O trabalho no lixão e suas implicações sócioambientais na fronteira
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O trabalho no lixão e suas implicações sócioambientais na fronteira
a MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CAMPUS DO PANTANAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM ESTUDOS FRONTEIRIÇOS O TRABALHO NO LIXÃO E SUAS IMPLICAÇÕES SOCIOAMBIENTAIS NA FRONTEIRA BRASIL-BOLÍVIA Mestranda: Fátima Ale El Seher Orientador: Prof. Dr. Gustavo Villela Lima da Costa Corumbá - MS 2011 1 2 FÁTIMA ALE EL SEHER O TRABALHO NO LIXÃO E SUAS IMPLICAÇÕES SOCIOAMBIENTAIS NA FRONTEIRA BRASIL-BOLÍVIA Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Mestrado em Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre. Linha de Pesquisa: Desenvolvimento, Ordenamento Territorial e Meio Ambiente Orientador: Dr. Gustavo Villela Lima da Costa Corumbá - MS 2011 3 FÁTIMA ALE EL SEHER Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Mestrado em Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre. Aprovado em ____/____/_______, com Conceito _________. BANCA EXAMINADORA ________________________ Dr. Gustavo Villela Lima da Costa (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul) ________________________ Dr. Ivan Bergier Tavares de Lima (Embrapa Pantanal) ________________________ Dra. Rosane Manhães Prado (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) 4 “Dedico este trabalho aos grandes amores da minha vida: Aos meus filhos Luiz Henrico e João Mateus” 5 AGRADECIMENTOS Na vida precisamos trilhar nosso próprio caminho. Porém mais suave ele se torna quando podemos contar com pessoas especiais que nos ajudam nesta caminhada. Concluir o mestrado representa para mim uma conquista imensurável que contou com o apoio e o incentivo de muitas pessoas queridas no transcorrer desta jornada. Assim, para expressar a minha alegria, agradeço em especial: Primeiramente a Deus que me guiou até aqui, me dando força e coragem para empreender esta pesquisa. Ao meu pai, pelo exemplo de luta no qual sempre me espelhei. A minha mãe por ser mãe dos meus filhos no decorrer da pesquisa. Aos meus filhos por suportarem a minha ausência quando mais precisaram de mim. Ao meu namorado, Alexandre Gustavo Pahl, que neste momento da minha vida, além de me fazer sentir plena de amor, me deu colo nos momentos em que eu mais precisei. Aos meus irmãos que sempre acreditaram no meu potencial. Neste caso, refiro-me também à minha cunhada Alessandra, irmã adotada no meu coração. Ao meu primo Sleiman que com a sua generosidade sempre me deu a mão todas as vezes que fiquei sem chão. As minhas amigas Clara Lito e Patrícia Decenzo pela amizade, por acreditarem em meu potencial e sempre me incentivarem a seguir em frente. A Ramona, responsável pela Secretaria do Programa de Mestrado, que com a sua flexibilidade, agilidade e competência, sempre buscou me atender da melhor maneira possível. Ao meu amigo Eduardo Araújo pelas inúmeras provas de amizade. A Luciene Deová, pela troca de experiência e por ter sempre uma palavra de conforto nos momentos de adversidade. Ao Programa de Pós-graduação Mestrado em Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, por ter sido o berço deste sonho realizado. Ao professor Marco Aurélio Machado por ser um incentivador em meus estudos. Sempre atendendo os meus telefonemas nas horas mais inapropriadas. Ao professor Edgar Costa por conseguir me libertar dos meus receios acadêmicos, me fazendo adentrar de maneira segura, com a sua didática ímpar, no complexo “mundo da metodologia científica”. À professora Sônia Jurada que participou da minha banca de qualificação, norteando a minha pesquisa com as suas críticas construtivas. 6 A professora Rosane Manhães Prado, que com o seu sensível olhar antropológico, muito contribuiu para a finalização da minha dissertação. E, por se deslocar do Rio de Janeiro até Corumbá para participar da minha banca de defesa. Ao pesquisador Ivan Bergier Tavares de Lima por dispor do seu tempo para ler em tão pouco tempo o meu trabalho e participar da minha banca de defesa. Ao meu orientador, Gustavo Villela Lima da Costa, pela orientação, amizade, paciência e confiança dispensada na elaboração e desenvolvimento deste trabalho. Agradeço a você por haver me ajudado, com a sua abertura e sensibilidade, a superar os desafios de um estudo interdisciplinar e ter compreendido os percalços acadêmicos e existenciais vividos no decorrer da pesquisa. A você, o meu sincero abraço e a minha eterna amizade. E, por fim, os meus sinceros agradecimentos aos catadores de materiais recicláveis, em especial a Jurandir e a Rosa, por contribuírem de maneira valorosa com a minha pesquisa, que depositaram confiança em mim e no meu trabalho. A vocês, queridos companheiros nesta empreitada, o meu carinho e respeito pelo exemplo de força e coragem. 7 “Todo caminho da gente é resvaloso. Mas também, cair não prejudica demais a gente levanta, a gente sobe, a gente volta! O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem". (João Guimarães Rosa) 8 RESUMO A existência de dano ambiental em uma área de fronteira para ser compreendida em sua totalidade, deve ser analisada a partir da inter-relação do meio social com o meio físico-natural, priorizando a singularidade reinante da região, visto que os problemas ambientais podem atravessar fronteiras. Os resíduos sólidos gerados em Corumbá e Puerto Quijarro, ambos localizados, respectivamente, na fronteira Brasil-Bolívia, são descartados em “lixões”, nos quais catadores obtêm sua fonte de renda a partir da coleta de materiais recicláveis dispostos nestes locais. Com base neste enfoque, este trabalho utiliza a etnografia para analisar as implicações socioambientais decorrentes da cadeia produtiva da reciclagem na fronteira Brasil-Bolívia buscando comparar as condições de trabalho dos catadores brasileiros e bolivianos. Além disso, esta pesquisa procura compreender de que maneira o discurso ambientalista está promovendo um processo de ressignificação social nestes atores sociais que antes eram marcados pelo estigma e pela invisibilidade social. Assim, este trabalho busca retratar o universo social dos catadores em estudo, pretendendo, também servir como instrumento de apoio aos governos municipais das cidades fronteiriças supracitadas, norteando futuras ações em busca de políticas públicas favoráveis aos atores sociais pesquisados sem comprometer a conservação do meio ambiente. Palavras-chave: fronteira, catadores, lixão, ambientalismo, ressignificação social 9 RESUMEN La existencia de daño ambiental en área de frontera, para ser comprendida en su totalidad, debe ser analizada a partir de la interrelación del medio social con el medio físico natural, priorizando las particularidades reinantes en la región y teniendo en cuenta que los problemas ambientales pueden cruzar las fronteras. Los residuos sólidos generados en Corumbá y Puerto Quijarro, ambos localizados respectivamente en la frontera Brasil-Bolivia, son desechados en “vertederos”, en los cuales los colectores obtienen renta a partir de la recolecta de materiales reciclables dispuesto en estos locales. Con esta base, esta pesquisa utiliza la etnografía para analizar las implicaciones socio-ambientales decurrentes de la cadena productiva del reciclaje en la frontera Brasil-Bolivia, buscando comparar las condiciones de trabajo de los colectores brasileños y bolivianos. Además de esto, esta pesquisa busca comprender de que manera el discurso ambientalista está promocionando un proceso de replanteamiento social con estos actores sociales, que antes eran marcados por la impronta y por la invisibilidad social. De esta manera, este trabajo de investigación busca retractar el universo social de los colectores en estudio, pretendiendo también, servir como instrumento de apoyo a los gobiernos municipales de las respectivas ciudades fronterizas antes nombradas, dando norte a futuras acciones en busca de políticas públicas que favorezcan a dichos actores sociales aquí pesquisados y sin comprometer la conservación del medio ambiente. Palabras claves: frontera, colectores, vertedero, ambientalismo, replanteamiento social. 10 ABSTRACT The existence of environmental damage in a border area, to be understood in its entirety, must be analyzed from the interrelation of the social with the physical and natural environment, emphasizing the uniqueness of the region, since environmental problems can cross borders. The solid waste generated in Corumbá and Puerto Quijarro, both located respectively at the border between Brazil and Bolivia, are discarded in "lixões" in which collectors get their source of income from the collection of recyclable materials placed in these locations. Based on this approach, this research uses ethnographic method to analyze the socio-environmental implications arising from the productive chain of recycling in Brazil-Bolivia border, seeking to compare the working conditions of the Brazilians‟ and Bolivians‟ collectors. Moreover, this research seeks to understand how the environmental discourse is promoting a process of social re-signification of these social actors, which were marked by stigma and social invisibility. Thus, this work seeks to portray the social universe of the collectors in the study, intending, also, to serve as a support to the municipal border cities‟ governments, guiding future actions in pursuit of public policies in the benefit of the social actors surveyed, without compromising the conservation of the environment. Key words: Border, “lixão”, collectors, environment, social re-significance 11 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Caminhão padronizado da coleta seletiva em Corumbá, 2010 23 Figura 2 – Esquema simplificado de um aterro sanitário 24 Figura 3 – Mapa de localização do lixão municipal de Corumbá, 2009 26 Figura 4 – Unidad de Medio Ambiente y Recursos Naturales, 2011 27 Figura 5 – Caminhão de lixo boliviano descarregando resíduos sólidos no lixão de 28 Puerto Quijarro, 2011 Figura 6 – Lixão de Puerto Quijarro, 2011 29 Figura 7 - Resíduos sólidos queimados no lixão de Puerto Quijarro, 2011 30 Figura 8 – Resíduos sólidos sendo queimados no lixão de Puerto Quijarro, 2011 30 Figura 9 – Lixão de Corumbá, 2009 34 Figura 10 – Barraca no lixão de Corumbá, 2011 38 Figura 11 – Outra imagem de barraca no lixão de Corumbá, 2011 38 Figura 12 – Esteira no lixão de Corumbá, 2010 39 Figura 13 – Lixo depois de ser compactado pela esteira, 2011 40 Figura 14 – Sede da Associação Vale da Esperança, 2010 40 Figura 15 – Catadores coletando recicláveis no lixão de Corumbá, 2011 41 Figura 16 – Catadora fechando a gibeira no lixão de Corumbá, 2011 41 Figura 17 – Catador inserindo recicláveis na gibeira, no lixão de Corumbá, 2011 42 Figura 18– Catadora do lixão de Corumbá carregando uma gibeira, 2009 42 Figura 19 – Gibeiras no galpão do lixão de Corumbá, 2009 43 Figura 20 – Acúmulo de gibeiras na frente do galpão do lixão corumbaense, 2010 43 Figura 21 – Prensista “puxando” recicláveis, lixão de Corumbá, 2009 44 Figura 22 – Trabalhador operando a prensa no galpão do lixão de Corumbá, 2010 45 Figura 23 – Material reciclável depois de prensado no lixão de Corumbá, 2010 46 Figura 24 – Catadora de reciclável do lixão de Corumbá, 2010 46 Figura 25 – Caminhão com atravessadores no lixão de Corumbá, 2010 48 Figura 26 – Balança usada pelos atravessadores no lixão de Corumbá, 2010 48 Figura 27 – Depósito de recicláveis no “Ferro Velho NSª de Fátima, Corumbá, 2010 49 Figura 28 – Lixão de Puerto Quijarro, 2011 50 Figura 29 – Placa proibitiva na entrada do lixão, Puerto Quijarro, 2011 50 Figura 30 – Via de acesso ao lixão de Puerto Quijarro, 2011 51 Figura 31 – Pesquisadora entrevistando catadora boliviana no lixão de Puerto Quijarro, 52 12 2009 Figura 32 – Pesquisadora conversando com o adolescente no lixão de Puerto Quijarro, 56 2011 Figura 33 – Pesquisadora observando o trabalho dos catadores no lixão de Corumbá, 68 2010 13 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Plano de Coleta domiciliar de Corumbá- MS, 2010 22 Tabela 2 - Valores dos Recicláveis Comercializados em Corumbá – MS, 2011 59 14 LISTA DE SIGLAS ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas CBO – Classificação Brasileira de Ocupação CEMPRE – Compromisso Empresarial para Reciclagem EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária ENGIRS – Estratégia Nacional de Gestão Integral de Resíduos Sólidos EPI – Equipamentos de Proteção Individual FUNASA – Fundação Nacional de Saúde FUNTERRA – Fundação de Meio Ambiente e Desenvolvimento Agrário IMASUL – Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul INFRAERO – Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária MNCR – Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis PET - Tereftalato de Polietileno SBDA – Sociedade Boliviana de Direito Ambiental SEBRAE – Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SIMPAN – Simpósio sobre Recursos Naturais e Socioeconômicos do Pantanal UMA – Unidade de Meio Ambiente e Recursos Naturais UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura 15 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 16 1. GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS NA FRONTEIRA BRASILBOLÍVIA.................................................................................................................... 21 1.1.Gerenciamento de resíduos sólidos em Corumbá................................................... 22 1.2.Gerenciamento de resíduos sólidos em Puerto Quijarro....................................... 26 1.3.Análise comparativa do gerenciamento de resíduos sólidos em Corumbá e Puerto Quijarro......................................................................................................... 31 2. CATADORES DOS LIXÕES DA FRONTEIRA BRASIL-BOLÍVIA................ 32 2.1.Catadores do lixão de Corumbá............................................................................ 34 2.2.Catadores do lixão de Puerto Quijarro................................................................... 50 2.3.Catadores brasileiros X catadores bolivianos: um estudo comparativo............... 56 3. PROCESSO DE RESSIGNIFICAÇÃO SOCIAL DOS CATADORES............... 61 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 71 REFERÊNCIAS......................................................................................................... 73 16 INTRODUÇÃO No decorrer do tempo, a extração dos recursos naturais e o aumento da produção de bens de consumo vêm aumentando significativamente, causando severos impactos socioambientais, em virtude do aumento desmedido da produção de lixo. Se por um lado, no modo capitalista de produção existe o aumento da parcela dos incluídos no consumo de massa, por outro ocorre o crescimento do número de excluídos do mercado de trabalho em escala nunca antes vista. No dicionário1, lixo é definido como imundície ou tudo o que não presta mais e deve ser jogado fora. Originalmente a palavra lixo vem do latim lix que significa cinzas ou lixívia. A palavra residuu, também do latim, significa o que sobra de determinadas substâncias, e sólido é incorporado para diferenciar a dos resíduos líquidos e gases (NASCIMENTO, 2004). Assim, resíduo sólido é sinônimo de lixo na linguagem técnica, e é todo e qualquer tipo de rejeito produzido e descartado pelas atividades antrópicas. A história do lixo não é recente. Ela pertence à própria história da civilização humana, pois o homem é o único ser vivo que não consegue ter seus dejetos inteiramente reciclados pela natureza. Mas, apesar da produção de lixo ser inerente à condição humana, o aumento da produção de resíduos sólidos passou a ser uma das grandes preocupações da atualidade, visto que a industrialização, a concentração populacional urbana e o incentivo ao consumo são os pilares da sociedade moderna. Esta preocupação é fundamentada na problemática ambiental decorrente do aumento da produção do lixo, que se inicia com a extração de recursos naturais para a indústria, passando pelos processos de produção, armazenamento, transporte e comércio até a dificuldade de gerenciamento dos resíduos sólidos gerados após o consumo (PORTILHO, 2002). E como os processos ecológicos são interdependentes, os mesmos podem repercutir de forma sistêmica e planetária, ultrapassando fronteiras. Desta maneira, os problemas ambientais ocasionados pela destinação inadequada de resíduos sólidos atravessam visivelmente as fronteiras nacionais e se convertem em ameaças para regiões inteiras do globo (SANTOS, 2007; VARGAS, 2003). Assim ocorre também na fronteira entre o Brasil e a Bolívia, onde se localizam, respectivamente, as cidades de Corumbá e Puerto Quijarro, ambas situadas no bioma Pantanal. 