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Breves apontamentos sobre a história da ética SANTOS, José Reus dos1 Resumo Ciência que estuda o comportamento humano, orientado por valores sociais, políticos ou religiosos, a ética possui uma rica história ao longo do tempo. O artigo faz uma apresentação didática e cronológica da ética humana, registrando em breves apontamentos o andamento desta ciência nas distintas fases de sua história. A pesquisa procura mostrar a moral humana a partir de seus primeiros registros com os filósofos Pré-Socráticos, indo até a época Contemporânea, nosso tempo atual, com seus múltiplos segmentos de pensamento ético. Nesse sentido, este estudo apresenta a ética grega, com seu tônus metafísico; a marcante e definitiva ética cristã; a moral no período Moderno e Contemporâneo. Palavras-chave: Ética Grega. Moral cristã. Pré-socráticos. Helenismo. Ética contemporânea. DENARI1, Dra. Fátima Elisabeth 1 Especialista em Direito Público – Gama Filho/RJ – Advogado e Professor Universitário – jrsantos@cmfi. pr.gov.br. Câmara Municipal de Foz do Iguaçu. 41 Revista Géfyra, São Miguel do Iguaçu, v. 1, n. 2, jul./dez. 2012. Santos, José Reus dos. Breves apontamentos sobre a história da ética. 1. Introdução 2. A ética grega O homem é um ser dotado de inteligência e capacidade para escolher o que fazer, o que falar, enfim, escolher sua conduta, a sua forma de viver. A ética estuda exatamente isto: a conduta humana, o seu padrão de comportamento, a forma de proceder, segundo os valores que possui enquanto ser humano. A ética é, portanto, uma ciência que possui como objeto de estudo as ações, costumes e comportamento do homem1. Todos nós possuímos uma moral; nesse sentido, VOLTAIRE (2008, p.403) nos lembra que a moral seria encontrada “em todos os homens que usam a razão”. Ou seja, todo homem que possui capacidade de escolher seu destino é dotado de moral. Agora, para formar a nossa conduta moral, nós temos que adotar determinados valores morais e éticos, que, por sua vez, encontram-se dentro do universo do bem ou do mal, do campo do certo ou errado, correto ou incorreto, segundo o que é determinado pela religião, costumes ou, simplesmente, pelo senso comum. Assim, a forma como vivemos implica na adoção de valores bons ou maus, prejudiciais ou benéficos ao ser humano. Por isso que se diz que a ética seria uma ciência valorativa. COLOMBO (1992, p.43), por exemplo, sintetiza a questão ao dizer que vivemos o “mundo das avaliações, das preferências entre o bem e o mal”, sendo isso que daria “sentido” a nossa existência. Portanto, as nossas escolhas morais são importantes para nós e para a comunidade em que vivemos. Aliás, não podemos entender a moral e a ética humana, sem analisar o campo dos valores que elas adotam: se do lado do bem, do mal; se beneficia ou prejudica ao ser humano. E como sabemos o que é bom ou mau para nós? Isso depende da forma como vemos o mundo, do lastro filosófico que utilizamos para compreendê-lo. A partir dessa concepção acerca da vida, que constitui a nossa concepção de vida, fazemos as escolhas dos valores que irão constituir a nossa moral, a nossa ética pessoal (boa ou má, certa ou errada). Essa escolha para o homem é algo muito importante, podendo ser analisada ainda sob os mais variados pontos de vista, inclusive histórico, sendo esta a pretensão deste artigo: a exposição da moral e da ética, com suas múltiplas escolas, dentro da história humana. Muitos dos conceitos e valores morais da sociedade atual tiveram origem na Grécia antiga (antes de Cristo). A ética grega, associada aos valores da sociedade romana e da filosofia cristã, principalmente, forjaram o padrão ético do homem contemporâneo. Embora se deva admitir a respeito das influências da cultura oriental