Repensando a premissa de adaptabilidade a partir do hábito
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Repensando a premissa de adaptabilidade a partir do hábito
REPENSANDO A PREMISSA DE ADAPTABILIDADE EM COMUNIDADES TRADICIONAIS RURAIS: SISTEMAS AGROALIMENTARES EM TRANSIÇÃO? RETHINKING THE ADAPTABILITY ASSUNPTION IN THE TRADITIONAL RURAL COMMUNITIES: AGRO FOOD SYSTEMS IN TRANSITION? Rodrigo de Jesus Silva1, Maria Elisa de Paula E. Garavello2. 1. Universidade Federal do Acre, Distrito Industrial, 69920-900 - Rio Branco, AC – Brasil; Tel. (68) 3228-1234/9904-9545 E-mail: [email protected] (Autor para correspondência). 2. Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ). Universidade de São Paulo. Av. Pádua Dias,11, Agronomia, 13418-900 - Piracicaba, SP - Brasil - Caixa-Postal: 9, Tel: (19) 34294225 Fax: (19) 34336016, E-mail: [email protected]. Recebido: 31/05/2015; Aceito 14/06/2015 RESUMO: Há um intenso debate sobre as consequências da expansão do desenvolvimento socioeconômico, do processo de globalização, no meio rural, no modo de vida e particularmente nos sistemas agroalimentares de comunidades tradicionais, povos indígenas, camponeses, etc. As mudanças de hábitos alimentares observadas nas cidades, no meio rural tendem a ser acompanhadas por transformações nas formas de uso dos recursos naturais, na produção de autoconsumo, na reprodução sociocultural e no modo de vida adquirido ao longo décadas, séculos, de contato com a natureza. Neste sentido, inúmeros trabalhos na área de ecologia humana destacam a adaptabilidade destas comunidades às mudanças socioeconômicas e culturais. Contudo, a questão é que frequentemente desconsideram aspectos históricos e teóricos inerentes ao próprio conceito de adaptação humana. Assim, o objetivo do presente trabalho é problematizar a premissa de adaptabilidade às mudanças socioeconômicas e culturais no contexto de comunidades tradicionais rurais, com enfoque principalmente nas transformações agroalimentares. Palavras-chave: Povos Tradicionais; Sistemas Agroalimentares, Ajustes Adaptativos. ABSTRACT: There is an intense debate about the consequences of socioeconomic development and globalization process in the rural areas, on the lifestyle and particularly in the agro food systems of traditional communities, indigenous peoples, peasants, etc. The nutritional transition in traditional rural communities tend to be accompanied by changes in forms of use of natural resources, in self-consumption production, socio-cultural reproduction and way of life acquired over decades, centuries of contact with nature. Regarding this, several studies in the human ecology area highlights the adaptability of these communities to the socioeconomic and cultural changes. However, the point is that often disregard historical and theoretical aspects inherent to the concept of human adaptation. So, the aim of this paper is to discuss the adaptability premise to the socioeconomic and cultural changes in the context of traditional rural communities, focusing mainly in the agro food transformations. Keywords: Traditional People; Agro food systems, Adaptive adjustments. comedor de todo seu universo biocultural 1. INTRODUÇÃO A alimentação se torna um elo desenvolvido a partir do manejo dos chave para o entendimento da relação do recursos naturais [6]. Vários estudos sobre homem com a natureza, por possibilitar a o processo de transição nutricional já sobrevivência atividades foram realizados [4, 7-11]; porém, na extrativistas e agrícolas de uso dos escala de comunidades tradicionais rurais o recursos naturais [1]. Ao nos colocar em número ainda é bem restrito. Dentre contato que aqueles que foram realizados, no caso com compartilhamos com outros animais - as comunidades ribeirinhas na Amazônia, foi estratégias de sobrevivência e instintos verificado uma tendência de mudança da naturais alimentação nas formas de uso dos através com - tudo transforma de aquilo tanto o meio ambiente quanto os nossos corpos e mentes, nossa cultura [2]. recursos naturais [8, 12, 13]. Diante disso, alguns autores Contudo, devido à expansão da defendem que a mudança de hábitos economia de mercado e à globalização alimentares em comunidades rurais devido mundial, principalmente, produções locais à transição alimentar pode ser explicada a têm produtos partir da diversidade de estratégias de industrializados e processados de fácil utilização dos recursos e adaptabilidade às acesso, como óleos vegetais e gorduras [3]. condições sazonais do meio ambiente, Este transição socioeconômico e cultural [14-17]. Embora nutricional acentua o aparecimento de reforcem a habilidade das populações