1 Fonte: Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa Ilustrado – Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira. 17 O Pantanal, onde estão inseridas as cidades fronteiriças em estudo, é considerado pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) “Patrimônio Natural Mundial e Reserva da Biosfera” em função de sua importância e diversidade ecológica. Apesar de estarem inseridas em um bioma de imensurável beleza e valor ecológico, tanto Corumbá como Puerto Quijarro têm como destinação final dos resíduos sólidos o “lixão”. O lixão é uma forma inadequada de disposição final de resíduos sólidos, caracterizado pela simples descarga dos mesmos sobre o solo, sem medidas de proteção ao meio ambiente ou à saúde pública (ABNT, 2004; CEMPRE, 2002). E, em ambos os lixões existem catadores buscando a sobrevivência através da venda de materiais recicláveis coletados por eles. A coleta e a separação manual dos materiais recicláveis constituem a base da cadeia produtiva da reciclagem que se sobrepõe à invisível linha fronteiriça que demarca a soberania de ambos os países. Considerando os aspectos descritos acima, a justificativa em empreender este estudo está na crescente preocupação de âmbito socioambiental ocasionada pela super exploração do catador de recicláveis em área de fronteira. A partir daí, podemos indagar as seguintes questões: de que maneira o fato de Corumbá e Puerto Quijarro estarem localizadas em área de fronteira agrava mais este problema? Como se organiza o trabalho dos catadores que trabalham no lixão em ambos os lados da fronteira? Como podemos compreender a influência do discurso ambientalista na cadeia produtiva da reciclagem das duas cidades em estudo? Assim, tendo em vista compreender a lógica sob a qual está fundamentada a cadeia que forma o circuito econômico da reciclagem na fronteira entre o Brasil e a Bolívia, este trabalho busca compreender a influência do discurso ambientalista nos dois lados da fronteira, usando como parâmetro as implicações socioambientais decorrentes da cadeia produtiva da reciclagem em Corumbá e Puerto Quijarro. Além disso, procura comparar as condições de trabalho dos catadores em estudo e a comercialização dos recicláveis nas duas localidades. Em vista disto, este trabalho tem como objetivos: Descrever a cadeia produtiva da reciclagem em Corumbá (Brasil) e Puerto Quijarro (Bolívia); Analisar a influência do discurso ambientalista nos dois lados da fronteira em estudo; Comparar as condições de trabalho dos catadores de recicláveis que trabalham nos lixões de Corumbá e Puerto Quijarro; 18 Verificar se o discurso ambientalista está relacionado ao processo de ressignificação social dos catadores em estudo. Com este propósito, o primeiro capítulo descreverá de que maneira ocorre o gerenciamento de resíduos sólidos nas cidades fronteiriças em estudo. Este capítulo se propõe a explanar de maneira sucinta sobre a legislação ambiental de cada país no que se refere ao tratamento do lixo, além de expor de que modo o poder público municipal de Corumbá e Puerto Quijarro tratam da problemática decorrente da produção do lixo, descrevendo desde o processo de coleta até a destinação final dos resíduos sólidos gerados. O segundo capítulo descreve o trabalho dos catadores brasileiros e bolivianos. Nele será apresentado como os catadores de recicláveis organizam o seu trabalho, buscando retratar as relações de poder inseridas entre os diferentes atores sociais pertencentes à cadeia produtiva da reciclagem. Cada etapa, desde a coleta até a venda dos materiais recicláveis será descrita neste capítulo. Além disto, esta parte da pesquisa, também procura compreender qual a influência da fronteira na cadeia produtiva da reciclagem. No terceiro capítulo será abordada a questão da ambientalização dos conflitos socioambientais2, buscando esclarecer como e em que momento o discurso ambiental é acionado pelos catadores na região fronteiriça. Buscará investigar de que forma os diversos discursos ambientalistas dos distintos atores sociais, passam a mediar os conflitos econômicos, políticos e sociais em torno da questão do lixo. Esta parte do trabalho trata também do processo de ressignificação social dos catadores. A metodologia utilizada para a realização deste estudo dividiu a pesquisa em etapas. Inicialmente foram realizadas pesquisas bibliográficas que buscaram estabelecer a base teóricaconceitual deste trabalho. Também foram consultados artigos, teses, dissertações, notícias, artigos, dentre outros na internet e nos arquivos da FUNTERRA3 (Fundação de Meio Ambiente e Desenvolvimento Agrário). Este vasto referencial teórico foi de grande auxílio para o desenvolvimento da pesquisa empírica. Outra etapa da metodologia se constituiu na realização de pesquisa de campo, na qual a pesquisadora passou a ir aos lixões para a realização de entrevistas com os principais atores sociais envolvidos no debate a respeito do circuito produtivo da reciclagem na área de fronteira em estudo. Esta fase foi importante para compreensão dos interesses de cada grupo em torno do lixo. 2 Conflitos socioambientais referem-se a um conjunto complexo de embates entre grupos sociais em função de seus distintos modos de inter-relacionamento ecológico (LITTLE, 2006). 3 Órgão ambiental da Prefeitura Municipal de Corumbá. Local onde a pesquisadora trabalha como bióloga. 19 Levando em consideração a forma de abordagem do problema estudado, esta é uma pesquisa qualitativa aplicada, já que, de acordo com Appolinário (2004), a pesquisa aplicada tem como objetivo resolver problemas ou necessidades concretas e imediatas. Já do ponto de vista dos seus objetivos, esta pesquisa é exploratória e explicativa. Exploratória, porque visou proporcionar maior familiaridade com o problema a fim de torná-lo explícito, envolvendo levantamento bibliográfico e entrevistas com pessoas que tenham experiências práticas com o tema pesquisado. E, explicativa, porque buscou identificar os fatores que determinam ou contribuem para a ocorrência do problema, aprofundando o conhecimento da realidade ao explicar a razão das coisas. Quanto aos procedimentos técnicos, trata-se de uma pesquisa-ação, visto que, de acordo com Michel Thiollent (1985), trata-se de um tipo de pesquisa social com base empírica concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e na qual pesquisador e participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participante. Ainda, segundo Oliveira (1981, p. 19), a pesquisa-ação “promove o conhecimento da consciência e também a capacidade de iniciativa transformadora dos grupos com quem se trabalha”. A coleta de dados foi obtida via inquérito pessoal utilizando o método etnográfico. Sendo que, optou-se em fazer uso da etnografia em virtude da convivência que a pesquisadora4 tem com os sujeitos da pesquisa. Sabe-se que a etnografia é um processo guiado preponderantemente pelo senso questionador do etnógrafo. E o grupo de maior incidência de interesse neste método de pesquisa são possuidores de reduzido poder de participação na sociedade, configurando as características dos atores sociais em estudo neste trabalho (BECKER, 1977; DA MATTA, 1983; GOFFMAN, 1975; MALINOWSKI, 1976). Deste modo, as técnicas e procedimentos etnográficos não seguem padrões rígidos ou pré-determinados, mas sim o senso que o etnógrafo desenvolve a partir do trabalho de campo no contexto social da pesquisa. Assim, estas técnicas foram formuladas para atenderem à realidade do trabalho de campo. A linha de questionamento foi delineada de acordo com os temas que passaram a pertencer ao corpo do trabalho. Em suma, a etnografia permitiu que nesta pesquisa fossem consideradas a especificidade das ações, as perspectivas e os significados atribuídos pelos atores sociais que participam da cadeia produtiva da reciclagem na fronteira em estudo. 4 A pesquisadora trabalha como bióloga na Prefeitura Municipal de Corumbá. A atividade profissional da mesma tornou possível conseguir a inserção no campo de estudo, pois a pesquisa etnográfica tem como pressuposto uma relação de confiança entre o pesquisador e os atores sociais, sobretudo em uma área de difícil acesso como é o caso dos lixões da região de fronteira. 20 Espera-se que este trabalho possa contribuir positivamente para futuras análises da cadeia produtiva da reciclagem, em outras regiões de fronteira. 21 GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS NA FRONTEIRA BRASIL-BOLÍVIA Sabe-se que, quando os resíduos sólidos não recebem os cuidados convenientes, tornamse um problema sanitário de grande relevância (BRASIL, 2004). Apesar disto, na maior parte das vezes, o manejo e destino dos resíduos sólidos são feitos de forma inadequada, acarretando problemas graves para o meio ambiente e para a saúde das pessoas. A escolha das áreas para deposição final do lixo é feita, em geral, de maneira aleatória ou baseada apenas no custo do transporte. O lixo é, então, depositado sob a forma de pilhas ou espalhado, constituindo o famoso lixão. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, realizada pelo IBGE em 2000, 64% dos municípios brasileiros depositam seus resíduos em lixões, apenas 14% possuem aterros sanitários e 18% possuem aterros controlados.5 Além disso, foi constatado que em 2008 apenas 405 dos 5.564 municípios brasileiros tinham um programa de coleta seletiva de lixo.6 No Brasil, após tramitar durante dezenove anos, no Congresso Nacional, foi aprovada em 07 de julho de 2010 no Senado Federal a lei que institui a Política Nacional dos Resíduos Sólidos, sendo que a mesma foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 02 de agosto de 2010. Com a entrada em vigência desta nova legislação fica proibida a criação e/ou a continuação da existência de lixões. Assim, a partir desta data todas as prefeituras têm o prazo de 4 anos para instituir nos municípios a destinação final adequada dos resíduos sólidos. Sendo ainda proibido a catação de lixo, morar ou criar animais em aterros sanitários. Neste texto legal, encontra-se estabelecido que a sociedade tenha de acondicionar de forma adequada seu lixo para a coleta, inclusive fazendo a separação no município onde houver a coleta seletiva. A União e os governos estaduais poderão conceder incentivos à indústria de reciclagem. Pela nova política, os municípios só receberão recursos do governo federal para projetos de limpeza pública e manejo de resíduos sólidos após a aprovação dos planos de gestão municipal de resíduos sólidos.7 Já na Bolívia, a Lei Nacional de Meio Ambiente de número 1333 foi promulgada na Bolívia em 1992 e estabelece diretrizes para proteger e conservar o meio ambiente e os recursos naturais, regulamentando ações antrópicas e promovendo o desenvolvimento sustentável com a 5 Aterro controlado é uma técnica de disposição de resíduos sólidos no solo, cobrindo-os com uma camada inerte na conclusão de cada jornada de trabalho. Aterro sanitário é uma forma de disposição final de resíduos sólidos urbanos no solo, mediante confinamento em camadas cobertas com material inerte, segundo normas específicas operacionais, de modo a evitar danos á saúde pública e minimizando os impactos ambientais (CEMPRE, 2002), 6 Dados obtidos no arquivo da Fundação de Meio Ambiente e Desenvolvimento Agrário (FUNTERRA), órgão ambiental da Prefeitura Municipal de Corumbá. 7 Dados obtidos no site: <http://www.senado.gov.br/noticias/verNoticia.aspx?codNoticia=103233&codAplicativo=2>. Acesso em: 20 set. 2010. 22 finalidade de melhorar a qualidade de vida. Nesta Lei encontra-se o Decreto Supremo de número 24.176 de 8 de dezembro de 1995 que trata do regulamento da gestão dos resíduos sólidos. Este decreto tem como objetivo estabelecer juridicamente a ordenação e fiscalização dos resíduos gerados no país, fomentando o aproveitamento dos mesmos mediante adequada recuperação dos recursos naturais neles contidos. O artigo 91 do decreto supracitado preconiza a proibição da existência de lixões na Bolívia. Além disso, “La Estrategia Nacional de Gestion Integral de Residuos Sólidos” (ENGIRS) busca se articular com os objetivos da Agenda 21, que prevê o descarte final ecologicamente correto do lixo.8 Seguindo esta abordagem, neste capítulo será descrito como ocorre o gerenciamento de resíduos sólidos em Corumbá e Puerto Quijarro, verificando se o mesmo ocorre em consonância com o que é preconizado pela legislação ambiental vigente de cada país. Gerenciamento de resíduos sólidos em Corumbá Corumbá situa-se na região Centro-oeste do Brasil, no estado de Mato Grosso do Sul e, encontra-se na fronteira com a Bolívia, à margem do rio Paraguai. O primeiro contato de Corumbá com o território boliviano ocorre com o distrito de Arroyo Concepción, que faz parte da Alcadia de Puerto Quijarro, ao lado da cancela divisória entre os dois países. Em Corumbá, os serviços de coleta dos resíduos sólidos domiciliares, resíduos de saúde, galharias, varrição e destinação final são terceirizadas e empreendidas pela empresa Unipav Engenharia Ltda. O município possui a coleta de resíduos domiciliar dividida em 5 setores, sendo que no setor 1 (centro da cidade) a coleta é diária no período noturno, e nos demais setores é realizada em dias alternados diurnamente, conforme tabela 1 abaixo. Hoje, o trabalho de coleta atinge 99% do perímetro urbano, com um total de aproximadamente 70 toneladas recolhidas ao dia. Do total de lixo descartado no lixão, 62% correspondem a resíduos domiciliares, 14% particulares (empresas), 13% proveniente de podas, construções e outros 7% correspondente a lixo hospitalar e 3% das feiras livres.9 Tabela 1 – Plano de coleta Domiciliar de Corumbá-MS, 2010 Setor Freqüência Período 01 Diário Noturno 02 e 03 Segundas Quartas e Sextas. Diurno 04 e 05 Terça, Quinta e Sábado. Diurno Fonte: Empresa de Engenharia Unipav Ltda, 2010. 8 9 Horário 18h30– 01h30 06h45 – 11h 06h45 – 11h Dados obtidos em entrevista com a responsável pelo órgão ambiental da Prefeitura Municipal de Puerto Quijarro. Dados obtidos nos arquivos da Prefeitura Municipal de Corumbá. 23 Vale mencionar que a coleta de resíduos de saúde é realizada diariamente no hospital público, postos de saúde, clínicas e farmácias. O descarte destes resíduos é feito em valas separadas no lixão, onde é posteriormente compactado e recoberto com rejeito fino de minério. Os pneus inservíveis da cidade são armazenados no Ecoponto10. A destinação final destes pneus é realizada através do co-processamento da empresa cimenteira Votorantim, licenciada para a atividade. O monitoramento desses resíduos é feito pelos agentes de endemias que realizam o trabalho de conscientização e notificação junto às borracharias e outros geradores. Os resíduos de galharias, provenientes de podas de árvores, são encaminhados para um lugar diferenciado no lixão, contudo, parte destes resíduos é enviada para uma empresa denominada Cerâmica Vista Bela, que os reutiliza como combustível para a fabricação de tijolos. Em outubro de 2007, a Prefeitura Municipal de Corumbá lançou o projeto piloto de coleta seletiva no setor 01 da cidade que corresponde à área central da mesma. Para participar da coleta seletiva, o munícipe deve separar os materiais recicláveis em sacolas plásticas azuis disponíveis nos principais supermercados da cidade, obrigatoriedade prevista em Lei Municipal.11 Os materiais recicláveis separados pela população eram recolhidos por um caminhão padronizado (Figura 1), semanalmente, terça e quinta-feira, a partir das 18h30. Figura1: Caminhão padronizado da coleta seletiva em Corumbá, 2010 (Fonte: FUNTERRA, 2010). 