sobre a moral do homem do ocidente, todavia, o padrão moral deste se deve muito a essas três civilizações/filosofias, que estudaremos abaixo. Afora a questão moral, deve-se dizer que comumente a filosofia grega é dividida em pré e pós-socrática (também chamado de período clássico), além do período Helênico ou helenístico. No período antecedente a Sócrates (chamado Pré-Socrático) os pensadores falavam da questão ÉTICA de uma maneira indireta, ao comentarem sobre valores, conduta, justiça etc, sem tratar a moral como instituto único e independente. Ao contrário, é no período seguinte, pós-Sócrates é que encontraremos a moral como fenômeno com uma cor institucional própria. Para entendermos um pouco da filosofia grega, devemos dizer que o grande mérito do pensamento grego foi o de sistematizar uma forma de pensar único que se denominou de “filosofia”.2 Essas características da filosofia grega pode ser explicada através da forma como ela foi apresentada ao público: em diálogos entre os filósofos e entre estes e terceiros, fazendo com que o leitor se apercebesse direta e originariamente das conclusões filosóficas do autor. Outra característica fundamental da filosofia grega é a admissão da transcendência, do sobrenatural, na admissão dos “deuses” gregos, característica assemelhada à filosofia cristã, que apareceu posteriormente. O período pré-socrático é formado pelos pensadores que antecederam Sócrates, como Tales de Mileto, Heráclito de Éfeso, Pitágoras de Samos, Parmênides de Eléia. Já o período pós-Sócrates apresenta, sucessivamente, os filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles. Entre os pré-socráticos podemos destacar a figura de Tales de Mileto, a quem Aristóteles atribui 1 VALLS (1994, p.07) 2 NUNES (2004, p.21) 2.1 Os Pré-Socráticos 42 Revista Géfyra, São Miguel do Iguaçu, v. 1, n. 2, jul./dez. 2012. Santos, José Reus dos. Breves apontamentos sobre a história da ética. o início da filosofia, a ciência do abstrato3. Esse mesmo pensador considerava que a água era o elemento básico de todas as coisas e que a terra flutuava sobre ela.4 Heráclito de Éfeso, por sua vez, sustentava que todas as coisas estariam em movimento e seriam processadas pela ação dos contrários (aqui, os primórdios da dialética moderna). Além disso, também sustentou que tudo seria gerado a partir do fogo e que uma logos divina (inteligência) governaria as coisas reais.5 Pitágoras de Samos, aluno de Tales de Mileto, por sua vez, fundou uma escola de cunho secreto, que desenvolveu a matemática, chegando a concluir que o mundo poderia ser traduzido em números.6 Demócrito de Abdera, outro pré-socrático, foi um dos pensadores que mais desenvolveu elementos da moral humana. É dele a afirmação que o homem deve ser ou imitar o bom. Ele também dizia que a medicina curaria os males do corpo e, a sabedoria, a alma das paixões (BORNHEIM, p.108). Esses são alguns dos pensadores pré-socráticos, porém, podemos citar ainda vários outros como Anaximandro de Mileto, Xenófanes de Cólofon, Parmênides de Eléia e Diógenes de Apolônia. Em geral, a ética não se constituiu como ponto central das discussões dos pré-socráticos, cujos fragmentos registrados se mostram menores que o período seguinte, com Sócrates, Platão e Aristóles. Neste período, a filosofia grega nos legou literatura com maior número de registros, auxiliando muito o desenvolvimento da ética, com a reprodução dos diálogos de Sócrates e os escritos de Aristóteles. Apologia de Sócrates) e Xenofonte (As Memórias), e de seus opositores, como Aristófanes (Nuvens)9. Como falamos acima, o pensamento de Sócrates é apresentado na forma da reprodução de seus diálogos, realizados nas ruas e recintos de Atenas, onde indagava de terceiros sobre justiça, valores, virtude, coragem etc. Sócrates