12 a 14/06/2010

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12 a 14/06/2010
Pensamento do Dia
Economistas analisam a Economia, o Brasil
e o mundo,
mundo, na mídia diária 12 a 14 06 2010
------------------------------------------------------------------Valor Econômico - 14/06/2010
A recuperação americana em xeque
Luiz Carlos Mendonça de Barros
A crise na zona do euro está lançando dúvidas sobre a recuperação econômica nos
Estados Unidos. Como sempre acontece nestes momentos de instabilidade é preciso
separar os verdadeiros receios das paranoias criadas por análises mais superficiais. Neste
nosso encontro mensal vou tentar fazer esse difícil exercício.
Uma primeira observação se impõe: a crise no espaço comum europeu é muito séria e
pode contaminar a economia mundial. Estamos diante do primeiro grande teste do
arranjo político e econômico que foi construído ao longo de décadas. Problemas que
vinham sendo deixados de lado pelo sucesso de duas décadas de funcionamento do
Tratado de Maastrich afloraram no meio do desequilíbrio fiscal criado pelo que se
convencionou chamar de crise do subprime.
O aumento expressivo dos gastos públicos para evitar uma grande depressão econômica
levou a um crescimento explosivo do endividamento dos países da zona do euro. E os
elos mais fracos - como Grécia e Portugal - romperam-se sob o peso de uma dívida
pública vista como insustentável pelos investidores.
Foi então que se tornou claro que o arranjo regulatório existente não era suficiente para
lidar com esse desequilíbrio. A crise de confiança que se instalou foi agravada pelo
verdadeiro bate-cabeças ocorrido entre os principais líderes europeus. Quando finalmente - se chegou a um arranjo de emergência, com a mobilização de cerca de US$
1 trilhão, o pânico já estava instalado nos mercados financeiros.
Em um segundo momento, os investidores perceberam que são os bancos europeus os
grandes detentores de títulos emitidos pelos países chamados de Piigs (sigla em inglês
para Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha). Com isso a crise ganhou também as
cores de uma nova pressão sobre o sistema bancário europeu. As transações
interbancárias voltaram ao estágio de dois anos atrás, com o chamado risco de
contraparte inibindo o funcionamento normal dos bancos. Mesmo com a volta do Banco
Central Europeu (BCE) como financiador de última instância das instituições vistas como
frágeis, o sistema bancário perdeu grande parte de sua funcionalidade.
Sabemos que toda a recidiva - seja ela na saúde de uma pessoa ou da economia de um
país - apresenta mais riscos do que a doença original. É o que está acontecendo na
Europa e pode ocorrer nos Estados Unidos se a crise europeia não for estancada. Afinal,
o endividamento público nos Estados Unidos também passou dos limites.
Quando a crise do subprime contaminou as economias no mundo todo, os governos
usaram a receita básica deixada pelo grande Keynes. Os bancos centrais afrouxaram as
condições monetárias e os governos realizaram uma expansão fiscal sem precedentes.
Até recentemente ela funcionou com grande eficiência e o crescimento econômico voltou
em praticamente todos o mundo.
Nos Estados Unidos, os números conhecidos apontam para uma expansão da ordem de
3,5% nesta primeira metade do ano. A massa salarial está crescendo a uma taxa
superior a 4% ao ano, trazendo certo alento para a atividade econômica. Mesmo o
segmento das pequenas e médias empresas, que vinha apresentando um
comportamento pífio quando comparado ao das grandes corporações, vem dando sinais
de vida novamente.
Mas essa recuperação ainda é muito tênue e, como reconheceu o presidente do Federal
Reserve (Fed, banco central americano) recentemente, abaixo das expectativas.
Tomando como base as recessões anteriores, o PIB americano deveria estar crescendo a
uma taxa duas vezes superior à verificada nesta primeira metade de 2010. O
desemprego, de ainda quase 10% da população ativa, é outro sinal evidente dessa
fragilidade.
Por isso a cautela com que os analistas estão olhando para a maior economia do mundo.
Se os efeitos de um agravamento maior da crise europeia cruzarem o Atlântico e
interromperem a recuperação nos Estados Unidos a economia mundial pode sofrer um
novo baque. Para que isso não ocorra será necessário que a renda do trabalho continue a
crescer nos próximos meses a uma taxa próxima à atual.
Na sua última aparição pública Ben Bernanke nos informa que o Fed estará atento à crise
europeia e que tomará as medidas necessárias para preservar a recuperação da
economia. Mas quais serão essas medidas se os juros estão próximos de zero e o déficit
fiscal americano atual é de dois dígitos? Uma tentativa de repetir o pacote de estímulos
fiscais de 2009 pode detonar uma crise de confiança também nos Estados Unidos.
Outra questão que precisa ser acompanhada é o possível aumento do protecionismo nos
países mais atingidos por uma eventual retomada da recessão econômica. Um dos
mecanismos de compensação nos países europeus que buscam uma redução do déficit
público tem sido a desvalorização agressiva do euro. Com isso, países exportadores
como a Alemanha, França e Itália podem contrabalançar os efeitos recessivos de gastos
públicos menores.
Mas o outro lado da desvalorização do euro é a perda de competitividade das
exportações americanas. Caso a recuperação americana seja ameaçada, como vai reagir
Washington, principalmente com as disputadas eleições de novembro se aproximando?
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretorestrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das
Comunicações.
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O Estado de S.Paulo - 12/06/2010
Investimento, consumo e importações
Antonio C. de Lacerda
Uma análise mais detalhada do resultado do Produto Interno Bruto (PIB) que acaba de
ser divulgado pelo IBGE revela aspectos que merecem destaque. O desempenho
referente ao 1.º trimestre de 2010 apresentou crescimento de 2,7% comparativamente
ao trimestre imediatamente anterior. Se todos os demais trimestres do ano tiverem o
mesmo comportamento, isso significa que o desempenho do ano de 2010 seria de
11,2%. Mas isso não vai ocorrer, pelos fatores que enumeraremos a seguir.
Da mesma forma, a comparação com o período homólogo do ano anterior, com
crescimento de 9%, é ilusória, porque a base estatística é muito baixa e refletiu o maior
impacto da crise do subprime. Também é pouco provável que a economia brasileira
continue a apresentar o mesmo dinamismo, basicamente porque: o quadro internacional
está mudando para pior, em razão dos impactos da crise europeia; os estímulos de
redução de impostos sobre bens duráveis já provocam um esfriamento natural do ritmo
de crescimento da economia, como já denotam os indicadores mais recentes de
comportamento das vendas de automóveis e eletrodomésticos; e a base de comparação
dos próximos trimestres será maior, portanto o efeito estatístico também será reduzido.
O dado mais revelador do desempenho do 1.º trimestre deste ano está no
comportamento dos investimentos. A Formação Bruta de Capital Fixo, que representa o
conjunto dos investimentos públicos e privados, cresceu 7,4%, em relação ao trimestre
anterior, e impactantes 26%, em relação ao 1.º trimestre de 2009!
Embora valha a mesma ressalva anterior - da base de comparação muito baixa -, no
início do ano anterior o dado do investimento revela que as preocupações com o risco de
esgotamento da capacidade de produção precisam ser vistas com mais cautela. Se os
investimentos estão ocorrendo em ritmo superior ao da demanda, isso significa que a
capacidade de produção da economia vai aumentar.
Além disso, como destaquei em artigo anterior (O mito do superaquecimento, 27/5, B2),
o risco é que o Banco Central exagere na subida dos juros e isso tenha impacto
desnecessário, daqui a cinco ou seis meses, quando a taxa de crescimento da economia
brasileira já estará acomodada.