10 Termo usado para designar o local adequado para o depósito de pneus inservíveis de uma cidade. O prefeito Ruiter Cunha de Oliveira sancionou a Lei 2.027/2008, que trata do fornecimento obrigatório de embalagens diferenciadas nas cores azul e branca para acondicionamento de mercadorias pelos supermercados com área comercial superior a 200 metros quadrados como parte do programa de coleta seletiva do lixo. 11 24 Atualmente, a coleta seletiva de recicláveis encontra-se em fase de reestruturação e por isso o projeto não se encontra em funcionamento. A previsão é de que a coleta reinicie em setembro, contando desta vez, com Pev‟s (Pontos de entrega voluntária de recicláveis), kits de coleta seletiva, dentre outros equipamentos, obtidos com recursos da FUNASA (Fundação Nacional de Saúde), em virtude de um acordo firmado entre esta instituição e a Prefeitura Municipal de Corumbá. Vale mencionar que este projeto tem como principal objetivo beneficiar os catadores de recicláveis do lixão com a implantação de uma mini-usina de reciclagem, que será a receptora dos materiais advindos da coleta seletiva. Em Corumbá, encontra-se em fase de licenciamento, o projeto que prevê a construção de um aterro sanitário (Figura 2). Figura2: Esquema simplificado de um aterro sanitário. (Fonte: <www.rc.unesp.br/ead/residuos/res13.html >Acesso: 05 de out. 2009). O aterro sanitário controlado é uma das maneiras adequadas para a disposição correta de 12 rejeitos . A construção do aterro sanitário estava prevista para ser executada em parceria com o município de Ladário. A sua construção será em um local que esteja de acordo com as normas de segurança socioambiental exigidas. 12 Rejeitos são resíduos sólidos que não possui qualquer possibilidade de reaproveitamento, reutilização, reciclagem ou compostagem. 25 Atualmente, o projeto de construção do aterro sanitário encontra-se em fase de licenciamento no órgão ambiental estadual – Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul). Vale lembrar que, de acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos, todos os municípios tem o prazo de 4 anos para se adequar e construir um aterro sanitário controlado, onde só poderão ser depositados os rejeitos. Mas, de acordo com entrevista dada pela diretora de licenciamento do Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul), Márcia Pereira da Mata, “Em Corumbá, o solo é pedregoso, o que dificulta a escavação para construir o aterro. E ainda há a questão do bioma Pantanal, o qual a maior parte encontra-se inserido no município.” 13 Assis (2009), em sua pesquisa na fronteira Brasil-Bolívia afirmou que: Não se pretende aventar, no entanto, que o aterro sanitário, representação de uma gestão integrada dos resíduos na fronteira, seja uma solução única e exclusiva para a problemática socioambiental dos resíduos, quer sejam locais, regionais ou globais. Certamente deve haver outras soluções [...] (ASSIS, 2009, p.14). Além disto, Assis et al. (2010) propuseram no 5º Simpan (Simpósio sobre Recursos Naturais e Socioeconômicos do Pantanal), realizado em Corumbá, que “o lixo, quando inserido num contexto atual de sustentabilidade, possui elementos nobres, tanto do ponto de vista da reciclagem de materiais quanto da produção de energia limpa e renovável.” Esta pesquisa avaliou de maneira comparativa o ganho ambiental decorrente da produção de energia limpa através da implantação de um aterro sanitário e de uma planta de conversão térmica de biomassa denominada pirólise. Os autores concluíram que: No aterro é possível produzir energia com biogás e a pirólise permite produzir energia na forma líquida (bio-óleo) e sólida (briquetes), além de produzir finos de carvão de interesse agronômico. Em termos ambientais, distintamente do aterro, a pirólise permite maior controle dos processos de transformação e manejo dos subprodutos, incorporando-os a cadeias produtivas ao invés de lançá-los no ambiente (chorume) [...]Em suma, acredita-se que uma planta de pirólise pode ser uma alternativa mais adequada aos municípios de Corumbá e Ladário, atendendo o que rege a Legislação Ambiental vigente (ASSIS et. al., 2010). De acordo com o mapa (Figura 3), o lixão está inserido na bacia hidrográfica do rio Paraguai, situado ao sul do município, nas coordenadas UTM/Córrego Alegre – X 430.931 / Y 7.893.983, estrada de acesso ao assentamento Taquaral, parte alta da cidade, no bairro Guanã II, a uma distância aproximada de 3,5 km do córrego Morrinhos, que se encontra ao sudoeste do local.14 13 14 Entrevista publicada no jornal impresso Correio do Estado no dia 09 de agosto de 2010. Dados obtidos nos arquivos da FUNTERRA. 26 MAPA DE L0CALIZAÇÃO DO LIXÃO DE CORUMBÁ Corumbá Lixão S 19º03’11.1” o 57º39’42.0” Figura 3: Mapa de localização do Lixão Municipal de Corumbá, 2009 (Fonte: Pellegrin, L. – EMBRAPA / CPAP/ arquivo da FUNTERRA). O entorno do lixão é ocupado principalmente por fazendas e pequenas propriedades rurais, tornando a área vizinha suscetível a contaminação por chorume, dentre outros poluentes. A área reservada para a disposição final do lixo corresponde a 7 hectares e encontra-se a 7 km do perímetro urbano. Sendo que neste local são dispostos diariamente aproximadamente 90 toneladas de resíduos sólidos advindos de Corumbá e Ladário15. Apesar de não ser a disposição final adequada de resíduos sólidos, o lixão de Corumbá é de alguma forma “controlado”, pois o local é supervisionado por uma empresa de segurança terceirizada, além de ter todo o seu perímetro cercado. Além disto, a Prefeitura vem adotando a cobertura parcial dos resíduos dispostos no local com rejeitos fino de minério de ferro advindos das mineradoras MMX e Vale Complexo Corumbá. Gerenciamento de resíduos sólidos em Puerto Quijarro Puerto Quijarro é a capital da 2ª Seção da província German Bush, que faz parte do departamento de Santa Cruz. O gerenciamento de resíduos sólidos do município está sob a responsabilidade da Prefeitura por meio da UMA (Unidad de Medio Ambiente y Recursos Naturales) (Figura 4), que se encontra sob a chefia de uma engenheira ambiental. 15 Ladário é a cidade brasileira mais próxima de Corumbá. 27 Figura 4: Unidad de Medio Ambiente y Recursos Naturales, 2011 (Fonte: SEHER, 2011). A coleta de lixo é tercerizada e realizada pela empresa Aguibar que dispõe de 3 caminhões com carroceria para fazer a coleta diária em feiras livres, mercados e praças. Em outras áreas da cidade, a coleta é feita três vezes na semana, na segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira. O serviço de coleta de lixo atinge apenas 30% da cidade, por conseguinte, é possível visualizar em diversos pontos da cidade, uma grande quantidade de resíduos espalhados de maneira aleatória, o que acarreta a proliferação de vetores de doenças, além de ocasionar odores desagradáveis. Os 70% restante da população não atendida pela coleta pública tem a opção de contratar empresas privadas para efetuar o serviço, que é feito sem plano de roteiro ou frequência estabelecida. De acordo com dados obtidos na Prefeitura, estima-se que haja em torno de 5 veículos particulares empreendendo este tipo de trabalho na cidade e que, em média, o munícipe boliviano paga de 5 a 10 pesos bolivianos16 a cada serviço prestado. Vale acrescentar que em períodos chuvosos, o serviço de coleta é interrompido devido aos estragos feitos pelas chuvas nas vias públicas que se encontram em mau estado de conservação. Os resíduos coletados pelos caminhões da empresa Aguibar são descartados diariamente no lixão municipal de Puerto Quijarro (Figura 5). 16 Moeda boliviana. Vale informar que R$1,00 equivale a 3,50 pesos bolivianos. 28 Figura 5: Caminhão de lixo boliviano descarregando resíduos sólidos no lixão de Puerto Quijarro, 2011 (Fonte: SEHER, 2011). O lixão municipal (Figura 6) situa-se a 8 km noroeste da cidade, tendo a sua via de acesso através da rodovia que liga Puerto Quijarro a Puerto Suarez. A área do lixão boliviano corresponde a 13,3 hectares, com a porcentagem de ocupação equivalente a 30%, dispondo ainda de 5 anos de vida útil. O lixão não dispõe de balança para aferir a quantidade de lixo depositado, assim como não possui também máquinas que promovam a coleta, compressão e cobertura dos resíduos dispostos no local.17 17 Informações obtidas em entrevista à engenheira responsável pela UMA. 29 Figura 6: Lixão de Puerto Quijarro, 2011 (Fonte: SEHER, 2011). Em Puerto Quijarro são gerados, diariamente, 12 toneladas de lixo, mas apesar, disto, estudos efetuados, em 2008, pela SBDA (Sociedade Boliviana de Direito Ambiental) 18 indicam que, por dia, são dispostos somente a quantia de 1 a 2 toneladas de resíduos no lixão municipal. Assim sendo, apenas 17% dos resíduos gerados são dispostos no lixão boliviano. A pesquisa mostrou que 83% do lixo é disposto em espaços públicos ociosos da cidade, criando-se, deste modo, depósitos clandestinos de lixo. Ainda de acordo com a SBDA (2008), a maior parte do lixo produzido em Puerto Quijarro é composto por resíduos alimentares e restos de jardinagem e em menor proporção foi encontrado vidro, couro, papel e lata. 19 O serviço de varrição é realizado uma vez por semana na praça central e nos principais bairros da cidade. Os pneus inservíveis e parte das garrafas PET são vendidos em Santa Cruz. Sendo ainda que, os pneus inservíveis, quando têm destinação correta, seguem em seguida até La Paz onde são reutilizados. Por sua vez, papelão, garrafa PET e alumínio são vendidos aos sucateiros de Corumbá. 18 Esta instituição foi responsável pela elaboração do “Plano de Gestão Integral de Resíduos Sólidos de Puerto Quijarro”. 19 Informações obtidas nos arquivos da UMA. 30 Apesar da legislação federal boliviana não permitir a queima dos resíduos sólidos, o lixo hospitalar, equivalente a 23 kg/diário é queimado no pátio do hospital, além disso, em todas as visitas feitas ao lixão, verificou-se a presença de grande quantidade de lixo queimado (Figura 7). Figura 7: Resíduos sólidos queimados no lixão de Puerto Quijarro, 2011 (Fonte: SEHER, 2011). Também foi visto no lixão combustão espontânea de lixo (Figura 8). Figura 8: Resíduos sólidos sendo queimados no lixão de Puerto Quijarro, 2011 (Fonte: SEHER, 2011). 31 A imagem acima ilustra a disposição dos resíduos a céu aberto, sem nenhum tipo de cobertura, sistema de drenagem de chorume e controle da emissão de gases. Assim, consequentemente, além da queima dos resíduos ocorrer por ação antrópica, há que se considerar também a combustão espontânea de lixo no local, em virtude da emissão do gás metano, visto que o lixo não recebe cobertura diária. Análise comparativa do gerenciamento de resíduos sólidos em Corumbá e Puerto Quijarro Pode-se constatar que o gerenciamento de resíduos sólidos é mais eficiente no lado brasileiro da fronteira. Tal constatação se deve a diversos fatores, dentre eles vale destacar que na entrada do lixão de Corumbá há a balança da empresa Unipav para fazer a medição diária de resíduos sólidos transportados no local. No lixão brasileiro há caminhões dentre outros veículos que buscam promover o ordenamento do local, dispondo resíduos hospitalares em valas diferenciadas, assim como resíduos de jardinagem e de podas de árvores em locais separados do lixo doméstico e comercial. Tais equipamentos também compactam e cobrem o lixo depositado com rejeito de minério. Além disso, no lixão brasileiro há um controle da entrada e saída de pessoas. Em Puerto Quijarro, ocorre situação adversa da descrita acima, conforme foi descrito no subcapítulo anterior. A presença de lixão no outro lado da fronteira, assim como ocorre no Brasil, também está em desacordo com a legislação ambiental boliviana vigente, que proíbe a existência do mesmo no país, caracterizando assim, como irregular a destinação final de resíduos em ambas as cidades fronteiriças em estudo. Verificou-se também que não há parcerias formais e/ou informais entre ambos os órgãos ambientais. Sendo que, a engenheira responsável pelo órgão ambiental, demonstrou interesse em realizar parcerias com a FUNTERRA, nos trabalhos de educação ambiental para beneficiar a região fronteiriça. A diretora-presidente do órgão ambiental corumbaense, também tem a mesma aspiração, contudo, tais ações ainda não são concretizadas em virtude da grande demanda de trabalho no lado brasileiro da fronteira. Neste capítulo pudemos constatar que o crescente aumento da geração de resíduos sólidos não se restringe à esfera de um só país, adquirindo, em primeiro lugar uma dimensão local mais abrangente, pois afeta as cidades dos dois lados da fronteira e em escala mais ampliada, uma dimensão transnacional e global. Diante disto, concretiza-se a necessidade de gerenciamento integrado dos resíduos produzidos em regiões de fronteira. 32 CATADORES DOS LIXÕES DA FRONTEIRA BRASIL-BOLÍVIA “Cada homem vale pelo lugar onde está: o seu valor como produtor, consumidor, cidadão, depende de sua localização no território” (SANTOS, 1998). Esse capítulo apresenta como os catadores presentes na fronteira Brasil-Bolívia em estudo percebem suas relações de trabalho, as condições em que desempenham suas funções e as práticas do trabalho na cadeia produtiva da reciclagem. Sabe-se que o lixo deixou de ser a muito tempo um problema só para engenheiros e sanitaristas. O aspecto social aparece com força, pois já não é possível separar de maneira absoluta o ser humano do meio ambiente. Pensar o lixo é uma tarefa multidisciplinar, como qualquer problema hoje. A questão do meio ambiente deu visibilidade e importância a uma atividade mais que centenária: a catação de materiais recicláveis (PINHEIRO, 2007).20 Pois, a reciclagem dos materiais que compõem os resíduos sólidos figura como solução para minimizar os impactos ambientais decorrentes do aumento da produção do lixo. De acordo com Pereira (2009), o lixo brasileiro é considerado um dos mais ricos do mundo, sendo que a sua reciclagem é sustentada principalmente pelos “garimpeiros do lixo” através da catação informal. A existência de pessoas que vivem do lixo não é recente no Brasil. Elas estiveram presentes no registro do poeta Manuel Bandeira, em 1947, quando escreveu "O Bicho", denunciando o fato de pessoas viverem "catando comida entre os detritos" (BANDEIRA, 2005, p. 90). Entretanto, os personagens de Bandeira não eram catadores de recicláveis. Eles reviravam o lixo a procura de comida e não de material descartado que pudesse ser reaproveitado como mercadoria. Cerca de trinta anos depois, o dramaturgo Plínio Marcos retomaria a denúncia de Bandeira escrevendo a peça de teatro "Homens de Papel" (MARCOS, 1978 apud BOSI, 2008). Nela, salientou os conflitos entre Berrão, que comprava e revendia papel para reciclagem, e diversos catadores que recolhiam o material em sacos. Na rotina diária da catação de papel, os catadores tentavam disputar com Berrão o controle sobre o trabalho (BOSI, 2008). Birbeck (1978) apud Medeiros et al. (2006) denomina os catadores de “self-employed proletarians”, pois, segundo o autor, o auto-emprego não passa de ilusão, pois os catadores se auto-empregam, mas na realidade eles vendem sua força de trabalho à indústria da reciclagem, sem, contudo terem acesso à seguridade social do mundo do trabalho. 20 Artigo escrito por Jorge Pinheiro em outubro de 2007. Disponível em:< www.lixo.com.br> Acesso em: 20 jul. 2010. 