poesia/poema Um livro sobre a poesia visual de Wlademir Dias-Pino

Transcrição

poesia/poema Um livro sobre a poesia visual de Wlademir Dias-Pino
poesia/poema
Um livro sobre a poesia visual de Wlademir Dias-Pino
universidade federal do espírito santo
Departamento de Desenho Industrial
Projeto de Graduação 2
poesia/poema
Um livro sobre a poesia visual de Wlademir Dias-Pino
Priscilla Martins
2005205525
Vitória, es
Abril de 2011
Monografia apresentada ao Curso de Desenho Industrial/Programação
Visual do Departamento de Desenho Industrial do Centro de Artes da
Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a
obtenção do título de bacharel em Desenho Industrial/Programação Visual, orientada pelo Prof. Ms. Hugo Cristo e co-orientada pelo Prof. Dr.
Rogério Camara.
Comissão Examinadora:
____________________________________________________
Prof. Ms. Hugo Cristo (orientador)
Universidade Federal do Espírito Santo
____________________________________________________
Prof. Dr. Rogério Camara (co-orientador)
Universidade de Brasília
____________________________________________________
Profa. Dra. Gisele Ribeiro
Universidade Federal do Espírito Santo
Agradecimentos
Agradeço a todos que participaram direta ou indiretamente deste projeto, dentre eles meus pais, amigos, professores e colegas de curso. Agradeço especialmente ao professor Rogério Camara pelo convite para
realizar as pesquisas que se desdobraram neste trabalho, pela imensa
atenção dedicada e pela amizade que construímos. E também, a Wlademir Dias-Pino, por toda a insipiração que sua obra nos proporciona e
pela generosidade com a qual nos recebeu durante todos esses anos.
resumo
Desenvolvimento de projeto editorial que consiste na organização e no
design gráfico de um livro sobre a obra do poeta Wlademir Dias-Pino.
Serão apresentadas aqui todas as etapas deste processo, desde as primeiras
pesquisas realizadas durante programas de iniciação científica vinculados
à universidade, até o detalhamento projetual do produto desenvolvido.
Wlademir Dias-Pino é um dos pioneiros da poesia visual brasileira,
além de designer, ilustrador e pintor. Sua obra será apresentada em face
aos movimentos artísticos aos quais esteve vinculada e aos acontecimentos históricos marcantes dos períodos em que foram desenvolvidas. Após
este balizamento teórico, serão discutidos os aspectos gráficos de alguns
trabalhos que se destacam dentro de sua vasta produção artística a fim
de identificar referenciais teóricos e visuais relevantes que possam vir
a ser explorados no produto final. Em seguida, serão justificadas as razões pelas quais se optou pelo objeto livro como partido adotado para
o projeto e delimitados os conteúdos que integrarão este livro. Por fim,
serão detalhadas as escolhas relativas ao desenvolvimento do projeto que
determinaram sua funcionalidade e estética.
palavras-chaves
Design; poesia visual; texto; imagem; livro; meio.
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introdução
justificativa
objetivos
capítulo 1 Arte Concreta
Poesia Concreta
Design gráfico brasileiro (anos 1950-1960)
capítulo 2 Wlademir Dias-Pino
Poesia/Poema
Design/Artes
Poesia Visual/Design Gráfico
Livro-poema
A Ave
Solida
considerações preliminares
capítulo 3 Desenvolvimento do projeto
Definições iniciais
Formato
Tipografia
Grade
Padrões gráficos
Seções
Imagens
Elementos gráficos
Acabamentos
Papeis
Capas
Website
considerações finais
bibliografia
introdução
Este projeto, de caráter teórico/prático, foi organizado em quatro etapas
básicas: (1) estudo sobre as relações entre poesia visual e design gráfico
a partir da obra de Wlademir Dias-Pino, (2) definição do objeto a ser
desenvolvido (3) organização dos conteúdos que viriam a integrar um
livro organizado sobre a obra do poeta e (4) desenvolvimento do projeto
gráfico deste livro. Durante a primeira etapa, foi investigada a trajetória
artística de dias-pino e realizou-se uma análise qualitativa de algumas
de suas obras — evidenciando as metodologias empregadas e relacionando-as com os pontos-chaves do discurso construído pelo poeta —,
com a finalidade de mapear as principais referências teóricas e visuais
presentes em seus trabalhos. A segunda etapa consistiu na definição do
partido adotado para o projeto, quando se definiu que o objeto ideal a ser
desenvolvido seria um livro organizado. Na terceira etapa, realizou-se
a seleção dos conteúdos que integrariam o livro, direcionando a catalogação das obras para um determinado período da produção artística
de dias-pino. E, finalmente, na última etapa, desenvolveu-se o projeto
gráfico do livro e seu detalhamento técnico.
As obras de maior repercussão de dias-pino foram realizadas entre
as décadas de 1950 e 1970, quando o poeta integrou alguns movimentos de expressividade nacional e produziu as obras mais emblemáticas
de sua carreira — embora sua produção tenha se iniciado ainda nos
anos 1940 e se estenda até os dias atuais. As vanguardas poéticas daquele período, bastante influenciadas pelas artes de linhagem construtiva do início do século passado, destacariam o verbal e o visual como
elementos indissociáveis à produção de sentido. A esses poetas, então,
caberia trabalhar a dimensão gráfica da poesia, dar visualidade à palavra e definir a sua mise-en-page. Tais preceitos colocariam em questão o
livro enquanto único meio para se veicular a poesia. Poetas vinculados
a diversos segmentos da poesia experimental no Brasil põem em paralelo os vários campos da produção e estabelecem uma ação artística de
expressividade pioneira que assimila os múltiplos códigos e meios de seu
tempo. Os poetas do grupo Noigandres1, por exemplo, viriam a explorar
diferentes suportes como jornais, cartazes, vídeos e oralizações em suas
poesias. A Poesia Concreta estava sintonizada com as prospecções tecnológicas daquele período (anos 1950) e apontava para os novos meios de
comunicação audiovisual. Esses poemas indicavam a superação do livro
1. O grupo Noigandres, liderado pelos poetas Augusto de Campos, Haroldo de Campos e
Décio Pignatari, estava ligado à vertente paulista do Concretismo, oficialmente fundado no
Brasil em 1952 pelo grupo Ruptura. Os poetas Noigandres lançam também em 1952 a revista
homônima que inaugura o Concretismo na poesia, alcançando repercussão internacional e
colocando o Brasil à frente das vanguardas poéticas daquele período.
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como suporte instrumental do poema, vislumbrando as possibilidades
linguísticas da cibernética, da música eletrônica, da televisão e dos microcomputadores.
Segue-se a isso, a ideia de que a constituição do objeto-poesia responde à operação de uma lógica perceptiva intrínseca ao funcionamento
do texto2. Nesse sentido, a produção de dias-pino se diferencia em relação à poesia Noigandres, tendo como principal característica a exploração
das propriedades físicas do livro — o objeto resultante desta experimentação seria denominado pelo poeta como livro-poema3. dias-pino adotaria o livro de modo radical e inovador, transferindo o foco do objeto
para o ato de leitura. Dessa maneira, propunha uma leitura eletrônica
do poema, em substituição à leitura mecânica do cérebro humano e,
ainda, a adequação do livro tradicional à outros aparelhos de leitura. O
suporte, neste caso, se torna objeto da leitura, parte ativa e significante da
comunicação, não sendo mero suporte auxiliar e sem expressão sígnica.
A palavra ganha dimensão visual, tornando-se material e icônica. O livro
é tratado como elemento estrutural fundamental na construção do discurso e dos processos de relação com o leitor. Esse interesse exploratório
do meio pela conjugação signo/suporte abriria caminho para se pensar
na particularização dos diversos meios como suportes de escrita e leitura.
Reestrutura-se, assim, a condição linguística do livro diante à profusão
de novas mídias, caracterizando-o como meio insubstituível à certas produções poéticas. As principais obras de dias-pino durante a fase considerada Concreta são os livros-poemas A Ave e Solida, este último exposto
em 1956 na I Exposição Nacional de Arte Concreta ao lado de trabalhos de
diversos artistas ligados ao Concretismo na poesia e nas artes plásticas.
Além de sua faceta poética mais conhecida, dias-pino atua também
como designer, ilustrador e pintor. Em todos esses campos, ele investe
no pensamento visual e gráfico associado ao processo de leitura num
universo de imagens e à pessoalidade da ação do outro sobre sua obra.
Bastante crítico em relação à objetividade concretista, ele parte do uso
verbal-tipográfico para o gráfico-estatístico através de uma lógica probabilística e, em um segundo momento, chega a abrir mão da palavra ao
substituí-la definitivamente por outros códigos visuais dentro do poema.
Esses pressupostos seriam radicalizados nos anos 1960, quando, ao lado
de poetas que se mobilizaram de várias partes do país, funda o movimento poema/processo e teoriza a dissociação entre poesia (língua) e poema (linguagem), produzindo poemas estritamente visuais e voltados à
uma lógica de consumo.
Justificativa
A pesquisa que resultou na escolha do tema deste projeto teve início em
programas de iniciação científica que se estenderam durante três anos da
graduação e contaram com o apoio da universidade e do CNPq4. Com
a realização destes trabalhos foi possível estabelecer contato com a obra
dos poetas concretos, em especial com a de Wlademir Dias-Pino, assim
como identificar as relações dessas produções com o campo de estudo
e atuação do design gráfico. Foram desenvolvidos, ainda, dois websites
que, atualmente, consistem nas fontes mais completas de conteúdos relativos à obra de dias-pino 5 e dos demais poetas do movimento poema/processo6. Tendo em vista as possibilidades projetuais que esse tema
ainda oferece — por tratar-se de um objeto de estudo bastante relevante
para a poesia visual e para o design gráfico brasileiros, mas ainda pouco
difundido — estas pesquisas anteriores serviram de base para o desdobramento deste novo projeto.
Haja visto que dias-pino atua em diversos campos da arte — dispondo de numerosa produção em poesia, design, ilustração e pintura —
e participou de diversos movimentos artísticos ao longo de sua carreira,
fez-se necessário delimitar um determinado período de sua produção
para direcionar o desenvolvimento do projeto de maneira clara e organizada. Sendo assim, a fundamentação teórica e as experimentações realizadas pelo poeta acerca do conceito de livro-poema ofereceram campo
profícuo de aproximação entre a poesia visual e o design gráfico, além
de constituírem um ponto-chave no conjunto da obra de dias-pino,
tendo desdobramentos notáveis nos trabalhos que se sucederam a esta
formulação — não por acaso, este também é o período de produção mais
intensa e expressiva do poeta.
Como ficará evidente no capítulo de revisão teórica, o livro foi o principal objeto das investigações de dias-pino e o suporte através qual seus
resultados foram apresentados. Desde seus primeiros livros de poesias,
passando pelos inéditos livros-poemas e chegando à complexa articula-
2. A palavra texto, conforme a concepção dada pelos poetas visuais, será utilizada ao longo
deste trabalho para designar tanto textos verbais quanto textos visuais, levando-se em conta
a dimensão material da escrita nos mais variados tipos de suportes gráficos.
3. Em artigo publicado em autoria conjunta com Moacy Cirne na Revista Vozes em abril de
1971, dias-pino fundamenta a distinção entre poema-livro e livro-poema. Segundo os autores,
no poema-livro o suporte estaria subordinado ao poema e, dessa forma, seria possível utilizar
diversos meios para sua veiculação — algo reincidente em obras do grupo Noigandres. Já o
livro-poema não poderia perder a característica de livro, visto que exigia a exploração das
propriedades físicas deste material (as texturas e transparências da página, o formato, a relação entre uma página e outra, a sucessão de códigos analógicos e digitais, etc.), inaugurando
uma interatividade diversa com a obra. O primeiro exemplo de livro-poema seria, então, A
Ave, publicado em 1956 por dias-pino.
