AVALIAÇÃO DO IMPACTO DO PARADIGMA CNS/ATM
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AVALIAÇÃO DO IMPACTO DO PARADIGMA CNS/ATM
Sitraer 7 (2008) 617-628 – Tr. 511 AVALIAÇÃO DO IMPACTO DO PARADIGMA CNS/ATM SOBRE A SEGURANÇA DO SISTEMA CONTROLE DE TRÁFEGO AÉREO Lúcio Flávio Vismari João Batista Camargo Junior Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais Grupo de Análise de Segurança (GAS) RESUMO Este trabalho apresenta uma avaliação quantitativa do impacto do paradigma CNS/ATM (Communication, Navigation, Surveillance/Air Traffic Management), mais especificamente do conceito de Vigilância Dependente Automática por Radiodifusão (ADS-B), sobre os níveis de segurança do sistema de Controle de Tráfego Aéreo (ATC). Este estudo avaliou, de forma comparativa, quais são os níveis de exposição a eventos de perda de separação (AIRPROX) que aeronaves estão sujeitas quando inseridas em dois ambientes ATC distintos: o ambiente atual, cuja vigilância está baseada em Radares e em navegação por rádio-auxílios; e o ambiente CNS/ATM, cuja vigilância estará baseada na ADS-B e em navegação por satélites. Como resultado principal, pode-se concluir que a ADS-B, mesmo tornando interdependentes os elementos de navegação e vigilância, é uma aplicação viável, do ponto de vista da segurança (safety), para o ATC sob o paradigma CNS/ATM. ABSTRACT This paper presents a quantitative assessment of the impact of paradigm CNS/ATM (Communication, Navigation, Surveillance/Air Traffic Management), specifically the concept of Automatic Dependent Surveillance - Broadcasting (ADS-B) on the safety levels of the Air Traffic Control system (ATC). It was assessed, in a comparative way, what levels of exposure to events of loss of separation (AIRPROX) aircraft will be submitted when inserted into two distinct ATC environments: the current environment, which is based on Radar surveillance and navigation by radio-aids, and the environment CNS/ATM, whose surveillance will be based on ADS-B and satellite navigation. As the main result, it was concluded that the ADS-B, even turning interdependent the elements of navigation and surveillance, is a viable application, in terms of safety, for the ATC under the paradigm CNS/ATM. 1. INTRODUÇÃO Ao longo das últimas décadas, o paradigma de sistemas críticos em segurança vem sofrendo transformações como forma de se adequar às novas necessidades demandadas, tais como redução de custos e aumento da produtividade. Para o sistema de tráfego aéreo, esta transformação de paradigma está preconizada pelo CNS/ATM (Communication, Navigation, Surveillance / Air Traffic Management), baseado em tecnologias digitais aplicadas à Comunicação, à Navegação, à Vigilância e ao Gerenciamento do Tráfego Aéreo (ICAO, 2000). Comparado ao paradigma atual de sistema de tráfego aéreo, o CNS/ATM busca as seguintes melhorias para cada um dos elementos do tráfego aéreo (ICAO, 2000): • Comunicação: incremento na cobertura, acessibilidade, capacidade, integridade, desempenho e segurança (security) dos sistemas de comunicação aeronáuticos, em acordo com os requisitos do ATM; • Navegação: incremento na cobertura e na capacidade de operação em quaisquer condições meteorológicas e tipos de espaço aéreo, incluindo aproximações e pousos, enquanto mantém ou aumenta os níveis de integridade, acurácia e desempenho, em acordo com os requisitos do ATM; • Vigilância: expansão na cobertura efetiva sobre oceanos e áreas remotas, e incremento dos níveis de consciência situacional dos pilotos, em acordo com os requisitos do ATM; 617 Sitraer 7 (2008) 617-628 – Tr. 511 Como forma de se obter estas melhorias desejadas para cada um dos elementos do sistema, a Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) elaborou o seguinte planejamento evolutivo para as tecnologias aplicadas aos elementos de Comunicação, Navegação e Vigilância do sistema de tráfego aéreo (Figura 1). Figura 1 – Evolução Tecnológica dos elementos CNS O uso deste arcabouço de tecnologias digitais proporcionará, de forma sistêmica, maiores níveis de automação e de acurácia no sistema de tráfego aéreo e, a princípio, minimizará as restrições existentes