N.º 1 - Instituto de Ciências da Saúde

Transcrição

N.º 1 - Instituto de Ciências da Saúde
Cadernos de Saúde  Volume 1  N.º 1
Índice
Editorial
3
Alexandre Castro Caldas
Dor Total nos doentes com metastização óssea
7
Manuel Luís Vila Capelas
O ensino médico pós-graduado baseado em competências:
reflexão sobre o Internato Médico
23
Fernando Domingos
Descrição e análise de um sistema de avaliação das aprendizagens
numa Faculdade de Medicina
51
Leonor Ramalho
A voz da criança autista:o estímulo musical cantado como suporte à comunicação
63
Rosalina Machado
A introdução de competências de gestão no processo de formação médica:
uma avaliação multidimensional das expectativas mediante correlações canónicas
73
Figueiredo, T.; Castro Caldas, A.; Castela, G.
Reflexões sobre formação contínua certificada no contexto do Processo de Bolonha
Vitor Alaiz
81
Editorial
Alexandre Castro Caldas
O Instituto de Ciências da Saúde (ICS) foi criado
na Universidade Católica Portuguesa (UCP) em
2004 com o objectivo de desenvolver os domínios
científicos que convergem num tronco comum que
se identifica com as questões que se levantam a
propósito da Saúde. Qualquer Universidade, com
a dimensão da UCP e com a vocação de ensinar,
investigar e prestar serviços de qualidade, deve
incorporar este domínio do saber pelo que ele
tem de multidisciplinaridade e de oportunidade
de gerar interfaces enriquecedoras do seu acervo
científico e pedagógico.
Na Saúde convergem os problemas mais básicos da Biologia, orientados para a investigação
fundamental ou para a sua aplicação à prática
clínica, prática clínica que hoje se tem que entender
partilhada por um número crescente de profissionais
com preparações elementares distintas e perfil de
actuação específico. Entender o mundo complexo
de actuação destes profissionais é, só por si, um
enorme desafio científico: a exploração dos sistemas complexos das organizações, associada ao
contributo fundamental dos sistemas informáticos,
deve criar o constante aperfeiçoamento dos serviços,
abandonando hábitos corporativos seculares que
não se podem aceitar no mundo moderno.
Nestes domínios convergirão os cultores das ciências fundamentais como a Anatomia, a Fisiologia, a
Biologia, a Química, a Farmacologia, entre outras
associadas às áreas da Gestão, das Ciências Sociais,
das Matemáticas aplicadas da Informática, e ainda
as novas áreas geradas pelo potencial de formação
diferenciada gerado pela adaptação a Bolonha que
permite criar profissionais de perfil individual adaptável a problemas concretos. O domínio da Saúde
é talvez um dos que pode beneficiar mais destas
novas combinações de formações de primeiros e
segundos ciclos, assunto para o qual o ICS tem
estado particularmente atento.
Não podemos esquecer que a tecnologia aplicada à Saúde se tem vindo a desenvolver a uma
velocidade impensável, de tal forma que cada nova
técnica quando está pronta a ser incorporada na
prática regular, corre o risco de estar já ultrapassada
por novas propostas com maior capacidade de
resposta. Este componente, oriundo dos campos
Engenharia e da Física deve ser um acompanhante
diário dos serviços de hoje, tendo o ICS vindo a
estabelecer uma ligação importante com a Faculdade de Engenharia da UCP.
A incorporação de todos os componentes deste
mundo complexo e a sua gestão no contexto geral
dos sistemas pagadores e da vida da sociedade é
também um desafio actual a que urge estar atento
e para o qual vai sendo necessário criar soluções
apropriadas. Não podemos nunca esquecer que
os sistemas de saúde existem porque há pessoas
que sofrem e que necessitam de cuidado: essa é
a preocupação que deve dominar.
A UCP tem a responsabilidade acrescida de
transportar consigo a tradição da Igreja Católica
de solidariedade com os que sofrem, reduzindo
esse seu sofrimento e dando um sentido à vida
nos momentos mais difíceis. No nosso país, a
Igreja é responsável por um volume apreciável
de serviços correndo em paralelo com o Serviço
Nacional de Saúde, colmatando muitas das suas
falhas e carências. Um pouco por todo o país se
podem encontrar pequenas organizações onde
o sentido da solidariedade humana é cultivado
com preciosa dedicação. A UCP tem obrigação de
identificar esses pólos de prestação de cuidados e de
informar cientificamente essa solidariedade, através
de acções de formação contínua e de fornecimento
Cadernos de Saúde  Vol. 1  N.º 1 – pp. 3-4
4
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
de soluções apropriadas para cada caso, tentando
dar-lhe um sentido nacional por incorporação de
sinergias ao que se pode identificar como uma
rede nacional.
Todos estes temas devem ser trabalhados integrados ainda nos domínios mais abrangentes do
Direito, da Filosofia e da Ética, sem o contributo
dos quais não se pode desenvolver um programa
coerente. A relação entre estes departamentos da
UCP com o ICS tem vindo a estreitar-se.
Do que ficou já dito se compreende que todo
o projecto do ICS necessita de se alicerçar em três
componentes: a prestação de cuidados, o ensino e a
investigação científica. Nenhum destes componentes
pode ser negligenciado ou subalternizado: só se
pode ensinar aquilo que se sabe fazer, só se sabe
fazer bem feito aquilo que é feito com informação
actualizada resultante de constante trabalho de
pesquisa.
Com o passar do tempo, tornou-se evidente
que a orientação seguida pelo ICS era a mais
correcta, pesem embora as dificuldades que têm
vindo a ser superadas ao longo do percurso. Os
programas de formação propostos pelo ICS tiveram
aceitação, não só por parte dos profissionais que
os têm vindo a frequentar, mas também por parte
do Governo que, através dos Ministérios da Educação, da Ciência e da Saúde, apoiou já diversos
desses programas. Também uma palavra deve ser
dita sobre o apoio da Fundação Gulbenkian, que
apoiou projectos de investigação e de ensino, e
da Fundação Merck Sharp & Dohme que desde o
primeiro dia estabeleceu um protocolo de apoio
com o ICS.
O ICS enquanto Instituto de âmbito nacional tem
actividade em três Centros Regionais: Lisboa, Porto
e Beiras. No conjunto dos três pólos reúne neste
momento mais de 2000 alunos. A Enfermagem
é sem dúvida o sector mais desenvolvido pois
integra duas Unidades de Ensino, com programas
de formação que vão desde a licenciatura aos
Mestrados profissionalizante e académicos e ao
programa de Doutoramento. A Medicina Dentária
no Centro Regional das Beiras, foi recentemente
reestruturada e pretende vir a ser um pólo de
convergência de profissionais de todo o país e de
Espanha em acções de formação continuada tão
necessárias nesta profissão. À volta deste interesse
pretende-se o desenvolvimento de profissionais de
tecnologias de Saúde no âmbito da Medicina Dentária e o desenvolvimento de projectos de trabalho
no terreno quer virados para a prevenção da cárie
nas crianças da região de Viseu para o apoio aos
casos de diagnóstico e tratamento mais difícil que
só uma Clínica Universitária bem implantada na
comunidade pode resolver.
No domínio da Medicina deve salientar-se o
sucesso que teve o programa de Mestrado em
Educação Médica feito em colaboração com a
Harvard Medical School. Este programa contou
com o apoio da Fundação Luso-Americana para
o desenvolvimento e envolveu já 75 médicos que
hoje se interessam pelas difíceis questões da Educação Médica e que connosco vão partilhando o
desenvolvimento de projectos de formação. Para
além deste programa, criaram-se ainda os programas de Mestrado em Infecções Relacionadas com
os Serviços de Saúde, de Mestrado em Feridas e
viabilidade tecidular, e em SIDA.
O programa de Mestrado em Cuidados Paliativos,
a correr em Lisboa e no Porto tem tido enorme
procura. Este é um dos temas que se entendeu
ser fundamental cultivar no seio da UCP. Julgamos
ser fundamental formar profissionais capazes de
5
responder às questões difíceis do fim da vida. Da
mesma forma, entende-se que a UCP tem obrigação de se envolver activamente no domínio dos
cuidados continuados integrados que começam a
dar os primeiros passos no nosso país. Estão em
preparação acções de formação neste sentido,
existindo uma colaboração em diversos projectos
com a Unidade de Cuidados Continuados Integrados
que foi criada pelo Ministério da Saúde.
A ligação ao Ensino Politécnico, através do
ensino da Enfermagem, abriu as portas para as
Tecnologias da Saúde e nesse sentido se criaram já
cursos de Licenciatura e Mestrados. Os Mestrados
decorrem em parceria com a Escola Superior de
Saúde do Alcoitão e dizem respeito às Ciências
da Fala, Patologia da Linguagem e Reabilitação
Neurológica. Na proximidade deste interesse na
reabilitação encontra-se a ponte com as ciências
da Educação. Organizou-se o Mestrado em Língua
Gestual Portuguesa e aguarda-se autorização e apoio
para iniciar a licenciatura, para a qual se obteve
já o apoio da Fundação Portugal Telecom, que
permitirá instalar um sistema de ensino à distância
acessível à comunicação por língua gestual.
O desenvolvimento destes projectos foi sempre acompanhado pela organização de grupos
de investigação onde se desenvolvem múltiplos
projectos. O ICS é hoje forja de uma produção
científica que começa a ter significado e de que
se torna indispensável dar notícia pública. Foi essa
a motivação fundamental para a criação destes
Cadernos. Entendemos que o trabalho científico
deve ser publicado em revistas de grande impacto
internacional, isso é prioridade do ICS e disso se
dará conta nestas páginas, mas não invalida que
se crie um instrumento que permita o registo da
muita actividade que vai sendo feita em forma
de artigos seleccionados de algumas das provas
académicas ou de artigos da iniciativa de alunos
e docentes e outros colaboradores.
Devemos, ainda, aproveitar para fazer menção
ao Prémio Monsenhor Feytor Pinto lançado em
colaboração com a Pastoral da Saúde destinado
a distinguir trabalhos sobre a Espiritualidade e os
cuidados de Saúde. Trata-se aqui de estimular a
investigação científica num domínio pouco trabalhado ainda e que carece de desenvolvimento. Este
é o primeiro ano em que será atribuído, mas é
nosso desejo que se torne um prémio conhecido
e desejado por muitos investigadores
Neste primeiro volume publicam-se alguns textos
que julgamos serem do interesse de muitos e dá-se
conta também do elenco dos Professores que até
agora se associaram ao projecto. Estou certo de
que a lista está ainda incompleta, mas para já
agradeço a disponibilidade dos que aceitaram o
desafio. Com eles contamos para a verificação da
qualidade dos textos publicados e para o contributo
que entenderem dar para o desenvolvimento dos
CADERNOS.
Dor Total nos doentes com metastização óssea
Total Pain in patients with bone metastases
Manuel Luís Vila Capelas*
Escola Superior de Enfermagem S. Francisco das Misericórdias
Resumo
Dor Total é um conceito fulcral em cuidados paliativos. Desenvolvemos este estudo no sentido de explorar e identificar as
dimensões práticas deste conceito, na população de doentes
oncológicos com metástases ósseas. É um estudo descritivo,
simples, quantitativo e transversal, com uma amostra acidental
com selecção racional, constituída por 53 sujeitos acompanhados
num serviço de oncologia, cujo objectivo é descrever a Dor Total
nos doentes com metastização óssea, através da identificação
da sua miríade de problemas.
As principais conclusões são: a dor óssea é uma dor somática
com contornos de neuropática, descrita por enorme diversidade
de constructos; mesmo com uma dor ligeira a moderada,
evidenciada pela maioria dos sujeitos, esta interfere significativamente no seu quotidiano, nomeadamente no sono, humor,
relacionamento com outras pessoas, trabalho, na mobilidade e
locomoção, e no aproveitamento da vida; os sujeitos evidenciam
significativas dificuldades físicas, com repercussão em actos
tão simples como subir escadas, efectuar passeios, curvar,
ajoelhar, inclinar; a ansiedade e ou depressão estão presentes
em menos de 20% dos sujeitos, embora na generalidade,
estejam mais irritáveis, com dificuldades de memória e pouco
ou nada satisfeitos com a sua reacção à doença, assim como
se preocupam ou têm medo da morte; não se encontram sinais
indiciadores de delirium; a generalidade dos sujeitos apresenta
sinais e factores indicadores e contributivos para significativo
sofrimento social e espiritual; na realidade, a generalidade dos
sujeitos, consoante o impacto que cada um atribui às diversas
questões na sua vida, apresenta sofrimento global/dor total em
maior ou menor grau.
Abstract
Total pain is a central concept in palliative care. We promote
this study which goal was exploring the practical dimensions
of that concept in a particular population of patients with bone
metastases. The study is a simple descriptive, transversal and
quantitative one, with an accidental sample, rationally selected,
of 53 patients followed in one oncology unit.
The goal was to describe Total Pain in patients with bone
metastases, through the identification of the different associated
problems.
The main conclusions of this study are: bone pain is a somatic
pain, sometimes with neuropathic traits, described through a
large range of concepts and expressions; even a low or moderate
level of pain, as that showed by the majority of patients, has
important impact in the daily living activities, namely sleeping,
humour, general wellbeing, walking and working; patients show
significant physical limitations, with impact on simple activities
like climbing stairs, walking, bending and kneeling down; anxiety
and/or depression are present in less than 20% of the patients,
although, in general, patients are more nervous, with memory
problems and unsatisfied with their reactions to their illness.
They express concerns and fear about death; there was no
evidence of delirium; in general, these patients show evident
signs of important social and spiritual suffering; in general, the
majority of these patients show important amount of suffering/
total pain, depending on the impact that each of them attributes
to the losses the illness produced in their lives.
Keywords: palliative care, bone metastases, bone pain, total
pain, suffering. 
Palavras-chave: cuidados paliativos, metástases ósseas,
dor óssea, dor total, sofrimento. 
Introdução
A Dor Total é um conceito fulcral e nuclear em
cuidados paliativos.
Segundo a Associação Internacional para o estudo
da dor, esta é uma experiência individual, senso* [email protected]
rial e emocional desagradável associada a dano
tecidual ou potencial, ou descrita em termos de
tal dano (1). Desta forma, poder-se-á dizer que é
um acontecimento ao nível somático e psíquico,
influenciado pelo estado psicológico do doente, sua
postura moral e pelo significado com que essa dor
é por ele assumida (2,3). É afectada, positiva ou
Cadernos de Saúde  Vol. 1  N.º 1 – pp. 7-22
8
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
negativamente, por inúmeros factores nas múltiplas
dimensões humanas e afecta o modo de vida, as
relações familiares, a vida social, o sono, o apetite,
a espiritualidade e a capacidade de executar actividades físicas essenciais para o seu autocuidado
e prazer.
Esta influência negativa gera um sofrimento total
e global a que Cicely Saunders chamou Dor Total,
definindo-a como uma miríade de problemas físicos,
sociais, psíquicos e espirituais, a que se chamou de
dor física, dor psíquica, dor social e dor espiritual,
fortemente inter-relacionados e produtores de um
considerável sofrimento global (4,5).
Neste contexto, para uma adequada intervenção,
e como não é possível controlar a dor física nem
qualquer um dos sintomas sem que se consiga
controlar em simultâneo todos os outros factores
geradores de sofrimento, é fundamental que os avaliemos e identifiquemos de forma a dar resposta às
necessidades e aos problemas reais dos doentes.
Mais especificamente, a dor óssea originada
por metástases ósseas, é considerada como uma
das causas mais comuns de dor nas pessoas com
doença oncológica avançada e de maior dificuldade
de controlo, assim como das complicações ósseas
geradas pelo processo metastático (6,7).
Com este estudo pretendeu-se dar resposta à questão: “Quais as manifestações da dor física, psíquica,
social e espiritual nos doentes com metastização
óssea?” tendo como objectivo “descrever a Dor Total
nos doentes com metastização óssea”.
Conceitos
Metastização óssea
O cancro atinge o osso através de um crescimento
neoplásico primário, invasão directa a partir de outros
tumores primários ou por disseminação hematogénica, sendo esta última a mais comum e designada
por metastização óssea (8), associada quase sempre a um significado de incurabilidade da doença.
A sua incidência varia entre 23-84%, dependendo do
local do tumor primário, para todas as neoplasias
em estado avançado (9), sendo mais frequente
nos tumores mamários, pulmonares, prostáticos, da
tiróide, renais e no mieloma múltiplo, com taxas
de 80% nas situações avançadas de neoplasia da
mama e próstata (9,10,11,12).
Para que a metastização óssea ocorra, é necessário
que se desencadeie uma cascata de acontecimentos
interligados para que células neoplásicas consigam
desencadear uma neoplasia secundária em locais
ósseos distantes da neoplasia primária (8), começando pelo progressivo crescimento no local primário
e posterior vascularização, invasão sanguínea, desprendimento de células neoplásicas, capacidade de
sobrevivência na circulação e embolização, chegada
e fixação ao local de metastização, extravasamento,
invasão do órgão alvo (osso) e por fim o progressivo
crescimento da metástase (13).
Aí instalada, desenvolve-se um forte sinergismo
entre as células cancerígenas e o ambiente singular
dos microcompartimentos ósseos, envolvendo síntese
e libertação de enzimas proteolíticas, factores de
angiogénese e de crescimento autócrinos, assim
como de moléculas adesivas (14,15), alterando a
homeostasia da regeneração óssea, interferindo
na função dos osteoblastos e osteoclastos. Desta
interferência resultarão lesões blásticas, líticas ou
mistas, consoante o maior ou menor predomínio
funcional de cada uma dessas células.
As líticas são erosões do tecido ósseo resultantes
de um predomínio funcional dos osteoclastos, do
que resulta uma predominância da reabsorção óssea
e consequente destruição (10,14,16). Resultam lesões
múltiplas, circulares, parecendo e sendo perfurações,
normalmente na grelha costal, crânio, vértebras, bacia
e ossos longos (13). Estas lesões – osteolíticas – são
típicas no mieloma múltiplo e frequentes no cancro
da mama e do pulmão.
As lesões blásticas resultam de uma maior actividade dos osteoblastos, revelando-se como áreas de
neoformação óssea, com matriz disforme. Embora
sejam áreas de maior densidade óssea, com aspecto
esclerótico, propiciam igualmente complicações,
pois apresentam matriz óssea disforme, e como tal
menor solidez estrutural (10,13,14,15,16). A neoplasia
da próstata é a principal geradora deste padrão
metastático (13,14,15,17,18).
Em algumas neoplasias, em especial a mamária,
as metástases são mistas, embora com um predomínio das líticas, por predomínio da acção sobre
os osteoclastos.
Todos os 3-4 meses surgem complicações tais
como dor, osteólise, fracturas patológicas, compressão medular, hipercalcémia e anemia, agravando
decisivamente o prognóstico global destes doentes
(9,11).
Clinicamente a dor óssea intensa está presente em
mais de 2/3 dos doentes (9) podendo ser negada
por 30-50% dos doentes (11), sendo que a metastização do ilíaco, fémur ou vértebras originam dor
que se intensifica com o movimento, alterações da
Dor Total nos doentes com metastização óssea
postura ou posição corporal, e sob pressão (11).
Sensibilidade aumentada na área é evidente em
16% dos doentes com evidência imagiológica de
metástases ósseas (11).
As fracturas patológicas, nomeadamente dos ossos
longos, são uma complicação importante, que ocorre
em cerca de 9,5% dos casos (11). Se nos reportarmos
à globalidade das fracturas estas surgem em 50% dos
doentes (14) requerendo intervenção cirúrgica. Janjan
refere que em 8-30% dos doentes com metástases
ósseas surgirão fracturas patológicas (9).
A compressão medular, por sua vez, resulta de
metastização vertebral, originando dor em 90%
dos doentes, sendo que 62% podem desenvolver
paraplegia, do mesmo modo que défices sensoriais
podem surgir em 70-80% dos doentes e perturbações
vesicais e intestinais em 14-77% (9).
Dor física (óssea)
Resumindo, o processo fisiopatológico da dor,
que envolve diversas estruturas nervosas (1º, 2º, 3º
neurónios e diversas vias de transmissão) (19) assim
como mecanismos excitatórios-inibitórios (20), resulta
de dois processos de sensibilização: a dos nociceptores e a central (6,21). A primeira é mediada pela
actividade simpática aferente enquanto a segunda
está dependente de todo um processo complexo em
que representa um papel importante a activação dos
receptores NMDA (N-metil-D-aspartato) encontrados
em concentrações elevadas nos cornos dorsais da
espinal medula (6,21) que, quando bloqueados
farmacologicamente, impedem o processo de sensibilização central, com consequente diminuição da
resposta central à dor (6).
A dor num doente com cancro, só em 78% dos
casos é devida directamente à neoplasia. As restantes
advêm em 19% de processos terapêuticos relacionados com o cancro e em 3% de processos não
relacionados com a neoplasia nem com a terapêutica
(3). Pode ainda classificar-se em nociceptiva ou
neuropática. A primeira divide-se ainda em somática
e visceral e a segunda em nevralgia e disestesia
(3,21). A somática pode ser provocada pela invasão
neoplásica do tecido ósseo (maior prevalência) e
ou articular, muscular, conjuntivo, resultante da
estimulação dos nociceptores pelos mediadores
inflamatórios libertados pelo tumor, sendo considerada pelos doentes como uma dor bem localizada,
constante ou intermitente, torturante (21). A visceral
parece resultar, essencialmente, da intensidade do
estímulo e da maior frequência dos potenciais de
9
acção em detrimento da qualidade do estímulo
inicial (22) com posterior activação dos nociceptores
e em que a libertação dos mediadores inflamatórios
aumenta e perpetua a transmissão dos estímulos
nóxicos (21). É uma dor mais profunda, mais mal
localizada que a somática, constante ou inconstante,
constritiva, esmagadora (6). A neuropática surge
da lesão ou inflamação do sistema nervoso, seja
periférico ou central. No âmbito destes doentes,
a dor neuropática periférica é desencadeada por
infiltração directa neoplásica, por compressão nervosa pelo tumor ou por lesões derivadas da rádio ou
quimioterapia. Os sintomas desencadeados incluem
uma dor tipo queimadura espontânea e constante,
com paroxismos de dor penetrante ou lancinante,
com irradiação ocasional e que aumenta a resposta
aos estímulos nóxicos, com hiperalgesia e induz dor
por mecanismos não nóxicos (alodinia) (21).
A dor óssea, mais especificamente, derivada do
processo de metastização é um dos mais difíceis
problemas que implica manusear e controlar em
cuidados paliativos (7) e é talvez, a causa mais
comum de dor na doença neoplásica avançada (6),
mas acerca da qual o processo fisiopatológico ainda
não está bem esclarecido (7,8), até porque nem todas
as metástases ósseas originam dor (23), embora esta
quando ocorra possa ser um dos primeiros sinais
de disseminação neoplásica (24).
A dor, por metastização óssea, pode decorrer por
invasão directa da matriz óssea, com microfracturas,
aumento da pressão do endósteo ou distorção do
periósteo, ou ainda por compressão nervosa, normalmente associada com colapso vertebral ou, por
sua vez, devido a espasmos musculares na região
anatómica das lesões (24,25). Em oposição à cortical
e medula óssea, que não possuem terminações
nervosas, o periósteo e os vasos sanguíneos são ricos
nestas estruturas (26), pelo que se pensa que a dor
óssea resulta da estimulação dos receptores nociceptivos do periósteo e endósteo, em que a distorção
do primeiro pode ser uma das principais causas,
devido ao aumento da massa tumoral ou por edema
inflamatório peri-metástase (24,27). Esta distensão
do periósteo se for muito gradual e de forma lenta,
a dor é mínima pela própria capacidade de adaptação
da estrutura óssea, o que parece justificar a ausência
de dor em algumas zonas metastizadas, embora tal
justificação não seja de todo clara, pois em alguns
casos a diminuição do volume da neoplasia, não
se acompanha de diminuição da intensidade da dor
(24,27). Na génese da dor óssea por metástases está
também a libertação de mediadores químicos que
10
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
estimulam a transmissão dos impulsos através das
bainhas nervosas até ao sistema nervoso central, além
de, também, fomentarem o edema e consequente
distensão do periósteo (24) e a manutenção do
estímulo nociceptivo (26). As citocinas libertadas
pelas células neoplásicas intervêm, por sua vez, na
manutenção do processo inflamatório e na génese do
mecanismo neuropático da dor óssea (26). Ao nível
dos cornos dorsais da medula surge a hipertrofia dos
astrocitos o que facilitará a transmissão do estímulo
nociceptivo (26).
