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ASSÉDIO MORAL
ORGANIZACIONAL: IDENTIFICAÇÃO
E TUTELA PREVENTIVA
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JUAN CARLOS ZURITA POHLMANN
Advogado atuante na área do Direito do Trabalho.
Graduado pelo Centro Universitário Curitiba — UNICURITIBA (2011).
Mestre em Direitos Fundamentais e Democracia pela Faculdades Integradas
do Brasil — UNIBRASIL (2013). Membro do Grupo de Pesquisa Trabalho e
Regulação no Estado Constitucional — GPTREC.
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ORGANIZACIONAL: IDENTIFICAÇÃO
E TUTELA PREVENTIVA
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R
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São Paulo, SP – Brasil
Fone: (11) 2167-1101
www.ltr.com.br
Setembro, 2014
Versão impressa - LTr 5067.3 - ISBN 978-85-361-3073-6
Versão digital - LTr 8396.9 - ISBN 978-85-361-3122-1
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Pohlmann, Juan Carlos Zurita
Assédio moral organizacional : identificação e tutela preventiva / Juan
Carlos Zurita Pohlmann. — São Paulo : LTr, 2014.4.
Bibliografia.
1.Ambiente de trabalho 2. Assédio moral 3. Direito do trabalho —
Brasil 4. Poder diretivo do empregador 5. Relações de trabalho I. Título.
14-08153
CDU-34:331.101.37
Índice para catálogo sistemático:
1. Assédio moral organizacional : Direito
do trabalho 34:331.101.37
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Dedico este trabalho à minha esposa, Francieli,
pelo amor, dedicação e compreensão.
À minha mãe, Vera, e ao meu pai Luís (in memoriam),
por tudo o que sou.
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Agradecimentos
A todos que de alguma forma compartilharam com o
desenvolvimento deste trabalho, em especial à minha esposa,
Francieli, que me deu o suporte necessário à dedicação necessária
para o seu desenvolvimento, e a meus familiares, por compreenderem
a ausência dos últimos anos e me apoiarem neste projeto.
Ao professor Dr. Leonardo Vieira Wandelli, pela paciência nos
momentos difíceis enfrentados ao longo do trabalho, orientação,
críticas, e principalmente por compartilhar de seu conhecimento,
sem o qual este trabalho não teria atingido tão bem o seu propósito.
Ao professor Dr. Wilson Ramos Filho, por quem tenho profunda
admiração e respeito, que me honrou com as críticas e
com o acompanhamento do desenvolvimento deste estudo.
Aos colegas do escritório Efing & Rocha advogados associados,
pelo incentivo e suporte, e em especial aos Drs. Antônio Carlos
Efing e Fernando Rocha Filho, a quem muito admiro pelos exemplos
ímpares de juristas e, sobretudo, de pessoas extraordinárias.
Aos colegas do mestrado e aos membros do GPTREC — Grupo de
Pesquisa Trabalho e Regulação no Estado Constitucional —, pelas
proveitosas discussões.
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Sumário
Prefácio ....................................................................................................................
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Abreviaturas e Siglas ...............................................................................................
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Introdução................................................................................................................
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Capítulo 1 — Fundamentos Conceituais do Assédio Moral Organizacional .......
1.1. O assédio moral organizacional como violência ...............................................
1.1.1. A definição de violência .........................................................................
1.1.2. A ideologia que legitima a violência no ambiente de trabalho ...............
1.1.3. Formas de violência recorrente no trabalho...........................................
1.1.3.1. Assédio sexual ...........................................................................
1.1.3.2. Assédio moral perverso .............................................................
1.1.4. Assédio moral organizacional: primeiros aspectos .................................
1.2. A centralidade antropológica do trabalho negada pelo assédio organizacional ..
1.2.1. A subjetividade e o trabalho ...................................................................
1.2.2. A mobilização da subjetividade ..............................................................
1.2.3. A cooperação como atividade deôntica ..................................................
1.2.4. As duas estratégias de mobilização da subjetividade no trabalho ..........
1.2.5. Estratégias de defesa coletivas e individuais ..........................................
1.3. Características do assédio moral organizacional ..............................................
1.3.1. A identificação do assédio moral organizacional pela jurisprudência
brasileira .................................................................................................
1.3.2. O conceito de assédio moral organizacional ..........................................
1.3.2.1. Finalidade gerencial ..................................................................
1.3.2.2. Temporalidade ..........................................................................
1.3.2.3. Recorrência ...............................................................................
1.3.2.4. Caráter estrutural da violência..................................................
1.3.2.5. Violação a direitos fundamentais ..............................................
1.3.2.6. Possibilidade de promoção de danos perceptíveis e imperceptíveis ao indivíduo e à coletividade ...........................................
1.3.3. Exemplos típicos de práticas fundamentadas em assédio moral organizacional ..................................................................................................
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1.4. A violação a direitos fundamentais pelo assédio moral organizacional ............
1.4.1. Direito fundamental ao trabalho ............................................................
1.4.2. Direito fundamental ao meio ambiente de trabalho equilibrado ...........
1.4.3. Direito fundamental ao desenvolvimento ..............................................
1.4.4. Direito fundamental à saúde ..................................................................
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Capítulo 2 — Prevenção do Assédio Organizacional ............................................
2.1. Fundamentos para a prevenção do assédio moral organizacional ....................
2.1.1. Princípios da prevenção e da precaução .................................................
2.1.2. Medidas educativas ................................................................................
2.1.3. Medidas de incremento do diálogo e da democracia .............................
2.1.4. Programas de mensuração da qualidade da saúde mental .....................
2.2. A necessidade de uma tutela jurisdicional preventiva ao assédio moral organizacional ..........................................................................................................
2.3. Espécies de tutela jurisdicional.........................................................................
2.4. Fundamentos da tutela judicial preventiva em face do assédio moral organizacional ................................................................................................................