no sistema de tráfego aéreo atual. Com isso, corrobora-se com o cumprimento da missão principal do CNS/ATM, que é o de desenvolver um sistema global e uniformizado de serviços de tráfego aéreo (ATS – Air Traffic Services) que supra o crescimento da demanda por este modal de transporte, acompanhado de melhorias nos níveis de segurança, regularidade e eficiência do tráfego aéreo, disponibilizando o uso das rotas desejadas pelos usuários e minimizando as diferenças quanto ao uso de equipamentos atualmente observadas em função das regiões do planeta. O Controle de Tráfego Aéreo (ATC) será um dos principais serviços impactados pelo conceito CNS/ATM, dado que os elementos de comunicação, navegação e vigilância do sistema de tráfego aéreo são utilizados pelos Controladores de Tráfego Aéreo (ATCo) para realizar a missão do ATC, que é a de prevenir colisões, tanto entre aeronaves quanto entre aeronaves e obstáculos na área de manobras, além de acelerar e manter ordenado o fluxo do tráfego aéreo (ICAO, 1998a). Em espaços aéreos controlados, o ATC tem a função de gerenciar as distâncias de separação entre aeronaves, pois atua no nível da garantia de separação para o tráfego aéreo em execução. A Figura 2 representa uma arquitetura simplificada do sistema de ATC, ilustrando o fluxo de informação entre seus elementos (CNS e usuários “ATCo” e “Piloto”). Figura 2 – Arquitetura do Controle de Tráfego Aéreo (Vismari, 2007) 618 Sitraer 7 (2008) 617-628 – Tr. 511 Os valores de separação praticados pelo ATC estão relacionados à qualidade das informações disponíveis ao piloto e ao controlador de tráfego aéreo (desempenhos da comunicação e da vigilância), e à acurácia com a qual o piloto consegue aderir a sua trajetória (desempenho da navegação) (ICAO, 1998a). Com relação à comunicação e à vigilância, suas imprecisões e limitações introduzem incertezas sobre a real situação do ambiente monitorado (as posições das aeronaves, sobretudo), afetando a capacidade de detecção e de resolução de conflitos por parte dos operadores do tráfego. Com relação à navegação, suas imprecisões e limitações induzem ao aumento de potenciais conflitos, pois os pilotos tendem a ocupar, indevidamente, regiões maiores do espaço aéreo. Assim, estas limitações técnicas são fatores que restringem a redução dos tempos médios de separação entre aeronaves, pois, para que se garanta a segurança das operações, devem-se incorporar estas imprecisões, tanto temporais quanto espaciais, sobre os valores de separação providos, de forma a minimizar a ocorrência de conflitos. Vale ressaltar que a redução dos tempos médios de separação aplicados entre aeronaves é uma das formas diretas de aumentar a capacidade do sistema de tráfego aéreo. Com base nestes fatos, pode-se concluir que o paradigma CNS/ATM é a solução para minimizar as restrições ao crescimento da oferta por tráfego aéreo, já que a evolução tecnológica sobre os elementos CNS afeta diretamente as características do sistema de controle de tráfego aéreo e, conseqüentemente, sua capacidade de gerenciar, de forma efetiva, as distâncias de separação entre aeronaves, principalmente no que se refere ao aumento da acurácia dos dados de vigilância, o aumento de sua área de cobertura e a redução do congestionamento nos canais de comunicação, além da possibilidade de melhoria das técnicas de detecção e resolução de conflitos devido à elevação dos níveis de automação do sistema. Desta forma, o CNS/ATM introduz um novo conceito sobre o sistema de tráfego aéreo. E como em todo sistema crítico em segurança, para que estas alterações propostas possam ser introduzidas, é necessário avaliar se as mesmas serão capazes de satisfazer os níveis de segurança desejados para o sistema em questão. No caso do CNS/ATM, deve-se garantir que estas novas tecnologias possam promover o aumento da capacidade do sistema de tráfego sem comprometer seu nível de segurança atual. Com este objetivo, este artigo apresenta as principais etapas e resultados de uma avaliação quantitativa de segurança, contida na íntegra em Vismari (2007), para um dos principais conceitos presentes no CNS/ATM: a Vigilância Dependente Automática por Radiodifusão (ADS-B). Este artigo está estruturado da seguinte forma: o item 3 apresenta, em linhas gerais, a metodologia utilizada nesta avaliação, proposta em Vismari (2005) e desenvolvida na íntegra em Vismari (2007). O item 4 apresenta as características principais dos sistemas analisados, sobretudo o ADS-B e o GNSS, bem como os principais resultados obtidos pela análise. O item 5 discute os resultados apresentados, e o item 6 faz algumas conclusões sobre o impacto do CNS/ATM sobre o sistema de controle de tráfego aéreo. 