Ralph Steadman, Desenhista Gonzo

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Ralph Steadman, Desenhista Gonzo
Obvious online (Portugal)
Date: July 30, 2014
Ralph Steadman, Desenhista Gonzo
Como um desenhista careta se tornou o grande parceiro de Hunter Thompson, jornalista gonzo e um dos maiores
defensores da cultura das drogas Contratado para cobrir uma afamada competição equina, o jornalista chega em
cima da hora, passa a maior parte do tempo perdido em divagações sinistras, sofrendo surtos psicóticos agudos e
travando diálogos evasivos e sem sentido com os habitantes locais, não consegue tirar a tempo as credenciais de
imprensa e não tem a mínima ideia de como é o ilustrador que a revista que o contratou enviou para ajudá-lo com a
matéria. O resultado é o artigo "O Kentucky Derby é Decadente e Degenerado", escrito por Hunter Thompson,
ilustrado por Ralph Steadman e milagrosamente publicado em Scanlan's Mounthly, vol. 1, nº 4, de junho de 1970.
Thompson apenas sabia que Steadman era inglês e que aquela seria sua primeira viagem aos Estados Unidos. Estava
preocupado com o choque cultural que o britânico sofreria ao ser retirado de Londres e jogado em meio à turba
alcoolizada do Derby. "Fazia tempo que eu não via alguém tão engraçado. Ele tem um...ah... um matagal pela cara
inteira. Aliás, ela está por toda a sua cabeça.", relatou a recepcionista do hotel, fazendo Hunter imaginar um "bichodo-mato de dar nos nervos, todo coberto por uma juba desgrenhada e verrugas enormes". Também imaginou enchêlo de ácido e álcool e sair com ele pelo local. Mas quando finalmente o encontrou, não viu nada de estranho no
desenhista. Logo uma parceria bem sucedida seria firmada. Steadman tinha o costume de desenhar as pessoas e dar
os esboços para elas, causando resultados infelizes. Na Inglaterra as pessoas levavam na brincadeira e não se
ofendiam, mas os americanos encaravam com uma mistura perigosa de medo e repulsa. Nascido em 15 de maio de
1936, em Wallesey, Liverpool, Ralph sobreviveu aos ataques aéreos da Blitz durante a Segunda Guerra Mundial.
Vendeu seu primeiro desenho em 1956, para o Manchester Evening Chronicle. Sua carreira não decolou fácil.
Trabalhou como operário em uma fábrica e como assistente em uma loja de departamentos até decidir se mudar
para Londres. Por três anos seus trabalhos foram rejeitados até, finalmente, ser aceito pela Punch. Apenas aqueles
que suportam a rejeição conseguem o sucesso. No início da década de 60, frequentou a London College Printing and
Graphic Arts College. A grande oportunidade veio com a oferta de acompanhar Hunter Thompson na cobertura do
Kentucky Derby, uma famosa corrida de cavalos nos Estados Unidos. Perderam praticamente toda a corrida e o artigo
se tornou uma descrição da decadência do evento e de seus participantes, incluindo a decadência da própria dupla. O
jornalismo gonzo nascia, e se seguiram então quatro décadas de amizade e colaborações como em Medo e Delírio
em Las Vegas, The Curse of Lono, a cobertura do escândalo de Watergate e vários artigos publicados pela Rolling
Stone. Segue abaixo o artigo "As reminiscências de Ralph Steadman na reedição de A maldição de Lono, escrito por
Richard Lord e publicado no site South China Morning Post. O ilustrador britânico Ralph Steadman relembra tempos
hilários e loucos com Hunter S. Thompson na reedição de The Curse of Lono."A maioria dos acontecimentos foram
reais, apesar de que muitos eu realmente não vi", diz Steadman de sua casa, no sul da Inglaterra. Isto poderia ser um
ótimo epigrafo para a maioria dos cânones pelos quais o celebrado cartunista britânico é melhor conhecido: sua
longa colaboração com o pioneiro do jornalismo gonzo, contador de prosas por excelência e causador de todos os
tipos de loucura e confusão, Hunter S. Thompson. Contudo, o trabalho específico de Steadman se refere a "The
Curse of Lono", o quase desaparecido livro da dupla, no qual é detalhada uma viagem ao Havaí para cobrir a
maratona de Honolulu, seguida de uma estada na Grande Ilha na qual Thompson se tornou obcecado com a lenda
da deidade havaiana Lono, fazendo, usualmente, vários inimigos no processo. Não acontecem muitas coisas no livro:
o autor falha em cobrir a maratona, fica em uma casa de frente para o mar, de mau humor, sai várias vezes para
pescar e é só isso. Mas Thompson, como sempre, como um Laurence Stern do século XX, transforma o magro
material em uma hilária farsa repleta de ricas descrições e improváveis digressões cheias de perigo e envolvendo um
elenco de personagens excêntricos com os quais ele contracena em diálogos estranhos e divertidos. Ao longo da
história, o conhecido pandemônio de álcool e drogas que acompanham Thompson, além da violência casual e gastos
descomunais com o dinheiro dos outros prevalece. Publicado originalmente em 1983, o livro foi retirado das livrarias
logo em seguida e então relançado em 2005 pela editora Taschen em um número limitada de mil a um preço
extorsivo, todos eles assinados pelo autor e pelo artista. Thompson se suicidou apenas um mês após sua publicação.
