Energia Nuclear Parte 4 - Segurança Para Acidentes Severos

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Energia Nuclear Parte 4 - Segurança Para Acidentes Severos
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Energia Nuclear Parte 4 - Segurança Para Acidentes Severos
Mario Porto
Estamos presenciando no momento, mais um capítulo da conturbada história da construção da Usina Nuclear de Angra III e
como protagonistas novamente o Ministério Público Federal, a Eletronuclear e o órgão regulador, a Comissão Nacional
de Energia Nuclear, CNEN.
Baseado nas regulamentações da própria CNEN e com respaldo das SAFETY STANDARDS SERIES da Agência
Internacional de Energia Atômica (AIEA) o procurador do Ministério Público Federal, em Angra dos Reis, Dr. Fernando
Amorim Lavieri acaba de expedir uma RECOMENDAÇÃO à CNEN e Eletronuclear para que, respectivamente, a CNEN
suspenda mediatamente os efeitos da licença de construção de Angra III, determinando a imediata paralisação das obras
autorizadas pela Resolução CNEN 77/2010 e que o Presidente da Eletrobrás Termonuclear S.A interrompa
imediatamente as obras autorizadas pela Resolução CNEN 77/2010. Para o cumprimento do prazo fixou um período de 10
dias a contar de 24/06/2010.
Para podermos analisar a procedência ou não da medida do MPF-Angra precisamos nos deter sobre a evolução do
estado da arte da evolução dos requisitos de segurança que culminaram com o desenvolvimento dos denominados
reatores de terceira geração.
Como todos sabemos após o acidente de Three Mile Island na Pennsylvania, nos E.U.A, em 1979 e o de Chernobyl, na
Ucrânia, em 1986, a indústria nuclear passou por um perído de ostracismo de mais de 20 anos durante os quais a
confiança do público na segurança dos reatores chegou a um nível mínimo que não favoreceu a encomenda de nenhum
novo reator e a indústria praticamente hibernou. Durante esse longo inverno os projetistas continuaram trabalhando
internamente esperando um eventual renascimento da opção energética nuclear cujas primeiras luzes ao final desse
longo túnel começaram a ser vislumbradas com o surgimento da problemática das mudanças climáticas e com o
consequente efeito dos gazes de estufa dos quais a energia nuclear não padece.
Neste período a indústria procurou absorver as lições do acidente da Pennsylvania cujas modificações geradas nos
projetos dos reatores foram praticamente incorporadas nos reatores em operação e naqueles que ainda estavam em
construção no mundo. Quanto ao acidente da Ucrânia, muito poucas lições puderam ser retiradas para os reatores do
ocidente visto ser o reator uma unidade do tipo RBMK, existente apenas na antiga U.R.S.S, e que possui características
muito específicas. No entanto, uma lição importante foi absorvida de Chernobyl: qualquer liberação massiva de
radioatividade para o meio ambiente é inaceitável.
Foi assim que surgiu a concepção do reator de terceira geração no qual as liberações de radioatividade para o entorno do
sítio da unidade, no caso de um evento de fusão do núcleo, são reduzidas a um mínimo, não superior a 25 Rem e a
probabilidade de que tal evento ocorra é calculado em um nível extremamente baixo, da ordem de 10-9/ano. Nas
regulamentações de segurança da AIEA foram introduzidas regras básicas para assegurar condições probabilísticas
extremamente baixas para eventos além das bases gerais do acidente de projeto (DBA), denominados acidentes
severos.
Evidentemente, que usinas já em regime operacional antes de que esses critérios tivessem sido estabelecidos não são
afetadas por essas regulamentações, dentro do príncipio do estado de fato. O que dizer das usinas ainda não construídas e
cujos projetos são anteriores às regulamentações, entrando diretamente no caso de Angra III cujo projeto é da década de
70 do século passado?
