CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E MEIO AMBIENTE: AS

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CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E MEIO AMBIENTE: AS
CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E MEIO AMBIENTE: AS
INDÚSTRIAS DE RECICLAGEM, O TRABALHO DO CATADORES
DE LIXO E AÇÃO DO ESTADO
Autoras:
Ana Elizabete Mota; Maria das Graças Silva; Marcela Valença; Maysa Rodrigues;Paula Bezerra
País: Brasil/Pernambuco;
Instituição: Universidade Federal de Pernambuco
Palavras -chave: Produção, Meio Ambiente, Estado, Reciclagem, Precarização do Trabalho
Eixo Temático: Los instrumentos económico-políticos internacionales. Su impacto en la
conformación del nuevo orden emergente y en los procesos de exclusión social. Los desafíos para
el Trabajo Social.
INTRODUÇÃO
O tema problematizado neste ensaio insere-se na discussão mais geral sobre a
dinâmica do capitalismo contemporâneo, enfatizando de modo particular as mudanças
ocorr idas nos processos de produção de mercadorias e que acionam um conjunto de
mecanismos econômicos e ídeo-políticos, reveladores do modo como o capital vem criando
nova forma social de produção, reestruturando sua base material e redefinindo a divisão
social e técnica do trabalho.
Ao reestruturar o processo produtivo, o capital repõe as bases do processo de
acumulação e redefine estratégias que permitam “potencializar sua capacidade de
realização” (Teixeira,200:83)
tais como a racionalização dos mercados, a criação de
mercadorias cujo tempo de uso é programado, a utilização de novas tecnologias, a criação
de novos materiais e, principalmente, a reorganização dos processos de trabalho.
O ponto de partida deste trabalho é a relação contemporânea que se estabelece entre
os limites postos pela degradação da natureza e as estratégias utilizadas pelas empresas e
pelo próprio Estado para enfrentar a questão ambiental, entendida esta última como uma
problemática inerente à forma histórica como o capital subordino u a natureza aos
imperativos da sua reprodução. No interior desta relação, interessa-nos discutir como a
moderna empresa capitalista se apropria das contradições geradas pela “produção
destrutiva” do meio ambiente no interior e por intermédio das novas fo rmas de valorização
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do valor, articulando mecanismos internos e externos à produção que implicam em
organização e reorganização dos processos de trabalho, inovações tecnológicas e
organizacionais, formação de cultura e ideologias legitimadoras das suas iniciativas e
mobilizadoras de pactos entre o Estado, o trabalho e o capital.
O nosso universo temático e empírico volta-se para a indústria de reciclagem, para
os trabalhadores da rua que coletam, beneficiam e vendem os materiais recicláveis e para a
ação do Estado, materializada nos órgãos de controle ambiental e de limpeza urbana em
Pernambuco.
As observações realizadas até então indicam que a particularidade das indústrias de
reciclagem consiste em transformar as seqüelas do processo de destruição ambiental em um
novo objeto de produção mercantil, redefinindo o seu processo produtivo através da adoção
de novas tecnologias e do uso de materiais originários da reciclagem e utilizando uma dada
forma de cooperação entre o trabalho que começa na rua e continua na fábrica.
Sob outra perspectiva, o mesmo fenômeno aponta para o fato de que o crescimento
da atividade de “catar lixo” nos centros urbanos é indicativo do lugar que catador de lixo
ocupa no processo de produção da indústria de reciclagem e reciclados (estima-se em mais
de 500 mil catadores de lixo no Brasil), vez que o desconhece como partícipe do seu
processo de trabalho, embora integre-o organicamente ao processo geral de produção de
mercadorias. Mais ainda, observa-se que também as instituições urbana s públicas, sob o
discurso da preservação ambiental ou da assistência social, mediatizam esse processo de
produção de mercadorias que começa na rua, agenciando inclusive o atendimento das
exigências das indústrias acerca da qualidade da mercadoria a ser adquirida e, ao fazê-lo,
também elas apropriam-se do trabalho do catador de lixo, integrando-o aos serviços de
limpeza urbana sob o discurso de que está interferindo positivamente nas condições de vida
daqueles trabalhadores precarizados.
Estas primeiras observações empíricas nos indicam que três ordens de questões
colocam-se no horizonte categorial da questão em tela, quais sejam: as contradições
geradas pelo atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas, onde se inclui a
produção destrutiva da natureza como expressão do controle do capital sobre a relação
metabólica entre indivíduo e natureza; as estratégias utilizadas pelo capital para reverter em
benefício da acumulação privada os entraves derivados da escassez de recursos naturais,
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dos resíduos industriais e do lixo doméstico derivado da produção de descartáveis e da
obsolência programada das mercadorias e as implicações daí decorrentes nos processos de
produção; os processos de cooperação que se delineiam entre a produção (artesanal) da
matéria-prima (recicláveis) e a do produto industrial acabado; a mediação do Estado,
através do controle ambiental e das políticas urbanas.