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4. Durante as pesquisas orientadas pelo professor Dr. Rogério Camara, foram estudadas
as relações entre as produções da Poesia Concreta e do design gráfico dos anos 1950-1960,
os trabalhos de dias-pino inseridos no Concretismo e, ainda, a sua produção e a de outros
poetas vinculados ao movimento poema/processo.
5. Página dedicada à obra e ao pensamento de dias-pino: www.enciclopediavisual.com
6. Página dedicada ao movimento poema/processo: www.poemaprocesso.com
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ção da Enciclopédia Visual7, sempre houve uma preocupação para além
do conteúdo poético e que toca diretamente o campo de atuação do designer gráfico, por onde o poeta também sempre transitou. Além do propósito de investigar as relações entre o processo poético e a metodologia
projetual na obra de dias-pino, este projeto naturalmente investiga a
evolução do objeto livro e seus desdobramentos contemporâneos frente
às novas mídias. Portanto, uma série de motivos contribuíram para a
escolha do livro como partido adotado: (1) O retorno positivo que as pesquisas anteriores obtiveram no meio acadêmico, devido ao caráter inédito dos estudos apresentados em artigos e congressos8; (2) A motivação
inicial de ampliar a divulgação da obra de dias-pino — assim como
já se iniciou com a publicação dos websites desenvolvidos; (3) Os novos
conteúdos que continuaram a ser disponibilizados pelo próprio poeta e
por outros estudiosos de sua obra e que vieram contribuir para a relevância de um novo projeto; (4) A escassez de publicações relativas à obra
de dias-pino e, especialmente sob a perspectiva do design gráfico, visto
que a literatura já publicada se restringe a retratar sua trajetória poética;
(5) A importância atual de se discutir as questões relativas ao livro e suas
adaptações às mídias digitais; (6) A possibilidade de que este livro venha
a ser efetivamente publicado e comercializado.
A partir desta definição inicial, o projeto pôde ser dividido em duas
etapas principais: (1) a seleção dos conteúdos que integrariam o livro —
que se consistiu no estudo mais aprofundado da biografia de dias-pino,
na catalogação dos materiais originais disponibilizados até então e na
determinação dos critérios de seleção do conteúdo final9 — e o desenvolvimento do projeto gráfico do livro — que se baseou nos conceitos
formais da bibliografia consultada sobre projetos editoriais e, especialmente, nas características gráficas das obras de dias-pino. O critério
de seleção dos textos e imagens do livro foi baseado na delimitação do
período mais relevante da produção do poeta, que ocorreu entre as décadas de 1950 e 1970, quando ele integrou os movimentos de Poesia Con-
creta e poema/processo e produziu as obras e conceituações teóricas que
norteariam toda sua produção subsequente. A partir desta delimitação
temática, os conteúdos foram organizados cronologicamente de forma a
remontar o discurso construído pelo artista através dos textos — sendo
selecionados apenas textos de autoria do próprio dias-pino 10 — e dos
(livros-)poemas realizados no bojo desses dois movimentos.
7. A Enciclopédia Visual consiste num acervo de recortes de imagens diversas distribuídas
em 1001 caixas, a partir do qual dias-pino realiza uma série de inscrições e publicações
temáticas a partir dos anos 1970, incluindo projetos gráficos de diversos livros e estudos
para o desenvolvimento de programas de identidade visual. Nesses livros, as narrativas são
construídas com elementos puramente gráficos, com poucas e pontuais inserções de palavras, geralmente relativas apenas às informações de editoria. A partir da distribuição aparentemente desordenada das imagens coletadas de toda ordem de impressos populares
em caixas sem informações indicativas de seu conteúdo, o poeta cria um sistema capaz de
acondicionar qualquer tipo de imagem e de gerar múltiplas possibilidades de inscrição e leitura. Ao contrário de uma enciclopédia tradicional, ordenada alfabeticamente, a organização
de uma enciclopédia visual pressupõe uma estrutura de articulação da informação na qual os
elementos se relacionam organicamente através de associações hipertextuais que emergem
da justaposição de imagens. O projeto desta enciclopédia foi retomado recentemente por
dias-pino, que atualmente dedica-se a ela.
8. Um dos artigos escritos durante as pesquisas foi premiado no 9º Congresso Nacional
de Iniciação Científica da Sociedade Brasileira de Design da Informação, congic 2009
— sendo selecionado também para publicação na revista eletrônica InfoDesign — e, ainda,
outros dois artigos foram premiados nas jornadas de iniciação científica da Universidade
Federal do Espírito Santo durante dois anos consecutivos, 2008 e 2009.
9. Este trabalho de catalogação e seleção do conteúdo final do livro foi realizado em parceria com o professor Dr. Rogério Câmara que foi também o orientador das pesquisas anteriores quando ainda integrava o quadro técnico do departamento de Desenho Industrial desta
universidade. Sua participação, portanto, não se restringiu à coorientação deste trabalho,
mas também foi determinante para a execução prática do projeto e, por este motivo, seu
nome consta como um dos organizadores do livro.
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10. Com o intuito de particularizar a participação de dias-pino nos movimentos citados,
foram desconsiderados os textos de terceiros sobre a sua obra.
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objetivos
Geral
Estudo da obra de Wlademir Dias-Pino, tendo como foco a questão do
livro-poema, de modo a ampliar o debate sobre as relações entre poesia
visual e design gráfico, assim como refletir sobre a função atual do objeto
livro.
Específicos
1. Continuidade às pesquisas anteriores ligadas ao programa de iniciação
científica da universidade;
2. Reflexão sobre a função atual do livro e suas adaptações frente às mídias digitais;
3. Desenvolvimento de projeto gráfico de um livro sobre a poesia visual
de dias-pino que amplie a divulgação de sua obra nos meios acadêmico
e editorial.
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capítulo 1 Arte Concreta
As vanguardas artísticas internacionais do início do século passado —
expressas em movimentos como o Futurismo, o Dadaísmo, o Construtivismo Russo, o De Stijl e a Bauhaus — que trataram, em modo geral, de
repensar as interfaces entre arte e indústria, constituíram as bases para o
surgimento do Concretismo e do NeoConcretismo a partir dos anos 1950
no Brasil. Especialmente após a I Bienal de São Paulo em 1951, que premiou a escultura Unidade Tripartida do arquiteto suíço Max Bill, a Arte
Concreta ganhou grande repercussão no circuito artístico brasileiro e foi
amplamente difundida no eixo São Paulo/Rio de Janeiro pelos grupos
Ruptura e Frente, liderados por Waldemar Cordeiro e Ivan Serpa, respectivamente. No cenário político nacional, essa é uma década de grande
otimismo econômico e de corrida pela industrialização do país, em especial durante o governo jk (1956-1961), tendo como símbolo a construção
da capital Brasília.
Enquanto vanguarda, a Arte Concreta dispôs-se a instaurar nova ordem sobre as estruturas consideradas antiquadas ao mundo moderno,
idealizando uma sociedade igualitária através de respostas lógicas para
os problemas emergentes dos centros urbanos em desenvolvimento. Para
tanto, dialoga nas artes plásticas, no design, na poesia e na publicidade
com a produção industrial, assimilando elementos culturais dos mass
media e visando tornar a arte acessível através da produção seriada.
Unidade Tripartida, Max Bill, 1951.
“A postulação, já clássica: a forma segue a função, envolvendo a
noção de beleza útil e utilitária, significa a tomada de consciência
do artista, tanto artística quanto economicamente, frente ao novo
mundo de produção industrial em série, no qual, et pour cause, a
produção artesanal é posta fora de circulação, por antieconômica,
anacrônica, incompatível e incomunicável com aquele mundo impessoal, coletivo e racional, que passa a depender inteiramente do
planejamento, em todos os sentidos, níveis e escalas.”
(pignatari, 1957)
Poesia Concreta
O Concretismo se estenderia das artes plásticas para a poesia. A Poesia
Concreta surge do que o poeta simbolista Stéphane Mallarmé denominaria de “crise do verso”, influenciada pela difusão de impressos destinados à publicidades e jornais — não mais restritos, portanto, ao meio
literário —, e consequentemente, às composições tipográficas destina-
Manifesto Ruptura, 1952.
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O Futurismo foi lançado pelo poeta italiano
Fillipo Marinetti em 1909. O movimento demonstrava um entusiasmo pelas condições
de vida do início do século xx, dominadas
pela atmosfera bélica, a era da máquina, a
velocidade e o barulho das cidades modernas. Os poetas futuristas pregavam a parole
in libertà, ou palavra em liberdade, com o
intuito de fundir poesia e pintura através da
exploração da materialidade da tipografia.
As páginas eram compostas com tipos em
diferentes corpos, pesos e estilos dispostos
em uma sintaxe fragmentada que conferia
ritmo e expressividade às palavras.
O Dadá surgiu como um movimento literário
liderado pelo poeta Tristan Tzara em 1915 e
se estendeu para as artes visuais. Bastante
influenciado pelas técnicas do Futurismo, O
Dadá reagia ao horror da Primeira Guerra
Mundial através do protesto e da exploração do aleatório, rejeitando toda a tradição
artística em busca de uma completa liberdade expressiva. Seus artistas exploravam
a composição tipográfica e a disposição das
imagens de forma desregulada, assim como
a apropriação de materiais de origem popular diversa para a elaboração de colagens e
fotomontagens com justaposições casuais,
porém planejadas.
O De Stijl foi lançado em 1917 na Holanda por Theo Van Doesburg,
a quem aliou-se, dentre outros, o pintor Piet Mondrian, cuja pintura
influenciou a elaboração da filosofia do movimento. O De Stijl seria
a principal influência da arte Concreta, termo, inclusive, usado por
Van Doesburg para definir as características desta nova pintura que
se opunha às artes abstratas, livre da representação do mundo real
— segundo ele, o que uma pintura teria efetivamente de concreto
seriam suas linhas, pontos, cores e planos. Suas formas caracterizavam-se pela redução dos elementos gráficos ao mínimo essencial,
em busca de uma arte “pura e universal”. Predominava o uso de cores primárias, linhas verticais e horizontais e divisões matemáticas e
assimétricas do espaço.
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O Construtivismo Russo foi um movimento
artístico de cunho político-social iniciado a
partir de 1917 e impulsionado pela revolução
operária na Rússia. Seus integrantes renunciavam a “arte pela arte” em favor de uma
comunicação visual voltada para a defesa
dos valores revolucionários comunistas.
Destaca-se o trabalho do arquiteto e designer El Lissítzki que lançava mão de estruturas rigidamente reguladas por grids, tipos
sem serifa, fios grossos e experimentações
fotográficas na composição de leiautes dinâmicos e de caráter popular e didático para
cartazes e livros.
A Bauhaus foi uma escola de design idealizada por Walter Gropius e
inaugurada em 1919 na Alemanha. Os ideias de diversas tendências da
vanguarda europeia foram assimilados e aplicados à produção industrial em série, determinando uma metodologia e um estilo que influenciariam toda a arquitetura e o design industrial e gráfico modernos.
Os materiais eram empregados de forma racional e programada no
projeto de produtos econômicos, funcionais e de grande valor estético, destinados à reconstrução de uma Alemanha devastada pela
guerra. A escola passaria por um série de reformulações teóricas até
o seu fechamento em 1933, mas suas realizações e influências, especialmente no ensino do design, ecoam até os dias de hoje.
das a estes usos no final do século
xix 11. Mallarmé publicou em 1897
o poema Un Coup de Dés, composto por uma família tipográfica
que variava em pesos e corpos de
letras dispostas numa sintaxe espacializada análoga à de partituras musicais, conferindo ritmo e
entonação à leitura do poema. Esta
obra viria a ser uma das principais
referências dos poetas concretos
brasileiros, que se tornariam, então, pioneiros desta vertente artística que se destacaria frente às
vanguardas literárias de seu período e alcançaria repercussão in- Páginas de Un Coup de Dés (Um lance de dados), 1897. Mallarmé usa expressivamente a tipografia, dispersando os silêncios do poema ao longo das páginas do livro. Esta configuração visual
ternacional.
o interesse que poetas e pintores do século xx teriam por explorar criativamente a
Em 1956 acontece a I Exposição antecipa
materialidade da página impressa.
