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Breves apontamentos
sobre a história da ética
SANTOS, José Reus dos1
Resumo
Ciência que estuda o comportamento humano, orientado por valores sociais, políticos ou religiosos, a
ética possui uma rica história ao longo do tempo. O artigo faz uma apresentação didática e cronológica da
ética humana, registrando em breves apontamentos o andamento desta ciência nas distintas fases de sua
história. A pesquisa procura mostrar a moral humana a partir de seus primeiros registros com os filósofos
Pré-Socráticos, indo até a época Contemporânea, nosso tempo atual, com seus múltiplos segmentos de
pensamento ético. Nesse sentido, este estudo apresenta a ética grega, com seu tônus metafísico; a marcante
e definitiva ética cristã; a moral no período Moderno e Contemporâneo.
Palavras-chave: Ética Grega. Moral cristã. Pré-socráticos. Helenismo. Ética contemporânea.
DENARI1, Dra. Fátima Elisabeth
1 Especialista em Direito Público – Gama Filho/RJ – Advogado e Professor Universitário – jrsantos@cmfi.
pr.gov.br. Câmara Municipal de Foz do Iguaçu.
41
Revista Géfyra, São Miguel do Iguaçu, v. 1, n. 2, jul./dez. 2012.
Santos, José Reus dos. Breves apontamentos sobre a história da ética.
1. Introdução
2. A ética grega
O homem é um ser dotado de inteligência e
capacidade para escolher o que fazer, o que falar,
enfim, escolher sua conduta, a sua forma de viver.
A ética estuda exatamente isto: a conduta humana, o seu padrão de comportamento, a forma de
proceder, segundo os valores que possui enquanto
ser humano. A ética é, portanto, uma ciência que
possui como objeto de estudo as ações, costumes e
comportamento do homem1.
Todos nós possuímos uma moral; nesse sentido,
VOLTAIRE (2008, p.403) nos lembra que a moral
seria encontrada “em todos os homens que usam a
razão”. Ou seja, todo homem que possui capacidade de escolher seu destino é dotado de moral.
Agora, para formar a nossa conduta moral, nós
temos que adotar determinados valores morais e
éticos, que, por sua vez, encontram-se dentro do
universo do bem ou do mal, do campo do certo
ou errado, correto ou incorreto, segundo o que é
determinado pela religião, costumes ou, simplesmente, pelo senso comum.
Assim, a forma como vivemos implica na adoção de valores bons ou maus, prejudiciais ou benéficos ao ser humano. Por isso que se diz que a ética
seria uma ciência valorativa.
COLOMBO (1992, p.43), por exemplo, sintetiza a questão ao dizer que vivemos o “mundo das
avaliações, das preferências entre o bem e o mal”,
sendo isso que daria “sentido” a nossa existência.
Portanto, as nossas escolhas morais são importantes para nós e para a comunidade em que vivemos. Aliás, não podemos entender a moral e a ética
humana, sem analisar o campo dos valores que elas
adotam: se do lado do bem, do mal; se beneficia ou
prejudica ao ser humano.
E como sabemos o que é bom ou mau para nós?
Isso depende da forma como vemos o mundo,
do lastro filosófico que utilizamos para compreendê-lo. A partir dessa concepção acerca da vida, que
constitui a nossa concepção de vida, fazemos as escolhas dos valores que irão constituir a nossa moral,
a nossa ética pessoal (boa ou má, certa ou errada).
Essa escolha para o homem é algo muito importante, podendo ser analisada ainda sob os mais
variados pontos de vista, inclusive histórico, sendo
esta a pretensão deste artigo: a exposição da moral
e da ética, com suas múltiplas escolas, dentro da
história humana.
Muitos dos conceitos e valores morais da sociedade atual tiveram origem na Grécia antiga (antes
de Cristo). A ética grega, associada aos valores da
sociedade romana e da filosofia cristã, principalmente, forjaram o padrão ético do homem contemporâneo.
Embora se deva admitir a respeito das influências da cultura oriental sobre a moral do homem
do ocidente, todavia, o padrão moral deste se deve
muito a essas três civilizações/filosofias, que estudaremos abaixo.