2. METODOLOGIA O método de avaliação utilizado neste trabalho, cuja idéia inicial foi proposta em Vismari (2005) e desenvolvida na íntegra em Vismari (2007), é constituído pela união dos métodos “absoluto” e “relativo” de avaliação de risco preconizados pela Organização de Aviação Civil Internacional (ICAO, 1998b), pelo emprego do formalismo das redes de Petri Fluidas e Estocásticas (RPFE) no processo de modelagem matemática contido no método absoluto, e pela comparação entre os valores de métricas de segurança estimados para o sistema em 619 Sitraer 7 (2008) 617-628 – Tr. 511 avaliação (sistema proposto) e para um sistema legado, conhecido como seguro. Demonstrouse que este método potencializa as qualidades individuais dos métodos “absoluto” e “relativo” da OACI, e maiores detalhes podem ser encontrados em Vismari (2007). Em resumo, o método proposto é constituído das seguintes etapas: A. Definição dos elementos funcionais e dos parâmetros a serem considerados em comum tanto na modelagem e na análise do sistema em avaliação (denominado como “sistema proposto”) quanto do “sistema de referência” (um sistema legado previamente definido como seguro); B. Definição dos critérios de avaliação, onde se definem quais as métricas de segurança que serão utilizadas em comum entre os modelos desenvolvidos; C. Aplicação do processo de avaliação de risco absoluto para cada um dos sistemas (proposto e referência), produzindo estimativas para as métricas de segurança definidas na etapa B; D. Confrontam-se os valores obtidos para o sistema proposto com os valores obtidos para o sistema de referência. O sistema proposto será considerado seguro caso seu risco estimado seja menor ou igual ao risco estimado para o sistema de referência. Em ambos os modelos de avaliação gerados no processo de análise (para o sistema proposto e para o sistema legado), devem existir os mesmo macro-elementos funcionais do sistema de tráfego aéreo, tal como os ilustrados na Figura 2. A partir da definição dos elementos do sistema (etapa A), definem-se quais são os parâmetros funcionais relacionados aos mesmos, comuns a cada sistema, e considerados importantes à análise. O item 4 (Estudo de Caso) apresenta os parâmetros funcionais principais utilizados para os elementos em análise. 3. ESTUDO DE CASO Os elementos-chave do paradigma CNS/ATM que virão a promover o aumento da capacidade do tráfego aéreo estão baseados, sobretudo, na existência de dois elementos principais: a. um sistema de global de navegação por satélites (Global Navigation Satellite System GNSS), que proverá tanto a funcionalidade de navegação às aeronaves quanto informações de vigilância ao sistema de tráfego aéreo (ATCo) e, b. na existência de uma rede de telecomunicações aeronáuticas (Aeronautical Telecommunication Network – ATN) que seja capaz de trafegar, de forma segura e eficiente, toda a informação aeronáutica, em formato digital, entre os diversos usuários do sistema. Um dos conceitos pertencentes à ATN é a Vigilância Dependente Automática por Radiodifusão (ADS-B), definida pela OACI como um dos elementos da camada de aplicação da rede de telecomunicações aeronáuticas (ATN) (ICAO, 1999). Esta aplicação permite a distribuição por radiodifusão de informações de vigilância, de qualquer elemento devidamente equipado, por meio de um enlace de dados, para qualquer elemento no raio de cobertura do transmissor devidamente equipado. A ADS-B, além de ser considerada pela própria OACI como “...an enabler of the global ATM operational concept bringing substantial safety and capacity benefits ...” (ICAO, 2006), representa a fusão entre as tecnologias de comunicação (o ATN) e navegação (o GNSS) e, juntamente com sistemas automatizados em solo, permitirão grandes avanços para o gerenciamento de tráfego aéreo, tal como a detecção e resolução automática de conflitos. 