Nacional de Arte Concreta no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Nesta ocasião, um grupo de poetas apresenta seus poemas-cartazes ao lado de pinturas e esculturas de
diversos artistas ligados ao Concretismo nas artes plásticas. Este grupo
era formado pelos poetas Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Ronaldo Azeredo — que integravam o grupo Noigandres
—, Wlademir Dias-Pino e Ferreira Gullar. Embora compartilhassem
dos princípios linguísticos/formais que originaram a Poesia Concreta,
algumas diferenças relevantes podem ser notadas nos trabalhos destes poetas, que consequentemente, viriam a motivar o rompimento de
dias-pino e Ferreira Gullar com os poetas Noigandres. Segundo Álvaro
de Sá (1975), seria possível classificar a Poesia Concreta em três vertentes
distintas: (1) A fenomenológica (ou simbólico-metafísica), cujo principal
representante foi Ferreira Gullar, defendendo uma posição mais intuitiva e subjetiva que, mais tarde, desembocaria no NeoConcretismo. (2)
A espacional (ou de linguagem matemática), apresentada por Wlademir
Dias-Pino, precursora do livro-poema e do movimento poema/processo.
(3) A de rigor estrutural, compreendendo os integrantes do grupo Noigandres e seus continuadores.
Em 1958, os poetas Noigandres lançam na edição nº 4 de sua revista
homônima, o Plano-piloto para Poesia Concreta — em alusão ao planopiloto de Brasília —, manifesto que delineava os pontos fundamentais do
movimento e suas principais referências. A poética desse grupo procurava
resignificar a leitura através da exploração simultânea das três dimensões
materiais da palavra: verbal, vocal e visual (poesia verbivocovisual), com
o intuito de situar a poesia junto à outras artes como a pintura e a música.
Os poetas Noigandres lançavam mão das cores, da tipografia, dos espaços
em branco da página e de inúmeros jogos de palavras (caracterizados por
aliterações, assonâncias e pela ausência de conectivos linguísticos) como
elementos visuais significantes que indicam “vozes, timbres e roteiros de
11. No século xix surge a denominação Gótico para designar letras sem serifa de aparência
estritamente frontal numa abordagem desumanizada e racional do desenho tipográfico tradicional. Estes tipos seriam rapidamente adotados pela publicidade, especialmente em jornais
e cartazes, que exigiram uma adaptação da confecção de tipos metálicos para tipos talhados
em madeira, permitindo variantes em corpos maiores. (lupton, 2006)
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leitura associativa” dando “ordem à aparente desordem da composição”
(menezes, 1991), cuja sintaxe fragmentada rompe com a estrutura imóvel do verso e da linguagem linear/discursiva ocidental.
“Poesia Concreta: produto de uma evolução crítica de formas.
dando por encerrado o ciclo histórico do verso (unidade rítmicoformal), a Poesia Concreta começa por tomar conhecimento do espaço gráfico como agente estrutural. espaço qualificado: estrutura
espaciotemporal, em vez de desenvolvimento meramente temporístico-linear.” (trecho do Plano-Piloto para Poesia Concreta, grupo
Noigandres, 1958)
Páginas de O Formigueiro de Ferreira Gullar, também apresentado na exposição de 1956. O poema consiste na atomização da frase “a formiga
trabalhava na treva a terra cega traça o mapa do ouro forno maldita urbe” ao longo das 50 páginas do livro.
Primeiras versões em cartaz do poema Solida de Wlademir Dias-Pino
exibidas na exposição de 1956. Ao contrário dos demais concretos,
dias-pino preocupava-se com questões relativas à recodificação do
texto. Este projeto ganharia uma nova versão em livro-poema homônimo, em 1962, prolongando a experiência do poema em cartaz através
da materialidade do livro.
Poema Nossos dias com cimento, integrante da série Poetamenos realizada por Augusto de
Campos em 1953. Esta série é emblemática dos referenciais teóricos do Concretismo que
vinham sendo elaborados pelo grupo Noigandres. Destacam-se as características do verbivocovisual, ou seja, da exploração da palavra em suas instâncias verbal, sonora e gráfica. No
texto de introdução da série, Augusto de Campos escreve: “mas luminosos, ou filmletras,
quem os tivera!”, demonstrando a intenção de adaptação dos poemas para outras mídias
além do livro.
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Poema Tensão de Augusto de Campos,
exposto na I Exposição Nacional de Arte
Concreta em 1956. Num segundo momento,
a poesia Noigandres dispensaria o uso de
cores e exploraria a sintaxe das letras e palavras através de rebatimentos de sons e
formas que conferem ritmo e movimento ao
poema — documentados pela geometria do
tipo Futura, bastante utilizado pelos poetas
por favorecer uma fisiognomia das formas.
Design gráfico brasileiro (anos 1950-1960)
Assim como às vanguardas artísticas, o contexto
político e econômico dos anos 1950 influenciaria definitivamente o design gráfico brasileiro — não por
acaso, os movimentos artísticos de linhagem construtiva que influenciaram a gênese da arte Concreta também ajudaram a definir a prática profissional do design (no contexto internacional, durante o período entre
guerras na Alemanha com a Bauhaus e, posteriormente, com a Escola
Superior da Forma em Ulm12). Aqui no Brasil, sob a influência das escolas alemãs, surgem em 1951 o Instituto de Arte Contemporânea do masp
- iac/masp, pioneiro na oferta de disciplinas de design e, mais tarde, em
12. A Escola de Ulm (1952-1968) foi responsável pela revitalização do ideal bauhausiano
durante o segundo pós-guerra. Embora houvessem diferenças nos projetos pedagógicos
das escolas, ambas acreditavam no papel socializador do design de tornar a arte acessível
através da produção em série. Alexandre Wollner, após estudar no iac/masp, ganharia uma
bolsa de estudos para a Escola de Ulm e, quando de volta ao Brasil, empregaria os ensinamentos da escola na elaboração e fundação da esdi, onde também lecionou.
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1963, a Escola Superior de Desenho Industrial – esdi no Rio de Janeiro.
Ainda no contexto da Arte Concreta, estavam ligados ao grupo Ruptura
— vertente paulista do movimento —, dois dos designers brasileiros pioneiros: Geraldo de Barros e Alexandre Wollner, que, em 1958, fundaram
juntamente com Ruben Martins e Walter Macedo, o primeiro escritório
de design do país, o FormInForm, responsável pelos primeiros projetos
de identidade visual para empresas nacionais.
Identidades visuais criadas pelo FormInForm.
“A partir da confluência dos propósitos da Bauhaus, das campanhas De Stijl (1917-32), das ideias construtivistas (1910), do Dadaísmo (1916-24), da teoria Gestalt e da evolução do posicionamento
da arte face ao desenvolvimento industrial, vão-se estruturando
atribuições especificas do profissional de artes gráficas, que passa
a penetrar na função dos elementos visuais para solucionar problemas de legibilidade e percepção sem, contudo, abandonar a preocupação da peça única e raramente enfrentando a totalidade do
conjunto dos meios de comunicação”
(wollner, 1983)
Observa-se, portanto, que a formação do design gráfico moderno
no país esteve sintonizada com os ideais do funcionalismo internacional disseminados, principalmente, pelas escolas alemãs, que pregavam
a economia de recursos a serviço de uma comunicação visual mais eficiente e rápida, dispondo das possibilidades (tipo)gráficas de forma racional e programada. Dessa maneira, os produtos dessas manifestações
(artes plásticas, poesia e design) aproximam-se não apenas metodologicamente, mas formalmente, definindo um estilo que influenciaria as
produções visuais das décadas seguintes. Ao desenvolver uma metodologia própria de construção do poema, que deveria tanto comunicar
sua estrutura quanto ser comunicado por ela, e ao preocupar-se com a
difusão desta produção em escala industrial (poesia-cartaz) em tantos
suportes quanto possíveis13, a composição de uma poesia Concreta aproxima-se da construção de um objeto de design — produto de um projeto
que visa atender à funções específicas e comunicar-se através de seus
valores estéticos. Assim, Poesia Concreta e design gráfico assemelhamse ato projetual de busca pela síntese a elementos mínimos que facilitem
a veiculação e o entendimento do máximo de informações relevantes a
respeito de um determinado conceito/tema. Nesse sentido, é possível observar algumas características análogas em trabalhos de design e poesia:
• Exploração da materialidade do texto, preocupada com a sutileza do
desenho tipográfico enquanto agente estrutural e significante — predominância de tipos não-serifados que favorecem a fisiognomia geométrica;
• Uso funcional das cores, geralmente empregadas com economia —
restrição às cores primárias — e pensadas para atender às especifi-
cações da reprodução seriada, assim como estabelecer relações de significado entre os elementos gráficos;
• Desdobramentos de formas geométricas sobre grades construtivas
(grids) — derivadas dos pressupostos funcionalistas que determinam
funções objetivas a cada objeto ou às suas partes.
• Exploração da materialidade do suporte gráfico através da distribuição funcional dos espaços em branco, resultando numa “higiene”
gráfica que regula a sintaxe visual estabelecida entre cada elemento
compositivo.
Exemplos de produções de design e poesia realizadas por artistas
vinculados ao Concretismo: Anúncio para Desinfórmio (1960) de Ruben Martins e Décio Pignatari, Logotipo Prefasa (1976) desenhado
por Alexandre Wollner e poema Terra (1956) de Décio Pignatari.
13. É importante ressaltar que essas características gerais da Poesia Concreta estão mais
associadas à poesia Noigandres do que à obra dita Concreta de dias-pino, cujos preceitos
não são tão rigorosos e não estão voltados necessariamente para uma produção em grande
escala, como será detalhado no capítulo seguinte.
30
p oesia /p oema Um livro sobre a poesia visual de Wlademir Dias-Pino | 31
capítulo 2 Wlademir Dias-Pino
Poesia/Poema
Nascido em 1927 no Rio de Janeiro e onde reside atualmente, dias-pino
publica nos anos 1940 e 1950 seus primeiros livros poéticos, produzidos
artesanalmente em Cuiabá — para onde se mudou ainda criança com os
pais14. Nesses primeiros livros, a desconfiança de quem assiste a significativos avanços tecnológicos15 já se apresenta tanto na temática quanto na
sintaxe dos poemas — que já exploravam a horizontalidade da página e as
possibilidades expressivas da tipografia —, revelando um poeta impressionado com a presença cada vez mais cotidiana da máquina: “Que pluma
esses dentes / de engrenagem até ao tédio / tamanho mapa, mapa de ferro
/ ruminando que raiva igual / toda andaime logo de febre / e também aço
outras coisas / quase humana, quase hélice”. (dias-pino, 1955). Dentre os
volumes publicados neste período estão os títulos A fome dos lados (1940),
A máquina que ri (1941), Os Corcundas (1954) e A máquina ou a coisa em si
(1955). As publicações datadas a partir de 1951 são classificadas pelo poeta
como pertencentes ao movimento Intensivista, então fundado neste ano
por dias-pino juntamente com o escritor e historiador Rubens de Mendonça e com Othoniel Silva, tendo como órgão divulgador o jornal Sarã.
Em manifesto, dias-pino rearticula os ideais simbolistas, que, em
sua perspectiva, estariam presos à uma única dimensão da imagem, e
Wlademir Dias-Pino.
Páginas de A máquina que ri, escrito e editado por dias-pino em 1941. A expressividade da tipografia e o movimento da paginação já são
explorados como elementos intrínsecos à significação poética.
14. O pai de dias-pino, anarquista e tipógrafo da Imprensa Nacional, por motivos políticos se
muda com a família para o Mato Grosso.