Do ponto de vista clínico, a dor óssea metastática
é essencialmente somática mas com cruzamento de
mecanismos neuropáticos (metastização craniana
e vertebral) (24). Uma dor contínua, permanente,
muito bem localizada, é a forma mais clássica de
apresentação, com o seu desenvolvimento gradual
em semanas ou meses, para níveis de intensidade
mais elevados, com aumento significativo aquando
da existência de pressão sobre a zona (8). Quando
em repouso é provável que diminua de intensidade,
mas com o movimento o seu agravamento é notório
(8), originando o que se chama de dor incidental,
como forma de apresentação de uma dor irruptiva.
A dor incidental é a causa de dor irruptiva em 20-60%
dos doentes (8,24,27), descrita como constante,
com aumento progressivo da intensidade, agravada
pelos movimentos como tosse, andar, voltar-se,
levantar-se, inspirações profundas, com um início
súbito e que em minutos atinge um pico de intensidade elevada (8,23,24,27). Quando a metastização
ocorre nos pedículos vertebrais, a dor é unilateral
na zona da raiz nervosa e quando a compressão
é ao nível do cordão espinal, surge uma dor nos
membros inferiores, com uma distribuição extra
dermátomos, normalmente circunferencial, assim
como pode surgir também dor visceral por distensão
vesical ou intestinal (23).
Sendo uma experiência individual, a dor pode ser
afectada positivamente por alívio de outros sintomas,
repouso e compreensão, companheirismo, actividade
criativa, relaxamento, redução da ansiedade, elevação
do humor, analgésicos, antidepressivos e negativamente pelo desconforto, insónia, fadiga, ansiedade,
medo, cólera, tristeza, depressão, aborrecimento,
isolamento mental e abandono social (2,3). Do
mesmo modo, a sua presença afecta negativamente
a dimensão física, psicológica, social e espiritual,
nomeadamente, a actividade geral, a mobilidade, o
trabalho normal, as relações com os outros, o sono,
o prazer da vida e o humor.
Dor psicológica
Quando se recebe um diagnóstico de cancro vai
haver um processo de iniciação ao plano terapêutico,
com avaliações médicas e com o desenvolvimento de
novas relações com pessoas até aí desconhecidas (o
pessoal de saúde), com altos índices de informação
por vezes geradoras de medo e de confusão (28).
Nesta fase os doentes experimentam um aumento da
responsabilidade, preocupação e algum isolamento,
ficando acentuadamente ansiosos, apreensivos, centrando todas as suas atenções em aspectos existenciais, saúde, trabalho, suporte financeiro, religião,
relações com a família e amigos (28). É uma fase
de significativo sofrimento psicológico, em especial
se viveram experiências traumatizantes ou negativas,
em relação a familiares ou amigos (28).
Surge uma reacção emocional típica com um
período inicial de choque e negação, a que se segue
um período de grande perturbação com sintomas
sugestivos de ansiedade e depressão, irritabilidade, alterações do apetite e do sono (28,29,30).
A capacidade de concentração e de desempenhar
as actividades diárias são notoriamente afectadas,
em que os pensamentos relativos ao prognóstico e
os medos do que há-de vir, em especial o de uma
morte dolorosa, estão permanentemente presentes
(29,31,32). Surge também a raiva, o sentimento de
culpa, a agressividade, o nervosismo (31). Estas
respostas, consideram-se normais, na medida em
que são uma reacção às perdas que o doente
vivencia, influenciadas por factores clínicos, pelo
suporte social, mecanismos de coping e a própria
personalidade do doente (32,33). São por isso, em
situação normal, autolimitadas no tempo, embora
variável, caso as circunstâncias envolventes sejam
favoráveis, considerando-se que foi ultrapassada a
crise quando a intensidade dos sintomas diminui ao
ponto de não afectar o dia-a-dia do doente (28).
Sendo respostas, que surgem como resultado de
perdas, e como estas vão aparecendo e desaparecendo ao longo da evolução da doença, também
os sintomas e respostas evidenciadas vão oscilar,
consoante o doente esteja nesta fase inicial, no
momento da primeira recidiva ou à medida que a
morte se aproxima (2).
Assim, como já vimos, na resposta inicial, o doente
evidencia descrença, negação, choque, entorpecimento e desespero, nas fases posteriores experimenta
um período (semanas a meses) com ansiedade,
insónia, dificuldades de concentração, cólera, culpa,
rotura da actividade, tristeza, depressão, evoluindo,
Dor Total nos doentes com metastização óssea
à medida que a disforia diminui para um estado
adaptativo enfrentando positivamente as situações
com que se depara, estabelecendo novas metas,
ganhando e restaurando a esperança com os novos
objectivos e a retoma das actividades (2,30).
A recidiva da doença ou a progressão sem retrocesso da mesma, em especial, quando surge após
um período de remissão, é altamente devastador
para o doente e família. Dando lugar à depressão,
com expressões de negativismo e de retoma das
preocupações com a morte, e, por vezes, com
sentimentos de desencanto e desagravo para com
o sistema de saúde (28). O doente sente que a
partir deste momento virá a dor, a incapacidade,
a sobrecarga dos seus entes queridos, a dependência,
podendo surgir ideias suicidas, resultantes do elevado
sofrimento a que está sujeito (28).
Assim que sente que entra na fase terminal da
doença e que consequentemente a morte se aproxima,
surgem na sua mente, de forma intensa, questões
inerentes ao processo de morrer, em detrimento da
própria constatação da morte futura e próxima (28).
Na ausência de suporte emocional, este processo é
visto sob uma perspectiva muito negativa, surgindo
a intensa ansiedade, medos fortíssimos, depressão,
delirium, assim como ideações suicidas, no sentido
de evitar o sofrimento (28). Requer-se por isso uma
adequada e intensa abordagem no sentido de reverter
este sofrimento que lhe impedirá um resto de vida
com alguma qualidade e dignidade.
Todas estas reacções, em algum momento, no
processo de evolução da doença, reverterão em
maior ou menor sofrimento psicológico, dependendo
de três factores: médicos (evolução clínica da doença,
tipo de tratamento, presença de dor e sofrimento),
psicológicos (maturidade psicológica, alteração dos
objectivos de vida, maleabilidade individual para
adaptar e adquirir novos planos de vida, estratégias
de coping), sociais (disponibilidade de suporte dos
amigos, família, cuidadores informais e técnicos de
saúde) e espirituais (34).
A negação é um mecanismo comum de defesa,
conseguindo através da capacidade de ignorar a
ameaça, minimizar a realidade que o confronta e
amedronta. Sendo um mecanismo de adaptação, de
coping, enquanto resposta normal não carece de
intervenção, a não ser que interfira com a aceitação
do tratamento, com a planificação do futuro e com
as relações interpessoais (2).
A raiva, cólera, como forma de resposta psicológica
e geradora de sofrimento, é transitória, implicando
intervenção quando esta se deslocar e projectar para
11
a família ou cuidadores, ou mesmo interferir com a
aceitação das limitações não permitindo que este se
adapte à sua nova situação, às suas incapacidades.
Intervir, não é suprimir ou recalcar a cólera, pois
nesta situação levará a isolamento do doente, não-cooperação e incitará à depressão (2).
Quando entramos mais especificamente na área do
sofrimento psicológico significativo encontramos três
importantes entidades, que implicam uma reflexão
mais profunda: ansiedade, a depressão e as alterações
cognitivas (32,33,34).
Por ansiedade entende-se o sentimento de medo
e apreensão desproporcional ao contexto vivido
pelo indivíduo (35) e, da mesma forma que a dor,
é considerada como um sintoma multidimensional,
com manifestações somáticas, afectivas, cognitivas e
comportamentais (35), em que a forma patológica
afectará cerca de 15-30% dos doentes com doença
oncológica, estando mais presente aquando da
existência de dor (35).
Quando a existência desta entidade se confina a
uma ou duas semanas após o diagnóstico de cancro,
ou qualquer outra notícia que gera um período de
choque, é entendida como uma ansiedade reactiva,
que não carece de intervenção específica, a não ser
que interfira significativamente com as actividades
de vida e bem-estar do doente, sendo como tal
um desafio diferenciar uma ansiedade normal de
uma ansiedade resultante de uma má adaptação
à nova situação (35). Sempre que a ansiedade é
desproporcional ao agente causador, quando afecta
o normal funcionamento do doente, quando persiste
sem intervenção ou é registada/avaliada com um
nível de intensidade muito elevada, considera-se que
estamos perante um sintoma já patológico (35).
Assim, ao nível emocional, o doente pode apresentar sentimento de elevada tensão, medo, irritabilidade
e apreensão. Cognitivamente, pode estar muito
inquieto, com grande dificuldade de concentração.
Tendências compulsivas ou fóbicas são alterações
comportamentais que poderemos observar, enquanto
a nível físico pode surgir elevada tensão muscular,
impaciência, perturbações do sono e fadiga. Em
situações de ansiedade mais intensa pode ainda
apresentar palpitações, taquicardia, sudorese, tremores, dispneia, dor ou desconforto torácico, náuseas,
diarreia, polaquiúria, vertigens, torpor, sensação de
sufoco (2,28,34,35).
Quando se está perante um doente ansioso,
importa desde logo avaliar a existência de dor não
controlada, em especial a existência de dor irruptiva,
pois existe uma relação de interdependência elevada
12
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
entre os dois sintomas. Estando a dor devidamente
controlada, implica, então, uma nova avaliação do
estado de ansiedade, aí sim, relacionado com outras
situações que não a dor. São exemplos a existência de metástases cerebrais, embolismo pulmonar,
hemorragia, hipoxemia, dispneia, sépsis, delirium,
hipoglicemia, hipocalcémia, oclusão coronária,
insuficiência cardíaca congestiva, prolapso mitral e
tumores libertadores de hormonas, terapêutica com
interferon e ou corticóides, redução brusca e rápida
de benzodiazepinas, opiáceos, ou abuso prévio de
álcool/drogas (29,34,35).
Desta forma, a ansiedade presente nos doentes
com cancro, pode classificar-se em ansiedade reactiva, ansiedade preexistente e ansiedade relacionada
com factores médicos (34).
Frequentemente irreconhecida e sub-tratada, a
depressão potencia a diminuição da imunidade, do
tempo de sobrevida e afecta negativamente a qualidade de vida dos doentes com cancro (28,36).
A dificuldade de reconhecimento desta identidade
deriva, em primeiro lugar, de a equipa de saúde
(menos capacitada) reconhecer que os níveis baixos
de humor são normais e uma resposta adequada
à situação vivida (3). A variabilidade diurna dos
sintomas, que são mais acentuados de manhã, o
que leva a que aquando da consulta ele se sinta um
pouco melhor, não verbalizando e dificultando o
seu reconhecimento, é mais um factor que dificulta
o diagnóstico de uma depressão (3). A capacidade
de mascarar os sintomas, aparentando que está tudo
bem, a somatização, o ser mascarada por sintomas
associados à ansiedade, e o ser considerado um
doente apelativo, de trato difícil, não se vendo o
que está por trás deste comportamento, são mais
factores que contribuem para a dificuldade de reconhecimento da depressão (3), enquanto por outro
lado, por vezes cai-se no exagero de considerar
todo o doente que exprime tristeza, choro, como
doente deprimido (3).
A determinação da prevalência de depressão nos
doentes oncológicos é difícil de efectuar, devido à
grande heterogeneidade dos tipos de neoplasias, dos
diferentes estádios da doença, e da própria avaliação
do tipo e intensidade da depressão (37). Existem
estudos que apontam para que 47% dos doentes
oncológicos apresentem perturbações psicológicas,
com 68% destes a revelarem quadros de ansiedade/
/depressão reactivas e 13% a revelarem uma depressão
major (29), outros revelam que 3-58% dos doentes em
cuidados paliativos apresentam sintomas depressivos
(38). Um outro estudo aponta para que 5% dos
doentes em ambulatório ou que o cancro esteja em
remissão e cerca de 50% dos doentes internados
com diagnóstico recente de cancro fatal, que tenham
sido submetidos a grande cirurgia ou quimioterapia
apresentem depressão major (37). A correlação com
a dor foi também estudada, encontrando-se que
cerca de 33% dos doentes com dor intensa e 13%
com dor moderada, apresentavam quadro clínico
de depressão (37). Por outro lado, Bond e Pearson
citados por Breitbart demonstraram que os doentes
oncológicos com menores níveis de ansiedade e
depressão referem menos dor (33).
Da mesma forma que a ansiedade, também a
depressão se manifesta a nível somático, afectivo,
cognitivo e comportamental. Fadiga, sentimento de
pouca energia, perda de peso, anorexia e obstipação são manifestações somáticas, enquanto tristeza,
melancolia, irritabilidade, desespero, desânimo,
sentimento de desamparo, de abandono, de culpa,
o são a nível afectivo (29,34). Na esfera cognitiva
podem apresentar-se dificuldades de concentração,
lentidão de pensamento, défices na memória curta,
ideias suicidas, enquanto ao nível comportamental
surge retardamento psicomotor, perturbações do
sono, perda de interesse e prazer (anedonia) na
realização de actividades usuais, em especial no
relacionamento com família e amigos, períodos de
choro (34).
Perante esta diversidade de manifestações, a DSMIV considera como necessário para o diagnóstico de
depressão a presença de anedonia e humor depressivo (39), o que justifica a necessidade de grande
sensibilidade para se diagnosticar esta perturbação
psicológica, pois muitos doentes apresentam problemas físicos tais, que implicam grande dificuldade
na participação de actividades usuais e geradoras
de prazer e bem-estar (34).
Um dos mais difíceis desafios para os profissionais
e outros cuidadores de doentes com cancro, é lidar
com doente que apresenta alterações do estado
mental, podendo estas surgir de forma directa ou
indirecta.
Como causas directas das alterações cognitivas,
temos o tumor cerebral primário, a doença metastática, a doença leptomeningeal, tumores secretores de
hormonas, enquanto alterações ambientais, estimulação desagradável (demasiado frio ou calor, cama
molhada, lençóis não esticados, lixo na cama), fadiga,
ansiedade, retenção fecal ou urinária, dor, alterações
metabólicas (hipercalcémia, insuficiência hepática,
hiponatrémia, hipoxia), a infecção, vasculopatias,
alterações nutricionais, a radioterapia, agentes anti-
Dor Total nos doentes com metastização óssea
neoplásicos (5-fluororacilo, metotrexato, bleomicina,
citarabina, cisplatina, ifosfamida, interferon-α, interleucina-2), outros fármacos (esteróides, opiáceos,
sedativos, hipnóticos) e síndromas de abstinência são
das mais importantes causas indirectas (2,29,34).
As alterações cognitivas parecem estar presentes
em cerca de 15-20% dos doentes oncológicos internados (29), em cerca de 25-40% dos doentes em
algum momento da progressão da doença (34) e
em cerca de 32% dos doentes que têm dor óssea
(40). Na fase final da vida surgem em 25-85% dos
doentes (41). De todas as alterações que poderão
surgir a este nível, o delirium é a entidade que mais
problemas acarreta para o doente e cuidadores.
Por delirium entende-se a presença de um estado
confusional agudo, geralmente reversível, como
resultado de acentuada obnubilação mental (2) e
que se pode manifestar por sintomas prodrómicos
que incluem ansiedade, perturbações do sono,
irritabilidade, agitação (41), a que se seguem alterações, abruptas ou com flutuação diária, ao nível
da percepção com alucinações e ilusões nas fases
mais avançadas; da atenção, do pensamento com
incapacidade de tomar as decisões e cumprir tarefas
por vezes simples; da memória, inicialmente a de
curto prazo para depois a de longo tempo também
estar afectada; da actividade psicomotora, em que
tanto pode estar letárgico (delirium hipoactivo)
ou agitado (delirium hiperactivo), com flutuações
entre os dois estados; das emoções e dos ciclos de
sono-vigília, em que os doentes dormem de dia
e estão acordados e agitados de noite (34,41). Na
generalidade das situações conseguem comunicar
verbalmente, mas a clareza e o tom estão desajustados (34). Devido a esta sintomatologia não ser
patognomónica de delirium, estes doentes são por
vezes encarados como doentes retraídos, ansiosos ou
deprimidos, o que impede o adequado diagnóstico
e consequente abordagem (34).
O hipoactivo caracteriza-se, fundamentalmente,
por confusão, sonolência, baixa atenção ou letargia,
e o hiperactivo por insónia, agitação, alucinações,
desorientação, ilusões (41), estimando que 2/3 dos
doentes apresentem a forma hipoactiva ou uma
mistura de ambos os tipos, enquanto apesar de
mais fácil de diagnosticar só um terço, apresenta a
forma hiperactiva (41).
Dor social
A imagem do Homem de hoje, que nos chega
através dos meios de comunicação social, e do
13
cinema, é a de um ser muito activo, com múltiplos
papéis, heróico, saudável, bonito e resplandecente
(42) o que em tudo confronta o doente com cancro,
e mais à frente na sua doença, com metastização
óssea.
Os doentes com cancro avançado, normalmente
referem que a sua vida social fica afectada negativamente pela deterioração do seu estado de saúde
e também pelo medo de contraírem doenças
infecciosas, quando em regimes de quimioterapia
(31). Se associarmos a estas questões, a fadiga que
acompanha o doente oncológico, e que é muito
frequente no doente em cuidados paliativos (43), as
frequentes idas aos serviços de saúde, as faltas ao
trabalho ou mesmo a incapacidade para exercer as
suas funções laborais, encontramos um sem número
de condicionantes que afectam negativamente a
satisfação das necessidades sociais dos doentes e
consequente degradação da sua qualidade de vida
e saúde global.
A fadiga leva os doentes a recusarem convites
para estarem com os seus amigos, familiares, da
mesma forma que os levam a não recebê-los na
sua própria casa, assim como por vezes, chegam
mesmo a dizer que estão demasiado cansados,
fatigados, para poder falar com alguém (31). Até a
comunicação verbal os fatiga.
Deste modo, a perda das suas funções, dos seus
papéis tanto a nível familiar como social, vai acarretar
alterações no seu bem-estar, com consequentes
alterações no bem-estar familiar, como sistema aberto
e núcleo da nossa sociedade.
A interrupção da sua actividade laboral, o que
acontece em alguma fase da evolução da doença
incurável, devido à fadiga acentuada que acarreta,
impedindo-o de trabalhar vai implicar perturbações
ao nível da esfera económica (2) no presente, assim
como no futuro, em que o doente se questionará,
e será fonte de sofrimento, a preocupação com o
futuro dos seus entes mais próximos (2). Além dos
problemas económicos, acarreta também mais uma
perda dos seus papéis, da sua posição social, leva a
sentimentos e mesmo uma realidade de dependência
(44), e consequente reajuste dos planos de vida e
papéis familiares, o que nem sempre é fácil aceitar,
gerando-se por vezes desequilíbrios familiares e até
mesmo situações de abandono (2).
No equilíbrio desta dimensão, está um factor
importantíssimo, que é a vivência da sua sexualidade,
a sua relação conjugal, ou seja como se sente e
exerce esse papel social (45). A sexualidade, ou a
sua expressão, nestes doentes e no seu meio fami-
14
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
liar, é afectada pelo grau de ansiedade, depressão,
desgosto, sentimento de culpa, pela exaustão do
parceiro em cuidar do outro e por ter de assumir
e desempenhar múltiplos papéis, além de mitos
acerca da sexualidade nestes doentes, resultando
em diminuição da libido e muitas das vezes em
diminuição das expressões de afecto (45).
Qualquer desconforto na relação com o cônjuge
ou quando as respostas da outra parte são negativas,
vai implicar um aumento da intensidade da dor,
e incapacidade física, perturbações psíquicas (46),
o que conflui para um ciclo vicioso difícil de quebrar,
tanto mais que as interacções conjugais causadoras de stress estão normalmente associadas com o
decréscimo da actividade física, da mesma forma que
a insatisfação conjugal e as respostas negativas do
cônjuge estão associadas ao aumento dos sintomas
depressivos nos doentes com dor (46). Por aqui
se observa a importância do apoio familiar, tanto
mais que quando estas famílias são adequadamente
acompanhadas, ou já se acompanham de laços de
grande satisfação conjugal, se tornam aliados do
doente, contribuindo para a sua qualidade de vida.
Estas situações de doença oncológica e a perspectiva
da perda, por vezes faz aproximar mais os cônjuges,
a família e até se atingir níveis de bem-estar mais
elevados que anteriormente, visto que o ser alvo de
carinho dos seus entes, é um dos aspectos que mais
contribuem para o bem-estar dos doentes (47).
Em suma, o doente com cancro, e devido em
grande parte à dor, à fadiga, às perturbações do
sono (por problemas físicos e psíquicos), à crescente deterioração do estado de saúde, debilidade
física e incapacidade funcional com incremento da
dependência, e sofrimento psicológico simultâneo,
vai também entrar num processo de sofrimento
social, em que os problemas familiares, económicos,
a perda dos seus papéis familiares e sociais, do seu
prestígio, do seu trabalho, dos seus rendimentos, o
incremento do isolamento e alguns sentimentos de
abandono, indo apresentar problemas significativos
na sua esfera social, com aparecimento e incremento
do sofrimento nesta, muito importante esfera, da
dimensão humana.
Dor espiritual
Em muitas culturas, em algumas crenças, e até
há bem pouco tempo, os termos espiritualidade e
religiosidade eram usados, erradamente, para descrever o mesmo conceito (44,48). Hoje separam-se
muito mais eficazmente, desde que se clarificou cada
um dos conceitos associados a algum declínio da
religiosidade nas sociedades modernas (49).
Por religião entende-se um organizado sistema de
crenças e de culto, que as pessoas praticam no seu
dia-a-dia (50), que confere expressão a questões de
índole espiritual, e que representa o contexto social
em que a espiritualidade se move (2), enquanto
espiritualidade “consiste na avaliação dos aspectos
não materiais da vida e nas interiorizações de uma
realidade duradoura” (2), ou de outra forma são
os princípios de uma vida pessoal animados e
influenciados por uma relação transcendental com
Deus ou com algo que transcende o próprio ser
(50,51). Deste modo a espiritualidade envolve as
relações consigo próprio, com o outro, com algo
acima de si (transcendência) e com a natureza,
contribuindo decisivamente para o bem-estar por
ser importante força cuidadora e recuperadora
(49,50), não se limitando a ser vista como uma
dimensão isolada mas sim como uma vida na
globalidade (2).
Muito do sofrimento vivido pelos doentes com
cancro, e já na sua fase mais avançada, prende-se
com sofrimento espiritual (52), pelo que a abordagem
da religiosidade e espiritualidade, se reveste de
enorme importância, por o ajudarem a encontrar
sentido para a sua vida quando esta se aproxima
do fim, como nós a conhecemos (53).
A espiritualidade, contextualizando-a nos pressupostos acima referidos, liga-se ao significado e
finalidade da vida, à interligação e harmonia com
os outros, com a Terra e com o universo, qualquer
que ele seja, assim como de uma adequada relação
com Deus, das suas crenças, pondo-nos questões tão
simples e tão complexas, simultaneamente, como o
que significa, para mim, ser humano ou que significa
ser um todo (2,51).
Quando se está perto do fim da vida, ou quando
nos preocupamos com esse advento, sentimos
necessidade de nos afirmarmos, sermos aceites e
aceitar o outro, de perdoarmos e sermos perdoados,
de nos reconciliarmos com o outro, com a vida,
e acima de tudo de descobrimos o significado da
vida que se nos apresenta e a direcção que lhe
daremos (2). Nesta busca de respostas, advém o
significado da dor e do sofrimento, da importância
e significado do sistema de valores, do próprio
Deus, chegando a pôr em causa a sua existência
e os seus objectivos, o significado da vida (2,51).
Advêm também sentimentos de culpa e da procura
de entendimento de que tipo de vida existe para
além da morte (2).
