O artigo The Greatest Challenge of Our Species foi publicado no jornal International Herald Tribune e pelo IHU On-line (publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS) e pelo portal EcoDebate (09/04/2012). Impacto alto 0 – 25 Impacto alto-médio 25 – 50 Impacto médio-baixo 50 – 75 Impacto baixo 75 – 100 % Abundância média de espécies Fonte: GLOBIO; Alkemade et al., 2009. Cartógrafo/designer: Hugo Ahlenius, Nordpil. Link para o site: http://www.grida.no/_res/site/file/publications/FoodCrisis_l ... Cidadania&MeioAmbiente 11 Philippe Put PARA O ECOSSOCIALISTA MICHAEL LÖWY, A “ECONOMIA VERDE” É NADA MAIS QUE A ECONOMIA CAPITALISTA DE MERCADO QUE BUSCA TRADUZIR EM TERMOS DE LUCRO E RENTABILIDADE ALGUMAS PROPOSTAS TÉC- “VERDES” LIMITADAS. NICAS BASTANTE Entrevista com Michael Löwy Rio E a propaganda da +20 ‘Economia Verde’ CAROS AMIGOS – O QUE VOCÊ ESPERA DA RIO+20, TANTO DO PONTO DE VISTA DAS DISCUSSÕES QUANTO DA EFICÁCIA DE POSSÍVEIS DECISÕES TOMADAS? Michael Löwy – Nada! Ou, para ser caridoso, muito pouco, pouquíssimo… As discussões já estão formatadas pelo tal “Draft Zero”, que como bem diz (involuntariamente) seu nome, é uma nulidade, um zero à esquerda. E a eficácia, nenhuma, já que não haverá nada de concreto como obrigação internacional. Como nas conferências internacionais sobre o câmbio climático em Copenhagen, Cancun e Durban, o mais provável é que a montanha vai parir um rato: vagas promessas, discursos, e, sobretudo, bons negócios ‘verdes”. Como dizia Ban-Ki-Moon, o secretário das Nações Unidas – que não tem nada de revolucionário – em setembro 2009, “estamos com o pé colado no acelerador e nos precipitamos ao abismo”. Discussões e iniciativas interessantes existirão sobretudo nos fóruns Alternativos, na ContraConferência organizada pelo Fórum Social Mundial e pelos movimentos sociais e ecológicos. vez mais consciente de necessidade de proteger o meio ambiente – não para “salvar a Terra” – nosso planeta não está em perigo – mas para salvar a vida humana (e a de muitas outras espécies) nesta Terra. Infelizmente, os governos, empresas e instituições financeiras internacionais representados no Rio+20 são pouco sensíveis à inquietude da população, que buscam tranquilizar com discursos sobre a pretensa “economia verde”. Entre as poucas exceções, o governo boliviano de Evo Morales. QUÃO PROFUNDAS FORAM ESSAS MUDANÇAS? C.A – COMO A DESTRUIÇÃO DO MEIO-AMBIENTE RELACIONA-SE COM A DESIGUALDADE SOCIAL? M.L – As primeiras vítimas dos desastres ecológicos são as camadas sociais exploradas e oprimidas, os povos do Sul e em particular as comunidades indígenas e camponesas que vêem suas terras, suas florestas e seus rios poluídos, envenenados e devastados pelas multinacionais do petróleo e das minas, ou pelo agronegócio da soja, do óleo de palma e do gado. Há alguns anos, Lawrence Summers, economista americano, num informe interno para o Banco Mundial, explicava que era lógico, do ponto de vista de uma economia racional, enviar as produções tóxicas e poluidoras para os países pobres, onde a vida humana tem um preço bem inferior: simples questão de cálculo de perdas e lucros. M.L – Mudanças muito superficiais! Enquanto a crise ecológica se agrava, os governos – para começar o dos Estados Unidos e dos demais países industrializados do Norte, principais responsáveis do desastre ambiental – “lidaram com o tema”, desenvolveram, em pequena escala, fontes energéticas alternativas, e introduziram “mecanismos de mercado” perfeitamente ineficazes para controlar as emissões de CO2. No fundo, continua o famoso “busines as usual”, que, segundo cálculo dos cientistas, nos levará a temperaturas de 4° ou mais graus nas próximas décadas. Por outro lado, o mesmo sistema econômico e social – temos que chamá-lo por seu nome e apelido: o capitalismo – que destrói o meio-ambiente é responsável pelas brutais desigualdades sociais entre a oligarquia financeira dominante e a massa do “pobretariado”. São os dois lados da mesma moeda, expressão de um sistema que não pode existir sem expansão ao infinito, sem acumulação ilimitada – e, portanto, sem devastar a natureza – e sem produzir e reproduzir a desigualdade entre explorados e exploradores. C.A – DESDE A ECO 92, HOUVE MUDANÇAS NA MANEIRA COMO OS ESTA- DOS LIDAM COM TEMAS COMO MUDANÇAS CLIMÁTICAS, PRESERVAÇÃO DAS FLORESTAS, ÁGUA E AR, FONTES ENERGÉTICAS ALTERNATIVAS, ETC.? SE SIM, O C.A – EM COMPARAÇÃO A 1992, A SOCIEDADE ESTÁ MUITO MAIS CIENTE DA NECESSIDADE DE PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE. ESSE FATO PODERÁ INFLUIR POSITIVAMENTE NAS DISCUSSÕES DA RIO+20? M.L – Esta sim é uma mudança positiva! A opinião pública, a “sociedade civil”, amplos setores da população, tanto no Norte como no Sul, está cada 12 C.A – ESTAMOS EM MEIO A UMA CRISE DO CAPITAL. QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS AMBIENTAIS E QUAL O PAPEL DO ECOSSOCIALISMO NESSE CONTEXTO? M.L – A crise financeira internacional tem servido de pretexto aos vários governos ao serviço do sistema de empurrar para “mais tarde” as medidas urgentes necessárias para limitar as emissões de gases com efeito de serra. A urgência do “ O sistema atual não pode existir sem expansão ao infinito, sem acumulação ilimitada, sem devastar a natureza e sem produzir e reproduzir a desigualdade entre explorados e exploradores. ” momento – um momento que já dura há alguns anos – é salvar os bancos, pagar a dívida externa (aos mesmos bancos), “restabelecer os equilíbrio contábeis”, “reduzir as despesas públicas”. Não há dinheiro disponível para investir nas energias alternativas ou para desenvolver os transportes coletivos. Ar tb ym ag s Social Mundial é uma das manifestações desta convergência na luta por um “outro mundo possível”, onde o ar, a água, a vida, deixarão de ser mercadorias. C.A – COMO ANALISA A MANEIRA COMO A QUESTÃO AMBIENTAL VEM SENDO TRATADA PELA MÍDIA? O ecossocialismo é uma resposta radical tanto à crise financeira, quanto à crise ecológica. Ambas são a expressão de um processo mais profundo: a crise do paradigma da civilização capitalista industrial moderna. A alternativa ecossocialista significa que os grandes meios de produção e de crédito são expropriados e colocados a serviço da população. As decisões sobre a produção e o consumo não serão mais tomadas por banqueiros, managers de multinacionais, donos de poços de petróleo e gerentes de supermercados, mas pela própria população, depois de um debate democrático, em função de dois critérios fundamentais: a produção de valores de uso para satisfazer as necessidades sociais e a preservação do meio ambiente. C.A – O “RASCUNHO ZERO” DA RIO+20 CITA DIVERSAS VEZES O TERMO “ECONOMIA VERDE”, MAS NÃO TRAZ UMA DEFINIÇÃO PARA ESSA EXPRESSÃO. NA SUA OPINIÃO, O QUE ESSE TERMO PODE SIGNIFICAR? SERIA ESSE CONCEITO SUFICIENTE PARA DETER A DESTRUIÇÃO DO PLANETA E AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS? M.L – Não é por acaso que os redatores do tal “rascunho” preferem deixar o termo sem definição, bastante vago. A verdade é que não existe “economia” em geral: ou se trata de uma economia capitalista, ou de uma economia não-capitalista. No caso, a “economia verde” do rascunho não é outra coisa do que uma economia capitalista de mercado que busca traduzir em termos de lucro e rentabilidade algumas propostas técnicas “verdes” bastante limitadas. Claro, tanto melhor se alguma empresa trata de desenvolver a energia eólica ou fotovoltaica, mas isto não trará modificações substanciais se não for amplamente subvencionado pelos estados, desviando fundos que agora servem à indústria nuclear, e se não for acompanhado de drásticas reduções no consumo das energias fósseis. Mas nada disto é possível sem romper com a lógica de competição mercantil e rentabilidade do capital. Outras propostas “técnicas” são bem piores: por exemplo, os famigerados “biocombustíveis”, que como bem o diz Frei Betto, deveriam ser chamados “necrocombustiveis”, pois tratam de utilizar os solos férteis para produzir uma pseudo-gasolina “verde”, para encher os tanques dos carros – em vez de comida para encher o estômago dos famintos da terra. C.A – QUEM SERIAM OS PRINCIPAIS AGENTES NA LUTA POR UMA SOCIEDADE MAIS VERDE, O GOVERNO, A INICIATIVA PRIVADA, ONGS, MOVIMENTOS SOCIAIS, ENFIM? M.L – Salvo pouquíssimas exceções, não há muito a esperar dos governos e da iniciativa privada. Nos últimos 20 anos, desde a Rio-92, eles demonstraram amplamente sua incapacidade de enfrentar os desafios da crise ecológica. Não se trata só de má-vontade, cupidez, corrupção, ignorância e cegueira: tudo isto existe, mas o problema é mais profundo: é o próprio sistema que é incompatível com as radicais e urgentes transformações necessárias. A única esperança então são os movimentos sociais e aquelas ONGs que são ligadas a estes movimentos (outras são simples “conselheiros verdes” do capital). O movimento camponês – Via Campesina -, os movimentos indígenas e os movimentos de mulheres estão na primeira linha deste combate; mas também participam, em muitos países, os sindicatos, as redes ecológicas, a juventude escolar, os intelectuais, várias correntes da esquerda. O Fórum M.L – Geralmente de maneira superficial, mas existe um número considerável de jornalistas com sensibilidade ecológica, tanto na mídia dominante como nos meios de comunicação alternativos. Infelizmente uma parte importante da mídia ignora os combates sócio-ecológicos e toda crítica radical ao sistema. C.A – ACREDITA QUE, ATUALMENTE, EM PROL DA PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE É DEIXADA APENAS PARA O CIDADÃO A RESPONSABILIDADE PELA DESTRUIÇÃO DO PLANETA E NÃO PARA AS EMPRESAS? EM SÃO PAULO, POR EXEMPLO, TEMOS QUE COMPRAR SACOLINHAS PLÁSTICAS BIODEGRADÁVEIS, ENQUANTO AS EMPRESAS SE UTILIZAM DO FATO DE SEREM SUPOSTAMENTE “VERDES” COMO FERRAMENTA DE MARKETING. M.L – Concordo com esta crítica. Os responsáveis do desastre ambiental tratam de culpabilizar os cidadãos e criam a ilusão de que bastaria que os indivíduos tivessem comportamentos mais ecológicos para resolver o problema. Com isso tratam de evitar que as pessoas coloquem em questão o sistema capitalista, principal responsável da crise ecológica. Claro, é importante que cada indivíduo aja de forma a reduzir a poluição, por exemplo, preferindo os transportes coletivos ao carro individual. Mas sem transformações macro-econômicas, ao nível do aparelho de produção, não será possível brecar a corrida ao abismo. C.A – QUAIS AS DIFERENÇAS NAS PROPOSTAS QUE QUEREM, DO PONTO DE VISTA AMBIENTAL, REALIZAR APENAS REFORMAS NO CAPITALISMO E AS QUE PROPÕEM MUDANÇAS ESTRUTURAIS OU MESMO A ADOÇÃO DE MEDIDAS MAIS “VERDES” DENTRO DE OUTRO SISTEMA ECONÔMICO? M.L – O reformismo “verde” aceita as regras da “economia de mercado”, isto é, do capitalismo; busca soluções que seja aceitáveis, ou compatíveis, com os interesses de rentabilidade, lucro rápido, competitividade no mercado e “crescimento” ilimitado das oligarquias capitalistas. Isto não quer dizer que os partidários de uma alternativa radical, como o ecossocialismo, não lutam por reformas que permitam limitar o estrago: proibição dos transgênicos, abandono da energia nuclear, desenvolvimento das energias alternativas, defesa de uma floresta tropical contra multinacionais do petróleo (Parque Yasuni!), expansão e gratuidade dos transportes coletivos, transferência do transporte de mercadorias do caminhão para o trem, etc. O objetivo do ecossocialismo é o de uma transformação radical, a transição para um novo modelo de civilização, baseado em valores de solidariedade, democracia participativa, preservação do meio ambiente. Mas a luta pelo ecossocialismo começa aqui e agora, em todas as lutas sócio-ecológicas concretas que se enfrentam, de uma forma ou de outra, com o sistema. ■ Michael Löwy – Cientista social, professor na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, da Universidade de Paris, e autor, entre outros, de. Ideologias e Ciência Social. Elementos para uma análise marxista (São Paulo: Cortez, 1985) e As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen (São Paulo: Cortez, 1998). Entrevista concedida a Bárbara Mengardo (edição 180 da revista Caros Amigos) e republicada pela IHU On-line, do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS, e pelo portal EcoDebate em 10/04/2012. Cidadania&MeioAmbiente 13 Origamidon As florestas A atual liquidação das florestas tropicais e subtropicais precisa ser interrompida se quisermos rumar para a preconizada Economia Verde. Confira como isso ainda é possível via certificação florestal. Por Andre Giacini de Freitas na Rio+20 E m junho de 2012, líderes políticos de todos os países vão se reunir no Rio de Janeiro para avaliar o progresso com desenvolvimento sustentável e discutir novas iniciativas para enfrentar a pergunta mais importante a ser respondida pela humanidade: como vamos sobreviver? Como poderemos sobreviver com uma população mundial em rápida expansão e ao mesmo tempo garantir aos bilhões de indivíduos que ainda hoje vivem na pobreza o inegável direito a uma vida digna e à prosperidade no contexto de um planeta com limitada e já estressada capacidade de sustento? Como reverter a situação de esgotamento cada vez mais acelerada dos recursos naturais e a capacidade de sustentação de nosso planeta em função de estilos de vida insustentáveis de uma crescente porção da população mundial? Estou convencido de que a conferência trará algumas respostas. O que não é suficiente. Não há mais tempo a perder, e as respostas precisam ser acompanhadas pela ação determinada da sociedade global. Infelizmente, não percebemos a mesma determinação e o mesmo entusiasmo que a Cúpula da Terra, também no Rio, desencadeou há vinte anos. E que foi o ponto de partida para as Convenções sobre as Mudanças Climáticas, Biodiversidade, Desertificação, o Global Environment Facility e outras boas iniciativas. Foi esta reunião de cúpula que 14 definitivamente colocou o desenvolvimento sustentável na agenda para não mais sair de cena. Mas a herança da Rio92 não se revelou suficiente para garantir a sobrevivência, e muito mais precisa ser feito. Ser fatalista não é a opção. Temos que usar cada oportunidade para transformar as tendências que a Rio +20 certamente trará para uma forte ecologização econômica da agenda política. E saúdo o papel do PNUMA em tornar este conceito tangível ao focar e mesclar com clareza objetivos ambientais e fins sociais, com especial ênfase na erradicação da pobreza. A Economia Verde é essencial para lidar com a crescente tensão entre o uso global dos recursos e a capacidade do planeta em sustentar tal uso por longo prazo. Inevitavelmente, essa transição econômica precisa ser conduzida por justiça social e equidade, caso contrário fracassará. O PNUMA afirma com razão: “As florestas são o alicerce da Economia Verde ao sustentar ampla gama de setores e meios de subsistência”. E: “a liquidação em curto prazo dos ativos florestais para ganhos privados limitados ameaça esse alicerce e precisa ser interrompida”. Esta mensagem é particularmente urgente para as áreas tropicais e subtropicais do mundo. Sustar o desmatamento e a degradação florestal é urgente já que as florestas mundiais têm a desempenhar papel chave na Economia Verde: via seqüestro e armazenamento de carbono, resistência às mudanças, manutenção dos ecossistemas de abastecimento de água, purificação, prevenção de inundações, e também por fornecer madeira para a construção civil sustentável, biomassa para produção energética e uma crescente gama de recursos alimentares e outros. E garantir o sustento e a subsistência de 1,6 bilhão de pessoas que dependem das florestas. Para o PNUMA, a certificação do manejo florestal sustentável via FSC (Forest Stewardship Council) constitui relevante contribuição para a mudança de tendências. No entanto, o organismo sabe que muito mais precisa ser implementado em grande escala, em particular nas áreas tropicais e subtropicais. E conclui que “há razões para otimismo, mas “esverdear” o setor florestal requer um esforço sustentado. Vários padrões e sistemas de certificação fornecem uma base sólida para a prática do manejo florestal sustentável, mas sua aceitação generalizada requer mandato forte, políticas consistentes e mercados.” Como membro do FSC concordamos com esta análise, e por experiência própria sabemos que a certificação florestal nas áreas tropicais e subtropicais pode fazer uma enorme diferença em termos ambiental, social e econômico, mas também que os obstáculos são definitivamente maiores do que em outras partes do mundo. Uma pena o PNUMA não ir mais fundo e precisar o que vem a ser o “mandato forte, políticas consistentes e mercados” e como atingi-los. Em resposta, o FSC apresentou no processo preparatório da Rio+20 uma proposta para que todos os Governos se comprometam, no Rio, “a dar apoio concreto e sistemático, e promover sistemas de certificação florestal de gerenciamento multiparticipativo em todas as partes do mundo, com especial ênfase nas florestas tropicais “. As promessas devem incluir ações aplicáveis, como legislação de apoio, condições favoráveis para sistemas de gerenciamento multiparticipativo como o FSC, financiamento da educação e de treinamento, e exemplaridade via certificação das florestas estatais. Em relação aos mercados, os governos devem sistematicamente instituir contratos públicos ecológicos e garantir que os critérios de rotulagem ecológica somente se apliquem a produtos e serviços certificados. As empresas podem desempenhar um papel importante ao convencer os governos da necessidade de tais medidas, dando o exemplo correto e fazendo do business case para certificação credível uma ferramenta-chave na trilha rumo à Economia Verde. O FSC promove com sucesso a certificação da gestão florestal a nível mundial, que abrange atualmente cerca de 148 milhões ha (ou seja, 3% de todas as florestas planetárias, ou 12% de todas as florestas produtivas). As florestas certificadas pelo FSC garantem a manutenção dos ecossistemas e da biodiversidade, otimizam e asseguram os direitos sociais e tradicionais da população local, bem como os trabalhadores, garante conformidade às leis nacionais e internacionais relevantes. O FSC vai ainda mais longe: garante um mercado madeireiro e de produtos originários de tais florestas por meio de seu bem sucedido processo de certificação de empresas (mais de 20 mil) que operam na cadeia de suprimento até o consumidor final. No entanto, temos de admitir que até agora temos sido mais bem sucedidos nas zonas temperadas e boreais do que nas regiões tropicais e subtropicais. Há muitas razões para isso, embora eu não possa resumi-las adequadamente neste artigo. Mas é claro que agora precisamos concentrar nossa atenção às áreas tropicais e subtropicais. Basta ver as estatísticas mais recentes da FAO. Nas zonas de floresta temperada e boreal, a cobertura florestal floresta é cres- “ 3% das florestas mundiais (148 milhões ha) ou 12% de todas as florestas produtivas são certificadas pelo FSC. ” cente ou estável (não necessariamente o equivalente de biodiversidade estável). No entanto, nas áreas tropicais e subtropicais do mundo o desmatamento não diminui nos últimos 20 anos, apesar de toda a atenção e de programas de apoio, etc. Todos os anos, continuamos a perder 1% da cobertura florestal tropical! Todos os anos! E ela concentra o mais rico biótipo do planeta, com muitos aspectos ainda desconhecidos. Essa cobertura vegetal garante os meios de subsistência para centenas de milhões de pessoas, além de ser importante parceira na dinâmica climática global. O FSC até agora certificou 18 milhões de hectares de florestas tropicais. Onde fazemos isso enfrentamos desafios, mas também vemos a grande diferença que isso acarreta para a população local, a natureza, e a confiança que a madeira tropical ganha junto aos consumidores do Norte. Estamos convencidos de que a certificação é uma ferramenta importante para combinar proteção dos recursos naturais ao progresso econômico e social das regiões tropiciais. Desde que a certificação obedeça os padrões do FSC: garantindo a participação equilibrada das partes interessadas na tomada de decisões, com consistente sistemática de verificação e avaliações regulares. Nossa proposta coloca os governos como provedores de infra-estrutura física e legal, como guardiões e promotores da ação da sociedade civil, como doadores, consumidores e fornecedores de informações objetivas aos consumidores sobre os impactos ambientais e sociais das escolhas de produtos e serviços. Desta forma, todos os governos do mundo podem participar do projeto com papéis específicos em função das necessidades de seus países. Gostaria de sublinhar o papel das parcerias nesta iniciativa. Com o PNUMA, concordo que a parceria pode ser uma força motriz para a ecologização da economia, uma vez que tal parceria sinaliza claramente aos madeireiros que a mudança para o manejo florestal responsável garante retornos. Constatamos a força dessa parceria tanto no setor privado quanto no público. Na Europa Ocidental ocorrem vários exemplos. Atualmente, na Holanda, um terço da madeira utilizada em projetos de construção pública é proveniente de florestas certificadas, com o objetivo de se atingir os 100%. A partir de 