33 No Brasil, embora a catação seja realizada informalmente, os catadores começaram a se organizar em cooperativas ou associações, na busca pelo reconhecimento dessa atividade como profissão. Assim, os catadores estão construindo sua história e demarcando sua área de atuação, conquistando também seu reconhecimento como categoria profissional, oficializada na CBO (Classificação Brasileira de Ocupações), no ano de 2002. Nessa classificação, os catadores de lixo são registrados pelo número 5192-05 e sua ocupação é descrita como catador de material reciclável. Segundo a descrição sumária de suas atividades na CBO, os catadores “catam, selecionam e vendem materiais recicláveis como papel, papelão e vidro, bem como materiais ferrosos e não ferrosos e outros materiais re-aproveitáveis” 21 . No ano de 2003, o Governo Federal criou o comitê de inclusão social de catadores de lixo. Dentre outras atribuições esse comitê deveria implantar projetos que visassem garantir condições dignas de vida e trabalho à população catadora de lixo, bem como apoiar a gestão e destinação adequada de resíduos sólidos nos municípios brasileiros. Contudo, observa-se que os catadores desempenham suas atividades em condições precárias, sofrem preconceitos e possuem baixo reconhecimento do papel que representam na economia e no meio ambiente, embora tenham a profissão reconhecida e sejam resguardados por um comitê específico (MEDEIROS et al., 2006). De acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO): O catador é o sujeito mais importante no ciclo da cadeia produtiva de reciclagem, é o sujeito que está na ponta do processo produtivo, fazendo cerca de 89% de todo o trabalho. Contudo, o catador é quem menos ganha mesmo sendo responsável por cerca de 60% de todo os resíduos que são reciclados hoje no Brasil o catador vive na miséria, nas ruas e nos lixões por todo o Brasil. Um catador coleta em média 600 quilos de materiais recicláveis por dia, ou seja, a coleta seletiva que destina corretamente esses resíduos, gerando uma renda mensal de cerca de R$ 140,00 em média. As empreiteiras pagas pelos municípios Brasil afora recebem milhões por ano para fazer a coleta comum, pagando salários miseráveis e superlotando os aterros sanitários. 22 Os catadores catam e separam do lixo o material reciclável numa quantidade que seja suficiente para vender. O comércio dos materiais recicláveis entre os catadores e as empresas de reciclagem geralmente passa pela mediação dos atravessadores, chamados de sucateiros (MEDEIROS et. al., 2006). Em seus depósitos, os sucateiros vão acumulando os materiais prensados, até conseguirem uma quantidade que viabilize o transporte para as indústrias de reciclagem. As palavras acima ilustram parte da cadeia produtiva de reciclagem de Corumbá e Puerto Quijarro, visto que, em ambas as cidades os catadores que trabalham no lixão coletam 21 Informação disponível em: < http://www.ministeriodotrabalho. gov.br >. Acesso em: 22 ago. 2010. Disponível em: <http://www.mncr.org.br/box_2/instrumentos-juridicos/classificacao-brasileira-de-ocupacoescbo/. Acesso em: 09 ago. 2010.> 22 34 recicláveis e os vendem aos atravessadores que transportam e revendem estes materiais à empresas de reciclagem de outras cidades. No caso, de Puerto Quijarro, os metais e as garrafas PETS são exportados ilegalmente para Corumbá. Sendo que, parte das garrafas PET também é vendida para empresas de reciclagem de Santa Cruz. Em Corumbá, por sua vez, como veremos, o destino dos recicláveis são algumas cidades de São Paulo e Paraná. Catadores do lixão de Corumbá De acordo com Haesbaert (2004), o território atua como fonte de recursos, sendo considerado como espaço concreto em si que é apropriado e ocupado por um grupo social. Com efeito, em Corumbá, assim como em Puerto Quijarro, o lixão representa o território que foi apropriado e ocupado por um grupo de pessoas, com um objetivo em comum: obter recursos por meio da catação de recicláveis. Seguindo esta perspectiva, o mesmo autor ainda argumenta que o espaço deve ser compreendido como um “[...] híbrido entre natureza e sociedade, entre política, economia e cultura, e entre materialidade e “idealidade”, numa complexa interação tempo-espaço” (HAESBERT, 2004, p.79). Em Corumbá, a ocupação do lixão (Figura 9) ocorreu há dez anos, com a família de Margarido de Araújo Moraes, que trabalha no local até o presente momento, juntamente com a sua esposa, Graci. A princípio eram oito pessoas, que estando desempregadas, resolveram ocupar o território com o intuito de “catar” materiais recicláveis para vender 23. Figura 9: Lixão de Corumbá, 2009 (Fonte: SEHER, 2009). 23 Depoimento da Dona Graci em conversa informal com a pesquisadora. 35 Desse modo, essa abordagem relacional do território remete ao processo de inserção social no espaço material: O território não é apenas o conjunto de sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas. O território tem que ser entendido como território usado, não território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lugar de residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida (SANTOS, 2002, p.10). Esta concepção enfatiza o papel dos atores sociais que agem sobre o território. Destacam seu trabalho, suas ações, as transformações que ocorrem no espaço decorrente do exercício de poder dos mesmos sobre o espaço físico. Os conflitos envolvendo a identidade dos catadores de recicláveis de Corumbá serão abordados no terceiro capítulo deste trabalho. Em 2004, cerca de 40 catadores procuraram a Prefeitura com várias reivindicações, daí iniciou-se a fase de planejamento do próprio gerenciamento de resíduos sólidos no município, onde uma das etapas estabelecidas seria a execução da coleta seletiva no município e a criação da associação de catadores que trabalham no lixão. Em 2005, a Prefeitura assinou um convênio com o SEBRAE (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) para a capacitação e criação da Associação de Catadores do lixão de Corumbá, visando a sua profissionalização. Como conseqüência desta iniciativa do poder público, no dia 12 de novembro de 2007, foi oficializada a criação da primeira associação de catadores de recicláveis em Corumbá. No decorrer da pesquisa, ficou evidente que todos os catadores que participaram da capacitação do SEBRAE, têm consciência da importância do seu trabalho para a conservação de um meio ambiente saudável, assim como, noções de associativismo. Em 2008, os catadores que se encontravam organizados em uma associação sofreram um processo de desagregação, ficando parte deles associados e outra parte trabalhando, de maneira aleatória, dentro do lixão, obtendo renda de acordo com a produtividade alcançada na coleta de recicláveis. Em 2009, todos os catadores receberam EPIs (Equipamento de Proteção Individual) da Prefeitura Municipal de Corumbá. Cada uniforme era composto por um boné, duas camisetas, duas calças, uma botina de couro e um par de luvas revestido de nitrílico. A ausência de máscara se justifica pelo fato dos catadores se recusarem a usarem a mesma. Devido ao trabalho árduo em um ambiente tão insalubre, os EPIs se deterioraram com o tempo. Hoje em dia, em visita ao lixão, não se visualiza mais nenhum catador com uniforme (EPI). Atualmente, há 80 pessoas trabalhando no lixão, divididos em dois grupos: “Associação de Reciclagem Vale da Esperança” e “Associação de Reciclagem Preservadores do Meio 36 Ambiente”. Ambas compartilham um passado comum, pois se originaram da primeira associação, sendo que a divergência entre os catadores foi ocasionada pelo rateio de capital apurado e pelas diferenças de identidade entre eles24. De acordo com Silva (2000), a afirmação da identidade e a enunciação da diferença traduzem o desejo de garantir o acesso privilegiado aos bens sociais. Assim, a identidade e a diferença estão em estreita conexão com relações de poder. O poder de definir a identidade e de marcar a diferença não pode ser separado das relações mais amplas de poder. Segundo o mesmo autor, pode-se afirmar que a diferenciação identitária pressupõe a existência de poder (SILVA, 2000). Pois, a afirmação da identidade e a marcação da diferença implicam em operações de incluir e excluir, traduzindo-se em declarações de quem pertence e sobre quem não pertence mais ao grupo. Assim aconteceu com os catadores corumbaenses, os quais através de desentendimentos e disputas pelo poder foram obrigados a se separar, apesar de conviverem no mesmo espaço e de utilizarem o mesmo território para obterem renda. Desta maneira, a afirmação da identidade significa demarcar fronteiras, significa fazer distinções entre o que fica dentro e o que fica fora. A Associação de Reciclagem Vale da Esperança é a associação mais antiga e a primeira a ser formalizada em cartório, fato que possibilitou a inserção da mesma no projeto social da INFRAERO (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária), através de um Termo de Compromisso de recebimento dos resíduos sólidos recicláveis oriundos da coleta seletiva praticada pelo órgão supracitado. Esta parceria foi intermediada pela Prefeitura Municipal de Corumbá, por meio da Fundação de Meio Ambiente e Desenvolvimento Agrário. Atualmente, esta associação é presidida por Rosiney de Araújo Moraes de Oliveira, mais conhecida como Rosa, reeleita pela segunda vez este ano pelos associados. Os membros desta associação são, na maioria, parentes diretos, principalmente da família Araújo de Moraes. Ela é composta por 42 pessoas, sendo 28 homens e 14 mulheres. O grau de parentesco criou uma espécie de rede familiar, onde casais trabalham juntos ou os pais agregam os seus filhos, com idade superior a dezoito anos na associação. A Associação de Reciclagem Preservadores do Meio Ambiente25 foi formada há um ano, sendo presidida por Jurandir Zacarias de Souza Filho. Alguns membros possuem relação de parentesco, mas, diferentemente da outra associação, ela é composta por vários núcleos familiares sem predominância de um em especial. É constituída por 38 pessoas, sendo 24 homens e 14 mulheres. Muitos membros são dissidentes da associação mais antiga, inclusive o presidente. Vale mencionar que nesta associação há a presença de um catador boliviano, vindo 24 25 Dados obtidos em decorrência do trabalho da mestranda na Prefeitura Municipal de Corumbá. Esta associação ainda não tem CNPJ. A sua formalização em cartório ainda se encontra em andamento. 37 de Santa Cruz, que mora com uma família de catadores próximo ao lixão, no Assentamento Taquaral. Para se tornar membro de uma destas associações é necessário que o mesmo tenha no mínimo dezoito anos, além de ter que seguir as normas do estatuto da organização da qual for membro. Vale mencionar que, Silva (2002) em sua pesquisa, no lixão de Corumbá, encontrou, naquela época, adolescentes e crianças menores de 14 anos trabalhando. Tal fato demonstra que, de 2002 a 2009 houve uma evolução na organização de trabalho dos catadores do lixão de Corumbá, visto que, agora os catadores se norteiam através de regras presentes nos estatutos que normatizam as duas associações. O estatuto de cada associação é baseado na legislação, impedindo, portanto, que os catadores estejam sujeitos à contravenção em seu ambiente de trabalho. Quanto à organização temporal do trabalho, verificou-se que a maioria dos catadores trabalha seis dias na semana, folgando no domingo. Havendo regras rígidas em relação ao horário a ser cumprido por cada catador, o qual se não for respeitado, pode levar até mesmo à suspensão do mesmo no ambiente de trabalho. No período matutino é permitida a entrada a partir das 6 horas. Em seguida, há o intervalo do almoço de 11h às 13h. E depois a coleta pode seguir até as 17 horas. A princípio, estas regras geraram desavenças entre os catadores, ou seja, as decisões sobre a organização do trabalho no lixão são decisões políticas internas, configurando as disputas pelo poder e demonstrando a importância desta atividade. Vale mencionar que também foram observadas pela pesquisadora, as disputas pelo poder envolvendo os catadores e os funcionários da empresa de engenharia Unipav. Constatou-se que tais conflitos envolvem o processo de ordenamento territorial do lixão. A causa das desavenças se deve à presença de “barracas” (Figuras 10 e 11) nas quais os catadores guardam seus pertences pessoais, água e alimentos para consumo próprio. 38 Figura 10: Barraca no lixão de Corumbá, 2011 (Fonte: SEHER, 2011). Tais “barracas” também servem de locais de descanso para os catadores, no intervalo do almoço, ou ainda quando, se sentem esgotados durante o seu trabalho. O conflito supracitado se deve ao fato da empresa Unipav necessitar transitar com as suas máquinas no lixão e as barracas estarem dispostas “no caminho” dos operadores de máquinas. Somente após a interferência de um técnico da FUNTERRA que procurou mediar os conflitos entre funcionários da Unipav e catadores, os mesmos chegaram a um acordo informal, no qual catadores, ao invés de retirar as barracas, chegaram ao consenso juntamente com os funcionários da Unipav de que as mesmas precisam apenas mudar de lugar. Figura 11: Outra imagem de barraca no lixão de Corumbá, 2011 (Fonte: SEHER, 2011). Outra causa dos conflitos entre catadores e funcionários da Unipav se deve ao tempo de coleta de lixo depois que o mesmo é descarregado pelo caminhão que traz os resíduos da cidade. O caminhão ao chegar ao lixão, se dirige a determinados locais para descarregar o lixo. O critério na escolha do local de disposição final dos resíduos sólidos no lixão, varia de acordo 39 com o tipo de material coletado. Assim, determinado lugar serve para o depósito de galharias e restos de podas. Em outro local o lixo hospitalar é enterrado em valas diferenciadas. Já o lixo doméstico e comercial, que tem interesse econômico para os catadores, é disposto em determinadas áreas pré-definidas pelo engenheiro da Unipav. Neste local, estão concentrados os catadores de ambas as associações a espera do lixo. Mas eles não estão sozinhos, pois, no mesmo lugar encontra-se uma máquina de compactar lixo (Figura 12) manipulada por um funcionário da Unipav. Figura 12: Esteira no lixão de Corumbá, 2010 (Fonte: SEHER, 2010). O funcionário foi orientado pela empresa a compactar o lixo imediatamente após a sua deposição no solo. Esta situação gerou inúmeros conflitos envolvendo catadores e funcionários da empresa Unipav. Apenas após algumas intervenções da Prefeitura, buscando estabelecer regras que favoreçam todos os atores sociais envolvidos é que atualmente, o funcionário da Unipav, ao contrário do que ocorre em outros lixões, aguarda os catadores coletarem os recicláveis antes de manipular a sua máquina. Esta situação foi acordada formalmente entre os catadores e a Unipav, no qual foi estipulada pela empresa em questão o tempo máximo de meia hora para coleta. Contudo, na prática, os catadores ficam de 1 a 2 horas coletando o material antes do operador compactar o lixo (Figura 13). 40 Figura 13: Lixo depois de ser compactado pela esteira, 2010 (Fonte: SEHER, 2010). Em relação à localização de suas moradias, a maioria reside no bairro Guanã, seguida do bairro São Jorge, Conjunto Pantanal e bairro Centro América, tendo uma família que mora no Assentamento Taquaral. Estes trabalhadores utilizam bicicleta e carroça para chegarem ao local de trabalho. A família Araújo de Moraes apresenta uma peculiaridade, todos residem na Rua João B. Mota, que dá acesso ao lixão. Nesta mesma rua, fica situada a sede da Associação Vale da Esperança (Figura 14), local onde os associados se reúnem semanalmente para abordar, com a presidente, assuntos de seu interesse. É também neste local que ocorre a votação quando há necessidade de eleger nova diretoria e presidência da associação. Figura 14: Sede da Associação Vale da Esperança, 2010 (Fonte: SEHER, 2010). 