Dor Total nos doentes com metastização óssea
Não havendo a satisfação das necessidades espirituais, advém o sofrimento espiritual vivenciado pelos
doentes, sob a forma de sentimento de desespero,
de desamparo, de ausência de significado e valor
da sua própria vida (por vezes chega-se ao suicídio)
(50,52). Revelam também um intenso sofrimento,
com isolamento, solidão e sentimentos de grande
vulnerabilidade, distanciamento do seu Deus com
manifestações de raiva e cólera para com ele, a
religião e o clero, como seu representante (2). Por
vezes, contrastando com o seu sofrimento e angústia,
tentam mostrar-se exageradamente estóicos e mostrar
aos outros como se devem comportar, sentindo
internamente culpa e remorsos, amargura e sinais
de irreconciliação consigo, com a vida, com os
outros (2,50). Os pesadelos e sonhos com uma
morte geradora de grande sofrimento são também
frequentes, e reveladores de uma grande ansiedade perante a morte (2,50). A todos estes sinais,
reveladores de sofrimento, associam-se, o aumento
do nível de incapacidade para o desempenho das
suas actividades diárias, o sentimento de ser um
peso, um fardo para os seus, a perda da satisfação
consigo próprio, da paz de espírito (50). Todo este
sofrimento é expresso, frequentemente, por irritação
verbal, cólera e depressão (50).
Metodologia
Estudo descritivo, transversal e observacional, cujo
fenómeno a estudar é a Dor Total, e cujas variáveis
descritivas são a dor física, dor psíquica, dor social
e dor espiritual, em que a população alvo foram
os doentes, maiores de 18 anos, com metastização
óssea acompanhados num serviço de oncologia de
um hospital central, em que a sintomatologia fosse
predominantemente devida à metastização óssea.
O processo de amostragem foi um misto de acidental
com selecção racional, num total de 53 doentes, que
se deslocaram ao serviço num período de tempo
de 2 meses.
O instrumento foi construído com base em
diversos outros instrumentos de avaliação, usados
parcial ou totalmente e dividido em 6 grupos. O
1º visava caracterizar a população amostral, o 2º
e o 4º procuravam avaliar a dimensão psicológica
em que no 2º se utilizou o “Mini-Mental State
Examination” (54) e algumas questões do “Delirium Rating Scale” (55). O grupo 4 consistiu numa
adaptação para o português do “Hospital Anxiety
and Depression” (56). Os 3º, 5º e 6º grupos foram
construídos com base no “Brief Pain Inventory”
15
(57), “McGill Pain Questionnaire” (58), “Clinical
Pain Assessment” (59), “EORTC-QLQ-C30” (incluindo
módulos) (60,61), “Medical Outcomes Study 36 item
short form (SF-36)” (60), “Functional Assessment of
Chronic Illness Therapy-Sp-Ex” (60,62), “Functional
Assessment of Cancer Therapy” (geral e módulos)
(60) e o “Stockholm Marital Stress Scale” (63).
A componente maioritária do instrumento foi sob
a forma de uma escala de Likert (não, um pouco,
bastante, muito), onde a consistência interna obtida
pelo “alfa de Crohbach” foi em todas superior
a 0,9.
O estudo foi previamente avaliado pela comissão
de ética do hospital em questão, tendo o mesmo
sido autorizado, após o que se pediu aos sujeitos
intervenientes o consentimento informado e esclarecido, preenchendo um formulário específico. Para a
colheita dos dados foi criado um espaço físico que
permitisse o respeito pela privacidade do encontro
e preenchimento do questionário.
Resultados
Caracterização
Essencialmente, sujeitos do sexo feminino (66%),
com média de idades de 63,6 ±10, no intervalo
[37,80] anos. Predominantemente casados ou em
união de facto (75,5%) e vivendo acompanhados
(84,9%) pelo parceiro e ou filhos. Estavam activos
profissionalmente 26,4% dos doentes, desempregados
1,9%, reformado por tempo de serviço/idade 18,9%,
por problemas de saúde 47,1% e em situação de
incapacidade temporária 5,7%. Ao nível das habilitações literárias, 49,1% tinham concluído o 1º ciclo
do ensino básico, 7,5% o 2º ciclo, 9,4% o 3º ciclo,
15,1% o ensino secundário, 13,2% tinham um curso
superior, 3,8% não sabiam ler nem escrever e 1,9%
sabiam ler e escrever mas não concluíram qualquer
ciclo de ensino.
No que respeita à doença oncológica, a da mama
afectava 62,2% dos sujeitos, enquanto a da próstata
30,2%. Os restantes tinham cada um, cancro do
útero, pulmão, rim e cólon. As metástases eram do
tipo misto em 79,2% dos casos, líticas em 15,1% e
blásticas em 5,7%, estando numa fase de progressão
da doença óssea 60,4% dos sujeitos, em remissão
parcial 20,8% e 18,9% em fase de estabilização.
16
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
Dor Física
Tabela III – Frequência, duração e descrição geral da dor
Quanto à intensidade da dor experienciada nas
24 horas anteriores, teve um nível máximo médio
de 3,3 ±3,2, na escala de 0 a 10, enquanto o nível
mínimo de 1,2 ±1,6, e o nível médio de 2,1 ±2,2.
No momento do preenchimento do questionário a
intensidade da dor estava no valor médio de 1,2
±1,9. Por sua vez questionados sobre a intensidade
dos incómodos causados por essa dor, obteve-se
um valor médio de 3,1 ±3,3.
Tabela I – Intensidade e incómodos da dor, % de doentes
Intensidade
Sem
Ligeira
Moderada
Intensa
Máxima
Média/10
Máxima nas últimas 24 h
32.1
45.3
22.6
3.3±3.2
Mínima nas últimas 24 h
52.8
47.2
0.0
1.2±1.6
Média nas últimas 24 h
34.0
56.6
7.6
2.1±2.2
No momento
52.8
41.5
5.7
1.1±1.9
26.4
3.1±3.3
Incómodos causados
34.0
37.7
% de doentes
Frequência
Todos os dias
43.5
Todas as semanas
41.5
Todos os meses
7.5
Nunca
7.5
Duração
Minutos a horas
64.2
Todo o dia
15.1
Contínua
9.4
Sem dores
7.5
Raramente mais que minutos
3.8
Descrição
Dor
Nas últimas 24 h
Características
Avaliando o impacto que a dor possa ter originado
em algumas actividades de vida diárias, observamos
que a interferência média da dor no andar e mover é
de 5,8±3,4 em 10, no aproveitar a vida é de 5,7±3,6,
na actividade geral de 5,4±3,3, no humor de 5,4±3,5,
no sono de 5,4±3,6, no trabalho de 5,2±3,7 e nas
relações interpessoais de 4,3±3,4.
Brusca, momentânea, transitória
34.7
Rítmica, periódica, intermitente
32.7
Continua, fixa, constante
30.6
Em relação à analgesia, 66% dos sujeitos estavam
sob analgésicos não opiáceos, 45,2% sob opiáceos e
20,7% sem qualquer terapêutica analgésica farmacológica. Esta, em 77,4% dos casos ou se manteve em
termos de fármacos/dosagens (49,1%), ou diminuiu
(18,9%) ou deixou mesmo de ser necessária (9,4%),
sendo que o alivio obtido com as intervenções
terapêuticas prescritas, apresentou um valor médio
de 77,5±27,2% e uma mediana de 80%.
Tabela IV – Analgesia
Características
Tabela II – Interferência nas AVD, % de doentes
Actividades de Vida
Diárias
% de doentes
Frequência
Ligeira Intensa
Sem
Média/10
Moderada Máxima
Andar/mover
13.2
32.1
54.7
5.8 ±3.4
Aproveitar a vida
13.2
35.9
49.1
5.7±3.6
Actividade geral
13.2
39.6
47.2
5.4±3.3
Humor
15.1
32.1
52.8
5.4±3.5
Sono
17.0
32.1
50.9
5.4±3.6
Trabalho
20.8
28.3
47.2
5.2 ±3.7
Relações interpessoais
26.4
32.1
41.5
4.3±3.4
Não opiáceos
66.0
Opiáceos
45.2
Sem analgesia/informação
20.7
Evolução do consumo
Mesma quantidade
49.1
Menos que anteriormente
18.9
Deixou de tomar
9.4
Mais que anteriormente
9.4
Transitou para mais fortes
5.7
Associou novos
Em 43,5% dos casos a dor surge diariamente e em
41,5% semanalmente, tendo em 64,2% dos doentes
uma duração de minutos a horas, todo o dia em
15,1% e contínua em 9,4%. A descrição é muito
dispersa, com 34,7% a considerarem-na brusca,
momentânea ou transitória, 32,7% como rítmica,
periódica ou intermitente, enquanto 30,6% referem
ser contínua, fixa ou constante.
1.9
Alívio
Média/mediana
77.5/80
Desvio padrão
27.2
Intervalo
0-100
De uma forma geral, mais de 20% dos sujeitos
descreve a sua dor óssea como incómoda (55,1%),
aborrecida (53,1%), maçadora (40,8%), cansativa
17
Dor Total nos doentes com metastização óssea
(40,8%), latejante (34,7%), fina (32,7%), moinha
(30,6%), brusca (28,6%), repentina (26,5%), terrível
(24,5%), esgotante (24,5%), cãibra (22,4%), irritante
(22,4%), insuportável (22,4%).
com a morte assim como a mesma percentagem
sentia estar tão em baixo que nada os conseguiria
animar e 39,6% não estava satisfeito com a forma
como estava a reagir à sua doença.
Tabela V – Dificuldades físicas, % de doentes
Tabela VI – Problemas psicológicos, % de doentes
Actividades
Dificuldades
Gerais
Problemas
Componentes
Intensas
Gerais
Intensos
Dificuldades de memória
79.2
20.7
Maior irritabilidade
64.2
20.7
45.3
Medo ou preocupação com a morte
50.9
22.7
90.6
37.8
Subir vários lanços de escadas
88.7
69.8
Sentimento de estar em baixo sem nada
o animar
50.9
11.3
“Sentimento” de estar doente
79.2
37.8
Dar um pequeno passeio a pé
74.6
35.9
Satisfação com o modo como está a reagir
à sua doença
39.6
17.0
Necessidade de descansar mais
73.6
22.7
Incomodados com os efeitos secundários de
tratamentos
67.9
20.7
Subir um lanço de escada
67.7
17.0
Dificuldade em dormir
66.0
24.5
Outros sintomas que incomodam
54.8
20.8
Efectuar esforços mais violentos
94.3
86.8
Percorrer uma grande distância a pé
94.3
64.2
Curvar, ajoelhar, inclinar
90.6
Falta de forças
Quanto a outros problemas físicos que não a
dor, encontramos que 94,3% dos doentes tinham
dificuldades em efectuar esforços mais violentos e
em percorrer uma grande distância a pé, da mesma
forma que 74,6% têm dificuldade em efectuar um
pequeno passeio, 90,6% em curvar-se, ajoelhar-se
ou inclinar-se assim como sentem falta de forças,
88,7% têm dificuldade em subir vários lanços de
escada e 67,7% de subir um único lanço, 79,2%
sentem-se verdadeiramente doentes. Sentem necessidade de descansar mais tempo 73,6% dos doentes,
estão incomodados com os efeitos secundários dos
tratamentos 67,9%, têm dificuldade em dormir 66%
enquanto 54,8% apresentam outros sintomas que
os incomodam igualmente.
Dor Social
Ao nível da dimensão social, encontra-se que
37,7% dos doentes sentia ser um fardo para a sua
família, 30,2% sentiam que a família não conseguiu
aceitar a sua doença e 24,5% não estava satisfeito
com a forma como em família se falava acerca da
sua situação clínica. Por outro lado, 43,9% sentia
falta da ajuda dos amigos, 37,8% da proximidade
desses seus amigos, só sentindo ser um fardo para
estes, 9,4% dos doentes.
Tabela VII – D or Social: Problemas na esfera familiar e
amigos, % de doentes
Problemas
Componentes
Gerais
Intensos
Sentimento de fardo para a família
37.7
15.1
Aceitação da doença pela família
30.2
9.4
Comunicação acerca da sua doença
24.5
9.4
Ajuda emocional da família
9.4
1.9
Ajuda dos amigos
43.4
5.7
Proximidade com os amigos
37.8
3.8
Sentimento de fardo para os amigos
9.4
1.9
Família
Amigos
Dor Psíquica
Nenhum doente apresentava sintomatologia
que indicasse, pela aplicação dos instrumentos
de avaliação a presença do quadro de delirium.
A aplicação do “Hospital Anxiety and Depression
Scale” revelou a presença clara de depressão em
11,3% dos sujeitos, e provavelmente em 13,3%.
Revelou também a presença clara de ansiedade em
15,2% e provavelmente em 17%.
Além destas entidades clínicas, 79,2% dos sujeitos
apresentava dificuldades de memória, 64,2% maior
irritabilidade, 50,9% revelavam preocupação ou medo
Na esfera social dos relacionamentos, 69,8% não
estavam satisfeitos com o seu corpo, 58,5% com a
sua vida sexual, 37,7% sentiam que a sua imagem
masculina/feminina estava danificada, 20,8% sentiam
que o seu companheiro não estava tão próximo dele
como o desejado, 17% tinham alguma dificuldade
em resolver com o seu companheiro os problemas
que iam surgindo, sendo que em 11,3% já antes
18
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
da doença actual existiam problemas sérios e 5,7%
referem existir esses problemas actualmente. Por
outro lado 96,2% refere realizar menos tarefas que
o desejado, 56,6% tem dificuldade em discutir com
os outros os seus problemas, 54,7% gostaria de
ser mais vezes convidado para sair, 50,9% sente
necessidade de permanecer mais tempo no leito,
e 28,3% sente-se isolado.
Tabela VIII – D or Social: Problemas na esfera relacional, %
de doentes
Componentes
Problemas
Gerais
Intensos
Satisfação com o corpo
69.8
39.6
Satisfação com a vida sexual
58.5
39.6
Manutenção da imagem homem/mulher
37.7
7.5
Proximidade com o companheiro (a)
20.8
5.7
Capacidade de resolução dos problemas
surgidos
17.0
3.8
Conjugal
Problemas sérios antes dos actuais problemas
de saúde
11.3
0.0
41,5% refere mesmo que a sua doença ou tratamento
originaram problemas financeiros, enquanto 3,8%
tinham algum medo de ser despedidos por causa
da sua doença. Quanto aos papéis, 50,9% sentiam-se
total ou parcialmente dependentes, 49% total ou
parcialmente inúteis, 43,4% os seus papéis/funções
sociais tinham sido assumidos por outros com 13,2%
a necessitar de ajuda para a satisfação das actividades
de vida diárias.
Questionados no âmbito da esfera da qualidade
de vida, 83% sentiam-se limitados na ocupação dos
seus tempos livres e de lazer, em 79,2% dos casos
as suas actividades de vida diárias eram afectadas
pelas dores, 75,4% estavam insatisfeitos com a sua
qualidade de vida e 39,7% tinham dificuldades de
concentração.
Tabela X – D or Social: Problemas na qualidade de vida em
geral, % de doentes
Componentes
Problemas
Gerais
Intensos
83.0
43.4
5.7
1.9
Limitação da ocupação dos tempos livres e
lazer
Realização de menos tarefas que o desejado
96.2
64.1
Perturbação das AVD pelas dores
79.2
37.8
Discussão dos seus problemas com outros
56.6
28.3
Satisfação com a qualidade de vida
75.4
35.8
Convidado para sair com outros
54.7
13.2
Capacidade de concentração
39.7
5.7
Necessidade de permanecer no leito, cadeira
50.9
20.8
Isolamento em relação aos outros
28.3
9.4
Problemas sérios actualmente
Interpessoais
Quanto à esfera económico-financeira e do papel
social de cada um, 73,5% dos doentes refere alguma
incapacidade para trabalhar, 69,8% não consegue
desempenhar o que deles é pretendido, sendo que
Tabela IX – D or Social: Problemas na esfera financeira e
papéis sociais/familiares, % de doentes
Componentes
Problemas
Gerais
Intensos
Sentimento de capacidade para trabalhar
73.5
35.8
Desempenho total do seu trabalho
69.8
41.5
Problemas financeiros gerados pela doença/
tratamento
41.5
13.2
Medo de ser despedido
3.8
1.9
Independência
50.9
15.1
Utilidade
49.0
11.3
Transferência de papéis
43.4
28.3
Necessidade de ajuda para AVD
13.2
5.7
Financeira
Papéis
Dor espiritual
Na avaliação da dimensão espiritual da dor, constatamos que 60,4% tinham dificuldades em aceitar
a evolução da sua doença, 54,7% não se sentiam
serenos, 49% sentiam-se incapazes de alcançar um
autoconforto, 41,5% não sentiam uma adequada
paz de espírito nem em harmonia consigo próprio,
35,9% consideraram a sua vida como improdutiva,
35,8% não percepcionavam sentido para a sua vida,
assim como 34% não encontravam conforto na sua
fé ou crenças espirituais. A vida não tinha sentido
e razão para 26,4% dos doentes, 22,6% não se
sentiam com gratidão para com vida passada e
actual, 18,9% sentiam algum grau de infelicidade,
13,2% encontravam alguma falta de dignidade da
sua vida, 7,6% não se sentiam totalmente amados
assim como 7,5% não conseguiam amar os outros
como gostariam, da mesma forma 7,6% sentiam
alguma incapacidade para apreciar toda a beleza
que a natureza oferece.
Dor Total nos doentes com metastização óssea
Tabela XI – Dor espiritual: Problemas, % de doentes
Componentes
Problemas
Gerais
Intensos
Aceitação da evolução da doença
60.4
28.3
Serenidade
54.7
13.2
Capacidade de alcançar auto-conforto profundo
49.0
7.5
Sentimento de paz de espírito
41.5
9.4
Harmonia consigo próprio
41.5
9.4
Sentimento de produtividade da sua vida
35.9
5.7
Percepção do sentido da sua vida
35.8
7.5
Crenças espirituais e fé como fonte de conforto
34.0
20.8
Vida com sentido e razão
26.4
9.4
Gratidão pela vida passada e actual
22.6
7.5
Sentimento de ser uma pessoa feliz
18.9
5.7
Existência de razões para viver
17.0
3.8
Dignidade da sua vida
13.2
0.0
Sentimento de ser amado
7.6
1.9
Capacidade de apreciar a beleza da natureza
7.6
1.9
Capacidade de amar os outros
7.5
0.0
Discussão
Os resultados obtidos na descrição da dor física
revelam-nos que a componente física da Dor Total
é mais que a entidade fisiopatológica “dor” só por
si, pois denota-se um adequado controlo terapêutico
desta entidade, com valores médios máximos de
3,3±3,2/10 e uma manutenção ou mesmo diminuição
do consumo de analgésicos, assim como um alívio
médio desta da ordem dos 77,5±27% e mediana
de 80%, enquanto observadas as interferências da
dor na vida das pessoas, se denota um aumento
considerável do valor médio para índices superiores
a 5±3/10 (à excepção das relações interpessoais) o
que poderá ser justificado pela forte probabilidade
de presença de dor irruptiva nesta tipologia de
doentes (8,24,27), confirmando que a dor, em si,
afecta negativamente várias outras dimensões físicas
e não físicas do indivíduo (2,3).
A descrição da dor, leva à sua caracterização como
um misto de dor somática (essencialmente) e de
dor neuropática (24), até porque um dos locais de
maior afinidade para a metastização são os corpos
vertebrais e aí a forma de apresentação é essencialmente neuropática. Da mesma forma parece
existir nestes doentes, cerca de 1/3 que apresentam
características de dor incidental, ao considerarem-na
brusca, momentânea, o que aponta para nesses
momentos, uma elevada intensidade da dor e forte
19
interferência nas actividades ou por elas precipitadas
(8,23,24,27).
A variedade de constructos que cada sujeito,
individualmente, apresenta para descrever a sua dor,
vem confirmar em absoluto a dor como uma experiência individual e subjectiva com multi-influências
e gerando muitas interferências (1,2,3).
Ao nível da componente psicológica da Dor Total,
como demonstrado, não se detectou nenhum caso
de delirium, embora a prevalência desta entidade
ocorra entre 25-40% dos doentes oncológicos (34) e
em 32% dos com dor óssea (40), o que poderá ser
explicado pelo controlo de alguns factores etiológicos
importantes, como a hipercalcémia (controlo da
metastização com bifosfonatos) e outros factores
metabólicos ou farmacológicos, e simultaneamente
ausência de factores inerentes ao internamento e
permanência no leito (2,29,34) pois estes doentes
são observados no serviço em ambulatório.
Por outro lado, a presença de ansiedade e ou
depressão está dentro das prevalências apresentadas
por diversos estudos (29,33,35,37,38). Apesar de não
serem dados fora do normal, esta prevalência vai
interferir como o controlo da dor, pois tanto a ansiedade como a depressão estão com ela intimamente
relacionadas de forma biunívoca, sendo que a dor
agrava estas duas entidades e por sua vez o controlo
destas contribui só por si para um melhor controlo
da dor (33). A presença de ansiedade e depressão
poderá também justificar algumas dificuldades físicas,
pois tanto uma como a outra também incluem
no seu quadro clínico, manifestações somáticas
(29,34). Por outro lado, também a presença de dor
irruptiva, como os dados sugerem, e outros factores
terapêuticos destes doentes parecem propiciar o aparecimento destas entidades, assim como se poderão
considerar como respostas naturais às perdas com
que estes doentes se vão deparando (2), visto 60%
apresentarem uma progressão da sua doença óssea,
o que consequentemente aumenta o sinal/sentimento
de incurabilidade (8) originando nestes uma maior
irritabilidade, medo ou preocupação com a morte,
desânimo e até alguma insatisfação como estão a
reagir à sua doença.
Socialmente, os problemas encontrados, referidos
por estes doentes, com a classificação de “intensos”
surgindo em mais de 1/3 dos sujeitos, centram-se
ao nível do relacionamento, conjugal (insatisfação
com o corpo e com a vida sexual), das relações
interpessoais (realização de menos tarefas que
o desejado), a nível económico-financeiro, com
sentimento de incapacidade para o trabalho assim
20
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
como incapacidade para o desempenho total das
suas funções laborais. Por outro lado surgem limitações na ocupação dos tempos livres e de lazer, no
desenvolvimento das AVD e insatisfação com a sua
qualidade de vida, entre outras várias e ramificadas
situações de menor prevalência.
Todos estes problemas na dimensão social da
dor poderão estar ou não relacionados com a dor
física, enquanto entidade fisiopatológica, só por si,
(resposta para a qual este estudo não foi dirigido)
mas estarão, com fortes probabilidades, relacionados
com todo o impacto que a doença oncológica tem
sobre as diversas esferas da vida dos doentes (31,33).
De uma forma geral temos diversas esferas com
necessidades sociais não adequadamente satisfeitas
que vão sem dúvida constituir parte integrante e
influenciadora do sofrimento global, ou seja da Dor
Total (2,31,44,45,46,47).
Por último, na dimensão espiritual, apesar de
nenhuma componente ser referida como afectada
intensamente por mais de 30% dos sujeitos, surgem
algumas ao nível da afectação geral. Pelo seu peso,
considerando que a espiritualidade, que envolve as
relações consigo próprio, com os outros e com algo
acima de si e com a natureza (49,50), não constitui
fonte de conforto ou força reparadora como seria
desejado. Alguns dizem que começam a não existir
razões para viver e que a sua vida não tem dignidade.
Apontam para um sofrimento espiritual, que mais
uma vez não se pode concluir como resposta à dor
mas, provavelmente, a toda a inter-relação entre
os diversos factores que constituem o impacto da
doença sobre todas as componentes da vida destes
doentes.
Numa outra perspectiva poderemos ver estes
dados como não indiciadores de intenso sofrimento
espiritual mas tendo bem presente, e como tal
esclarecer bem, se não serão o reflexo de uma
demonstração de estoicidade e de se revelarem
perante os outros como estando bem, pois nestes
casos, poder-se-á estar perante doentes com intenso
sofrimento e angústia (2,50).