doenças crônicas ligadas à dieta: doenças tradicionais no manejo e uso dos recursos cardiovasculares, diabetes e câncer [4, 5]. naturais como forma de contornar os sido substituídas processo chamado por de Por meio deste sistema de produção moderno, industrial, os problemas de alimentação, por meio do sistemas ponto de vista da adaptabilidade, estes agroalimentares estão se transformando, estudos reconhecem a interferência de desvinculando o alimento da natureza e o fatores socioculturais na alimentação. Assume-se, portanto, que devido ao Contudo, diante deste panorama torna-se maior acesso das comunidades tradicionais necessário discutir o próprio conceito de rurais à cidade, a transição alimentar, povos recorrente agroalimentares. no meio urbano, seja tradicionais e sistemas acompanhada por mudanças na relação com a natureza, alterando todo o sistema 2. REVISÃO DE LITERATURA agroalimentar, as formas de produção de autoconsumo e uso dos recursos naturais 2.1 Povos Tradicionais e os de subsistência. Como consequência, o Agroecossistemas do Lugar manejo da terra, o extrativismo vegetal e Para animal podem se tornar cada vez mais Morán [14] os povos a tradicionais se pautam por outro modelo de adaptabilidade às mudanças recorrentes visão de mundo, no qual natureza e nos sistemas agroalimentares, colocando sociedade são integradas, onde ambas em risco a própria manutenção do modo de emergem uma na outra de maneira vida local. simbiótica. Por meio dessa relação de reduzidos, impossibilitando Neste cenário, a questão que se mundo tais comunidades adquirem um coloca para discussão em que medida a profundo conhecimento dos processos aproximação com o meio urbano e o modo naturais e por meio disso estabelecem de vida moderno tem promovido o sistemas complexos de uso dos recursos desenraizamento dos povos tradicionais e naturais, pelo qual se preserva e até até que ponto as comunidades tradicionais incrementa a biodiversidade local [18]. rurais de fato se adaptam ao processo de Arruda [19] ressalta que populações transição, de mudança. De tal forma, o tradicionais normalmente dependem do objetivo do presente trabalho é discutir a trabalho familiar para o próprio sustento e premissa de adaptabilidade humana em que empregam tecnologias de pequeno comunidades com impacto, como artesanato, lavoura, pesca e enfoque no processo de transformação dos extrativismo. Identifica-se aí uma estreita sistemas agroalimentares. Além disso, a relação intenção é caracterizar o conceito de tradicionais com a questão ambiental de adaptabilidade a partir do seu contexto uso dos recursos naturais disponíveis para histórico aplicado à ecologia, para assim a subsistência. tradicionais rurais, discutir a perspectiva de ajuste adaptativo em comunidades tradicionais rurais. da definição de populações No Brasil, do ponto de vista legal o termo aparece apenas recentemente, na Lei “Essa sobre a utilização e proteção da vegetação dependência se nativa do Bioma Mata Atlântica de 2006. manifesta inicialmente na própria Na sociedades adaptação ecológica. A relação do tradicionais são aquelas em que as relações trabalhador rural com seu ambiente pessoais relações sempre dependeu de um mínimo de econômicas em frequência e importância utensílios e bens de consumo que só para sua manutenção e reprodução e, nesse podiam ser produzidos em uma processo, mantêm estreita relação com seu economia diferenciada: quanto mais território, ressaltando a especificidade dos não fossem, armas, utensílios de povos metal definição da Lei, sobrepujam tradicionais as com relação às características do seu processo produtivo. Posteriormente, por meio e sal. Os instrumentos fundamentais para a exploração do do ambiente, de um lado o machado e Decreto nº 6.040, de 07 de fevereiro de enxada, de outro a espingarda e o 2007 o Governo Federal criou a Política facão, Nacional de Desenvolvimento Sustentável localmente.” não são produzidos dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), possibilitando maior Ao avaliar o processo migratório reconhecimento da identidade e do direito em a terra e outras garantias. Por meio deste Durham [20] reafirma que as condições de decreto inúmeras culturas são reconhecidas constituição como tradicionais, dentre elas os povos subsistência em clima tropical, diante de quilombolas, uma herança cultural comum, parecem ter pescadores artesanais, ribeirinhos, etc. No comunidades de rurais uma tradicionais, economia de condicionado um modo de existência a fundamentalmente semelhante em todo um meio rural do país, o que caracteriza a conjunto de produtores autônomos que por amplitude do termo tradicional para a consumir boa