Dois outros aspectos chamam a atenção dos dados divulgados: o baixo crescimento do
consumo do governo e o crescimento espantoso das importações. Os dados sobre o
desempenho do consumo do governo vão frustrar a quem avaliava que o crescimento da
economia vinha sendo sustentado por esse fator. O dado do 1.º trimestre deste ano
apresenta um crescimento de apenas 0,9%, comparativamente ao trimestre anterior, e
de 2%, nada substancial, em relação ao 1.º trimestre de 2009.
O desempenho das importações, por outro lado, é preocupante, porque vem crescendo
bem acima do nível de atividades. Comparativamente ao 1.º trimestre do ano anterior,
enquanto o PIB cresceu 9% e as exportações 14,5%, as importações cresceram 39,5%!
Isso denota um forte impacto da valorização do real, o que tem estimulado
excessivamente as importações e desestimulado as exportações, em especial dos
produtos industrializados, de maior valor agregado.
O quadro de descompasso entre o crescimento das importações relativamente ao
desempenho médio da economia e das exportações é algo que não é saudável para a
sustentabilidade futura. Primeiro, porque impacta negativamente a geração de valor
agregado local, substituindo atividades domésticas - o que não é desejável para um país
que precisa criar 2 milhões de empregos a cada ano, para absorver os jovens
ingressantes no mercado de trabalho. Segundo, porque, pela ótica do balanço de
pagamentos, é algo insustentável. O déficit em conta corrente vem crescendo de forma
exponencial e cobrará o seu preço logo à frente. É bem melhor agir preventivamente e
tomar medidas para corrigir logo essa distorção.
ECONOMISTA, É PROFESSOR DOUTOR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA
PUC-SP E EX-PRESIDENTE DO COFECON
-------------------------------Veja - 12/06/2010
A prioridade invertida
Maílson da Nóbrega
"A opção preferencial pelos idosos não se justifica sequer pelo lado do combate
à pobreza, pois 94,7% dos que recebem benefícios previdenciários não são
pobres"
A sociedade deve optar pelas crianças ou pelos idosos? Resposta óbvia: pelos dois. Os
idosos, de qualquer nível social, merecem uma velhice decente, sejam os que se
prepararam para a aposentadoria, sejam os que, sem condições de fazê-lo, recebem uma
renda mínima do estado. Uma opção não pode se sobrepor à outra.
No Brasil, todavia, a opção é pelos idosos. A partir da Constituição de 1988, o Congresso
e o Executivo, sob pressão de lobbies ou por irresponsabilidade fiscal, se engajaram
numa marcha da insensatez que fez dos aposentados um grupo privilegiado da
sociedade. Ainda mais privilegiados, muitos servidores públicos recebem aposentadorias
mensais de mais de 20 000 reais, sem terem contribuído para tanto.
Um novo passo nessa marcha foi dado pelo Congresso ao aumentar em 7,7% as
aposentadorias superiores a um salário mínimo e eliminar o fator previdenciário. Por
essas e outras, de 1988 para cá os gastos previdenciários saltaram de 4,5% para 11,2%
do PIB. Os do INSS, aí incluídos, subiram de 2,5% para 7,2% do PIB, por conta,
sobretudo, dos aumentos reais do salário mínimo, que reajusta dois em cada três de
seus benefícios.
Entre 1994 e 2010, descontada a inflação, o mínimo cresceu 125% e os gastos
previdenciários passaram de 84 bilhões para 248 bilhões de reais. Tornamo-nos um país
jovem que gasta nesse campo como nação madura. Com sobrevida pós-aposentadoria
semelhante à dos habitantes dos países ricos, os brasileiros se aposentam precocemente
por tempo de serviço: as mulheres aos 51 anos e os homens aos 54. Naqueles países,
aposenta-se por idade, entre 60 e 67 anos.
A Coreia do Sul gasta 1,4% do PIB com previdência. A China, 2,7% do PIB. Sua razão de
dependência demográfica - população entre 15 e 64 anos dividida pela de 65 anos e mais
- é 12,5 e 10,6, respectivamente. Brasil: 9,1. Calcula-se que nossa razão justificaria
gastos previdenciários de no máximo 3,5% do PIB.
Há muitos mitos em torno do assunto. Fala-se que o idoso ganha pouco, mas na média
se percebe mais na aposentadoria do que no trabalho: 121% do rendimento dos
trabalhadores industriais. Nos Estados Unidos, essa relação é de 50%. Na Suécia, é de
menos de 70%.
Quem se aposentou com mais de um salário mínimo reclama de perdas nos últimos
quinze anos. Estaria recebendo um número menor de mínimos. Outro mito. No período,
os reajustes superaram a inflação em 25,2%. Fabio Giambiagi tem um exemplo didático:
se esse raciocínio valesse para o aluguel de um imóvel em reais, o proprietário diria que
recebe hoje um número menor de mínimos, o que não faz sentido.
A esquerda propaga outro mito: a ausência de déficit no INSS. Contribuições sociais, que
integram a "seguridade social", estariam sendo usadas para pagar juros e outras
despesas. Sem a tungada, a Previdência teria superávit. Tese furada. Mudar o lugar do
déficit não refresca a situação do Tesouro. Mais um mito: há déficit por causa da
sonegação, como se a fiscalização não tivesse melhorado.
A opção preferencial pelos idosos não se justifica sequer pelo lado do combate à pobreza,
pois 94,7% dos que recebem benefícios previdenciários não são pobres. Enquanto isso,
44% das crianças de até 14 anos são pobres, das quais perto de 20% são extremamente
pobres. Per capita, o estado gasta com idosos pobres cerca de trinta vezes o que gasta
com crianças pobres. É uma prioridade completamente invertida.
Alheio a tudo isso, o Congresso, por certo considerando que crianças não votam, tem
agido persistentemente em favor dos idosos. Sua contrarreforma pode acelerar a ruína
previdenciária. A menos que acordemos para a gravidade da situação e elejamos líderes
transformadores, o problema pode ficar insolúvel até o desastre final.
Saiu excelente livro sobre o tema, de Fabio Giambiagi e Paulo Tafner: Demografia, a
Ameaça Invisível (Editora Campus/Elsevier). Foi a inspiração desta coluna. A obra inclui
manifestação favorável de ministros da Fazenda dos últimos seis governos. O diagnóstico
e as ideias de reforma - constantes do livro - têm, pois, o apoio de distintas correntes de
opinião.
É preciso insistir nas disfunções do sistema previdenciário e na necessidade de reforma,
sem a qual o futuro será negro para as próximas gerações.
Maílson da Nóbrega é economista
-----------------------------Folha de S.Paulo - 12/06/2010
O país pode controlar o deficit externo
ROBERTO PADOVANI
A economia brasileira pode crescer algo entre 6% e 7% neste ano.
Seria uma ótima notícia, se o país pudesse, efetivamente, sustentar esse ritmo.
Infelizmente, não pode.
Faltam ao país portos, estradas, aeroportos, energia e trabalhadores qualificados. Essa
lista, que poderia ser bem mais longa, mostra que a capacidade de investir e ampliar a
produção no Brasil é baixa.
Estimativas indicam que o crescimento potencial do país gira em torno de 5% ao ano.
Se quisermos continuar consumindo mais do que a nossa capacidade de produzir, então
há apenas duas saídas: importar ou aumentar os preços. Com a maior abertura
comercial do pais e a menor tolerância à inflação, sobra o caminho da importação de
bens e serviços.
Não por outro motivo, o deficit externo poderá dobrar em um ano, saindo dos cerca de
US$ 24 bilhões, em 2009, para algo próximo a US$ 50 bilhões, neste ano. Os números
obviamente preocupam.
Menos pelo nível do deficit, mas, sobretudo, pelo ritmo de piora. Para o Brasil crescer
sem preocupação com contas externas, seria necessário ampliar a capacidade de
produção e aumentar a produtividade.