No entanto, o cuidar estes doentes, deverá ser
mais abrangente, ou seja, deve cuidar-se para além
das componentes físicas, da psicológica, social e
espiritual. Embora devido à tipologia deste estudo
não se determine uma relação directa da dor com
os restantes problemas evidenciados, estes doentes
revelaram significativas dificuldades físicas em actos
tão simples como subir escadas, passear, ajoelhar ou
inclinar. A ansiedade e ou depressão estão presentes
em menos de 20% dos doentes, embora globalmente
estejam mais irritáveis, pouco ou nada satisfeitos
com a forma como estão a reagir à sua doença e
preocupados com a morte. A nível social existem
sinais de sofrimento ao nível da esfera familiar, dos
amigos mas menos, do relacionamento interpessoal,
financeiro, papéis e qualidade de vida, assim como a
nível espiritual, também esse sofrimento se manifesta,
nomeadamente através da ausência de serenidade,
de harmonia consigo próprio, da não-aceitação, da
ausência de paz de espírito e do próprio sentido da
vida. Este sofrimento espiritual parece ser menos
intenso que o social.
Todos estes factos encontrados e revelados neste
estudo, inter-relacionando-se uns com os outros irão
contribuir para a presença do sofrimento global, a
que Cicely Saunders apelidou de Dor Total, pois na
realidade, a generalidade dos sujeitos, consoante o
impacto que cada um atribui às diversas questões
na sua vida, apresenta esse sofrimento global/Dor
Total em maior ou menor grau.
Bibliografia
1.
International Association for the Study of Pain. Task Force on
Taxonomy (1994), Classification of chronic pain. 2nd ed. Seattle,
IASP Press
2.
Twycross R. Cuidados Paliativos. 2nd ed. Lisboa: Climepsi
Editores; 2003. p. 47-53, 56-9, 83-121
3.
Twycross R, Wilcock A. Symptom management in advanced
cancer. 3.ª edição. Oxon (UK):Radcliffe Medical Press; 2001.
p. 17-67, 192-8
4.
Storey P. The vision of hospice and total pain relief. Am J Hosp
Palliat Care 1996 Jan-Feb; 13(1): 40-9
5.
Michaud M. Total Pain. AARN 1989 May; 45(5):18
6.
Payne R, Gonzales GR. Pathophysiology of pain in cancer and
other terminal diseases. In Doyle D, Geoffrey H, Nathan C, Kenneth
C, editors. Oxford textbook of palliative medicine. 3ed. New York:
Oxford University Press; 2004. p. 288-298
7.
Philips LL. Managing the pain of bone metastases in the home
environment . Am J Hosp Palliat Care, Jan-Feb, 1998; 15(1):
32-42
8.
Pereira J. Management of bone pain. In Portenoy PK, Bruera
E, editors. Topics in palliative care. New York: Oxford University
Press; 1998. p.79-116
Conclusão
O controlo da dor no doente com cancro em fase
avançada, como acontece na metastização óssea, é
um objectivo fundamental no cuidar destes doentes,
pois com índices de dor ligeira a moderada esta
interfere significativamente no quotidiano destes
doentes.
Dor Total nos doentes com metastização óssea
9.
21
Janjan N. Bone metastases: approaches to management. Semin
Oncol 2001 Aug; 28(4), Suppl 11: 28-34
33. Breitbart W. Psychiatric management of cancer pain. Cancer 1989
Jun; 63 (suppl):2336-42
10. Mundy G. Preclinical models of bone metastases. Semin Oncol
2001 Aug; 28(4), suppl. 11: 2-8
34. Sivesind D, Baile WF. The psychologic distress in patients with
cancer. Nurs Clin North Am 2001 Dec; 36(4): 809-25
11. Lin JT. Bony pathology in the cancer patient. J Womens Health
2002 Oct; 11(8): 691-702
35. Thielking PD. Cancer pain and anxiety. Curr Pain and Headache
Rep 2003 Aug; 7(4): 249-61
12. O’Leary U. Bone metastasis: secondary illness, primary concern.
Nurs Times 2003 Oct 11-17; 97(41): 32-4
36. Cohen S, Rabin BS. Psychologic stress, immunity, and cancer. J
Natl Cancer Inst 1998 Jan; 90(1): 3-4
13. Reich CD – Advances in the treatment of bone metastases. Clin
J Oncol Nurs 2003 Nov-Dec; 7(6): 641-5
37. Schwenk TL. Cancer and depression. Prim Care 1998 Jun; 25(2):
505-13
14. Maxwell T, Givant E, Kowalski MO. Exploring the management of
bone metastases according to the Roy adaptation model. Oncol
Nurs Forum 2001 Aug; 28(7): 1173-81
38. Vachon MLS. The emotional problems of the patient in palliative
medicine. In Doyle D, Geoffrey H, Nathan C, Kenneth C, editors.
Oxford textbook of palliative medicine, 3rd ed. New York: Oxford
University Press; 2004. p.961-84
15. Weber MH, Goltzman D, Kostenuik P, Rabani S, Singh G, Duivenvoorden W et al. Mechanisms of tumour metastasis to bone.
Crit Rev Eukaryot Gene Expr 2000; 10(3,4): 281-302
16. Piasecki PA. Nursing care of the patient with metastatic bone
disease. Orthop Nurs 1996 Jul-Aug; 15(4): 25-33
17. Goltzman D. Extending preclinical models of skeletal manifestations of malignancy to the clinical setting. Semin Oncol 2001Aug;
28(4) suppl. 11: 9-14
18. Guise TA, Chirgwin JM. Role of bisphosphonates in prostate
cancer bone metastases. Semin Oncol 2003 Oct; 30(5): 717-23
19. Lima D. Neuroanatomia da dor. In Rico T, Barbosa A. editores
“Dor: do neurónio à pessoa”. Lisboa: Departamento de Educação
Médica da Faculdade de Medicina de Lisboa/Permanyer Portugal;
1995. p. 21-38
20. Valença A. Neurofisiologia da dor e comportamento In Rico T,
Barbosa A. editores “Dor: do neurónio à pessoa”. Lisboa: Departamento de Educação Médica da Faculdade de Medicina de
Lisboa/Permanyer Portugal; 1995. p: 39-51
39. American Psychiatric Association. DSM-IV-manual de diagnóstico
e estatística das perturbações mentais. 4 rd ed. Lisboa: Climepsi
Editores;, 1996. p: 328-36
40. Kewman DG, Vaishampayan N, Zald D, Han B. Cognitive impairment in musculoskeletal pain patients. Intl J Psychiatry Med 1991;
21(3): 253-61
41. Breitbart W, Chochinov HM, Passik SD.Psychiatric symptoms in
palliative medicine. In Doyle D, Geoffrey H, Nathan C, Kenneth
C, editors. Oxford textbook of palliative medicine, 3rd. New York:
Oxford University Press; 2004. p.746-71
42. Koller M, Heitmann K, Kussmann J, Lorenz W. Symptom reporting
in cancer patients II: relations to social desirability, negative affect,
and self-reported health behaviours. Cancer 1999 Oct; 86(8):
1609-20
43. Kaasa S, Loge JH, Knobel H, Jordhoy MS, Brenne E. Fatigue. Measures and relation to pain. Acta Anaesthesiol Scand 1999 Oct; 43
(9): 939-47
21. Regan J M, Peng P. Neurophysiology of cancer pain. Cancer
Control 2000 Mar-Apr; 7(2): 111-9
44. Greenstreet W. The concept of total pain: a focused patient care
study. Br J Nurs 2001 Oct 25-Nov; 10(19): 1248-55
22. Rico T. Mecanismos neurológicos e bioquímicos da dor. In Rico
T, Barbosa A. editores “Dor: do neurónio à pessoa”. Lisboa: Departamento de Educação Médica da Faculdade de Medicina de
Lisboa/Permanyer Portugal; 1995. p: 55-75
45. Lamb MA.Sexuality. In Ferrel BR, Coyle N editors. Textbook of
Palliative Nursing. 1st ed. New York: Oxford University Press; 2001.
p:309-15
23. Twycross RG. Management of pain in skeletal metastases. Clin
Orthop Relat Res 1995 Mar; (312): 187-96
46. Cano A, Gillis M, Heinz W, Geisser M, Foran H. Marital functioning,
chronic pain, and psychological distress. Pain 2004 Jan; 107(1-2):
99-106
24. Ripamonti C, Fulfaro F. Malignant bone pain: pathophysiology
and treatments. Curr Rev Pain 2000; 4(3): 187-96
47. Cohen SR, Mount BM. Living with cancer: “Good” days and “Bad”
days-what produces them?. Cancer 2000 Oct; 89(8): 1854-65
25. Haegerstam GAT. Pathophysiology of bone pain: a review. Acta
Orthop Scand 2001Jun; 72(3): 308-17
48. Mclllmurray MB, Francis B, Harman JC, Morris SM, Soothill K,
Thomas C. Psychosocial needs in cancer patients related to
religious belief. Pall Med 2003 Jan; 17(1): 49-54
26. Urch C. The pathophysiology of cancer-induced bone pain:
current understanding. Palliat Med 2004 May; 18(4): 267-74
27. Ripamonti C, Fulfaro F. Pathogenesis and pharmacological treatment of bone pain in skeletal metastases. Q J Nucl Med 2001
Mar; 45(1): 65-77
28. Pasacreta JV, Minarik PA, Nield-Anderson L. Anxiety and depression.
In Ferrel BR, Coyle N editors. Textbook of Palliative Nursing.1st.
New York: Oxford University Press; 2001.p. 269-89
29. Massie MJ, Holland JC. The cancer patient with pain: psychiatric
complications and their management. Med Clin North Am 1987
Mar; 71(2): 243-58
30. France RD. Psychiatrics aspects of pain. Clin J Pain 1989; 5 Suppl
2:S35-41; discussion S41-2.
31. Kuuppelomäki M, Lauri S. Cancer patients’reportes experiences
of suffering. Cancer Nurs 1998 Oct; 25(5): 364-9
32. Breitbart W, Payne D, Passik SD. Psychological and psychiatric
interventions in pain control. In Doyle D, Geoffrey H, Nathan C,
Kenneth C, editors. Oxford textbook of palliative medicine, 3rd
ed. New york: Oxford University Press; 2004. p. 424-37
49. Cassidy JP, Davies DJ. Cultural and spiritual aspects of palliative
medicine. In Doyle D, Geoffrey H, Nathan C, Kenneth C, editors.
Oxford textbook of palliative medicine, 3rd. New York: Oxford
University Press; 2004. p. 951-7
50. Murata H. Spiritual pain and its care in patients with terminal
cancer: construction of a conceptual framework by philosophical
approach. Palliat Support Care 2003 Mar; 1(1): 15-21
51. Taylor, EJ. Spiritual assessment. In Ferrel BR, Coyle N editors.
Textbook of Palliative Nursing.1st ed. New York: Oxford University
Press. 2001.p. 397-406
52. Puchalsky CM, Kilpatrick SD, Mccullough ME, Larson DB. A systematic review of spiritual and religious variables in Palliative
Medicine, American Journal of Hospice and Palliative Care,
Hospice Journal, Journal of Palliative Care, and Journal of Pain
and Symptom Management . Palliat Support Care 2003 Mar; 1(1):
7-13
53. Lo B, Chou V. Directions in research on spiritual and religious
issues for improving palliative care. Palliat Support Care 2003
Mar; 1(1): 3-5
22
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
54. Folstein MF, Folstein SE, Mchugh PR. Mini mental state: a practical
method for grading the cognitive state of the patients for the
clinician. J Psychiatric Res 1975 Nov; 12(3): 189
55. Trzepacz PT, Baker RW, Greenhouse J. Symptom rating scale for
delirium. Psychiatrc Res 1988 Jan; 23 (1): 89
56. Zigmond AS, Snaith RP. The hospital anxiety and depression
scale. Acta Psychiatric Scand 1983 Jun; 67(6): 361
57. Cleeland CS, Ryan K M. Pain assessment: global use of the brief pain
inventory. Ann Acad Med Singapore 1994 Mar; 23(2):129-38
58. Melzack R. The MacGill pain questionnaire: major properties and
scoring methods. Pain 1975 Sep; 1(3): 277-99
59. Sugarbaker PH, Barofsky I, Rosenberg SA, Gianola FJl. Quality of
life assessment of patients in extremity sarcoma clinical trials.
Surgery 1982 Jan; 91(1): 17-23
60. Pimentel FL. Qualidade de vida em oncologia. Lisboa: Permanyer
Portugal; 2004. p. 13-20, 47-60
61. Aaronson NK, Ahmedzai S, Bergman B, Bullinger M, Cull A, Duez
NJ et al. The European Organisation for Research and Treatment
of Cancer QLQ-C30: A quality-of-life instrument for use in international clinical trials in oncology. J Natl Cancer Inst 1993 Mar;
85(5): 365-376
62. Functional Assessment of Chronic Illness Therapeutics – in www.
facit.org (http://www.facit.org/qview/qlist.aspx ) acedido em 12
de Dezembro de 2005
63. Orth-Gomer K, Wamala SP, Horsten M, Schenck-Gustafsson K,
Schneiderman N, Mittleman MA. Marital stress worsens prognosis
in women with coronary heart disease: the Stockholm female
coronary risk study. JAMA 2000 Dec 20; 284(23): 3008-14
O ensino médico pós-graduado baseado em
competências: reflexão sobre o Internato Médico
Competency-based postgraduate medical education:
considerations regarding Medical Residency
Fernando Domingos*
Universidade Católica Portuguesa
Resumo
Introdução: o conceito de treino/aprendizagem baseada em
competências (TABC) é relativamente recente na educação
médica portuguesa, embora seja cada vez mais recomendado a
nível internacional como forma de responder às exigências actuais
do ensino médico, nomeadamente no treino de especialistas.
Métodos: foi efectuado um estudo empírico para avaliar se o
internato da especialidade apresenta características compatíveis
com uma aprendizagem baseada em competências. O estudo implicou a construção e validação de um questionário constituído por 17
itens medidos numa escala de Lickert de cinco níveis. A validade
de conteúdo foi avaliada de acordo com o método de Lawshe.
A fiabilidade avaliada com alfa de Cronbach foi de 0,722.
O questionário foi enviado pelo correio para 4.501 médicos,
incluindo uma amostra aleatória de especialistas de Medicina
Geral e Familiar, Medicina Interna e Cirurgia, e todos os possíveis
internos. O preenchimento foi efectuado pelos próprios médicos
e foi anónimo.
Resultados: responderam 457 médicos (10,3% dos inquiridos) com idades entre os 27-82 anos. Foram considerados
válidos 439 questionários, correspondentes a 237 internos da
especialidade e 202 especialistas (72 cirurgiões, 67 internistas e 63 médicos de família); 128 especialistas eram tutores.
A maioria dos respondentes (78,7%) admitiu ter pouco ou
nenhum conhecimento dos métodos de TABC.
A maioria dos médicos considera ter um conhecimento
aceitável das competências genéricas e específicas que devem
ser adquiridas no internato da sua especialidade, embora
esse conhecimento seja mais acentuado na especialidade de
Medicina Geral e Familiar. As respostas aos itens relacionados
com a adequação dos métodos de treino são concordantes
com os métodos TABC. Contudo, as respostas a todos os itens
relacionados com os instrumentos de avaliação revelam muito
pouca concordância com os métodos de TABC.
Conclusões: os resultados contrariam a possibilidade do
internato médico português ser um processo de treino/aprendizagem baseado em competências.
Palavras-chave: educação médica; aprendizagem baseada
em competências; internato médico; formação médica pós-graduada. 
Abstract
Introduction: competency-based learning (CBT) is a recent
concept in Portuguese medical education. However, CBT is
emerging as a new international standard as a way to respond
to the new demands of medical education, namely in the training
of medical specialists.
Methods: an empiric study was conducted to evaluate the
training process in the Portuguese medical residency programs
and if they meet the terms that characterize CBT initiatives. The
study included the construction and validation of a 17-items
questionnaire measured according to a five-level Lickert scale.
Content validity ratio was evaluated by the method described
by Lawshe. Reliability was assessed by the Cronbach Alpha
and was 0,722.
Questionnaires were mailed to 4.501 physicians, including
a randomized sample of specialists in Family Medicine, Internal
Medicine and Surgery, and all possible residents. The physicians
were asked to fill-in anonymous, self-report questionnaires.
Results: replied 457 physicians (10,3 of % of all sent
questionnaires) aged between 27 and 82-years-old; 439
questionnaires were considered valid, including 237 residents
and 202 specialists (72 surgeons, 67 internists, and 63 family
doctors); 128 specialists had tutorial activities. The majority of
responders (78.7%) admitted to have little or no knowledge
about CBT.
The majority of the responders considered to have an acceptable
knowledge about the generic and specific competencies that
comprise their specialties residency programs, although this
knowledge is significantly higher among general practitioners.
A concordant response with CBT initiatives is manifested in the
domain of the training methods. However, the responses to all
items concerning the assessment instruments reveal very little
concordance with the demands of CBT initiatives.
Conclusions: these results contradict the possibility that the
Portuguese medical residency programs are real competencybased initiatives.
Keywords: medical education; competency-based learning;
medical residency; postgraduate medical education. 
* [email protected]
Cadernos de Saúde  Vol. 1  N.º 1 – pp. 23-50
24
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
Introdução
Durante as últimas décadas tem-se verificado um
crescimento constante dos conhecimentos científicos
e uma rápida evolução tecnológica em todas as áreas
da Medicina. Paralelamente, a Sociedade também
sofreu profundas transformações que se traduzem
em aumentos da procura dos serviços de saúde e
das expectativas da população. Preparar os médicos
para responder às necessidades da sua profissão
neste novo contexto constitui um dos maiores desafios da educação médica actual, em todos os seus
níveis. O internato é uma fase nobre da formação
médica que exige tanta preparação e cuidado como
a formação pré-graduada. É fundamental que os
programas de internato da especialidade mantenham
elevados níveis de qualidade pedagógica e que os
resultados obtidos respeitem padrões de competência
reprodutíveis entre diferentes instituições, quer a
nível nacional quer a nível supranacional.
Em vários países, os métodos de treino e aprendizagem baseados em competências têm vindo gradualmente a substituir os métodos mais tradicionais
baseados no tempo, em todas as fases da educação
médica, nomeadamente na formação de médicos
internos e de especialistas. Contudo, a utilização
destes métodos na educação médica é relativamente
recente e, mesmo nos países onde a sua utilização
já está implementada há mais tempo, existem ainda
algumas incertezas e dificuldades na sua utilização.
Ao longo deste trabalho serão analisados os conceitos
actualmente existentes sobre métodos de aprendizagem baseada em competências e o modo como
os programas de internato médico nacionais estão
a ser adaptados a este novo paradigma.
Origem e evolução do conceito de aprendizagem
baseada em competências
O conceito de TABC já é conhecido há várias
décadas, tendo sido inicialmente utilizado em programas de treino de professores no final dos anos
1960, nos Estados Unidos da América (E.U.A.) e, nas
décadas seguintes, em vários programas educacionais
no Reino Unido, Alemanha e Austrália, nomeadamente no ensino técnico e no ensino vocacional
[1]. A adopção destes métodos deveu-se sobretudo
à sua capacidade de transmitir e avaliar competências profissionais, mas também à possibilidade de
influenciar a estrutura do próprio ensino, de modo
a que este fosse mais dirigido para as necessidades
do mundo do trabalho.
Segundo alguns autores, as origens do conceito de
aprendizagem baseada nos resultados podem estar
relacionadas com as teorias de Frederick Taylor, na
primeira metade do século XX, com o movimento
Taylorista dos anos 50, e também com o movimento
behaviorista americano dos anos 50 [1]. A intenção
original do movimento comportamentalista era de
que os programas educacionais deviam focar a sua
atenção nos resultados da aprendizagem, incentivando os educadores a estabelecerem como objectivo
da aprendizagem modificações comportamentais
observáveis e fiáveis. Na época, o movimento da
aprendizagem por competências surgiu também
como uma ruptura com os métodos clássicos de
ensino, muito vocacionados para a transmissão de
conhecimentos teóricos mas desfasados das necessidades da vida real.
O enfoque nos resultados da aprendizagem
(outcomes) deu origem, nos anos 1970, a vários
movimentos de ensino/aprendizagem conhecidos
como Outcome-based learning, entre os quais se
inclui a aprendizagem baseada em competências
(Competency-based learning). De acordo com Harden
[2], existem diferenças significativas entre o movimento
da instrução por objectivos dos anos 1960 e 1970 e os
movimentos da aprendizagem baseada nos resultados
da actualidade, uma vez que estes não estão apenas
centrados em listas de objectivos educacionais, que
podem ou não ser alcançados, mas também na
definição prévia dos resultados educacionais pretendidos, na elaboração de curricula adequados e na
verificação efectiva dos seus efeitos. As principais
características deste movimento incluem a ênfase nos
outcomes do processo de treino/aprendizagem e a
sua aplicação ao mercado de trabalho (incluindo a
identificação de capacidades e habilidades e a sua
correspondência com competências profissionais),
e a certificação dessas competências para instituição
de sistemas de créditos que facilitem a articulação
entre sistemas de ensino.
Nas décadas seguintes, vários seguidores do movimento de aprendizagem baseada em competências
flexibilizaram algumas ideias do conceito inicial,
que tem vindo a sofrer alterações significativas [3].
O reconhecimento de que em algumas actividades
profissionais complexas também era importante a
demonstração de competências cognitivas, levou à
introdução da chamada variante aditiva e, posteriormente, da variante integrativa [1], as quais, para além
da performance profissional básica, já reconheciam
a necessidade de conhecimentos teóricos subjacentes
para um bom desempenho profissional. Enquanto
O ensino médico pós-graduado baseado em competências: reflexão sobre o Internato Médico
na variante aditiva a performance e o conhecimento
eram objecto de avaliações separadas, a variante integrativa reconhecia que o conhecimento teórico devia
ser considerado num contexto em que influenciava
a performance e, como tal, assumia a necessidade
de ambos serem avaliados em conjunto [1].
A relação entre a Competência profissional, no
seu sentido mais abrangente, e as competências mais
ou menos básicas cujo desempenho era objecto da
aprendizagem nas formas iniciais dos métodos de
TABC não é, contudo, linear. Embora as últimas
sejam essenciais para garantir a proficiência profissional, é legítimo admitir que a Competência envolve
provavelmente muito mais do que a simples soma
de um conjunto de comportamentos aprendidos,
sendo necessário considerar todo o contexto envolvente ao desempenho. Nesse sentido, foi incluído
o conceito de competência relacional, que inclui a
influência dos factores sociais e culturais na forma
como a competência deve ser demonstrada [4].
Este caminho conduziu ao desenvolvimento das
variantes holísticas que tomam em consideração
o facto de a competência ser o resultado de uma
combinação complexa de conhecimentos, atitudes, habilidades e valores pessoais, e também do
contexto sociocultural em que é avaliada [5]. Esta
perspectiva levou alguns autores a estabelecerem
o conceito de meta-competência para descrever a
capacidade geral de utilizar e integrar competências
de ordem inferior e aplicá-las em várias situações
e actividades, independentemente do contexto em
que foram aprendidas [6]. Para além do reforço da
aprendizagem dos conhecimentos inerentes ao exercício da actividade profissional, o desenvolvimento
de meta-competências implica o desenvolvimento
de pensamento crítico e capacidade de análise da
informação disponível [7].
As sucessivas evoluções do conceito de aprendizagem baseada em competências afastaram-no
dos objectivos iniciais e conduziram a uma maior
complexidade na definição dos outcomes, necessidades curriculares acrescidas e, principalmente,
maior complexidade nos métodos de avaliação.
Contrariamente às listas de verificação e aos métodos relativamente simples e objectivos, inicialmente
utilizados para avaliar habilidades ou competências
mais básicas, verificou-se a necessidade cada vez
maior de a avaliação da aprendizagem passar a estar
dependente de alguma interpretação, e mesmo de
alguma subjectividade.
Actualmente, os defensores do conceito de aprendizagem baseada em competências reconhecem
25
a tendência redutora das primeiras abordagens
e defendem a natureza construtivista da criação
de competências de ordem superior e de metacompetências. Autores como Vin Diwakar [3] e
Miller [8] reconheceram a natureza hierárquica das
competências profissionais e a necessidade de redefinir os conceitos de TABC à luz do conhecimento
actual e não das necessidades da era industrial.