Afora a questão moral, deve-se dizer que comumente a filosofia grega é dividida em pré e pós-socrática (também chamado de período clássico),
além do período Helênico ou helenístico.
No período antecedente a Sócrates (chamado
Pré-Socrático) os pensadores falavam da questão
ÉTICA de uma maneira indireta, ao comentarem
sobre valores, conduta, justiça etc, sem tratar a moral como instituto único e independente. Ao contrário, é no período seguinte, pós-Sócrates é que
encontraremos a moral como fenômeno com uma
cor institucional própria.
Para entendermos um pouco da filosofia grega,
devemos dizer que o grande mérito do pensamento
grego foi o de sistematizar uma forma de pensar
único que se denominou de “filosofia”.2 Essas características da filosofia grega pode ser explicada
através da forma como ela foi apresentada ao público: em diálogos entre os filósofos e entre estes e
terceiros, fazendo com que o leitor se apercebesse
direta e originariamente das conclusões filosóficas
do autor.
Outra característica fundamental da filosofia
grega é a admissão da transcendência, do sobrenatural, na admissão dos “deuses” gregos, característica
assemelhada à filosofia cristã, que apareceu posteriormente.
O período pré-socrático é formado pelos pensadores que antecederam Sócrates, como Tales de
Mileto, Heráclito de Éfeso, Pitágoras de Samos, Parmênides de Eléia. Já o período pós-Sócrates apresenta, sucessivamente, os filósofos Sócrates, Platão
e Aristóteles.
Entre os pré-socráticos podemos destacar a figura de Tales de Mileto, a quem Aristóteles atribui
1 VALLS (1994, p.07)
2 NUNES (2004, p.21)
2.1 Os Pré-Socráticos
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o início da filosofia, a ciência do abstrato3. Esse
mesmo pensador considerava que a água era o elemento básico de todas as coisas e que a terra flutuava sobre ela.4
Heráclito de Éfeso, por sua vez, sustentava que
todas as coisas estariam em movimento e seriam
processadas pela ação dos contrários (aqui, os primórdios da dialética moderna). Além disso, também sustentou que tudo seria gerado a partir do
fogo e que uma logos divina (inteligência) governaria as coisas reais.5
Pitágoras de Samos, aluno de Tales de Mileto,
por sua vez, fundou uma escola de cunho secreto,
que desenvolveu a matemática, chegando a concluir
que o mundo poderia ser traduzido em números.6
Demócrito de Abdera, outro pré-socrático, foi
um dos pensadores que mais desenvolveu elementos da moral humana. É dele a afirmação que o homem deve ser ou imitar o bom. Ele também dizia
que a medicina curaria os males do corpo e, a sabedoria, a alma das paixões (BORNHEIM, p.108).
Esses são alguns dos pensadores pré-socráticos,
porém, podemos citar ainda vários outros como
Anaximandro de Mileto, Xenófanes de Cólofon,
Parmênides de Eléia e Diógenes de Apolônia.
Em geral, a ética não se constituiu como ponto central das discussões dos pré-socráticos, cujos
fragmentos registrados se mostram menores que o
período seguinte, com Sócrates, Platão e Aristóles.
Neste período, a filosofia grega nos legou literatura
com maior número de registros, auxiliando muito
o desenvolvimento da ética, com a reprodução dos
diálogos de Sócrates e os escritos de Aristóteles.
Apologia de Sócrates) e Xenofonte (As Memórias),
e de seus opositores, como Aristófanes (Nuvens)9.
Como falamos acima, o pensamento de Sócrates é apresentado na forma da reprodução de seus
diálogos, realizados nas ruas e recintos de Atenas,
onde indagava de terceiros sobre justiça, valores,
virtude, coragem etc. Sócrates perguntava objetivamente em tom provocativo, colocando à prova as
respostas do interlocutor.