2.5. Fundamentos para a aplicabilidade da tutela inibitória em face do assédio
moral organizacional ........................................................................................
2.6. Aspectos relevantes da tutela inibitória em face do assédio moral organizacional ................................................................................................................
2.6.1. Pressupostos processuais ........................................................................
2.6.2. Antecipação dos efeitos da tutela inibitória ...........................................
2.7. A otimização da tutela inibitória em face do assédio moral organizacional por
sua utilização coletiva na justiça do trabalho ...................................................
2.8. A responsabilidade civil como instrumento inibitório do assédio moral organizacional ..........................................................................................................
2.8.1. A sanção de caráter punitivo-pedagógico como medida preventiva em
face do assédio moral organizacional .....................................................
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Conclusão ................................................................................................................ 131
Referências Bibliográficas ....................................................................................... 135
Legislação Aplicada........................................................................................... 141
Anexos ..................................................................................................................... 143
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“Só os que perdem são julgados como criminosos de guerra por
seguirem ordens e diretrizes. [...] O que fizemos foi baseado na
sobrevivência e nada que diz respeito à sobrevivência é bom.”
(KING, Stephen. Verão da corrupção: aluno inteligente,
in Quatro estações. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 82)
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Prefácio
Leonardo Vieira Wandelli
Poucos livros se encaixam no sentido da problemática de uma época como este
Assédio moral organizacional: identificação e tutela preventiva, de Juan Carlos Zurita
Pohlmann, que oportunamente vem a público e que tenho a grata honra de prefaciar. O
Direito do Trabalho está em pleno processo de assimilação e elaboração deste fenômeno
exemplar da natureza do nosso tempo.
Vivemos em uma sociedade que se estrutura por meio de variados mecanismos sociais
de poder que se destinam a produzir uma transformação radical: fazer do trabalho vivo
trabalho objetivado. As capacidades humanas, sejam físicas, tais como a habilidade corporal,
força, resistência, saúde, por vezes mesmo a beleza, sejam psicológicas, como a memória,
imaginação, perseverança, concentração, autodisciplina, poder de mobilização subjetiva,
sejam morais e de sociabilidade, como as competências linguísticas, comportamento
ético, senso de compromisso, autoridade, vínculos de solidariedade, cooperação para um
fim comum, sejam cognitivas e culturais, como capacidade de avaliação, saberes gerais,
tradições, senso comum e saberes especializados aos mais diversos campos e a própria
criatividade que em todas essas esferas dá conta do inesperado, são características da
pessoa humana, sem o emprego das quais não são possíveis os processos de trabalho.
Trabalhar é colocar em cena essas capacidades de agir sobre o mundo, sobre si e com os
outros, com vistas a produzir bens com alguma utilidade.
Contudo, tais capacidades, que são, antes, atributos de pessoas reais, com suas
histórias de vida, ao se defrontarem com as forças sociais do capital, notadamente no
mercado de trabalho, passam por uma desfiguração que as torna irreconhecíveis. Alienadas
no mercado, elas são agora apenas uma mercadoria, força de trabalho. Recursos de um
processo social de produção de valor, de busca incessante de rentabilidade crescente.
Juntamente com os recursos naturais, tais “recursos humanos” precisam se submeter
às necessidades desse específico processo econômico e se apresentar com os atributos
próprios da mercadoria. Tanto gerais, como disponibilidade para serem comprados e
vendidos a tempo e modo e em condições previsíveis, como específicos dessa mercadoria
tão especial: a força de trabalho precisa ser disponível para ser usada como tal de acordo
com as necessidades da produção.
Todo o problema decorre de que, como disse Karl Polanyi, tratar o trabalho como
mercadoria é uma ficção, pois o trabalho e sua organização nada mais são que a essência
das capacidades humanas e as formas de vida das pessoas comuns. E como nos ensinou outro
Karl — o Marx —, a alienação da força de trabalho é imperfeita, pois a dita mercadoria não
pode ser descolada da pessoa do seu portador. Assim que a alienação da mercadoria força
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de trabalho traz sempre junto um sujeito de necessidades que dificilmente se amoldam
às propriedades da mercadoria alienada que aquele porta. Portanto, além de compelir as
pessoas a venderem a força de trabalho, por mecanismos que vão do aguilhão da fome a
ideologias, é preciso lidar com o fato de que há sempre um ser humano, ali, que resiste.
Mas ao revés de respeitar sustentavelmente — por assim dizer — as necessidades
humanas dos sujeitos que trabalham, inclusive enquanto trabalham, a demanda constante do capital é por rentabilidade crescente, o que exige um progressivo incremento
da produtividade do trabalho. E, para isso, é preciso mobilizar os atores do teatro do
trabalho a atuarem como peças de uma máquina que age sobre a corporalidade de todos
e de cada um, promovendo a alienação do próprio ser humano genérico. Mais ainda! É o
grito que pulsa sem cessar nas cadeias de comando da produção e que hoje se concentram
sobretudo em extrair o máximo dos recursos psíquicos do trabalho. Embora ainda haja
muitas situações de superexigência física, as transformações tecnológicas, organizacionais
e econômicas conduziram o foco principal das tensões no trabalho para a sobrecarga
psíquica. Como o capital tem claros limites em alcançar seus objetivos legitimando-se
perante seus dominados, multiplicam-se os mecanismos mais ou menos visíveis de pura
violência para submeter aos fins da gerência, da empresa, do mercado, em otimizar o
emprego de suas “mercadorias-trabalho”. E com isso, evidentemente, agravam-se os
efeitos deletérios sobre as necessidades humanas de saúde e autonomia que tanto são
degradadas pelo trabalho quanto dele precisam para se realizar.(1)
Eis aí a essência das relações sociais de trabalho, antes, durante e depois de se
atualizarem em uma concreta relação envolvendo pessoas e/ou empresas específicas: a
violência. Nesta obra da maior atualidade e de uma profundidade ímpar no tema, Juan
Carlos Zurita Pohlmann toma a relação entre trabalho e violência para desenvolver um
estudo brilhante e corajoso sobre o papel que o Direito do Trabalho pode desempenhar
na proteção das pessoas frente ao fenômeno de generalização das práticas de assédio moral
como opção gerencial das empresas. Fruto de sua pesquisa de mestrado em Direitos
Fundamentais e Democracia, na Unibrasil, a dissertação foi aprovada com nota máxima
pela banca.