Antes de responder essa pergunta precisamos analisar qual o relacionamento das regulamentações da AIEA com as
condições legais regulatórias em um país membro da AIEA. É oportuno citar um trecho da SAFETY STANDARDS SERIES
No. NS-G-2.4 The Operating Organization for Nuclear Power Plants SAFETY GUIDE No. NS-G-2.4:
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The IAEA’s safety standards are not legally binding on Member States but may be adopted by them, at their own
discretion, for use in national regulations in respect of their own activities. The standards are binding on the IAEA in
relation to its own operations and on States in relation to operations assisted by the IAEA. Any State wishing to enter into
an agreement with the IAEA for its assistance in connection with the siting, design, construction, commissioning,
operation or decommissioning of a nuclear facility or any other activities will be required to follow those parts of the safety
standards that pertain to the activities to be covered by the agreement. However, it should be recalled that the final
decisions and legal responsibilities in any licensing procedures rest with the States.
Portanto, ao contrário do que a RECOMENDAÇÃO do MPF-Angra quer sugerir, não existe obrigatoriedade de
seguimento das Safety Standard, cada país é soberano em criar seus próprios procedimentos regulatórios e por outro lado
a norma CNENNE1.04– “ Licenciamento de Instalações Nucleares” não contempla, em nenhum de
seus dispositivos, a realização de análises probabilísticas de risco. Não existe a menção porque a CNEN ainda não adotou
em suas normas a exigência da Análise Probabilística de Risco (PSAs ou PRAs) o que provavelmente o fará para os
projetos de novos reatores que sejam posteriores a essas regulamentações. A NUREG-0800, citada na RECOMENDAÇÃO
do MPF-Angra, é uma regulamentação da NRC, agência reguladora norte-americana que já adotou esses critérios,
pois nos E.U.A já estão em andamento projetos pós Three Mile Island e Chernobyl. No projeto de Angra III, como
dissemos, de 1970, foram utilizados critérios determinísticos na análise de segurança, através do Acidente Básico de
Projeto.
É preciso ficar claro que qualquer modificação no projeto de Angra III oriundo dessa análise probabilística não
transformaria o reator de Angra em um reator de 3ª geração e embora seja recomendada a sua elaboração o mais cedo
possível para oferecer tempo suficiente para a implantação de medidas corretivas operacionais, a sua execução
previamente à emissão da Licença de Operação, ao final da costrução, não se constitui a irracionalidade que o MPF-Angra
pretende demonstrar, visto que os resultados da PSA visariam obter, prioritariamente, melhorias de segurança de
operação da usina.
Para ilustrarmos essas diferenças básicas no projeto de um reator de 3ª geração em relação ao projeto de Angra III,
demonstrando que alterações que possam ser determinadas por análises probabilísticas de risco não levariam Angra III a
uma condição de usina de 3ª geração, vamos exemplificar com as diferenças capitais em dois desses projetos. Lógico que
nossas explicações são extremamente sumárias, não cobrem toda a gama de modificações desses projetos e visam
apenas dar uma idéia da magnitude dessas modificações.
Escolhemos como exemplo dois dos reatores de 3ª geração já licenciados:O reator da Westinghouse AP1000, um PWR
de Planta Passiva e o reator Advanced Boiling Water Reactor - ABWR, que embora seja um sistema do tipo BWR que
difere do PWR em relação à produção do vapor, não possuindo circuito secundário, não invalidará o que desejamos
mostrar em relação à grande modificação em relação aos projetos usuais de 2ª geração e que os tornam mais seguros.
No caso do reator AP1000, um PWR de dois loops, são incorporados sistemas de segurança inteiramente passivos que
atingem os critérios de falha simples e de Análises Probabilísticas de Risco (PRA). Os sistemas passivos são,
significativamente, mais simples que os sistemas de segurança típicos nos PWRs. Eles contém menos componentes,
reduzindo a quantidade de testes necessários, inspeções e manutenção. O sistema passivo possui um terço do número de
válvulas remotas dos sistemas ativos típicos e não possuem bombas. Os sistemas passivos também são
dimensionados para prover um aumento da margem de segurança, especialmente para os eventos mais prrováveis. As
bombas de circulação do primários são bombas herméticas que não utilizam eixos ou selos mecânicos. A eliminação dos
eixos e dos selos das bombas simplifica enormemente os sistemas auxiliares de fluídos para suportar o motor hermético
da bomba, reduz a manutenção e elimina a possibilidade de acidentes enolvendo falhas nos selos. A integração da sucção
das bomba ao canal do fundo do gerador de vapor elimina a perna superior no loop da tubulação do refrigerante do
reator, reduz a queda de pressão no loop, simplifica a fundação e o suporte e elimina o descobrimento do núcleo durante
um pequeno LOCA. A Figura 1 abaixo representa equematicamente o sistema AP1000.