Conhecido como maiêutica10, seu método de
questionar e fazer as pessoas pensarem o tornou
conhecido pelas gerações seguintes. Essa forma de
conversação fazia o interlocutor desnudar seu conhecimento, sua forma de pensar e de se comportar.
O que é o bem? É fazer o que agrada o homem,
respondiam. E o que é agradável ao homem?...
Articulada e sucessivamente, uma após outra,
Sócrates destruia a argumentação de seus interlocutores11. Com isso, Sócrates colocava à prova os
conceitos e percepções dos atenienses. Mas esse seu
modo de proceder e indagar também irritava quem
com ele dialogava, tanto que Sócrates acabou julgado e condenado por incitação à juventude.
Historicamente, no entanto, devemos observar
que fora através dos diálogos deste filósofo que tiveram início os registros mais consistentes sobre
moral, ética, seus elementos e valores, como a justiça, temperança etc.
Sócrates auxiliou na reflexão do homem grego
sobre a sociedade e seus valores. Ele dizia que uma
vida que não é examinada não merece ser vivida12.
Ele exaltou a humildade dos verdadeiros sábios:
“tudo o que sei consiste em saber que nada sei”13.
2.3 Platão
2.2 Sócrates
Aluno de Sócrates, Platão viveu em Atenas
(como Sócrates), e defendeu a necessidade de se
buscar uma ética e justiça ideal: era a utopia de Platão, que, por sua vez, não se tratava propriamente
de um resgate, da busca de valores perdidos no passado, mas da aproximação a valores que possivelmente poderiam ser alcançados no futuro.
Platão entendia ser possível ao homem a construção de uma sociedade melhor, através da disseminação de valores nobres e altruistas. Ele separava
Sócrates foi chamado de o fundador da moral7,
séculos após a sua morte. Filósofo e professor de
Platão, inaugurou a fase mais conhecida da filosofia
grega (Clássica). Ambos viveram entre 500 e 400
anos antes de Cristo.
Sócrates nada escreveu8; suas ideias são conhecidas através das obras de seus discípulos, Platão (A
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TELES (1988, p.23)
BORNHEIM (1986, p.22)
IDEM (p.35)
BORNHEIM (1986, p.50)
VALLS (1994, p.17)
NUNES (2004, p.33)
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TELES (1988, p.31)
IDEM
DURANT (1985, p.34)
NUNES (2004, p.13)
IDEM (p.34)
Revista Géfyra, São Miguel do Iguaçu, v. 1, n. 2, jul./dez. 2012.
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os valores do mundo real do mundo ideal. Esta era
a sociedade querida por Platão, que deveria ser governada pelos mais sábios14. Platão entendia que os
governantes deveriam ser os melhores, escolhidos
pelos seus méritos políticos (com elevado espírito
público) e pessoais (nobres), aceitando sacrificar-se
em prol do bem público.
Em suma, Platão propunha uma sociedade organizada, planejada em termos políticos, sociais,
éticos e econômicos, com a adoção de regras rígidas sobre o comportamento humano. Sua proposta se preocupava com os princípios da igualdade,
transcendência (metafísica), democracia e moral
humana.
A filosofia de Platão exerceu grande influência
sobre a moral ocidental, na medida em que o cristianismo recebeu grande influência do pensamento
platônico15.
Concretamente, encontramos nas obras de Platão fartas lições sobre moral, justiça e valores humanos. Nesse sentido ele afirmava que justo seria
aquele que tiraria vantagem somente do injusto,
enquanto que, por sua vez, o injusto tiraria vantagem de ambos16.
Para Platão a temperança e a justiça (nessa ordem) seriam as virtudes mais importantes para o
homem, sendo aquela definida como o poder do
homem de ter o domínio sobre seus prazeres e desejos, sendo “senhor de si mesmo”17.
Confirmando o caráter transcendental da filosofia grega, Platão, reproduzindo diálogo de Sócrates,
nos diz que nenhum insensato é amigo dos deuses18.
Para Aristóteles a ética não se limitaria à mera
reflexão sobre a virtude, mas à deliberação consciente e prática de regras de comportamento (boas
e más), que podemos escolher com base em nosso
livre arbítrio.