perguntava objetivamente em tom provocativo, colocando à prova as respostas do interlocutor. Conhecido como maiêutica10, seu método de questionar e fazer as pessoas pensarem o tornou conhecido pelas gerações seguintes. Essa forma de conversação fazia o interlocutor desnudar seu conhecimento, sua forma de pensar e de se comportar. O que é o bem? É fazer o que agrada o homem, respondiam. E o que é agradável ao homem?... Articulada e sucessivamente, uma após outra, Sócrates destruia a argumentação de seus interlocutores11. Com isso, Sócrates colocava à prova os conceitos e percepções dos atenienses. Mas esse seu modo de proceder e indagar também irritava quem com ele dialogava, tanto que Sócrates acabou julgado e condenado por incitação à juventude. Historicamente, no entanto, devemos observar que fora através dos diálogos deste filósofo que tiveram início os registros mais consistentes sobre moral, ética, seus elementos e valores, como a justiça, temperança etc. Sócrates auxiliou na reflexão do homem grego sobre a sociedade e seus valores. Ele dizia que uma vida que não é examinada não merece ser vivida12. Ele exaltou a humildade dos verdadeiros sábios: “tudo o que sei consiste em saber que nada sei”13. 2.3 Platão 2.2 Sócrates Aluno de Sócrates, Platão viveu em Atenas (como Sócrates), e defendeu a necessidade de se buscar uma ética e justiça ideal: era a utopia de Platão, que, por sua vez, não se tratava propriamente de um resgate, da busca de valores perdidos no passado, mas da aproximação a valores que possivelmente poderiam ser alcançados no futuro. Platão entendia ser possível ao homem a construção de uma sociedade melhor, através da disseminação de valores nobres e altruistas. Ele separava Sócrates foi chamado de o fundador da moral7, séculos após a sua morte. Filósofo e professor de Platão, inaugurou a fase mais conhecida da filosofia grega (Clássica). Ambos viveram entre 500 e 400 anos antes de Cristo. Sócrates nada escreveu8; suas ideias são conhecidas através das obras de seus discípulos, Platão (A 3 4 5 6 7 8 TELES (1988, p.23) BORNHEIM (1986, p.22) IDEM (p.35) BORNHEIM (1986, p.50) VALLS (1994, p.17) NUNES (2004, p.33) 9 10 11 12 13 43 TELES (1988, p.31) IDEM DURANT (1985, p.34) NUNES (2004, p.13) IDEM (p.34) Revista Géfyra, São Miguel do Iguaçu, v. 1, n. 2, jul./dez. 2012. Santos, José Reus dos. Breves apontamentos sobre a história da ética. os valores do mundo real do mundo ideal. Esta era a sociedade querida por Platão, que deveria ser governada pelos mais sábios14. Platão entendia que os governantes deveriam ser os melhores, escolhidos pelos seus méritos políticos (com elevado espírito público) e pessoais (nobres), aceitando sacrificar-se em prol do bem público. Em suma, Platão propunha uma sociedade organizada, planejada em termos políticos, sociais, éticos e econômicos, com a adoção de regras rígidas sobre o comportamento humano. Sua proposta se preocupava com os princípios da igualdade, transcendência (metafísica), democracia e moral humana. A filosofia de Platão exerceu grande influência sobre a moral ocidental, na medida em que o cristianismo recebeu grande influência do pensamento platônico15. Concretamente, encontramos nas obras de Platão fartas lições sobre moral, justiça e valores humanos. Nesse sentido ele afirmava que justo seria aquele que tiraria vantagem somente do injusto, enquanto que, por sua vez, o injusto tiraria vantagem de ambos16. Para Platão a temperança e a justiça (nessa ordem) seriam as virtudes mais importantes para o homem, sendo aquela definida como o poder do homem de ter o domínio sobre seus prazeres e desejos, sendo “senhor de si mesmo”17. Confirmando o caráter transcendental da filosofia grega, Platão, reproduzindo diálogo de Sócrates, nos diz que nenhum