Como nos lembra Juan Carlos, as relações de emprego sempre foram permeadas
por formas de violência aparente que se apoiam em formas menos visíveis de violência
estrutural e muitas vezes se legitimam por instrumentos ideológicos e, inclusive, pelo
direito, que reconhece o poder diretivo, fiscalizador e disciplinar do empregador.(2) A
violência que percebemos reflete as formas de poder constituídas socialmente. Mas a
novidade das últimas duas décadas está na eleição deliberada da violência por meio da
manipulação do medo e do sofrimento das pessoas como estratégia gerencial de um
número crescente de empresas e organizações.
(1) WANDELLI, Leonardo Vieira. O direito humano e fundamental ao trabalho: fundamentação e exigibilidade. São Paulo:
LTr, 2012.
(2) Sobre o papel legitimador do poder patronal pelo Direito do Trabalho, destacam-se: COUTINHO, Aldacy Rachid. Poder
punitivo trabalhista. São Paulo: LTr, 1999. RAMOS FILHO, Wilson. O direito capitalista do trabalho: história, mitos e
perspectivas no Brasil. São Paulo: LTr, 2012. MELHADO, Reginaldo. Poder e sujeição. São Paulo: LTr, 2003.
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É inovadora, no contexto brasileiro, a abordagem que o livro traz do momento
atual vivido nas relações de trabalho, associando a leitura da sociologia das organizações
feita por Boltanski e Chiapello, com a psicodinâmica do trabalho de Christophe
Dejours, para mostrar que as práticas de assédio estão assentadas na força legitimante e
destrutiva de um novo “espírito do capitalismo”. A hipercompetitividade se espraia sobre
a subjetividade construída no seio das organizações. Os limites simbólicos à violência
são progressivamente derrubados, sob o fundamento da necessidade de sobrevivência
da empresa. Ao mesmo tempo, trabalhadores são submetidos a fazerem seu o projeto
empresarial, na expectativa de ganhos individuais, subtraindo-se da reivindicação coletiva.
Precarização, desmobilização, isolamento, promoção do medo e manipulação ideológica
são assumidos abertamente como estratégias gerenciais que produzem um mundo do
trabalho no qual são dispensadas as estratégias de legitimação do capital sedimentadas
nos tempos do Estado Social. O valor do trabalho individual e coletivo é substituído pelo
valor da gestão. A “virada gestionária” promovida a partir dos anos 1990 nasce nas grandes
corporações privadas, mas acaba se tornando um modelo organizacional hegemônico,
que domina inclusive a gestão pública. Na sua esteira, procura-se desqualificar o sistema
de saberes e valores do trabalho, de forma a desarmar a capacidade de resistência dos
sujeitos. Avultam, então, métodos organizacionais como a avaliação individualizada por
desempenho, os sistemas de qualidade total e a terceirização, os quais, como explicita
Dejours, destroem os mecanismos de contribuição e reconhecimento simbólico do
trabalho, esvaziam o sentido do trabalho bem feito, a participação na obra comum e o
pertencimento à coletividade. Desestruturam, assim, as possibilidades de uma vida com
sentido no trabalho. A explosão de adoecimentos psíquicos relacionados ao trabalho nas
últimas décadas é a marca sintomática dos novos tempos.
Neste ponto, também há contribuição relevante de Pohlmann, ao considerar o
conceito de um direito humano e fundamental ao trabalho, para mostrar que as práticas
de assédio, para além do resultado mais evidente, de degradação da saúde, atingem o
trabalho como um mediador essencial do humano. O trabalho não é só um potencial
agressor da saúde, nem só uma via essencial de acesso a outros bens materiais, mas
é, ele próprio, enquanto conjunto de atividades e relações, um bem com valor de uso
insubstituível para o sujeito. Daquilo que ocorre na vida das pessoas no trabalho dependem, em grande parte, as possibilidades de construção da identidade, autorrealização,
de desenvolvimento da personalidade, de construção de vínculos de pertencimento e de
solidariedade, de aprendizado ético e político. Essa centralidade antropológica do trabalho
deve se expressar em termos de um discurso dos direitos fundamentais, entendidos como
direitos essenciais à dignidade humana. Por isso, um direito fundamental ao trabalho
deve garantir, entre outros aspectos, o direito a que o conteúdo concreto do trabalho,
envolvendo a própria atividade de trabalho e a organização do trabalho, seja dotado das
condições necessárias para que ele possa cumprir o seu papel mediador central. Desta
forma, como tão bem ressaltado no livro, a coibição do assédio moral organizacional se
fundamenta, sobretudo, na proteção do direito fundamental ao trabalho e no direito a
um meio ambiente do trabalho saudável, aí incluída a organização do trabalho, além dos
direitos fundamentais ao desenvolvimento e à saúde.