parte do que produz para a realidade rural brasileira. população meio se rural brasileiro, caracteriza como automanutenção e subsistência, sempre Trata-se do que António Candido, manteve contato com o mercado, mesmo já em 1964 denominou “homem, cultura e que de sociedade rústicas” usando o termo caipira ferramentas agrícolas, sal, dentre outros, e para a variante paulista, enquanto que repasse de sobras da produção nos Arruda [19] utiliza “povos tradicionais e mercados locais [20]. Quanto a isso cultura rústica”. Diante de um contexto Durham [20] cita que: atual de mudanças sociais globais em que o esporádico, para compra modo de vida das comunidades rurais tem reproduzida e se aproximado cada vez mais ao do meio simbólica é mantida, de forma que urbano, os antropólogos tem questionado a permitindo validade do termo “tradicional”. Numa favorece a preservação do conhecimento perspectiva de preservação ambiental, local e saberes acumulados a partir do uso Cunha e Almeida [21] discutem que o dos recursos naturais disponíveis. O lugar, conceito de culturas tradicionais ainda está portanto, é visto como a localidade em construção. específica a a divisão territorial abundância pela qual as de víveres experiências Neste trabalho, se optou pela vividas, ao estimularem algum grau de utilização do termo “povos tradicionais” na enraizamento e construção de identidades, medida em que ainda mantém as principais torna-se algo importante para as pessoas, características gerando relação definidoras, íntima e tal como: conhecimento assim um sentimento de pertencimento [23]. aprofundado sobre os ciclos da natureza, No lugar das tradições, Escobar noção de território e permanência nele por [23] assume a importância da práxis em várias reduzida que o conhecimento local se desenvolve acumulação de capital, porém com acesso mais por meio da prática do que de um ao mercado, importância das relações de sistema parentesco atividades compartilhados e livres de contexto in situ. extrativistas, tecnologia simplificadas e de Assim, os saberes tradicionais originados baixo impacto de uso dos recursos, por meio de um conjunto de atividades autoreconhecimento e identificação pelos práticas constitui-se por uma história de outros do pertencimento à cultura [18]. práticas passadas que mudam de acordo Estas características constituem o modo de com a necessidade. No lugar das tradições vida que na escala do lugar reproduz os o ritmo de vida não é marcado pelo relógio processos históricos e socioculturais de ou pelas “necessidades” do mercado, a sobrevivência. natureza dita a práxis do cotidiano; espaço gerações e sucessivas, compadrio, O termo lugar tem relação com o “espaço do homem” que de acordo com formal de conhecimentos onde o tempo, um dos recursos mais escassos da cidade, é farto e abundante. Baiocchi [22] pode ser definido também Hobart [24] defende que o como as casas que o abrigam, as roças que conhecimento local, em específico o os mantêm vivos, os moradores e cidadãos agrícola, deve ser visto como um conjunto locais de capacidade de improvisação, inerente a cumpridores dos deveres socialmente transmitidos, onde a vida é um contexto espacial e temporal determinado e não como específico apenas antrópicos já foi abordado extensivamente a um “sistema indígena de conhecimento”, por inúmeros autores [27-29]. como sugere alguns. Gudeman e Rivera Apesar da variação histórica e [25] argumentam que os modelos locais geográfica peculiar a cada cultura, os são agroecosssistemas tradicionais conjugam experiências de vida que se desenvolvem por meio do uso baseado em inúmeras características semelhantes, processos e práticas locais mais amplas. como: produção de autoconsumo, baixos Estes elementos fazem parte do insumos agrícolas e tecnológicos, grande arcabouço de saberes de uso dos recursos diversidade de cultivares, uso de recursos naturais que, em termos práticos, fornecem naturais locais, dentre outros [30]. Nestes alternativas de manutenção dos costumes, agroecossistemas tradicionais, a variedade garantindo às de espécies cultivadas é um elemento condições de mudança. Estas variedades chave para sustentabilidade agrícola, para a respondem e são produto tanto das práticas diminuição da demanda por insumos culturais locais quanto das restrições externos [31], pois abarca todo um ambientais, desempenhando um papel complexo biocultural de uso dos recursos intrínseco na sobrevivência cultural, no naturais de subsistência que auxilia na repositório de costumes ancestrais, como conservação da biodiversidade [26, 30] e cultivares de receitas específicas, músicas, na reprodução sociocultural [32]. assim a sobrevivência