Ou seja, seria preciso investir mais. Para isso, o governo tem de se ajustar: ampliar os
investimentos públicos -gastando menos com a folha de pagamentos e com a máquina
pública- e, ao mesmo tempo, estimular os investimentos privados, reduzindo a carga
tributária e criando um ambiente regulatório claro e estável.
Como isso ainda parece um sonho distante, será que caminhamos novamente para os
pesadelos dos deficit externos crescentes?
Provavelmente, não. A saída será controlar o ritmo de crescimento. E está aqui o motivo
pelo qual dificilmente o resultado em conta corrente será a causa de turbulências: o
Brasil construiu, ao longo dos últimos anos, um regime de política econômica sólido.
Isso significa que, à medida que o país cresce acima de seu potencial, as políticas fiscais
e monetárias são acionadas para moderar o crescimento. Como resultado, a política
econômica evita a explosão do deficit em conta corrente.
Muito provavelmente -e os sinais já estão sendo dados-, os gastos públicos não
aumentarão na mesma proporção da arrecadação, e o Banco Central continuará elevando
a taxa de juros, encarecendo o crédito. Finalmente, há uma válvula de escape
importante.
Caso a piora das contas externas seja contínua e significativa, o câmbio se desvaloriza e
ajuda a corrigir o desequilíbrio externo.
O Brasil, portanto, tem instrumentos de política capazes de dosar o ritmo de crescimento
e, com isso, evitar trajetórias explosivas nas contas externas.
Além disso, e não menos importante, o mundo deverá continuar financiando o Brasil,
justamente por acreditar que o país adotará políticas responsáveis e evitará crises no
balanço de pagamentos.
Mas quem garante que haverá um exercício responsável e coordenado de políticas? Não
seria tentador reduzir juros a qualquer preço, definir um nível mágico de câmbio e
aumentar ainda mais os já elevados gastos públicos? Tentador pode ser, mas não será
fácil.
O custo para experimentos é muito alto. Por vivermos numa democracia, e pelo fato de a
economia ser aberta, mudanças radicais nas regras do jogo geram instabilidade
econômica e, como resultado, insatisfação popular.
O desconforto político para o governo pode ser alto demais. Provavelmente, não valerá à
pena. Se o governo, portanto, não contribui para que a economia cresça sem acumular
deficit externos, há, pelo menos, instrumentos para impedir o caos.
O descontrole das contas externas não é mais nosso destino inescapável. Temos como
nos ajustar.
ROBERTO PADOVANI, mestre em economia, é estrategista-chefe do Banco
WestLB Brasil.
---------------------------------Estadão Online – 11/06/2010
Lidando com a Chinalemanha
Paul Krugman
Eis o ponto em que nos encontramos: a China nada fez para mudar sua política de
manipulação maciça do yuan e suas exportações aumentam a um ritmo acelerado.
Enquanto isso, a Europa embarca com tudo na austeridade fiscal. Angela Merkel diz que
os cortes no orçamento tornarão a Alemanha mais competitiva - mas competitiva em
relação a quem, exatamente?
Sabemos a resposta, não é mesmo? Pois é: todos contam com os Estados Unidos na
esperança de que o país se torne o consumidor de último recurso, absorvendo
importações graças ao enfraquecimento do euro e à manipulação do yuan. Ah, e apesar
de dependerem da demanda norte-americana para compensar os efeitos de suas
próprias políticas contraditórias, ambos os países repreendem os EUA e os acusam de
irresponsabilidade, por causa de nossos déficits no orçamento e na conta corrente.
Isso não vai funcionar – e os Estados Unidos precisam adotar medidas para se proteger.
Comecemos com a China. Em abril, disseram-nos para deixar de lado as acusações de
manipulação cambial contra o país; os adultos encontrariam alguma solução para o caso
chinês. Em que pé se encontra essa proposta, exatamente?
É verdade que ameaçar os chineses com tarifas antidumping seria um grande passo e
poderia trazer alguns riscos. Mas a opção de cruzar os braços e nada fazer é inaceitável.
A recuperação econômica corre grande risco de estagnação – e, se isso ocorrer, as
consequências serão muito piores do que uma desavença diplomática.
É também importante enviar uma mensagem aos alemães: não deixaremos que eles
exportem as consequências de sua obsessão com a austeridade.
As coisas não estão funcionando por bem. É hora de endurecer o discurso.
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Folha de S.Paulo - 12/06/2010
Forte ritmo pressiona contas externas
Raul Velloso
Crescimento bom do PIB é o que se sustenta no tempo, e não aquele que acaba de ser
divulgado, pois este ocorre na presença de forte excesso de gastos sobre a produção
agregada do país.
Especialistas no assunto têm estimado que o crescimento sustentável do PIB no Brasil
atualmente é da ordem de 4,5% ao ano. Ou seja, metade do que ocorreu no primeiro
trimestre de 2010.
Seguem-se dois problemas desse tipo de crescimento: pressões inflacionárias e pressões
excessivas sobre o deficit corrente do balanço de pagamentos com o exterior.
A inflação é pressionada porque, mesmo que fosse possível financiar quaisquer deficit
externos causados por importações excessivas, há os bens e serviços de menor grau de
comercialização possível com o exterior. Para esses, demanda forte e oferta interna
limitada são sinônimos de pressão inflacionária.
Inflação alta é a velha chaga econômica brasileira, cujos efeitos maléficos todos
conhecem.
Quanto mais altos forem os deficit externos, mais difícil é financiá-los lá fora com
recursos relativamente estáveis (por exemplo, o investimento direto de multinacionais),
aumentando a vulnerabilidade do país a intempéries externas.
Isso é especialmente verdadeiro em momentos de crise aguda, como o da atual crise
europeia, com efeitos desfavoráveis ainda pouco visíveis para o Brasil.
Em consequência, tendem a subir as taxas de câmbio e, em seguida, a inflação. Tem-se,
assim, uma nova razão para a inflação subir.
Em matéria paga veiculada atualmente, o governo está apregoando, entre outras coisas,
que acumulou US$ 239 bilhões de reservas internacionais até o fim de 2009. O que
custou muito caro, pois foi financiado com emissão de títulos públicos que giram
diariamente no mercado financeiro.
Mas isso não reduz a vulnerabilidade externa? Claro que ajuda. É só ver a baixa taxa de
risco Brasil que prevalece atualmente, sinalizando boa vontade de parte dos
financiadores externos.
Só que a maioria das economias desenvolvidas que poderiam concorrer conosco na
atração de capitais estão um caos (o que não ficará assim para sempre) e reservas se
esgotam (ou seja, o Banco Central fará tudo para não queimá-las rapidamente se o país
for pressionado).
Em síntese, quanto maior a vulnerabilidade externa, maiores as chances de pressões
inflacionárias (e desaquecimento da economia), em face de pressões cambiais associadas
a crises externas.
O PIB cresceu muito no primeiro trimestre, porque a demanda agregada da economia
cresceu muito, tanto a demanda de consumo como a de investimento.
O menos doloroso seria o governo reduzir seus gastos para diminuir o crescimento da
demanda agregada acima do que é sustentável. Ao contrário, o governo segue com o pé
no acelerador dos gastos.
Nesses termos, o Banco Central é forçado a subir os juros (como acaba de fazer), para
reduzir tanto o consumo privado como, e principalmente, o investimento privado, o que é
uma pena. Por quê?
Porque compromete a criação de capacidade de produção, algo crucial para aumentar o
crescimento potencial da economia.
Entra-se num círculo vicioso: os juros sobem para conter a demanda, mas, como é
impossível cortar apenas a oriunda do consumo privado, corta-se também o investimento
privado.
Por consequência, reduz-se o crescimento da capacidade de produção e o crescimento do
PIB potencial (que hoje só cresce a cerca de 4,5% ao ano), tornando mais difícil o
trabalho de conciliar crescimento alto e inflação baixa.