15. A partir do início da década de 50, os primeiros computadores passam a ser comercializados e, também neste período, a tv chega ao Brasil.
p oesia /p oema Um livro sobre a poesia visual de Wlademir Dias-Pino | 33
propõe um “simbolismo duplo” — “Além da imagem
está outro significado poético” (dias-pino, 1982). Para
ele, o simbolista opera sobre o plano da língua, enquanto o intensivista visa alcançar outras dimensões
imagéticas. Familiarizado com o relevo dos clichês
tipográficos e contrário ao sentido essencialmente
frontal do código alfabético, dias-pino declara: “A
escrita é frontal! A escrita é perfil! (...) O simbolista é
um desenhista e o intensivista é um escultor. A escultura é um desenho de todos os lados” (Ibid.). Em sua
obra, o código semiótico é indissociável do código
linguístico e requer uma leitura ativa, pautada por
deslocamentos.
No ano seguinte à criação do Intensivismo, em
1952, dias-pino transfere-se para o Rio de Janeiro e
começa a editar o livro-poema A Ave, que seria concluído e lançado apenas em 1956. Neste mesmo ano
(1956), viria a ser convidado para participar da I Exposição Nacional de Poesia Concreta — que ocorreu
em São Paulo e, no ano seguinte, no Rio de Janeiro,
alcançando grande repercussão nacional. Nesta mostra, dias-pino apresentou as primeiras versões em
cartazes do poema Solida, que ganharia nova versão
em livro-poema em 1962 — e que, juntamente com A
Ave e Numéricos (1960-61) integra sua produção classificada como Concreta16. Ao lado de dias-pino foram
apresentadas obras do grupo Noigandres e de Ferreira
O poema Dia da cidade (1948) apresenta um tipo de fisiognomia que
Gullar, no campo da poesia, e de artistas ligados aos
antecipa formalmente a visualidade da Poesia Concreta. As linhas
grupos Frente e Ruptura, no campo das artes plásverticais e horizontais desenham um mapa que, mais do que dispor
ticas. Nesta ocasião, foram exibidas lado a lado progeograficamente as palavras no espaço, visam operacionalizar as opduções de poesia, pintura e escultura, reafirmando o
ções de leitura do texto.
caráter objetual da Arte Concreta. No entanto, apesar
dos pressupostos gerais do movimento serem compartilhados entre os
poetas que participaram da mostra, o trabalho de dias-pino apresenta
características bastante peculiares diante da produção dos demais poetas. Para ele, o poema, em sua concepção, permitiria, ao contrário da poesia, o acesso à uma nova imaginação desvinculada da escrita alfabética
e da oralidade. O poema como exercício de criação de linguagem estaria
afinado com a programação dos meios e aparelhos então nascentes.
Os processos de recodificação da palavra em outros signos visuais e
a importância da ação do leitor sobre o poema — principais características dos livros-poemas de dias-pino produzidos durante este período
—, radicalizam os postulados da Poesia Concreta e abrem precedentes
para o desenvolvimento de uma poesia semiótica que culminaria, mais
tarde, em um terceiro movimento que o poeta ajudaria a formular: o poema/processo. Liderado por dias-pino, Álvaro de Sá e Moacy Cirne, o
movimento foi lançado em 1967 simultaneamente no Rio de Janeiro e no
Rio Grande do Norte, mas contou com a participação de poetas de todas
as partes do Brasil. Embora ainda influenciados pelas teorias da Poesia
16. Apesar de comumente citado na bibliografia como livro-poema concreto, dias-pino
afirma em entrevista que A Ave estaria mais vinculado ao Intensivismo do que propriamente
ao movimento da Poesia Concreta.
34
Concreta, buscava-se, neste novo movimento, uma alternativa à poesia
fundada estritamente na palavra. Evitava-se, assim, a determinação de
dogmas rígidos para a composição poética. Os poetas procuraram alcançar maior abrangência adotando como estratégia o princípio da arte
postal (Mail Art), enviando suas produções aos organizadores que as
distribuíam em envelopes e publicavam todo o conteúdo recebido, sem
critérios de curadoria, juntamente com textos teóricos do movimento.
Os poemas processualistas eram compostos através de técnicas mistas de colagem de textos e imagens, a partir dos mais diversos tipos de
materiais gráficos (livros, revistas, jornais, publicidades, tecidos e pequenos objetos) aliados à intervenções gestuais como caligrafias, desenhos
e gráficos. Dessa forma, os poemas evidenciam a mecânica da composição poética, constituindo não apenas um esforço de renovação estética e
um aprimoramento dos códigos visuais, mas também o intuito político
de emancipar a comunicação da tutela do código alfabético, sugerindo
outras possibilidades de comunicação para além do verbal. A principal
formulação do movimento estaria na dissociação entre poesia (língua) e
poema (linguagem), que, num segundo momento, impulsionaria a produção de poemas estritamente visuais e voltados para uma lógica de consumo, chegando a dispensar o uso de palavras.
A produção artística de dias-pino dentro do poema/processo se
apresenta basicamente em duas direções: colagens e imagens derivadas
da sobreposição de retículas. Nas colagens, as imagens são apropriadas
de jornais e revistas, reforçando o caráter político do poema — visto que
regimes autoritários, como a ditadura vigente naquele período, usam
como arma a censura da informação. Ao mesmo tempo em que esses periódicos vinculam-se a um momento histórico específico, sua aplicação
em trabalhos artísticos aponta para o problema da circulação e construção da informação e da recepção num sentido mais amplo. Já os poemas que resultam puramente das combinações de retículas, radicalizam
questões já pautadas na Poesia Concreta: a transformação da palavra em
superfícies quantitativas, números e programação. Os livros-poemas já
sugeriam imagens derivadas de quantificações relacionadas, uma arte
digital incipiente, ou “computador de bolso” — na expressão de Álvaro
de Sá sobre A Ave. A retícula nada mais é do que a imagem digitalizada,
sua tradução binária para máquina.
Paralelamente às publicações poéticas, dias-pino construiu ao longo
de sua trajetória artística um riquíssimo acervo imagético que constitui
o mais ambicioso de seus projetos, denominado de Enciclopédia Visual.
Esta consiste num vasto arquivo de recortes de imagens a traço (monocromáticas) das mais diversas origens (todo o tipo de impressos populares), catalogadas e distribuídas em centenas de caixas num dos cômodos
de sua casa. O arquivo tanto funda um peculiar sistema de classificação
imagética — visto que o próprio termo Enciclopédia remete à uma organização fundada no caráter sequencial do alfabeto, e, portanto inviável
para a classificação de imagens — quanto serve à execução de diversas
obras e publicações temáticas a partir dos anos 1970 até os dias atuais,
e, com a ambição de chegar a 1001 volumes. Este acervo funciona como
uma espécie de “caixa tipográfica” de imagens, a partir da qual qualquer
inscrição pode ser feita pelo poeta. Um desdobramento mais recente da
Enciclopédia de dias-pino foi a exposição Sétimo Elogio do A//a, apresentada em Brasília em 1993. A obra apresenta uma série de composições
baseadas na estrutura formal da letra a, enquanto paradigma de todo o
Páginas de Alfabismo, poema/processo de
Álvaro de Sá, 1967. Neste poema é possível
acompanhar um processo de recodificação
das letras em outros códigos que, por fim,
interagem autonomamente sem referência
com o alfabeto inicial.
p oesia /p oema Um livro sobre a poesia visual de Wlademir Dias-Pino | 35
Poemas processualistas de dias-pino.
alfabeto. Já no título17, o poeta protesta contra a ditadura do código alfabético enquanto linguagem legítima da comunicação humana e explora
a letra em sua visualidade, formas e volumes análogos à arquitetura.
Como fica evidente, desde o início de sua atuação poética, dias-pino
elege o livro como objeto de estudo e meio através do qual seus questionamentos sobre as linguagens verbal e visual se apresentam. No entanto,
apesar de geralmente citado na bibliografia como poeta visual, a obra
de dias-pino não se restringe à poesia, mas se apresenta numa vasta
produção também em design gráfico, pintura e ilustração — que em nenhum momento parece dissociar-se de sua consciência poética. Em seus
trabalhos, palavra e imagem servem a um mesmo propósito didático de
informar e criar novos significados através de associações livres do pensamento e de metáforas poéticas.
Páginas do livreto Brasil meia meia de dias-pino, publicado na Revista Ponto 1 em 1966. As colagens tinham a intenção didática de demonstrar através do peso e do copo tipográficos as reincidências estatísticas de determinados temas retratados nos jornais daquele ano.
17. A palavra elogio contida no título da obra denota elogio fúnebre, epitáfio.
36
p oesia /p oema Um livro sobre a poesia visual de Wlademir Dias-Pino | 37
Design/Artes
Filho de tipógrafo, desde a infância dias-pino tem contato com o universo editorial e as sutilezas do trabalho (tipo)gráfico. Essa influência
se mostraria ainda cedo na sua poesia e, mais tarde, no trabalho como
designer. Apesar de menos conhecida do que a obra poética, sua produção em design gráfico e ilustração é bastante expressiva e esteve ligada,
em vários momentos, a uma forte atuação política que se refletia diretamente no resultado dos projetos. Com pouco mais de 20 anos de idade,
dias-pino lançaria em parceria com o poeta Silva Freire o jornal Arauto
de Juvenília, em 1949, com o objetivo de publicar jovens poetas. Com a
fundação do Intensivismo, lança em 1951 o jornal Sarã como órgão divulgador do movimento. A produção editorial do grupo Intensivista demandaria, então, a criação de uma pequena gráfica e editora em Cuiabá,
batizada de Igrejinha e, através da qual, dias-pino editaria vários de
seus livros de poesias. Em 1952, já no Rio de Janeiro, funda o jornal Japa,
também ao lado de Silva Freire.
No mesmo período em que participa da Poesia Concreta, o poeta integra o movimento estudantil e desenvolve o projeto gráfico da Revista
Movimento, publicada pela União Nacional dos Estudantes a partir de
1957. As influências do Concretismo são notáveis nos trabalhos gráficos
desse período — além de Movimento, dias-pino projeta a revista Brasil
Constrói, publicada pelo Ministério dos Transportes e desenvolve a primeira decoração geométrica para o carnaval de rua do Rio de Janeiro, em
1958. Na década seguinte, dias-pino se dedica ao poema/processo, cuja
intensa produção era organizada e publicada em revistas-caixas ou envelopes e distribuídas pelas correios. As publicações mais expressivas foram
as revistas Ponto 1 e Ponto 2, com poemas e textos teóricos do movimento.
Algumas composições da exposição Sétimo Elogio do A//a, 1993.
Página dupla da Revista Movimento com texto e editoração de dias-pino. No texto, o poeta faz analogias entre a arquitetura de Brasília e a
Poesia Concreta, contextualizando essas manifestações com o espírito modernista predominante durante o período do governo jk.
Em 1974, juntamente com João Felício dos Santos, dias-pino edita e
publica o livro A marca e o logotipo brasileiros, com posfácio de Antônio
Houaiss. Este livro seria o primeiro volume da Enciclopédia Visual de
dias-pino e previa a publicação de outros nove volumes complemen38
p oesia /p oema Um livro sobre a poesia visual de Wlademir Dias-Pino | 39
Páginas de A marca e o logotipo brasileiros, de 1974. O livro se estrutura em capítulos de pesquisas iconográficas acerca de determinados
temas que abrem caminho para um apanhado de símbolos e logotipos de diversas marcas brasileiras.
Páginas da Revista Movimento, com projeto gráfico e editoração desenvolvida por dias-pino para a une em 1957. É possível notar na mancha
gráfica e nos grafismos, o predomínio de formas geométricas, o arejamento espacial da página e o emprego de cores saturadas, características estéticas do Concretismo.
tares, até então não publicados. Através de um vasto panorama do pensamento gráfico ao longo da História e com uma ordenação estrutural
simples, esse livro alcança uma síntese da realidade do logotipo brasileiro até a data de sua publicação.
“O livro, assim, diagramado em ativa operação mental – e aqui
o visual é, efetivamente, à Leonardo Da Vinci, cosa mentale -, se
torna um desafio ao usuário, propondo-lhe associações, oposições,
conexões, correlações, dissociações, simplificações, atomizações,
conglomerações, análises, sínteses, expansões, contrações, dispersões, compactações, com problemas que transcendem o teorético da
Gestalt, do behavior, do abissal”.