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Fig 1 - AP1000 RCS e Sistema Passivo de Refrigeração do Núcleo
No reactor ABWR o desejo para o contínuo melhoramento na segurança, uma das metas do projeto, foi reduzir o dano
calculado do núcleo em uma ordem de magnitude em relação aos projetos em uso. A característica mais importante
nessa direção foi a adoção de bombas internas ao reator (RIPs) que são mostradas na figura 2a. Essas bombas montadas
no vaso eliminam grande parte das tubulações de recirculação no vaso do reator, particularmente envolvendo penetrações
abaixo do topo da elevação do núcleo e tornando possível uma menor rede do Sistema de Emergência de Resfriamento
do Núcleo para manter a cobertura do núcleo durante eventos de loss-of-coolant. Na figura 2b pode-se notar o
aspecto de modularização da planta que facilita a construção off-site.
Fig 2a - Vaso do Reator e Bombas Internas do Reator
Fig 2b Visão Geral do ABWR
Como se pode notar pelo acima exposto não serão modificações geradas pela análise probabilística de risco nos reatores
de 1970 que os irão transformar em reatores de 3ª geração. A decisão de construir uma usina que não atende inteiramente
os mais modernos critérios de segurança, ou melhor construir-se uma usina de 2ª geração quando as de terceira geração
já estão aí, deixa de ser técnica para se transformar em uma decisão política e no caso brasileiro, devido ao monopólio da
energia nuclear, uma questão de Estado. No caso de Angra III considerações de economicidade do empreendimento
podem sugerir essa decisão para essa e apenas essa unidade.
Por isso é que vejo com reservas a inteligente idéia do Engenheiro Lothario Deppe, da Deppe Consultoria em
Engenharia Ltda, de considerar Angra III usina de referência para as demais usinas do programa nuclear brasileiro,
especialmente as previstas para o nordeste. Tal sugestão foi apresentada no recente Simpósio da Seção Latino Americana
da American Nuclear Society (LAS-ANS), realizada esse mês no Rio de Janeiro. Concordo com todos os argumentos
da idéia, mas ela esbarra na situação de estacionar as Centrais Brasileiras na 2ª geração de reatores nucleares. Você
pode fazer o download desse trabalho.
Nesse ponto gostaria de enfatizar que não invalido inteiramente a iniciativa do MPF-Angra embora não concordando com
a proposição sob o ponto de vista das práticas regulatórias, não retiro o mérito que ela encerra de levantar de maneira
inteligente essa questão, com potencial até para gerar uma decisão em relação ao empreendimento, mas como falamos,
uma decisão política, não técnica.
Em contrapartida, só temos a lamentar a forma na qual o Presidente da CNEN, Odair Gonçalves, se manifesta na mídia,
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expressando toda a prepotência e o ar de dono da verdade que sempre caracterizou a relação do setor nuclear, não só no
Brasil, mas também em outros países com a opinião pública, mas que felizmente vem sendo alterada, exatamente, pela
ação da Marinha Brasileira.
Disse a CNEN através de seu dirigente:
"A gente não vai suspender [a obra]. A gente vai recorrer, obviamente”, disse em entrevista à Agência Brasil.
“Então, nós vamos entrar com recurso contra isso, a gente absolutamente não concorda com isso”.
É exatamente esse tipo de postura hermética, prepotente, despreparada para lidar de forma transparente com a
sociedade que fez com que o grande público desconheça completamente fatos importantes relativos à indústria nuclear,
como por exemplo às doses de radiação natural que todos recebemos, nos nosso lares, nas viagens de avião, nos exames
médicos e inúmeras outras situações nas quais em muitas delas são ultrapassadas as quantidades anuais de dose de
radiação recebida por alguém que more nas vizinhanças de uma central nuclear, imputando assim à energia nuclear riscos
mais exagerados do que os devidos.
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