As variantes holísticas dos métodos de aprendizagem baseados em competências permitem acomodar
tanto a definição dos padrões básicos, que todos os
profissionais devem possuir, como a aprendizagem
de actividades profissionais complexas, como a
Medicina, sendo utilizados desde o ensino superior
pré-graduado até à educação médica contínua [3].
Actualmente, com excepção do treino em algumas
tarefas muito específicas em que as abordagens
behavioristas continuam a ter alguma utilidade,
as variantes holísticas são as mais frequentemente
utilizadas na educação médica.
Definições importantes para a aprendizagem
baseada em competências
Existem duas definições fundamentais no ensino
baseado em competências: habilidade (skill) e competência. Define-se habilidade como a capacidade
para efectuar uma tarefa com um determinado nível
de eficácia, recorrendo frequentemente a funções
motoras e/ou manipulação de instrumentos [9],
embora algumas habilidades impliquem apenas a
utilização de conhecimentos e atitudes, como por
exemplo a habilidade para proceder ao aconselhamento dos doentes.
As definições de competências são bastante mais
abrangentes. Uma delas, frequentemente utilizada nas
áreas da saúde, define competência como a execução
de uma habilidade em contextos específicos e de
acordo com padrões igualmente específicos [9].
A definição de competência mais frequentemente
utilizada na actualidade baseia-se na integração de
conhecimentos, habilidades, e capacidades necessários à execução duma determinada tarefa, a qual
se traduz pelo seu nível de desempenho [10]. Nesta
categoria encontram-se, por exemplo, as competências de relação, que incluem tudo o que diz respeito à
relação médico/doente, nomeadamente a habilidade
para recolher informação através da colheita da
história clínica e da observação, a capacidade de
arquivar e evocar conhecimentos fundamentais e a
capacidade para implementar soluções adequadas
em cada contexto próprio, além do conjunto de
26
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
valores e atitudes profissionais necessários à prática
da Medicina.
Uma outra definição de competência integra um
reportório de comportamentos adequados a uma
determinada área profissional, que demonstrem
a capacidade de traduzir em comportamentos os
conhecimentos básicos e as habilidades necessárias ao desempenho adequado de determinada
função [11]. Esta definição é mais abrangente e
mais adequada no caso de competências de ordem
superior, que por sua vez integrem um conjunto de
competências ditas básicas. No caso da saúde, por
exemplo, podemos considerar a competência para
comunicar com o doente como uma competência
de ordem superior, a qual inclui um conjunto de
conhecimentos, habilidades e competências hierarquicamente inferiores, nomeadamente:
•Conhecimentos teóricos básicos;
•Capacidade para ouvir o doente e recolher a
informação necessária;
•Fornecer elementos sobre a situação clínica
de forma adequada ao grau de diferenciação
cultural do doente;
•Interpretar adequadamente as reacções (verbais
e não verbais);
•Avaliar o grau de percepção e interiorização da
informação fornecida ao doente e à família.
Existem duas premissas subjacentes a qualquer
das definições acima mencionadas. A primeira é
que as competências são definidas para tarefas e
contextos específicos; particularmente no caso de
competências comportamentais, a sua demonstração num determinado contexto pode não implicar
necessariamente que o desempenho seja idêntico
em contextos muito diversos, onde o conjunto de
conhecimentos e habilidades que é necessário reunir
pode ser completamente diferente. A segunda premissa é que são necessários standards bem definidos,
pelos quais a demonstração da competência possa
ser avaliada.
Independentemente da definição utilizada, o
conceito de competências engloba a integração
dos conhecimentos, das habilidades e comportamentos adequados a cada contexto, consistindo
numa demonstração da capacidade de integração
destes elementos no desempenho de uma tarefa
profissional, devendo ser este o objecto final da sua
apreciação [10] (ver figura 1). Esta definição satisfaz
muitas das principais críticas iniciais ao movimento
do ensino baseado em competências e, em certa
Figura 1 – Relação hierárquica dos resultados da aprendizagem.
Adaptado e traduzido de Jones EA, Voorhees RA, Paulson K.; Defining and assessing learning: exploring competency-based iniciatives. U.S.
Department of Education; 2002.
O ensino médico pós-graduado baseado em competências: reflexão sobre o Internato Médico
medida, vem ao encontro dos princípios académicos
tradicionais que entendem o conhecimento puro
como um valor a venerar em si mesmo, independentemente da sua utilidade imediata. De acordo
com as tendências actuais do movimento de TABC,
este deixou de ser um instrumento de aprendizagem basicamente destinado ao treino profissional
técnico ou a tarefas elementares. A aprendizagem
do conhecimento aplicado encontra-se na base de
todo o processo de aquisição de competências e é
objecto de avaliação integrada, de forma tão exigente
como as habilidades treinadas, que sobre ele devem
ser adquiridas, determinando que todo esse conjunto
seja objecto de demonstração e avaliação.
Características dos curricula baseados em competências
Para que uma iniciativa de treino/aprendizagem
seja considerada como baseada em competências é
importante o modo como ela é efectuada e descrita.
Esta caracterização é importante para os potenciais
formandos, que devem ter conhecimento prévio do
tipo de treino a que se candidatam, mas também
para a sociedade e para as potenciais entidades
empregadoras, que necessitam de conhecer a preparação que os profissionais possuem no final da sua
formação. Por este motivo, é necessário conhecer
os critérios que permitem identificar este tipo de
iniciativas e adoptar uma linguagem comum na sua
caracterização, estabelecendo, sempre que possível, definições consensuais das competências que
constituem o objectivo da formação. As principais
características que permitem identificar as iniciativas
baseadas em competências são as seguintes [10]:
•Definição e descrição das competências que
constituem o objecto da aprendizagem;
•Definição dos métodos que irão ser utilizados,
nomeadamente dos métodos de avaliação;
•Definição dos padrões que são utilizados para
considerar a demonstração de competência.
A definição das competências incluídas no processo de formação é um processo dependente das
necessidades específicas dos profissionais a formar,
tendo em consideração as recomendações dos organismos reguladores dessa actividade e das instituições
de acreditação. Frequentemente, o comprometimento
das instituições com este método de aprendizagem
está também dependente das suas próprias orientações e dos recursos materiais e humanos de que
dispõem [9;12].
27
Uma especialidade médica é normalmente constituída por um conjunto de competências próprias
que permitem o seu reconhecimento, quer a nível
nacional quer a nível internacional. Este facto deve-se à existência de um conjunto de conhecimentos,
técnicas e habilidades que todos os especialistas
nessa área devem dominar (core curriculum) e
que são comuns em vários países [13], embora
possam existir algumas diferenças entre especialistas formados em diferentes países e mesmo entre
especialistas formados em instituições diferentes
dentro do mesmo país. Estas diferenças estão
relacionadas com aspectos históricos da formação
das especialidades em cada país, adaptações às
necessidades das respectivas populações e disponibilidades da própria instituição onde a formação
é efectuada (a formação efectuada num hospital
universitário com responsabilidades no ensino e
na investigação pode ter características substancialmente diferentes daquela que é efectuada numa
unidade de saúde comunitária de menor dimensão).
Contudo, desde que o core curriculum de cada
especialidade seja minimamente reprodutível entre
diferentes países, a diversidade na formação dos
especialistas provenientes de regiões e/ou unidades diferentes constitui uma adaptação natural
às diferentes necessidades socioculturais e pode
mesmo ter características positivas para a evolução
da própria especialidade [14].
Nos últimos anos, tem havido um esforço contínuo de modernização dos curricula dos vários
internatos, não só para acompanhar a evolução dos
conhecimentos e das competências clínicas que os
constituem, mas também para criar alguma homogeneidade em diversos aspectos gerais da formação
médica. Esse esforço tem sido aproveitado para
incluir nos curricula o treino de competências que
não dependem da especialidade mas cujo domínio
é extremamente importante para o exercício da
actividade profissional: as competências genéricas.
Em 1999, o Accreditation Council for Graduate
Medical Education (ACGME) desenvolveu o Outcome Project, onde foi enunciado um conjunto
de competências genéricas, distribuídas por seis
áreas diferentes, que deveriam ser incorporadas nos
curricula dos internatos de todas as especialidades
e cujos resultados deveriam passar a ser alvo de
avaliação até 2006 [15]. As áreas definidas pelo
Outcome Project são as seguintes:
•Prestação de cuidados ao doente
•Conhecimentos médicos
28
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
•Aprendizagem e aperfeiçoamento contínuo
baseados na prática
•Capacidades de comunicação e relação interpessoais
•Profissionalismo
•Prática baseada em sistemas
O modo como as diferentes competências são
integradas no programa de formação de especialistas
constitui o curriculum da especialidade, o qual é
definido no início do período de internato de forma
a constituir o guião pelo qual é orientado todo o
programa de formação de internos. No entanto,
é importante salientar-se que o curriculum não é
apenas um conjunto de competências reunidas em
listagens de competências mais ou menos longas;
de acordo com Michael Green [16], o curriculum
deve ser definido como uma “experiência educativa
planeada, que envolve os objectivos comportamentais,
métodos educativos e a experiência efectiva daqueles
que aprendem”.
Após a definição e descrição das competências
individuais e definição dos respectivos métodos
de avaliação, deve ser estabelecido um programa
educacional, cujo objectivo é proporcionar ao formando uma série de experiências que o habilitem
a alcançar o nível de desempenho pretendido.
A educação médica baseada em competências corresponde a um novo paradigma de aprendizagem em
que a formação deve estar centrada na obtenção de
Quadro I - Descrição de competências genéricas de acordo com as áreas definidas no Outcome Project.
Competência na prestação de cuidados ao doente
Capacidades de comunicação e relação interpessoal
• Comunicar efectivamente com os doentes e seus familiares,
demonstrando compreensão e respeito
• Criar uma relação sólida e facilitadora do tratamento com os
doentes
• Recolher a informação essencial e adequada sobre o doente
• Desenvolver a capacidade de ouvir e de comunicar por formas
não verbais, nomeadamente através da escrita
• Tomar decisões informadas e baseadas em evidências científicas
actualizadas sobre métodos de diagnóstico e tratamento
• Desenvolver e implementar planos de actuação
• Aconselhar adequadamente os doentes e os seus familiares
• Utilizar tecnologias de informação para suportar as decisões
clínicas e a educação dos doentes
• Executar de forma competente todas as técnicas invasivas
praticadas na sua especialidade
• Prestar os cuidados necessários para prevenir a doença e
promover a saúde
• Colaborar com todos os profissionais de saúde, incluindo os de
outras áreas, com o objectivo de prestar os melhores cuidados ao
doente
Conhecimentos médicos
• Capacidade de demonstrar um raciocínio analítico e de
investigação aplicado a problemas clínicos
• Serem possuidores de conhecimentos das ciências básicas e
clínicas que suportem a sua especialidade, e saber aplicá-los
adequadamente
Aprendizagem e aperfeiçoamento contínuo
baseados na prática
• Analisar e melhorar a prática clínica, introduzindo novas
metodologias
• Pesquisar e assimilar evidências fornecidas por estudos científicos
relacionados com os problemas dos doentes
• Analisar os resultados da sua própria população de doentes e da
restante população
• Aplicar os conhecimentos fornecidos e métodos estatísticos
resultantes de estudos clínicos para melhorar a eficácia do
diagnóstico e tratamento
• Utilizar as tecnologias de informação para aceder a informação
científica on-line e divulgar a sua própria experiência
• Facilitar a aprendizagem dos alunos e de outros profissionais de
saúde
• Capacidade de actuar como membro ou como líder de equipas
multidisciplinares
Profissionalismo
• Demonstrar respeito, compaixão e integridade; resposta às
necessidades dos doentes e da sociedade acima do interesse
próprio; disponibilidade para os doentes e para a profissão;
comprometimento com a evolução do desenvolvimento da sua
profissão
• Demonstrar comprometimento com os princípios éticos da
profissão, nomeadamente na suspensão do tratamento, obtenção
de consentimento informado, respeito pelo sigilo profissional e
comercialização dos seus serviços
• Demonstrar sensibilidade com as diferenças sócio-culturais,
étnicas, de género, idade e eventuais incapacidades dos doentes
Prática baseada em sistemas
• Perceber como a sua prática pode afectar os restantes colegas,
as necessidades da organização em que trabalha e do próprio
sistema de saúde no seu todo
• Perceber as diferenças entre os vários sistemas e como isso pode
afectar a sua prática
• Ser capaz de exercer uma relação adequada de custos/benefícios,
sem comprometer a qualidade final do tratamento
• Advogar a favor do doente para lhe oferecer o melhor tratamento
possível, sempre que isso seja necessário
• Saber relacionar-se com os gestores e com as instituições de
saúde de modo a melhorar a qualidade dos serviços, aceder,
coordenar e melhorar a qualidade do tratamento oferecido e
saber como é que essas actividades podem afectar o desempenho
do sistema
Adaptado do ACGME Outcome Project, Ref. [15].
O ensino médico pós-graduado baseado em competências: reflexão sobre o Internato Médico
determinados resultados, definidos e avaliados como
competências necessárias ao desempenho profissional, e não apenas numa colecção de conhecimentos
ou técnicas cujo domínio é adquirido durante um
período pré-definido de tempo. De acordo com este
paradigma, o mais importante para a competência
profissional não é o domínio dos conhecimentos ou
as capacidades de execução técnica; o mais importante é a demonstração da capacidade de os utilizar
adequadamente em cada contexto específico. Que
implicações poderá ter esta mudança de paradigma
no planeamento curricular?
Podemos considerar três consequências imediatas.
A primeira delas é, naturalmente, a integração das
competências genéricas no programa curricular
das várias especialidades médicas. A integração
das competências definidas pelo ACMGE Outcome
Project tem orientado a reformulação dos curricula
de várias especialidades médicas nos E.U.A. [17-19].
No caso de alguns curricula já publicados, as linhas
orientadoras sobre o conjunto de conhecimentos
e habilidades já incluídos no core curriculum das
respectivas especialidades, normalmente divulgados
pelas instituições científicas internacionais e pelas
autoridades que regulamentam a actividade de cada
especialidade, foram integradas e relacionadas com
as competências genéricas definidas pelo ACGME
Outcome Project, como, por exemplo, no caso do
curriculum da especialidade de Medicina Familiar
[18]. Outros autores têm também proposto metodologias faseadas para a elaboração de curricula
de determinados internatos, nomeadamente em
áreas relacionadas com os cuidados primários de
saúde [20].
Embora com uma estrutura ligeiramente diferente
da proposta americana, a nível europeu a EURACT
(European Academy of Teachers in General Practice)
definiu, em 2002, o conjunto de competências nucleares que constituem a especialidade de Clínica Geral e
Medicina Familiar [21]. De acordo com esta definição,
a Medicina Geral e Familiar é uma disciplina científica
centrada na pessoa humana, sendo necessário um
conjunto de características fundamentais para o seu
desempenho: 1) contextuais – utilizar o contexto
do indivíduo, da família, da comunidade e da sua
cultura; 2) comportamentais – baseadas nas capacidades profissionais do médico, nos valores e na
ética; 3) científicas – adoptar na prática clínica uma
atitude crítica e baseada na investigação, e manter
esta atitude através da aprendizagem contínua e
melhoria da qualidade.
29
A EURACT descreve um conjunto de seis competências nucleares (gestão de cuidados primários;
prestação de cuidados centrada no indivíduo;
capacidades específicas para a resolução de problemas; abordagem compreensiva; orientação para
a comunidade; modelos holísticos) aplicadas em três
áreas diferentes (tarefas clínicas, comunicação com
os doentes e gestão da prática clínica). Embora esta
definição também tenha a preocupação de definir
o âmbito e a missão da especialidade de Medicina
Geral e Familiar, pode verificar-se que o conjunto de
competências genéricas e científicas que constituem o
core curriculum apresentam, no seu essencial, grande
correspondência com as competências definidas pelo
ACGME Outcome Project (ver quadro I).
Também noutras especialidades a reformulação
do curriculum foi bastante profunda. Nos E.U.A.,
o Federal Council of Internal Medicine criou uma
task force que definiu um conjunto de linhas
orientadoras para reformular o curriculum da
especialidade de Medicina Interna, aplicável nos
programas de internato efectuados naquele país e
destinado a apoiar as comissões locais de internato
médico na definição dos seus próprios curricula
[22]. Este guia define, claramente, o âmbito da
especialidade de Medicina Interna e o seu core
curriculum, identificando um conjunto de vinte
disciplinas integradoras e vinte e duas áreas clínicas
onde os médicos especialistas devem demonstrar
competência, recomendando ainda metodologias de
aprendizagem adequadas para a maioria delas.
Uma segunda consequência da mudança de paradigma é a necessidade de planear adequadamente as
experiências de aprendizagem necessárias para que
a obtenção dos resultados pretendidos seja alcançada, privilegiando, sempre que possível, realizações
práticas por parte dos internos. Esse facto permite
aumentar a responsabilidade dos internos sobre
os conteúdos da sua própria aprendizagem. Para
desenvolver competências nos princípios básicos da
investigação, por exemplo, é mais eficaz solicitar aos
internos que desenvolvam os seus próprios projectos
de investigação do que proporcionar a assistência a
palestras ou reuniões sobre o mesmo tema [23]. Pela
mesma razão, estabelecer objectivos que têm de ser
concretizados, como publicações e comunicações
que os internos devem efectuar ao longo dos seus
estágios, tem um efeito muito mais motivador do
que a participação passiva em congressos.
Uma última consequência resulta da necessidade
de os objectivos da aprendizagem passarem a ser
descritos numa linguagem adequada aos métodos
30
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
de TABC. Um exemplo das diferenças na forma
de descrever os objectivos curriculares encontrado
na literatura demonstra que num curriculum tradicional um determinado objectivo seria descrito
como “o interno deve ser capaz de incluir os doentes
em alguns processos de decisão”, enquanto num
curriculum baseado em competências o mesmo
objectivo estaria escrito como “o interno demonstra
ser capaz de incluir os doentes em alguns processos
de decisão” [23].
Dificuldades na implementação de curricula
baseados em competências
A necessidade de incluir nos curricula competências que habitualmente não eram objecto de
aprendizagem formal coloca novos problemas no seu
planeamento. As formas tradicionais de elaboração do
curriculum baseiam-se em processos relativamente
lineares, começando por uma avaliação prévia das
necessidades formativas, definição dos objectivos e
estratégias de aprendizagem e, por último, definição
dos métodos de avaliação [24]. Esta metodologia pode
facilmente ser utilizada para elaboração dos curricula
dos internatos médicos. No entanto, os curricula
baseados em competências impõem exigências de
acompanhamento dos internos ao longo da sua
formação que podem colocar problemas relacionados
com a sua implementação prática, nomeadamente
quando as instituições onde a formação é efectuada
apresentam constrangimentos económicos, poucos
recursos materiais ou escassez de pessoal, como
ocorre frequentemente [25].
De um modo geral, a realização do internato de
especialidade numa unidade de saúde não implica
qualquer vínculo dos futuros especialistas a essa
instituição; a formação é, antes de mais, um serviço
que as instituições prestam à Sociedade. É importante
que a formação e que os curricula que propõem,
sirvam, em primeiro lugar, os interesses superiores da
própria comunidade. Por este motivo, é importante
que a implementação local do curriculum não
seja exclusivamente orientada para os interesses da
própria instituição.
A realidade é que, frequentemente, as instituições
de saúde também são confrontadas com constrangimentos de natureza orçamental e limitações de
pessoal. A implementação dos curricula baseados
em competências pode implicar mais recursos humanos, maior formação pedagógica dos formadores e
aumento da disponibilidade para acompanhamento
dos internos na sua aprendizagem. Este aspecto
é particularmente evidente se considerarmos as
necessidades de avaliação inerentes a estes tipos de
curricula. A compatibilização destes aspectos nem
sempre é fácil, e poderá implicar que, em alguns
casos, a afectação de recursos para as unidades de
saúde onde é efectuada a formação de internos
tenha de ter em consideração esta sua função.
Comparativamente com as competências cognitivas
e técnicas incluídas nos curricula tradicionais, o
treino de algumas competências incluídas nos actuais
curricula baseados em competências com uma
perspectiva holística, constituem grandes desafios
de planeamento.
Muitas das competências, actualmente incluídas
nos curricula baseados em competências não
faziam parte da preparação formal dos internos da
especialidade e implicam a adopção de estratégias
educativas próprias. Principalmente no caso das competências genéricas, verifica-se que estas implicam,
frequentemente, a criação de curricula específicos
dentro do curriculum principal da especialidade.
A aquisição de competências culturais por parte
dos internos pode ser um exemplo dessa necessidade. As sociedades actuais caracterizam-se por
apresentarem maior diversidade cultural e étnica,
aspectos que podem condicionar a percepção dos
doentes em relação aos aspectos relacionados com
a saúde, a sua forma de entender a doença e as
abordagens terapêuticas disponíveis [26;27]. A competência cultural é entendida como um conjunto de
capacidades que permitem melhorar a compreensão
das diferenças e semelhanças culturais entre grupos
e aplicá-las no exercício profissional, mas a forma
como esta competência é aprendida numa área tão
sensível como a Medicina exige tempo e mecanismos próprios de treino. A autoconsciência sobre a
própria cultura e a reflexão sobre os conceitos e
atitudes profissionais são consideradas importantes
para o desenvolvimento de competências culturais,
e tem sido advogada a sua inclusão nos curricula
pré e pós-graduados [27;28]. O planeamento destes
curricula impõe a necessidade de auscultar a opinião
dos vários interessados no processo, nomeadamente
dos representantes da comunidade, para perceber
quais as suas expectativas, as suas necessidades,
a sua cultura e os seus valores.
Um dos exemplos das dificuldades existentes na
implementação dos curricula baseados em competências é a avaliação das capacidades de auto-aprendizagem para manter a competência profissional a longo prazo. Um estudo piloto recentemente
publicado sobre uma intervenção curricular destinada
O ensino médico pós-graduado baseado em competências: reflexão sobre o Internato Médico
a promover as capacidades de auto-aprendizagem
durante o internato de Medicina Interna revelou
resultados pouco consistentes [29]. Apesar desta
intervenção curricular ter contribuído para melhorar
as capacidades dos participantes para desenvolver
métodos de auto-aprendizagem a longo prazo,
a taxa de participação dos médicos no estudo foi
muito reduzida, com apenas 49% de respostas nos
testes efectuados antes e após a referida intervenção
curricular, e apenas 23% respondentes nos testes
efectuados no final de um ano. Estes resultados vêm
reforçar as dificuldades já antes demonstradas pelos
médicos para avaliar as suas próprias necessidades
formativas, com tendência para sobrevalorizar os
seus próprios conhecimentos e para subvalorizar
eventuais lacunas na sua formação [30].
As competências necessárias para a prática
profissional desenvolvida nos novos sistemas de
financiamento da saúde constituem outro exemplo
da necessidade de aperfeiçoamento curricular [31-33].
Estudos efectuados nos E.U.A. revelaram que os
curricula tradicionalmente adoptados no ensino
médico pré-graduado e nos programas de internato
apresentavam sérias deficiências no treino das competências necessárias para o exercício profissional
no contexto de novos modelos de financiamento
do sistema de saúde [34], implicando que fossem
incluídos, nos curricula dos internatos, programas
destinados a fornecer aos internos os conhecimentos e as habilidades necessárias para exercerem a
sua actividade profissional em diferentes contextos,
incluindo a avaliação da qualidade, gestão de risco,
princípios de gestão, relações com os utilizadores
e com os parceiros do sistema de saúde, trabalho
em equipa, etc. [35]. A implementação de curricula
que incluam a prática baseada em sistemas coloca,
também, sérios desafios aos formadores. Uma experiência de construção de um curriculum destinado a
desenvolver competências essenciais para a oferta de
cuidados clínicos integrados em sistemas de saúde,
efectuado em vários programas de internato médico e
coordenado pela Universidade de Michigan, demonstrou a existência de vários problemas práticos [20].