(houaiss, posfácio de A marca e o logotipo brasileiros, 1974. s/p.)
Páginas da Revista Brasil Constrói, com projeto gráfico de dias-pino para o Ministério
dos Transportes, 1960.
40
Levando adiante o projeto da Enciclopédia Visual, nos anos 1990
dias-pino publica alguns livros que se definem pelo caráter estritamente visual das narrativas. Este projeto prevê a publicação de 1001 volumes temáticos, definidos a partir da organização da própria Enciclopédia
— dias-pino denomina como naipes os blocos conceituais que agregam
cada grupo de imagens nas caixas e consequentemente se desdobram nas
publicações. Nestes livros, as poucas e pontuais inserções de textos verbais geralmente são relativas apenas às informações de editoria. Dentre
os volumes já publicados estão os títulos Pré-história: uma leitura projetada, Escritas arcaicas, Naquele flutuar das escritas caligramas, Febres do
capricho e A lisa escolha do carinho.
De 1973 a 1978, dias-pino atua como pesquisador e programador
visual na Universidade Federal do Mato Grosso. Durante esse período
desenvolve uma série de trabalhos gráficos envolvendo programas de
identidade visual, projetos gráficos de jornais, folders e cartazes para
divulgação de eventos culturais da universidade. Dentre os projetos de
identidade visual estão um estudo para desenvolvimento de nova marca
Páginas de Naquele Flutuar das escritas caligramas, livro integrante da Enciclopédia Visual, característico pelas narrativas puramente gráficas construídas a partir do acervo imagético de dias-pino.
Cartazes desenhados por dias-pino para a ufmt.
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Páginas do manual de identidade visual desenvolvido para o governo do Mato Grosso do Sul. Os símbolos das secretarias e órgãos vinculados ao governo são desenhados a partir do desdobramento das formas do hexágono e da estrela.
Ensaio plástico-poético concebido por dias-pino para exposição integrante do III Fórum Brasília de Artes Visuais, 1994.
Série Direcional, pinturas realizadas por dias-pino em 1952.
Ilustrações da série Humor da Linha.
42
para a ufmt e um programa completo para o governo do Mato Grosso
do Sul, encomendado por ocasião da fundação do estado.
dias-pino desenvolveria ainda projetos gráficos para alguns livros
de outros autores, dentre eles Os oleiros (1975) de Silva Freire, com projeto gráfico que remete aos trabalhos realizados durante o Concretismo;
projeto gráfico-poético para Armas do tempo (1975) de Geraldo Dias da
Cruz; pesquisa iconográfica e edição do livro Sátira na política do Mato
Grosso (1978) de Rubens de Mendonça; ensaio plástico-poético para o
livro bilíngue Cidade Imaginada (1994), articulando diversas concepções
de espaços urbanos.
Embora o foco deste trabalho sejam as produções de dias-pino
como poeta e designer, é importante ressaltar sua atuação como vitrinista, decorador de carnaval, ilustrador e pintor — e que em todas essas
áreas é possível encontrar congruências com suas obras de poesia e design. Nota-se, portanto, a tendência de fazer convergir diversos campos
artísticos em cada trabalho, não limitando a poesia à palavra, a pintura
ao quadro e etc.
Poesia visual / Design gráfico
Além da consciência poética que permeia toda a produção de dias-pino,
os índices da composição manual de seus trabalhos são características
marcantes que definem estilo e identidade à sua obra. A partir da observação e da análise dessas características, portanto, é possível estabelecer
algumas aproximações entre essas produções. No entanto, para ampliar
a compreensão dessas aproximações também conceitualmente, deve-se
levar em conta as metodologias de desenvolvimento. No campo do design, essa análise é facilitada pela natureza própria da disciplina, baseada
no desenvolvimento claro de metodologias para execução de projetos. Na
poesia, no entanto, a ideia de uma metodologia para a composição poética
surge precisamente no contexto da Poesia Concreta e se radicaliza, mais
tarde, no poema/processo — movimentos dos quais dias-pino participou diretamente desde o início, como mostrado anteriormente.
Ambos os movimentos baseavam-se no pressuposto modernista de
racionalização dos processos criativos para a ampliação da produção, da
distribuição e do consumo dos produtos, e, nessa concepção, a poesia
recebe o tratamento de objeto de uso. No poema/processo essa intenção
se mostra ainda mais efetivamente do que na Poesia Concreta — já no
nome, o poema/processo recusa o termo poesia para adotar o poema
como produto de suas teorias, justificando-se numa cisão entre língua e
linguagem dentro da literatura.
“A poesia modernista girou em torno da palavra, até mesmo usandoa em estado de dicionário, e nós acentuamos, agora, que o que nos
interessa é o projeto do poema. A palavra passa a ser dispensada;
nem existe diferença entre a pintura e o poema. A poesia modernista
era um problema de língua e o nosso problema é de linguagem.”
(dias-pino sobre o movimento poema/processo em entrevista a
Joaquim Branco, Revista Ponto 2, Rio de Janeiro, 1968.)
p oesia /p oema Um livro sobre a poesia visual de Wlademir Dias-Pino | 43
Nesse sentido, um paralelo entre poesia visual e design gráfico é possível não apenas metodologicamente, mas também em termos de linguagem, cujo produto geral seria a informação facilitada por uma ferramenta
comum aos discursos verbal e visual — a metáfora. Análogo ao conceito
de ideograma — introduzido por Erza Pound18 na poesia a partir dos estudos da obra de Ernest Fenollosa19, explorado no cinema por Eisenstein
e, posteriormente, pelos poetas concretos —, o pensamento imagético no
qual dias-pino investe encontra suporte teórico possível, ainda, na filosofia de Vilém Flusser. A compreensão de projetos como modelos para
processos que, por sua vez, ganham a concepção de formas, definem, segundo Flusser, um posicionamento formalista e pós-histórico diante da
realidade contemporânea. Com dias-pino, essa noção de processo se
mostra evidente na negativa em desenvolver edições em grandes tiragens
de seus livros, sem contudo, abandonar a produção numa determinada
escala serial — segundo o poeta, uma grande tiragem confere ao trabalho
o caráter de obra acabada, se distanciando da proposta de desenvolvimento de novas versões para os poemas por parte dos leitores. Isto, por
sua vez, justifica a opção do artista por trabalhar com métodos artesanais
de composição como a colagem, a caligrafia e o desenho, assim como a
utilização de técnicas mecânicas de impressão, como a tipografia, a serigrafia, a fotocomposição e a Xerox.
A estética dos produtos finais de poesia e design, portanto, é influenciada tanto pelos meios e técnicas empregados no processo compositivo
de dias-pino, quanto pelo tratamento, até certo ponto, indistinto de
texto e imagem enquanto matérias-primas para a construção de discursos poéticos e visuais. Essas possibilidades de recodificação entre
linguagens distintas demandam uma síntese visual que determina, por
sua vez, o desdobramento de formas geométricas em seus trabalhos. É
possível, portanto, notar uma série de características reincidentes às produções de poesia e design de dias-pino, como as diversas camadas de
textos e imagens justapostas, o uso expressivo das cores e seus contrastes, o desdobramento sistematizado de formas geométricas, a exploração
da materialidade do suporte gráfico e da tipografia e as pontuais intervenções gestuais e caligráficas. No entanto, dentre toda a produção de
dias-pino, os livros-poemas parecem demonstrar, de maneira ainda
mais evidente, essa aproximação entre poesia e design, dissolvendo efetivamente as fronteiras entre ambas as áreas.
Cartazes para a xiv Bienal de São Paulo realizados para divulgação interna do evento na
ufmt. O desdobramento de formas geométricas é reincidente em todo o trabalho de
design gráfico de dias-pino.
Estudo iconográfico e leitura visual do logotipo da ufmt, realizados por dias-pino. Técnicas de colagem são empregadas tanto nos estudos
iniciais quanto no desenvolvimento de muitos leiautes por dias-pino.
Livro-poema
Para dias-pino, “o verdadeiro artista é aquele que inventa sua própria
maneira de inscrever”, livre de códigos preexistentes. Em seus livros-po-
18. O estudo de Ernest Fenollosa (1853-1908) Os Caracteres da escrita chinesa como instrumento para a poesia, fruto de reflexões desenvolvidas no Japão entre 1897 e 1900, foi
publicado por iniciativa de Erza Pound em 1919. O estudo foi fundamental para a escritura
de Pound e, no Brasil, foi traduzido pelos poetas do grupo Noigandres, que tinham como
proposta uma poesia ideográfica fundada numa sintaxe relacional.
19. Em O princípio cinematográfico e o ideograma, posfácio do livro de N. Kaufman, Cinema japonês, 1929, Sierguéi Eisenstein parte da idéia de que cinematografia é fundamentalmente montagem e “montagem é conflito” fundado, de certo modo, numa dialética marxista,
mas esteticamente nas possibilidades da ideografia.
44
emas, o alfabeto serve de pré-texto para a exploração de outros códigos
visuais, relembrando o caráter imagético da escrita — ponto relevante
da teoria da Poesia Concreta. No entanto, de maneira oposta ao verbivocovisual da poesia Noigandres, à poesia de dias-pino não interessa a
oralidade — “Um poema escrito é antes de tudo visual e não sonoro, ele
não é um instrumento musical... a poesia silenciosa, a poesia espacional
é contra o herói”. De um tema inicialmente figurativo, a recodificação
do poema, ou nesse caso, o seu registro, exibe sua própria mecânica de
construção e a estrutura matemática da sintaxe em detrimento à preocupação de transmitir uma determinada mensagem. O poema se esvazia de
significados para tornar-se plástico e manipulável pelo leitor.
Se na Poesia Concreta o poema é determinado pelo meio no qual se
apresenta — cartaz, oralização, instalação, vídeo, etc. —, com o livrop oesia /p oema Um livro sobre a poesia visual de Wlademir Dias-Pino | 45
poema de dias-pino, livro e poema tornam-se um todo indissociável
e incongruente à outros tipos de suportes. A mecânica da leitura e do
funcionamento do livro estão intimamente ligados ao discurso poético
e seu desencadeamento através do ato de virar as páginas. O poeta lança
mão das possibilidades (tipo)gráficas do livro, como as texturas e transparências das folhas, a substituição do código alfabético por perfurações,
cortes e dobras que revelam cores e elementos gráficos análogos à Pintura
Concreta. Esses processos de recodificação do texto questionam a estrutura do códice e a imobilidade do verso na poesia tradicional em meio à
era eletrônica que, então, se anunciava ( nos anos 1950). As páginas soltas
e não-numeradas conferem ao livro-poema uma posição intermediária
entre o códice e o computador, através de uma estrutura pensada em séries autônomas e passíveis de intervenções, com a “finalidade de facilitar
a anexação de novos materiais e formas de poemas” (dias-pino, 1982)
tanto pelo autor quanto pelos leitores. O próprio ato de leitura interfere
no significado do poema, através das escolhas do leitor que definem o
roteiro de leitura.
“Existe o poema-objeto dos dadaístas. Os nossos, são objetos-poemas. É a diferença entre poema-livro e livro-poema. O inferno de
Dante é um poema-livro. A condição de poesia-poema (um longo
poema) é que impôs um todo ao livro, no caso de Dante. Já no livropoema é a expressão do próprio material usado no livro: a paginação, a página em branco, as permutações de folhas, o ato de virar as
páginas, a transparência do papel, o corte, os cantos, etc.”
(dias-pino, 1982)
dos leitores: “Eu nunca fiz questão de lançar outra edição (d’A Ave), porque o interessante para mim não era que a pessoa encontrasse o livro (...) é
preferível que ela leia a estrutura do livro e reconstrua o processo”. (diaspino em entrevista à Vera Casanova, 2002.)