2015, no Reino Unido apenas “madeira sustentável” será aceita nas obras públicas. Na Bélgica, as autoridades locais recompensam os usuários de madeira que utilizam madeira certificada FSC em suas casas. O LEED, nos EUA, sistema de construção verde não oficial com critérios próprios, está a caminho de conquistar 25% de toda a construção no país ao estabelecer que o FSC é o único certificado reconhecido (mesmo que este agora esteja sob ataque por parte dos que querem enfraquecer os requisitos). Também no uso de papel (livros, embalagens, recibos, bilhetes de trem, jornais), o papel certificado FSC está decolando. Na Dinamarca, por exemplo, mais de 80% dos jornais são certificados. De fato, a procura é tão elevada que a fonte é um fator limitativo. Os produtores de madeira tropical certificados têm na Europa uma real oportunidade. Esperamos que governos e organizações da sociedade civil percebam o propósito de nossa iniciativa e a apoiem ativamente, de modo que Rio+20 possa dar um grande impulso aos processos de certificação eficazes nas áreas tropicais e subtropical como contribuição à transição para a Economia Verde Global de que tão desesperadamente necessitamos. ■ Referências: http://www.unep.org/greeneconomy/Portals/88/ documents/ger/GER_5_Forests.pdf FAO State of the World’s Forests: www.fao.org/ forestry/sofo/en/ Andre Giacini de Freitas – Engenheiro florestal pela USP, atuou na ONG Imaflora afiliada à SmartWood, na Gerência Social e Ambiental do Rabobank e é diretor-executivo do FSC, O artigo original Let’s Make Some Progress at RIO+20! foi publicado em www.unep.org/ environmentalgovernance/ PerspectivesonRIO20 /AndreGiacinideFreitas/tabid/ 55818/ Default.aspx Tradução Cidadaqnia & Meio Ambiente. Cidadania&MeioAmbiente 15 Truthout.org A justaposição do conceito de Economia Verde com o de Felicidade Nacional ajuda a ver as diferenças entre o crescimento que enriquece e o que empobrece, alicerçando o advento da era de sustentabilidade. por Alan AtKisson ECONOMIA VERDE FELICIDADE NACIONAL MUNDO SUSTENTÁVEL S erá possível criar “felicidade para todos” e ao mesmo tempo preservar o planeta? Será que a humanidade conseguirá criar “Economias Verdes” e converter no devido tempo os atuais sistemas econômicos de forças destrutivas em processos sustentáveis e restauradores? O novo relatório Life Beyond Growth (A vida além do crescimento), liberado em 1 de março de 2012 pelo Institute for Studies in Happiness, Economy, and Society, com sede em Tóquio, mapeia o passado e o futuro desta visão emergente, e a crescente revolução no seio do pensamento econômico que está por trás da ideia. O relatório, no entanto, apresenta uma visão diferenciada. Observe a palavra “economias” no parágrafo acima: enquanto fazemos normalmente referência a uma única “economia global”, na realidade a civilização é composta por uma rede complexa de sistemas econômicos alimentados por 16 diferentes tipos de energia e de informação, e orientados por diferentes mãos, tanto visíveis como invisíveis. Muitas das economias do mundo ainda estão em estágio comunitário de subsistência, e seus indivíduos praticam a agricultura ou caçam e vivem do que está em seu entorno, com relativamente pouca integração com processos em escala global. É óbvio que mesmo as tribos indígenas das profundezas da Amazônia estão cada vez mais conectadas à ampla rede mundial de transações econômicas, agrupadas (pelo menos para fins de relatórios) em “estados-nação”, e firmemente entrelaçadas por comércio, tecnologia e câmbio. Mas a “economia global” não é um monolito. O processo da utilização de recursos que cria valor e satisfaz as necessidades e aspirações humanas parece muito diferente de um lugar para outro. O mesmo acontece com a felicidade. + A ascensão da Economia Verde tem sido acompanhada pelo aumento da felicidade e do bemestar, novos indicadores e paradigmas do progresso nacional. Os países ao redor do mundo estão estudando, preparando ou já colocando em prática essas indicadores como instrumentos políticos. A medida da felicidade pode diferir em metodologia, dependendo se aplicada a um britânico ou ao cidadão do Butão. Mas, mesmo dentro dessa diversidade existe identificável semelhança: o desejo de uma vida boa e a percepção crescente de que a vida é que é boa, não o crescimento do PIB em si. E é isso que os cidadãos do mundo hoje realmente querem, e que nossas economias devem providenciar. Após realizar um estonteante levantamento da diversidade de conceitos e de índices agora em experimentação em todo o mundo, o relatório Life Beyond Growth faz uma proposta simplifi- cadora: linkar de forma explícita os conceitos Economia Verde e Felicidade Nacional. Há ampla justificativa para essa linkagem em acordos internacionais existentes. Na verdade, a felicidade – ou, pelo menos, a possibilidade de alcançála – já pode ser um direito humano. Nenhum dos trinta artigos da Declaração Universal dos Direitos do Homem adotada pelas Nações Unidas, em 1948, menciona especificamente a felicidade. Mas o Artigo 25 afirma: “Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a saúde e o bem-estar próprio e os de sua família ....” A Declaração também especifica muitos dos fatores identificados pelos pesquisadores como precursores da felicidade subjetiva. Essas necessidades básicas incluem alimento, moradia, vestuário, cuidados médicos e outros serviços sociais, incluindo apoio para os que estão desempregados. Muitos outros direitos garantidos pela Declaração também estão relacionados ao que os pesquisadores afirmam nos fazer felizes, entre os quais trabalho, recreação e possibilidade de participar das decisões que afetam nossas vidas. Se a expressão “Felicidade Nacional” pode pelo menos ser um cognato próximo ao conceito de bemestar universal esboçado na Declaração – e apesar dos debates sobre nuances de definição, poucos negariam que é –, então a adoção de medidas de Felicidade Nacional em conjunto com políticas econômicas verdes poderia ser vista como a implementação tardia dos ideais abraçados pelo mundo há mais de sessenta anos. Mais importante ainda: adotar a felicidade como um direito humano poderia criar a possibilidade de um compromisso e de uma visão comum sobre a justa distribuição dos recursos globais. A pesquisa confirma que a felicidade independe da conquista de um padrão mínimo de prosperidade material. Mas o crescimento além desse mínimo parece dar em troca menos e menos felicidade, até finalmente chegar-se ao ponto em que o crescimento em si – verde ou não –, torna-se não mais que desperdício. Justapor o conceito de Economia Verde com o de Felicidade Nacional pode nos ajudar a ver as diferenças entre o crescimento que enriquece e o crescimento que realmente empobrece. Esse “casamento” tem o potencial para descrever – talvez pela primeira vez – uma visão clara e proativa da sustentabilidade em escala global. Afinal, onde realmente precisamos crescer para garantir que a felicidade fique a nosso alcance? E onde precisamos decrescer, por exemplo, em nossas emissões de carbono ou nas ações que impactam a biodiversidade se quisermos garantir que todos tenham a oportunidade de exercer seu direito à felicidade agora e amanhã? Pela primeira vez, técnicas de pesquisa podem realmente fornecer metas mensuráveis e quantificáveis que vinculem o progresso econômico ao bemestar. Novos indicadores podem nos retroalimentar sobre a progressão dessa visão integrada via ações e atitudes que concorram favoravelmente com os tradicionais índices econômicos em termos de solidez. Finalmente, agora dispomos de todas as ferramentas de que precisamos para apontar efetivamente em direção à transformação. O mundo está grandemente necessitado de uma nova visão qcapaz de tornar o conceito de desenvolvimento sustentável mais real às pessoas, e que possa contemplar as nações com um novo sentido de vida e bem-estar comum a todos. Acredito que essa perspectiva já esteja despontando à nossa volta, em lugares grandes e pequenos – como citamos antes, da Grã-Bretanha ao Butão. Trata-se de uma equação simples e fácil de lembrar: ECONOMIA VERDE + FELICIDADE NACIONAL = MUNDO SUSTENTÁVEL. ■ Alan Atkisson – Principal autor do relatório Life Beyond Growth (em que este artigo é baseado), e consultor em desenvolvimento sustentável para o setor privado, público e agências internacionais. O relatório de 73 pags. Pode ser baixado em www.lifebeyondgrowth.org. Texto original deste artigo – Linking the Green Economy to National Happiness – foi publicado em www.unep.org/environmentalgovernance/ PerspectivesonRIO20/ FELICIDADE SUBJETIVA GLOBAL (FSG) alta FSG baixa FSG O Índice da Satisfação com a Vida criado a partir de metadados por Adrian G. White, psicólogo social analítico da Universidade de Leicester, Inglaterra, foi a primeira tentativa de revelar o grau de satisfação das nações. Nesta aferição, o bem-estar subjetivo se apóia nos critérios saúde, poder e acesso à educação básica. Foi o primeiro levantamento alternativo aos tradicionais índices de sucesso político-econômico,como os PIB e PNB. Embora, em 2006, o resultado tenha se revelado muito confiável, a pesquisa baseada na apreciação subjetiva e no perfil econômico e social de cada entrevistado com certeza mudou a partir da crise econômico-financeira detonada em 2008, que ano após ano vem ceifando postos de trabalho, esperanças e felicidade de milhões. Confira no quadro abaixo como andava o Estado de Felicidade do Mundo em 2006, onde o Brasil ocupava a 81ª. posição, sendo que entre os 20 primeiros não figuravam EUA, Alemanha, Grã-Bretanha, França, China, Japão, Índia e Rússia. Há 12 anos, os 20 mais felizes eram, por ordem decrescente: Dinamarca, Suíça, Áustria, Islândia, Bahamas, Finlândia, Suécia, Butão, Brunei, Canadá, Irlanda, Luxemburgo, Costa Rica, Malta, Holanda, Antigua e Barbados, Malásia, Nova Zelândia, Noruega e as Ilhas Seicheles. Em 2012, certamente, muitos dos primeiros estão quase atingindo o patamar dos então últimos colocados entre 177 países: Sudão, Ucrânia, Moldávia, Congo e Zimbábue. REFERÊNCIAS: White, A. (2007). A Global Projection of Subjective Well-being: A Challenge To Positive Psychology? Psychtalk 56, 17-20. The data on SWB and SWLS were extracted from a metaanalysis by Marks, Abdallah, Simms & Thompson (2006). University of Leicester (2006, November 14). “Psychologist Produces The First-ever ‘World Map Of Happiness’.” ScienceDaily. Accessed July 23, 2011. Pink, Daniel H. (December 2004) “The True Measure of Success” Wired.com Accessed 23 July 2011. Gráfico: UNESCO, UNHDR, World Happiness, Mike McGrath.wordpress.com/2007/01/04/ subjective-world-happiness Cidadania&MeioAmbiente 17 18 Cidadania&MeioAmbiente 19 Foto ONU/ Vietnã A Cúpula do Rio poderá marcar um ponto de virada nos assuntos globais, um momento em que a estabilidade ambiental possa ser transformada em realidade. A transição para uma Economia Verde A transição para uma Economia Verde, de baixo carbono e com uso eficiente dos recursos naturais virou a prioridade central dos esforços internacionais em busca do desenvolvimento sustentável neste século 21 em processo de acelerada transformação . Governos vão se reunir novamente no Brasil, 20 anos após a Cúpula da Terra, a Rio92, em meio a um cenário de desafios persistentes e emergentes, e contra o pano de fundo de crises recentes e atuais em parte desencadeadas pelo modo como administramos os recursos naturais finitos, ou, melhor, como deixamos de administrá-los. A Economia Verde, no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza, é um dos dois temas centrais da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável-2012, a chamada Rio+20. O engajamento do Brasil será crucial para moldar a ambição internacional na Rio+20, ao mesmo tempo em que destacará a experiência do próprio país, desde sua economia à base de etanol até a gestão aprimorada dos patrimônios baseados na natureza, incluindo a Amazônia. O Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) afirma que uma Economia Verde é do interesse de todos os países – os ricos e os menos ricos, os desenvolvidos e os que estão em desenvolvimento, os de economia estatal ou de mercado. 