41 Internamente, os membros das duas associações estão organizados da seguinte forma: a maioria tem a função de coletar e depois separar os recicláveis por espécie (papel, plástico e metal) do montante do lixo (Figura 15); em seguida, os materiais são colocados em sacos de ráfia denominados de “gibeiras” (Figuras 16 e 17). Figura 15: Catadores coletando recicláveis no lixão de Corumbá, 2011 (Fonte: SEHER, 2011). Figura 16: Catadora fechando a gibeira no lixão de Corumbá, 2011 (Fonte: SEHER, 2011). 42 Figura 17: Catador inserindo recicláveis na gibeira no lixão de Corumbá 2011 (Fonte: SEHER, 2011). Observa-se nas figuras de números 15, 16 e 17 a presença de uma grande quantidade de urubus, uma das adversidades enfrentadas pelos catadores por trabalharem em um ambiente tão insalubre. Evidência desta constatação está na fala do Jurandir, presidente da Associação de Reciclagem Preservadores do Meio Ambiente: “Puxa vida, até que foi bom cobrir aqui com esta terra; diminuiu bastante a quantidade de urubus que ficam voando por aqui” (Jurandir, 2010). As gibeiras depois de cheias são carregadas pelos catadores (Figura 18) até o galpão. Figura 18: Catadora do lixão de Corumbá carregando uma gibeira , 2009 (SEHER, 2009). A imagem acima retrata a rotina diária exaustiva de um catador realizada em condições precárias, ficando evidente o esforço subumano da trabalhadora para transportar a gibeira contendo recicláveis separados pela mesma. Seguindo esta abordagem, Porto et. al. (2004) ressaltam que a forte carga física da catação somada ao trato com o lixo e a própria rotina de 43 trabalho são fatores que predispõem a certos tipos de doenças associadas ao trabalho, entre elas: dores corporais, problemas osteo-articulares e hipertensão. No galpão, as gibeiras ficam armazenadas (Figuras 19 e 20) até serem manipuladas pelos prensistas (Figura 21). Figura 19: Gibeiras no galpão do lixão de Corumbá, 2009. (Fonte: SEHER, 2009). Figura 20: Acúmulo de gibeiras na frente do galpão do lixão corumbaense, 2010 (Fonte: SEHER, 2010). A imagem acima denota a sazonalidade do lixo, visto que, apenas em dezembro foi verificado o acúmulo excessivo de gibeiras em frente ao galpão, ou seja, na época de natal, onde o consumismo é maior, a quantidade de resíduos sólidos gerados pela população também é maior. 44 Figura 21: Prensista “puxando” recicláveis, Lixão de Corumbá, 2009 (Fonte: SEHER, 2009). Observa-se nesta imagem o uso da tração humana no transporte do material reciclado já separado por tipo. O catador faz uso da força física e sem uso de luvas ou qualquer outro tipo de EPI‟s, ilustrando a precariedade das condições de trabalho ao qual o mesmo se encontra submetido. De acordo com informações obtidas na FUNTERRA, os mesmos recusaram fazer uso dos “carrinhos” transportadores de recicláveis. Fato confirmado durante a pesquisa com os entrevistados, os quais alegaram que a sobrecarga seria maior se fizessem o uso destes equipamentos. Esta situação demonstra a super exploração do catador na cadeia produtiva da reciclagem. Em cada associação, há duas pessoas responsáveis em operar as prensas26 (Figura 22) “emprestada” dos atravessadores27. Cada associação dispõe de duas prensas que são utilizadas para comprimir garrafas pets e papelão. As latinhas não são prensadas no lixão, as mesmas passam por este processo nos depósitos dos sucateiros. 26 27 Máquinas que comprimem o material reciclado após o processo de triagem. Atravessadores são os compradores de recicláveis do lixão. 45 Figura 22: Trabalhador operando a prensa no galpão do lixão, 2010 (Fonte: SEHER, 2010). A atividade de operar a prensa é a que mais expõe o trabalhador à periculosidade, pois o mesmo corre o risco de ter os seus dedos mutilados na máquina. Além disso, foi constatado que o incessante e contínuo trabalho de dispor o material na prensa é o que mais maltrata as mãos do trabalhador; isto ficou evidenciado quando se verificou que as luvas 28 dos mesmos foram as primeiras a se deteriorarem em relação as dos outros catadores que lidam com a coleta. Segue a fala de um catador ilustrando a passagem acima: “Tem gente que acha que o duro é ficar embaixo do sol catando. Duro mesmo é ficar aqui pegando material sem parar pra colocar na prensa. Ainda tenho que cuidar pra não machucar a minha mão na máquina” (Odair, prensista). Após esta etapa, o material prensado (Figura 23), juntamente com as latinhas é conduzido pelos “atravessadores” até os seus respectivos depósitos localizados no perímetro urbano da cidade. 28 Luvas fornecidas pela Prefeitura em 2009. 46 Figura 23: Material reciclável depois de prensado no lixão de Corumbá, 2010 (Fonte: SEHER, 2010). A faixa etária dos catadores de ambas as associações varia de dezoito a sessenta e dois anos, predominando adultos jovens com idade média de trinta a quarenta anos. Quanto à escolaridade, a maioria já freqüentou a escola (Ensino Fundamental), no entanto, alguns ainda são analfabetos. E com relação ao estado civil, constatou-se que a maior parte dessas pessoas vive em regime de concubinato, entretanto os mais jovens são solteiros. As mulheres no lixão desempenham as mesmas atividades que os homens (Figura 24), inclusive despendendo o mesmo esforço físico. Figura 24: Catadora de reciclável do lixão de Corumbá, 2010 (Fonte: SEHER, 2010). Observe que na imagem supracitada, a catadora está usando luvas de borracha para realizar a coleta de recicláveis. Isto é um indício da percepção do catador sobre os riscos que a sua atividade implica sobre a sua saúde, ou seja, a trabalhadora busca se proteger do contato com o lixo infectante. 47 “Mas é claro que a gente usa luva. Mas eu não gasto dinheiro comprando. O dinheiro não dá pra isso. Ainda mais que aqui nós achamos luvas que o povo joga junto com o lixo. Eu pego elas e uso pra se proteger do vidro e da agulha” (catador corumbaense). O discurso acima denota a preocupação do catador com os materiais perfuro-cortante. O mesmo não menciona o risco de contrair doenças em decorrência do contato com o lixo. Assim, embora não haja como negar a insalubridade existente na atividade de catação, os catadores se acham imunes às doenças relacionadas ao lixo. Esse dado também foi verificado nas pesquisas de Porto et. al. (2004) e Miura (2004). Vale mencionar, entretanto, que alguns catadores entrevistados admitem ter com freqüência doenças na pele, mas não acreditam que isto ocorra em virtude do contato com o lixo; os mesmos alegam que isto ocorre em períodos chuvosos, ou seja, na concepção deles, as dermatites são ocasionadas pela umidade excessiva do ar. “Aqui ninguém nunca ficou doente por causa do lixo”. É muita maldade este povo29 não deixar nós pegar a comida que o caminhão do Panoff30 descarrega aqui “ (Dona Sônia)31. “Trabalho aqui há anos e nunca fiquei doente por causa do lixo. Só em época da chuva é que aparece umas feridas na minha pele, mas é por causa da água e não do lixo” (Rosa).32 Os catadores de ambas as associações compartilham um medo: que com a construção de um aterro sanitário eles percam a sua fonte de renda, por estarem cientes de que não será permitida a entrada deles no mesmo. Assim, eles teriam acesso apenas ao material reciclável advindo da coleta seletiva, ficando assim a mercê da conscientização da sociedade. E quando a coleta estava em funcionamento, eles estavam insatisfeitos com a quantidade reduzida de reciclável advindo da coleta seletiva, pois os munícipes ainda não separavam de forma adequada o lixo, justificando assim, o receio deles, em relação à construção do aterro sanitário. “Eu não quero saber de aterro sanitário não. Quero continuar trabalhando aqui todos os dias. Se a coleta seletiva só funciona duas vezes na semana, o que eu vou fazer nos outros dias? Como vou pagar as minhas contas? Como vou pagar as pensões para os meus filhos? Isso não dá certo não. Até hoje, não 29 Este “povo” mencionado por Dona Sônia se refere aos fiscais da vigilância sanitária que acompanha o descarte de alimentos vencidos ou estragados no lixão. 30 Panoff é o nome da marca da maior rede de supermercados de Corumbá. 31 Dona Sônia é catadora que possui voz ativa no grupo ao qual pertence, sendo a mesma, membro da Associação de Reciclagem Preservadores do Meio Ambiente. 32 Rosa é a presidente da Associação de Reciclagem Vale da Esperança. 48 vi resultado nesta coleta seletiva. Acho que teve só um dia que veio o lixo certo da cidade. Esse povo não ta nem aí em ajudar nós. Ninguém quer saber de perder o tempo para separar o lixo pra gente” (Jurandir).33 Os catadores não têm conhecimento da “Política Nacional de Resíduos Sólidos”, que proíbe a criação e manutenção de lixões. E que, além disso, não permite a permanência de catadores nos depósitos finais de lixo, vetando também a construção de moradias em volta desses locais. As duas associações rateiam o dinheiro advindo da venda de recicláveis, de acordo com a produtividade de cada catador que vende o seu material aos atravessadores (Figura 25). Figura 25: Caminhão com atravessadores no lixão de Corumbá, 2010 (Fonte: SEHER, 2010). Os funcionários dos atravessadores vão semanalmente, toda sexta-feira, pesar (Figura 26) e comprar os recicláveis no lixão de Corumbá. Figura 26: Balança usada pelos atravessadores no lixão de Corumbá, 2010 (Fonte: SEHER, 2010). 33 Jurandir é o presidente da Associação de Reciclagem Preservadores do Meio Ambiente. 49 A Associação de Reciclagem Vale da Esperança vende o material coletado e prensado para o “Ferro Velho e Prestadores de Serviço Nossa Senhora de Fátima”, pertencente ao Sr. Wilson, conhecido como “Português”, enquanto a outra associação negocia com o “Ferro Velho e Centro de Reciclagem Nossa Senhora de Fátima”, cujo proprietário é o Sr. Manuel, vulgo “Lelo”. As duas empresas, com nomes similares, pertencem a dois irmãos, mas de forma distinta, cada qual, com seu CNPJ. Mediante um acordo não formal, cada associação vende apenas para o seu comprador específico, tendo em troca, alguns benefícios, como o custeio da conta de luz e o empréstimo das prensas. Após um tempo armazenado nos depósitos dos sucateiros (Figura 27), os materiais recicláveis são transportados através de caminhões até as cidades nas quais se localizam as empresas de reciclagem. Figura 27: Depósito de recicláveis no “Ferro Velho NSª de Fátima”, Corumbá, 2010 (Fonte: SEHER, 2010). Observe na imagem acima que o depósito encontra-se a céu aberto, sem nenhum tipo de cobertura, o que pode favorecer o surgimento de larvas do mosquito da dengue em períodos chuvosos. De acordo com os atravessadores que comercializam com os catadores em estudo, o alumínio tem como destinação final a empresa Metalur, localizada em São Paulo ou a empresa Aleris que fica em Pidamonhangaba (SP), o cobre é comercializado com a empresa Termomecânica de São Paulo, o papelão e o plástico fino é vendido à Metap de Campo Grande, a garrafa PET à Assarariguana (SP) e as garrafas de vidro à empresa “Vô Kiko” em Ponta Porã (MS). Verificou-se, através das entrevistas, que a maioria optou trabalhar como catador por estar desempregado. Vale ressaltar as exceções, como é o caso de Jurandir que tinha emprego e trabalhava como pedreiro em obras na cidade, ganhando em torno de R$120,00 por semana. 50 Contudo, ao averiguar que a sua esposa Maria Eunice recebia R$300,00 por semana, trabalhando como catadora no lixão resolveu se juntar a ela. Atualmente a renda mensal do casal é de aproximadamente R$ 3.000,00. Catadores do lixão de Puerto Quijarro No outro lado da fronteira, o lixão boliviano (Figura 28) é conhecido como “vertedero” pelos munícipes e como “botadero” tecnicamente. Figura 28: Lixão de Puerto Quijarro, 2011 (Fonte: SEHER, 2011). A imagem acima ilustra a presença do adolescente trabalhando no lixão boliviano. O mesmo encontrava-se sozinho neste dia, não dispondo de nenhum tipo de equipamento de proteção em um ambiente de alta contaminação. Na entrada do lixão boliviano há uma placa (Figura 29) proibindo o descarte inadequado de lixo a 600 metros do lixão. Figura 29: Placa proibitiva na entrada do lixão, Puerto Quijarro, 2011 (Fonte: SEHER, 2011). 51 Contudo, foi verificada a presença de grande quantidade de resíduos sólidos dispostos ao longo do caminho que dá acesso ao “botadero” (Figura 30), demonstrando que a placa proibitiva, apesar de sujeitar o indivíduo à multa caso não a respeite, não surte nenhum efeito no lado boliviano da fronteira. Figura 30: Via de acesso ao lixão de Puerto Quijarro, 2011 (Fonte: SEHER, 2011). A ocupação do “botadero” ocorreu em 2001 pela família Barboza, residente em Puerto Quijarro. Em 2005, o local ficou desocupado durante quatro anos, devido à falta de compradores de recicláveis. A reocupação do lixão ocorreu em setembro de 2009 em virtude de ter surgido um comprador de material reciclável, que reside em Corumbá, que foi pessoalmente procurá-los em sua residência. Assim, esta família voltou a trabalhar no lixão. Atualmente, estão presentes no lixão oito integrantes do núcleo familiar Barboza, composto por quatro mulheres, dois homens, cuja faixa etária varia de dezoito a trinta e oito anos, além de duas crianças, uma com doze e outra com quatorze anos, ambos os filhos de Claudiber, a catadora entrevistada (Figura 31). Além deles, há outro grupo familiar de catadores residentes em Puerto Suarez composto por 6 pessoas, que também buscam garantir o seu sustento com a catação no lixão boliviano. Este dado permite afirmar que as organizações dos lixões dos dois lados da fronteira seguem o mesmo padrão familiar de ocupação e de obtenção de recursos. 52 Figura 31: Pesquisadora entrevistando catadora boliviana no lixão de Puerto Quijarro, 2009 (FONTE: SEHER, 2009) Os catadores bolivianos em estudo, não estão organizados em associação ou cooperativa. Não há controle na entrada do lixão boliviano, portanto, nada impede a entrada de menores em um ambiente tão insalubre. Este fato torna-os muito mais vulneráveis do que os catadores do lado brasileiro, não apenas com relação às condições de insalubridade, mas diante da própria exploração do trabalho, pois sem uma associação se torna muito mais difícil obter direitos referentes à cidadania, assim como negociar o preço dos recicláveis diante do atravessador. Quanto ao meio de transporte utilizado pelos catadores a maioria utiliza o táxi para chegarem até o lixão. Isto se deve ao fato dos táxis na Bolívia terem um preço muito mais acessível do que no Brasil, sendo uma das formas de transporte popular. Quanto à organização de trabalho dos catadores, constatou-se durante a pesquisa, que os mesmos coletam o material reciclável que se encontra misturado com lixo doméstico, hospitalar e industrial no meio do lixão. Em seguida, os recicláveis são separados em metais e garrafas pets. Os recicláveis, coletados por eles, são vendidos a um atravessador brasileiro residente em Corumbá, o qual, sem pesar o material, paga semanalmente, aos sábados pela manhã, aos catadores, o valor fixo de R$50,00, por uma determinada quantia que é aferida pelo “olho do sucateiro”. Assim, em média, um catador boliviano possui a renda semanal de R$ 100,00. “No tenemos el apoyo de nadie y por eso venden sin pesar” (Claudiber). 