Cada página apresenta um verso que interage através da transparência
do papel com a página seguinte, composta por um gráfico indicador de
leitura que recupera o sentido do poema. Desta maneira, o livro é organizado em séries que evoluem num processo de eliminação da palavra
até a transparência total entre os pares de páginas, através de perfurações. Além disso, os textos são grafados em permutações de caracteres em
caixa-alta (letras maiúsculas) e caixa-baixa (letras minúsculas), de forma
aparentemente aleatória, remetendo ao caráter estatístico do texto. Esse
ruído interfere no tempo de leitura e, consequentemente, na experimentação do poema, permitindo que os textos assim combinados entre eles e
com os vértices dos gráficos conquistem novos significados.
Além do tratamento gráfico do texto, a materialidade do suporte é
evidenciada em cada detalhe do livro. O formato retangular é pensado
para favorecer a leitura angular do poema, conduzida pelos gráficos indicadores de entrada e saída do texto. A encadernação em grampo permite
que novas páginas sejam anexadas posteriormente ao livro. Os papéis coloridos e de diferentes texturas conferem uma experiência tátil que participa do poema. A Ave é apresentada como um programa. A partir da
contínua metamorfose do código verbal/visual, perde-se a referência inicial da palavra, transformando-se o poema em puro elemento plástico.
Para dias-pino, o contato precoce com o universo da produção gráfica foi determinante em seus trabalhos. Desenhava tipos desde pequeno
e observava a forma das letras antes da palavra, o significante antes do
significado. A compreensão da letra como objeto escultórico, o conhecimento e a execução de diferentes técnicas de impressão e suas características visuais na superfície do papel, configuram-se em informação tátil/
visual a ser aproveitada. Na tipografia, os “brancos” da página ocupam
espaços físicos no componedor e a visualidade se dá pela negativação
ou positivação dos relevos dos tipos móveis no papel. Na linotipia, por
exemplo, a composição tipográfica é determinada pela perfuração que
a máquina executa numa fita de papel, que, posteriormente, distribui os
tipos em linhas e blocos de texto na galé para a impressão. Esse sistema
incipiente de codificação do texto (digitado) para reconhecimento pela
máquina é apropriado por dias-pino em A Ave.
A Ave
A Ave teve uma edição de cerca de trezentos exemplares impressos manualmente por dias-pino, preservando, portanto, os índices da confecção artesanal — um volume não é exatamente igual ao outro. Sua ideia
é a de um livro que se auto-explica ao longo do uso, daí a expressão
livro-máquina atribuída por Álvaro de Sá. A baixa tiragem do livro tem
relação com a proposta de desenvolvimento de novas versões por parte
46
Páginas de A Ave, 1956.
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Cartazes de Solida, 1956.
Solida
No mesmo ano do lançamento de A Ave, em 1956, dias-pino participa
da I Exposição Nacional de Arte Concreta, onde apresenta as primeiras
versões de Solida em quatro poemas-cartazes. O poema é construído a
partir do desdobramento da palavra-título na frase “solidão só lida sol
saído da lida do dia”, em operação análoga à estatística dos quadrados
latinos20. Os cartazes são compostos pela recodificação das letras de cada
palavra do poema em gráficos de linhas e pontos que tornam visual o
processo de construção da sintaxe poética. A substituição do código alfabético por elementos plásticos revelam o “esqueleto desencarnado de
um poema que foi se desfazendo das palavras como se fossem elementos
dispensáveis para o fazer poético” (menezes, 1991, p. 58).
Mais tarde, este mesmo arranjo estatístico-poético serviria à elaboração da segunda versão de Solida em livro-poema, lançado em 1962. O
livro é apresentado em páginas soltas dentro de uma caixa e organizado
em um apêndice — que funciona como um manual didático de leitura
do poema, expondo sua matriz geradora — e cinco séries de poemas visuais. As séries são conjuntos de nove páginas que recodificam cada uma
das palavras do poema em elementos gráficos que evoluem do ponto
para a linha, o plano e, finalmente, para esculturas montáveis através de
cortes e vincos nas páginas da última série. O poema abandona, então,
sua expressão de pintura para tornar-se escultural.
Com Solida, dias-pino leva adiante os processos de recodificação já
presentes em A Ave, assim como a exploração da fisicalidade do suporte
como dado funcional interno ao poema. Da mesma maneira, o livro é
impresso manualmente em serigrafia e em baixa tiragem, com o intuito
de não conferir ao livro o caráter de obra acabada. A reconstituição do
poema original é possível somente através da comparação entre as composições de cada série com o apêndice didático que contém a chave-léxica
do poema. O poema em si não contém nenhum texto, sendo puramente
composto por grafismos que são “brotação de signos, suporte e prolongamento de um imaginário do qual a língua não é a única forma de expressão. O grafismo, escrita no sentido amplo, não tem por primeira vocação
duplicar a oralidade ou a cena vista: é uma linguagem autônoma”. (lévy,
20. Os quadrados latinos são arranjos estatísticos nos quais um mesmo elemento não se
repete numa mesma linha ou coluna. Uma derivação desta técnica tornou-se popular com
o jogo Sudoku.
48
Páginas de Solida, 1962.
p oesia /p oema Um livro sobre a poesia visual de Wlademir Dias-Pino | 49
1998, p.18). Uma vez apreendida a metodologia compositiva do poema
original, o livro torna-se referencial para a elaboração de novas versões
ou de novos poemas. A partir da substituição da palavra pela imagem
dentro da poesia, dias-pino fundamentaria a dissociação entre poesia
e poema, que nortearia os postulados do movimento poema/processo,
lançado oficialmente em dezembro de 1967.
considerações preliminares
Representações esquemáticas da última série do livro-poema Solida, 1962.
50
Segundo Flusser (2007), desde o advento da fotografia e das mudanças
que esta tecnologia provocou em todos os setores das artes, as
expressões artísticas tipicamente lineares como a poesia, a literatura e
a música cada vez mais se apropriam de recursos do imagético devido
ao desenvolvimento das mídias de superfície (surface media). Essas
apropriações acontecem também no sentido oposto, ou seja, as mídias
de superfície, como a própria fotografia, as pinturas e os anúncios
publicitários, recorrem cada vez mais aos recursos do pensamento.
Essa relação entre as diversas articulações do pensamento implica
numa mudança da própria maneira de pensar do homem, em que o
pensamento conceitual (linear) poderia se fundir criativamente ao
pensamento imagético (de superfície) para fundar um novo tipo de
pensamento, assim como novas mídias e novos símbolos codificados. A
função prática da escrita cada vez mais parece servir para programar o
mundo e suas imagens, em vez de conceituá-lo. O escritor é aos poucos
substituído pelo programador, ou scriptor. “Com a inversão atual da
dialética “texto-imagem” doravante o pensamento conceitual vai servir
para a produção de imagens” (flusser, 1985, p. 68) que, por sua vez, já
não servem para explicar o mundo, mas para conferir-lhe significados.
Como foi mostrado, a partir do código alfabético, os poemas de diaspino migram para códigos visuais diversos, grafismos, ou são substituídos por uma série de intervenções materiais no suporte gráfico, em
operação análoga ao próprio esforço de abstração inerente ao ato da leitura
— enquanto conjunto de imagens que representam os sons da linguagem
fonética. Essa transfiguração entre códigos explicita a preocupação do
poeta em pensar, já nos anos 1950, numa leitura do texto pela máquina, o
texto apreendido imediatamente como imagem, antes de suas instâncias
semântica e fonética, antecipando o conceito de um pensamento gráficorelacional em oposição ao pensamento conceitual-discursivo ocidental.
Para ele, o texto serve como pré-texto ou programa para a composição
poética e artística e, com a mesma inventividade, suas produções em design gráfico apropriam-se de recursos do universo poético.
Antes do advento dos computadores, o livro tendia a ser projetado
funcionalmente, com o intuito de facilitar a legibilidade do texto. Para
tanto, a tipografia tendia a ser “transparente”, no sentido de que os pormenores do desenho tipográfico não fossem percebidos e a leitura pudesse ser fluida. O texto não deveria ser enxergado, mas apenas lido. A
partir das vanguardas artísticas do século xx, especialmente com os
postulados da Poesia Concreta, texto e livro passam a ser explorados
como estruturas significantes no ato da leitura. Atualmente, a produção editorial incorpora cada vez mais as experimentações dos livros de
p oesia /p oema Um livro sobre a poesia visual de Wlademir Dias-Pino | 51
artistas — facilitada também pelas diversas tecnologias que barateiam
o custo de produção e oferecem novas possibilidades midiáticas ao livro —, explorando cores, texturas, acabamentos e refinamentos gráficos
como diferencial para atrair os leitores mais jovens que tendem a aderir
ao universo digital com mais facilidade.
Os livros-poemas de dias-pino, nomeadamente A Ave e Solida, estavam sintonizados com as transformações tecnológicas iniciadas naquela
época (anos 1950-1960), dentre as quais novos meios eletrônicos de comunicação surgiam, como a tv e os computadores. Essas mídias já foram
assimiladas pelas novas gerações, mas suas especificidades em termos de
linguagem, ainda estão em pleno desenvolvimento, tratando de emanciparem-se das linguagens analógicas precedentes, especialmente da gramática instrumental do códice23. Portanto, investigar a história do livro
— objeto que se mantém praticamente inalterado ao longo dos últimos
dois mil anos, coexistindo com diversas outras tecnologias e suportes de
registro de escrituras — nos ajuda a compreender as especificidades da
nova escrita digital e as mudanças que ela opera técnica e cognitivamente
no modo como o homem se comunica e transmite cultura. A problemática do livro envolve uma série de questões que se reconfiguram também
à medida em que este objeto se adapta às novas necessidades de consumo
de uma sociedade audiovisual: “a escrita, o modo de inscrição, de produção e de reprodução, a obra e a operação, o suporte, a economia do mercado ou da estocagem, o direito, a política, etc.” (derrida, 2004, p. 20)
A proposta de novas versões dos poemas de dias-pino antecipa
também a noção interativa entre livro, conteúdo e leitor, que se nota efetivamente nos dias de hoje através da dissolução do conceito de autoria
em favor do conhecimento colaborativo na rede. Este talvez seja o indício
mais imediato das transformações que as novas mídias já provocaram
no mercado editorial. A democratização do acesso e da distribuição de
informação favorecem a autonomia seletiva do usuário em relação aos
conteúdos culturais que consume. “Se, por um lado, esse processo engendra o fenômeno cultural e estético do “original de segunda geração”, por
outro tem desviado o debate sobre o tema, redundando em uma abordagem técnica em que o problema da autoria na rede equivaleria ao do
Xerox.” (beiguelman, 2003).
Novos mecanismos de autenticação e validação da informação vêm
se desenvolvendo naturalmente neste contexto cibernético. A troca de
informações se torna cada vez mais virtual e, o seu acesso, online — esta
configuração foi prontamente acolhida pelas produções científicas, que
se atualizam cada vez mais rápida e constantemente. Nota-se, portanto,
uma inversão na noção de legitimidade dos conteúdos publicados em
livros, que, até tradicionalmente, eram tomados como verdadeiros. No
entanto, ao contrário do que muitos críticos anunciaram em relação ao
fim do livro tradicional, nunca se produziram tantos livros como atualmente, mas sua função parece cada vez mais atender à produções literárias e artísticas, destinadas ao leitor que dispõe de um tempo maior para
a apreciação da obra. O livro volta a ser um objeto de estima, colecionável.
Diante destas análises, o projeto do livro desenvolvido sobre um determinado período da produção artística de dias-pino, buscou incorporar algumas possibilidades interativas típicas de seus livros-poemas,
mas com o cuidado de não simular friamente a materialidade das obras
originais. Mais do que isso, lançou-se um olhar crítico sobre a trajetória
artística deste poeta, a fim de resgatar as principais referências visuais e
teóricas de seu discurso e reinserí-las criativamente no projeto gráfico do
livro, buscando, ainda, explorar novas relações entre o conteúdo apresentado e o leitor. Para tanto, foram reproduzidos não somente os textos
críticos de autoria de dias-pino que remontam os questionamentos do
momento em que seus principais trabalhos foram desenvolvidos, mas
também os próprios poemas concebidos neste contexto. Procurou-se,
ainda, em alguns casos, fazer aproximações/versões para que o leitor
pudesse ser contemplado em alguma relação experiencial com as obras
originais, sem perder, no entanto, a preocupação com as limitações que
uma produção em escala comercial necessariamente ingerem ao projeto
gráfico — visto que o livro destina-se efetivamente à distribuição e comercialização futuras. O passo seguinte deste projeto consiste, portanto,
na busca por tornar viável sua publicação através de programas de incentivo cultural ou da iniciativa privada.