insensato é amigo dos deuses18. Para Aristóteles a ética não se limitaria à mera reflexão sobre a virtude, mas à deliberação consciente e prática de regras de comportamento (boas e más), que podemos escolher com base em nosso livre arbítrio. Interessante observar que Aristóteles reconhecia a importância da religião para a ética, pois acreditava que ela era necessária para moralizar o povo20. Afora a questão moral, a filosofia de Aristóteles também auxiliou no desenvolvimento da política, nos legando obra do mesmo nome. É dele a ideia original de que o homem é um animal racional e político, como tal vivendo numa coletividade em que seriam necessárias normas jurídicas e de convivência, fundamento para compreensão do relacionamento ético humano. Mesmo falando sobre política, Aristóteles reconhecia a necessidade das virtudes morais ao estabelecer como necessárias aos governantes21. A filosofia aristotélica muito auxiliou na moldagem do pensamento ocidental, pois foi o pensador que maior influência exerceu no pensamento medieval europeu22. 3. Período Helênico (Helenismo) A partir do século II aC, com as guerras entre o mundo grego com os povos orientais, estes passaram a influenciar culturalmente o ocidente, alterando, dessa maneira, o padrão ético europeu ao introduzir valores humanos e menos transcendentais à cultura e filosofia grega. Ou seja, o Helenismo seria aquele período em que as fronteiras regionais do mundo antigo se rompem, exportando o modus vivendi grego, através das conquistas de Alexandre Magno23. Nesse período histórico é que começaram a se disseminar filosofias como o ceticismo, hedonismo e estoicismo. O Ceticismo, que absorveu elementos do bramanismo (hinduismo), apareceu com Pirro (360272aC), sustentando que seria impossível conhecer verdadeiramente qualquer coisa. Daí a indiferença do cético em relação à teoria e à prática24. A filosofia não deveria buscar a verdade, pois era inacessível. 2.3 Aristóteles Se Sócrates refletiu sobre a moral, Aristóteles separou a vontade humana da moral e da política, sistematizando os conhecimentos sobre o assunto. Aristóteles escreveu a obra Ética em Nicômaco, na qual trata a moral como valor humano, como uma ciência valorativa a conduzir os homens para a nobreza e a justiça, mediante a educação nos bons hábitos19. Ou seja, Aristóteles examinou a ética sob o ponto de vista científico, reconhecendo a sua importância social, religiosa e pessoal que merece. 14 15 16 17 18 19 TELES (1988, p. 33) IDEM (p.32) PLATAO (2000, p.24) IDEM (p.90) PLATÃO (2006, p.78) ARISTÓTELES (1984, p.51) 20 21 22 23 24 44 NUNES (2004, p.36) ARISTÓTELES (2006, p.78) TELES (1988, p.34) NUNES (2004, p.38) NUNES (2004, p.38) Revista Géfyra, São Miguel do Iguaçu, v. 1, n. 2, jul./dez. 2012. Santos, José Reus dos. Breves apontamentos sobre a história da ética. Com base nisso, os valores sociais seriam relativos, devendo ser desprezados. A chave para entender o ceticismo seria associar esta escola à indiferença ao conhecimento humano e transcendental. Tudo porque os céticos entendiam que não havia deuses nem verdades pelas quais se devia viver ou morrer25. Já o Estoicismo dizia que a felicidade seria alcançada pela “prática virtuosa”. Foi criado por Zenão de Cítio (320-250aC) na ilha de Chipre. Esta corrente acreditava numa lei universal, superior a tudo, cujos deveres e obrigações deveriam ser observados por todos: senhores e escravos26. O estoicismo influenciou fortemente o Império Romano e o Cristianismo. O Cinismo (do grego “Cynos”) pregava a vida livre das normas, costumes e conveniências sociais, devendo o homem viver com o essencial à vida: o que comer e vestir; tudo mais deveria ser desprezado. O objetivo da vida dos cínicos era a pobreza e a simplicidade. Eles consideravam fúteis o