Agora relançado pela Taschen em uma edição menor, em capa dura, mais barata mas ainda assim generosamente
onerosa. "Eu prefiro os formatos grandes, os quais parecem um gibi", diz Steadman. "Eu não podia acreditar quando
olhei para os desenhos dentro e vi 81 deles. Pareceu que alguém me roubou 25 anos da minha vida." Com uma
prolífica carreira já atingindo quase meio século, Steadman se tornou instantaneamente reconhecido, particularmente
na Inglaterra, pelo seu traço em desenhos satíricos e frequentemente grotescos retratando políticos, figuras públicas
e outros. Eles têm aparecido nas páginas de praticamente todos os jornais e revistas de lá. Ele também fez a arte para
vários clássicos, como Alice No País das Maravilhas, A Ilha do Tesouro e A Revolução dos Bichos, criando desde
ilustrações para livros infantis a embalagens de vinhos. Seu trabalho é cheio de humor selvagem mas já fez trabalhos
com temas mais sérios: Extinct Boids, por exemplo, é um livro que traz seus desenhos de espécies de pássaros que
não estão mais entre nós. Atualmente, está trabalhando em uma sequência, Nextinction, apresentando pássaros que
estão seriamente ameaçados. Ele também é tema de um recente documentário, "For no Good Reason". Esta é a
explicação padrão de Thompson, ele diz, se perguntasse por que estávamos fazendo algo. Mas foi seu início de
carreira com Thompson que o colocou em exposição. Eles eram uma dupla incomum e aparentemente incompatível
na maioria dos aspectos, exceto o artístico: Steadman detesta esportes e não usa drogas; Thompson era viciado em
ambos. Eles se conheceram ao trabalharem juntos em 1970, e o resultado foi o artigo "Kentucky Derby é Decadente e
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Degenerado", mais uma obra do novo estilo jornalístico de Thompson, conhecido como gonzo, no qual o assunto
principal é apenas pretexto para as peripécias do escritor. Steadman também ilustrou os dois melhores trabalhos do
escritor: Medo e Delírio em Las Vegas, de 1971, e Medo e Delírio na Campanha Eleitoral, de 1972. Steadman diz que
Richard Nixon foi seu personagem favorito para desenhar "porque ele era muito maligno e porque seu nariz era como
um maravilhosamente longo como um salto de esqui." The Curse of Lono, todavia, foi sua primeira colaboração
próxima. Steadman acompanhou Thompson pela maior parte da viagem, compartilhou crédito como autor e até
mesmo criou o título; Thompson queria um mais prosaico, The Hawaiian Diaries. Como resultado, existem muitos
desenhos de Steadman pelo livro e eles o mostram em suas diversas facetas: Thompson aparece totalmente como
Raoul Duke, com calças de aviador, cigarrilha, chapéu e, muitas vezes, misturado habilmente aos cenários locais e
aspectos da cultura havaiana. Duke é o fictício anti-herói e narrador da maioria das histórias de Hunter Thompson.