23. A nomenclatura corrente das ferramentas de navegadores de internet e programas editores de texto e imagem, por exemplo, preservam as terminologias típicas do universo analógico do livro tradicional, em expressões como “página da web”, “recortar”, “copiar”, “colar”,
“anexar”, etc.
52
p oesia /p oema Um livro sobre a poesia visual de Wlademir Dias-Pino | 53
capítulo 3 Desenvolvimento do projeto
Definições iniciais
A partir da determinação do conteúdo do livro, algumas pré-definições
foram estabelecidas para o projeto com o intuito de organizar e direcionar o tratamento de textos e imagens. O livro foi organizado em dois
blocos principais: o primeiro relativo à Poesia Concreta e o segundo ao
poema/processo. Nestes blocos, foram reproduzidos não somente textos críticos de autoria de dias-pino, mas também os principais poemas produzidos dentro dos respectivos movimentos. Além disso, o livro
constará de uma apresentação escrita pelos organizadores, a fim de contextualizar a obra do poeta e introduzir os assuntos abordados no livro;
de um infográfico com os acontecimentos históricos marcantes na vida
de dias-pino e um sumário de suas produções em design/artes e poesia/
poema; de uma carta escrita por ele em 2009, que abre o livro e sintetiza
alguns dos questionamentos presentes nos textos e poemas seguintes e,
por fim, de uma entrevista realizada pelos organizadores especialmente
para a edição, encerrando o livro.
Embora não fosse a intenção reproduzir as características objetuais
dos poemas, procurou-se, em alguns casos, fazer algumas aproximações/versões para que o leitor pudesse ser contemplado em alguma relação experiencial com as obras originais. Isso determinou, portanto, a
escolha pelo uso de diferentes tipos de papeis no miolo do livro e de
alguns acabamentos especiais, além do desenvolvimento de um website
complementar à apresentação do livro-poema Solida. Essas particularidades do projeto gráfico serão detalhadas a seguir.
Formato
O formato do livro foi calculado para que mantivesse as medidas mais
próximas a de um quadrado, porém de forma a diminuir ao máximo o
desperdício de papel, tendo como referência o formato padrão de papel
para impressão gráfica: 66 x 96 cm. Isto porque o formato quadrado é
recorrente em trabalhos gráficos e livros-poemas de dias-pino, tendo
relação também com a geometria explorada em suas obras — os livrospoemas Solida e Numéricos, por exemplo, se apresentam no formato
quadrado. Um formato aproximado ao quadrado propicia uma horizontalidade maior que favorece a disposição das imagens das obras nas
páginas do livro. Sendo assim, através do cálculo de aproveitamento de
papel, chegou-se ao formato final 21 x 23 cm, conforme o cálculo a seguir:
Folha: 66 x 96 cm.
Página com sangria: 22 x 24 cm (12 p. / folha)
Mancha gráfica: 21 x 23 cm
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Tipografia
A tipografia selecionada para uso tanto na capa quanto no miolo do livro
foi a Neutraface, desenhada por Christian Schwartz para a House Industries em 2002 e que se baseia na obra do arquiteto modernista Richard
Neutra. Embora Neutra tenha se destacado por suas construções residenciais, a atenção que dedicava a cada detalhe de suas obras se estendia
para a seleção da sinalização de seus prédios comerciais, por exemplo.
A geometria linear e o desenho aberto da Neutraface foram inspirados
tanto nestas sinalizações quanto na própria arquitetura de Neutra.
A escolha desta família tipográfica partiu da pesquisa por tipos geométricos que se mantivessem coerentes com o conteúdo do livro e seu formato. A Neutraface é uma família geométrica sem serifa que se apresenta
numa grande variedade de pesos (thin, light, medium, bold, titling, condensed), o que possibilita seu uso sem a necessidade de tipografia auxiliar
para a diferenciação de estilos de textos. A família contém, ainda, algarismos de texto — característica incomum em tipos geométricos —, que se
ajustam mais harmoniosamente ao texto corrido, já que seria necessária,
em alguns casos, a numeração de imagens referenciadas no texto.
Neutra Text Book
AaBbCcDdEeFfGgHhIi
JjKkLlMmNnOoPpQqRr
SsTtUuVvWwXxYyZz
1234567890
Cálculo para a determinação das margens
externas de uma página, baseado no sistema
de Villard.
56
Grade
A definição da grade construtiva do livro teve início pela determinação
das margens externas de uma única página. A fim de manter uma relação com a geometria do formato do livro, adotou-se como referência o
sistema de Villard, cuja divisão é feita em 12 partes traçadas em diagonal entre ângulo superior direito e as sucessivas interseções entre essas
linhas e uma diagonal oposta traçada na página. Com o objetivo de determinar uma mancha gráfica próxima ao formato quadrado do livro
e de mantê-la leve e arejada mais ainda assim econômica, chegou-se as
seguintes medidas para as margens de uma página: superior: 10 mm,
inferior: 14 mm, interna: 15 mm e externa: 25 mm. Obteve-se, portanto,
uma mancha gráfica de 190 x 186 mm.
A partir disso, foi determinada a grade da linha de base para o entrelinhamento dos textos, ajustada às margens pré-definidas e incrementada
a cada 12 pts (para chegar a esta medida foram realizados testes de impressão com a tipografia padrão do projeto, determinando-se portanto,
a composição do texto corrido no corpo 10/12 pts.). Em seguida, a mancha gráfica foi dividida em seis colunas com medianiz de 5 mm, afim de
aproveitar a horizontalidade do formato para compor os textos em duas
colunas principais, cada uma ocupando, então, três colunas da grade. As
demais variações de colunas serviriam para a aplicação de imagens, títulos e notas em bitolas variáveis. A mancha gráfica foi dividida, ainda, em
seis partes horizontais com medianiz de 12 pts. (medida que corresponde
à entrelinha do texto corrido), a fim de determinar diferentes alturas de
início dos diversos estilos de textos, como títulos, notas e texto corrido.
Feito isto, chegou-se a seguinte configuração para a grade:
Grade para a composição de textos.
Grade para a aplicação de imagens.
Padrões gráficos
A definição dos estilos de parágrafos para a composição dos textos partiu
da leitura e da compreensão preliminar desses textos. A partir delas foi
possível identificar as diferentes hierarquias de informações que precisariam receber tratamento tipográfico diferenciado. Chegou-se, portanto,
às seguintes pré-definições de estilos:
• Títulos: família: Neutra Text Light, corpo: 30/36 pt., alinhamento: justificado a esquerda e à grade da linha de base, kerning: ótico, sem
recuo na primeira linha, sem hifenização, cor dos caracteres: K=100,
ligaduras condicionais ativadas e estilo antigo de números.
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• Intertítulos: família: Neutra Text Bold, corpo: 10/12 pt., alinhamento:
justificado a esquerda e à grade da linha de base, kerning: ótico, sem
recuo na primeira linha, hifenização de palavras com ao menos 5
letras, após as 2 primeiras e antes das 3 últimas, manter juntas ao
menos 2 linhas no início e no final de cada parágrafo, espaçamento
mínimo entre palavras de 90% e máximo de 110%, cor dos caracteres:
K=100, ligaduras condicionais ativadas e estilo antigo de números.
• Texto corrido: família: Neutra Text Book, corpo: 10/12 pt., alinhamento:
justificado a esquerda e à grade da linha de base, kerning: ótico, recuo
da primeira linha de 12 pt., hifenização de palavras com ao menos 5 letras, após as 2 primeiras e antes das 3 últimas, manter juntas ao menos
2 linhas no início e no final de cada parágrafo, espaçamento mínimo
entre palavras de 90% e máximo de 110%, cor dos caracteres: K=100,
ligaduras condicionais ativadas e estilo antigo de números.
• Notas: família: Neutra Text Book Italic, corpo: 7,5/9 pt., alinhamento:
não-justificado a esquerda e à grade da linha de base, kerning: ótico,
sem recuo na primeira linha, hifenização de palavras com ao menos 5
letras, após as 2 primeiras e antes das 3 últimas, espaçamento mínimo
entre palavras de 90% e máximo de 110%, cor dos caracteres: K=100,
ligaduras condicionais ativadas e estilo antigo de números.
• Referências de imagens: família: Neutra Text Book, corpo: 7,5/9 pt.,
espaçamento entre caracteres: 50%, alinhamento: não-justificado a
esquerda e à grade da linha de base, kerning: ótico, sem hifenização,
cor dos caracteres: K=100, ligaduras condicionais ativadas e estilo antigo de números.
• Paginação: família: Neutra Text Book, corpo: 8/10 pt., alinhamento:
na direção da lombada, kerning: ótico, sem hifenização, espaçamento
mínimo entre palavras de 90% e máximo de 110%, cor dos caracteres:
K=100, ligaduras condicionais ativadas e estilo antigo de números.
Um homem americano parado em sua roupa de linhas retas — calças
e paletó e até mesmo com cartola — muito se assemelha a um arranha-céu. O indígena escolhe para tanga a palha que cobre a taba. O
árabe, esse, se veste com a forma de uma tenda.
Texto corrido: Neutra Text Book 10/12 pt.
Originalmente publicado no caderno de
cultura do jornal O
Sol, em 1967. A grafia
original foi mantida.
Notas: Neutra Text Book Italic 7,5/9 pt.
Obs.: As entrelinhas dos estilos Texto corrido e Notas se alinham a cada 4 linhas do
primeiro e 5 linhas do segundo.
Seções
A organização do livro em dois blocos principais exigiu a inclusão de
páginas de aberturas para eles. Sendo assim, duas páginas inspiradas na
lógica compositiva do poema Solida foram desenhadas a partir da disposição das letras das palavras Poesia Concreta e poema/processo ocupando a largura de duas páginas faceadas. A abertura do bloco de Poesia
Concreta foi impressa em cor chapada (azul claro) no fundo das páginas, já que as produções deste período eram geralmente coloridas. Além
disso, as letras repetidas das palavras foram substituídas por círculos que
remetem às perfurações do livro-poema A Ave. Já a abertura do bloco
poema/processo foi impresso em fundo chapado na cor preta, visto que
58
Páginas de abertura dos blocos e apresentação dos poemas.
os poemas deste movimento eram geralmente impressos nesta monocromia. As letras repetidas das palavras foram substituídas por formas
geométricas básicas (círculo para a letra O, triângulo para a letra A e
retângulo para a letra E) em referências às recodificações geométricas de
textos típicas dos poemas deste movimento.
p oesia /p oema Um livro sobre a poesia visual de Wlademir Dias-Pino | 59
Páginas de abertura dos blocos e apresentação dos poemas.
Além as aberturas dos blocos principais, foram desenhadas também
aberturas para cada uma das obras inseridas nestes blocos. No primeiro
bloco foram feitas aberturas para os poemas A Ave, Solida 1956, Solida
1962 e Numéricos. No segundo bloco foi feita uma abertura para o poema
Brasil Meia Meia. Estas aberturas consistem na sobreposição de algum
grafismo característico do poema sobre um fundo em cor chapada que
tenham relação com a obra em questão.
60
Imagens
A maioria das imagens apresentadas no livro foram digitalizadas a partir
das obras originais e tiveram de ser editadas para “limpar” eventuais sujeiras e vestígios da ação do tempo sobre os papeis. Procurou-se manter
ao máximo as cores e tonalidades das impressões originais coloridas e,
no caso das imagens impressas em papel branco, adotou-se uniformemente a cor preta em 6 por cento para que não se perdessem a dimensões
do formato das páginas originais quando impressas sobre o papel branco
do livro.