RAUL VELLOSO, 64, doutor em economia pela Universidade Yale (EUA), é
consultor e especialista em contas públicas.
-----------------------------Correio Braziliense - 14/06/2010
Não é hora para exageros
Vicente Nunes
Será que Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV) têm a
clareza — melhor, a capacidade — para mudar de vez a história do país?
A ata da reunião da semana passada do Comitê de Política Monetária (Copom), em que a
taxa básica de juros (Selic) passou de 9,50% para 10,25% ao ano, ainda está sendo
escrita, mas o debate em torno dela é imenso no mercado. O grande ponto das
discussões entre os analistas é se o Banco Central dará sinais de diminuição no ritmo do
aperto monetário ou se promoverá mais uma elevação de 0,75 ponto percentual em
julho.
A não ser que o BC queira encerrar mais cedo o processo de aumento da Selic, por meio
de altas mais fortes em um número menor de reuniões do Copom, o cenário que se
desenha é de arrochos em doses decrescentes — muito provavelmente, de 0,5 ponto no
mês que vêm. A razão é uma só: a inflação está perdendo força. Todos os índices que
medem o comportamento dos preços ao consumidor perderam fôlego e devem cair ainda
mais com uma possível deflação dos alimentos neste mês.
Os mais pessimistas, que defendem a manutenção do atual ritmo de elevação dos juros,
vão alegar que, quando se olha a inflação com detalhes, os núcleos estão elevadíssimos,
apontando para taxas anualizadas entre 6% e 7%, portanto, no teto da meta definida
pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). O mesmo grupo ressalta que há um
represamento de repasses do atacado para o varejo, dado o salto de 2,21% registrados
pelo Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M) na primeira prévia de junho.
Esses alarmistas não dizem, porém, que tal resultado do IGP-M captou o reajuste de
75% do minério de ferro, o que contribuiu com dois pontos percentuais para a inflação
total. A prevalecer a mesma regra, o índice calculado pela Fundação Getulio Vargas
(FGV) tenderá a desacelerar nas semanas seguintes, até fechar o mês em 0,81%, nas
contas da economista Tatiana Pinheiro, do Banco Santander. Portanto, o susto da prévia
do IGP-M decorreu da metodologia de seu cálculo, fato que será corrigido ao longo do
tempo.
Partindo desse ponto e com a economia dos países mais ricos patinando — o que está
empurrando os preços das commodities ladeira abaixo —, parte dos riscos inflacionários
que vinham atormentando o BC estão se dissipando. E o horizonte tenderá a se clarear
ainda mais se forem confirmados os sinais de desaquecimento da atividade no mercado
interno nos próximos trimestres, como alardeiam o governo e o mercado. É com base
nesse cenário, inclusive, que vários analistas gabaritados estão apostando em uma ação
menos contundente do BC daqui por diante, a começar pela elevação de apenas 0,5
ponto da Selic no mês que vem.
Fazenda contra-ataca
Dentro do governo, com os números mais recentes da inflação, voltou a ganhar força o
movimento comandado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que “o pior da
inflação já passou” e que “a atividade está perdendo força devido à retirada dos
estímulos fiscais dados no auge da crise”. Com esse discurso, o grupo que se contrapõe
ao BC quer estimular o debate sobre um possível exagero nas decisões futuras do
Copom.
Nas duas últimas reuniões do Comitê, por determinação do presidente Lula, que temia
perder apoio político das camadas mais pobres da população ante à disparada da inflação
e, sobretudo, dos preços dos alimentos, os argumentos da Fazenda foram escanteados.
Mas, agora, com a inflação “voltando a se acomodar” perto dos 5%, como preveem os
assessores de Mantega, ficará mais fácil insuflar as discussões em favor de um BC menos
rigoroso.
Revisões do BC
A ata do Copom não será, porém, o único documento avaliado pelo mercado antes da
próxima reunião sobre a taxa de juros. No fim deste mês, o BC divulgará mais um
relatório trimestral de inflação. Como já avisou o presidente da instituição, Henrique
Meirelles, será revisada, para cima, a projeção de crescimento do Produto Interno Bruto
(PIB) deste ano, dos atuais 5,8% para cerca de 6,5%. Ao corrigir a defasagem, o BC
detalhará a sua visão sobre o ritmo de avanço do país, explicitando os riscos que podem
exigir a continuidade do aumento dos juros.
O BC não deve, porém, mexer na sua estimativa para a inflação de 2011, que está
ligeiramente acima do centro da meta, de 4,5%. O número, que faz parte do cenário de
referência, estará impactado pelas duas alta da Selic, totalizando 1,5 ponto — um
choque e tanto em economias mais maduras, como a dos Estados Unidos e a da Europa.
No relatório de março, ainda escrito pelo então diretor de Política Econômica do banco,
Mário Mesquita, o quadro traçado para a inflação era bastante duro.
Mostrem a cara
Agora, com todos os candidatos à Presidência da República sacramentados pelas
convenções partidárias, tomara que eles criem coragem para dizer o que realmente
pensam sobre a economia e o que pretendem fazer para manter o crescimento
sustentado do país. O que se percebe é um temor em se posicionar sobre temas como
câmbio, juros, inflação, infraestrutura e reformas.
Mas de nada adiantará tergiversarem sobre tais assuntos. Com a economia bombando,
os eleitores vão cobrar um discurso transparente para que haja a garantia de que o
Brasil conseguirá superar os gargalos que hoje impedem taxas de crescimento superiores
a 5% ao ano por um longo período. Será que Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB) e
Marina Silva (PV), os três postulantes ao Palácio do Planalto mais bem posicionados nas
pesquisas eleitorais, realmente têm a clareza — melhor, a capacidade — para mudar de
vez a história do país? Os próximos quatro meses nos dirão isso.
Vicente Nunes é editor de Economia
---------------------------O Globo - 13/06/2010
Homem biombo
Míriam Leitão
O deputado e ex-ministro Antonio Palocci virou o homem-biombo da candidatura Dilma
Rousseff. Ele vai na frente, fala com os empresários e os dirigentes do mercado
financeiro. Promete que com ela não será diferente na área econômica. Com a garantia
do ex-ministro que foi considerado “um achado” na época da transição para o governo
Lula, está crescendo o apoio a Dilma nesse grupo.
O enviado especial à elite financeira e econômica repete o discurso que ele aprendeu, e
que é música para os ouvidos do empresário e do mercado financeiro.
O problema é que o risco Dilma é diferente do que era visto como o risco Lula. A
natureza da ameaça agora é fiscal e de fortalecimento do intervencionismo estatista, que
já apareceu no segundo mandato.
Esse modelo é frontalmente contraditório com a estabilização econômica. Ele não
provoca uma ruptura imediata, mas mina a médio e longo prazo o que foi construído
durante duas décadas.
É um risco implícito.
O risco José Serra está mais explícito. Ele deixou no ar os temores de uma intervenção
indevida no Banco Central que poderia abalar um dos pilares da política econômica que
estabilizou o Brasil derrotando as altas taxas de inflação.
Não se sabe o que ele fará com o Banco Central porque ele não explicou direito. Sua
reação à questão só levantou mais suspeitas e dúvidas.
E elas só acontecem porque Serra tem a imagem de voluntarismo na área da política
monetária e cambial construída em declarações e atitudes anteriores. Tem um trabalho a
fazer em exorcizar esses fantasmas que só reapareceram porque sempre estiveram de
alguma forma relacionados ao candidato do PSDB.
A oportunidade de aproveitamento da fraqueza do adversário foi vista pelo exministro
Palocci. Ele foi o calmante dado ao mercado e às empresas em 2002.