20 Recentemente, o Pnuma lançou o relatório “A Transição para uma Economia Verde”, e fui solicitado a compartilhar as conclusões do relatório em um encontro extraordinário das comissões ambientais do Senado e da Câmara do Brasil, em 26 de abril. O relatório sugere que o investimento de 2% do PIB global por ano – ou seja, cerca de US$ 1,3 trilhão – em dez setores-chave poderia deslanchar a transição Econômica Verde, desde que o investimento fosse apoiado em políticas e medidas públicas inteligentes. O financiamento poderia vir em parte do término gradual de subsídios “prejudiciais”, algo perto de US$ 1 trilhão, que vão dos combustíveis fósseis aos fertilizantes e à pesca. O estudo sobre a Economia Verde destaca países em que transições já estão em curso, como a República da Coreia e Uganda. Em 2011, a capacidade instalada de fotovoltaicos provavelmente será de 50 GW – o equivalente a 50 reatores nucleares – em países que vão de Bangladesh e Marrocos a Alemanha e Emirados Árabes. Haverá desafios – é possível que muitos empregos sejam perdidos, inicialmente no setor da pesca, para que os superexplorados estoques de pescado possam ser restaurados. Mas, de modo global, uma Economia Verde gera mais empregos do que os perdidos nos velhos setores “marrons”. A conferência Rio+20 representa uma oportunidade de intensificar e de acelerar a germinação dessas “sementes verdes”. por Achim Steiner Alguns países estão preocupados com tarifas verdes ou barreiras comerciais. Esses são riscos que precisam ser enfrentados, mas que também são inerentes aos modelos econômicos existentes em um mundo em que os países competem em um mercado global. Vivemos em uma época de desafios múltiplos – muitos dos quais a ciência vem confirmando serem ainda mais palpáveis, reais e urgentes do que eram em 1992, incluindo as mudanças climáticas, a perda da biodiversidade e a degradação dos solos. Mas também vivemos em um mundo de oportunidades inéditas para uma mudança fundamental dos caminhos econômicos, sociais e ambientais em relação ao passado. A Rio+20 poderá ser apenas uma data a mais no calendário. Mas também poderá marcar um ponto de virada nos assuntos globais, um momento em que a promessa de emprego, igualdade e estabilidade ambiental feita 20 anos antes seja transformada de ideal em realidade para cerca de 7 bilhões de pessoas. ■ Achim Steiner é Subsecretário-geral da ONU e Diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo (24/4/2011), tradução de Clara Allain , pelo Centro de Informações das Nações Unidas Rio de Janeiro (www.unicrio.org.be) e no portal EcoDebate (25/04/2011) . Cidadania&MeioAmbiente 21 Net efekt a As mulheres devem liderar economia verde A mbientalistas otimistas acreditam que as gerações futuras verão a primeira metade do século 21 como marco de nascimento de uma revolução Econômica Verde global. Na verdade, os investimentos e os avanços da tecnologia acoplados à ansiedade gerada pelas mudanças climáticas já estão empurrando os líderes mundiais a abraçar um futuro sustentável. Infelizmente, essa visão otimista está enevoada. O fato incontestável é que quase todos os investidores e os tomadores de decisão – que definem e projetam a Economia Verde – pertencem a um único gênero: masculino. O Dia Internacional da Mulher apresenta uma rara e importante oportunidade para se analisar por que as mulheres devem ser líderes na Economia Verde. Como em qualquer revolução, existe um risco substancial de que a Revolução Verde se mova em direções imprevisíveis ou erráticas. Todas as economias são mais fortes quando os indivíduos que as lideram contribuem com pontos de vista diversos. Certamente, a criação de uma economia sustentável, a quebra de hábitos de consumo excessivo e a abordagem da dependência aos combustíveis fósseis não são tarefas fáceis. 22 $ Confira porque a autora advoga a participaçao das mulheres na construção da nova ordem social. por Kathleen Rogers Vamos examinar algumas das razões pelas quais a inclusão das mulheres na construção da Economia Verde é desejável: ■ As mulheres são responsáveis pela maioria das decisões de consumo. Estimular o empreendedorismo feminino é fundamental para aproveitar esta importante oportunidade comercial. ■ As taxas de reembolso das mulheres são maiores. Quando as mulheres são beneficiárias diretas do crédito, suas taxas de reembolso são as mais altas em todas as regiões do mundo. Apesar destes fatos, existem verdadeiras barreiras à participação plena das mulheres na concepção e no desenvolvimento da Economia Verde. Vejamos:: ■ As mulheres estão impulsionando o cres- cimento econômico. O aumento das mulheres no mercado de trabalho dos países mais ricos do mundo tem contribuído mais para o crescimento do PIB mundial nas duas últimas décadas do que qualquer nova tecnologia ou novos gigantes econômicos China e Índia. ■ A proporção de mulheres na legislatu- ra de um país reduz significativamente o nível de corrupção. Menos corrupção beneficia os empreendedores, as mulheres e todos os setores empresariais. ■ As mulheres são mais confiáveis no reembolso de recursos à comunidade. Elas em geral reinvestem um percentual muito maior de seus ganhos na comunidade do que os homens, e aceleram o desenvolvimento. ■ As empresas de propriedade de mulhe- res enfrentam problemas de crescimento. Motivo: falta de acesso às redes de financiamento e de comercialização. Enquanto as mulheres possuem cerca de 30 por cento das empresas americanas, apenas cerca de 5 por cento de todo o capital de investimento é direcionado às empresas chefiadas por mulheres, e apenas 3 por cento obtêm investimento de capital de risco. ■ As mulheres têm menos acesso à cadeia de abastecimento global. Apenas uma fração dos governos e das grandes corporações custeiam regularmente negócios bancados por mulheres. ■ Mulheres empreendedoras enfrentam leis discriminatórias em várias regiões culturas. Como podemos corrigir isso? Para começar, empresas, governos e instituições internacionais deveriam adotar cotas de participação feminina – das reuniões aos fóruns nacionais e às negociações multilaterais. Uma vez que o problema inicial da representação seja resolvido, podemos chegar à etapa de acabar com as barreiras legais à plena participação das mulheres na Economia Verde. Precisamos de uma análise profunda das legislações nacionais e internacionais e dos protocolos que versam sobre economia, energia e meio ambiente para acabar com o preconceito contra as mulheres. Ou seja, precisamos “alterar” a linguagem para promover a inclusão. Uma vez que sanados os entraves no sistema, podemos ir além. Devem ser adotados políticas e mecanismos legais para, por exemplo, apoiar o tratamento preferencial na garantia de empréstimos; para promover a participação plena das mulheres na ciência, na tecnologia, na engenharia, na matemática, na educação; além de criar investimentos e incentivos de mercado para melhorar o empreendedorismo feminino. Nesse meio tempo, também temos de corrigir a percepção das mulheres como líderes da Economia Verde. Precisamos conscientizar a imprensa sobre a questão “diferença de gênero”. Devemos tornar as abordagens de gênero, desenvolvimento, Economia Verde e mudanças climáticas questões “sérias” – já que muitos jornalistas as tratam de forma “light”. Enquanto o mundo tenta se recuperar da crise financeira e, ao mesmo tempo, reconhece a falta de sustentabilidade da economia atual, não podemos nos dar ao luxo de permitir que os obstáculos à participação das mulheres prevalesçam. Os fatos são claros: trazer as mulheres para a construção e o desenvolvimento da Economia Verde vai resultar em uma economia melhor, mais sustentável e mais justa. Vamos trabalhar para que isso aconteça. ■ Kathleen Rogers – Presidente da Earth Day Network, trabalhou por mais de 20 anos como advogada e defensora ambiental com foco em política e direito ambiental público. Foi delegada dos EUA na Conferência da ONU sobre a Mulher e dirige iniciativas políticas em prol da biodiversidade. O artigo Women must be leaders of the green economy foi pu blicado em www.unep.org/environmentalgovernance/ PerspectivesonIO20/ AS MULHERES NA LINHA DE FRENTE DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS “As mulheres desempenham um papel muito mais forte do que os homens na gestão de serviços ambientais e segurança alimentar.” Na maioria das vezes, as mulheres estão na linha de frente dos impactos provocados pelas mudanças climáticas. Em escala global, o mundo enfrenta as cada vez mais frequentes secas e inundações que afetam severamente as economias e repercutem em graves consequências sociais. Atualmente, as mulheres e os habitantes da Ásia são os que se encontram em maior risco: mais de 100 milhões de indivíduos são afetados anualmente. Os padrões de desenvolvimento e de assentamentos colocam os pobres e os vulneráveis em risco crescente, já que força muitos a se fixarem em locais prec[arios e temporários – áreas muitas vezes propensas a deslizamentos, inundações e enxurradas de lama. Infelizmente, como sublinha o relatório Women at the Frontline of Climate Change:: Gender risks and hopes. A Rapid