poder, a riqueza e o reconhecimento social. Um dos maiores expoentes dessa corrente foi Diógenes que vivia em absoluta pobreza. Já o Epicurismo (ou hedonismo) defendia que o homem deveria mover-se por seus instintos e buscar somente o prazer e as paixões. Aliás, o prazer e as paixões humanas eram a razão para a vida do homem27. Criado por Epicuro (341-270aC), esta escola proclamava que a filosofia deveria servir para libertar o homem de seus medos: morte, destino, divindades; nada era eterno e ninguém deveria se preocupar com a vida, pois nada havia além dela. Tudo se acabaria com a morte. As pessoas também não deveriam se preocupar com as divindades, pois elas desprezavam os humanos e os homens deveriam desprezá-las também. O homem deveria procurar o belo, a arte, o prazer, pois a felicidade humana estaria resumida nisso. Os epicuristas tinham no prazer a razão da vida28. 25 26 27 28 4. Ética em Roma Nesta conjuntura de ecletismo filosófico foi que se desenvolveu o Império Romano, a partir do Século VIII aC. Através de sucessivas conquistas territoriais, foram incorporados cada vez mais novos valores, tornando o Império Romano uma colcha de retalhos ético. Essa realidade fez com que Roma tivesse a preocupação de uniformizar sua legislação, criando a cultura dos códigos jurídicos. Compativamente, enquanto os gregos focavam a sociedade na polis, os romanos centralizam a vida na família e no estado, admitindo maior espaço à mulher, com a educação dos filhos, organização do lar e o aconselhamento do esposo. Roma se preocupava com o Estado e as instituições; aos pobres reservava a política do “pão e circo”, com vistas ao seu contentamento sem participação nas decisões políticas. A organização da sociedade romana se baseava na lei, enquanto que a grega se estruturava na sabedoria, conhecimento. 5. Ética Cristã Com o aparecimento de Jesus Cristo tivemos a inauguração de um novo período histórico com reflexos nos mais diversos campos da vida humana. Inaugurou-se uma nova filosofia, teologia e ética humana. Calcada nos ensinamentos de Cristo e nos escritos dos cristãos convictos29, a filosofia cristã contrapunha-se ao pensamento grego racionalista30, à vida romana e às filosofias helênicas e orientais. O cristianismo recuperou e supervalorizou a dimensão transcendental (metafísica), por vezes esquecida desde a filosofia grega clássica. Ou seja, com o cristianismo se passa a valorizar a existência de uma outra vida (a espiritual), que os autores denominam de Teoria dos dois Mundos31. No campo da ética, em específico, podemos dizer que a ética cristã imprimiu maior rigidez ao comportamento moral humano (Mt.5,43 - Mt.7,13). Para tanto, o cristianismo consagrou a concepção clássica dicotômica entre o bem e o mal, conhecida universalmente, com campos bem rígidos e definidos (certo ou errado – permitido ou NUNES (2004, p.39) TELES (1988, p.37) NUNES (2004, p.39) TELES (1988, p.38) 29 30 31 45 BOEHNER e GILSON (1985, p.09) NUNES (2004, p.41) TELES (1988, p.98) Revista Géfyra, São Miguel do Iguaçu, v. 1, n. 2, jul./dez. 2012. Santos, José Reus dos. Breves apontamentos sobre a história da ética. pecado). É nesse sentido que Santo Agostinho nos diz que também constituiria pecado o pensamento e a palavra revoltada contra a Lei Divina32. Na prática, a moral cristã propõe uma vida baseada na obediência (Jo.4,34), castidade (Ex.20,14), sacrifício (Ge.3,16) e humildade (Mc.9,35). Enfim, o cristianismo surgiu pregando uma “Boa-nova”33, uma nova ordem moral e ética ao ser humano. Segundo BOEHNER e GILSON (1985), com o cristianismo tivemos um aprofundamento da ideia de Deus, o que reformou não só a relação com o Criador, mas também as relações mútuas dos homens entre si. A esta nova concepção ética os autores denominaram de ética da