53 Esta fala da catadora boliviana denota sua “silenciosa” insatisfação com a não pesagem do material recolhido. Este procedimento implica em uma situação de super exploração do catador, gerando uma maior margem de lucro ao atravessador. Os catadores no lado brasileiro já passaram por esta situação no passado, e com o mesmo atravessador. A organização dos catadores brasileiros em associações torna possível não apenas o acesso a direitos, mas também em um controle maior dos preços dos recicláveis diante do atravessador. O atravessador brasileiro passa pela cancela divisória que separa os dois países e cruza a fronteira sem qualquer tipo de fiscalização. Sabe-se, que, de acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei Federal já mencionada anteriormente, está proibida a importação de lixo que ofereça risco à saúde pública. Esta passagem de “lixo” pela fronteira demonstra que as dinâmicas sociais das cidades fronteiriças só podem ser compreendidas se examinarmos empiricamente a vida das pessoas que vivem nessas regiões. De acordo com Costa (2011), “É a partir da compreensão da ação social dos indivíduos é que se torna possível superar o dogma da soberania, que pressupõe a fronteira apenas como um limite estático e monolítico do Estado Nacional ou como um território subordinado ao poder central. Em espaços conurbados como é o caso de Corumbá/ Ladário, (no Brasil) e Puerto Quijarro/ Puerto Suárez, (na Bolívia), a fronteira é vivida como um espaço contínuo de tráfego de pessoas, mercadorias, conhecimentos e tradições, ou seja, são coletividades que se vinculam através da linha divisória entre os países. A fronteira, portanto, representa para seus moradores, tanto um recurso material, quanto social”(COSTA, 2011, p. 1). O atravessador corumbaense supracitado burla a lei e tendo o poder público municipal de Puerto Quijarro conivente com o seu empreendimento, consegue romper linhas invisíveis que delimitam a fronteira entre o Brasil e a Bolívia ao promover o tráfico de resíduos sólidos sem nenhum tipo de tratamento. Tais resíduos podem oferecer risco á saúde pública a partir do momento em que traz dentro de garrafas PET e latas vetores de doenças e até mesmo larvas do mosquito da dengue. Tal situação torna o problema de saúde pública em Corumbá uma peculiaridade, distinguindo este município de outros do resto do Brasil, visto que, esta cidade localiza-se em área de fronteira. Mas afinal, o que é fronteira? Que significados estão inseridos nesta palavra polissêmica? De acordo com Cataia (2007), toda relação depende da delimitação de um campo, e por isso, desde que o homem surgiu defrontamo-nos cotidianamente com a noção de limite, sem que nunca, apesar da sua evolução, a noção de limite tenha desaparecido. Desta maneira, as fronteiras, antes de serem marcos físicos ou naturais, são, sobretudo, simbólicas. Elas norteiam a percepção da realidade, fazendo com que os homens percebam e qualifiquem a si próprios, ao 54 corpo social, ao espaço e ao próprio tempo, avançando para os domínios da construção simbólica de pertencimento, da sua identidade, correspondendo a um marco de referência imaginária definida pela diferença. A fronteira também pode ser entendida em conjunto com a noção de limite internacional. A fronteira é marcada por ser um lugar de comunicação e troca entre dois domínios territoriais distintos, em oposição ao limite internacional que tem como elemento que o define a separação. A fronteira é uma construção social materializada nas relações entre os povos que vivem o cotidiano do contato e das trocas. A fronteira é do “domínio dos povos”, enquanto que o limite pertence ao “domínio da alta diplomacia”. Isso significa que se a fronteira surge como uma realidade espacial e social, com características próprias de lugares de contato, o limite está ligado a uma abstração política, um separador, uma criação feita através de acordos diplomáticos no intuito de delimitar soberanias e jurisdições, neste caso, os limites do Estado (MACHADO, 2005). Costa (2009), ainda ressalta que, o termo fronteira é usado para descrever e representar vários elementos geográficos ou não já que ele também pode ser alusivo ao distante, ao desconhecido. Vale mencionar que a palavra “Corumbá” tem a sua origem na língua tupiguarani e significa “lugar distante” 34. Costa (2009), afirma também que quando se trata de fronteira internacional, há uma profusão de idéias e noções para defini-la. Assim, para Cataia (2007), a fronteira como linha é mais absoluta, servindo como marco onde os Estados nacionais exercem a vigilância, seja ela, de ordem política, militar, econômica, ideológica ou sócio-ambiental. O autor ainda acrescenta que as fronteiras políticas são formas assumidas pelos limites que, cristalizadas no território, são a expressão da relação que o homem mantém com os outros homens por meio do território. Assim, a fronteira política atua como um limite imposto às atividades humanas. Já Nogueira explica a procedência da palavra fronteira (2005, p.49 apud COSTA, 2009): A origem da palavra fronteira é “derivada” do antigo latim „fronteria‟ ou „frontaria‟, e indicava inicialmente a parte do território situado “in fronte”, ou seja, nas margens, consignando, portanto, uma qualidade e não uma entidade. Michel Foucher, mais recentemente, vai dizer que a origem do nome fronteira deriva de front, la ligne de front, ou seja, da guerra. Depois de muito suscitar sobre as implicações polissêmicas da palavra fronteira, voltemos a nossa pesquisa empírica. Qual o posicionamento do órgão público municipal boliviano em relação aos catadores? A engenheira ambiental responsável pela chefia da UMA 34 Fonte: Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. 55 declarou estar a par da presença de catadores no lixão municipal da cidade. E ainda informou que os catadores bolivianos receberam em abril de 2010 luvas e máscaras doadas pela empresa cimenteira Itacamba. Além disso, mencionou também que há um projeto em andamento em parceria com a WWF para beneficiar os catadores. E, a mesma, quando indagada sobre a presença de menores no local, informou ter notificado, no início do ano, juntamente com a polícia, as famílias dos catadores, por levarem crianças no lixão, visto que, a legislação ambiental vigente não permite a entrada de menores no lixão. Contudo, neste mesmo dia, foi verificada a presença de um adolescente no lixão35 (figura 32) . Ao tomar conhecimento do ocorrido pela pesquisadora, a engenheira informou que o menor se encontrava em período de férias escolar e por esta razão, a mesma desconhecia a presença dele no lixão. Segundo a entrevistada, as famílias que foram notificadas, no início do ano, são “fiscalizadas”, mediante frequência regular dos seus filhos na escola, ou seja, se o menor não comparecer à unidade escolar, a diretora da mesma contacta a UMA para fazer a denúncia. E, caso isto aconteça, os catadores podem ser penalizados com multa efetuada pela Intendência Municipal da Prefeitura, visto que a UMA tem como competência apenas realizar a notificação. “Esta é a única forma de controlar a entrada de menores no lixão, já que aqui somos só nós duas” (Carla Aguibar Barbosa).36 35 Pormenores do fato serão descritos no próximo capítulo. A engenheira, ao mencionar, “somente nós duas”, refere-se ao fato de haver apenas ela e uma bióloga trabalhando no órgão ambiental, o que torna praticamente impossível qualquer ação de fiscalização por parte da instituição. 36 56 Figura 32: Pesquisadora conversando com o adolescente no lixão de Puerto Quijarro, 2011 (Fonte: SEHER, 2011). A engenheira ambiental ainda afirmou não desconhecer que os recicláveis coletados pelos catadores no lixão são vendidos a um atravessador corumbaense. Vale mencionar, que, além dos catadores, há duas empresas de sucatas que também vendem latas de alumínio e garrafas PETS para o comprador brasileiro. Catadores brasileiros X catadores bolivianos: um estudo comparativo Foi possível verificar que, em ambos os órgãos ambientais pesquisados, há projetos que objetivam beneficiar os catadores de recicláveis que trabalham nos lixões. Contudo, em Puerto Quijarro, o projeto feito pela prefeitura em parceria com a WWF, ainda se encontra “preso” no papel. Em Corumbá ocorre uma situação adversa, pois, há previsão de que os catadores do lixão sejam beneficiados, ainda em 2011, pelo projeto que a Prefeitura tem em parceria com a FUNASA. No decorrer da pesquisa, foi possível constatar que os elementos de desagregação entre os catadores do lado brasileiro da fronteira envolvem a disputa por território de coleta e relações de poder dentro do lixão. Sendo que, o poder, segundo Claval (1979), não se restringe à capacidade de controlar o mundo, ou seja, de agir sobre ele, mas também abrange a capacidade de influenciar a ação de outras pessoas. Sendo assim, é poder, no sentido das relações sociais, marcado tanto pela capacidade de agir quanto de produzir comportamentos específicos. 57 Essa perspectiva desenvolvida por Claval apresenta grande coerência com outro clássico no tratamento do conceito de território. Trata-se de Robert Sack (1986), que considera a territorialidade como a “[...] tentativa por um indivíduo ou um grupo de atingir, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e relacionamentos, através da delimitação e afirmação do controle sobre uma área geográfica” (SACK, 1986 apud HAESBAERT, 2002, p. 119). Porém, o mesmo não foi verificado entre os catadores de Puerto Quijarro. O que denota que o limite fronteiriço contribui para a construção das singularidades verificadas em diferentes lados da fronteira. Assim, como linhas curvilíneas a se insinuarem nos mapas, as fronteiras assumem o imprescindível papel de delinear, dividir e assim garantir a soberania de um país. Neste contexto, a fronteira delimita o território, que de acordo com Raffestin (1993) pode ser considerado como resultado da apropriação concreta ou abstrata do espaço físico por um ator social. Deste modo, para Raffestin (1993), é no espaço concreto que os homens agem, e o domínio do território, sua destruição e modificação é fonte fundamental do poder. No caso do lixão de Corumbá, poder disputado por diferentes atores sociais. Souza (1995) insere-se, da mesma forma, nesta perspectiva ao considerar o território como um campo de forças, na qual as relações de poder estão espacialmente delimitadas e operando sobre um substrato referencial. Sendo assim, o território seria fundamentalmente um espaço definido por e a partir de relações de poder em sua essência. Seguindo esta abordagem, Raffestin (1993) argumenta que o conceito de poder é marcado pela ambigüidade representada pela existência do Poder (com “P” maiúsculo) e do poder (com “p” minúsculo). O primeiro faz referência ao poder formalizado, exercido pelo Estado através de instituições e aparelhos que garantem a sujeição dos cidadãos. Já o segundo seria o poder inerente a todas as relações de força, que por sua desigualdade, induzem sem cessar a estados de poder, porém locais e instáveis. Por sua vez, poder expressa a capacidade dos atores de agir e produzir efeitos, ou seja, de fazer uso do território e de transformá-lo, respondendo aos interesses e às demandas dos atores pertencentes a este (BOBBIO et al., 1995). É a gama das ações que se sabe praticar para modificar o meio, explorá-lo e dele retirar o necessário à vida (CLAVAL, 1979). Dessa forma, o conceito de poder possui uma importância primordial na compreensão da natureza conceitual de território. Há ainda outras visões sobre o conceito de território tomando por parâmetro a diferenciação entre posições materialistas e idealistas. Entre as posições materialistas, temos, num extremo, as posições “naturalistas”, que reduzem a territorialidade ao seu caráter biológico, a ponto de a própria 58 territorialidade humana ser moldada por um comportamento instintivo ou geneticamente determinado. Num outro extremo, encontramos, totalmente imersos numa perspectiva social, aqueles que, como muitos marxistas, consideram a base material, em especial as “relações de produção”, como o fundamento para compreender a organização do território. Num ponto intermediário, teríamos, por exemplo, a leitura do território como fonte de recursos (HAESBAERT, 2004, p. 44). Ainda de acordo com Haesbaert (2004), a noção de território, como fonte de recursos, desenvolve sua leitura a partir da consideração do mesmo como espaço concreto em si que é apropriado e ocupado por um grupo social. Com efeito, em Corumbá, assim como em Puerto Quijarro, o lixão representa o território que foi apropriado e ocupado por um grupo de pessoas, com um objetivo em comum: obter recursos por meio da catação de recicláveis. Seguindo esta perspectiva, o mesmo autor ainda argumenta que o espaço deve ser compreendido como um “[...] híbrido entre natureza e sociedade, entre política, economia e cultura, e entre materialidade e “idealidade”, numa complexa interação tempo-espaço” (HAESBAERT, 2004, p.79). Desse modo, essa abordagem relacional do território remete ao processo de inserção social no espaço material: O território não é apenas o conjunto de sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas. O território tem que ser entendido como território usado, não território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lugar de residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida (SANTOS, 2002, p.10). Esta concepção enfatiza o papel dos atores sociais que agem sobre o território. Destacam seu trabalho, suas ações, as transformações que ocorrem no espaço decorrente do exercício de poder dos mesmos sobre o espaço físico. Os conflitos envolvendo a identidade dos catadores de recicláveis de Corumbá serão abordados no terceiro capítulo deste trabalho. Neto (2009) ainda afirma que o território constitui-se como primeira noção espacial da relação que o homem tem com a natureza durante o processo histórico de produção de bens que constituem a sua materialidade. E para a produção desta materialidade que dá consistência à existência humana, o homem extrai da natureza, não somente aqueles elementos que satisfaçam as suas necessidades básicas. Ele consome igualmente, qualquer tipo de artefato que lhe possibilite a produção de bens materiais necessários para a sua existência enquanto ser social. No caso dos catadores de recicláveis, a sua relação com a natureza se dá de maneira inversa ao que foi proposto por Neto (2009), visto que, os mesmos sobrevivem coletando os recicláveis, que irão substituir parte dos recursos naturais utilizados como fonte de matériaprima no processo industrial. 59 Apesar das diferenças apontadas, os catadores bolivianos e brasileiros possuem algo em comum, pois, ambos os grupos sobrevivem da venda de materiais recicláveis. Segue abaixo a tabela com os tipos de recicláveis comercializados em Corumbá. Tabela 2 – Valores dos Recicláveis Comercializados em Corumbá – MS, 2011 Material Reciclável Valor (R$)/Kg Pet e outras garrafas de plástico 0,20 Alumínio 1,80 Ferro 0,15 Papelão 0,10 Sacolas de plástico 0,20 Outros metais 0,25 Cobre 6,00 Garrafa de pinga e de cerveja 0,20 Garrafão de vinho 0,30 Fonte: Associação de Reciclagem Preservadores do Meio Ambiente, 2011. No lado boliviano, os recicláveis comercializados são a garrafa PET, cujo quilo é vendido por 2 pesos bolivianos, o cobre a 35 bolivianos e a lata de alumínio por 3,50 bolivianos37. Um dado chamou a atenção na pesquisa, a escassez de latas de alumínio nos dois lixões em estudo, configurando o que Medeiros et. al. (2006) também constataram em sua pesquisa: Sobre a coleta de materiais recicláveis, alguns participantes apontaram a dificuldade em encontrar alguns tipos de materiais, principalmente a lata de alumínio. O desaparecimento da lata de alumínio, especificamente dos lixos urbanos, deu-se em decorrência de seu alto valor no mercado de reciclados, o que tornou esse material altamente disputado, inclusive por pessoas que não sobrevivem da catação (MEDEIROS et. al., 2006, p. 89). A falta de metais no lixão leva alguns catadores a atear fogo no lixo em busca destes materiais, o que, por conseguinte, tem ocasionado incêndios no lixão. Vale mencionar que vidro (exceto garrafões de vinho e de pinga), papel fino e copos descartáveis, apesar de serem recicláveis, não são coletados pelos catadores, pois os atravessadores se recusam a comercializar estes materiais, o que se justifica primeiramente, por não haver comprador de vidro em Mato Grosso do Sul; contudo o papel e o copo descartável não são objetos de compra dos sucateiros porque a venda destes materiais não gera lucro suficiente para suprir a relação custo-benefício de maneira positiva. Demonstrando a seletividade imposta pelos atravessadores na reintrodução dos recicláveis no mercado industrial, baseada primordialmente na lucratividade. Com efeito, Leal et. al. (2002) argumentam que: 37 Dados obtidos na Prefeitura Municipal de Puerto Quijarro em 2011. 