Entre os problemas encontrados, salienta-se a colisão
com as expectativas de treino dos próprios internos,
a difícil colaboração dos directores dos internatos e,
mesmo dentro do grupo de trabalho que elaborou
o curriculum, diferenças significativas de atitudes,
com os representantes das entidades financiadoras
a defenderem posições mais vocacionadas para
a rápida compreensão dos aspectos financeiros e
com os representantes médicos e académicos, a
31
defenderem o desenvolvimento mais lento e gradual
das actividades curriculares nesta área.
Outra das áreas importantes dos curricula baseados em competências é a aprendizagem dos valores
éticos e profissionais que, como foram recentemente
descritos por John Lubahn, devem ser considerados
como a essência da própria Competência médica
[36]. A inclusão formal do profissionalismo como
uma competência nuclear do curriculum médico é
considerada por alguns autores como um dos grandes
desafios da educação médica actual. Coulehan [37],
reforça estas dificuldades com o argumento de que
os valores humanistas e profissionais podem ser
incluídos no curriculum como um conjunto de regras
e comportamentos, mas que o seu impacto como
competência específica é difícil de ser avaliado com
os métodos actuais; argumenta ainda que a própria
cultura médica moderna, principalmente a cultura
hospitalar, é hostil a algumas qualidades tradicionais
como o altruísmo, a integridade, a humildade e
a fidelidade. Também Hilton [38] considera que
algumas características do modo como os curricula
são implementados impõem condições de trabalho
que podem ter efeitos adversos na aprendizagem
dos valores profissionais.
O planeamento dos curricula médicos que valorizem o profissionalismo é muitas vezes dificultado
por duas razões principais: em primeiro lugar, porque
embora o respeito pelos valores éticos e morais
no exercício médico seja quase tão antigo como a
própria história da Medicina, bem fundamentado nos
princípios filosóficos da Medicina da Grécia Antiga,
conforme documentado no próprio Juramento de
Hipócrates, estes valores não são estáticos; comportamentos que poderiam ser considerados éticos há
apenas algumas décadas atrás, em consequência das
mudanças dos padrões morais da própria sociedade
podem ser hoje considerados como pouco éticos. Em
segundo lugar, porque a ausência de uma definição
universal de profissionalismo dificulta a tarefa dos
educadores de planear o curriculum de forma a
transmitir estes valores. Numa revisão bibliográfica
efectuada por Veloski et al. [39], sobre estudos que
reportaram dados empíricos relacionados com o
profissionalismo, publicados durante um período
de 20 anos, entre 1982 e 2002, foram identificados
134 trabalhos; contudo, a maior parte deles (114
trabalhos) reportava-se a componentes muito específicos desta competência, nomeadamente a ética,
o humanismo ou aspectos interculturais, mas muito
poucos abordavam o profissionalismo como um todo
(apenas 11 trabalhos) e ainda menos o estudavam
32
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
como um aspecto distinto da competência clínica
(apenas 9 trabalhos).
Admite-se que o modo como o profissionalismo é
habitualmente adquirido pelos médicos no início da
sua vida profissional está profundamente relacionado
com os comportamentos éticos e morais observáveis
nos membros da sua profissão e nos seus mestres,
que adoptam como modelos. Na prática médica,
o conceito de profissionalismo implica interiorização
e adopção de um conjunto de valores, atitudes e
comportamentos destinados a servir, em primeiro
lugar, os interesses do doente e da Sociedade.
Vários factores internos à própria Medicina têm
contribuído para diluir a noção e a aprendizagem
do profissionalismo [40]. O primeiro desses factores
pode estar relacionado com a especialização dos
médicos. Actualmente, a convivência e a partilha de
valores tende a ser mais intensa entre os médicos
da mesma especialidade do que com a comunidade
médica em geral, verificando-se mesmo, em alguns
casos, alguma concorrência relativa a doentes, ao
acesso a recursos técnicos ou ao controlo de meios
de diagnóstico e terapêutica [41]. Por outro lado, em
consequência dos sistemas de incentivo às carreiras
académicas, que privilegiam mais as publicações e
apresentações do que o tempo despendido pelos
educadores na sua actividade clínica (que tem tendência a diminuir), o tempo e a disponibilidade para
os internos observarem os seus mentores clínicos
são cada vez menores [42]. Por último, as exigências
Quadro II – Lista dos itens incluídos no questionário final.
Item
Texto
1
Os resultados de aprendizagem pretendidos com a formação dos internos da minha especialidade estão muito bem definidos desde
o início do internato complementar.
2
Os resultados da formação, a alcançar no final do internato complementar, foram definidos de acordo com orientações internacionais
para que os especialistas possam ser reconhecidos nos restantes países europeus.
3
A formação efectuada durante o internato complementar é bastante abrangente, não estando limitada por critérios pré-definidos.
4
As competências definidas para a formação dos internos incluem atitudes pessoais, como a capacidade para comunicar com os doentes
e seus familiares.
5
A capacidade de auto-aprender e a capacidade de aplicar os conhecimentos adquiridos em situações novas constam da lista de resultados
educacionais pretendidos com o processo de formação complementar.
6
A competência médica é uma consequência natural do exercício profissional, não implicando necessariamente a criação de programas
educacionais para que a competência clínica seja alcançada.
7
Antes de os internos serem colocados perante problemas reais, e de terem efectivamente de os resolver, devem demonstrar conhecimento
teórico prévio das matérias em causa.
8
Antes de os internos serem colocados perante problemas reais, e de terem efectivamente de os resolver, são utilizadas simulações e
modelos para treino.
9
No treino e aprendizagem de gestos (como a colocação de um catéter central ou a realização de um exame ginecológico) é sempre
exigido que o interno tenha demonstrado conhecimentos teóricos sobre o gesto que vai executar.
10
O treino de gestos médicos é um processo progressivo, efectuado em fases distintas e com avaliações de desempenho entre cada
uma dessas fases.
11
O processo de formação de internos é sempre acompanhado directamente por tutores clínicos, que preparam e orientam a sua
aprendizagem.
12
Os principais métodos formais de avaliação dos internos são os exames orais (exames anuais e final) e o curriculum vitae.
12
Os instrumentos de avaliação existentes avaliam fundamentalmente a preparação teórica e científica demonstrada pelos internos.
14
Os instrumentos de avaliação utilizados avaliam bem os aspectos gerais da profissão, como o profissionalismo, a capacidade de
relacionamento interpessoal ou a capacidade para manter uma elevada motivação pessoal.
15
A avaliação contínua que é atribuída aos internos pelos seus orientadores é mais baseada em critérios subjectivos da sua actividade
global do que em observações formais dessa actividade.
16
O resultado de cada competência adquirida (como o domínio de uma determinada técnica, por exemplo) é objecto de avaliação própria
para garantir que o interno é efectivamente competente para a realizar.
17
Uma nota elevada no exame final traduz necessariamente um elevado nível de conhecimentos, mas não obrigatoriamente um bom
desempenho das tarefas na vida real.
O ensino médico pós-graduado baseado em competências: reflexão sobre o Internato Médico
crescentes do trabalho dos internos, integrados em
equipas médicas mais preocupadas em responder
às necessidades de produtividade no trabalho e com
menos tempo ou disponibilidade para propiciar um
ambiente saudável de aprendizagem, contribuem
para reduzir os padrões de conduta profissional que
esses internos poderiam aprender [42-45].
Numa tentativa de facilitar a aprendizagem dos
valores e atitudes profissionais na prática médica,
Cruess et al. [46] propuseram uma definição de
profissionalismo baseada na própria definição de
profissão, visando a sua utilização na educação
médica:
“Profession: An occupation whose core element
is work based upon the mastery of a complex
body of knowledge and skills. It is a vocation
in which knowledge of some department of
science or learning or the practice of an art
founded upon it is used in the service of others.
Its members are governed by codes of ethics and
profess a commitment to competence, integrity
and morality, altruism, and the promotion of
the public good within their domain. These
commitments form the basis of a social contract between a profession and society, which
in return grants the profession a monopoly
over the use of its knowledge base, the right
to considerable autonomy in practice and the
privilege of self-regulation.”
A confiança que a Sociedade deposita no médico
é baseada no pressuposto de que este está a utilizar todos os seus conhecimentos e toda a sua
competência para lhe prestar o melhor serviço
possível, colocando-o numa posição em que este
não só tem acesso a informações privilegiadas e a
um domínio considerável de aspectos importantes
da vida e do bem-estar da pessoa individual, mas
também tem a garantia de considerável protecção;
em contrapartida, o médico deve garantir que está
efectivamente a fazer o que a Sociedade e o doente
esperam dele, com Competência, com integridade e
com honestidade. Estas são as bases do contrato a
que Cruess et al. [46] se referem e que, em último
caso, são recompensadas por ganhos materiais e
pelo reconhecimento social.
Nos últimos anos, tem-se falado muito sobre a
validade ou utilidade deste contrato social. Vários
factores externos têm contribuído para este facto: a
introdução de novos modelos sociais de prestação
de cuidados de saúde que, em alguns casos, tentam
33
interferir com a relação médico/doente e tentam
retirar ao médico a capacidade total de optar pelos
melhores cuidados a prestar; a introdução no processo
de prestação de cuidados de saúde de novos actores
que vêem na relação médico/doente um monopólio
injustificado; a identificação pela Sociedade de casos
em que o profissionalismo médico é colocado em
questão e a dúvida sobre se a profissão médica
não adopta uma atitude corporativista, protegendo
a incompetência ou atitudes pouco éticas de alguns
dos seus profissionais [36].
Apesar das dificuldades acima mencionadas, vários
autores defendem a necessidade de incorporar nos
curricula baseados em competências, experiências
educativas que estimulem a transmissão dos valores
necessários ao profissionalismo. Hilton [38], propõe
seis domínios em que essas competências devem
ser demonstradas: atitudes éticas; prática reflexiva
e auto-consciência; responsabilidade pelas acções
pessoais; respeito pelos doentes; trabalho em equipa
e responsabilidade profissional. Coulehan [37], propõe, também, que seja dada maior relevância no
curriculum ao desenvolvimento de competências
de comunicação interpessoal.
Algumas das estratégias educativas que têm sido
propostas para atingir estes objectivos implicam: um
grande comprometimento dos docentes na transmissão dos valores profissionais, revalorizando sempre
que possível o papel do “mentor” na prática clínica
[40]; a transmissão de conhecimentos sobre ética e
comportamentos profissionais adequados através
de seminários, leituras orientadas, discussão em
pequenos grupos e sessões de role playing [36;40];
a inclusão no curriculum de serviços em favor da
comunidade [37;40].
A criação de padrões para definir o que se entende
por desempenho competente é o aspecto menos
conseguido dos métodos de aprendizagem baseados em competências, não existindo sobre eles
um verdadeiro consenso. Em termos teóricos, os
critérios deveriam ser estabelecidos por entidades
autónomas, com credibilidade junto da sociedade
e às quais fosse atribuído o processo de certificação. Na ausência deste consenso, a certificação de
competências está basicamente dependente das
opiniões de especialistas na matéria, não sendo
possível definir critérios objectivos e reprodutíveis
entre instituições, ou mesmo reprodutíveis no tempo
dentro da mesma instituição. Neste momento não é
possível prever em que medida é que a ausência de
padrões de certificação das competências pode vir
a ser um obstáculo ao reconhecimento dos créditos
34
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
adquiridos em diferentes instituições de formação
[47;48], o que condiciona a adopção generalizada
destes métodos.
reflectir de forma equilibrada e proporcional os
seus vários atributos. O resultado foi um esboço de
questionário constituído por trinta itens.
Os itens consistem em afirmações sobre diversos
aspectos da formação dos internos, solicitando-se que os médicos respondam de acordo com a
sua própria experiência. As respostas aos itens são
fechadas e avaliadas de acordo com uma escala de
Lickert com cinco níveis, a qual traduz o grau de
concordância com as afirmações produzidas (“Discordo inteiramente”; “Discordo parcialmente”; “Não
concordo nem discordo”; “Concordo parcialmente”;
“Concordo inteiramente”). Parte dos itens corresponde a afirmações concordantes com a utilização
de métodos de TABC (afirmações positivas) e os
restantes correspondem a afirmações cuja prática
seria contrária à utilização de métodos de TABC
na formação de internos (afirmações negativas).
A pontuação atribuída a cada item foi traduzida
numa escala ordinal de modo a que a pontuação
máxima (=5) correspondesse à opção “Concordo
inteiramente” nas afirmações formuladas de forma
positiva e “Discordo inteiramente” nas afirmações
negativas. A classificação assim obtida em cada item
corresponde a uma escala de concordância com os
métodos de TABC.
Além dos itens que foram definidos para avaliar os
diferentes constructos, foi adicionado ao questionário
final um conjunto de perguntas para caracterização
dos respondentes que incluíram: data de nascimento,
género, especialidade principal, distrito e tipo de
Metodologia
Foi construído um inquérito de opinião para avaliar
em que medida as características que actualmente
definem as iniciativas de TABC já estão implementadas nos internatos médicos portugueses.
Construção do questionário
Com base na bibliografia existente, foram definidos
três domínios que permitiriam caracterizar o internato
médico como um processo de TABC: 1) definição
prévia e objectiva dos resultados pretendidos com
a formação, incluindo as competências genéricas e
específicas de cada especialidade; 2) adequação das
metodologias de treino/aprendizagem aos métodos
de TABC; 3) adequação dos instrumentos de avaliação para garantir que as competências pretendidas
são efectivamente adquiridas.
O conhecimento e a experiência dos médicos
sobre cada um dos domínios acima definidos constituíram as variáveis de estudo. Por não poderem
ser medidas directamente, estas variáveis foram
traduzidas em constructos teóricos passíveis de ser
medidos indirectamente utilizando metodologias
para análise de questionários. A elaboração dos
itens correspondentes a cada constructo procurou
Quadro III – Resumo das características demográficas da amostra.
Orientadores de
formação
(n = 127)
Especialistas não
formadores
(n = 75)
Internos da
especialidade
(n = 237)
Total de respondentes
(n = 439)
Medicina geral e familiar
26
37
40
103
Medicina Interna
52
15
18
85
Cirurgia geral
49
23
8
80
Outras
–
–
171
171
94 (74,0%)
33 (26,0%)
44 (58,7%)
31 (41,3%)
83 (35,0%)
154 (65,0%)
221 (50,3%)
218 (49,7%)
52 (41 – 71)
46 (30 – 71)
30 (28 – 33)
31 (28 – 65)
–
–
2º (1º – 5º)
–
Especialidade a)
Sexo b)
Masculino (%)
Feminino
Idade (anos) c, d)
Ano de internato e)
a) Distribuição diferente dos especialistas com e sem funções de formação. Teste de Chi-quadrado; p < 0,001.
b) Idem. Teste de 2; p < 0,05.
c) Valores expressos em mediana (percentis 5 – 95).
d) Diferença significativa entre especialistas formadores e não formadores. Teste de Mann-Whitney; p < 0,001.
e) Valor expresso em moda (mínimo – máximo).
O ensino médico pós-graduado baseado em competências: reflexão sobre o Internato Médico
Número de respondentes
120
Condição em que responde
Interno da especialidade
Orientador de formação
Especialista sem funções de orientação
100
80
60
40
35
Figura 2 – Distribuição dos
médicos em função da
especialidade e condição em
que responderam.
A distribuição dos
especialistas com
ou sem funções de
orientadores de formação é
significativamente diferente
entre as especialidades
de Clínica Geral e as
especialidades hospitalares
(p < 0,001).
20
0
Medicina Geral e
Familiar
Medicina Interna
instituição onde a actividade profissional é exercida
(hospitais centrais, distritais ou centros de saúde).
No caso dos especialistas, foi também perguntado
o número de anos de exercício da especialidade, se
exercem ou exerceram funções como orientadores
de formação nos últimos 10 anos, qual o número
de horas semanais ocupados com as funções de
orientadores de formação, se tinham adquirido
formação pedagógica e o nível de conhecimentos
sobre os métodos de treino/aprendizagem baseados
em competências. No caso dos internos foi solicitada
a especialidade e o ano de internato que estavam
a frequentar.
Validade de conteúdo
Para avaliar a validade de conteúdo, o esboço
do questionário foi apresentado a um painel de
peritos constituído por sete médicos, um psicólogo
com experiência em psicologia educacional e um
pedagogo com experiência na construção de questionários. Todos os médicos que constituíram o painel
tinham concluído uma pós-graduação em educação
médica e tinham tido formação sobre métodos de
treino/aprendizagem baseados em competências.
Cada membro do painel recebeu uma cópia do
esboço do questionário acompanhada por uma
explicação sobre o conceito que cada item pretendia
avaliar. Era solicitado que, para cada um dos itens,
fosse indicado se a redacção estava perceptível, se era
sugerida alguma alteração ao texto e se a sua inclusão
contribuía para esclarecer o conceito em causa.
A resposta a esta última pergunta foi efectuada na
forma de resposta múltipla com três opções: 1) não
Cirurgia Geral
contribui nada; 2) contribui mas não é fundamental;
3) é fundamental para o conceito. Os resultados
fornecidos pelo painel de peritos permitiram aferir
a validade de conteúdo através do método descrito
por Lawshe [49], calculando o Content Validity Ratio
(CVR) pela seguinte fórmula:
ne – N/2
CVR = ––––––––
N/2
Nesta equação, ne representa o número de peritos
que classificaram cada item como essencial para
avaliar o conceito pretendido e N representa o
número total de elementos do painel. Para reter
cada item no questionário final é necessário que um
número significativo de peritos o considere essencial
para o constructo; de acordo com as tabelas de
Lawshe, para obter um p < 0,05 com um painel
de nove elementos é necessário que o CVR seja
> 0,75. Utilizando este método, foram excluídos 13
itens do questionário original cujo CVR foi <0,75,
sendo incluídos no questionário final 17 itens. De
acordo com as recomendações do painel, foram
ainda efectuadas pequenas correcções na redacção
final de oito itens.
A lista dos itens incluídos no questionário final
encontra-se no quadro II.
Avaliação da fiabilidade
A análise da fiabilidade foi efectuada utilizando o
coeficiente alfa de Cronbach, um método baseado
na consistência interna do tipo “split-half”. Conforme
será explicado adiante, a análise da consistência
interna das respostas a todos os questionários levou
36
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
à eliminação do item número três da análise dos
resultados. O alfa de Cronbach do questionário com
16 itens foi de 0,722 (fiabilidade moderada).
Modo de apresentação dos questionários
Os questionários foram enviados por correio e
preenchidos pelos próprios médicos. Em anexo, foi
enviada uma carta explicativa com os objectivos do
estudo e com a informação de que o preenchimento
do questionário era facultativo. Foi ainda dada a
informação de que a resposta era anónima e de
que os seus resultados seriam apenas tratados em
bloco para efeitos estatísticos. Não foi solicitada
a identificação dos respondentes, das instituições
onde exercem a sua actividade profissional ou de
quaisquer elementos pessoais que permitissem a
sua identificação. Além disso, os questionários eram
acompanhados de um envelope de retorno sem
franquia endereçado ao autor do trabalho (envelope
“RSF”), o qual não necessitava de remetente.
O envio dos questionários e a recepção das
respostas ocorreram entre Setembro e Novembro
de 2006.
Selecção dos médicos
O questionário foi aplicado numa amostra da
população médica com interesse na formação de
internos, incluindo os internos da especialidade e
especialistas com ou sem funções de orientadores
de formação. Por motivos logísticos, a amostra
dos especialistas foi limitada às especialidades de
Medicina Geral e Familiar (MGF), Medicina Interna
e Cirurgia Geral. Os critérios para a selecção destas
três especialidades incluíram o facto de serem três
especialidades basilares da Medicina, possuindo, cada
uma delas, um elevado número de especialistas, facto
que aumenta a probabilidade de se obterem grupos
homogéneos e de dimensões suficientes para permitir
a análise estatística, e de serem as especialidades
cuja formação baseada em competências está melhor
documentada na literatura médica. Além disso, são
três especialidades com necessidades formativas
específicas e diferentes entre si: a Medicina Interna
é uma especialidade cuja formação e exercício é
efectuado essencialmente em ambiente hospitalar;
a Cirurgia Geral, sendo também uma especialidade
de exercício essencialmente hospitalar, caracteriza-se
pela necessidade de a sua formação incluir uma forte
componente de treino e aprendizagem de gestos;
a MGF é uma especialidade que, por estar muito
orientada para a comunidade, tem competências
muito próprias e a sua aprendizagem é efectuada
sobretudo em ambiente extra-hospitalar.
A identificação dos médicos que constituíram
a amostra foi efectuada com o apoio do Departamento de Organização e Informática da Ordem dos
Médicos (O.M.), o qual forneceu as listagens dos
especialistas inscritos nos Colégios da Especialidade
acima mencionados que autorizam a divulgação dos
seus dados pessoais. Aquele departamento também
ajudou a estabelecer os critérios para interrogar a
base de dados da O.M. de forma a identificar todos
os potenciais internos da especialidade à data do
estudo.
A listagem da Ordem dos Médicos identificou
5407 médicos especialistas, incluindo 3311 Clínicos
Gerais, 1089 Internistas e 1007 Cirurgiões gerais.
Foram ainda identificados 2036 médicos licenciados
entre 1999 e 2002 e que à data do estudo ainda
não se encontravam inscritos em nenhum colégio
da especialidade, tendo, por isso, uma elevada
probabilidade de estarem a frequentar o internato
da especialidade.
Os questionários foram enviados para todos os
potenciais internos (n = 2036). No caso dos especialistas, pelo facto de o seu número ser mais elevado,
foi efectuada uma selecção aleatória, tendo a preocupação de manter uma distribuição proporcional à
distribuição dos médicos pelos diferentes Colégios
da Especialidade e à sua distribuição geográfica no
território nacional. O método utilizado para garantir
a aleatoriedade da escolha foi o de solicitar a um
colaborador sem formação médica que seleccionasse,
ao acaso, um número fixo de etiquetas de cada
folha, de um conjunto de folhas onde os médicos
estavam ordenados por morada de residência e
código postal. Foram seleccionados desta forma
655 internistas, 665 cirurgiões gerais e 1155 clínicos
gerais, num total de 2465 especialistas. No total, entre
especialistas e potenciais internos, foram enviados
4501 inquéritos.
Métodos estatísticos
Foram efectuadas estatísticas descritivas de todas
as variáveis, incluindo as variáveis de caracterização
da amostra. O método de análise dos componentes
principais foi utilizado para identificar factores que
justificassem o agrupamento das respostas a grupos
de itens. Os pressupostos para a realização da análise
factorial incluíram a verificação de que o teste de
Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) era >0,6 e de que o teste
O ensino médico pós-graduado baseado em competências: reflexão sobre o Internato Médico
de esfericidade de Bartlett apresentava um p <0,001,
rejeitando-se a hipótese de a matriz de correlação
poder corresponder a uma matriz de identidade.
Por não cumprirem os pressupostos da distribuição normal, as respostas aos itens foram tratadas
como variáveis ordinais, sendo utilizados os testes
não paramétricos de Mann-Whitney ou de KruskalWallis para comparação dos resultados entre grupos,
conforme adequado. Nas análises de distribuição foi
utilizado o teste de Chi-quadrado ou o teste exacto
de Fisher, conforme adequado.
Todos os testes foram efectuados utilizando o
programa SPSS para Windows, versão 13.0.
Considerou-se significativo um p < 0,05.
Resultados
Características da amostra
Foram respondidos 457 questionários. Considerando que foram devolvidas 49 cartas por erros
de endereço ou mudança de morada, a taxa de
resposta foi de 10,3%. A amostra incluiu médicos
de todos os distritos do continente e das regiões
autónomas da Madeira e dos Açores. Tendo em
conta o número de médicos inscritos em cada uma
das Secções Regionais da O.M., a distribuição das
respostas correspondeu à distribuição dos médicos
pelas diferentes áreas geográficas.
Responderam médicos com idades compreendidas
entre os 27 – 82 anos; a mediana foi de 30 anos
para o grupo dos internos, 46 anos para o grupo dos
Figura 4 – Concordância das respostas ao item número 12
com as características de um método de treino/aprendizagem
baseado em competências (TABC). Opinião menos concordante dos internos comparativamente com os orientadores
de formação.
37
especialistas sem funções como orientadores e de 52
anos para os especialistas orientadores de formação.