Interessante observar que Aristóteles reconhecia
a importância da religião para a ética, pois acreditava que ela era necessária para moralizar o povo20.
Afora a questão moral, a filosofia de Aristóteles
também auxiliou no desenvolvimento da política,
nos legando obra do mesmo nome. É dele a ideia
original de que o homem é um animal racional e
político, como tal vivendo numa coletividade em
que seriam necessárias normas jurídicas e de convivência, fundamento para compreensão do relacionamento ético humano.
Mesmo falando sobre política, Aristóteles reconhecia a necessidade das virtudes morais ao estabelecer como necessárias aos governantes21.
A filosofia aristotélica muito auxiliou na moldagem do pensamento ocidental, pois foi o pensador
que maior influência exerceu no pensamento medieval europeu22.
3. Período Helênico (Helenismo)
A partir do século II aC, com as guerras entre o
mundo grego com os povos orientais, estes passaram a influenciar culturalmente o ocidente, alterando, dessa maneira, o padrão ético europeu ao introduzir valores humanos e menos transcendentais à
cultura e filosofia grega.
Ou seja, o Helenismo seria aquele período em
que as fronteiras regionais do mundo antigo se
rompem, exportando o modus vivendi grego, através
das conquistas de Alexandre Magno23.
Nesse período histórico é que começaram a se
disseminar filosofias como o ceticismo, hedonismo
e estoicismo.
O Ceticismo, que absorveu elementos do bramanismo (hinduismo), apareceu com Pirro (360272aC), sustentando que seria impossível conhecer
verdadeiramente qualquer coisa. Daí a indiferença
do cético em relação à teoria e à prática24. A filosofia
não deveria buscar a verdade, pois era inacessível.
2.3 Aristóteles
Se Sócrates refletiu sobre a moral, Aristóteles
separou a vontade humana da moral e da política,
sistematizando os conhecimentos sobre o assunto.
Aristóteles escreveu a obra Ética em Nicômaco,
na qual trata a moral como valor humano, como
uma ciência valorativa a conduzir os homens para a
nobreza e a justiça, mediante a educação nos bons
hábitos19. Ou seja, Aristóteles examinou a ética sob
o ponto de vista científico, reconhecendo a sua importância social, religiosa e pessoal que merece.
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TELES (1988, p. 33)
IDEM (p.32)
PLATAO (2000, p.24)
IDEM (p.90)
PLATÃO (2006, p.78)
ARISTÓTELES (1984, p.51)
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NUNES (2004, p.36)
ARISTÓTELES (2006, p.78)
TELES (1988, p.34)
NUNES (2004, p.38)
NUNES (2004, p.38)
Revista Géfyra, São Miguel do Iguaçu, v. 1, n. 2, jul./dez. 2012.
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Com base nisso, os valores sociais seriam relativos,
devendo ser desprezados.
A chave para entender o ceticismo seria associar
esta escola à indiferença ao conhecimento humano e transcendental. Tudo porque os céticos entendiam que não havia deuses nem verdades pelas
quais se devia viver ou morrer25.
Já o Estoicismo dizia que a felicidade seria alcançada pela “prática virtuosa”. Foi criado por Zenão de Cítio (320-250aC) na ilha de Chipre. Esta
corrente acreditava numa lei universal, superior a
tudo, cujos deveres e obrigações deveriam ser observados por todos: senhores e escravos26.
O estoicismo influenciou fortemente o Império
Romano e o Cristianismo.
O Cinismo (do grego “Cynos”) pregava a vida livre das normas, costumes e conveniências sociais,
devendo o homem viver com o essencial à vida: o
que comer e vestir; tudo mais deveria ser desprezado. O objetivo da vida dos cínicos era a pobreza e
a simplicidade. Eles consideravam fúteis o poder, a
riqueza e o reconhecimento social. Um dos maiores
expoentes dessa corrente foi Diógenes que vivia em
absoluta pobreza.
Já o Epicurismo (ou hedonismo) defendia que o
homem deveria mover-se por seus instintos e buscar somente o prazer e as paixões. Aliás, o prazer
e as paixões humanas eram a razão para a vida do
homem27.