620 Sitraer 7 (2008) 617-628 – Tr. 511 O funcionamento pleno tanto da ADS-B quanto do GNSS serão cruciais para o cumprimento da missão principal do CNS/ATM e, em conseqüência, para a evolução do sistema de tráfego aéreo como um todo. Porém, a existência da ADS-B alterará, de forma significativa, os conceitos de navegação e vigilância tal como conhecemos hoje. Além da ADS-B, por si só, representar uma quebra significativa de paradigma devido à fusão entre os domínios da comunicação e da navegação, ela também introduz uma forte interdependência entre os domínios da navegação e da vigilância. No sistema de tráfego aéreo atual, existe um nítido desacoplamento entre estes domínios, pois as tecnologias utilizadas para vigilância (Radares) e para navegação (rádioauxílios, tais como o VOR, o DME e o NDB) são independentes entre si. Já no caso do CNS/ATM, a vigilância estaria baseada na ADS-B, a qual será plenamente depende das tecnologias utilizadas no domínio da navegação, tal como o GNSS. Além da interdependência entre a navegação e a vigilância, criada pela ADS-B, outros parâmetros sistêmicos sofrerão alterações conceituais significativas. Por exemplo, a vigilância que, atualmente, é determinística e síncrona (dada às características dos sistemas radar), passará a ter componentes de aleatoriedade e assincronismo, característicos nas redes de comunicação digitais (neste caso, a ATN). O CNS/ATM trará, também, alterações na forma de especificar e de lidar com os requisitos dos sistemas aeronáuticos. Por exemplo, com a ADS-B como elemento de vigilância, as autoridades aeronáuticas deverão ter preocupações tanto no domínio dos requisitos de vigilância (área de cobertura, tempo de atualização, acurácia, entre outros) quanto nos requisitos de comunicação (tal como de manipulação das mensagens, prioridade das mensagens e qualidade de serviço). Portanto, e com base na metodologia exposta anteriormente, este trabalho avaliou dois conceitos de sistemas de controle de tráfego aéreo (ATC), compostos pelos seguintes elementos funcionais: Espaço Aéreo, Aeronave, Sistema de Navegação (incluindo as características do Piloto), Sistema de Comunicação, Sistema de Vigilância, ATCo. As diferenças adotadas entre o Sistema Proposto (paradigma CNS/ATM) e o Sistema de Referência (ATC atual) estão nos elementos de Navegação e de Vigilância: no Sistema de Referência, o elemento de Vigilância está baseado em Radares e a Navegação em radioauxílios (VOR/DME); no Sistema Proposto (CNS/ATM), a vigilância estará baseada na ADS-B e em navegação em satélites (GNSS). Em ambos os sistemas, os elementos Espaço Aéreo, Aeronave, Sistema de Comunicação e ATCo possuem os mesmos parâmetros, para critério de comparação. A Figura 3 ilustra, em alto nível, os sistemas considerados nesta avaliação. Figura 3 - Modelos dos Sistemas ATC de “Referência” e “Proposto” utilizados 3.1. Definição dos parâmetros dos elementos dos sistemas 621 Sitraer 7 (2008) 617-628 – Tr. 511 Foram definidos os seguintes parâmetros para os elementos comuns a ambos os sistemas: Espaço Aéreo: foram consideradas pares de aeronaves, A1 e A2, trafegando em um mesmo nível de vôo (altitude) e com mesmas velocidades (280kts) sobre duas rotas, A e B, convergentes em 45º sobre um ponto de notificação Oz. Nesses vôos, as separações mínimas planejadas entre aeronaves ocorrem quando a aeronave A1 atinge o ponto de notificação Oz. Aeronaves: os parâmetros principais considerados para cada aeronave foram posição, velocidade e proa. Então, o estado de cada aeronave “i” em um dado instante de tempo t é definido como Ai(t) = (Pi(t), VTASi(t), ψi(t)). As aeronaves foram responsáveis por seguir seus próprios planos de vôo, controlando ψi(t), utilizando sistemas de navegação a bordo (piloto automático e Flight Management Computer (FMC)) e obedecendo as instruções dos ATCo. Controlador de Tráfego Aéreo (ATCo): foram consideradas sua disponibilidade