Com o discurso aprendido com economistas estrangeiros ao partido, Palocci na época
disse que seriam mantidos as metas de inflação, o câmbio flutuante, os contratos, a
autonomia do Banco Central, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a normalidade da relação
com credores da dívida interna e externa. Isso era o avesso de um programa de governo
que na época propunha intervenção no sistema de preços, auditoria da dívida externa,
plebiscito sobre pagamento de dívida, centralização cambial, fim do superávit primário.
A nomeação de Palocci para o Ministério da Fazenda, e não de qualquer um dos autores
do programa econômico, foi o tranquilizante distribuído ao mercado pelo presidente Lula.
A equipe da Fazenda, toda montada com integrantes da máquina ou economistas de fora
do PT, foi a segunda dose do calmante. Seu anúncio de elevar o superávit primário, a
terceira. A nomeação de Henrique Meirelles encerrou o ciclo do medo de mudança
naqueles pilares mais imediatos da estabilidade. Como resultado, as linhas de comércio
voltaram, o risco Brasil caiu, o dólar caiu, a inflação foi baixando.
Hoje, o mercado e os empresários estão renovando sua confiança diante das garantias
dadas por Palocci de que tudo será como antes.
Mas os riscos reais são outros. Palocci é o mesmo cuja proposta de déficit zero foi
escorraçada pela então ministra-chefe da Casa Civil com a afirmação de que ela era
“rudimentar” e que antes era preciso “combinar com os russos”. A proposta não tinha
nada de rudimentar, era apenas fazer a boa política de aproveitar a época do boom e de
crescimento da arrecadação para conter os gastos e dobrar a aposta fiscal. Isso teria
derrubado mais os juros, evitaria a elevação da carga tributária, e criaria um círculo
virtuoso.
Dilma por tudo o que disse, fez, decidiu é a favor do aumento extravagante do gasto
público e tem uma visão da presença do Estado na economia que é muito semelhante à
do período militar, cuja política econômica, ela e Lula citam com indisfarçável
saudosismo.
Isso tem um preço alto como já se viu no passado.
Um empresário com conhecimento do assunto garantiu que o final da história de Belo
Monte já está escrito: ela custará muito mais do que o orçado — R$ 30 bilhões em vez
dos R$ 19 bilhões previstos — e acabará sendo um empreendimento total,
inequivocamente, estatal. Hoje, já está claro que os riscos foram estatizados e os lucros
serão apropriados em grande parte pelos sócios privados financiados a prazos longos e
com juros baixos.
Belo Monte é apenas um dos exemplos, existem vários.
Ninguém que tenha informação sobre o assunto acha que o trem bala Rio-SP terá o
preço que o governo calcula. É uma obra de engenharia de complexidade por trafegar
entre o nível do mar e 800 metros, entre vários outros desafios tecnológicos.
Seu custo real está sendo calculado como muito mais do que os R$ 36 bilhões. Pode
chegar a R$ 50 bilhões, pelo menos com vantagens e retorno não claramente
dimensionados.
Essa visão de Estado de tocar projetos de impacto, a qualquer custo, iniciando as obras
quando ainda não foram dimensionados os custos fiscais da opção, embute um risco
enorme de elevação de carga tributária e de abalo das bases do edifício da estabilização
tão duramente conquistadas.
Hoje não basta ouvir as palavras de garantia de apoio a determinadas políticas, é preciso
entender o resultado das opções feitas.
Os riscos hoje são mais sutis do que na época do “vou mudar tudo isso que está aí”. Eles
não são sequer percebidos em sua totalidade.
Ou são, e poucos gostam de admitir. A maioria das empresas brasileiras hoje é sócia do
governo ou dependente químico do dinheiro subsidiado do BNDES.
Mesmo quem acha que há riscos no cenário Dilma prefere não falar. Por outro lado, o
risco Serra também não foi exorcizado. Assim vamos para as eleições.
---------------------------------O Estado de S.Paulo - 13/06/2010
A Alemanha se prepara
Celso Ming
Na semana passada, a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, anunciou um drástico
pacote de austeridade fiscal, o mais duro desde a 2.ª Grande Guerra, que vai economizar
cerca de US$ 110 bilhões em três anos. Esse passo está sendo criticado dentro e fora da
Europa como excesso de ortodoxia, na medida em que são decisões duras que não
ajudam a tirar o bloco da recessão e do desemprego.
Mas se forem vistas como preparação do Estado alemão para o novo papel de liderança
no agora inevitável processo de unificação política, esses rigores ganham sentido e
obrigarão outros países a fazer o mesmo.
A Grécia é uma economia insignificante. Tem um PIB de US$ 330 bilhões (3% da zona do
euro e apenas 21% do brasileiro) e, no entanto, suas lambanças na administração do
orçamento e da dívida pública foram suficientes para apontar para a existência de graves
fragilidades na segunda mais importante moeda do mundo, o euro.
Quando o euro foi criado, em 1999, os economistas alertaram para o fato de que o novo
bloco não formava uma área monetária ótima. Ou seja, avisaram que o risco de
distorções futuras seria enorme.
Os dirigentes não ignoraram as advertências. Foi por levá-las em conta que o Reino
Unido preferiu ficar de fora. Mas os demais países aceitaram correr o risco, no
pressuposto de que as inconsistências técnicas seriam superadas pela vontade política,
que foi, em última análise, a principal força que criou a União Europeia depois de tantos
conflitos sangrentos ocorridos nos dois últimos séculos.
As principais inconsistências são a falta de unidade fiscal e as enormes diferenças no
tratamento dos fatores de produção. Cada país tem a sua estrutura tributária e as suas
legislações trabalhista e previdenciária. Mantém políticas diferentes de proteção ao
desemprego e tratamentos desiguais em várias outras questões. Ou seja, cada país rege
sua economia a seu jeito.
No início do euro, as diferenças entre os sócios do bloco não eram tão importantes. Mas,
com o tempo, acabaram crescendo. E à medida que a crise global exigiu aumento de
despesa com defesas sociais, elas ficaram insuportáveis. Nessas condições, até mesmo a
administração única da política monetária (política de juros) pelo Banco Central Europeu
(BCE) concorre para ampliar as diferenças.
Fonte de recursos
A transferência de petróleo na jazida para a Petrobrás é um jeito que a União encontrou
de subscrever sua parte no aumento de capital da empresa sem ter dinheiro vivo para
isso. Daqui para frente, esse recurso poderia ser empregado pela União para aumentar
seu capital em outras estatais. Bastaria que mandasse medir a cubagem de um
reservatório e, em seguida, o leiloasse no mercado. Em princípio, o resultado obtido no
leilão poderia ser usado para dar cobertura a quaisquer outros objetivos fiscais do
governo federal.
Vem mais
Pelas novas regras, a Petrobrás vai participar em pelo menos 30% de todos os contratos
de partilha de exploração do pré-sal. A enormidade da empreitada obrigará a empresa a
ampliar seu programa de investimentos. E este vai exigir novos reforços de capital. Isso
significa que, uma vez sacramentado o modelo, novas rodadas de capitalização poderão
ser realizadas no futuro baseadas na cessão onerosa (transferência de óleo in situ).
A solução óbvia é unificação fiscal e unificação da administração econômica. Para isso é
preciso unidade política. O primeiro passo seria a adoção de uma constituição única,
rejeitada em 2005 por França e Holanda. Para suprir a lacuna saiu o Tratado de Lisboa
(de 2009), cujos termos são notoriamente insatisfatórios.
Uma marcha à ré à soberania dos Estados e às moedas nacionais, às vezes evocada,
parece impraticável. Imagine-se o tamanho da desvalorização da dracma, do escudo, da
peseta, da lira e do franco, se Grécia, Portugal, Espanha, Itália e França fossem
obrigados a restabelecer suas antigas moedas. O desastre seria ainda maior.