Criado por Epicuro (341-270aC), esta escola
proclamava que a filosofia deveria servir para libertar o homem de seus medos: morte, destino,
divindades; nada era eterno e ninguém deveria se
preocupar com a vida, pois nada havia além dela.
Tudo se acabaria com a morte. As pessoas também
não deveriam se preocupar com as divindades, pois
elas desprezavam os humanos e os homens deveriam desprezá-las também.
O homem deveria procurar o belo, a arte, o
prazer, pois a felicidade humana estaria resumida
nisso.
Os epicuristas tinham no prazer a razão da
vida28.
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27
28
4. Ética em Roma
Nesta conjuntura de ecletismo filosófico foi que
se desenvolveu o Império Romano, a partir do Século VIII aC.
Através de sucessivas conquistas territoriais, foram incorporados cada vez mais novos valores, tornando o Império Romano uma colcha de retalhos
ético. Essa realidade fez com que Roma tivesse a
preocupação de uniformizar sua legislação, criando
a cultura dos códigos jurídicos.
Compativamente, enquanto os gregos focavam
a sociedade na polis, os romanos centralizam a vida
na família e no estado, admitindo maior espaço à
mulher, com a educação dos filhos, organização do
lar e o aconselhamento do esposo.
Roma se preocupava com o Estado e as instituições; aos pobres reservava a política do “pão e
circo”, com vistas ao seu contentamento sem participação nas decisões políticas.
A organização da sociedade romana se baseava
na lei, enquanto que a grega se estruturava na sabedoria, conhecimento.
5. Ética Cristã
Com o aparecimento de Jesus Cristo tivemos a
inauguração de um novo período histórico com reflexos nos mais diversos campos da vida humana.
Inaugurou-se uma nova filosofia, teologia e ética
humana.
Calcada nos ensinamentos de Cristo e nos escritos dos cristãos convictos29, a filosofia cristã contrapunha-se ao pensamento grego racionalista30, à
vida romana e às filosofias helênicas e orientais. O
cristianismo recuperou e supervalorizou a dimensão transcendental (metafísica), por vezes esquecida desde a filosofia grega clássica. Ou seja, com
o cristianismo se passa a valorizar a existência de
uma outra vida (a espiritual), que os autores denominam de Teoria dos dois Mundos31.
No campo da ética, em específico, podemos dizer que a ética cristã imprimiu maior rigidez ao comportamento moral humano (Mt.5,43
- Mt.7,13). Para tanto, o cristianismo consagrou
a concepção clássica dicotômica entre o bem e o
mal, conhecida universalmente, com campos bem
rígidos e definidos (certo ou errado – permitido ou
NUNES (2004, p.39)
TELES (1988, p.37)
NUNES (2004, p.39)
TELES (1988, p.38)
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BOEHNER e GILSON (1985, p.09)
NUNES (2004, p.41)
TELES (1988, p.98)
Revista Géfyra, São Miguel do Iguaçu, v. 1, n. 2, jul./dez. 2012.
Santos, José Reus dos. Breves apontamentos sobre a história da ética.
pecado). É nesse sentido que Santo Agostinho nos
diz que também constituiria pecado o pensamento
e a palavra revoltada contra a Lei Divina32.
Na prática, a moral cristã propõe uma vida baseada na obediência (Jo.4,34), castidade (Ex.20,14),
sacrifício (Ge.3,16) e humildade (Mc.9,35). Enfim,
o cristianismo surgiu pregando uma “Boa-nova”33,
uma nova ordem moral e ética ao ser humano.
Segundo BOEHNER e GILSON (1985), com o
cristianismo tivemos um aprofundamento da ideia
de Deus, o que reformou não só a relação com o
Criador, mas também as relações mútuas dos homens entre si. A esta nova concepção ética os autores denominaram de ética da caridade34.