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A degradação moral, a desolação, a competição entre iguais e o acirramento do
ambiente econômico formam o caldo no qual se forja a banalização da violência no
trabalho, ou seja, a insensibilização dos sujeitos e o silenciamento da injustiça inerente
a essa mesma violência, com a mobilização de “pessoas de bem” para o “trabalho do
mal”.(3) Proliferam-se, aí, as práticas denominadas de assédio moral, que têm sido objeto
de inúmeros estudos e de uma verdadeira explosão de demandas judiciais. Frente a isso,
Pohlmann vai além das abordagens centradas nas condutas dos sujeitos envolvidos em
formas de assédio moral perverso. Sem deixar de estudá-las, nos mostra que é preciso
perceber que, na grande maioria dos casos, as condutas identificáveis de violência direta
têm por detrás fatores de violência estrutural construídos no interior das organizações
como estratégia deliberada de gestão. Frequentemente não estão presentes os elementos
clássicos do assédio moral mais conhecido, por meio da identificação de condutas reiteradas de intencionalidade destrutiva de autores identificáveis, causando danos em vítimas
igualmente identificáveis. Nessas situações, a procura pelas formas mais perceptíveis de
assédio acaba obscurecendo a identificação e mesmo a dizibilidade de realidades muito
mais sistemáticas e nocivas, embora sutis, de violência gerencial, dentre elas o assédio moral
organizacional, em que a contribuição e a responsabilidade da organização permanecem
na penumbra. Nomear e identificar com precisão científica e doutrinária esse fenômeno
chave da violência no trabalho contemporâneo é o grande mérito desta obra. Revisando
criticamente a literatura que trata do assédio organizacional, apoia-se no pensamento de
Galtung para sustentar que o assédio moral organizacional não está essencialmente em
atos de violência direta. Não se trata de uma conduta, para o nosso autor, mas de uma
ideologia que legitima a violência estrutural da gestão baseada na manipulação do medo
e do sofrimento. Contudo, seus efeitos são da maior gravidade, justamente porque, como
demonstra a Psicodinâmica do Trabalho, aqui oportunamente estudada, destrói as condições organizacionais para que o trabalho possa sustentar a construção da identidade,
da saúde psíquica e da autorrealização dos trabalhadores, com efeitos transcendentes
também sobre a esfera pública, à medida que compromete a formação ética e política dos
sujeitos. Como consequência, todos os envolvidos acabam sendo, em maior ou menor
grau, a um só tempo vítimas e agressores, uma vez que coabitam um ambiente organizacional do trabalho destrutivo, por sonegar as condições negativas e positivas protegidas
pelo direito ao conteúdo do trabalho.
Assim, o assédio moral organizacional é corajosa e originalmente conceituado como
“um processo de internalização de ideologia aplicada à organização do trabalho que legitima o uso recorrente da violência em face dos trabalhadores com finalidade gerencial de
aumento da produção, violando direitos fundamentais e com potencialidade de resultar
em danos perceptíveis e imperceptíveis ao trabalhador e à coletividade”. Estudando cada
um dos elementos do conceito e confrontando-o criticamente com as demais propostas de
conceituação doutrinária, Pohlmann nos brinda com uma demonstração consistente de
que a amplitude não acarreta a perda da precisão da conceitualização e a sua capacidade
de traduzir concretamente, práticas de assédio organizacional que passam despercebidas
por outras figuras.
(3) DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social. 7. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2007.
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Adverte, nosso autor, que compreender o caráter estrutural da violência não significa
aceitá-la como natural. Nas relações de trabalho, o direito pode contribuir ao menos para
deslegitimar a violência e dizê-la como injustiça. Nesse sentido, a resposta jurídica por meio de
tutela ressarcitória em ações de indenização, ainda que alcance uma quantidade ínfima dos
casos cotidianos que acabam sendo julgados pelos tribunais,(4) resgata a possibilidade de
redramatizar-se a injustiça e de dizê-la como tal. Ao chegar até esse ponto, Assédio moral
organizacional: identificação e tutela preventiva, já justificaria a sua inclusão dentre as
obras obrigatórias para quem queira estudar o tema. No entanto, Pohlmann não para aí
e vai se dedicar àquilo que de melhor o direito pode fazer frente à violência do assédio
moral organizacional: a tutela preventiva, com medidas de prevenção, tutela inibitória,
e, ainda, ressaltando o aspecto preventivo da tutela ressarcitória. Destaca-se a abordagem
feita sobre a atuação da tutela inibitória coletiva para transformar elementos da organização do trabalho com vistas a prevenir o assédio moral organizacional, o que ressalta o
potencial transformador da jurisdição trabalhista.
Uma última palavra: o tema da corrupção tem ocupado o debate público de um
modo excessivamente centrado na atuação dos agentes do Estado, deixando-se de lado
a corrupção da própria sociedade. Segundo Aristóteles, corrupção é o movimento de
degradação da substância de algo. Tratar o trabalho como mercadoria significa reduzir
as pessoas a instrumentos. A corrupção dos ambientes organizacionais de trabalho induz
à inabilitação das pessoas a estabelecerem relações éticas e de solidariedade, engendra o
cinismo defensivo e desmobiliza o sentido de participação em uma obra comum. A reflexão
que se encontra nas páginas deste livro talvez possa nos ajudar a perguntar como a degradação da vida no interior das organizações de trabalho pode ser o gérmen da degradação
da vida pública e da corrupção do espírito público de que tão intensamente se reclama.
(4) SÁNCHEZ RUBIO, David. Encantos y desencantos de los derechos humanos: de emancipaciones, liberaciones y
dominaciones. Barcelona: Icaria, 2011. p. 104-113.