artesanato, histórias de origem, de plantio, Para muitos pesquisadores a colheita, processamento e armazenamento, alimentação é compreendida como o meio de rituais alimentares e técnicas agrícolas fundamental dentre outros [26]. condições socioeconômicas, culturais, e de de automanutenção das Sob esta perspectiva, a diversidade adaptabilidade às condições sazonais e de culturas e experiências humanas em ambientais [14, 17, 33, 34]. Contudo, para sistemas agroalimentares pode contribuir entender para a sobrevivência em caso de restrições adaptabilidade humana o qual o presente severas, tais como catástrofes ambientais, trabalho aborda, é necessário retomar estiagem prolongada, ataques de pragas, partes da discussão histórica referente ao erosão de terra e ou falta de crédito tema. melhor a perspectiva de agrícola. Vale destacar que o valor da diversidade biocultural para aumentar a 2.2 O Conceito de Adaptabilidade no estabilidade de ecossistemas naturais e Contexto Sociocultural Para entender melhor o intenso contexto social e ambiental específico [36]. debate sobre adaptabilidade humana vale Wilson [36] frisa que os genes sustentam retomar a sua rica conjuntura histórica. O certa influência nas atitudes e respostas primeiro sociais programadas: marco desta discussão não poderia deixar de remontar ao pai da De maneira determinística, para evolução, Charles Darwin. Em seu livro Wilson [36] a seleção natural operaria “A expressão das emoções no homem e ininterruptamente nos animais” Darwin defende que muito indivíduos ao ambiente, sendo que as das nossas expressões emocionais são estruturas herdadas remotos, tenderiam a desaparecer com o tempo. apoiando a ideia de que boa parte dos Contemporâneo de Wilson, o renomado comportamentos básicos de fuga, defesa, biólogo Richard Dawkins publica em 1976 caça, dentre outros, são inatos [35]. Algo o seu primeiro livro, provavelmente o mais justificável com base na manifestação conhecido também, “O Gene Egoísta”. de antepassados similar nas mais diversas culturas. para socioculturais adaptar os desvantajosas Neste, Dawkins [37] além de Muito por influência dos trabalhos inverter a unidade\escala de ação da de Darwin, inúmeros estudos ainda hoje evolução do organismo ou espécie para o continuam sendo direcionados com o nível pontual do gene, propõe o conceito objetivo de avaliar os aspectos biológicos de meme. Podendo ser definido como um do comportamento humano. Tamanha análogo cultural do gene que, de certa influência que vários autores extrapolaram maneira, também estaria sobre controle dos os limites teóricos do próprio Darwin, mecanismos darwinianos de evolução, a como descreve Lorenz em Darwin [35], unidade destacando elementos “evolucionistas” no pensamento-conhecimento comportamento humano, os quais ele socialmente. Para Dawkins [37], a partir do mesmo não atribua tal consideração. momento Um dos “extrapoladores”, Edward principais O. padrão que conhecimento do a meme seria memorizado transferência (memes) o de acumulado Wilson proporcionasse benefícios individuais ou defende em seu livro “Sociobiology” uma coletivos eles automaticamente seriam base genético-evolucionista para a maioria fixados culturalmente e assim transferidos dos comportamentos sociais, justificando para as gerações seguintes. boa parte das atitudes individuais e padrões socioculturais mais gerais como Entretanto, segundo Gould [38], ao um delegar a cultura e o comportamento social processo de adaptação genética a um ao controle dos genes, tanto Wilson quanto Dawkins recorrem em um erro ambientais ou hereditárias. Destacando interpretativo a respeito dos conceitos de uma premissa de potencialidade, Morin potencialidade e determinação biológicas. [39] cita que: a “No que diz respeito ao ser inexistência de predisposições genéticas vivo, ele sofre dupla determinação, inatas – determinação – em relação ao genética e ecológica (à qual se junta, nosso comportamento humano, o ponto de para o ser humano, a determinação vista de potencialidade como sendo o sociocultural) Mas, em seu computo conjunto respostas e no seu comportamento, o ser vivo comportamentais possíveis diante de uma apropria-se da e identifica consigo a gama de opções disponíveis, também não determinação genética, que não deixa pode ser refutado. Nesse sentido, Gould de ser determinação, fornecendo-lhe, [38] cita que: ao Ainda que não possamos ilimitado provar de “Começamos a enxergar-nos mesmo tempo, as aptidões organizadoras que lhe permitem não como um animal que aprende; sofrer acabamos as determinismos e acasos do ambiente. cultura Ao mesmo tempo, esse ser vivo não superam de longe as predisposições, só