Response Assessment, as mulheres são mais propensas do que os homens a perder suas vidas em tais eventos. Por ocasião de desastres, como secas ou inundações, as mulheres também são mais vulneráveis a organizações criminosas de tráfico humano em função de suas comunidades ficarem pulverizadas e os padrões de proteção das famílias e da sociedade entrarem em colapso – aspecto que a Interpol e organizações não-governamentais apontam no relatório, e que espelha o padrão de exploração também comum em conflitos armados e outros desastres. Mais de 1,3 bilhão de pessoas vive nas bacias hidrográficas das cadeiras montanhosas da Ásia. Como mais de metade da produção de cereal do sul da Ásia ocorre a jusante do Hindu Kush-Himalaia, os impactos sobre a segurança alimentar vão se tornar cada vez mais importante com a intensificação das mudanças climáticas. Neste canto do mundo, a adaptação se tornará crucial. (DE)SEQUILÍBRIO ENTRE GÊNEROS NA DELEGAÇÃO DE PARTES (COP) SOBRE AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS De crítica importância é a sub-representação das mulheres na política e na tomada de decisão das instituições, no diálogo sobre a adaptação às mudanças climáticas, na governança dos recursos naturais e em outras importantes dimensões da gestão da sociedade. Inúmeros são os relatórios sobre mudanças climáticas que reconhecem e discutem a importância da integração dos gêneros e a necessidade de maior participação das mulheres nos processos e negociações sobre mudanças climáticas ((IUCN – The International Union for the Conservation of Nature, Gender CC – Women for Climate Justice, GGCA – Global Gender and Climate Alliance, etc.). Embora essa participação seja vital, as instâncias superiores que deliberam sobre as mudanças climáticas apresentam uma sub-representação de mulheres e, em particular, de mulheres do Sul (MacGregor, 2010). Fonte: Gráfico publicado em Women at the Frontline of Climate Change - Gender Risks and Hopes, 2011. Designer: Riccardo Pravettoni, UNEP/GRID-Arendal Link: www.grida.no/graphicslib/detail/genderimbalance-in-the-delegation-of-parties-copon-climate-change_134d Cidadania&MeioAmbiente 23 A IGUALDADE DE GÊNERO E O EMPODERAMENTO DAS MULHERES: ELIMINAR AS DIFERENÇAS NA EDUCAÇÃO Lawrence Hislop/ONU AS MULHERES EM POSTOS DE DECISÃO GOVERNAMENTAL EM 1998 As mulheres são responsáveis pelo trabalho doméstico – e, em muitas partes do mundo, pela maioria da produção agrícola – , mas seus direitos à propriedade da terra e controle dos recursos são tolhidos por costumes tradicionais e leis religiosas. A igualdade de gênero e a educação formal são os principais veículos para melhorar os padrões de vida, a sustentabilidade, os meios de subsistência e eliminar a pobreza, conjunto de fatores brindado nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) como meta 3: ‘Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres’. Este mapa ilustra um dos indicadores para o indicador 9 (objetivo 4) do Projeto Millennium, que avalia o progresso atual na consecução deste objetivo na África do Norte e atesta os avanços na África Subsaariana, embora ainda se esteja longe da realização plena da meta. Fonte: Gráfico publicado em African environment collection, 2006. Designer: Hugo Ahlenius, UNEP/GRID-Arendal Link: www.grida.no/graphicslib/detail/gender-equality-andempowerment-of-women-eliminate-differences-ineducation_150a Fonte: Gráfico publicado em Environment and Poverty Times #1: WSSD issue, em 2007. Designer: Philippe Rekacewicz com colaboração de Lucie Dejouhanet, UNEP/GRID-Arendal. Link:www.grida.no/graphicslib/detail/women-in-governmentdecision-making-positions-in-1998_729c As mulheres representam recurso fundamental para a adaptação às mudanças climáticas por sua experiência, responsabilidade e resistência. Este relatório fornece informações suficientes para mostrar que as mulheres desempenham um papel muito mais importante do que os homens na gestão dos serviços dos ecossistemas e na questão da segurança alimentar. Assim, para ter sucesso, a adaptação sustentável deve focar no gênero e na atuação da mulher. As vozes, as responsabilidades e os conhecimentos das mulheres sobre o meio ambiente e os desafios que elas enfrentam terão de ocupar o cerne da resposta adaptativa a um clima em rápida mutação. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) agradece a colaboração e as contribuições dos países e de instituições regionais, como o ICIMOD, no fortalecimento da pesquisa, compreensão e divulgação do importante papel que as mulheres desempenham frente aos desafios da mudança climática, desempenho que será cada vez mais atuante neste século. Os governos têm a responsabilidade de tornar as considerações em relação ao gênero parte da resposta à questão climática, e o PNUMA espera que este relatório ajude as agências que operam em todo o espectro de desenvolvimento e de assistência às mudanças climáticas a colocar as mulheres no foco de suas estratégias. 24 Achim Steiner – Sub-Secretário Geral e Diretor Executivo do PNUMA. Prefácio ‘da publicação Women at the frontline of climate change: Gender risks and hopes. A Rapid Response Assessment, por Nellemann, C., Verma, R., and Hislop, L. (eds). 2011. United Nations Environment Programme, GRID-Arendal. Cidadania&MeioAmbiente 25 ONU Foto/Stuart Price “Precisamos – o Banco Mundial, o FMI, todas as grandes fundações e todos os governos – admitir que há 30 anos estamos, inclusive eu, quando fui presidente, errados ao acreditar que o alimento é como qualquer outro produto no comércio internacional. Temos de voltar a amparar uma agricultura mais responsável e sustentável.” Ex-presidente dos EUA, Bill Clinton, em discurso nas Nações Unidas no Dia Mundial da Alimentação, 16 de outubro de 2008 Não há desenvolvimento sustentável SEM ALIMENTO PARA TODOS por Hans Herren O s alimentos e a agricultura são questões de natureza diferente no comércio, no desenvolvimento e na política. À semelhança do ex-presidente Bill Clinton, muitos políticos têm negligenciado este fato e, contrariamente a Clinton, a maioria não está disposta a admitir seu equívoco. Com o mundo a sair de duas importantes crises de alimentos nos últimos cinco anos, uma melhor compreensão e enfoque da agricultura e do desenvolvimento rural são uma necessidade caso os líderes desejem cumprir as metas de Desenvolvimento do Milênio, da ONU, e Agenda 21, esta última estabelecida na Rio92. Estas questões foram brindadas, tanto em nível político quan- 26 to de governança na Cúpula da Terra – a Rio 92 – com um capítulo da Agenda 21, uma parceria (FAE) e numa avaliação científica (IAASTD - International Assessment of Agricultural Knowledge) ao final da Cúpula de Joanesburgo, em 2002, e num ciclo de dois anos de conferências sobre Desenvolvimento Sustentável. No entanto, estamos longe de alcançar o que é necessário para assegurar forma sustentável a disponibilidade e o acesso a alimentos saudáveis e nutritivos para a crescente população mundial. ças no uso da terra são relacionadas principalmente a parte do problema – contribuindo com cerca de 30% para as emissões de gases de efeito estufa (IPCC, 2007) e fortemente responsável pela degradação do solo e pela perda da biodiversidade. No entanto, estes também estão entre os poucos setores que detêm o potencial para contribuir significativamente para soluções. Para desbloquear o seu potencial positivo torna-se necessário uma mudança de paradigma na política, na pesquisa e nas práticas agrícolas. A agricultura e o sistema alimentar são fundamentais para enfrentar os desafios abordados em três das Convenções do Rio. Hoje, a agricultura e as mudan- Dar maior ênfase aos pequenos agricultores e muito especialmente às soluções agroecológicas já a espera de implementação deve ocupar o centro de um novo e integrado sistema agrícola. Desde 2008, o relatório do IAASTD (encomendado em 2002, na Cimeira de Joanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável pelo Banco Mundial e seis agências da ONU e formalizado por mais de 400 cientistas e agentes concernidos) exige tal mudança de paradigma e propõe um plano de ação. No entanto, a política agrícola em nível global praticamente não reagiu às sugestões do relatório. Enquanto isso, os desafios da mudança climática, o crescimento populacional, as necessidades de energia e a escassez dos recursos naturais têm aumentado. A hora de agir é, portanto, agora. A principal razão para a ausência de resposta pode estar no fato de as responsabilidades referentes à agricultura e ao desenvolvimento rural estarem amplamente dispersas entre as três Convenções do Rio e os organismos das Nações Unidas como um todo. As três convenções criadas em 1992 no Rio de Janeiro – Convenções sobre Mudanças Climáticas, Diversidade Biológica e Desertificação – de alguma forma lidam com a agricultura, mas nenhuma ostenta a palavra agricultura em seu título. Portanto, o que se vem fazendo na agricultura no contexto do desenvolvimento sustentável ocorre de forma aparentemente descoordenada. Embora esta situação não seja exclusiva da agricultura e seja semelhante, por exemplo, no campo energético, a importância da agricultura e do sistema alimentar para o desenvolvimento econômico e social sob fortes restrições ecológicas exige uma abordagem mais coerente no âmbito das Nações Unidas e das Convenções firmadas no Rio. Isso não é facilmente implementável. No entanto, uma iniciativa semelhante ao “Energia para Todos”, lançada recentemente pelo Secretário-geral da ONU, poderia ser aplicada ao campo da agricultura e aos sistemas alimentares. Colocar no centro das políticas globais a implementação de medidas para alcançar a agricultura sustentável poderia induzir a necessária mudança de paradigma no curto prazo. A longo prazo, faz-se necessária uma mudança mais permanente na estrutura de governança global em torno da agricultura e do sistema alimentar. Embora um pacote completo de esforços seja ainda provavelmente inviável, a conexão ciência-política precisa em definitivo de ser reforçada para permitir a aplicação efetiva das medidas acordadas. Atualmente, inexiste um painel ou organismo que de forma participativa e multirepresentativa referencie periodicamente o co- nhecimento, a ciência e a tecnologia agrícolas. O IPCC e os próximos IPBES representam duas estruturas no âmbito das Convenções do Rio a trabalhar na interface política-ciência e capaz de produzir relatórios relevantes. Embora este trabalho também desague na agricultura, até agora não há instituição ou organização participativa interessada em reunir todo o conhecimento científico relevante em um quadro coerente e integrado de