CAPITALISMO CONTEMPORÂENEO E MEIO AMBIENTE
Expressão das contradições geradas pelo desenvolvimento das forças produtivas na
ordem capitalista madura, a produção destrutiva da natureza, particularmente a destruição
dos elementos não renováveis e a degradação do meio ambiente, transformam-se
dialeticamente em problemáticas que, por vias antagônicas, afetam o próprio capital e o
trabalho.
Para o capital, a questão ambiental somente se constitui numa problemática na
medida em que impede, ou cria obstáculos aos modos históricos que utiliz(a)ou para
apropriar-se da natureza, qual sejam, a propriedade dos bens sociais e naturais e a sua
transformação em mercadorias. Sejam tais obstáculos de ordem material, como é o caso da
escassez de alguns produtos não renováveis, dos custos para armazenagem, despejo e
tratamento dos resíduos industriais ou ainda, do comprometimento ambiental provocado
pela obsolência programada do uso das mercadorias. Sejam os obstáculos de ordem
jurídico-política, resultantes da pressão dos movimentos sociais envolvidos com a causa
ambiental e ecológica e da regulação pública do uso do meio ambiente, ou ainda, o peso
dos obstáculos comerciais, cujas estratégias de competitividade do mercado global que
passam a exigir certificações de qualidade como é o caso das ISOs 9002 e 14000.
Premido por tais situações, a industria capitalista, preservando a sua finalidade
precípua que é o lucro, desenvolve um conjunto de iniciativas, dentre elas a reciclagem de
produtos industrializados ou a chamada gestão empresarial ambiental com o intuito de
recriar o processo de produção de mercadorias, redefinindo seus processos produtivos. O
faz através do uso de novas tecnologias, da utilização de novos materiais e, principalmente
refuncionalizando o consumo da força de trabalho ao criar novos meios de cooperação que
dotam a cadeia produtiva de variegadas formas de trabalho. Este movimento responde pelas
iniciativas capitalistas para restaurar as bases do processo de acumulação, mobilizando a
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intervenção do Estado, como o fez historicamente desde a emergência da sua fase
monopolista, para garantir as condições sócio -políticas e econômicas que viabilizem os
processos de mudança. No entender de Braga (1997) esta dimensão da intervenção do
Estado para atender às necessidades do capital, imprimem ao processo em curso mais do
que a qualificação de uma reestruturação das bases da acumulação, alçando-o à condição de
uma restauração do capital, onde estão implicadas a reforma neoliberal do Estado, a
abolição dos mecanismos de controle da produção social, a passivização do trabalho e a
construção da hegemonia.
Embora as transformações em curso não particularizem as industrias de reciclagem,
posto que são partilhadas em escala mundial por todo o setor produtivo industrial , vindo a
configurar o desenvolvimento do processo global de reestruturação capitalista, existem
questões que permitem particularizar as estratégias utilizadas por aquelas empresas para
além do âmbito do processo produtivo, interferindo sobremaneira na dimensão ideológica.
Trata-se especialmente do marketing e do discurso empresarial acerca das suas
responsabilidades para como meio ambiente, criando um aparente consenso entre as
iniciativas empresarias, as bandeiras dos movimentos sociais e o controle público do meio
ambiente.
Deste modo, se para o capital, as contradições geradas pelo atual desenvolvimento
das forças produtivas transformam-se em objeto da construção de novas alternativas para
assegurar o processo de acumulação, o mesmo não acontece com os trabalhadores.
Principalmente porque “o modo de produção capitalista, enquanto expressão histórica
peculiar de controle do metabolismo social, "nada mais é do que uma dinâmica, um modo e
meio de mediação reprodutiva que tudo abarca e domina"(Mészáros, apud Lessa 1998:139),
sendo- lhe, portanto, essencial a subsunção à sua lógica de todas as relações sociais com que
se depara.
Ora, o advento do capitalismo se deu com a apropriação privada dos elementos da
natureza e de sua transformação em bens destinados à satisfação das necessidades sociais
em níveis até então impensáveis; ao mesmo tempo subordinou tal processo às relações
sociais de produção que lhe são constitutivas, permitindo que a emergência da
industrialização, com a utilização da ciência e a exploração do trabalho, conduzisse à
destruição da produção mercantil simples, ao deslocamento de grandes segmentos da força
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de trabalho para as cidades e à separação entre o campo e a cidade como ruptura radical do
metabolismo com a natureza prevalecente em modos de produção anteriores.