60 O principal indicativo do que agora afirmamos é que não são todos os resíduos que despertam a atenção das empresas recicladoras. As empresas voltam-se apenas para aqueles materiais que garantem a lucratividade do negócio, utilizando-se assim dos mesmos métodos que fundamentam e dão direção a qualquer outra atividade industrial inserida no mercado capitalista. A indústria da reciclagem apropria-se do imaginário social que afirma a importância de se proteger a natureza, tornando um argumento valorativo dos seus produtos o fato de que eles foram ou podem ser reciclados (LEAL et. al., 2002, p. 141). Durante a pesquisa, tanto o Sr. Wilson, como os seus irmãos Manuel enfatizaram a importância do seu trabalho na conservação do meio ambiente. “A prefeitura de Corumbá deveria ficar contente com o meu trabalho aqui na cidade, porque eu estou ajudando a retirar daqui lixo que poderia demorar milhares de anos para desaparecer da natureza. Aqui na minha empresa, tudo é feito dentro dos conformes, tenho licença ambiental e tudo” (Wilson, proprietário da empresa de sucatas NSª de Fátima). Porém o discurso ambientalista usado pelos sucateiros, na verdade, é uma maneira de ressignificar positivamente a sua atividade, sem, contudo deixar de priorizar as bases que movem o capitalismo industrial de mercado. Leal et. al. (2002) em sua pesquisa, também concluem que somente aqueles materiais que reúnem todas as condições necessárias ditadas pelo mercado, como o baixo custo e grande oferta da matéria prima, mercado consumidor garantido, são alvos da indústria da reciclagem. Pouco importa se são esses que trazem maiores ou menores prejuízos ao ambiente. Se um determinado resíduo reciclável oferece a garantia de bons negócios recicla-se o mesmo, mas se a reciclagem de outro material qualquer não gerar lucro, o melhor é enterrá-lo, não importa o tempo que o mesmo leva para se decompor no meio ambiente. No próximo capítulo será investigado se os diversos discursos ambientalistas estão influenciando o processo de ressignificação social dos atores sociais envolvidos na cadeia produtiva da reciclagem. 61 PROCESSO DE RESSIGNIFICAÇÃO SOCIAL DOS CATADORES A problemática ambiental, como a que é ocasionada pelo lixão a céu aberto, de acordo com Comiran (2008), antes de qualquer coisa, é uma crise de ética, de identidade, de conhecimento e de relações sociais. Mais do que isso, o processo de “ambientalização” dos conflitos sociais está fazendo com que parte das populações atingidas por danos ambientais passem a usar a questão ambiental em favor de seus interesses e reivindicações; dentre os leigos, como dentre as populações “pobres” e vulneráveis, estão aparecendo apropriações criativas e novas formas de associatividade em torno das questões socioambientais (LOPES, 2006). A reciclagem surge como uma das soluções ambientalmente seguras para os problemas decorrentes da geração do lixo em grandes quantidades. E, há anos a reciclagem é sustentada no Brasil, assim como em outros países, pela catação informal. O benefício que os catadores de recicláveis trazem para a sociedade é grande, mas geralmente passa despercebido. Assim acontece em Corumbá, onde os catadores retiram do lixão aproximadamente 84 toneladas/mês de materiais recicláveis que levariam muito tempo para se decompor na natureza. Sendo que, muitos catadores, conscientes da importância ambiental do seu trabalho, estão passando por um processo de ressignificação social. O presente capítulo pretende explorar as possibilidades do desenvolvimento de um olhar sobre a questão ambiental que se faça sensível à diversidade sociocultural e às distintas formas de apropriação e significação do mundo material (ACSELRAD, 2004). Sabe-se que a preocupação com a ordem ambiental internacional surgiu em virtude de dois problemas: a escassez de recursos, onde o acesso e a herança dos recursos naturais podem ser ameaçados diante do seu uso desenfreado e a ameaça de segurança, impossibilitando a continuidade de vida na Terra (RIBEIRO, 2001). Esta ameaça à segurança e à ausência de recursos não se restringe à esfera de um só país, atravessando fronteiras e se tornando um problema de âmbito mundial. Surge neste contexto a expressão “capitalismo ecológico” nascente da necessidade dos países em reordenar o seu crescimento através de produções menos destruidoras e para que o capitalismo internacional, continue seu desenvolvimento mundial (DUPUY, 1980). Diante deste quadro, as questões ambientais vêm assumindo novas configurações no quadro mundial como uma reação ao modelo hegemônico de produção, trabalho e consumo. Mas o movimento ambientalista somente chega a ter uma expressão verdadeiramente mundial em meados do século XX, quando experimenta um crescimento rápido em todos os continentes 62 (LITTLE, 2002). Este movimento não é hegemônico sendo composto por várias vertentes, cada uma com finalidades próprias e muitas vezes contraditórias (PEPPER, 1996 apud LITTLE, 2002). Em relação aos territórios sociais do Brasil, duas vertentes são de particular importância − o preservacionismo e o socioambientalismo −, cada uma produzindo impactos diferenciados (LITTLE, 2002). O preservacionismo surgiu no século XIX paralelamente nos Estados Unidos e Grã Bretanha, mas foi naquele onde a noção de preservação da wilderness (natureza em seu estado selvagem) conseguiu se estabelecer com mais força (OELSCHLAEGER, 1991 apud LITTLE, 2002). Outra vertente importante do movimento ambientalista é a socioambientalista, que se consolidou no Brasil nos anos oitenta e teve na esfera política da sociedade civil um lugar importante de atuação (LEIS E VIOLA, 1996 apud LITTLE, 2002). Assim, o conceito de “ambientalismo” é repleto de contradições dependendo do ator social que faz uso deste discurso. Desponta neste contexto, por exemplo, o surgimento do consumidor consciente, que é aquele cuja determinação da escolha de um produto vai além da relação qualidade e preço, pois este precisa também ser ambientalmente correto, isto é, não prejudicial ao ambiente em nenhuma etapa do seu ciclo de vida. De agora em diante, o simples ato da compra determina uma atitude de degradação ou conservação do ambiente, transferindo o ônus da responsabilidade ambiental à sociedade, não mais ao mercado ou Estado. Contudo, o mesmo indivíduo que possui predileção no mercado de consumo por produtos com embalagens recicláveis, concomitantemente, contribui para a degradação ambiental ao optar por outros produtos que demandam maior gasto de energia, ou ainda que poluam o meio ambiente. Assim, fundamentado no discurso ambientalista, o “consumidor consciente” opta em adquirir “produtos ecologicamente corretos”, como um “modismo” a ser seguido nesta nova era de priorizar a conservação do meio ambiente. A “Política dos 3 Rs”38, usado como ferramenta didática pelos educadores ambientais, como forma de enfrentamento da questão do lixo possui maior adesão no que se encontra preconizado nos dois últimos “Rs”. O primeiro “R” que trata da redução do consumo configura uma exigência improvável de ser aderida pela sociedade que ainda se pauta no deslumbre alardeado pela mídia que impõe o consumismo desenfreado como forma de adquirir o status de riqueza e poder em seu meio social. Assim, nas palavras de Dias (1993), a causa primeira da atual degradação ambiental deve sua origem ao sistema cultural da sociedade industrial, cujo 38 A Política ou Pedagogia dos 3R's recebeu essa nomenclatura devido à junção das iniciais das palavras "Reduzir", "Reutilizar" e "Reciclar", formando um slogan de grande eficácia pedagógica. Sendo que “Reduzir” consiste em diminuir a quantidade de lixo; “Reutilizar” significa procurar embalagens que possam ser usadas mais de uma vez ou ainda, criar novas utilidades para as que você não precisa mais; e “Reciclar” o mais conhecido dos 3 Rs consiste em transformar um produto-resíduo em outro, visando diminuir o consumo de matéria-prima extraída da natureza. 63 paradigma norteador da estratégia desenvolvimentista, pautada pelo mercado competitivo como a instância reguladora da sociedade, fornece uma visão de mundo unidimensional, utilitarista, economicista e imediatista, onde o ser humano se percebe numa relação de exterioridade e domínio da natureza (DIAS, 1993). Com efeito, o ato de retirar, desmatar, poluir, contaminar e degradar é compensado pela ação de usufruir, empreender, desenvolver e enriquecer. Assim ocorre na região de fronteira em estudo. Seguindo esta linha de pensamento Gonçalves (1990), afirma que a questão ambiental diz respeito ao modo como a sociedade se relaciona com a natureza. Nela estão implícitas as relações sociais e a sua interação com o mundo físico-químico e orgânico. Como foi visto, o ser humano, ao longo da sua evolução histórica definiu e ainda continua a definir limites e fronteiras de acordo com as suas necessidades de poder e conquista de territórios. Dentro deste contexto, a globalização consolida uma mudança na dinâmica territorial. Os lugares são transformados em grandes espaços de especulação financeira e de grande mobilidade, fazendo com que a natureza e a sociedade sofram pressões globais de consumo. Assim, a nossa atual organização territorial é colocada em cheque com essas constatações, sendo por isso, necessário criar um espaço de discussão sobre a necessidade de planejamento ambiental integrado entre os países vizinhos. Se a natureza desobedece às fronteiras políticas, os danos de cunho socioambiental também podem ter a sua repercussão em grande escala, tornando-se um desafio o estabelecimento de critérios para o gerenciamento correto dos resíduos sólidos a fim de manter o equilíbrio ecológico do bioma Pantanal no qual se encontram inseridos tanto Corumbá como Puerto Quijarro (SANTOS, 2007). Frente a este quadro de crise socioambiental de dimensão planetária, os desequilíbrios ambientais ligados ao modelo de produção do “capitalismo sem fronteiras” passaram a chamar a atenção da sociedade, aumentando a demanda por políticas públicas voltadas ao meio ambiente. Assim, as discussões ambientais passaram a entrar nas agendas políticas nacionais de muitos países. Segundo Leis (1999), a agenda ambiental favoreceu a entrada do ambientalismo como ideologia no Estado e daí as tensões, contradições e perspectivas passaram a ser diversas, enfrentando e encampando projetos modernizadores das diversas esferas técnicas, acadêmicas, políticas e ideológicas que compõem a máquina burocrática do poder público. Sabe-se que a recuperação de materiais a partir do lixo é uma atividade milenar. Desde os tempos antigos os destituídos sociais vêm sobrevivendo graças à recuperação das sobras da sociedade, sendo, contudo, retratados como marginais e vagabundos. Ou seja, aos indivíduos que trabalham com o lixo sempre foi imputada uma imagem social extremamente negativa (DIAS, 2002). 64 O exposto acima foi observado por Silva (2002) em sua pesquisa no lixão de Corumbá, na qual constatou que os catadores eram humildes e desconfiados, buscando no anonimato um refúgio para evitar o preconceito e a discriminação, havendo inclusive certo constrangimento por parte de alguns ao serem abordados pela pesquisadora. Isto evidencia, que de alguma maneira, a invisibilidade social os protegia do estigmatismo decorrente da imagem negativa do lixo. Na presente pesquisa também foi constatada resquícios de estigmas envolvendo o trabalho de catação de recicláveis: “Você precisa ajudar a gente. Quando ganhamos nosso uniforme, ficamos contentes, até ouvir na rádio aquele jornalista ofendendo a gente. Onde já se viu? Falar que agora que já temos roupa decente pra vestir só falta a prefeitura dar perfume pra gente sair cheiroso daqui do lixão. Isto não pode ficar assim, eles tão achando que a gente é fedido só porque trabalha aqui” (catador, irmão da Rosa, 2009). O discurso acima foi efetuado pelo catador que estava muito indignado com a veiculação feita por uma emissora de rádio local, em 2009, na época em que estes trabalhadores receberam os EPI‟s da Prefeitura de Corumbá, por intermédio da FUNTERRA. No entanto, na atual sociedade dividida pelas relações de poder, novos parâmetros são criados para delinear quem são os atores sociais reconhecidos e os que não o são. Aqueles que não conseguem se inserir na lógica do capitalismo atendendo aos apelos consumistas por ele impostas, serão socialmente invisíveis. E, dentro deste contexto, vale mencionar o que está ocorrendo, na atualidade, com uma categoria que em especial se vê perpassada por esse processo de invisibilização social, tanto na ótica atrelada ao consumo, quanto no que se refere ao reconhecimento social: os catadores de materiais recicláveis. Sua atividade é marcada por estigmas e se dá no nível da informalidade. Esse grupo social que sempre esteve invisibilizado, tanto na esfera social quanto na esfera econômica têm vindo a ressignificar a sua função social, embasado no sentido ecológico do trabalho dos seus atores (SOUSA SANTOS, 2001).39 O exposto acima encontra-se evidenciado na repercussão do documentário “Lixo Extraordinário” indicado ao Oscar, o qual procura despertar consciências sobre as condições de trabalho dos catadores de recicláveis. O filme relata a história de um catador que coleta recicláveis desde os 11 anos de idade em Jardim Gramacho, um dos maiores lixões do mundo. Assim, o líder do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) se transformou, durante o período de exibição e divulgação do filme, no grande estandarte brasileiro pela defesa dos direitos a um trabalho e a condições de vida dignas para os que, assim 39 Fonte: http://www.uel.br/grupo-pesquisa/gepal/terceirosimposio/cristiano_franca_lima.pdf 65 como ele, cresceram aproveitando o que outros jogam fora. O catador que protagoniza o filme em entrevista a uma emissora de TV, afirmou que o primeiro efeito da repercussão do documentário já está sendo observado no Brasil, onde as pessoas estão deixando de tratar os trabalhadores dos aterros sanitários e lixões como "lixo". "Agora há respeito", afirmou, antes de apontar que ainda resta muito a ser feito. No decorrer da presente pesquisa também foi possível perceber o processo de ressignificação social do trabalho com recicláveis a partir das entrevistas com os próprios atores sociais envolvidos nesta atividade. As passagens abaixo ilustram o exposto: “Eu já tive muita vergonha de ser catador. As pessoas tinham preconceito achando que eu era fedido e sujo. Mas hoje, tenho muito orgulho, porque com este trabalho comprei o meu terreno, construi minhas duas casas, passei as férias em Florianópolis ano este ano e ainda vou comprar a minha moto” 40 (Jurandir, 2010). O discurso do Jurandir, presidente da Associação de Reciclagem Preservadores do Meio Ambiente, evidencia a manipulação da identidade deteriorada (GOFFMAN, 1975), onde expressões que estigmatizavam o trabalho do catador foram substituídas por outras que valorizam a sua atividade dentro da cadeia produtiva de materiais recicláveis. “O meu sobrinho vai completar dezoito anos em setembro, eu quero muito que ele entre na minha Associação. É importante que os nossos filhos e netos dê continuação para o nosso trabalho aqui” 41 (Rosa, 2010). Já o discurso da Rosa, presidente da Associação de Reciclagem Vale da Esperança, denota a reprodução social dos catadores, onde o trabalho de coleta dentro do lixão passa a ser encarada como um tipo de carreira a ser seguido pela família Araújo de Moraes. Fato que evidencia a importância deste trabalho para esta família, que sem outra opção de emprego, tornaram-se “empreendedores”, transformando o que muitos descartaram como lixo em dinheiro. Os relatos acima evidenciam a emergência do catador como agente econômico e ambiental em oposição à estigmatização de invisibilidade social. Seguindo este pressuposto, Pinheiro (2007) enfatiza que: A questão do meio ambiente deu visibilidade e importância a uma atividade mais que centenária: a catação de materias reutilizáveis/recicláveis. As empresas "descobriram" que externalidades negativas, acabavam materializadas nos lixões, e que esses "não lugares" eram espaços produtivos ocupados por catadores de materiais recicláveis, verdadeiras "ecobarreiras 40 41 Depoimento de Jurandir Zacarias de Souza ao ser entrevistado pela pesquisadora. Depoimento de Rosiney Araújo de Moraes ao ser entrevistada pela pesquisadora. 