informação à agricultura e às políticas do sistema alimentar. O Comitê de Segurança Alimentar Mundial da FAO objetiva tornarse este órgão de coordenação, mas até mesmo os relatórios de seu painel de peritos são redigidos por poucos especialistas e não no contexto de um processo participativo multifacetado. alimentar por mais de 50 anos. A Rio+20 é a oportunidade para os tomadores de decisão política reconhecerem – como fez o presi- dente Clinton – que há muito têm negligenciado a função da agricultura e, finalmente, mudar o curso da agricultura global. ■ Hans Herren – Cientista reconhecido internacionalmente e em maior de 2005 eleito presidente do Millenium Institute (MI). Foi diretor-geral do Centro Internacional de Fisiologia e Ecologia de Insetos (ICIPE), em Nairóbi, Quênia, diretor do Centro de Controle Biológico Africano do Instituto Internacional de Agricultura Tropical (IITA), no Benin, co-presidente da International Assessment of Agricultural Knowledge, Sciencde and Technology (IAASTD). O texto original No sustainable development without healthy, nutritious and culturally adapted food for allfoi publicado em www.unep.org/environmentalgovernance/ PerspectivesonRIO20/ USO DA TERRA E AGRICULTURA Para se conseguir seriedade na mudança de paradigma na agricultura e nos sistemas alimentares, precisa-se reforçar a coordenação no seio do sistema da ONU e estabelecer-se um painel intergovernamental específico para essas áreas para intgegrar as informações de outros painéis, bem como o trabalho de organismos da ONU e do conhecimento tradicional. Este corpo poderia emergir de uma reforma dos mecanismos existentes – o que permite um processo multidisciplinar e participativo – ou pela criação de uma nova instituição. De qualquer modo, o processo IAASTD indicando mudanças para corrigir as deficiências do primeiro relatório e o conteúdo expandido para cobrir todas as áreas da agricultura e dos sistemas alimentares deverao constituir a base de tal organismo. Os problemas são identificados e há caminhos para resolvê-los. Portanto, comecemos a mudar as políticas e estruturas que interpretaram mal a agricultura e o sistema Terra para agricultura Campos extensos (pasto incluso) Regeneração após uso Florestas Campos Terras improdutíveis Fonte: Projections de la modification de l’utilisation des terres pour la période 1700–2050. Publicado em 2009 em The Environmental Food Crisis - The Environment’s Role in Averting Future Food Crises. Designer: Hugo Ahlenius, UNEP/GRIDArendal. Link: http://www.grida.no/publications/rr/food-crisis Cidadania&MeioAmbiente 27 UN Photo/Martine Perret OCM nova meta de consumo Confira porque a iniciativa Objetivos de Consumo do Milênio (OCM), a ser debatida no Forum da Rio+20, pode ajudar a preservar o planeta, proteger os pobres e promover a prosperidade. por Prof Mohan Munasingh: A proposta dos Objetivos de Consumo do Milênio (OCM ) foi apresentada em janeiro de 2011, em Nova York, durante os preparativos para a Conferência das ONU sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +20). Ela tem raízes na Agenda 21, que destacou “a insustentabilidade do consumo e da produção”, e em iniciativas mais recentes, como o Processo de Marrakech, de 2003, que destacou a urgente necessidade do consumo e da produção sustentáveis (CPS). Os OCM alinhavam objetivos desenhados para motivar os ricos de todos os países a consumir de forma mais sustentável. Eles ajudarão a tornar o consumo humano e a produção mais sustentável . Ou seja, melhorar o bem-estar geral, reduzir os danos ao meio ambiente, liberar recursos para atenuar a pobre- 28 za e assegurar a equidade intra e intergeracional. Para o mundo rico, os OCM complementam os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) de proteção aos pobres. Em função do subconsumo dos pobres, os OCM devem, em primeira instância, assegurar que as necessidades humanas básicas em escala mundial sejam satisfeitas. Em seguida, para frear o consumo excessivo dos ricos, vários OCM óbvios e quantificáveis objetivam questões como emissões de gases de efeito estufa (GEE), uso de energia, uso da água, uso do solo, poluição e desperdício. OCMs suplementares poderão incluir: segurança alimentar e agricultura; nutrição, saúde e obesidade; meios de subsistência e estilos de vida; sistemas econômico-financeiros e gastos militares. Precisamos urgentemente dos OCM porque os padrões insustentáveis de exploração, produção e consumo dos recursos naturais acarretam inúmeros problemas que ameaçam o futuro da humanidade – como pobreza, escassez de recursos, fome, conflitos e mudanças climáticas. A produção mundial que utiliza serviços ambientais já consome o equivalente a 1,5 planeta Terra, o que é insustentável. O 1,4 bilhão de pessoas mais ricas consome mais de 80% desta produção – 60 vezes mais do que os 1,4 bilhão mais pobre. Enquanto isso, os ODM (Objetivos de Desenvolvimento do Milênio) procuram elevar os níveis de consumo de mais de 2 bilhões de pessoas pobres. A realidade mostra que os ricos estão “expulsando” os po- ma eficaz em seu próprio interesse, uma vez que são mais bem educados, têm mais influência e comandam mais recursos. Em vez de os ricos serem vistos como um problema, eles devem ser persuadidos a contribuir para a solução – a abordagem dos OCM levará a um futuro mais administrável e seguro. EM QUINTO LUGAR, a geminação OCM-ODM torna-se possível ao conectar uma OCM de um país/comunidade rico a um ODM de comunidade/país pobre. Os OCM irão fornecer um conjunto de balizamentos (nem sempre obrigatórios) para que os mais abastados possam aderir. Essas metas encorajariam a combinação de ações voluntárias por parte dos consumidores ricos com o apoio explícito de políticas governamentais de promoção do consumo e da produção sustentáveis. As pesquisas já promovidas e planejadas fornecem uma base para a definição tanto dos objetivos quanto das políticas. A estratégia proposta é abrangente e multidirecional. Um passo importante é implantar os OCM na agenda das Nações Unidas, via de normas de ação com padrões globais e de um quadro para a implementação dos objetivos. Como esse processo pode levar algum tempo, muitos preferem agir JÁ. A abordagem imediata envolve o pioneirismo de indivíduos, comunidades, organizações, empresas, cidades, regiões e nações, que já criam e implementam seus próprios OCM voluntários. Os OCM muitas vezes fornecem um atraente e significativo “guarda-chuva” aos objetivos já existentes. Em suma, os OCM voluntários estão sendo implementadas nos mais diferentes níveis segundo o alvo do consumo a ser atingido. Para fazer essa idéia prosperar, a Millennium Consumption Goals Initiative (MCGI) foi lançada na ONU por uma ampla coalizão de interessados denominados Rede MCG. Ela é orientada para a ação inclusiva, multiestratificada, pluralista e transnacional. A MCGI tem por alvo a conferência Rio +20 para estabelecer um mandato internacional para a proposta. OS OCM E SUAS VANTAGENS PARA COMEÇAR, os Objetivos de Consumo do Milênio são aplicáveis em todo o mundo, tanto nos países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento, desconhecem fronteiras nacionais e reduzem o potencial de impasses motivados por interesses nacionais e regionais. Truthout.org bres. Uma atitude que perpetue e ignore o problema irá agravar o conflito e aumentar o risco de colapso global. “ A produção mundial consome o equivalente a 1,5 planeta e o 1,4 bilhão de pessoas mais ricas consome mais de 80% desta produção: 60 vezes mais do que o 1,4 bilhão mais pobre. ” EM SEGUNDO LUGAR, as reduções relativamente pequenas no consumo de materiais (via tecnologias jé em uso, legislação e melhores práticas) pelos ricos podem até mesmo melhorar seu bem-estar e ao mesmo tempo reduzir significativamente o dano ambiental, além de liberar recursos para atenuar a pobreza. EM TERCEIRO LUGAR, os OCM podem ser implementados via estratégia inclusiva em vários níveis, amalgamando todo tipo de estratégia. O conceito de OCM é ao mesmo tempo fractal e subsidiário em virtude de a concepção básica permanecer inalterada (como um floco de neve) em níveis mais refinados de detalhamento e, ainda assim, de possí vel aplicação efetiva. EM QUARTO LUGAR, os OCM têm potencial de oferecer resultados mais rápidos por galvanizar a sociedade civil e empresarial no “agir agora”. Isso poderá mudar o comportamento das famílias ricas e das corporações independentemente de políticas governamentais e investimentos de longo prazo. Além disso, os indivíduos ricos e as comunidades podem ser motivados a agir de for- PARA TERMINAR, os OCM teriam a capacidade de mobilizar, capacitar e vincular consumidores e produtores sustentáveis, inclusive as cadeias de fornecimento globais, em um ciclo virtuoso. A mesma publicidade que agora promove o consumo excessivo e o desperdício poderia ser usada para incentivar o consumo mais sustentável. Em um determinado lapso de tempo, valores e hábitos sociais poderiam ser modificados para favorecer um comportamento mais sustentável – semelhante ao que ocorre em relação ao tabagismo. Os OCM têm a capacidade de“fortalecer o indivíduo para definir o consumo em vez de permitir que o consumo defina o indivíduo”. Os OCM foram projetados para se tornar uma importante ferramenta prática no seio de uma estratégia global de desenvolvimento sustentável, complementando as ações em curso, como o consumo e a produção sustentáveis (CPS) e a transição para uma Economia Verde (EV). Tudo isso constitui etapas essenciais para o estabelecimento do desenvolvimento sustentável conectado a uma estrutura holística e prática capaz de tornar o desenvolvimento mais sustentável – o conceito de “Sustainomics”, que propus na Cúpula da Terra da Rio92. Assim, a inclusão dos OCM nos acordos da CNUDS 2012 – a Rio+20 – , vinte anos depois, seria apropriada . Ao trabalharmos em conjunto – e JÁ! – com os OCM, tornaremos o planeta mais seguro e melhor para nossos filhos e netos. ■ Mohan Munasinghe – Presidente do Instituto de Desenvolvimento Munasinghe (MIND), em Colombo, professor de Desenvolvimento Sustentável ( SCI) da Universidade de Manchester, Reino Unido, professor-visitante da Universidade de Pequim, China, e Conselheiro Sênior Honorário do Governo do Sri Lanka. O texto original Millennium Consumption Goals Initiative (MCGI) foi publicado em www.unep.org/environmentalgovernance/ PerspectivesonRIO20/. Para informações adicionais sugerimos pesquisa no site www.MillenniumConsumptionGoals.Org Cidadania&MeioAmbiente 29 O ‘Brasil Grande’ Às vésperas da Rio+20, esta análise conjunta do Instituto Humanitas Unisinos/IHU, do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores /CEPAT e do Prof. Cesar Sanson alinhava os pontos que indicariam um retrocesso na agenda socioambiental do país. Amazônia - Neil Palmer/CIAT que pensa pequeno por IHU, CEPAT e Cesar Sanson D esde os dois governos Lula, particularmente a partir do segundo mandato [2006], o Brasil vive certo clima de ufanismo. O país voltou a crescer, distribuir renda, tornou-se a 6ª maior economia do mundo e de nação subdesenvolvida passou a nação emergente e potência no cenário internacional em suas expressões política e de mercado. Economia estabilizada, distribuição de renda via programas sociais, aumento real do salário mínimo, sociedade do quase pleno emprego e faxina na política compõe o qua- 30 dro que dá a Dilma Rousseff, assim como foi com Lula, altos índices de popularidade e em todas as classes sociais. Renovou-se o sentimento do “Brasil Grande” similar àquele da época dos militares em que se dizia que ‘ninguém segura esse país’. lutas sociais do final dos anos 70 e anos 80. A regulamentação de muitos dessas conquistas caminham para trás e a elas se somam outros ataques aos direitos sociais. Um paradoxo surge, estamos diante de uma agenda conservadora num governo de esquerda. Esse sentimento de pujança, vigor e ufanismo contrastam, entretanto, com retrocessos na agenda social, na agenda de reformas estruturais e, pior ainda, no recuo de conquistas efetivadas no que se denominou de Constituição Cidadã [1988], resultante das RETROCESSOS NA AGENDA AGRÁRIA, SOCIOAMBIENTAL E DO TRABALHO Os casos de retrocesso na agenda social, ambiental e do mundo do trabalho não são poucos e, entre tantos, podemos citar: ❚ PEC 215: Projeto de emenda constitucio- nal que propõe transferir do Poder Executivo para o Congresso Nacional a demarcação e homologação de terras indígenas e quilombolas, além de rever os territórios com processo fundiário e antropológico encerrado e publicado. Caso aprovado significa o fim da demarcação das terras indígenas e quilombolas que se arrastam há mais de uma década. Segundo a Constituição de 1988, o processo de demarcação das terras indígenas no país deveria ter sido terminado em 1993. Nas últimas semanas travou-se intensa batalha no Congresso contra a medida. ❚ADI 3239: Somado a PEC 215 Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 3239, foi proposta pelo Partido dos Democratas (DEM) contra o Decreto Federal 4887/2003 que regulamentou o processo de titulação das terras dos remanescentes das comunidades de quilombos criando mecanismos que facilitam o processo de identificação e posterior titulação de comunidades. Caso aprovada a representação do DEM, os direitos de populações que historicamente foram discriminadas e jogadas à margem da sociedade ficariam nulos. Mais de 120 anos após o fim da escravidão, a regularização das áreas remanescentes de quilombos ainda enfrenta resistências. Para a CNBB, “a garantia da propriedade das terras secularmente ocupadas pelos quilombolas é dever constitucional e compromisso ético-moral”. ❚PEC 483: Segundo a proposta da PEC 483, as propriedades rurais e urbanas de qualquer região do país onde forem localizadas produção de drogas ou a exploração de trabalho escravo serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário. A proposta tramita a dez anos na Câmara dos Deputados e nunca foi votada. A bancada ruralista impede a votação e o governo nunca se empenhou decisivamente por sua aprovação. Há promessas de que a PEC irá à votação nesse ano. ❚ MINERAÇÃO EM TERRAS INDÍGENAS: O governo está propondo um novo código de mineração que permitirá a exploração de terras indígenas por empresas mineradoras. O argumento do governo é que a regulamentação é necessária para que se estabeleçam regras e controle sobre a exploração das terras indígenas, que hoje ocor- Quilombolas no STF - Wilson Dias/ABr “ A garantia da propriedade das terras secularmente ocupadas pelos quilombolas é dever constitucional e compromisso ético-moral. re de forma desordenada por garimpeiros, causando grande impacto ambiental e social – e, muitas vezes, provocando conflitos. Além disso, o Estado deixa de arrecadar tributos sobre a exploração dos recursos nacionais. Especialistas, entretanto, alertam que empreendimentos para exploração mineral instalados em terras indígenas podem causar impactos tão grandes nos povos que podem mesmo levá-los à extinção. ❚ CÓDIGO FLORESTAL: De todos os temas em pauta, o Código Florestal é visto como o dos mais graves exatamente por simbolizar retrocessos sem precedentes na agenda socioambiental. Segundo organizações ambientalistas, a iminente votação de uma proposta de novo Código Florestal é o ponto paradigmático do processo de degradação da agenda socioambiental que flexibiliza a legislação de proteção às florestas, concede anistia ampla para desmatamentos, institui a impunidade e estimulará o aumento do desmatamento, além de reduzir as reservas legais e Áreas de Proteção Permanente – APPs – em todo o País. As organizações alertam ainda que “a versão em fase final de votação afronta estudos técnicos de muitos dos melhores cientistas brasileiros, que se manifestam chocados com o desprezo pelos alertas feitos sobre os erros grosseiros e desmandos evidentes das propostas de lei oriundas da Câmara Federal e do Senado”. ” ❚ MATRIZ ENERGÉTICA: Faz poucos dias, a presidente Dilma Rousseff afirmou que não se pode discutir “fantasias” na área energética. O recado da presidenta foi dado aos movimentos sociais que criticam a proliferação de hidrelétricas, principalmente as grandes, em construção ou projetadas para os rios Madeira, Xingu, Tapajós, Teles Pires e Araguaia na região da grande Amazônia. A presidente desqualificou as energias alternativas no exato momento em que pesquisas e estudos apontam para o seu crescimento no mundo todo, particularmente no Brasil, e na sua viabilidade. ❚ REFORMA AGRÁRIA: O acesso e a democratização da terra pouco avançou no primeiro ano do governo de Dilma Rousseff. Dados oficiais do Incra revelam que a presidenta conquistou em 2011 a pior marca dos últimos 17 anos, contrariando a expectativa dos movimentos sociais do campo. Em 2011 foram assentadas apenas 22.021 famílias. Para o MST, os números de 2011 são vergonhosos. João Pedro Stédile, cita entre as razões da paralisia da Reforma Agrária, o descaso do governo que “não compreendeu ainda a importância e a necessidade da reforma agrária como um programa social, de produção de alimentos sadios, para resolver o problema da pobreza no meio rural”. ❚ TERCEIRIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO: Tramita no Congresso o projeto de estádios que sequer se pagarão num futuro próximo, a subserviência do Estado brasileiro diante da Fifa como na aprovação do texto básico da Lei da Copa e o autoritarismo com que o governo toca o projeto sem espaço para a participação da sociedade civil organizada. Wilson Dias/ABr TRIUNFALISMO ESVAZIA AGENDA SOCIAL Empreendimentos para exploração mineral em terras indígenas podem causar impactos tão grandes que podem levar os povos à extinção. “ Lei 4.330 que pretende regularizar o mecanismo da terceirização. Na opinião dos sindicatos, particularmente da CUT, a terceirização precariza as condições de trabalho, aumenta número de acidentes e adoecimentos, reduz salários, amplia a jornada de trabalho, aumenta a rotatividade e desrespeita direitos trabalhistas. Destacam ainda que os trabalhadores terceirizados sofrem com os empecilhos à criação de identidades coletivas nos locais de trabalho. Movimento contra a regulamentação da terceirização lançou um Manifesto em defesa dos direitos dos trabalhadores ameaçados pela Terceirização e um abaixo-assinado. AGENDA NOVA. VELHAS VISÕES Paralelamente a esse processo de retrocesso em legislações já em vigor ou derrogação de direitos em regulamentações a serem efetivadas, assiste-se a outras iniciativas que fazem coro ao discurso do “Brasil Grande” e sobre as quais há desconhecimento, pouco debate ou até mesmo a tentativa de desqualificação das forças sociais que procuram contestá-las. Destacam-se aqui o debate da Rio+20 e as obras da Copa do Mundo, entre outras. RIO+20 – O debate da superexploração dos recursos naturais planetário e os seus limites se dá no contexto da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento, a Rio+20 e não há muito otimismo com o que 32 ” vem pela frente. A contribuição brasileira à Conferência tem sido tímida. Pergunta o economista Ricardo Abramovay: “se o país que vai abrigar a conferência não ousa apontar horizontes inovadores em suas posições, como esperar que a própria reunião desperte entusiasmo proporcional ao que deveria ser a sua importância?” A sensação que se tem é que o Brasil dá mais atenção à forma do que ao conteúdo na preparação da Rio+20 e estaria preocupado em passar boa imagem – daí todos os cuidados com a votação do Código Florestal e até seu possível adiamento para após o evento. O país, apesar de todas as condições de assumir a vanguarda nesse debate, estaria declinando dessa postura. Até já se fala em fiasco do evento. O diretor-executivo do Pnuma, Achim Steiner, pede que “o Brasil, como país anfitrião, não deixe que a cúpula apenas reafirme os compromissos de 1992. Isso será um fracasso”. COPA DO MUNDO – Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa tem denunciado reiteradamente casos de impactos e violações de direitos humanos nas obras e transformações urbanas empreendidas para a Copa do Mundo e as Olimpíadas no Brasil. Os problemas acontecem nas áreas da moradia, trabalho, meio ambiente, mobilidade, segurança pública, entre outros. Para além desses problemas, outros se somam, como os excessivos gastos brasileiros em O que se vê, portanto, é que o clima do “Brasil Grande” eclipsa retrocessos na agenda social, ambiental, agrária e do trabalho. A ascensão social via mercado de consumo esconde problemas estruturais não resolvidos como nas áreas da saúde, educação, moradia, saneamento, sistema prisional entre outros. O inegável crescimento econômico brasileiro, a melhoria de renda do conjunto da população e os programas sociais têm servido de forte argumento de esvaziamento do debate sobre os problemas que persistem na sociedade brasileira e até mesmo dos recuos na agenda socioambiental, agrária e do trabalho. O triunfalismo com o “Brasil Grande” negligencia a dívida social para os indígenas, negros e os pobres do campo. Os grandes projetos elevados a totens do Brasil potência e a transformação do país em exportador de commodities passaram a justificar retrocessos sociais. Sem terras, indígenas, populações ribeirinhas e quilombolas tornaram-se muitos casos estorvos. Acrescente-se