Assim, com o capitalismo, “separam-se, de forma massiva, as fontes de produção de
alimento e a matéria-prima de seu consumo. As trocas de materiais e energia se modificam
radicalmente" (Foladori, 19991:111). Trata-se de um movimento de conversão da natureza
em riqueza social destinada não mais a satisfazer necessidades humanas, mas, sobretudo a
acumular capital.
A sociabilidade capitalista rompe os elos entre o homem e a natureza externa, assim
como os aliena do processo de transformação dos elementos naturais em bens sociais
necessários à manutenção da própria vida. Ao romper a relação metabólica de que falava
Marx, inicialmente através da propriedade da terra que deixa de ser meio natural de
produção de meios de subsistência, apropria-se paulatinamente dos instrumentos de
trabalho como mediadores da aplicação da sua capacidade de transformar a natureza, tendo
por fim último a apropriação do trabalho alheio como condição da acumulação de riqueza.
Ao indivíduo é negado o produto de seu trabalho, posto que passa a depender da venda da
sua força de trabalho para adquirir no mercado aquilo que o seu trabalho de transformação
da natureza poderia lhe dar. Assim, a organização capitalista separa de forma absoluta o
trabalhador de seus meios de vida.
Mas, como reflete Lessa (1998), a lógica expansionista do capital não opera
ilimitadamente. Em sua sede insac iável de lucratividade o capitalismo revela sua essência
crescentemente destrutiva, perdulária, manifestando uma contradição essencial no processo
de sua reprodução: a crescente obsolência programada, o desperdício no trato dos recursos
naturais e sociais - condições essenciais para a expansão da produção e do consumo confrontam-se, progressivamente, com o caráter limitado das potencialidades ambientais,
com a finita capacidade de "utilização" dos recursos naturais, o que vem comprometendo,
sistematicamente, o equilíbrio ecológico e a própria existência humana no planeta.
Esta contradição, cujo significado para o capital já foi sumariamente esboçado
anteriormente, desborda dialeticamente para o campo político através dos movimentos
sociais voltados para a defesa da sustentabilidade ambiental, seja via propostas de caráter
anticapitalista, seja pela via do “ecologismo romântico”. Embora seja significativa a
visibilidade tais movimentos adquiriram pode-se aventar que a publicização do fenômeno
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não vem sendo devidamente politizada. Em termos sintéticos, aborda muito mais as
evidências da depredação do meio ambiente, divulga as conseqüências da dilapidação
ambiental , conclama ações preservacionistas, mas, em sua maioria, não chega a desvelar
suas determinações, afetas que são ao processo de alienação da produção da riqueza social,
numa conjuntura em que o capital tenta abolir todos os mecanismos de controle da
acumulação do capital.
Ao considerar as tendências teóricas e políticas dos movimentos sociais que se
ocupam com a questão ambiental, observa-se que ainda é residual o envolvimento do
movimento sindical, particularmente no Brasil, com esse tema. Embora não estejam
disponíveis dados que comprovem tal assertiva, certo é que a desconsideração política da
questão pode ser objeto – como já assinalado en passant, de uma indiferenciação de classe
frente a uma problemática que, na prática, já se revela legitimadora de investidas
capitalistas, conforme já dissertamos no tocante a industria de reciclagem.
É neste campo de problematização que identificamos as estratégias utilizadas pelo
capital para enfrentar as contradições decorrentes da utilização de novas tecnologias e
matérias primas, no atual contexto da reestruturação capitalista. Aqui merecem referência
tanto as práticas de pilhagem ambiental levadas a efeito pelos países desenvolvidos nos
países periféricos, seja através da exploração não renovável de produtos naturais, seja
através da transferência de tecnologias consideradas "sujas", como os mecanismos
utilizados na redefinição dos processos de produção de mercadorias, em termos globais e
locais, com todas as implicações que acarretam para a divisão social e técnica do trabalho.
Conforme já assinalado, esta conjunção de fatores, comum às empresas
reestruturadas, adquire singularidades na indústria de reciclagem, particularmente aquela
que transforma em matéria prima alguns componentes "descartáveis" do lixo urbano
doméstico como é o caso dos vasilhames plásticos, do papel usado, das latas de alumínio
utilizadas como recipientes para bebidas e dos vidros.