66 humanas" do desperdício energético. A emergência do catador como agente econômico e ambiental se impõe ao processo de estigmatização social.42 Sousa Santos (2001) ainda aponta que esse grupo social que sempre esteve invisibilizado, através da formação do Movimento Nacional de Catadores de Material Reciclável (MNRC), tem vindo a ressignificar a sua função social, demarcando seu espaço na arena pública e política, formulando novas demandas sociais. Embasado no sentido ecológico do trabalho dos seus atores, o movimento tem forjado uma nova racionalidade socioeconômica, na qual a possibilidade da conjunção do estimulo econômico e do desenvolvimento sustentável se faz presente e ativa. Através das narrativas e dos discursos emergentes no seio daquele movimento e, esboçados a partir do cotidiano de vida dos catadores, é possível aferir que estes estão construindo sua identidade coletiva. Esta se dá num processo híbrido de dispositivos de regulação e emancipação social (SOUSA SANTOS, 2001). A criação oficial do MNCR teve lugar no 1º Encontro Nacional de Catadores de Papel e Material Reaproveitável, realizado na cidade de Belo Horizonte, no ano de 1999. Nesse encontro foi sugerida a articulação do 1º Congresso Nacional dos Catadores que aconteceu em Junho de 2001, na capital federal, Brasília. Neste evento a palavra de ordem “Pelo fim dos lixões: reciclagem feita pelos catadores: já!” tornou-se frase-chave do documento elaborado no congresso, conhecido como a Carta de Brasília, que traz as diretrizes principais do MNCR, que tem vindo a pautar a agenda política com suas reivindicações, ocupando e demarcando seu espaço de intervenção nas instâncias institucionais. Apesar do reconhecimento do trabalho dos catadores enquanto profissão, estes trabalhadores permanecem ainda culturalmente estigmatizados no seio da sociedade brasileira. Sua identidade ainda é vinculada à sujeira, marginalidade e ao perigo, A organização e as ações coletivas do MNCR, em primeiro lugar, lograram ressignificar o trabalho realizado pelos catadores. Da estigmatização de um trabalho sujo, impróprio, por estarem em contato direto com o “lixo”, passaram para o reconhecimento legal da importância e utilidade social desse trabalho. Esta conquista trouxe mudanças sociais, as quais têm possibilitado a retomada de vínculos e sentidos de pertença sociais, a dignidade no aspecto mais subjetivo e a (re) configuração identitária dos catadores. Estes passam a ser relacionados como agentes ambientais, destacando o aspecto ecológico de seu trabalho, o que tem proporcionado um sentido de cidadania enquanto pertença social a este segmento de trabalhadores (LIMA, 2008). 42 Artigo intitulado “Encerramento dos lixões: Catadores, os homens certos no lugar errado da autoria de Jorge Pinheiro. Disponível em: <http:www.lixo.com.br>. Acesso em: 29 jul. 2010. 67 Porém, a maioria dos corumbaenses desconhece que haja catadores no lixão e outros apesar de saberem da sua existência, ignoram que os mesmos estejam organizados em associações ou ainda que eles possam ser beneficiados pela coleta seletiva de recicláveis.43 “Que triste, nunca imaginei que houvesse pessoas vivendo assim aqui em Corumbá” (comentário de um munícipe corumbaense após assistir palestra da pesquisadora sobre o lixão de Corumbá). As pessoas que trabalham no lixão de Corumbá são conhecidas pela sociedade corumbaense como “catadores de lixo”, mas os atores sociais em estudo preferem se autodenominar de “catadores de recicláveis”, denotando que eles ressignificam o seu trabalho de maneira positiva, ressaltando a importância ambiental e social de suas atividades, tidas como essenciais na cadeia de reciclagem de lixo. Além disso, não gostam de chamar o local de trabalho de “lixão”, mas sim de “aterro”. Desta forma, através de um discurso ambiental, procuram reverter positivamente o estigma social que recai sobre o grupo (GOFFMAN, 1975). O diálogo abaixo entre a pesquisadora e um catador retrata o exposto acima: “- Jurandir, e agora, o que você vai fazer? Como você vai catar lixo no meio de tanta fumaça?” (pesquisadora questionando o catador quando o lixão estava em chamas, na época de estiagem). “- Que isso, dona Fátima? Eu não sou catador de lixo não. Olha bem, eu sou catador de material reciclável” (Jurandir Zacarias de Souza Filho). Com efeito, em maio de 2011, os catadores brasileiros em estudo se propuseram a fazer parte de uma matéria veiculada na TV local sobre a cadeia produtiva da reciclagem em Corumbá. Os catadores entrevistados demonstraram ter orgulho do seu trabalho, por estarem ajudando a cuidar do meio ambiente. Mas, a maior evidência de que os mesmos aceitam o trabalho como algo digno do qual tem que se orgulhar está no fato de aceitarem a presença constante da pesquisadora em seu ambiente de trabalho, permitindo até mesmo que fossem fotografados pela mesma (Figura 33). 43 Constatação feita pela mestranda durante as palestras e reuniões do qual participa em virtude do seu trabalho na Prefeitura Municipal de Corumbá. 68 Figura 33: Pesquisadora observando o trabalho dos catadores no lixão de Corumbá (Fonte: SEHER 2010). O trabalho exercido pelos catadores, a partir do seu discurso, adquire importância socioambiental, pois os mesmos têm consciência de que estão ajudando a retirar da natureza materiais que podem demorar milhares de anos para se decompor. Este discurso ambiental é acionado pelos catadores também para conseguir acesso a direitos e benefícios, garantindo seu espaço de trabalho, ou seja, o meio ambiente se torna um vocabulário comum, legitimado socialmente, para reivindicações sociais e políticas, no chamado processo de “ambientalização dos conflitos sociais” (LOPES, 2006). O relacionamento dos catadores com a Prefeitura Municipal de Corumbá, como recebimento de benefícios e reivindicações é intermediado pela FUNTERRA. Esta afirmação identitária por parte dos catadores, que ressignificam socialmente sua atividade, tem efeitos políticos a partir do momento em que são reconhecidos pelo poder público. É interessante verificar que a inclusão dos movimentos sociais na comunidade ambientalista foi provavelmente o maior catalisador para a promoção desta guinada na percepção da questão ambiental. No caso brasileiro, a pesquisa de Crespo et al (1998) indicou que nos últimos anos, a incorporação das questões ambientais pelos movimentos sociais, apesar de ainda incipiente, aumentou em relação a 1992, período de realização da Conferência do Rio. Seus ativistas perceberam que a luta pela melhoria da qualidade de vida passa obrigatoriamente por alguns temas ambientais. A disseminação da pauta ambiental no movimento social, que culminou na criação do conceito de “justiça ambiental”, está subordinada à sua principal missão, que é promover a “justiça social”. Stotz et al (1992) afirmam que o Brasil assumiu, 69 reconhecidamente, um alto custo ecológico como opção desenvolvimentista, redundando em elevados índices de poluição e degradação ambiental compartilhados pela sociedade brasileira, mas de modo diferenciado segundo a estrutura de classes. Os autores puderam constatar que a classe trabalhadora e a população de baixa renda estão mais expostas aos riscos ambientais. Pacheco et al (1993) também concordam que os efeitos dos problemas ambientais traduzidos em riscos ambientais não atingem igualmente todos os segmentos sociais indistintamente. O âmago desse debate se localiza em uma das questões mais salientes no âmbito da política ambiental contemporânea: a justiça ambiental, conceito que enfatiza a distribuição desigual do risco ambiental entre os pobres e as minorias étnicas, em relação ao conjunto da sociedade. De acordo com Chiro (1992), Ringquist (1997), Field (1997) e Martínez-Alier44 (1997 apud LAYRARGUES, 2000), um grande número de estudos demonstra, através de argumentos convincentes, que a poluição e o risco ambiental concentram-se desproporcionalmente nas comunidades de baixa renda e minorias étnicas. Enquanto os membros do ambientalismo “elitista” sensibilizaram-se à questão ambiental pelos crescentes índices de degradação ambiental que ameaçavam o estilo de vida da sociedade afluente, Martínez-Alier (1997 apud LAYRARGUES, 2000) sustenta que nas regiões ou países pobres, as condições para a formação de ambientalistas são muito mais favoráveis, por força da sobrevivência, configurando, assim, um “ambientalismo dos pobres”, vitimados pelo uso abusivo dos recursos naturais e pela perda dos serviços ambientais, acarretando em poluição e risco ambiental. E ainda de acordo com Quintas e Gualda (1995), os modos de relacionamento da sociedade entre si e com a natureza são sempre criados e recriados. O que deve ser destacado é que essa ação, por ser realizada por sujeitos sociais diferentes, está condicionada à existência de interesses individuais e coletivos que muitas vezes podem até ser opostos. Além da diversidade de atores sociais envolvidos em conflitos socioambientais, os autores reconhecem também a assimetria dos poderes político e econômico presente no cerne da sociedade. Nem sempre o grupo dominante leva em consideração os interesses de terceiros em suas decisões. Dessa forma, uma decisão pode definir a distribuição dos ganhos e perdas; o que é benéfico para uns pode ser prejudicial ou mesmo fatal para outros. Muitas vezes as investidas humanas nas áreas que deveriam ser mantidas em boas condições ecológicas, são realizadas por populações marginalizadas, pela absoluta impossibilidade de se utilizarem espaços urbanizados na própria cidade formal. E são exatamente esses sujeitos os primeiros a sofrerem os impactos. 44 MARTÍNEZ-ALIER, J. Environmental justice (local and global). Capitalism Nature Socialism, 8(1):91106.1997. 70 Assim, é necessária a compreensão da realidade social e ambiental, fundamentando uma epistemologia ambiental que possibilite ressignificar as dimensões do humano e do ambiente, indicando uma necessária integração de dinâmicas que durante muito tempo permaneceram fracionadas e internalizadas. Para tanto é preciso buscar alternativas metodológicas, técnicocientíficas, político-institucionais e comportamentais. Não temos o direito de furtar-nos das discussões acerca às problemáticas ambientais, pois antes de qualquer coisa, há uma questão de ética e de cidadania (COMIRAN, 2008). 71 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo apontou que os catadores desempenham um papel imprescindível no processo da reciclagem, pois o seu trabalho abastece com matérias-primas as indústrias que fazem parte desta cadeia produtiva. Apesar disso, a pesquisa revelou relações de trabalho precárias e informais entre catadores e organizações de reciclagem em ambos os lados da fronteira. Foi possível constatar também a existência de problemas comuns entre os catadores de Corumbá e Puerto Quijarro, tendo em vista o tipo de trabalho que realizam e as condições insalubres em que o mesmo é exercido. Além disso, os mesmos dependem do lixo como fonte de sobrevivência. Contudo, eles se distinguem quanto à organização social, a disponibilidade de equipamentos de proteção, bem como da conscientização sobre a importância do seu uso. Foi verificado que o apoio do poder público encontra-se presente de maneira marcante no lado brasileiro da fronteira, estando os catadores bolivianos em estudo, a mercê do “atravessador” brasileiro que os remunera com um ínfimo valor, não se preocupando em aferir a quantia de recicláveis coletados por eles. No processo de sua representação social, os catadores corumbaenses fazem diferentes projetos de uso e significação dos recursos ambientais, assim como da sua atividade, superando estigmas e preconceitos. Quanto aos catadores de Puerto Quijarro, os mesmos não são reconhecidos e também não se distinguem como sujeitos com direitos e deveres, bem como não conseguem enfrentar os estigmas que cercam a sua atividade; para tanto seria imprescindível que as instituições bolivianas – ambientais e sociais – também mudassem os seus paradigmas para aceitar a realidade desses catadores como ponto de partida para a sua transformação. Este estudo encontra-se de acordo com Latour (1998, p.91) que questiona “Como as ciências humanas podem renovar-se o suficiente a ponto de “encaixar” o meio ambiente?” Assim, este trabalho demonstra que não é possível separar a política da natureza, o meio social do meio ambiente, o ser humano do seu ambiente natural. O exposto acima também está de acordo com o pensamento de Little (2006) que afirma que uma pesquisa de cunho socioambiental trabalha em ambos os lados da divisa entre o mundo biofísico representado pela natureza e o mundo social representado pela cultura. Segundo o mesmo autor, tarefa particularmente difícil devido à separação, tanto epistemológica quanto institucional, entre as ciências naturais e as ciências sociais. O mesmo conclui que a existência de uma ciência verdadeiramente ecológica, requer um diálogo profundo entre as ciências sociais e as ciências naturais, que focalize o relacionamento dinâmico e interdependente entre o mundo biofísico e o mundo social. 72 Ainda de acordo com Little (2006): Esse campo é fruto de um diálogo intenso entre as disciplinas da biologia, da antropologia, da geografia, da história e da ciência política, criando um espaço transdisciplinar próprio dentro das ciências naturais e sociais. Na contramão de muita da literatura sobre transdisciplinaridade, afirmo que esse espaço não elimina as diferenças entre as distintas disciplinas e pode, até, realçá-las. Cada matriz disciplinar emprega seus conceitos e técnicas dentro do campo da ecologia política na procura de iluminar diferentes aspectos das relações ecológicas frente a novas realidades. A Política Nacional de Resíduos Sólidos sancionada este ano prevê incentivos do poder público municipal para a inclusão dos catadores nos programas de coleta seletiva. Diante do exposto, podem-se prever melhorias nas condições de trabalho dos catadores de Corumbá, que já se encontram organizados e conscientizados da importância do seu trabalho em virtude do apoio que recebem da Prefeitura Municipal. O mesmo ainda não ocorre com os catadores de Puerto Quijarro que sem o apoio do poder público local, ainda se encontram invisibilizados socialmente. Porém, se o discurso ambientalista também for trabalhado no outro lado da fronteira e aliado a isso, seja viabilizada a integração entre os catadores fronteiriços em estudo, conseqüentemente, espera-se mudar a realidade dos catadores bolivianos, através da inclusão justa dos mesmos na cadeia produtiva da reciclagem. Espera-se assim, que este estudo contribua para que tanto o poder público como os demais segmentos da sociedade criem a consciência socioambiental de que a qualidade de vida está intrinsecamente relacionada com um meio ambiente saudável. E que esta consciência ambiental se reflita em forma de políticas públicas voltadas para melhorar as condições de trabalho dos catadores que constituem a base da cadeia produtiva da reciclagem. 73 REFERÊNCIAS ACSELRAD, Henri. Conflitos Ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Fundação Heinrich Böl, 2004. 294p. APPOLINÁRIO, F. Dicionário de metodologia científica: um guia para a produção de conhecimento científico. 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