para detectar conflitos, o tempo gasto para tomar uma decisão e para comunicar as aeronaves envolvidas no conflito. O processo de resolução dos conflitos inicia após o ATCo observar na sua tela de vigilância um número sucessivo mínimo de pares de aeronaves tela com uma separação menor do que o mínimo de separação adotado (5NM). O processo de resolução finaliza com a comunicação da resolução do conflito aos pilotos. Os parâmetros dos elementos de Navegação e Vigilância para o Sistema de Referência foram: Navegação: considerou-se o elemento VOR/DME, cujo transmissor estava instalado no ponto de notificação Oz. A acurácia do eixo radial foi representada por uma variável estatística, e o cone de confusão considerada foi de 30º. Vigilância: as posições das aeronaves fornecidas aos ATCo foram obtidas por meio de um Radar de Vigilância Secundária (SSR) instalado à 200NM do ponto de notificação Oz. Os parâmetros considerados para o SSR foram sua acurácia de posição (range e azimute), sua taxa de atualização e a latência entre a obtenção da posição e sua apresentação ao ATCo. Os valores dos parâmetros utilizados foram baseados em radares de vigilância de rota no Modo S (SSR Mode S) (ICAO, 2004). Os parâmetros dos elementos de Navegação e Vigilância para o Sistema Proposto (CNS/ATM) foram: Navegação: o posicionamento para navegação foi obtido por meio de receptores GNSS a bordo das aeronaves. O parâmetro considerado foi a da acurácia das posições GNSS, cujos valores foram definidos em Brooker (2004). Vigilância: as posições de vigilância foram obtidas a partir dos receptores GNSS a bordo das aeronaves (o mesmo utilizado no sistema de navegação) e trafegadas pela ATN (sistema ADS-B). Os parâmetros considerados para a ADS-B foram sua taxa de atualização e sua latência entre a obtenção da posição e sua apresentação ao ATCo. Os valores dos parâmetros utilizados foram baseados em Brooker (2004). Diferentemente do sistema de referência, cujos parâmetros de taxa de atualização e de latência são determinísticos, estes mesmos parâmetros foram considerados estocásticos no ADS-B (tal como esperado para redes digitais de comunicação). Além de avaliar o CNS/ATM em suas condições normais de funcionamento (valores dos parâmetros dentro das especificações), planejou-se avaliá-lo em situações degradadas, com o objetivo de determinar quais as situações operacionais em que o sistema proposto poderia manter os mesmos níveis de segurança observados no sistema de referência. Como exemplo, as condições normais de funcionamento utilizadas nesta avaliação foram: 622 Sitraer 7 (2008) 617-628 – Tr. 511 Para o elemento Navegação: VOR: Cone de Confusão de 30º de diâmetro e Acurácia da Radial VOR recebida de 1.4º@95%. GNSS: acurácia de posição (bidimensional) de 107,94m@95%. Para o elemento Vigilância: SSR: Acurácia do Azimute de 0,15º, Acurácia do Range de 250m, Taxa de Atualização de Radar de 12s (determinística) e Latência de 0,5s (determinística) ADS-B: Taxa de Atualização de 14,0@95% s e Latência de 1,2@95% s Para os parâmetros que sofreram degradação de seus valores, utilizou-se: Acurácia da Posição obtida por GNSS, nos intervalos de [50;400]m, [800;1600]m e de [2000;4000]m (considerando os demais parâmetros em condições normais de funcionamento); Taxa de Atualização do ADS-B de [2,0; 34,0]s, considerando os demais parâmetros tanto em condições normais de funcionamento quanto considerando com a acurácia da posição GNSS altamente degradada (1,5NM@95%) Para os sistemas em condições normais de funcionamento, realizou-se uma análise de sensibilidade para o parâmetro “Norma de Separação Mínima” de 4,4NM a 5,8NM. No caso da análise em condições degradadas, utilizou-se a Norma de Separação Mínima de 5,0NM. 3.2. Métricas de segurança adotadas Para o escopo deste trabalho, seria desejável que fossem utilizadas métricas de risco de colisão para se avaliar a segurança do sistema proposto, dado que a escolha de métricas de risco de colisão é suportada pela própria Organização de Aviação Civil Internacional (OACI), que aceita a perspectiva do risco de acidente na análise de segurança dos sistemas (Blom, 1998). Além