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Abreviaturas e Siglas
Código Civil ........................................................................................................ CC
Código de Processo Civil .................................................................................... CPC
Código Penal ....................................................................................................... CP
Consolidação das Leis do Trabalho ..................................................................... CLT
Constituição da República .................................................................................. CR
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos ............. DIEESE
Distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho ........................................ Dort
Lesões por esforço repetitivo............................................................................... LER
Ministério do Trabalho e do Emprego................................................................. MET
Ministério Público ............................................................................................... MP
Ministério Público do Trabalho ........................................................................... MPT
Norma Regulamentadora .................................................................................... NR
Organização Internacional do Trabalho .............................................................. OIT
Organização Mundial da Saúde ........................................................................... OMS
Reclamatória Trabalhista ..................................................................................... RT
Recurso Ordinário ............................................................................................... RO
Tribunal Regional do Trabalho ............................................................................ TRT
Tribunal Superior do Trabalho ............................................................................ TST
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Introdução
O objetivo de identificar o assédio moral organizacional parte da verificação de
que há hoje algo ligado ao trabalho que, de forma ascendente, vem ceifando a vida e a
saúde dos trabalhadores pela violação de seus direitos fundamentais. O que se supõe
estar ligado à organização do trabalho, a qual não é neutra, pois também o trabalho não
é neutro à saúde do trabalhador. A partir dessa constatação se buscará identificar o que
se modificou na organização do trabalho e que atinge, de maneira prejudicial, trabalhadores do mundo todo.
Demonstrar-se-á que, nos dias de hoje, a própria organização do trabalho se apresenta
cada vez mais violenta. A essa violência aplicada como forma de gestão, com vistas ao
aumento da produtividade e do lucro, a doutrina denomina “assédio moral organizacional”.
Em que pese se reconhecer a grande utilização dessa nomenclatura no sentido apontado,
questionar-se-á se a definição desse fenômeno, aplicada pela doutrina, é suficiente para
descrevê-lo adequadamente.
Com o intuito de auxiliar na identificação do que seria o assédio moral organizacional,
procurar-se-á contextualizar o fenômeno estudado, que, no Brasil, pode ser identificado a
partir do início da década de 1990, período que será demonstrado de maior verificação
de novos modos de gestão que criaram um quadro ascendente de doença física e mental
dos trabalhadores.
Por mais que com a promulgação da Constituição de 1988 tenha-se passado a reconhecer a fundamentalidade do Direito ao Trabalho, será analisado que a dificuldade na sua
conceituação torna difícil a tarefa de se demonstrar como o assédio moral organizacional
acaba por violá-lo. Nesse cenário, mostrar-se-á que o adoecimento psíquico dos trabalhadores em decorrência de técnicas de gestão fundadas exclusivamente na acumulação
permanece pouco evidenciado nos debates acadêmicos e na jurisprudência dos tribunais
do trabalho brasileiros e, assim, os direitos fundamentais permanecem frequentemente
violados, o que impulsiona a construção de uma realidade cada vez mais violenta.
Porquanto se trate de um problema diferenciado, tendo em vista as suas características peculiares, em especial a de legitimar os meios violentos para o acréscimo da produção
e a insegurança quanto à reparabilidade dos danos decorrentes, é que será defendida a
tutela judicial de forma diferente à ressarcitória, com privilégio a uma tutela preventiva.
Com base nessa verificação, ganhará destaque a aplicação da tutela inibitória em face do
assédio moral organizacional como meio mais eficaz à busca pela sua erradicação, o que
é o objetivo da presente obra, que será realizado em dois capítulos.
No primeiro capítulo, será correlacionado o assédio moral organizacional com a violência, apresentando seu conceito de maneira suficiente para que o assédio moral organizacional
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possa ser considerado uma de suas formas. Tentar-se-á demonstrar que o assédio moral
organizacional é uma forma de violência que legitima a aplicação desta para se promover
o acréscimo da produção.
Será demonstrado, ainda, que o assédio moral organizacional se sustenta na ideologia
econômica fundamentada no terceiro espírito do capitalismo, como descrito por Luc
Boltanski e Ève Chiapello, ou seja, do capitalismo descomplexado, que possui a tendência
de não necessitar se justificar. Sob esse enfoque, será abordado que, mais do que nunca,
o trabalho é visto como exclusivamente atrelado ao lucro, o que justificaria qualquer
conduta da organização do trabalho capaz de aumentá-lo, mesmo violando direitos fundamentais de quem trabalha.
Por ter temática semelhante, ainda no primeiro capítulo, serão apresentadas as
características do assédio sexual e do assédio moral perverso, para, a seguir, apresentar
os elementos que configuram o assédio moral organizacional. Ao buscar identificar seus
principais diferenciais, serão abordados os seguintes aspectos: a generalidade da conduta,
ou seja, não é voltado a uma pessoa ou a um grupo específico; a ausência de intenção
destrutiva; e a correlação com o desejo de aumento da produção, o que acaba violando
direitos fundamentais dos trabalhadores, como o direito ao trabalho, ao ambiente equilibrado de trabalho, ao desenvolvimento da saúde.
Buscar-se-á compreender a relação entre o trabalho e a vida, o que acaba por apresentar
os principais fundamentos à crítica da organização violenta do trabalho e possibilitará
ultrapassar a visão que limita a análise do assédio moral organizacional pelo seu resultado
mais aparente, que é a degradação da saúde do trabalhador. Como será verificado no
decorrer desse capítulo, isso acaba por relegar a um segundo plano a compreensão do
fenômeno como impeditivo à realização do que de melhor poderia advir pelo trabalho:
a construção da identidade e a emancipação.
Será evidenciado que a relação do trabalhador com o trabalho não se resume à busca
pela possibilidade de se alcançar, por este, bens necessários à mera subsistência, mas vai
além. Apesar de ser necessária à sociabilidade, além de se inserir na esfera de elementos
que compõem a personalidade, essa relação é quebrada nos modelos de gestão que elegem
o assédio como forma de gerenciamento da produção. Nega tanto a centralidade do
trabalho para o ser humano quanto o primeiro direito humano e fundamental, que é o
direito ao trabalho.
Também, procurar-se-á mostrar que o trabalho ocupa posição central na vida das
pessoas, tanto por favorecer a construção da identidade como por mediar a socialização.
O trabalho, como elemento que concretiza a identidade social do homem, possibilita o
autoconhecimento e a plena socialização. Portanto, o trabalho é da essência humana.