Uma nova estratégia de unificação política terá de ser adotada. Os países mais fortes do
bloco acabarão por impor sua hegemonia na formação do que poderá ser o novo sistema
federativo europeu. Mais forte é o país mais competitivo e mais competitivo é o mais
ajustado economicamente. Esse é o preparo físico que a Alemanha busca adquirir agora.
----------------------------Correio Braziliense - 12/06/2010
Decolagem autorizada
Antonio Machado
Lula sinaliza que solução para caos dos aeroportos terá a ajuda de empresas e
capitais privados
Foi de jeito acanhado, sem a fanfarra que acompanha as decisões do governo, que o
presidente Lula assinou esta semana decreto que libera a construção e operação em
regime de concessão do primeiro aeroporto privado do país. Fica em Natal, Rio Grande
do Norte.
O anúncio foi discreto, sugerindo irrelevância e decisão isolada, mas equivale à abertura
dos portos durante o período colonial. De modo ainda mais discreto, “fontes” não
identificadas vazaram à imprensa que Lula aguarda do ministro da Defesa, Nelson Jobim,
os elementos técnicos para instruir a decisão de aprovar a concessão de um novo
aeroporto em São Paulo, quiçá a ampliação de Guarulhos.
A cidade já conta com área próxima à região metropolitana para um aeroporto privado,
com projeto da Camargo Corrêa, e do plano para o terceiro terminal e terceira pista no
de Guarulhos — o maior em tráfego do país e totalmente saturado, situação que se
repete nos aeroportos de Brasília, Belo Horizonte, Fortaleza, e por aí vai.
Abriu-se uma janela para a entrada de capitais privados numa das atividades de
infraestrutura mais críticas para o desenvolvimento, e, ao mesmo tempo, mais
deterioradas e inseguras para todos os que dela dependem, devido ao tráfego crescente
de passageiros e carga não acompanhado de investimentos em ampliação e logística.
O sinal é que, depois das eleições, quando a palavra privatização recuperar o seu sentido
original, perdendo a conotação maldita que PT e Lula lhe atribuem no contexto do
embate político com o PSDB, a porta será aberta aos capitais privados. Não será sem
tempo.
Desde 2005, o único aumento significativo de capacidade de tráfego em um aeroporto
ocorreu com o pequeno e esgotado Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Dos 15 principais
aeroportos, nove operam acima de sua capacidade, segundo dados da Infraero, a
empresa estatal que cuida da administração aeroportuária, e da Anac, Agência Nacional
de Aviação Civil, o órgão que regula as empresas e a logística.
Em meio à burocracia, também se acomoda a Aeronáutica, responsável pelo controle do
tráfego aéreo, e até os últimos grandes acidentes no país — com um Boeing da Gol, em
setembro de 2006, e um Airbus da TAM, em julho de 2007 —, envolvida no pandemônio
criado pelos controladores de vôo por razões salariais, de hierarquia, excesso de trabalho
e receios quanto à desmilitarização da atividade.
Problemas complexos demais para um governo enredado em muito mais prioridades do
que é capaz de processar. Com boa parte do dinheiro dos investimentos comprometida
em grandes projetos. Distraído pelo debate entre mais ou menos Estado na
infraestrutura. E confundido pelo lobby sindical da Infraero, contrário a qualquer solução
que diminua a influência da estatal. É esse nó que começa a desatar.
Alertas desprezados
O que será da Infraero levará ainda algum tempo para resolver. O certo é que já não se
tratam com desprezo alertas como os da FAB, que, em 2004, preveniu o governo sobre o
colapso da infraestrutura aeroportuária pela falta de investimentos. Em 2006, uma
auditoria do Tribunal de Contas da União concluiu que “falta de planejamento e
insuficiência de recursos são as principais causas dos atrasos e cancelamentos de vôos”.
De lá para cá, a demanda de passageiros deu um salto de 80%. E os aeroportos?
Continuaram do mesmo tamanho.
Solução burra da Anac
Para encobrir esse quadro caótico, a Anac veio com um arremedo de solução: reduziu o
número de vôos nos aeroportos mais afogados. Na prática, tolheu as pessoas em seu
direito de ir e vir do jeito que quiserem — e cada vez é mais de avião que se quer,
graças ao aumento da renda e do emprego, a popularização e as facilidades do crédito e
o crescimento da frota das empresas. É medida capenga, para não dizer burra, cortar
vôos para desafogar aeroportos. Não dá mais, como relata um empresário do setor, para
Lula achar que o problema seria menor, porque poucas pessoas usariam avião.
Capacidade esgotada
A capacidade máxima nos 15 maiores aeroportos é de 9,5 milhões de passageiros/mês.
Equivale a 5% da população. Mas a demanda deverá crescer muito mais com a expansão
da economia, a ascensão da nova classe média e os eventos da Copa em 2014 e das
Olimpíadas em 2016.
Na média, os aeroportos operam a 36% acima da capacidade, sem que a Infraero dê
conta da situação. A projeção para 2014, de expandir a capacidade em mais 5 milhões
de passageiros/mês a um custo de R$ 6 bilhões, envelheceu. É preciso mais. O governo
já reconhece que a solução é a parceria com o setor privado. Agora vai. Espera-se.
Dilma amplia a visão
O problema aéreo não é só de respeito do governo com o conforto e a segurança dos
passageiros. Virou questão econômica. Sem que seja superado o atraso dos transportes,
em que a miséria dos aeroportos faz companhia à de portos, ferrovias e rodovias, o país
vai parar, como sai da tomada quando falta energia, hoje, um risco mitigado.
Falta de financiamento é o menor dos problemas. Regulação adequada resolve a
situação, se houver clareza sobre a limitação do Estado. A então ministra Dilma Rousseff,
por bom tempo, viveu dividida entre a sua visão do Estado dirigista e o pragmatismo de
resultados do presidente. A campanha está a lhe mostrar que há mais cores entre o
branco e o preto das ideologias, como o exercício do poder mostrou a Lula. A têndencia é
que muitos impasses comecem a se desfazer.
------------------------------O Globo - 12/06/2010
Terra sem lei
Míriam Leitão
Em dez anos, os desmatadores destruíram no Brasil 260 mil hectares na Mata Atlântica,
ou 2,6 mil km2, o equivalente a duas cidades do Rio; e 176 mil km2 na Amazônia, área
maior que toda a Inglaterra.
Em sete anos, foram 85 mil km2 de cerrado; 4,3 mil km2, no Pantanal; e 16,5 mil km2,
na caatinga. E o que o Congresso está discutindo não é como parar o crime, mas como
perdoar os criminosos
Esse é o principal ponto que torna o projeto do deputado Aldo Rebelo (PCdoBSP) um
equívoco. Ele leva o Brasil na direção oposta do que se deve ir. Em cada ponto, a
proposta acelera na contramão. O que os poderes da República poderiam estar
considerando é: dado que o atual Código não impediu essa destruição toda, o que fazer
para que as leis possam ser cumpridas? Os rios brasileiros estão assoreados, muitos já
morreram, os rios que cortam o interior do país viraram latas de lixo e esgoto. As
histórias são tão frequentes e antigas que nem cabe repetir aqui. A discussão urgente é
como proteger os rios, aumentar o saneamento básico, limpar as correntes de água,
garantir que a faixa de mata ciliar seja recomposta. Mas o que a proposta de novo
Código Florestal estabelece é como reduzir a proteção aos rios, diminuindo o tamanho
das Áreas de Proteção Permanente (APP).
O Brasil tem tido assustadores problemas de deslizamento de encostas nas cidades, nas
estradas. Elas servem como um alerta sobre o cuidado com o uso de terrenos muito
íngremes. A lei de 1965 cria limites ao uso de terrenos com 45 graus de inclinação e
protege o topo dos morros. O novo Código reduz a proteção dessas áreas frágeis.
Imaginemos dois proprietários rurais na Amazônia, no Cerrado ou na Mata Atlântica, ou
qualquer outro bioma brasileiro, como o nosso belo e frágil Pantanal.