Se por um lado, o seu surgimento é determinado pelas contradições inerentes ao
processo de apropriação privada dos elementos da natureza - via limitações na oferta de
matérias primas, energia, etc ou pela s conseqüências da utilização de tecnologias com alta
produção de resíduos e poluentes - por outro, também o é pela ampliação das pressões
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políticas, seja na esfera das políticas públicas de controle ambiental, seja através dos
movimentos organizados .
Todavia o que chama atenção é a enorme capacidade que tem o capital para
apropriar-se de um conjunto de situações, delas extraindo potencialidades que lhe permite
transformar em acumulação de riqueza o que era obstáculo à lucratividade. Não por acaso,
também no âmbito da concorrência capitalista, a relação entre produção e meio ambiente,
passa a compor as estratégias de competitividade, incorporando nos chamados padrões de
qualidade, quesitos relacionados à chamada gestão ambiental.
Todos esses elementos combinados permitem àquele ramo da indústria contar com
uma legitimidade social crescente. Fato é que essas empresas transformam em mercadoria sob a forma de matérias-primas – uma parte dos produtos produzidos na sociedade dos
supérfluos e descartáveis. Em outros termos, parte do lixo urbano, adquire a forma
mercadoria.
O Trabalho no Processo de Reciclagem
Este processo, longe de restringir-se ao ambiente interno das empresas é mediado
pelas condições sociais presentes na realidade e pela decisiva ação do Estado. Assim, duas
dimensões de um mesmo movimento levadas a efeito pelo mercado e pelo agenciamento do
Estado, permitem o surgimento de uma atividade ocupacional, típica dos países que
possuem populações miseráveis, a dos catadores de lixo reciclável, como uma outra
atividade, tipicamente comercial, a dos aparistas. que intermediam a compra e venda do
material coletado na rua.
Considerada uma atividade autônoma ou por conta própria, a “catação de lixo”
afigura-se como parte de um processo coletivo e combinado de trabalho que começa na rua
e continua na fábrica de reciclagem. Transformados em produtores simples de mercadorias,
à moda do período manufatureiro, os catadores de lixo materializam uma das novas
personas do trabalho reestruturado: estão integrados ao circuito mercantil e produtivo, mas
apartados das condições sociais que lhes asseguram os meios de proteção legais e
institucionais, relacionados ao seu estatuto de trabalhador.
Considerados como “excluídos sociais”, estes trabalhadores da rua cumprem papel
decisivo no processo produtivo da indústria de reciclados, visto que são fornecedores de
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trabalho “materializado” - fornecem a matéria-prima daquelas indústrias - sendo a compra e
venda de sua força de trabalho, encobertas na forma de compra e venda de mercadorias.
Assim sendo, o sucesso pessoal, a capacidade de satisfação de suas necessidades no
mercado depende do “quantum” de mercadorias que remete cotidianamente às empresas, as
quais fixam o valor de remuneração da força de trabalho pelo número de unidades/peso (ou
peças) e pelo tempo dispensado para obtê- las. (Teixeira, 1995:29-32).
Embora concretizando um contexto que não é exclusivo, posto que extensivo a
outras atividades ocupacionais como os trabalhadores terceirizados e os que trabalham em
domicílio ou cooperativas de trabalho, o que parece diferenciar é o papel definitivo que o
Estado exerce ao mediar a relação entre o trabalho no espaço público e as necessidades
materiais das empresas privadas. Esta afirmativa é enriquecida com os números da
participação de reciclados em alguns setores industriais como: 72% da indústria de papelão,
22% de papel, 78% da indústria de latas de alumínio, 42% da indústria de vidros e 26% da
produção de embalagens PET.
No que diz respeito à participação do Estado, observa-se um conjunto de frentes de
intervenção que revelam a sua dinâmica contraditória: ao tempo em que assume funções de
regulador das condições de utilização do meio ambiente, incorporando parte das
reivindicações dos movimentos ambientalistas e criando normas e exigências para as
empresas industriais, também assume como suas, parte das iniciativas encontradas pelas
empresas para “capitalizar” as situações limitadoras da sua produção de mercadorias. Ao
viabilizar direta ou indiretamente o processo de transformação do lixo em mercadoria, as
empresas públicas, apropriam-se não da mercadoria reciclável, mas do trabalho do catador
de lixo que torna-se partícipe do processo de coleta do lixo urbano.