caridade34. Elementos da moralidade cristã podem ser encontrados em toda a Bíblia, Livro Sagrado, como na passagem da Epístola aos Filipenses (2,3): 6. Ética na Idade Moderna A filosofia moderna é aquela que apareceu no período homônimo, que se iniciou com a Tomada de Constantinopla, no Século XV e terminou no Século XVIII, com a Revolução Francesa, no ano de 1789. A Idade Moderna foi um período que se caracterizou pelo apogeu do pensamento burguês crítico, humanista, racionalista e antropocêntrico37, tornando o homem como o centro das preocupações do pensamento humano. Essa era a época do racionalismo de Decartes e suas Regras do Método; época de Maquiavel e seu Príncipe (1498), quando faz a defesa do governante absolutismo; época de um mundo mecânico e autônomo38. No campo específico da ética, devemos perceber que nessa fase tem início o deslocamento da moral ditada pelos valores transcendentais do cristianismo para o eixo do racionalismo e pragmatismo burguês. Com a Reforma protestante, de 1517, liderada pelo teólogo alemão Martinho Lutero, temos o rompimento da unidade do cristianismo. Isto proporcionou o desenvolvimento de escolas protestantes, o que se refletiu na ética do período. Lutero era mais flexível com o lucro e o pensamento mercantil burguês, o que determinou a base para um novo padrão moral e ético na modernidade. Período marcado pelo aparecimento do Estado Moderno, com muitas crises e instabilidade política, Maquiavel, com suas ideias absolutistas, era a própria cara deste cenário instável, verdadeiro porta-voz39 de sua época. Não façais nada com espírito de rivalidade ou de vanglória; cada um considere com humildade os outros superiores a si mesmo, não visando ao próprio interesse mas ao dos outros. Percebe-se perfeitamente a apologia à humildade e respeito ao próximo. Sobre essa passagem, Voltaire nos diz que ela procura ressaltar a modéstia cristã, revelando a sua própria grandeza35. Muito embora se possam encontrar princípios de moralidade em todo o Livro Santo, é, no entanto, nos Dez Mandamentos que se consubstanciam os principais regramentos éticos cristãos (Ex.34,14): não mates, não roubes, não forniques etc. Portanto, a ética cristã, considerando os seus postulados, mostra-se rígida, eis que defende comportamento moral regrado, abdicando do prazer hedonista, ressaltando a necessidade do trabalho, sacrifício e da temperança (sobriedade, moderação) nos atos humanos. Historicamente, e a reboque da filosofia, a ética cristã alcançou seu apogeu entre o Século IV e XV, com a proclamação da Igreja Católica como religião oficial do Estado36, pelo Imperador Constantino, se estendendo até o fim da Idade Média. 32 33 34 35 36 7. Ética Contemporânea 7.1 Século XIX A ética contemporânea é aquela que apareceu no período homônimo, que se iniciou após a Revolução Francesa (1789). O século XIX foi uma época que se caracterizou pelo apogeu do pensamento racionalista, pelas várias descobertas e avanços da ciência, como a eletricidade, comunicações e a industrialização, o que AGOSTINHO (2008, p.74) IDEM (p.40) BOEHNER e GILSON (1985, p.17) VOLTAIRE (2008, p.179) NUNES (2004, p.42) 37 NUNES (2004, p.65) 38 NUNES (2004, p.69) 39 MAQUIAVEL (2003, p.13) 46 Revista Géfyra, São Miguel do Iguaçu, v. 1, n. 2, jul./dez. 2012. Santos, José Reus dos. Breves apontamentos sobre a história da ética. tornou o século XIX dominado por valores materiais e imediatistas, características reconhecidas do pensamento marxista. O século XIX sofreu a influência de vários filósofos materialistas: Hegel, na primeira metade, e Karl Marx e Friedrich Nietzsche, na segunda metade do mesmo período. Hegel (1770 -1831) resume bem o pensamento de então ao estabelecer o homem como destino de sua filosofia40. Já o materialismo de Karl