a isso tudo e decorrente dessa lógica o aumento da violência no mundo rural. A agenda no Congresso que procura retardar e impedir a demarcação das terras indígenas, a interrupção de legalização dos territórios quilombolas, a tolerância para com o trabalho escravo, a flexibilização do Código Florestal, associados ao projeto do governo de retomada do projeto de mineração, da inoperância na reforma agrária, da insistência de uma matriz energética centrada em megaobras com impactos devastadores revelam que o “Brasil Grande” não permite espaço à contestação e desqualifica as vozes dissonantes. Sobre essa retomada do espírito do “Brasil Grande”, comenta a jornalista Eliane Brum: “Entre os desafios que um futuro biógrafo enfrentará ao contar a vida e a obra de Dilma Rousseff está o seguinte paradoxo: como uma mulher que entrou na clandestinidade, pegou em armas para lutar contra o autoritarismo e pagou pela sua coerên- “De novo, – continua a jornalista – estamos de volta ao Brasil Grande que pensa pequeno – mas em plena democracia e numa imprensa sem censura oficial. Acho o paradoxo fascinante do ponto de vista humano, mas um desastre para o país”. Mais: “Talvez, hoje, a presidente Dilma Rousseff passasse um pito na guerrilheira Dilma Rousseff: ‘Não há espaço para a fantasia’”. (DES)RAZÕES DO Brasília - Manifestantes protestam contra a aprovação do novo Código Florestal no plenário da Câmara RETROCESSO Quais seriam as razões do retrocesso na agenda social mesmo num governo de esquerda? O porquê das enormes dificuldades em se pautar os temas citados anteriormente na sociedade? Quais as razões do isolamento da agenda social? Como explicar a debilidade do movimento social e o descenso das lutas sociais mesmo quando direitos conquistados são atacados? As respostas não são simples. O próprio enunciado das questões pode ser questionado. Não deixa, entretanto, de ser um paradoxo o fato de que num governo de esquerda a agenda se apresente tão conservadora. Na opinião de João Pedro Stédile, “estamos num período histórico de descenso do movimento de massas e da falta de mudanças estruturais. E é isso que afeta as mobilizações no campo, e também na cidade” e, segundo ele, agravando essa situação tem-se um governo tecnocrata e um partido de esquerda, o maior deles, sem entusiasmo com reformas estruturais. Na opinião da liderança do MST, “o governo da presidente Dilma Rousseff foi tomado por uma burocracia de segundo escalão que não entende nada de povo” (…) e “o PT virou um partido chapa-branca, que se preocupa mais com cargos e em puxar o saco do governo, deixando de cumprir seu papel de partido político”. Outra razão para o freio de mão com que o governo lida com a agenda social seria a sua condição de refém das forças conservadoras que lhe dão sustentação. Essa hipótese dá conta de que o pretenso Brasil moderno necessita do Brasil atrasado para continuar em frente. A denominada tese da Fabio Rodrigues Pozzebom /ABr cia o preço altíssimo de ter sido torturada vira uma ministra, primeiro, uma presidente depois, que, em se tratando de políticas para a Amazônia e o meio ambiente, incorpora – e o pior, implanta – a mesma visão da ditadura militar que combateu”. “ O novo Código Florestal institui a impunidade, estimula o desmatamento, reduz as reservas legais e Áreas de Proteção Permanente em todo o País. realpolitik que defende que é preciso muitas vezes recuar para paradoxalmente avançar. As concessões à bancada ruralista, evangélica, ao lobby empresarial, entre outros, explicar-se-iam por essa lógica. Os problemas enfrentados por sem terras, indígenas, quilombolas, povos ribeirinhos, populações da periferia que devem ser removidas em função de megaprojetos devese também a opções políticas. No caso do governo brasileiro ao que se tem denominado de modelo (neo)desenvolvimentista, um modelo que prioriza o crescimento econômico como varinha de condão de resolução de todos os demais problemas. É a partir desse modelo que se justificam e se legitimam as grandes obras: hidrelétricas, estádios, transposição de S. Francisco… Na equação do desenvolvimentismo o meio ambiente se torna secundário, daí a dificuldade do governo lidar com a agenda ambiental (Código Florestal, Rio+20). Há ainda outras possíveis razões do enfraquecimento da agenda social e mesmo do seu recuo. Vozes fortes que estiveram do lado do movimento social, encontram-se agora do lado oposto, no governo. Essas mesmas vozes e articulações que auxiliaram na construção do movimento social, agora, muitas vezes, o desqualificam. Entre os casos, recentes, têm-se a postura autoritária da ministra dos Direitos Humanos ” Maria do Rosário que na polêmica do relatório que envolve a hidrelétrica de Belo Monte tentou censurar e desqualificar as posições do movimento social. Outro caso recente envolve o ministro da Casa Civil Gilberto Carvalho que procurou desqualificar o movimento grevista dos canteiros da hidrelétrica de Jirau e Belo Monte utilizando-se dos mesmos argumentos que o patronato costuma utilizar. Somam-se aos ministros de Estado, parlamentares, milhares de assessores em cargos de confiança que precisam defender as posições do governo e que já não depositam suas energias na agenda do movimento social, muitas vezes, aliás, estão na trincheira oposta. O recuo da agenda social por outro lado, relaciona-se ao crescente conservadorismo da sociedade que se mobiliza fortemente em torno de temas morais, mas não necessariamente sociais. ■ Análise elaborada a partir das “Notícias do Dia’ publicadas no sítio do Instituto Humanitas Unisinos/IHU, pelo Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores/CEPAT e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN. Texto publicado em www.ecodebate.com.br (25/4/2012) Cidadania&MeioAmbiente 33 Blog do Planlato Na IV Reunião de Cúpula do BRICS (29/3/2012), na Índia, a Presidenta Dilma reafirma o apoio brasileiro à formação de um grupo de trabalho para discutir a criação do banco de desenvolvimento do BRICS, que teria como função financiar projetos de infraestrutura nas nações emergentes e nos países pobres, já que o BRICS constitui extraordinária plataforma de articulação das relações multilaterais. O protagonismo dos emergentes O renomado ecossocioeconomista entende que nações ricas, afetadas por crise financeira, não irão levar propostas inovadoras à conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável. por Ignacy Sachs O Brasil e a Índia devem comandar o bloco de nações emergentes para fazer da conferência um encontro exitoso no desenho de políticas que conciliem respeito ao meio ambiente com economia e promoção de bem-estar social. “Vocês têm todas as chances, mais que outros países, para entrar em uma trilha de desenvolvimento socialmente includente e ambientalmente sustentável”, afirma Ignacy Sachs, ecossocioeconomista e professor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris. O pesquisador pontua que o Brasil é altamente respeitado devido à postura internacional e às grandes reservas de matas e de água. Para ele, o fato de a conferência voltar ao Rio é uma demonstração deste respeito. Sachs entende que as nações do Norte e a China não terão interesse em assumir o papel de protagonistas por diferentes fatores. De um lado, EUA e União Europeia se vêem em meio a um desdobramento da crise financeira internacional iniciada em 2008 que tende a recalcar os “egoísmos nacionais”. De outro, a China não deixa claro que tipo de desenvolvimento almeja e que correlação de forças deseja. “O palco está criado para o avanço dos países emergentes” avalia Sachs a respeito da possibilidade de as nações aproveitarem a atual crise que não é simplesmente econômica, mas inerente à estrutura do sistema capitalista - como uma oportunidade. Durante seminário promovidopela Agência Carta Maior, o professor indicou que não haver tempo hábil para a Rio+20 apresentar 34 propostas concretas de mudanças. Atingir consenso entre quase duas centenas de nações com interesses tão diversos e em momentos históricos diferentes não é uma tarefa simples no quadro atual. “Devería-se transformar a Rio+20 numa conferência para mapear o caminho, dar tempo aos países para planejar.” Sachs entende que essa proposta passa pela apresentação de linhas gerais e pelo compromisso dos países em apresentar metas concretas dentro de dois anos. Esses acordos, avalia, não devem ser obtidos unicamente pelos Estados nacionais, mas precisam ser construídos no diálogo com empresários, trabalhadores e organizações da sociedade civil. A ONU trabalha sobre dois eixos centrais na Rio+20. A primeira vertente diz respeito à criação de uma “economia verde” baseada simultaneamente em desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza. Em segundo lugar, a criação de um quadro institucional a favor do desenvolvimento sustentável. O pesquisador acredita que, por isso, é preciso realizar em paralelo aos esforços da conferência uma reorganização nas próprias Nações Unidas. Uma das questões é a colocação em prática do antigo anseio de se criar um fundo comum em que cada país destine um determinado percentual do Produto Interno Bruto ao desenvolvimento sustentável. “O caminho passa por um debate que utiliza uma nova geografia, a geografia dos biomas. Não posso ter uma mesma estratégia para Amazônia, cerrado, semiárido, litoral e etc.” Ao mesmo tempo em que desperta grande interesse, o evento suscita uma expectativa que tem, por trás, um receio quanto à possibilidade de frustração. O exemplo mais recente de conversas bilaterais fracassadas em torno da questão climática se deu na COP-15, realizada em 2010 em Copenhague, na Dinamarca. A Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas terminou sem que os maiores emissores de gases que provocam poluição e agravam o aquecimento global quisessem firmar qualquer compromisso que lhes pudesse prejudicar o crescimento econômico. A primeira Cúpula da Terra, a Eco-92, terminou à ocasião com a Agenda 21, uma série de compromissos em torno do desenvolvimento sustentável, um cenário bastante inovador para encontros multilaterais de caráter global. A implementação desses compromissos, no entanto, nem sempre acompanhou a teoria. Para Sachs, o cenário de 2012 é muito mais promissor para a Rio+20. “A conferência de 1992 aconteceu na contramão da história”, afirma, em referência ao recente colapso do bloco soviético e da ofensiva neoliberal. “Em 2012 estaremos em plena crise e, portanto, em maior credibilidade sobre a necessidade de mudar de rumo.” ■ Fonte: João Peres – Rede Brasil Atual, www.redebrasilatual.com.br. Publicado em 14/09/2011. Cidadania&MeioAmbiente 35