Um preservou a reserva legal guardando o percentual da propriedade estabelecido por
lei, respeitou as APPs e não contou essas áreas nas reservas legais. Se já entrou na
propriedade com uma área desmatada maior do que o permitido, replantou espécies da
região.
O outro desmatou com correntão, incendiou parte da floresta, fez corte raso ou qualquer
uma dessas formas primitivas e predatórias de ocupar a terra. O segundo terá as
seguintes vantagens: pode continuar usando as áreas “consolidadas” sem pagamento de
multa, tem 30 anos para recompor a reserva legal de forma voluntária, pode usar
espécies exóticas, pode replantar em outro local, pode fazer lobby junto ao governo
estadual para reduzir a área a ser protegida. Pode continuar explorando o topo dos
morros, reduzir a área de proteção aos rios e contar a APP como parte da reserva legal.
Como se vê, será compensado, anistiado, incentivado. E quanto ao primeiro? Ao que
cumpriu a lei? Ora, esse deve procurar o primeiro espelho, olhar para seu próprio rosto e
dizer: “Cumpri a lei, fui um otário!” No século XXI, diante de tantos exemplos dos riscos
da degradação ambiental, o que o Brasil deveria estar fazendo? Discutindo seriamente
como aumentar a proteção ao meio ambiente.
Mesmo os que não acreditam nas mudanças climáticas sabem que o meio ambiente é
essencial para a qualidade de vida. Em vez de uma discussão serena e atualizada, o
relator do projeto de mudança do Código Florestal, deputado Aldo Rebelo, nos propõe
uma sequência delirante de explicações persecutórias. O mundo estaria conspirando
contra o desenvolvimento brasileiro através de malévolas organizações infiltradas no
país, impondo aos cidadãos nacionais convicções exóticas sobre a necessidade de evitar
o desmatamento e inventando evidências científicas de que o clima está mudando.
Até quem tenha muito boa vontade com este tipo de raciocínio alienista precisa saber
como explicar algumas contradições: muitas das ONGs são genuinamente brasileiras, o
maior beneficiário de um meio ambiente sadio e protegido é o próprio brasileiro, o clima
está de fato mudando perigosamente, os países desenvolvidos estão impondo para si
mesmos metas de redução de emissões maiores do que as que o Brasil espontaneamente
se dispôs a cumprir.
O Brasil é uma potência agropecuária. Os números crescentes de produção,
produtividade e exportação derrubam a tese de que o Código Florestal está impedindo
essa atividade econômica no país. Há pouca chance de que continuemos avançando em
mercados mais competitivos se a decisão for permitir mais desmatamento, tornar mais
frouxas as regras, controles e limites. É bem provável que ocorra o oposto: que esse
passe a ser o principal argumento para imposição de barreiras contra o produto
brasileiro, seja ele produzido de forma sustentável ou não.
O principal problema do Código não é ser excessivamente rigoroso. Se fosse, o Brasil não
teria as estatísticas que tem. É que as leis não têm sido respeitadas.
Mudar a lei para que o Código seja cumprido é tão inútil e perigoso quanto tentar reduzir
a incidência de febre nos pacientes com infecção, estabelecendo que febre é apenas de
39 graus para cima. O racional a fazer com a febre é tratar a infecção; o melhor a fazer
com nosso persistente desmatamento é impor o respeito à lei e ao patrimônio público; e
não suavizar o Código, anistiar quem não a cumpriu e postergar seu cumprimento.
Em Minas, há um desmatador profissional que tira a mata dele e dos vizinhos, pequenos
proprietários, a quem paga alguns trocados.
De tanto ser denunciado e multado, ele já aprendeu o truque. Agora, ele mesmo se
denuncia, paga a multa e assim legaliza seu ato. É o crime que tem que ser combatido,
deputados e senadores, e não a lei.
------------------------------O Estado de S.Paulo - 12/06/2010
O mercado de TVs e a Copa
Celso Ming
Mesmo devendo confiança, a seleção do Dunga parece ter conseguido convencer muito
brasileiro a comprar uma TV nova para ver os jogos da Copa do Mundo que começou
ontem.
Os cálculos da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros)
mostram que, mesmo sem contar com redução de imposto, fator que favoreceu outros
segmentos, quase 7 milhões de famílias adquiriram um aparelho zero bala nesse
primeiro semestre do ano.
Em ano de Copa, o cronograma das compras do consumidor fica trocado em relação ao
que ocorre em outros anos. "Normalmente as vendas do nosso setor se concentram 60%
no segundo semestre e 40% no primeiro. Com a Copa, a relação se inverte: 60% no
primeiro semestre e 40% no segundo", explica o presidente da Eletros, Lourival Kiçula.
Para o ano, a entidade projeta vendas de 11,5 milhões de unidades, crescimento de 20%
em relação a 2009 e uma queda de aproximadamente 10% se comparada com as vendas
da última Copa, em 2006, antes do mergulho da economia mundial na crise financeira.
Mas a Copa não é o único fator que empurrou o consumidor para as lojas. Apesar da
crise lá fora, a economia aqui dentro está aquecida, o emprego está melhorando, o
crédito ficou mais fácil e o comércio está oferecendo melhores condições de
financiamento. Algumas redes de varejo vêm parcelando a compra em até 30 vezes. Ou
seja, o consumidor que aceita essas condições ainda estará pagando seu aparelho de TV
quando começarem as eliminatórias para 2014.
Os lançamentos de novas tecnologias são outro chamariz. É forte a disposição de trocar o
velho aparelho de tubo por modelos mais avançados, com tela de plasma, imagem em
alta definição, LCD, LED e até tecnologia 3D.
As vendas de TVs da nova geração ultrapassaram em março a dos modelos
convencionais. E, como aponta Kiçula, este deve ser o primeiro ano em que o volume
vendido das TVs fininhas irá superar o de TVs mais gordinhas. No ano passado, a fatia
das TVs planas foi de 45% e a de TVs de tubo, 55%.
A nova tecnologia tem lá seu custo. Quanto mais avançado o aparelho, mais caro ele é.
Mas, ainda assim, a boa notícia de que nos dá conta a repórter do Estado Márcia De
Chiara é a de que, desde a Copa de 2006, os preços dos televisores de última geração
caíram mais de 70%.
Não há uma única explicação para isso. Começa com a valorização do real (queda da
cotação do dólar de quase 20%), que baixou os preços dos componentes importados.
Mas também têm de ser levados em consideração a evolução tecnológica, montagem de
muitas linhas aqui no Brasil e aumento de escala de produção.
Daqui para frente somente mais um fator - o bom desempenho da seleção brasileira pode influenciar as vendas não só de TVs, como também de produtos ligados ao futebol
(camisas, bandeiras), além de cerveja, fogos de artifício e, até mesmo, pipoca e
amendoim.
Baseado no que aconteceu nas Copas anteriores, o economista-chefe da Associação
Comercial de São Paulo, Marcel Solimeo, entende que "o entusiasmo por consumir
produtos ligados à Copa crescerá à medida que a seleção for ganhando as partidas,
especialmente se chegar à final." / COLABOROU ISADORA PERON
------------------------------Valor Econômico - 14/06/2010
Mercado futuro comanda o câmbio
Eduardo Campos
O mercado discute se a esperada capitalização da Petrobras e a nova oferta de ações do
Banco do Brasil terão impacto sobre a taxa de câmbio.
Afinal, são algumas dezenas de bilhões de dólares que podem vir ao país. No entanto, o
mercado de câmbio aqui no Brasil tem suas próprias regras e uma delas, segundo explica
o sócio da Global Financial Advisor, Miguel Dauod, é não obedecer à lei da oferta e
procura.