Elementos da moralidade cristã podem ser encontrados em toda a Bíblia, Livro Sagrado, como na
passagem da Epístola aos Filipenses (2,3):
6. Ética na Idade Moderna
A filosofia moderna é aquela que apareceu no
período homônimo, que se iniciou com a Tomada de Constantinopla, no Século XV e terminou no
Século XVIII, com a Revolução Francesa, no ano
de 1789.
A Idade Moderna foi um período que se caracterizou pelo apogeu do pensamento burguês crítico,
humanista, racionalista e antropocêntrico37, tornando o homem como o centro das preocupações
do pensamento humano.
Essa era a época do racionalismo de Decartes e
suas Regras do Método; época de Maquiavel e seu
Príncipe (1498), quando faz a defesa do governante absolutismo; época de um mundo mecânico e
autônomo38.
No campo específico da ética, devemos perceber que nessa fase tem início o deslocamento da
moral ditada pelos valores transcendentais do cristianismo para o eixo do racionalismo e pragmatismo burguês.
Com a Reforma protestante, de 1517, liderada pelo teólogo alemão Martinho Lutero, temos o
rompimento da unidade do cristianismo. Isto proporcionou o desenvolvimento de escolas protestantes, o que se refletiu na ética do período.
Lutero era mais flexível com o lucro e o pensamento mercantil burguês, o que determinou a base
para um novo padrão moral e ético na modernidade.
Período marcado pelo aparecimento do Estado
Moderno, com muitas crises e instabilidade política, Maquiavel, com suas ideias absolutistas, era
a própria cara deste cenário instável, verdadeiro
porta-voz39 de sua época.
Não façais nada com espírito de rivalidade ou de
vanglória; cada um considere com humildade os outros superiores a si mesmo, não visando ao próprio
interesse mas ao dos outros.
Percebe-se perfeitamente a apologia à humildade e respeito ao próximo. Sobre essa passagem,
Voltaire nos diz que ela procura ressaltar a modéstia
cristã, revelando a sua própria grandeza35.
Muito embora se possam encontrar princípios
de moralidade em todo o Livro Santo, é, no entanto,
nos Dez Mandamentos que se consubstanciam os
principais regramentos éticos cristãos (Ex.34,14):
não mates, não roubes, não forniques etc.
Portanto, a ética cristã, considerando os
seus postulados, mostra-se rígida, eis que defende
comportamento moral regrado, abdicando do prazer hedonista, ressaltando a necessidade do trabalho, sacrifício e da temperança (sobriedade, moderação) nos atos humanos.
Historicamente, e a reboque da filosofia, a ética
cristã alcançou seu apogeu entre o Século IV e XV,
com a proclamação da Igreja Católica como religião
oficial do Estado36, pelo Imperador Constantino, se
estendendo até o fim da Idade Média.
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7. Ética Contemporânea
7.1 Século XIX
A ética contemporânea é aquela que apareceu
no período homônimo, que se iniciou após a Revolução Francesa (1789).
O século XIX foi uma época que se caracterizou
pelo apogeu do pensamento racionalista, pelas várias descobertas e avanços da ciência, como a eletricidade, comunicações e a industrialização, o que
AGOSTINHO (2008, p.74)
IDEM (p.40)
BOEHNER e GILSON (1985, p.17)
VOLTAIRE (2008, p.179)
NUNES (2004, p.42)
37 NUNES (2004, p.65)
38 NUNES (2004, p.69)
39 MAQUIAVEL (2003, p.13)
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Revista Géfyra, São Miguel do Iguaçu, v. 1, n. 2, jul./dez. 2012.
Santos, José Reus dos. Breves apontamentos sobre a história da ética.
tornou o século XIX dominado por valores materiais e imediatistas, características reconhecidas do
pensamento marxista.
O século XIX sofreu a influência de vários filósofos materialistas: Hegel, na primeira metade, e
Karl Marx e Friedrich Nietzsche, na segunda metade do mesmo período.
Hegel (1770 -1831) resume bem o pensamento
de então ao estabelecer o homem como destino de
sua filosofia40.