Marx (1818 — 1883), ao contrário do cristianismo, centrava sua filosofia no homem (antropocentrismo), sendo o legítimo possuidor da ética pura (proletária), em contraposição aos burgueses, “corrompidos” e “exploradores” da força do trabalho. Marx rejeitou explicitamente a moral cristã, na medida em que via a religião como o “ópio do povo”. Aliás, para Marx, o clero era uma classe ligada ao Estado “opressor”. Já Friedrich Nietzsche (1844 – 1900), contemporâneo de Marx, pregava a adoção de uma nova moral, desprendida da ética cristã, que via como partidária de tudo que era fraco, vil e malogrado41. Nietzsche, materialista e arqui-inimigo do cristianismo, fez a defesa do espírito livre42 ao homem, propondo uma moral liberta da doutrina cristã. Ferino em seu ataque à moral religiosa, reservou quase que toda sua obra filosófica à crítica ao cristianismo, que chegou a classificar como máscara, hipocrisia e enfermidade43. Nietzsche, como os hedonistas, pregava em favor do prazer humano, sem os limites e as amarras da moral cristã. dor Adorno, Walter Benjamin, Herbert Marcuse e Jurgen Habermas. Marcuse, em sua obra principal obra, Eros e Civilização (1955), empreendeu uma influência significativa na cultura, pensamento e conduta do homem atual. Isto se deve ao alcance de suas ideias nas gerações seguintes, ao defendera introdução de valores até então não considerados, como a rebeldia, livre sexualidade, estética e crítica social. Marcuse, ratificando o ideário freudiano, dizia que nossos sentimentos eram reprimidos pela moral e a cultura ocidental, através de uma espécie de coação dos instintos básicos humanos44. Segundo VENTURA (1988, p.59), citando Paulo Francis, Herbert Marcuse foi quem mais “manjou” a segunda metade do século. Tal citação demonstra o quanto esse escritor foi importante para o início do fenômeno da contracultura, com o estabelecimento de uma moral baseada no criticismo e desprendimento dos costumes. Na verdade, uma série de pensadores, somados à Escola de Frankfurt (Instituto de Pesquisas Sociais), criada na década de 1920, acabaram por dar novos contornos ao marxismo na segunda metade do século XX, ao agregar elementos heterodoxos, como o sexo e Freud (Herbert Marcuse), sustentabilidade (Habermas), consumismo e passividade moderna (Adorno). Eles criticavam a moral e a civilização cristã ocidental, dando sustentação teórica aos vários movimentos de contracultura que apareceram a partir da segunda metade do século XX: movimento hippie, punk, beatnik, naturismo, feminismo etc. Estes, por sua vez, imprimiram uma paulatina alteração no padrão moral social ao fazerem crítica ao sistema capitalista, aos costumes, instituições estabelecidas e pregarem o sexo descomprometido. Basicamente, esses movimentos buscavam estabelecer uma alternativa comportamental à cultura e à civilização cristã, ao propugnar a liberação sexual, liberação das drogas, homosexualismo, flexibilização das instituições sociais (matrimônio), menor rigidez na educação formal etc. 7.2 Século XX O século XX foi basicamente uma extensão filosófica do materialismo do século XIX. Na primeira metade deste século, figuras como Antonio Gramsci e Gyorgy Lukács passaram a dar novos contornos ao pensamento de Marx, aprofundando os valores materialistas. Gramsci, por exemplo, foi o primeiro pensador a agregar a questão da cultura ao marxismo. Na segunda metade do século XX, outros marxistas dominaram a cena filosófica mundial: Theo- 40 41 42 43 D’HONDT (1989, p.11) NIETZSCHE (2008, p.17) NIETZSCHE (2007, p.41) NIETZSCHE (2009, p.20) 44 47 MARCUSE (1968, p.33) Revista Géfyra, São Miguel do Iguaçu, v. 1, n. 2, jul./dez. 2012. Santos, José Reus dos. Breves apontamentos sobre a história da ética. 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