disto, o evento “colisão entre aeronaves” é considerado um fator determinante na avaliação da segurança do tráfego aéreo devido ao impacto social que causa (Profit, 1995). Porém, o método de análise aqui proposto faz uso de simulação e, segundo Campos, Marques (2002), é “virtualmente impossível” obter-se métricas de risco de colisão, por meio de simulação, que possuam nível de significância aceitável. Isto é explicado pela baixa freqüência esperada para a ocorrência deste tipo de evento (eventos raros). Como forma de aumentar a significância dos resultados obtidos, Campos, Marques (2002) propõem o uso de métricas de segurança alternativas, e relacionadas ao evento “risco de colisão entre aeronaves”, que possuam maior freqüência de ocorrência. Desta forma, os sistemas modelados foram simulados com o objetivo de estimar métricas de avaliação de segurança relativas aos eventos de proximidade entre aeronaves (AIRPROX) que, dependendo da norma de separação aplicada, constituem eventos de perda de separação mínima entre aeronaves. Vale ressaltar que o ambiente simulado considerou a capacidade do sistema de tráfego aéreo em manter e detectar a perda da separação entre aeronaves baseado nos elementos que possui, principalmente na vigilância e na navegação. Cada ambiente possui 2 processos: o processo real (estado real das aeronaves) e o processo monitorado (o estado observado por meio dos sistemas de supervisão e controle). Os eventos de AIRPROX serão avaliados sobre o processo real, verificando-se em quais situações estes eventos podem ocorrer devido à ineficiência do processo de supervisão e controle (ATC). As imprecisões dos valores de supervisão e controle 623 Sitraer 7 (2008) 617-628 – Tr. 511 são introduzidas sobre as variáveis de estado reais. 3.3. Resultados obtidos Após as simulações de ambos os sistemas, proposto e de referência, foram obtidas estimativas para as métricas adotadas e relacionadas a eventos de perda de separação entre aeronaves (AIRPROX). Entre as diversas métricas obtidas neste processo de avaliação (cuja íntegra pode ser observada em Vismari (2007)), a considerada como métrica principal de segurança foi a que avaliou o tempo de exposição a situações de perda de separação entre pares de aeronaves para distâncias inferiores a 3,5NM (denominada como “TLmin”). Os resultados obtidos para “TLmin” estão ilustrados nas Figuras 4, 5 e 6. A Figura 4 apresenta os resultados obtidos para a exposição à perda de separação em condições normais de funcionamento, onde se realizou uma análise de sensibilidade sobre a Norma de Separação Mínima aplicada pelo ATCo. As curvas “SR” são para o Sistema de Referência e as curvas “SP” são para o Sistema Proposto. Cada curva ilustra a porcentagem de tempo no qual pares de aeronaves ficaram expostos à separações inferires às indicas sobre as curvas (3,5NM, 3,0NM e 2,5NM). A Figura 5 apresenta os resultados obtidos para a exposição à perda de separação quando a Taxa de Atualização da ADS-B estava degradada (e com acurácia de posição GNSS em condições normais de funcionamento). Pode-se notar que não houve exposição à perda de separação com valores menores ou iguais a 3,0NM. A Figura 6 apresenta os resultados obtidos para a exposição à perda de separação quando a Taxa de Atualização da ADS-B estava degradada (e com acurácia de posição GNSS também degradada). Figura 4 – Exposição à Perda de Separação para Condições Normais de Funcionamento 624 Sitraer 7 (2008) 617-628 – Tr. 511 Figura 5 - TLmin_i para Degradação da Taxa de Atualização com Acurácia GNSS Normal Figura 6- TLmin para Degradação da Taxa de Atualização com Acurácia GNSS Degradada 4. DISCUSSÃO Pode-se observar, por meio da Figura 4, que o Sistema Proposto (curvas “SP”) permite que as aeronaves se exponham menos aos eventos de AIRPROX, para o caso de condições normais de funcionamento, em relação ao Sistema de Referência (curvas “SR”). No Sistema Proposto, não houve aproximações menores que 3,0NM entre aeronaves, e houve apenas uma pequena parcela de tempo (menor que 0,04%, o que equivaleu a 1,2s de exposição) no qual ocorreram aproximações entre 3,0NM e 3,5NM, para regras de separação