Mas o “fetichismo” do Estado somente se revela quando argumenta que esta
iniciativa inclui-se na esfera da ação social, constituindo-se numa política social voltada
para a estimulação do emprego e da renda das famílias pauperizadas, como é o caso dos
que vivem da “catação do lixo”. Neste caso particular, também as medidas de assistência
social, aparentemente desvinculadas das políticas industriais e inscritas na esfera pública
não mercantil, queiramos ou não, estão submetidas às necessidades do capital. Nestes
termos, através de um conjunto de mediações, o Estado ao atender às necessidades
imediatas quer dos trabalhadores desempregados e pauperizados, quer das questões que
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afetam a população urbana das grandes cidades, onde se inclui o lixo e a preservação
ambiental, também submete o atendimento daquelas às necessidade do capital.
Considerando o conjunto da problemática exposta daremos centralidade a uma
dimensão do objeto de análise, qual seja, a participação do Estado que, sob o discurso da
preservação ambiental ou da assistência social - ao mediat izar o processo de produção de
mercadorias que começa na rua, agenciando inclusive o atendimento das exigências das
empresas acerca da qualidade da mercadoria a ser adquirida - também o faz apropriando-se
do trabalho do catador de lixo, mas reiterando a id éia de que está favorecendo as condições
de vida do mesmo.
A Ação do Estado
A ação do Estado, objeto empírico de análise, materializada nos órgãos de controle
ambiental e de limpeza urbana no Recife, volta-se para a promoção de programas
destinados ao tratamento do lixo urbano metropolitano. O carro chefe destes programas é a
Coleta Seletiva de Resíduos Sólidos que se encontra implementada em alguns bairros da
cidade com vistas tanto à diminuição da quantidade de lixo encaminhado ao aterro, quanto
à “inc lusão” social do catador através do trabalho. Para tanto, tem-se como objetivo a
organização, na cidade do Recife, de instâncias que representam e apóiam a autonomia dos
atuais catadores de materiais, tais como: o Movimento Nacional dos Catadores - o qual
reivindica que a coleta seletiva seja realizada por organizações de catadores; os Fóruns
Nacional e Estadual de Lixo e Cidadania - defendem a promoção da inclusão social do
catador e seus familiares e a erradicação do trabalho infantil, além da realização da coleta
seletiva por grupos organizados de catadores.
Neste sentido, algumas iniciativas foram implementadas no sentido de tornar
efetiva a proposta acima descrita, quais sejam: a) ampliação dos Postos de Entrega
Voluntária (PEV´s); b) Ampliação dos Núcleos de Triagem de Resíduos Sólidos; c)
Educação
Ambiental
em
Escolas,
Condomínios,
Indústrias;
d)Mobilização/Profissionalização dos Catadores; e) Incentivo à Formação de Associações e
Cooperativas de Catadores de Lixo. Tais entidades têm como objetivos: a organização da
coleta de rua, do recebimento e triagem dos resíduos sólidos coletados, a profissionalização
do catador, tendo em vista sua “inclusão social” através do trabalho.
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Do contingente estimado de 1300 catadores-carroceiros atuantes na cidade do
Recife, estima-se que cerca de 780 circulam e trabalham no centro da cidade
(aproximadamente 60% do total). A grande maioria destes o faz sistematicamente,
enquanto cerca de 30% eventualmente pratica a coleta. Observa-se a existência de uma
divisão familiar do trabalho: na maioria das vezes cabe ao homem colher os resíduos
sólidos nas ruas e encaminhar para os núcleos de coleta. As mulheres e crianças trabalham
no processo de triagem dos materiais. Esse processo de trabalho é crivado pela precarização
manifesta através da informalidade, das longas jornadas de trabalho, da desproteção social,
pela exposição sucessiva aos riscos à saúde.
A persona do catador, considerada autônoma, tem seu processo de trabalho
subordinado às exigências das indústrias de reciclagem quanto à qualidade do material
coletado. Constitui- se como parte integrante do processo de limpeza urbana, gerenciado
pelo Estado. Estima-se a coleta de uma média de 120 kg/dia por catador, o que pode atingir
cerca de 3.000 toneladas/mês, o que vem demonstrar a importância do trabalho do catador
tanto para a coleta do lixo urbano quanto para o fornecimento de matéria-prima à indústria
de reciclagem.
Nestes termos, a ação do Estado não incide no cerne da questão ambiental para
discutir ou intervir na produção destrutiva, na obsolência programada, na busca do capital
por mercado; antes pelo contrário, agencia os interesses da industria e desenvolve ações no
sentido promover a profissionalização do catador sob o discurso da “inclusão” social. Em
ultima instancia o Estado mediatiza o processo de organização dos catadores e o
atendimento das exigências das industrias acerca da qualidade da mercadoria.
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