No entanto, no sistema capitalista de produção, essa centralidade é constantemente
negada por relegar ao trabalho tão somente a função de mediador para a obtenção de
outros bens, o que impossibilita a verificação da conexão insuprimível entre trabalho e
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vida. Com base nessas constatações, o que será criticado é que, embora a centralidade do
trabalho seja formalmente reconhecida, a organização do trabalho acaba se mostrando
algo intrinsecamente violento.
A pesquisa de jurisprudência realizada junto aos Tribunais do Trabalho brasileiros
demonstrará que estes já identificam o instituto com consequente condenação das empresas que o praticam pelos danos decorrentes. No entanto, além da verificação tardia
do fato, ou seja, quando o dano já se consolidou, continua-se a procurar a violência que
diretamente produziu o dano. Em regra, não se valora a participação do empregador
para tanto, nem se promovem medidas que o desincentivem a continuar a sua prática.
Quando não, muitas vezes o assédio moral organizacional é julgado como assédio moral
perverso, pelo que é procurada a figura do assediador e do assediado, o que acaba
invisibilizando o problema mais grave. Isto demonstra que, apesar de o tema do assédio
moral organizacional tomar grande relevo nos debates acadêmicos e na jurisprudência,
o fenômeno continua um tanto quanto obscurecido, sobretudo pelo desconhecimento
de seu alcance e do papel deletério que potencialmente pode desempenhar para a pessoa
do trabalhador e à sociedade.
Após ser definido o assédio moral organizacional e as bases teóricas pelas quais é
possível reconhecê-lo como nocivo, tanto ao indivíduo diretamente exposto quanto à
coletividade, buscar-se-á associar o crescimento dos índices de adoecimento mental dos
trabalhadores aos modos de gerenciamento, como o assédio moral organizacional.
Como os danos provocados por este são de difícil ou incerta reparação, uma vez
que comprometem a saúde mental dos trabalhadores, e podem ter ou não consequências visíveis, será demonstrado que melhor que repará-los seria evitá-los. Por esta razão,
tentar-se-á mostrar que a efetiva tutela em face dessa forma de assédio se dá pela prevenção e pela precaução e, ao se compreenderem os danos decorrentes do assédio moral
organizacional, há de ser privilegiada uma tutela jurisdicional preventiva à repreensiva.
Para isso, será apresentada a tutela inibitória como mecanismo processual adequado em
face do assédio moral organizacional, o que será defendido no segundo capítulo.
Como forma de prevenção ao assédio moral organizacional, apresentar-se-á a educação
como primeira medida a ser adotada. Na sequência, será analisado o diálogo entre os
trabalhadores e a criação de mecanismos de mensuração da saúde mental do trabalhador
em conexão com os modos de gestão praticados.
Em virtude dos danos sociais que já experimentam os trabalhadores, em decorrência
da prática do assédio moral organizacional, ponderar-se-á a necessidade de uma posição
mais combativa. Esta levaria o Poder Judiciário a interferir na organização do trabalho,
indicando, por meio de censura, os métodos de gestão que extrapolam os limites da
dignidade da pessoa humana.
Com fundamento na necessidade de prevenção, será apresentada a tutela inibitória
como medida judicial eficaz em face do assédio moral organizacional, bem como a sua
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operacionalização e aspectos específicos quanto ao que se propõe, sem se esquecer de que
esta pode ser cumulada com a tutela ressarcitória, a qual também pode cumprir função
punitivo-pedagógica a fim de desestimular as empresas a adotarem o assédio moral organizacional como modo de gestão.
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Capítulo 1
Fundamentos Conceituais do
Assédio Moral Organizacional
1.1. O assédio moral organizacional como violência
1.1.1. A definição de violência
O assédio moral organizacional pode ser reconhecido como a eleição da violência
como política de gestão,(5) o que não impede que este próprio seja visto também como
uma forma de violência. A definição de violência é polêmica, por ser polissêmica. Uma
aproximação se obtém no conceito da OMS,(6) qual seja: “El uso intencional de la fuerza
o el poder físico, de hecho o como amenaza, contra uno mismo, otra persona o un grupo o
comunidad, que cause o tenga muchas probabilidades de causar lesiones, muerte, daños psicológicos, trastornos del desarrollo o privaciones”.
Com foco na coerção, Zygmunt Bauman(7) indica que a violência se utiliza do terror,
inclusive corporal e/ou psicológico, para forçar o indivíduo ou uma coletividade a atuar
contra a sua vontade, configurando uma privação ao direito de escolha e de se autodeterminar. No mesmo sentido, Nilo Odália,(8) ao buscar compreender o que é a violência,
verifica que esta constitui uma constante na sociedade, não representando um fenômeno
novo e que, ao contrário, ao longo da história, demonstrou ser uma ferramenta eficaz
de controle que se constitui em obrigar o outro a fazer o que não se sente convencido
ou não quer fazer.
Slavoj Žižek, analisado por Luis Fernando Butierrez,(9) divide a violência em três
aspectos, diferenciando-os em: subjetiva, que, por ser a mais visível, estaria inserta na
maioria dos debates atuais; simbólica, própria da linguagem e suas formas e que dota a
violência de um sentido hegemônico; sistêmica, a qual é a base das anteriores e consequência
da hegemonia da ideologia econômica e política, servindo de base para a crítica da violência
subjetiva por ressaltar os limites até os quais esta pode ser admitida como normal.
(5) SOBOLL, Lis Andréa Pereira. Assédio moral/organizacional: uma análise da organização do trabalho. São Paulo: Casa
do Psicólogo, 2008. p. 12.
(6) OMS apud KRUG, Etienne G. et al. Informe mundial sobre la violencia y la salud. Washington, D.C., 2003. p. 5.