entre 4,8NM e 5,4NM (considerando que a menor separação planejada foi de 5,0NM). Já no Sistema de Referência, houve uma significativa parcela de aproximações (0,25% do tempo, o que equivale a 8s de exposição) para distâncias menores que 2,5NM, e aproximadamente 18,5s de exposição para distâncias de separação inferiores a 3,5NM. No caso de condições degradadas da taxa de atualização ADS-B, tanto para as condições normais de acurácia do GNSS quanto para as degradadas (Figuras 5 e 6), os tempos de 625 Sitraer 7 (2008) 617-628 – Tr. 511 exposição à AIRPROXes no Sistema Proposto são menores que os 0,25% obtidos do Sistema de Referência (valor utilizado como nível-alvo de segurança – TLS – do processo de avaliação). Devido os resultados obtidos para o Sistema Proposto (SP) serem menores que os obtidos para o Sistema de Referência (SR), pode-se observar que, caso se deseje obter o mesmo nível de exposição obtido no Sistema Proposto em condições normais de funcionamento, deve-se manter a Taxa de Atualização do ADS-B menor que 20s, no caso da acurácia do GNSS for considerada normal, ou manter a Taxa de Atualização do ADS-B menor que 2s, no caso da acurácia do GNSS for considerada altamente degradada (1,5NM@95%). Desta forma, pode-se considerar o Sistema Proposto, para as condições apresentadas, seguro, pois a taxa de atualização esperada para o ADS-B utilizando data link 1090ES (ICAO, 2003) é de 1s, além dos níveis de degradação esperados para a Acurácia de posição do GNSS serem menores que 600m. Outra constatação importante é que o valor de acurácia mínima obtido neste estudo concorda com o valor de NACp (Navigation Accuracy Category for position) maior ou igual a 6 apresentado por Brooker (2004), que define uma “acurácia” menor que 0,3NM (556 metros) para uso do ADS-B em serviços de vigilância ATC. Assim, reafirma-se que é necessário uma acurácia de posição GNSS menor que 0,3NM para que o ADS-B possa ser utilizado no Serviço de Controle de Tráfego Aéreo. 5. CONCLUSÕES Os conceitos introduzidos pelo paradigma CNS/ATM, tais como navegação por satélites e o uso de tecnologias digitais de comunicação, visam possibilitar uma melhoria significativa na qualidade das informações disponíveis aos usuários do Sistema de Tráfego Aéreo, com conseqüente aumento da consciência situacional por parte dos operadores do sistema (controladores de tráfego aéreo – ATCo – e pilotos), permitindo a redução das separações aplicadas e, conseqüentemente, o aumento da eficiência no uso do espaço aéreo e o aumento da capacidade de tráfego como um todo. Porém, devido à segurança (safety) ser um dos requisitos primários a serem respeitados pelo sistema de tráfego aéreo, a redução nos valores de separação entre aeronaves age contra os esforços para o aumento de sua capacidade, pois, como efeito adverso, a redução nos valores de separação aplicados aumenta a exposição das aeronaves a possíveis colisões. Desta forma, esforços devem ser aplicados com a finalidade de garantir que o CNS/ATM cumpra o objetivo de aumentar a capacidade do Sistema de Tráfego Aéreo e ao mesmo tempo garanta (ou mesmo melhore) seus níveis de segurança. Neste sentido, e conforme as definições do Programa de Transição do SISCEAB para os Sistemas CNS/ATM do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA, 2003), é necessário determinar o “... impacto dos novos conceitos nos diversos serviços (de tráfego aéreo) prestados” por meio de atividades focadas na “... determinação dos parâmetros associados ao modelo utilizado para determinação do risco de colisão em espaços aéreos onde se aplica a redução da separação ...”, na “... determinação dos riscos de colisão associados às operações no espaço aéreo ...” e na “... realização de comparações dos riscos obtidos com os limites de riscos aceitos ...”, entre outras atividades (DECEA, 2003). Portanto, este trabalho propôs avaliar qual o impacto que o uso do conceito de Vigilância Dependente Automática, mais especificamente sua forma por Radiodifusão (ADS-B), causaria sobre os níveis de segurança do Sistema de Controle de Tráfego Aéreo. O estudo centrou-se na relação entre os paradigmas de vigilância “atual” (baseado em Radares, com 626 Sitraer 7 (2008) 617-628 – Tr. 511 fortes características de independência, determinismo e sincronismo) e “futuro” (baseado na ADS-B, com fortes características de interdependência, aleatoriedade e assincronismo) e o nível de exposição das aeronaves a eventos de perda de separação (AIRPROX). Para realizar esta avaliação, utilizou-se do método proposto em Vismari (2007), que, em resumo, é uma evolução das metodologias de avaliação de risco “Absoluta” e “Relativa” preconizados pela Organização de Aviação Civil Internacional (ICAO, 1998b). Nesta avaliação de segurança realizada para o CNS/ATM, vale frizar que foram considerados para o Sistema Proposto modelado (ambiente CNS/ATM), e como valores em condições normais de funcionamento, os piores valores especificados para a ADS-B na bibliografia, a saber: Acurácia da navegação por satélites (GPS) de 86,44m com probabilidade de 95% (86,44m@95%) por dimensão do espaço aéreo; Taxa de Atualização das mensagens ADS-B de 14s@95%; e Latência na recepção das mensagens ADS-B de 1,2s@95% . Mesmo considerando estes valores para o sistema ATC baseado em ADS-B, verificou-se que o risco de exposição de pares de aeronaves a separações menores que 3,5 milhas náuticas (NM), dado que a norma de separação aplicada foi de 5NM, foi reduzido em aproximadamente 93%, comparado ao Sistema de Referência (ATC atual). A melhoria na aderência aos planos de vôo e na qualidade das informações de vigilância providas ao ATCo fez com que se reduzisse, significativamente, a exposição das aeronaves a incidentes de perda de separação (AIRPROXes). Portanto, segundo os resultados obtidos para o cenário considerado nesta avaliação, pode-se concluir que, mesmo tornando interdependentes os elementos de Navegação e Vigilância do sistema de controle de tráfego aéreo e influenciando a obtenção dos dados de vigilância de forma assíncrona e estocástica, a Vigilância Dependente Automática por Radiodifusão (ADSB) é uma aplicação viável, do ponto de vista da segurança, para os sistemas de vigilância aplicados no Sistema de Controle de Tráfego Aéreo (ATC). Além disto, devido à interdependência entre os elementos de vigilância e navegação, observou-se que é possível compensar a presença de degradação do parâmetro de acurácia de posição do GNSS causada, por exemplo, por fenômenos atmosféricos, com o aumento da taxa (freqüência) de atualização das informações de vigilância. Como comentário geral sobre a aplicação prática da ADS-B, observou-se que diversos países, com destaque para Austrália e Estados Unidos, estão com cronogramas avançados quanto ao desenvolvimento e implantação de seus sistemas de vigilância ADS-B. Guardando características de similaridade em relação às dimensões territoriais continentais, a não homogeneidade da distribuição populacional e, principalmente, às faixas de latitudes em que se encontra (com influências semelhantes sobre acurácia e integridade de sinais de GNSS), seria recomendável que o Brasil seguisse o exemplo da Austrália quanto ao uso da ADS-B sobre seu território. Os baixos custos de implementação da ADS-B em comparação à implementação de Radares (AU$6M para SSR contra AU$ 380K para a ADS-B em rota, segundo Dunstone (2007)), associados à boa cobertura de torres de comunicação já existente em território nacional e ao estado de normalização atual dos enlaces de comunicação digitais (data link) padrão 1090ES permitem que Brasil possa caminhar no sentido da plena implementação do paradigma CNS/ATM. 627 Sitraer 7 (2008) 617-628 – Tr. 511 Agradecimentos Nossos agradecimentos ao LCCA (Laboratório de Computação Científica Avançada) da Universidade de São Paulo por nos disponibilizar a infra-estrutura computacional (Cluster Linux Alcateia) utilizada na simulação do estudo de caso apresentado neste trabalho. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Bloom, H.A.P et al. (1998) Accident Risk Assessment for Advanced ATM. 2th USA/EUROPE AIR TRAFFIC MANAGEMENT R&D SEMINAR, Orlando. Brooker, P. et al (2004) Separations Standards in an ADS-B Environment – Final Report. 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