"Falar que é o fluxo que determina a formação de preço é conversa. Quem manda no
dólar é o mercado de derivativos", diz o especialista.
Para embasar sua teoria, Daoud lança mão de alguns números. O primeiro é que o Banco
Central vem, sistematicamente, comprando mais dólares do que o fluxo líquido de moeda
no país. Então, se fosse válida a lógica de oferta e demanda, era para o dólar ter se
valorizado nos últimos anos, o que não aconteceu.
Um exemplo, de 2004 a maio de 2010 as reservas internacionais do Banco Central
subiram em quase US$ 200 bilhões, enquanto o preço do dólar caiu de R$ 2,65, para R$
1,85. "Quanto mais compra dólar, mais dólar vem ao mercado", avalia.
Outra teoria que cai por terra é a de que os juros altos explicam valorização da moeda.
Em 2004, a Selic era 17,75% e o dólar saía a R$ 2,65. A taxa veio recuando a 10,25%, e
o dólar ronda de R$ 1,80. Vale lembrar que tanto a Selic quanto o câmbio já estiveram
mais baixo, recentemente.
Daoud também aponta para a disparidade de volumes no mercado à vista e futuro. No
ano, até maio, o BC comprou no mercado à vista US$ 12,14 bilhões com leilões de
pronto. Nesse mesmo período, o mercado futuro de dólar girou mais de US$ 1,9 trilhão.
O que Daoud quer mostra com esse números é que as atuações do BC têm volume
irrisório sobre a força do mercado futuro.
Segundo Daoud, o que faz os investidores trabalharem no mercado futuro é a certeza de
que o governo não vai permitir uma desvalorização do real, pelo simples fato do câmbio
ser instrumento de controle da inflação.
Se temos uma demanda que cresce a 12% e uma oferta que avança a 6%, diz o
especialista, esse diferencial é suprido pelo mercado externo. Portanto, um dólar mais
caro resultaria em explosão da inflação.
"Estamos permitindo um ataque especulativo ao real em troca de uma estabilidade de
preço. Só que isso coloca em risco o futuro da economia", diz Daoud.
O ponto nocivo dessa estratégia de estabilidade, diz o especialista, é a destruição da
competitividade da economia.
Daoud aponta que em 2001 o Brasil tinha uma pauta de 800 produtos manufaturados
que vendia aos Estados Unidos. Hoje, essa lista caiu a 200.
A solução desse "nó", segundo o especialista, passa pela conscientização do governo de
que o câmbio é apenas um sintoma da doença estrutural do país.
Para Daoud, falta um projeto macroeconômico para cortar gastos e elevar o
investimento. Com isso, a oferta doméstica cresce e cai a necessidade de importação.
"Quando isso ocorrer, se consegue evitar, então, a especulação no mercado futuro."
A saída dessa armadilha também passa por impedir que a especulação no mercado de
derivativos continue promovendo a perda de valor relativo na moeda.
Segundo Daoud, para o Banco Central tirar poder dos especuladores ele tem que ir para
o campo de batalha com a mesma arma do especulados, ou seja, a autoridade monetária
teria de ter instrumentos para atuar nesse mercado.
A sugestão do especialista seria adotar uma contrapartida às vendas. O investidor
poderia vender a moeda no futuro, mas com uma garantia de recompra de parte desses
dólares. "Esse mecanismo anula o ganho de arbitragem. E, com isso, não há influência
de derivativos no mercado à vista. Assim, a moeda não perde valor relativo."
Outra ressalva a essa estratégia é que, embora a aquisição de reservas tenha sim sua
importância já provada e comprovada, ela também tem um custo elevado, pelo simples
fato de que o BC emite reais a uma taxa muito superior a que consegue rentabilizar os
dólares tirados do mercado.
Eduardo Campos é repórter
-----------------------------------
ECONOMIA & OUTRAS NOTÍCIAS
Folha de S.Paulo - 13/06/2010
Total de pobres deve se reduzir à metade
até 2014
Mantida a tendência de crescimento médio do governo Lula, o número de miseráveis, de
29,9 milhões atualmente, ruma para 14,5 milhões - 8% da população - em 2014,
informa.
Total de pobres deve cair à metade no Brasil até 2014
Ritmo de redução da pobreza se acelera por conta de mais emprego formal
Número de miseráveis, de 29,9 milhões hoje, ruma rapidamente para cerca de
14,5 milhões, ou 8% da população
FERNANDO CANZIAN
DE SÃO PAULO
Mantida a tendência de crescimento médio da economia no governo Luiz Inácio Lula da
Silva, o Brasil cortará à metade o número de pessoas pobres até 2014.
O total deve cair de 29,9 milhões para cerca de 14,5 milhões, o equivalente a menos de
8% da população.
Nos anos Lula, até a crise de 2009, o número de pobres (pessoas com renda familiar per
capita mensal de até R$ 137,00) caiu 43%, de 50 milhões para 29,9 milhões.
Hoje, a velocidade da queda do número de pobres é ainda maior, de cerca de 10% ao
ano, segundo cálculos do economista Marcelo Neri, chefe do Centro de Pesquisas Sociais
da FGV-Rio.
"Estamos entrando em um processo de redução da desigualdade mais forte que no
período de 2003 a 2008. O rápido crescimento no início do ano só reforça essa
tendência", afirma Neri.
O economista diz que a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE)
mostrou crescimento médio de 5,3% ao ano per capita real (além da inflação) no Brasil
entre 2003 e 2008.
Outros especialistas ouvidos pela Folha concordam com essas previsões, consideradas
realistas ante a tendência dos últimos anos.
Consideram também viável o país manter um ritmo de crescimento até maior do que a
média dos últimos anos. A previsão de crescimento para 2010, por exemplo, já varia de
6,5% a 7,5%.
SALÁRIO MÍNIMO
A diminuição do número de pobres e a ascensão de 31,9 milhões de brasileiros às classes
ABC entre 2003 e 2008 estiveram relacionadas, principalmente, ao aumento do emprego
formal e da renda do trabalho, à política de valorização do salário mínimo e aos
programas sociais, como o Bolsa Família.
Para Lena Lavinas, especialista no assunto no Instituto de Economia da UFRJ, a pobreza
no Brasil cai especialmente por conta da criação de vagas formais no mercado de
trabalho.
"Cerca de 90% dos novos empregos formais nos últimos anos pagam até três salários
mínimos (R$ 1.530,00). Isso favorece diretamente os mais vulneráveis", diz Lena.
Além de criar quase 13 milhões de empregos formais (de 28,7 milhões para 41,5
milhões), o governo Lula patrocinou um aumento real (acima da inflação) de 53,6% para
o valor do salário mínimo.
Com isso, o piso básico no país voltou em 2010 próximo ao nível de 1986 -depois de
atingir um fosso logo após o governo Collor (1990-92).
PODER DE COMPRA
Por conta dessa recuperação, os R$ 510 do mínimo de hoje (cerca de US$ 280) compram
2,2 cestas básicas, ante 1,4 no início do governo Lula. Nessa comparação, é o maior
poder de compra desde 1979.
Ademir Figueiredo, coordenador do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e
Estudos Socioeconômicos), afirma que a recuperação do salário mínimo "foi o grande
"programa social" de Lula". "Pois ele tem impacto direto sobre o crescimento da renda
familiar."
A construção civil é exemplar dentro dessa tendência. Os salários no setor, que emprega
mão de obra pouco escolarizada, aumentaram 19,5% acima da inflação no governo Lula.
Já o emprego formal saltou de 1,5 milhão de vagas para 2,5 milhões.
"As contratações devem crescer ainda mais por conta dos investimentos para diminuir o
deficit habitacional, na infraestrutura e nos relacionados a Copa e Olimpíadas, que mal
começaram", diz Ana Maria Castelo coordenadora de Projetos da Construção da FGV-SP.

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