extrai do ambiente os alimentos e mais fracas, de nossa constituição informações que lhe permitem ser genética.” autônomo, mas também sofre os por acreditar que influências de classe e passivamente os acontecimentos de sua vida que, Desta maneira, podemos até pensar em punções genéticas, também sua experiência pessoal. Há, ecológicas e socioculturais como sistemas portanto, autonomia do individuo- que nos pré-determinam por meio da tríade sujeito em e por dupla subjugação.” de hereditárias constituindo seu destino, constituem influencias subliminares do comportamento, hereditariedade, fatores Defendendo um ponto de vista de ambientais e culturais. Não obstante, não hereditariedade, mas ainda sim um mesmo pré- tanto determinístico, Morán [14] define estabelecido ainda somos seres potenciais adaptação no sentido não evolucionista, em um contexto de vida que nos torna não controlado pelos genes, como as aptos ao livre arbítrio e à criatividade mudanças fisiológicas e comportamentais autônoma de direcionadas por mudanças ambientais. determinísticas, sejam diante de um modelo predisposições elas culturais, Ressaltando aspectos sobre ecologia humana de populações da Amazônia, demandas nutricionais de subsistência Morán [14] extrapola o campo de ação da eram facilmente satisfeitas [15, 42]. Outros adaptabilidade que trabalhos propõem a eficácia dos modelos dependendo do grau de transformação que de subsistência e manejo dos recursos dos o sistema de subsistência de populações caboclos caboclas experimente diante do contato automanutenção da população [14, 43]. ao argumentar interétnico com a modernidade, a relação homem/ambiente pode se agravar. da Amazônia para a Contudo, a evolução humana criou uma lógica própria, na qual a Quanto a isso, o próprio Morán [14] sobrevivência não é mais uma simples destaca que os novos insumos alimentares, adaptação às condições naturais/reais, mas os produtos de supermercado, raramente sim contribuem positivamente por, geralmente, realidade/natureza conduzir roças interesses e valores humanos [44]. Para tradicionais e ao aumento de doenças DaMatta [45], tal relação decorre de um típicas do ocidente, como diabetes e utilitarismo reducionista que percebe o cardiopatias. Em relação a isso, Wrangham comportamento [40] enfatiza que uma vez que evoluímos derivado de um impulso natural e ou de enquanto espécie para valorizarmos o uma reação a um estimulo ambiental excesso, a externo. Entende-se, portanto, que não é o alimentos mais processados e de maior homem que se adapta a natureza, mas densidade calórica acaba sendo uma justamente o oposto, haja vista o caráter estratégia dietética das indústrias que, extremamente amplo e não determinado da devido ao estilo de vida mais sedentário do esfera social, com várias direções e homem moderno, precisa ser reavaliada. inúmeras áreas de conflito e convergências ao a abandono tendência das em direção No contexto do rio Solimões, Noda o contrário, um social fazendo da produto dos humano como simultâneas [45, 44]. [41] argumenta que resultante ao contato Assim, uma vez que a ciência ainda com valores externos a agricultura familiar não encontrou nenhuma forma de controle de várzea vem passando por um momento genético sobre os comportamentos sociais de transformação das estruturas políticas e humanos, aprecia-se como ato imperativo organizativas como forma de se adaptar às repensar a tese de adaptabilidade para novas a questões de ordem sociocultural, evitando alguns a mera extrapolação argumentativa não condições autossuficiência. e Além garantir disso, autores defendem que mesmo entre os povos caçador-coletores mais antigos, as falseável1 como forma de contornar a dela. Richerson e Boyd [47] argumentam análise mais elaborada e a necessária que as questões mais fundamentais de como comprovação científica [38-45]. Neste os seres humanos passaram a ser o animal intercurso, DaMatta [45] descreve que: que são só pode ser respondida por uma instituições teoria em que a cultura está intimamente culturais e sociais e tratá-las como entrelaçada com outros aspectos da biologia um biólogo, em termos de conceitos humana, sem prevalência de uma sobre a “ (...) tomar como adaptabilidade, estímulo etc. as mudanças supostamente ocorridas no outra durante o processo evolutivo do homem; uma via de mão dupla, portanto. Para Stinson et al. [48], a biologia meio exterior, é evitar penetrar na razão crítica das diferenças entre as sociedades e penetrar nesta área é estar começando a ficar preparado para discutir o mundo social e cultural – o mundo da diversidade, da história e da especificidade.” humana interage com a cultura e só pode ser