Além destas imagens, foram desenhados em software de modelagem
3d as representações em ângulos variados da série tridimensional de Solida 1962 (vide p. 52). Os desenhos foram realizados por cima das pranchas originais digitalizadas, de forma a manter as devidas proporções
entre as partes. A posição dos cortes e dobras de cada prancha foi verificada em fotografias da obra original. Estes desenhos tanto serviram de
ilustração nas respectivas páginas de apresentação desta obra no livro,
quanto para a realidade aumentada21 programada para a interação online
do leitor com esta última série do poema.
A opção por apresentar a série tridimensional de Solida em realidade aumentada justifica-se como uma versão da obra, sem o intuito de
reproduzi-la conforme sua materialidade original, quando poderia ser
montada manualmente em papel. Esta escolha tem relação também com
a proposta de dias-pino de pensar o poema para uma leitura pela máquina — com esta versão isso é efetivamente possível através da programação. Além disso, esta opção também barateia o custo de produção
do livro, já que dispensa os acabamentos especiais de corte e vinco que
seriam necessários à uma reprodução fidedigna da obra original.
21. A realidade aumentada é uma tecnologia que vem sendo aprimorada em diversos campos da ciência, mas que tem se tornado cada vez mais popular através de sua utilização em
estratégias publicitárias interativas. Seu princípio básico consiste na interação em tempo real
entre elementos virtuais concebidos em três dimensões e o ambiente real do usuário. Ela
utiliza um código imagético, ou marcador, cuja identificação pela imagem capturada por uma
câmera digital pode ser recodificada através de programação e reproduzir instantaneamente
na tela do computador uma projeção dos movimentos e interações realizadas pelo usuário.
Exemplo do tratamento de imagem realizado nas digitalizações usadas no livro.
p oesia /p oema Um livro sobre a poesia visual de Wlademir Dias-Pino | 61
Elementos gráficos
O único elemento gráfico utilizado consiste num grafismo sangrado na
borda externa das páginas que se integra à paginação do livro. Este grafismo tem a função de criar uma divisão na lateral do livro (onde se faz
o refile das páginas) entre os dois blocos principais de conteúdos: Poesia
Concreta e poema/processo. No primeiro bloco, o grafismo aparece da
metade para baixo da página par e da metade para cima da página ímpar. No segundo bloco do livro, sua posição é invertida em relação a do
primeiro bloco, e aparecendo da metade para cima da página par e da
metade para baixo da página ímpar.
O grafismo, composto por pequenos retângulos alinhados verticalmente, além do uso funcional de orientação dos blocos temáticos do
livro, criará um movimento durante o virar das páginas e tem, ainda,
referência com as retículas, que se assemelham a códigos de barras, exploradas em vários poemas de dias-pino.
Acabamentos
O livro deve ter encadernação do tipo brochura. Será impresso e organizado em cadernos costurados e colados na lombada. Como o livro é
constituído por papeis diferentes e dividido em seções impressas em cor
e em p&b, a organização dos cadernos deve considerar estas divisões.
Sendo assim, os cadernos foram organizados da seguinte maneira:
1º caderno: 28 páginas com impressões coloridas.
2º caderno: 28 páginas com impressões coloridas.
3º caderno: 24 páginas em papeis coloridos (creative papers) de diversas cores e que devem ser apenas colados na lombada, sem costura,
pois os papeis não montam cadernos de 4 páginas faceadas, tendo como
referência a obra original representada: A Ave)
4º caderno: 24 páginas com impressões coloridas.
5º caderno: 24 páginas com impressões coloridas.
6º caderno: 24 páginas com impressões em preto e branco.
7º caderno: 28 páginas com impressões em preto e branco, sendo destas, 16 de páginas impressas em papel jornal e costuradas normalmente
junto ao restante do caderno na lombada.
No 1º caderno serão incluídas duas páginas com largura maior do que
o formato do miolo — que apresentam um infográfico da biografia de
dias-pino —, que serão dobradas para dentro do livro, necessitando,
portanto, de vincos.
Páginas duplas de apresentação do infográfico biográfico de dias-pino.
Simulações do efeito visual gerado pelos grafismos sangrados nas extremidades das páginas.
62
O 3º caderno, que consiste no encarte tátil de apresentação de A Ave,
apresentará ainda uma sequência de perfurações circulares que variam
nos seguintes diâmetros: 6mm, 8mm, 10mm, 18mm e 28mm. Estas medidas são proporcionais ao redimensionamento das páginas do livropoema original, buscando manter uma relação coerente com a obra.
Durante a produção em escala do livro, o ideal é que estas perfurações
sejam feitas através de cortes a laser, já que os diâmetros e posicionamentos das perfurações variam em todas as páginas, tornando inviável a
confecção de facas especiais para cada uma delas.
No 7º caderno, o encarte impresso em papel jornal com o poema Brasil Meia Meia, tem largura menor do que o formato do livro, exigindo,
portanto, um tratamento diferenciado tanto durante a impressão quanto
no refilamento das páginas.
p oesia /p oema Um livro sobre a poesia visual de Wlademir Dias-Pino | 63
res chapadas nas páginas que não contém textos neste caderno, já que a
maioria delas possuem apenas perfurações, além de manter uma relação
tátil e experiencial relativa à obra original. (4) O caderno do livreto Brasil
Meia Meia deve ser impresso em papel jornal, devido à intenção de manter uma proximidade com as publicações originais do movimento poema/processo, que eram impressas neste tipo de papel para baratear os
custos de produção. Além disso, este caderno tem formato menos largo
do que o formato do livro, portanto, um papel de baixa gramatura como
o jornal — que varia entre 45 e 50 g/m² — evitará um volume incômodo
no miolo do livro.
Página do caderno tátil de A Ave com papeis coloridos e perfurações.
Página do caderno Brasil Meia Meia com papel jornal e formato menor do que o do livro.
Papeis
O projeto gráfico do livro prevê a utilização de quatro tipos diferentes de
papéis: (1) A capa deve ser impressa em papel Supremo DuoDesign® de
350 g/m² — este papel garante cores mais uniformes, realça o contraste da
impressão e nesta gramatura é suficiente para dar a resistência necessária
para uma capa de livro. (2) O miolo deve ser impresso em papel couché
matte de 150 g/m² — por este ser um papel gessado, a tinta não penetra
no papel e, desta forma, não aparece no verso das páginas, o que poderia interferir na visualização das imagens quando impressas em ambas
as faces de uma mesma folha. O revestimento fosco é mais confortável
para a leitura dos textos por refletir menos luz do que o mesmo papel
com revestimento brilhoso. (3) O caderno “tátil” que integra o bloco do
poema A Ave deve ser impresso em creative papers — este é um papel
de acabamento mais bruto que o couché, apresentando, portanto, uma
textura mais áspera. Ele é comumente vendido na gramatura 90 g/m² e
em diferentes cores, eliminando-se assim a necessidade de imprimir co64
Capas
A capa é composta por uma ilustração de Wlademir Dias-Pino. Trata-se
de uma colagem inédita encontrada em umas das pastas do acervo disponibilizado pelo artista durante as etapas de pesquisa. A intenção era de
que a capa expressasse simultaneamente ideias de ambos os movimentos retratados no livro: Poesia Concreta e poema/processo. A escolha da
imagem, portanto, se deu devido ao seu caráter pictográfico, comum às
composições do poema/processo — as setas indicam as múltiplas direções de leitura dos poemas. Já o acabamento vazado da ilustração remete
às perfurações de A Ave, do movimento de Poesia Concreta. A tipografia
utilizada é a mesma que compõe os textos do miolo do livro, no entanto,
disposta em diferentes caixas, corpos e pesos conforme a hierarquia da
informação.
As orelhas do livro servem, além da função tradicional de marcador
de página, como suporte para a positivação da ilustração da capa —
quando dobrada para dentro, a cor impressa no verso da orelha contrasta
com a impressão e o acabamento vazado da capa, revelando a ilustração.
Dessa forma, imprimindo apenas uma cor em cada face do papel, tem-se
uma composição com duas cores: ciano e amarelo. As cores escolhidas
tem relação com os trabalhos gráficos de dias-pino, nos quais predominam cores saturadas e contrastantes. Quando a orelha estiver marcando alguma página do livro, a ilustração vazada da capa fica, então,
sobreposta à falsa folha de rosto — que, por sua vez, mantém o título do
livro e o nome do autor na mesma posição que aparecem na capa, para
que não sejam vista através dos recortes. Finalmente, uma ilustração da
silhueta do poeta se revela através de um dos círculos perfurados, como
um elemento complementar à composição.
Simulação das capas do livro.
Simulação planificada da primeira capa, incluindo a lombada e uma orelha do livro.
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Website
A apresentação da última série do livro-poema Solida prevê a utilização
de marcadores impressos no livro para a visualização e interação com
os poemas online, através de realidade aumentada. Para tanto, foi necessário realizar o registro de um domínio para hospedar as páginas do
site22 o desenvolvimento dos leiautes das páginas e o estabelecimento de
parceria com um programador de Web. O código de programação para
realidade aumentada encontra-se disponível na rede gratuitamente, no
entanto, a personalização dos marcadores e sua adaptação aos objetos
tridimensionais a serem visualizados requer conhecimentos específicos
de programação.
O website é composto por três links básicos: (1) Home — no qual se
encontra o conteúdo principal do site, ou seja, os links para a realidade
aumentada de cada um dos nove poemas da série, (2) Sobre o livro — com
informações sobre o projeto, a obra Solida e sobre onde encontrar o livro
e (3) Contato — com formulário para contato direto com os organizadores do livro. Já o desenho dos marcadores preservou as formas originais
dos poemas. No entanto, seu reconhecimento por webcams requer a delimitação de um quadrado na cor preta para que sejam identificados os
limites e a posição do marcador no papel.
Leiaute desenhado para o website poesia/poema: Solida.
considerações finais
Os processos interativos e de recodificação inaugurados na poesia de
dias-pino, especialmente através dos livros-poemas, forneceram além
de riquíssimo objeto de estudo para este trabalho, uma ampla variedade de desdobramentos possíveis dentro da área de atuação do designer gráfico. A este profissional, como se nota na própria trajetória de
dias-pino, mais do que projetar soluções gráficas para problemas de
comunicação, cabe investigar as linguagens e seus códigos para obter dos
variados tipos de suportes todo o proveito que sua materialidade oferece.
Este reposicionamento diante da profissão do designer pode parecer
natural atualmente para uma crescente parcela de profissionais que se
dedicam ao desenvolvimento de interfaces entre o homem e o computador, atendendo à emergente demanda por serviços e experiências mediados pela máquina. No entanto, há de se ressaltar o esforço intelectual que
esta compreensão exigia há cinquenta anos atrás, quando dias-pino já
se propunha a escrever poemas para uma leitura eletrônica. O principal
exercício deste poeta visual consiste em tornar possível a interação entre
obra e leitor a partir de recodificações livres. Sua obra se apresenta, portanto, não apenas enquanto um esforço de renovação estética pautado no
aprimoramento dos códigos visuais, mas no intuito político de emancipar a comunicação da tutela do código alfabético, sugerindo outras possibilidades à poesia, para além do verbal.
Como fica evidente, o estudo da obra de dias-pino se justificou enquanto estudo da poesia visual, seus pressupostos, conjunturas críticas
e, ainda, na sua vinculação com os tipos de estruturas textuais e visuais
provenientes das teorias do design gráfico. Resgatar a obra deste poeta,
de bastante influência para sua época, mas, até então, pouco conhecida
especialmente dentro da esfera do design gráfico — visto que os poucos estudos já publicados foram desenvolvidos por estudiosos da literatura brasileira —, além de nos inspirar enquanto profissionais, retoma
atenção à questões fundamentais e atuais da comunicação e seus meios,
lançando uma reflexão sobre o livro e suas adaptações frente às mídias
digitais.
22. Disponível no endereço www.livropoema.com/Solida.
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