Há também diversas representações, desde esparsos desenhos em preto e branco a traços de pinturas clássicas, do
explorados Capitão James Cook, que alguns locais acreditam que quando ele visitou as ilhas era a reencarnação de
Lono, mantido no mito de que deixou a ilha em uma canoa mágica. Thompson, quando ele captura um marlin
gigante após uma série de pescarias fracassadas, cai vítima da mesma ilusão, como resultado as pessoas o ameaçam
de enxotá-lo da cidade e ele acaba fugindo para o tradicional santurário em City of Refuge. Segundo Steadman, "O
que cativou Hunter mais que qualquer coisa foi a ideia de Lono ir embora em uma canoa. Aquilo era um tipo de
liberdade que ele desejava". Thompson havia começado a ganhar inimigos logo no início da viagem, começando no
aeroposto quando eles chegaram graças à ajuda do amigo Gene Skinner, um daqueles personagens alarmistas, que
grita "Saia do caminho! Vocês quer ser morto?" para uma pequena criança que fica no seu caminho, e por ter jogado
do carro em movimento uma garrafa de cerveja matando um cachorro na rua, além de anunciar que "É hora de deixar
as drogas. Me deixam nervoso." A impopularidade do grupo aumentou quando, lembra Steadman em meio a um
ataque convulsivo de risadas, ele, Thompson e seu séquito cobriram a maratona colocando cadeiras no final do
percurso, bebendo pesadamente e perturbando os competidores, seguros de que eles não parariam para discutir.
"Corram mais rápido, seus bastardos preguiçosos", gargalha Steadman, fazendo uma interpretação de Thompson.
Steadman confessa que, ao logo de suas colaborações, ele mesmo também praticou uma série de ofensas,
principalmente porque os desenhos que ele fazia das pessoas eram tão deformados, distorcidos e grotescos que lhe
causaram vários desentendimentos. De fato, as pessoas costumavam ter a impressão errada de seu trabalho. "Elas
me falam: Achei que você seria péssimo. Mas eu colocava toda aquela fúria no papel, e na verdade, me sinto muito
bem. As pessoas me perguntam: "Você usa primeiro o lápis e então depois finaliza? E se errar? Mas não existe erro. É
uma oportunidade de fazer algo diferente. Isto é que a criatividade significa para mim. Você tem de começar em
algum lugar, então apenas começo. O próprio Steadman é apenas um dos vários personagens transformados em
caricatura em The Curse of Lono. Thompson deu ao cartunista uma grande quantidade de raiz de valeriana, um
sedativo natural, e então o levou a uma pescaria na qual eles colocaram uma vara de pescar gigantesca em suas
mãos e o disseram para segurá-la, porque a isca que estavam usando poderia ser engolida a qualquer momento por
um peixe do tamanho de um alce, que surgiria das profundezas como um míssil e partiria até a superfície da água a
setenta milhas por hora. Thompson construiu uma aura de ameaça no livro, uma ameaça violenta nunca distante. As
próprias ilhas eram um local perigoso, uma massa fervente de tensão racial e violência casual alimentada pelo
isolamento e pelo clima tropical. A possibilidade de uma catástrofe iminente atinge seu ápice em uma pescaria
noturna na companhia do dissoluto Capitão Steve e o ainda mais dissoluto primeiro imediato Ackerman, que termina
cheirando heroína, praticamente o único tóxico que Thompson não gosta. "Várias vezes, é a única maneira de evitar
matar os clientes". Eu balancei a cabeça, imaginando a longa noite à frente. Se o primeiro imediato constantemente
dava uma fungada no coquetel, o que não estaria fazendo o capitão?" A pescaria que resultou na captura do Marlin
por Thompson e os delírios estão na carta para Steadman, que havia retornado para casa, o momento capturado na
única foto do livro, na qual ele está próximo ao peixe segurando um símbolo samoano com o qual ele havia batido no
peixe até a morte. "Com grande inteligência, há sempre uma escuridão estranha e algo também cruel. Eu sei que ele
era doido. Mas as pessoas perguntam se ele era cruel. E ele nunca foi." O clímax do livro é também ilustrado por um
desenho de Thompson pendurado pelo pé. "Estou olhando agora uma imagem de Hunter como um peixe", diz
Steadman. Isso me fez voltar para ele. Uma boa relação de trabalho deve ter essa raiva criativa. Acho que chutamos
as bundas uns dos outros." celiosg Designer por formação, Técnico em Informática por necessidade, Empresário por
imposição e enfim estudante de Jornalismo, mas a história continua.... Saiba como escrever na obvious.
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