(7) BAUMAN, Zygmunt. A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas. Tradução: José Gradel. Rio de
Janeiro: Zahar, 2008. p. 259.
(8) ODÁLIA, Nilo. O que é violência. São Paulo: Nova Cultural-Brasiliense, 1985. p. 13.
(9) FERNANDO BUTIERREZ, Luis; ŽIŽEK, Slavoj. Sobre la violencia. Seis reflexiones marginales. In: Revista de Filosofía
y Teoría Política, n. 41, Buenos Aires: Universidade Nacional de la Plata, 2010. p. 253-267.
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Um dos méritos de Žižek é o de não se submeter à ideia reducionista quanto à
análise da violência apenas a partir da violência observável. Propõe pensar a violência
de uma maneira complexa, integrando outros aspectos que passam despercebidos, porém
fundamentam o sistema de dominação e exploração. Essa violência sistêmica não é observável e acaba não repreendida por estar intrínseca à cultura.
Por essa análise, em suas primeiras obras, com destaque aos movimentos do capital, o autor busca desmontar o mecanismo das estruturas sociais atuais, embasadas
na violência estrutural e sistêmica e que criam as condições para a violência subjetiva.
Após uma análise das ideologias que sustentam políticas voltadas à violência feita nas
obras seguintes, em suas últimas obras, Žižek critica a falsa liberdade de escolhas que
sustentam as políticas liberais e critica as universalidades proclamadas nos discursos
políticos, as quais mascaram uma intenção imperialista de dominação por quem as proclama. Procura ressaltar a brecha existente entre o particular da identidade e o universal,
em seu núcleo opressor, para que se evite uma identificação plena entre ambos de modo
a possibilitar uma crítica constante à violência. A violência, para Žižek, é “un acto que
perturbe radicalmente las relaciones sociales básicas, que imponga una visión activa y no
reactiva subsidiaria de un outro”(10).
Como identificado por Žižek na relação entre a violência subjetiva e a sistêmica,
Bauman também atrela a percepção da violência não à violência em si, mas à ilegitimidade
daquele que a está impondo. Analogicamente à verificação dos atos terroristas, conclui
o autor que “[...] a etiqueta de ‘terrorista’ das pessoas que atiram, lançam bombas e
queimam outros cidadãos depende menos da natureza de suas ações do que da simpatia
ou antipatia daqueles que imprimem as etiquetas e as colam”(11). Para Bauman,(12) é
impossível identificar se a história da violência é crescente ou declinante, porque não há
meios objetivos de mensurá-la; além do que, contra ela, provavelmente não se adotará
medida consistente, pois, como afirma Marie-France Hirigoyen,(13) a ordem para se
estabelecer precisa da coerção, podendo ser verificada no relacionamento dos casais, na
própria família, com reflexo na criação dos filhos.
Da descrição de Estado Moderno de Max Weber,(14) percebe-se que este também é
definido pelo meio específico da violência pela coação física:
Hoje, o Estado é aquela comunidade humana que, dentro de determinado
território — este, o “território”, faz parte da qualidade característica -, reclama
para si (com êxito) o monopólio da coação física legítima, pois o específico da
atualidade é que todas as demais associações ou pessoas individuais somente se
(10) FERNANDO BUTIERREZ, L. Op. cit., p. 257.
(11) BAUMAN, Zygmunt. Ibidem, p. 259.
(12) BAUMAN, Zygmunt. Ibidem, p. 260-264.
(13) HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano. 8 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2006. p. 21-61.
(14) WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen
Elsabe Barbosa. Brasília: Editora UNB, 1999. v. II, p. 525-526.
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atribui o direito de exercer coação física na medida em que o Estado o permita.
Este é considerado a única fonte do “direito” de exercer coação.
Analisando a constante de violência, Bauman(15) conclui que a “não violência”, que
seria um atributo da vida civilizada, não significaria a ausência de coerção, mas sim a
ausência de coerção não autorizada, pois o Estado ainda detém o monopólio da violência,
podendo autorizar e legitimar a sua utilização por outros. Por assumir variadas feições e
funções, a violência possui muitos sentidos, podendo ser percebida em várias formas, e, em
regra, o que a faz ser percebida como indevida seria a não aceitação de que seja praticada
de maneira ou por pessoa não autorizada para tanto.
Tal qual Žižek, Johan Galtung(16) compreende a violência sob três aspectos: direta,
estrutural e cultural, as quais se conectam e se apresentam ao mesmo tempo na sociedade.
No entanto, diverge quanto à classificação. Para este, a violência direta, como a subjetiva
de Žižek, é um evento, ou seja, um ato específico de violência, como um assassinato ou
uma agressão, ainda que psicológica. A violência estrutural possui a exploração como
peça central, marcando não apenas o corpo da vítima, mas também sua mente e espírito.
Trata-se de um processo que implanta a ideologia violenta; segmenta a visão que as
vítimas têm dessa ideologia; marginaliza estas vítimas; e fragmenta as vítimas para que
estas não se vejam como parte de uma coletividade, o que garante a passividade diante
dessa forma de violência. Já violência cultural é a porção não variante (aspectos culturais
como a religião, as ideologias, a linguagem, a ciência etc.) que irá legitimar as demais
formas de violência.
A utilização de meios violentos para o gerenciamento da produção não se trata, em
verdade, de novidade, uma vez que estes sempre estiveram à disposição das empresas,
sendo utilizados com fundamento no poder diretivo derivado de violência econômica,
causando ansiedade e desconforto ao trabalhador. A diferença está na sua admissão como
estratégia empresarial fundada no medo e no sofrimento como forma de induzir a submissão, visando à maximização dos lucros.(17) Aldacy Rachid Coutinho(18) evidencia que
“não há no Direito do Trabalho relação de emprego sem alguém que comande e alguém
que obedeça”, pelo que o contrato de trabalho cria uma relação jurídica que localiza o
empregado numa posição de sujeição à direção do empregador.(19) Entretanto, o empregador não possui qualquer poder sobre a pessoa do trabalhador, mas tão somente sobre
sua força produtiva.(20) Disso decorre que o trabalhador não pode ser penalizado pelo
empregador quando afrontado em sua dignidade pela organização do trabalho, pois há
uma primazia do trabalho sobre o capital, e não o inverso.(21)
(15) BAUMAN, Zygmunt. Ibidem, p. 262.