A distribuição entre géneros foi semelhante, sendo
50,2% dos respondentes do género feminino e 49,2%
do género masculino.
Foram excluídos da análise 12 questionários, por
terem sido respondidos por médicos que tinham
concluído uma especialidade diferente das três
especialidades seleccionadas para estudo, e outros
seis por estarem incorrectamente preenchidos.
Foram considerados válidos 439 questionários, 237
respondidos por internos da especialidade e 202
por especialistas. As características da amostra estão
resumidas no quadro III.
A maioria dos especialistas (n = 127) exerce ou
exerceu funções como orientadores de formação
nos últimos 10 anos. Independentemente do facto
de terem ou não exercido essas funções, a maioria
dos especialistas (70,8%) tem > 10 anos de exercício
da sua especialidade: 70 têm entre 11 – 20 anos e
73 têm > 20 anos de exercício.
O número absoluto de especialistas que respondeu
ao questionário não foi significativamente diferente
em função da especialidade (72 cirurgiões, 67 internistas e 63 clínicos gerais); contudo, é necessário
salientar que o número de questionários enviados
para os inscritos no Colégio da Especialidade de
MGF foi bastante mais elevado, o que traduz uma
participação menor dos clínicos gerais.
Verifica-se que a maioria dos especialistas hospitalares exerce ou já exerceu funções como orientadores de
formação de internos; em contrapartida, essas funções
Figura 5 – Grau de concordância das respostas ao item
número 15 com os métodos baseados de treino/aprendizagem baseados em competências. Os médicos que exercem
a sua actividade nos Hospitais Centrais/Universitários são os
que mais consideram que a avaliação contínua é atribuída
de acordo com critérios subjectivos e não é baseada em
observações formais da actividade dos internos.
38
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
Quadro IV – Nível de concordância das respostas com os métodos baseados em competências em função da especialidade
dos respondentes.
Medicina Geral e
Familiar
(n =103)
Medicina Interna
(n = 85)
Cirurgia Geral
(n = 79)
P a)
A. Conhecimento das competências
Competências específicas b)
4,0 (3,5 – 4,5) c)
3,0 (2,5 – 4,0)
3,0 (2,0 – 4,0)
< 0,001
Competências genéricas b)
4,5 (4,0 – 5,0)
4,0 (2,5 – 4,5)
3,5 (2,5 – 4,5)
< 0,001
B. Adequação do processo de formação
Adequação dos métodos b)
4,0 (3,2 – 4,4)
4,0 (3,3 – 4,6)
4,2 (3,4 – 4,8)
N.S.
Item #6
4,0 (4,0 – 5,0)
5,0 (4,0 – 5,0)
4,0 (4,0 – 5,0)
N.S.
Item #7
4,0 (4,0 – 5,0)
5,0 (4,0 – 5,0)
5,0 (4,0 – 5,0) d)
< 0,001
C. Adequação dos instrumentos de avaliação
Item #12
2,0 (1,0 – 3,0)
2,0 (1,0 – 2,5)
2,0 (1,0 – 4,0)
N. S.
Item #13
2,0 (2,0 – 2,0)
2,0 (1,5 – 2,0)
2,0 (1,0 – 4,0)
N. S.
Item #14
3,0 (2,0 – 4,0)
2,0 (1,0 – 3,5)
2,0 (1,0 – 4,0)
N. S.
Item #15
2,0 (2,0 – 4,0) e)
2,0 (2,0 – 4,0)
2,0 (1,0 – 3,0)
N. S.
Item #17
1,0 (1,0 – 2,0)
2,0 (1,0 – 3,0) f)
1,0 (1,0 – 2,0)
< 0,05
a) Teste de Kruskal-Wallis.
b) Resultados médios dos itens que constituem o constructo.
Resultados do teste de Mann-Whitney:
c) Diferença com Medicina Interna (p < 0,001) e com Cirurgia Geral (p < 0,001).
d) Diferença com Medicina Interna (p = 0,001) e com Medicina Geral e Familiar (p < 0,001).
e) Diferença com Medicina Interna (p < 0,05) e com Cirurgia Geral (p < 0,005).
f) Diferença com Medicina Geral e Familiar (p < 0,05) e com Cirurgia Geral (p < 0,05).
Resultados expressos em mediana (percentis 25 – 75).
são menos frequentemente exercidas pelos especialistas
de MGF, dos quais apenas uma minoria exerce funções
como formadores (p < 0,001) (Figura 2).
O exercício de funções como orientadores de
formação está associado às seguintes características:
mais tempo de exercício profissional (p <0,001), pertencendo maioritariamente às categorias com “10-20”
ou “>20 anos” de exercício como especialistas; são
maioritariamente do género masculino (p <0,05);
têm idade mais avançada (mediana 52,0 anos para
o grupo dos formadores versus 46,0 anos para o
grupo dos não formadores; p <0,001); o exercício
de funções tutoriais é mais frequentemente atribuído
aos especialistas de Medicina Interna (p <0,005) e
de Cirurgia (p < 0,001) do que aos especialistas
de MGF, não se verificando diferença significativa
na frequência com que os especialistas das duas
especialidades hospitalares exercem funções como
orientadores.
A formação pedagógica parece não estar relacionada com as funções de orientador; contudo,
verifica-se que existe uma diferença significativa
entre a especialidade de MGF e as especialidades
hospitalares sobre este assunto, traduzida no facto
de os especialistas de Clínica Geral que exercem
funções como orientadores de formação terem mais
frequentemente formação pedagógica para esse efeito
em comparação com os médicos das especialidades
hospitalares (p <0,001). De facto, a maioria dos
orientadores de formação das especialidades de
Medicina Interna e de Cirurgia Geral respondeu
não ter qualquer formação pedagógica, resposta
que só foi dada por um médico da especialidade
de MGF com funções de orientador. A ausência de
formação pedagógica dos especialistas hospitalares
foi mais frequentemente relatada pelos médicos
que trabalham em hospitais distritais/outros do que
pelos médicos que trabalham nos hospitais centrais/
universitários (p <0,05).
Também é de assinalar que só uma minoria dos
médicos hospitalares que responderam ter formação
pedagógica discriminou o tipo de formação que
tinha; em contrapartida, a maioria dos especialistas
de MGF que responderam ter formação para orientar internos discriminou adequadamente o tipo de
formação que tinha adquirido.
39
O ensino médico pós-graduado baseado em competências: reflexão sobre o Internato Médico
Quadro V – Nível de concordância das respostas com os métodos de treino/aprendizagem baseados em competências em
função da condição dos respondentes.
Internos da
especialidade
(n = 66)
Orientadores de
formação
(n = 126)
Especialistas não
formadores
(n = 75)
P a)
A. Conhecimento das competências
Competências específicas b)
4,0 (2,0 – 4,5)
3,5 (3,0 – 4,0)
3,5 (2,5 – 4,5)
N. S.
Competências genéricas b)
4,5 (3,5 – 5,0) c)
4,0 (3,0 – 4,5)
4,0 (3,0 – 4,5)
= 0,01
B. Adequação do processo de formação
Adequação dos métodos b)
3,7 (2,6 – 4,2)
4,1 (3,6 – 4,6)
4,2 (3,2 – 4,6)
= 0,001
Item #6
4,0 (4,0 -5,0)
4,0 (3,0 – 5,0)
4,0 (4,0 -5,0)
N. S.
Item #7
4,0 (3,8 – 5,0)
5,0 (4,0 – 5,0)
4,0 (4,0 – 5,0)
< 0,005
C. Adequação dos instrumentos de avaliação
Item #12
2,0 (1,0 – 2,0) c)
2,0 (2,0 – 4,0)
2,0 (1,0 – 3,0)
< 0,05
Item #13
2,0 (1,0 – 2,0)
2,0 (2,0 – 2,0)
2,0 (1,0 – 2,0)
N. S.
Item #14
2,0 (1,0 – 2,0) d)
3,0 (2,0 – 4,0)
2,0 (1,0 – 3,0)
< 0,001
Item #15
2,0 (2,0 -4,0)
2,0 (2,0 – 4,0)
2,0 (2,0 – 3,0)
N. S.
Item #17
1,0 (1,0 – 2,0)
2,0 (1,0 – 3,0)
1,0 (1,0 – 2,0)
N. S.
a) Teste de Kruskal-Wallis.
b) Resultados médios dos itens que constituem o constructo.
Resultados do teste de Mann-Whitney:
c) Diferença com orientadores de formação; p < 0,05.
d) Diferença com orientadores de formação; p < 0,001.
Resultados expressos em mediana (percentis 25 – 75).
A maior parte dos orientadores de formação
respondeu que não ocupa mais de cinco horas
por semana no exercício dessas funções: 18,9%
escolheram a categoria “<2 horas” e 32,3% escolheram a categoria “2–5 horas”. O tempo ocupado
nas funções de orientação não está relacionado
com a especialidade ou com o facto de a actividade
profissional ser exercida em centros de saúde ou
Figura 3 – Distribuição dos internos conforme o ano de
internato que estão a frequentar.
em hospitais de maiores ou menores dimensões.
No entanto, no que se refere ao tempo ocupado
com as funções de orientação, verificou-se uma
diferença regional, com os médicos da região sul
a escolherem preferencialmente as categorias “6–10
horas” e “>10 horas” (p = 0,001).
Responderam internos da especialidade entre
o primeiro e o quinto ano do internato. A moda
correspondeu ao 2º ano do internato (Figura 3).
No caso dos internos verificou-se uma participação
diferente em função da especialidade que frequentam,
verificando-se um número significativamente mais
elevado de respostas dos internos da especialidade
de MGF (n = 40) comparativamente com os internos
das especialidades de Medicina Interna (n = 18)
e de Cirurgia Geral (n = 8). Responderam ainda
171 internos de várias especialidades de formação
hospitalar.
A maioria dos respondentes (79,4%) referiu ter
pouco ou nenhum conhecimento dos métodos de
treino/aprendizagem baseados em competências;
15,5% (n = 67) consideraram ter um conhecimento
razoável destes métodos e só 5,1% (n = 22) consideraram que os conhecem bem. No caso dos
especialistas, o maior conhecimento destes métodos
foi referido mais frequentemente pelos médicos que
40
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
afirmaram ter formação pedagógica (p < 0,001) e
por aqueles que exercem funções como orientadores
(p < 0,001).
Resultados das respostas aos itens
A análise dos resultados finais dos questionários
revelou correlação entre os itens (teste de esfericidade de Bartlett; p < 0,001) de nível médio (teste
KMO = 0,787). A análise da matriz de comunalidades
revelou que dois itens (números 3 e 15) apresentavam correlações mais reduzidas do que os restantes.
Uma análise pormenorizada permitiu verificar que as
respostas ao item número 3 eram muito erráticas e
que esse facto poderia ser consequência de alguma
subjectividade na sua redacção, pelo que este item
foi excluído da análise; o item número 15 transmite
um aspecto importante da avaliação e foi mantido
na análise.
Os métodos de análise factorial permitiram identificar três componentes principais: “Competências específicas”, sumarizado pelos itens 1 e 2; “Competências
genéricas” sumarizado pelos itens 4 e 5; “Adequação
dos métodos”, sumarizado pelos itens 8,9,10,11 e
16. O cálculo do alfa de Cronbach para cada uma
destas subescalas foi de 0,693 (aceitável) para o
factor “Competências específicas”, 0,719 (moderado)
para o factor “Competências genéricas” e de 0,805
(Bom) para o factor “Adequação dos métodos”. Os
itens números 12–15 e o item número 17 traduzem
factores diferentes da opinião dos médicos sobre
os instrumentos de avaliação e foram analisados
individualmente.
A maioria dos inquiridos (65,4%) concorda parcial
ou inteiramente com os itens que traduzem o conhecimento das competências genéricas que devem ser
adquiridas durante o internato; 22,3% discordam
parcial ou inteiramente e 12,3% não concordam
nem discordam. Verifica-se, contudo, alguma heterogeneidade nas respostas a este item: a mediana
das respostas é mais elevada para os especialistas
de MGF do que para os internistas (mediana 4,0
versus 3,0; p <0,001) ou para os cirurgiões (mediana
4,0 versus 3,0; p <0,001). Esta diferença também se
verifica no caso dos médicos em formação, sendo
que os internos de MGF consideram ter um conhecimento mais elevado das competências genéricas que
devem adquirir comparativamente com os internos
de Medicina Interna (4,8 versus 4,0; p <0,001), de
Cirurgia Geral (4,8 versus 3,8; p <0,001) e com os
internos de todas as restantes especialidades (4,8
versus 4,0; p < 0,05).
Um aspecto curioso das respostas correspondentes
ao conhecimento das competências genéricas é o
facto dos internos se considerarem melhor informados sobre esta matéria do que os orientadores
de formação das três especialidades seleccionadas
(mediana 4,5 versus 4,0; p <0,05).
A percentagem de inquiridos que manifesta ter
conhecimento das competências específicas que
devem ser adquiridas no internato da sua especialidade é ligeiramente menor. A maioria dos inquiridos
(53,2%) respondeu que concorda parcial ou inteiramente com os itens que avaliam o seu conhecimento
sobre as competências específicas; 31,9% discorda
total ou parcialmente com estas afirmações e 14,9%
não concorda nem discorda. Contudo, a análise
comparativa das respostas fornecidas pelos médicos
das diversas especialidades revelou que o conhecimento das competências específicas é maior nos
especialistas da carreira de MGF do que nos especialistas de Medicina Interna (mediana 4 versus 3,0;
p <0,001) ou de Cirurgia Geral (mediana 4,0 versus 3,0;
p <0,001). Na realidade, no caso das especialidades
de formação hospitalar o nível de concordância dos
médicos com as afirmações que traduzem o conhecimento deste tipo de competências parece estar
numa zona neutra (mediana = 3). O conhecimento
das competências específicas foi mais elevado nos
especialistas que referiram ter formação pedagógica,
independentemente de exercerem ou não funções
como orientadores de formação (mediana 4,0 versus
3,5; p < 0,05).
No grupo dos internos da especialidade também se verificou diferença no conhecimento das
competências específicas em função do internato
de especialidade que está a ser frequentado, com
os internos de MGF a apresentarem um resultado
significativamente mais elevado do que os internos
de Medicina Interna (mediana 4,0 versus 2,5; p
<0,001) e os internos de Cirurgia Geral (mediana 4,0
versus 1,75; p <0,05). Apesar do número de internos
de Medicina e de Cirurgia Geral ser relativamente
reduzido, a diferença no conhecimento das competências específicas manteve-se quando as respostas
dos internos de MGF foram comparadas com as de
171 internos de todas as restantes especialidades
(mediana 4,0 versus 3,0; p <0,001).
A opinião manifestada pelo conjunto de itens
destinados a avaliar o factor “Adequação dos métodos” revelou resultados bastante favoráveis. Com
efeito, 62,6% dos inquiridos concorda parcial ou
inteiramente com o conjunto das afirmações que
descrevem os métodos de treino/aprendizagem
O ensino médico pós-graduado baseado em competências: reflexão sobre o Internato Médico
baseados em competências como sendo aqueles que
são utilizados durante o internato da especialidade,
enquanto 29,7% dos inquiridos discorda parcial ou
inteiramente e 7,7% não concorda nem discorda.
A opinião favorável sobre a adequação dos
métodos de treino/aprendizagem é reforçada pelas
respostas aos itens 6 e 7. O item número 6 consiste
numa afirmação sobre o método de treino que é
contrária à educação baseada em competências,
verificando-se que a grande maioria dos respondentes (78,8%) discorda parcial ou inteiramente
dessa afirmação e só uma minoria (15,7%) concorda
parcial ou inteiramente. A maioria dos inquiridos
(84,7%) concorda parcial ou inteiramente com a
afirmação produzida no item número 7, a qual
traduz uma característica fundamental dos métodos
TABC, só discordando dessa afirmação 10,9% dos
inquiridos.
As respostas aos itens relacionados com a adequação do processo de formação aos métodos de TABC
não foram diferentes entre as várias especialidades,
tipo de instituição em que os médicos exercem,
formação pedagógica dos orientadores ou região
do país. Verificaram-se apenas pequenas diferenças
quando foi considerada a condição dos respondentes,
tendo os orientadores de formação manifestado
uma opinião ligeiramente mais favorável sobre a
adequação do processo de treino comparativamente
com os internos das três especialidades seleccionadas
(mediana 4,0 versus 3,8; p <0,001).
Não se verificaram diferenças nas opiniões relativas
ao item 6 entre os vários factores independentes.
No caso do item número 7, verificaram-se diferenças relacionadas com a condição do respondente,
sendo a opinião dos orientadores de formação mais
favorável do que a dos internos (mediana 5,0 versus
4,0; p <0,001). Neste item, verificaram-se também
diferenças entre especialidades, com os médicos
de Cirurgia Geral a manifestar uma opinião mais
favorável do que os médicos de Medicina Interna
(mediana 5,0 versus 4,0; p = 0,001) ou de MGF
(mediana 5,0 versus 4,0; p <0,001). Verificaram-se
ainda diferenças nas respostas de médicos a exercer
em diferentes tipos de instituições, com os médicos
dos hospitais distritais a manifestarem uma opinião
mais favorável do que aqueles que trabalham em
centros de saúde (mediana 5,0 versus 4,0; p = 0,01)
ou hospitais centrais e/ou universitários (mediana
5,0 versus 4,0; p <0,05)
Os itens destinados a avaliar o processo de avaliação revelaram grande discordância com os métodos
utilizados num processo baseado em competências,
41
verificando-se que a mediana nos itens 12 a 15 e
no item 17 raramente ultrapassa os 2,0.
A maioria dos inquiridos (73,1%) concorda que
os principais instrumentos formais de avaliação são
os exames orais anuais e finais e o curriculum
vitae. Os resultados só foram diferentes quando
considerada a condição do respondente, em consequência duma opinião diferente dos orientadores
de formação comparativamente com a dos internos
(p <0,005), mas é necessário salientar que, mesmo
naquele caso, a mediana das respostas (=2,0) é muito
baixa em termos de concordância com os métodos
baseados em competências (figura 4). Neste item,
não se verificaram diferenças relacionadas com a
especialidade, formação pedagógica dos especialistas
ou qualquer outro factor independente.
Os exames orais são habitualmente utilizados
como instrumentos de avaliação de conhecimentos
e, de facto, 80,8% dos inquiridos concorda que
os instrumentos de avaliação existentes avaliam
fundamentalmente conhecimentos teóricos e científicos. Só 14,8% dos inquiridos discorda parcial ou
inteiramente desta afirmação. Este resultado aponta
para a possibilidade de os instrumentos de avaliação
utilizados avaliarem preferencialmente os aspectos
cognitivos da formação, sendo insuficientes para um
processo de avaliação de competências. As respostas
a este item foram consistentes e reprodutíveis, não
se verificando diferenças relacionadas com qualquer
dos factores independentes.
A maioria dos inquiridos (64,4%) discorda que
os instrumentos de avaliação existentes avaliam
bem os aspectos gerais do exercício da profissão, como o profissionalismo, a capacidade de
relacionamento interpessoal ou a capacidade para
manter uma elevada motivação pessoal. Verificaramse, neste item, pequenas diferenças nas respostas
relacionadas com a condição dos respondentes,
sendo a opinião dos orientadores de formação
mais favorável do que os internos (mediana 3,0
versus 2,0; p <0,001). Contudo, é de salientar que a
opinião dos especialistas que não exercem funções
de formação também é significativamente diferente
da opinião dos orientadores de formação (mediana
2,0 versus 3,0; p <0,005), o que parece apoiar a
opinião dos internos. As diferenças encontradas não
estão relacionadas com a formação pedagógica nem
com a especialidade dos orientadores de formação,
verificando-se, contudo, uma opinião ligeiramente
mais favorável por parte dos médicos que exercem
funções nos centros de saúde comparativamente
com os médicos dos serviços hospitalares, quer
42
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
Quadro VI – Características dos métodos de avaliação de competências propostos pelo ACGME/ABMS Joint Iniciative.
Método
Utilização
Características
psicométricas
Aplicabilidade
Observações
Avaliação de 360º
Habilidades de comunicação interpessoal
Comportamentos profissionais
Prestação de cuidados
Prática baseada em sistemas
Poucos dados
disponíveis na
educação médica
Acessível
Mais adequado
para avaliação
formativa
Reavaliação oral de
casos
Decisão clínica
Conhecimentos médicos
Fiabilidade razoável a)
Exigente para
garantir boa
fiabilidade b)
Avaliações
formativas e
sumativas
Listas de verificação
Habilidade para obter a história e exame clínico
Habilidade para comunicação e relação
interpessoal
Performance na execução técnica
Fiabilidade razoável
Exige consenso
de especialistas
sobre standards
de execução
Aferição da
performance global
prévia
Avaliação do final de estágio
Resumo da avaliação envolvendo informação
proveniente de várias fontes
Fiabilidade baixa
Pode ser muito
subjectiva
Relativamente
fácil
Avaliação
quantitativa
Exame clínico
objectivo estruturado
(OSCE)
Capacidades de comunicação
Capacidade de síntese dos resultados
Habilidade em efectuar história clínica e exame
objectivo
Capacidade para fazer o diagnóstico diferencial e o
plano de tratamento
Fiabilidade boa
Boa validade de
construto
Difícil de
implementar
em pequenos
grupos c)
Não é útil
para avaliar
competências na
manutenção dos
cuidados
Registos de casos e
procedimentos
Avaliação global da experiência clínica
(pode não expressar necessariamente competência)
Fiabilidade
desconhecida
Acessível
Avaliação
formativa e
sumativa
Inquéritos a doentes
Prestação de cuidados
Habilidades de comunicação e relação
Comportamentos profissionais
Habilidades da prática baseada em sistemas
Fiabilidade pode ser
razoável a boa a)
Acessível
Avaliação
formativa
Avaliação
sumativa? a)
Portefólios
Prática baseada em sistemas
Evidência científica na prática científica
Comportamentos pessoais
Projectos científicos
Experiência em ensino
Competências difíceis de avaliar por outros
métodos
Fiabilidade dependente
da existência de
standards para os
conteúdos
A validade pode
ser insuficiente em
indivíduos isolados
Acessível
Revisão de processos
clínicos
Decisão clínica
Seguimento de doentes e cuidados preventivos
Utilização de recursos (análises e consultas)
Cuidados preventivos
Validade variável
Fiabilidade moderada a)
Exigente em
tempo
Exige definição
de critérios b)
Dependente
de critérios
uniformes de
codificação
Modelos e simulações
Habilidades na execução de gestos
Existem modelos computorizados para treino
de habilidades de decisão clínica, diagnóstico e
tratamento
Validade de conteúdo
boa
Fiabilidade boa
Relativamente
fácil c)
Avaliações
formativas e
sumativas
Exames orais
padronizados
Conhecimentos médicos
Decisão clínica
Fiabilidade razoável
a boa
Acessível b)
Avaliação
sumativa a)
Exame padronizado de
doentes
Habilidades na recolha da história clínica, exame
objectivo, diagnóstico diferencial, pedido de
exames
Habilidades de comunicação
Fiabilidade boa
Boa validade de
construto mas modesta
validade concorrente
Exigente
em tempo e
recursos b), d)
Conhecimentos médicos
Para boa fiabilidade
deve basear-se na teoria
de construção de testes
Especialistas
médicos e
testes piloto b)
Exame escrito de
resposta múltipla
Avaliações
formativas e
sumativas
Avaliação
sumativa
Para fins
sumativos, a
fiabilidade deve
ser > 0,85
a) depende da validade e fiabilidade dos instrumentos de medição; b) exige pessoal treinado na sua utilização; c) exige recursos materiais elevados;
d) possibilidade de desenvolvimento de instrumentos comuns para várias instituições.
Fiabilidade: razoável (r ≥ 0,65 e < 0,85); boa (r ≥ 0,85).
O ensino médico pós-graduado baseado em competências: reflexão sobre o Internato Médico
sejam hospitais centrais/universitários (mediana 3,0
versus 2,0; p <0,05), quer sejam hospitais distritais/
outros (mediana 3,0 versus 2,0; p <0,05).