Já o materialismo de Karl Marx (1818 — 1883),
ao contrário do cristianismo, centrava sua filosofia
no homem (antropocentrismo), sendo o legítimo
possuidor da ética pura (proletária), em contraposição aos burgueses, “corrompidos” e “exploradores”
da força do trabalho. Marx rejeitou explicitamente a moral cristã, na medida em que via a religião
como o “ópio do povo”. Aliás, para Marx, o clero
era uma classe ligada ao Estado “opressor”.
Já Friedrich Nietzsche (1844 – 1900), contemporâneo de Marx, pregava a adoção de uma nova
moral, desprendida da ética cristã, que via como
partidária de tudo que era fraco, vil e malogrado41.
Nietzsche, materialista e arqui-inimigo do cristianismo, fez a defesa do espírito livre42 ao homem,
propondo uma moral liberta da doutrina cristã.
Ferino em seu ataque à moral religiosa, reservou
quase que toda sua obra filosófica à crítica ao cristianismo, que chegou a classificar como máscara,
hipocrisia e enfermidade43.
Nietzsche, como os hedonistas, pregava em favor do prazer humano, sem os limites e as amarras
da moral cristã.
dor Adorno, Walter Benjamin, Herbert Marcuse e
Jurgen Habermas.
Marcuse, em sua obra principal obra, Eros e
Civilização (1955), empreendeu uma influência
significativa na cultura, pensamento e conduta do
homem atual. Isto se deve ao alcance de suas ideias
nas gerações seguintes, ao defendera introdução de
valores até então não considerados, como a rebeldia, livre sexualidade, estética e crítica social.
Marcuse, ratificando o ideário freudiano, dizia
que nossos sentimentos eram reprimidos pela moral e a cultura ocidental, através de uma espécie de
coação dos instintos básicos humanos44.
Segundo VENTURA (1988, p.59), citando Paulo Francis, Herbert Marcuse foi quem mais “manjou” a segunda metade do século. Tal citação demonstra o quanto esse escritor foi importante para
o início do fenômeno da contracultura, com o estabelecimento de uma moral baseada no criticismo e
desprendimento dos costumes.
Na verdade, uma série de pensadores, somados
à Escola de Frankfurt (Instituto de Pesquisas Sociais), criada na década de 1920, acabaram por dar
novos contornos ao marxismo na segunda metade
do século XX, ao agregar elementos heterodoxos,
como o sexo e Freud (Herbert Marcuse), sustentabilidade (Habermas), consumismo e passividade
moderna (Adorno). Eles criticavam a moral e a civilização cristã ocidental, dando sustentação teórica aos vários movimentos de contracultura que
apareceram a partir da segunda metade do século
XX: movimento hippie, punk, beatnik, naturismo,
feminismo etc. Estes, por sua vez, imprimiram
uma paulatina alteração no padrão moral social ao
fazerem crítica ao sistema capitalista, aos costumes,
instituições estabelecidas e pregarem o sexo descomprometido.
Basicamente, esses movimentos buscavam estabelecer uma alternativa comportamental à cultura e
à civilização cristã, ao propugnar a liberação sexual,
liberação das drogas, homosexualismo, flexibilização das instituições sociais (matrimônio), menor
rigidez na educação formal etc.
7.2 Século XX
O século XX foi basicamente uma extensão filosófica do materialismo do século XIX.
Na primeira metade deste século, figuras como
Antonio Gramsci e Gyorgy Lukács passaram a dar
novos contornos ao pensamento de Marx, aprofundando os valores materialistas. Gramsci, por exemplo, foi o primeiro pensador a agregar a questão da
cultura ao marxismo.
Na segunda metade do século XX, outros marxistas dominaram a cena filosófica mundial: Theo-
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43
D’HONDT (1989, p.11)
NIETZSCHE (2008, p.17)
NIETZSCHE (2007, p.41)
NIETZSCHE (2009, p.20)
44
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MARCUSE (1968, p.33)
Revista Géfyra, São Miguel do Iguaçu, v. 1, n. 2, jul./dez. 2012.
Santos, José Reus dos. Breves apontamentos sobre a história da ética.
Referências
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