(16) GALTUNG, Johan. Cultural violence. In: Journal of peace research, v. 27, n 3, 1990, p. 291-305.
(17) RAMOS FILHO, Wilson. Bem-estar das empresas e mal-estar Laboral: o assédio moral empresarial como modo de
gestão de recursos humanos. Revista Eletrônica do Curso de Direito da Unifacs, n. 108, jun. 2009. Disponível em:
<http://www.revistas.unifacs.br/ index.php/redu/article/view/702>. Acesso em: 24 jul. 2012, p. 19.
(18) COUTINHO, Aldacy Rachid. Poder punitivo trabalhista. São Paulo: LTr, 1999. p. 205.
(19) COUTINHO, Aldacy Rachid. Ibidem, p. 114.
(20) COUTINHO, Aldacy Rachid. Ibidem, p. 89.
(21) COUTINHO, Aldacy Rachid. Ibidem, p. 231.
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A indignação perante a violência se dá no momento em que as vítimas começam
a percebê-la não mais como fatalidade ou encargo oponível, mas como reflexo de uma
injustiça, demandando, por um processo dinâmico e complexo de lutas específicas
e de conquistas coletivas, o reconhecimento de direito à proteção contra a violência
denunciada,(22) formando nova “realidade”.(23)
Mesmo que não se tenha um consenso sobre a definição de violência, a qual pode
ser analisada em diversos níveis, esta representa uma constante na sociedade. No entanto,
isso não implica aceitá-la como uma parte inevitável da condição humana;(24) deve-se
investigar os valores a ela associados, já que reflete as formas de poder constituídas socialmente. No presente, ao mesmo passo que o expansionismo do capital conquistou o
ideário geral pela possibilidade de ascensão financeira, promoveu um comprometimento
do discernimento da moral, recolhendo à normalidade discursos empresariais carregados de
violência contra o ser humano, no qual se insere o assédio moral organizacional.(25)
1.1.2. A ideologia que legitima a violência no ambiente de trabalho
O assédio moral organizacional pode ser compreendido como uma forma de violência
que nega direitos fundamentais e impede o trabalhador de realizar aquilo que de melhor
poderia vir pelo trabalho, o que acarreta a própria negação do trabalho, conforme será
(22) SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e “novos” direitos na constituição federal de 1988: algumas
aproximações. In: MATOS, Ana Carla Harmatiuk (Org.). A construção de novos direitos. Porto Alegre: Núria Fabris,
2008. p. 204-205.
(23) A “realidade” é um conceito que pode ser entendido como um fenômeno reconhecido independentemente da vontade,
ao qual, em geral, não se questionam as pessoas comuns, deixando de perceberem que esta pertence a contextos
sociais específicos. Não é fruto do mero acaso, mas decorrente das interações sociais, pois o ser humano não se
apresenta como um ser estático, e, sim, continuamente se externalizando por meio de suas atividades sociais, e
é justamente a rotinização destes hábitos que acaba por criar as instituições. Sendo esquecidos os hábitos que
lhe deram origem, estas acabam sendo admitidas como verdadeiras e transcendentais, algo que sempre houve e
que sempre existirá, sendo, assim, construída a sociedade, admitida como uma realidade objetiva, legitimando os
mecanismos de controle social voltados à sua própria manutenção, ainda que em atuação autônoma (BERGER,
Peter; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade. Rio de Janeiro: Vozes, 1999). Wandelli (WANDELLI,
Leonardo Vieira. O direito humano e fundamental ao trabalho: fundamentação e exigibilidade. São Paulo: LTr, 2012.
p. 165; 182-189) aponta que essa construção, quanto ao trabalho, pode fazer uso da expectativa de reconhecimento,
a qual é inerente à necessidade individual de autorrelação consigo e com a comunidade. Esta expectativa é um dos
fatores que viabilizam a produção, o qual pode ser utilizado como ideologia para o convencimento da adequação de
condutas, premiando-se aqueles que agirem em conformidade com o esperado por quem premia. Como exemplo
pode-se citar a criação da figura do “operário padrão”, adaptada à necessidade de migração de uma sociedade
agropastoril para industrial no Brasil; e o empreendedorismo, marca registrada no terceiro espírito do capitalismo.
Ao se criar uma realidade, suas vítimas permanecem invisíveis para o sistema até que haja o reconhecimento
público quanto à sua posição de vítima. Para se tornar visíveis, antes de tudo estas devem tomar autoconsciência
crítica, reconhecendo, reciprocamente, a negatividade sofrida pela comunidade de vítimas. É a institucionalização do
direito que permite ultrapassar o limiar de invisibilidade, ainda que não implementado. O primeiro aspecto positivo
da institucionalização do direito ao trabalho é o reconhecimento de que a privação ao trabalho é uma injustiça;
o segundo aspecto é que, reconhecida como ausente, possibilitará a busca pela sua concretização, evitando o
abandono pela falta de efetividade e do discurso tendencioso a lhe impingir ser impossível ou indesejável.
(24) KRUG, Etienne G. et al. Op. cit., p. 3.
(25) HELOANI, Roberto. Assédio moral: um ensaio sobre a expropriação da dignidade no trabalho. RAE electron.
São Paulo, v. 3, n. 1, jun. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S167656482004000100013&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 13 jul. 2012, p. 3.
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