entendida à luz desta, haja vista influenciar tanto o nosso ambiente quanto a forma que respondemos a ele. Há inúmeros exemplos de como a cultura molda o ambiente de adaptação humana, dentre eles Stinson et al. [48] destacam a domesticação de gado e outros animais produtores de leite que ao Portanto, o comportamento do longo do tempo possibilitou a capacidade de humano não pode ser explicado por ele digerir o açúcar do leite, a lactose. O autor mesmo enquanto unidade de referencia usa o mesmo argumento para explicar alguns isolada, sendo necessário, compreender as eventos contemporâneos, como a redução ações e comportamentos sociais dos seres das humanos em termos culturais específicos mudanças tecnológicas e econômicas, sendo ao contexto social subjacente [46]. provavelmente o principal responsável pelo atividades físicas, resultante das Segundo Stort [44], numa busca aumento mundial das taxas de obesidade. Do incessante por sentido e satisfação das mesmo modo, a escolha alimentar que se necessidades o ser humano procura adaptar a constitui em um aspecto cultural interfere na natureza às suas necessidades e à sua visão biologia do ser humano e vice-versa, o que de mundo, transformando e se apropriando remete à visão coadaptativa de Richerson e Boyd [47], acima citados. 1 Karl Popper propõe através do Falseacionismo um método de resolução do problema da indução científica com base em dados empíricos. O método pressupõe que é mais fácil refutar uma afirmativa do que provar sua veracidade. À medida que o pesquisa não consegue falsear a hipótese, o estudo ganha credibilidade cientifica [51]. Noutra perspectiva, quanto às propostas de desenvolvimento local e possíveis melhorias das condições de vida para as comunidades rurais, cabe discutir se elas se adaptarão grandes justificado pelas condições de escassez e transtornos ao maior acesso ao mercado e vulnerabilidade em que a maioria dos se a dinâmica biocultural gerada não povos tradicionais vive, o preconceito culminará num processo de assimilação condena-os a uma situação de incapacidade irrestrita de elementos externos. Quanto a que na prática não condiz com a realidade isso, Montero [49] defende que este de superação histórica. Apesar da intenção processo de incorporação, “mundialização” de ou intervenções externas neste formato podem globalização, promove não sem necessariamente homogeneização cultural, justamente o oposto, nesta interface novos proteção da cultura tradicional, acarretar na propagação de um aparelho ideológico de vitimização do povo. padrões reaparecem, ressaltando outro nível de diferenças no seio das especificidades locais. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS As consequências do fenômeno de Diante de todas estas questões que transição agroalimentar, recorrente nas remetem à capacidade de ajuste adaptativo comunidades ao desenvolvimento, de riscos de dilapidação dos arranjos culturais transição agroalimentar, conjectura-se que se nenhuma iniciativa - local ou externa - a preocupação de dilapidação cultural em de empoderamento local for realizada. A comunidades tradicionais pode ocultar reafirmação dos costumes e o estímulo à ingenuidade e ou preconceito velado. autodeterminação através do incentivo ao Ingenuidade trabalho ao processo basicamente por não tradicionais tradicional representarão possibilita às reconhecer que os povos “tradicionais” são comunidades locais um maior ajuste uma adaptativo às mudanças ocasionadas pelo categoria ocupada por políticos, articulados ao direcionar toda uma sujeitos ponto de política conservacionista materializada na criação processo de desenvolvimento socioeconômico. Em termos culturais, a vida de inúmeras Reservas de Desenvolvimento invariavelmente se rearranja, pois em Sustentável por todo território nacional constante transformação [21, 50]. conformações são E preconceito por sempre novas possíveis. considerá-los Independente da escala de estudo ou incapazes de uma tomada de decisão contexto de análise, novas conexões autônoma perante as “tentações” do mundo socioculturais podem sempre surgir, seja globalizado. Revestido um através da sobreposição de elementos protecionismo fantasioso, normalmente externos aos valores locais ou por meio da de reelaboração completa em que ambos os caracteres reorganizam, – – interno/externo gerando uma se dinâmica diferente. ilha de Ituqui, Baixo Amazonas, Pará. Revista de Antropologia USP, v. 44, n. 2, p. 39-88, 2001. [2] POLLAN, M. O Dilema do Onívoro: A tendência de transição agroalimentar em comunidades com maior acesso aos uma história natural em quatro refeições. 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