Uma percentagem elevada dos médicos (66,2%)
concorda que a avaliação contínua é mais baseada em critérios subjectivos do que em avaliações
formais da actividade dos internos. Esta opinião
é amplamente partilhada por quase todos os subgrupos de respondentes. Apesar da igualdade das
medianas, a opinião foi ainda menos favorável no
caso dos médicos que exercem a sua actividade
nos hospitais centrais/universitários em comparação
com os que exercem a sua actividade nos hospitais
distritais/outros (p <0,05) e nos centros de saúde
(p = 0,001) (Figura 5). A comparação, utilizando
todas as restantes variáveis de caracterização, não
permitiu identificar diferenças significativas nas
respostas a este item.
A grande maioria dos inquiridos (77,9%) concorda
com a afirmação que uma nota elevada no final do
internato traduz um elevado nível de conhecimentos,
mas não obrigatoriamente um bom desempenho
das tarefas na vida real. Esta resposta revela que a
maioria dos médicos não atribui à nota final de internato um valor preditivo em relação à competência
para o desempenho das funções na vida real. Esta
opinião é reprodutível entre os vários subgrupos de
respondentes. Apenas os médicos da especialidade
de Medicina Interna apresentaram um resultado
ligeiramente menos desfavorável comparativamente
com os médicos da especialidade de MGF (mediana
2,0 versus 1,0; p <0,05) e de Cirurgia Geral (mediana
2,0 versus 1,0; p <0,05).
Discussão
É consensual que o conhecimento teórico – o
saber – é uma necessidade fundamental da prática
médica; a necessidade de conhecimentos teóricos profundos e actualizados é uma das pedras
basilares da actividade profissional e a transmissão
desse conhecimento foi, durante séculos, a principal
preocupação do ensino médico. Durante as últimas
décadas, foi-se tornando evidente que a simples
posse de conhecimentos não é suficiente para o
exercício da Medicina. Além do saber propriamente
dito, livresco e descontextualizado, o exercício de
funções clínicas exige experiência na sua aplicação
prática, traduzida em gestos e atitudes muito concretas; ou seja, para além de saber é extremamente
importante saber fazer.
43
Contudo, o exercício da profissão médica é muito
mais complexo do que o acima descrito. A Medicina
situa-se numa área de charneira entre as ciências ditas
naturais e as ciências humanas. Saber e saber fazer
podem ser suficientes para definir um bom técnico
de saúde, mas são insuficientes para definir o médico
como Competente. Cada ser humano é uma entidade
bio-psico-social única e o médico – Competente
– tem necessidade de o entender em toda a sua
diversidade, adequando, sempre que necessário, as
suas decisões e as suas atitudes de acordo com um
conjunto de valores éticos e deontológicos da sua
profissão e com as exigências sociais e culturais da
própria Sociedade. Dito de outra forma, o médico
também precisa de saber ser.
O processo de aprendizagem médica começa no
ensino médico pré-graduado, mas é nos primeiros
anos do seu exercício profissional que muitas das
suas atitudes serão moldadas, pela experiência e pela
observação dos seus pares e dos seus mentores. Este
é um processo que exige simultaneamente tempo e
um ambiente saudável de aprendizagem.
Nas últimas décadas, a formação pós-graduada
tem sido efectuada num período de tempo mais ou
menos longo (se considerarmos o conjunto do antigo
internato geral e do internato complementar) e dentro
de um sistema de saúde com funções suficientemente
abrangentes para incluir a formação. A redução do
tempo de formação pós-graduada, em consequência
da extinção do internato geral, a introdução de novos
regimes de prestação de cuidados médicos à população cuja missão nem sempre inclui ou privilegia a
formação de internos, o aumento da complexidade
técnico-científica da profissão em consequência do
desenvolvimento de novas técnicas de diagnóstico
e tratamento, a necessidade material de acelerar a
formação de especialistas e as próprias exigências
da sociedade em relação à competência desses
especialistas, vêm colocar sérios desafios à forma
tradicional de aprendizagem médica, principalmente
à formação que é efectuada fora das universidades:
o internato médico.
Para caracterizar o processo de formação dos
médicos internos da especialidade em Portugal, foi
construído um inquérito que abrange três domínios
diferentes da formação, o que permite avaliar se
o internato apresenta características que o possam
definir como um processo de TABC.
As respostas a este questionário revelaram
aspectos muito interessantes, a começar pelas
características globais da amostra, que revelou que
o processo de formação pós-graduada interessa
44
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
a todos os grupos de médicos: foram obtidas
respostas de médicos de todos os grupos etários
(máximo 83 anos), de todas as especialidades,
independentemente de estarem ou não formalmente
envolvidos no processo de formação, e de todos
os graus da carreira. Verificou-se um interesse
muito elevado por parte dos médicos internos e
dos especialistas hospitalares, sendo no entanto
de assinalar uma taxa de respostas mais baixa
por parte dos especialistas de Medicina Geral e
Familiar.
A maioria dos médicos referiu ter pouco ou
nenhum conhecimento sobre os métodos de TABC,
tanto no grupo dos internos como no grupo dos
orientadores de formação. Este facto é curioso na
medida em que seria de esperar que o conhecimento
fosse mais elevado no caso de estes métodos de
aprendizagem já estarem a ser utilizados. Particularmente, no caso dos orientadores de formação, o
pouco conhecimento manifestado sobre métodos de
TABC contraria a possibilidade do internato complementar ser um processo baseado em competências,
uma vez que estes métodos pressupõem treino dos
formadores para a sua aplicação [9].
Os médicos que referiram possuir formação pedagógica também referiram ter maior conhecimento dos
métodos de TABC. Contudo, a maioria dos médicos
que exercem funções como orientadores referiu não
ter tido formação específica para esse efeito, facto
que também é contrário aos objectivos actualmente
pretendidos com a educação médica [50;51].
Verificou-se uma distribuição significativamente
diferente dos médicos que têm formação pedagógica
e que exercem funções de orientadores entre os
especialistas de Medicina Geral e Familiar e os
médicos das especialidades hospitalares. Este facto
pode ser, parcialmente, justificado pela existência de
cursos para formadores organizados pela Associação
de Médicos de Clínica Geral e pela menor percentagem de médicos especialistas que afirmaram exercer
funções como orientadores comparativamente aos
médicos hospitalares. Os médicos deste último grupo
referem menos frequentemente terem tido formação
pedagógica para serem orientadores de formação,
apesar de exercerem com maior frequência essas
funções.
Alguns médicos hospitalares responderam ter
formação pedagógica sem a especificar; os que a
discriminaram, referiram a frequência do Curso de
Formação de Formadores da Ordem dos Médicos,
pós-graduações em ciências relacionadas com a
pedagogia, realização de provas de aptidão peda-
gógica em universidades, mestrados ou doutoramentos. Também se constatou que, com alguma
frequência, a formação pedagógica foi especificada
como exercício de funções no ensino médico prégraduado, que não implicam a prestação de provas
de aptidão pedagógica, ou a participação em cursos
e reuniões científicas sobre temas diversos, não
tendo sido possível determinar se essas funções
se relacionam com áreas pedagógicas.
A ausência de formação pedagógica por parte
da maioria dos especialistas hospitalares coloca
algumas dúvidas sobre o processo formativo, não
por desconhecimento científico ou inabilidade clínica
dos formadores, mas pela possibilidade de não lhes
estarem a ser fornecidas as condições necessárias ao
desempenho destas funções. Parafraseando o nefrologista inglês S. Carr [51], “While most consultants
have the good clinical knowledge and clinical skills
to act as a clinical supervisor not all consultants will
have the skills or the desire to become educational
supervisors and specific training and time needs to
be provided for this essential role.”
Na população analisada, o exercício de actividade
como orientadores de formação foi associado a
quatro factores: idade, número de anos de exercício
como especialistas, sexo e formação pedagógica.
Os médicos que exercem funções de formação
pertencem a um grupo etário ligeiramente mais
elevado, têm geralmente mais de cinco anos como
especialistas, são preferencialmente do sexo masculino e reportam, com maior frequência, a posse
de preparação pedagógica para essas funções. Os
três primeiros factores estão relacionados entre si:
existe uma correlação entre a idade e o número
de anos como especialistas e verificou-se que os
médicos dos grupos etários mais elevados são mais
frequentemente do sexo masculino, havendo uma
inversão desta tendência nos médicos mais jovens.
Reflectem, no seu conjunto, a entrega da formação
aos especialistas com maior experiência clínica. Não
foi possível determinar se a formação pedagógica é
um critério que também justifica essa escolha ou se
resultou de uma necessidade sentida pelos médicos
que já exerciam funções de orientação e se, por
esse motivo, a adquiriram.
Foram observadas diferenças significativas nos
resultados do questionário entre os vários subgrupos de médicos que constituíram a amostra.
As principais diferenças estão relacionadas com
os seguintes factores independentes: especialidade
dos respondentes, condição em que responderam
(internos da especialidade, especialistas sem funções
O ensino médico pós-graduado baseado em competências: reflexão sobre o Internato Médico
formais na formação ou orientadores de formação),
preparação pedagógica dos orientadores de formação
e tipo de instituição onde exercem a sua actividade
clínica. A região do país não se relacionou com
diferenças nas respostas.
As principais diferenças entre as diversas especialidades relacionaram-se com a definição das
competências específicas que constituem cada
especialidade, tendo-se verificado que, na opinião
dos respondentes, a especialidade de MGF tem as
suas competências específicas mais definidas do que
as especialidades de formação hospitalar.
Verificou-se alguma sobreposição entre as respostas aos itens relacionados com a adequação dos
métodos, dos especialistas de MGF e os médicos que
exercerem a sua actividade profissional nos centros
de saúde. Pelo menos em parte, esta sobreposição
pode estar relacionada com a existência de relação
entre os factores independentes “tipo de instituição”
e “especialidade”. No entanto, o tipo de instituição
também contribuiu, isoladamente, para diferenças nas
respostas em alguns itens. Quando se comparam as
respostas dos médicos dos hospitais centrais/universitários como as dos médicos dos centros de saúde,
deve ser salientada a maior preocupação destes últimos de que os internos demonstrem conhecimento
das situações antes de serem colocados perante
problemas reais e, também, a opinião dos médicos
dos centros de saúde de que a subjectividade das
avaliações contínuas não é tão notória. Os motivos
para estas diferenças não foram pesquisados neste
inquérito, pelo que qualquer tentativa de as justificar
seria meramente especulativa.
As diferenças de opinião relacionadas com a
condição dos respondentes ocorreram em vários
domínios. Uma dessas diferenças correspondeu a
um dado curioso: os internos manifestaram melhor
conhecimento das competências genéricas que
devem adquirir do que os próprios orientadores de
formação. Este resultado não pode ser explicado no
âmbito deste questionário. Verificaram-se, também,
divergências nas opiniões relativas aos domínios
da adequação do processo de formação e da
avaliação, mas estas podem ser apenas aparentes,
na medida em que os especialistas sem funções
formais na formação de internos manifestaram
uma opinião intermédia entre os internos e os
orientadores de formação.
Os itens 12 a 15 e o item 17 relacionam-se com o
processo de avaliação. No seu conjunto, estes itens
demonstraram que as opiniões dos médicos eram
pouco adequadas aos métodos de TABC. Acresce
45
que, no domínio da avaliação, as respostas foram
bastante homogéneas, ocorrendo apenas diferenças
pontuais entre grupos.
Na realidade, comparativamente aos domínios
da definição das competências e da adequação dos
métodos, a resposta a todos os itens relacionados
com os instrumentos de avaliação foi muito menos
favorável, verificando-se uma enorme discordância
com o que seria esperado num processo de TABC.
Os instrumentos de avaliação utilizados privilegiam
a medição dos conhecimentos adquiridos e não
avaliam adequadamente os aspectos mais gerais
da actividade, ou seja, a aquisição de verdadeiras
competências; é reconhecido pela maioria dos médicos respondentes que a avaliação contínua não é
baseada em critérios objectivos de observação da
actividade dos internos. Além disso, a maioria dos
médicos não considera que a avaliação final de
internato traduza um bom desempenho das tarefas
na vida real.
Uma das principais vantagens atribuídas aos métodos de TABC é a garantia de que todo o processo
é orientado para a obtenção de um resultado final:
a competência para o exercício profissional numa
determinada área e a verificação de que esse resultado é efectivamente alcançado. Com base neste
pressuposto, a avaliação e os métodos utilizados
para a efectuar constituem aspectos fundamentais
deste método de treino/aprendizagem.
A primeira característica que permite distinguir
os métodos de avaliação utilizados nos programas
de TABC dos métodos convencionais é o próprio
objecto da avaliação: enquanto a avaliação efectuada
noutros métodos de ensino/aprendizagem tem por
objecto a avaliação dos conhecimentos adquiridos
durante o processo de aprendizagem, a avaliação
nas iniciativas baseadas em competências tem como
objecto a aplicação do conhecimento e o modo como
o mesmo é traduzido em modificações comportamentais. Esta diferença é fundamental, na medida
em que alguns dos métodos convencionais estão
mais orientados para avaliar os aspectos cognitivos,
o que é insuficiente quando se trata de avaliar
competências.
Nos programas baseados em competências a
avaliação é um processo contínuo. Embora esta
característica não seja exclusiva deste tipo de iniciativas, deve estar prevista nas várias fases do programa
educativo. A aprendizagem de uma competência
é habitualmente efectuada de uma forma gradual,
seguindo um conjunto de fases distintas. A passagem
de cada uma das fases de treino/aprendizagem para
46
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
as seguintes implica a existência de um processo de
avaliação que determina se essa evolução ocorreu
ou não. Em princípio, se o aluno não conseguir
avaliação positiva, a progressão no processo de treino
não é possível e isto ocorre em todas as fases de
treino/aprendizagem, o qual só pode ser considerado
como concluído quando for demonstrado que a
competência foi efectivamente alcançada.
Outra das características dos métodos de avaliação utilizados nos programas de TABC é a sua
objectividade. Na fase inicial deste movimento, a
objectividade era relativamente fácil de alcançar
através da utilização de instrumentos simples, como
as listas de verificação e de outros instrumentos
objectivos de avaliação comportamental, adequados
para avaliar habilidades e competências isoladas, ou
pouco complexas. À medida que este método foi
sendo utilizado na aprendizagem de tarefas cada vez
mais complexas, cuja realização implica a integração de conhecimentos e atitudes, e principalmente
com o desenvolvimento das variantes holísticas, a
complexidade da avaliação foi-se tornando cada vez
maior e a objectividade foi-se tornando mais difícil de
garantir. No caso da educação médica, constatou-se
que o exame clínico objectivo estruturado (Objective Structured Clinical Examination ou OSCE, na
nomenclatura anglo-saxónica), baseado em listas de
verificação e observação de doentes com patologias
padrão, poderia facilmente omitir a avaliação de
várias competências fundamentais para a actividade
clínica [52]. O desenvolvimento de novos instrumentos de avaliação destinados a medir competências
de ordem superior ou meta-competências constitui
actualmente uma das áreas onde se concentram
muitos esforços de investigação em educação médica
[53], sendo evidente que a avaliação de competências
clínicas de ordem superior não pode ser baseada
num único instrumento [54;55].
O Accreditation Council for Graduate Medical
Education (ACGME) e o American Board of Medical
Specialties (ABMS), publicaram em conjunto uma
“caixa de ferramentas de avaliação” que descreve
vários métodos já utilizados em educação médica
para avaliação de algumas competências, onde são
ainda incluídas algumas características conhecidas
sobre cada um deles, nomeadamente a validade,
fiabilidade e praticabilidade [56]. As ferramentas
descritas neste documento estão resumidas no
quadro VI.
É importante salientar que, mesmo nos países
anglo-saxónicos, onde este movimento tem maior
expressão, a utilização destes instrumentos ainda é
relativamente recente e a sua validade empírica ainda
não é inteiramente conhecida [54]. Numa revisão
sistemática da literatura médica sobre a utilização
de vários instrumentos de avaliação no processo de
certificação médica pós-graduada, verificou-se que
os dados sobre as características psicométricas destas
ferramentas ainda são relativamente escassos, não
existindo evidência suficiente que permita sustentar
a validade e/ou fiabilidade de qualquer dos instrumentos utilizados isoladamente [57]. A necessidade
de validação destes métodos também é considerada
necessária antes que a sua utilização possa ser
recomendada para fins de acreditação [58].
Em parte, este resultado pode traduzir a dificuldade evidenciada pela maioria das instituições
onde são efectuados os internatos médicos para se
adaptarem às exigências colocadas pelos métodos
de aprendizagem baseados em competências, tal
como foi recentemente revelado por um inquérito
efectuado aos directores dos programas de internato
de várias instituições dos E.U.A. [59]. Essa dificuldade
resulta de inúmeros factores, como a inexistência
de pessoal especializado, a escassez de tempo e de
recursos materiais e/ou financeiros.
Existem dois tipos de avaliação que são frequentemente utilizados nos programas de treino baseados
em competências: a avaliação formativa e a avaliação
sumativa [60]. A avaliação formativa é utilizada para
planificar a aprendizagem e orientar o formando
na sua evolução ao longo do processo de aprendizagem. Este tipo de avaliação, quando efectuada
com carácter formal, embora não sancionatório,
permite a transmissão dos resultados aos próprios
formandos para que estes possam aferir o nível de
desempenho já alcançado.
Hodder et al. [61] demonstraram que o feedback
fornecido por sessões de OSCE tem efeitos positivos
na aprendizagem e, desde que efectuadas com
rigor idêntico ao exigido nas avaliações de carácter
sumativo, reforçam positivamente o ciclo de aprendizagem [62;63]. Embora este tipo de avaliações seja
habitualmente dispendioso e relativamente exigente
em tempo consumido, um estudo efectuado na
Universidade de McMaster demonstrou ser possível
efectuar avaliações formais de carácter formativo
com rigor suficiente para proporcionar o reforço
da aprendizagem, utilizando muito menos recursos
do que aqueles que seriam necessários para fins
sumativos [64].
Além disso, as avaliações formativas podem também ser utilizadas para ajudar os educadores na
O ensino médico pós-graduado baseado em competências: reflexão sobre o Internato Médico
planificação de experiências de aprendizagem que
facilitem a obtenção do resultado esperado [60].
As avaliações sumativas têm por objectivo certificar
a obtenção de um determinado resultado, do tipo
aprovado ou não aprovado e, nesse sentido, podem
ter um carácter sancionatório.
Pelo seu potencial para facilitar a aprendizagem,
tanto as avaliações formativas como sumativas devem
ser utilizadas frequentemente durante o processo de
treino médico pós-graduado [65], sendo habitualmente
procuradas pelos internos que pretendem orientação
e discussão dos casos pelos seus orientadores [66].
Embora não exista muita evidência sobre o modo
como elas contribuem para os resultados finais [67],
a inclusão de avaliações formais de desempenho ao
longo de todo o processo de treino poderá aumentar
os níveis de autoconfiança relativamente à própria
actividade [68], embora esse aspecto nem sempre
tenha sido documentado [69].
É importante salientar que não é muito habitual
a aplicação dos instrumentos de avaliação utilizados
na aprendizagem de competências na educação
médica portuguesa. Apesar de alguns dos métodos
apresentados no quadro II apresentarem denominações parecidas com as utilizadas entre nós, são
instrumentos de medição padronizados elaborados
para objectivar, tanto quanto possível, o domínio das
várias competências necessárias para a actividade
clínica. A sua recomendação em vários tipos de
avaliações, formativas e/ou sumativas deve ser,
sempre que possível, baseada nos dados conhecidos
sobre a validade e fiabilidade de cada um dos
instrumentos para medir conhecimentos, habilidades
ou competências específicas [54].
Esta objectividade não é tradição no ensino médico
português, onde vários instrumentos de avaliação
“clássicos” são habitualmente utilizados, mas cujas
características psicométricas não estão documentadas.
Isto verifica-se tanto no ensino médico pré como pósgraduado, incluindo as avaliações efectuadas durante
o internato complementar e o próprio processo de
acreditação. Com efeito, de todos os instrumentos
descritos no quadro VI, o teste de resposta múltipla
é talvez aquele que tem maior paralelismo com os
métodos utilizados em Portugal. Este teste é tradicionalmente utilizado nos exames de acesso ao internato
complementar, tendo, por esse motivo, um carácter
discriminatório e uma importância decisiva para a
carreira profissional dos médicos. Mesmo tratando-se
de um teste de avaliação de conhecimentos e não
de verdadeiras competências, quando utilizado com
aquele objectivo, deveria ser elaborado de acordo
47
com rigorosos princípios teóricos para garantir a sua
validade. Contudo, não foi identificado qualquer
estudo publicado sobre a sua validade, nem mesmo
sobre a sua eventual validade facial.
Adicionalmente, quando os testes de resposta múltipla são utilizados com efeitos sancionatórios devem
possuir uma boa fiabilidade (r ≥ 0,85) [56], mas, uma
vez mais, não foi possível encontrar estudos sobre a
fiabilidade dos testes de resposta múltipla utilizados
para acesso ao internato complementar.
Nas avaliações sumativas periódicas que são
efectuadas durante o internato complementar e na
própria avaliação final, que constituem a base do
processo de acreditação dos especialistas portugueses, são utilizados vários métodos, entre os quais a
informação do orientador de formação, a discussão
do curriculum vitae, elaboração de histórias clínicas
e exames orais não padronizados.
A avaliação do orientador de formação corresponde a uma tradição baseada nos métodos clássicos
de formação de especialistas [53], que não faz parte
das ferramentas de avaliação utilizadas nos métodos
de aprendizagem baseados em competências.
Podem ser encontradas algumas semelhanças entre
os relatórios anuais de estágio ou o curriculum
vitae da avaliação final de internato e os portfolios
referidos pelo AGGME & ABMS Outcome Project.
Contudo a correspondência entre estes dois instrumentos de avaliação não é total. Nos curricula vitae
apresentados no final do internato complementar é
evidente a tendência dos internos para referenciarem
os aspectos positivos do seu trabalho, não sendo
habitual a discussão de aspectos como as preocupações decorrentes da sua experiência, ou mesmo
de realizações menos conseguidas e dos motivos
da sua não realização. Estes aspectos poderiam ter
interesse para a avaliação e, em alguns casos, a
não concretização de determinados projectos por
motivos fundamentados, poderia mesmo ser um
factor de discussão e valorização profissional. Em
qualquer dos casos, o facto de não existir um padrão
uniforme de elaboração quer dos portfolios quer dos
próprios curricula vitae (e não é seguro que essa
padronização seja desejável!) determina que a sua
fiabilidade possa ser questionada [56], apesar de este
instrumento ser cada vez mais utilizado [70-73].
Embora a história clínica completa (long case)
tenha vindo a ser gradualmente substituída por
outros métodos que permitem objectivar vários
aspectos da competência médica, persistem alguns
dos seus defensores na literatura sobre educação
médica [52;74]. O seu abandono progressivo deveu-se
48
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
sobretudo à falta de fiabilidade para medir de forma
objectiva as várias competências que são normalmente necessárias à sua elaboração [75;76]. No caso
português, a mesma falta de fiabilidade pode ser
apontada quando a avaliação se apoia em instrumentos como a observação e realização da história
clínica e exames orais não padronizados.
Vantagens e limitações deste estudo
O presente estudo apresenta algumas limitações
que merecem ser ponderadas. Estas limitações
reportam-se à elaboração e validação do questionário
utilizado e à forma de apresentação do mesmo aos
médicos interessados no processo.
A educação médica portuguesa tem sido baseada,
fundamentalmente, no tempo e na credibilidade
das instituições onde a aprendizagem ocorre, existindo um consenso geral de que a competência dos
médicos formados nestas condições é relativamente
boa quando comparada com a dos restantes países
europeus. Contudo, não existe informação sobre a
utilização de métodos de TABC na formação médica
pós-graduada em Portugal.
Pelos motivos acima descritos, a caracterização do
modelo de treino/aprendizagem do actual internato
da especialidade constitui um trabalho inovador e
que exigiu a criação e validação de um instrumento
de análise a partir do zero. A validação deste instrumento foi baseada na avaliação da validade de
conteúdo, recorrendo a um grupo restrito de peritos
e na análise da sua fiabilidade interna. O coeficiente
Alfa de Cronbach ~0.7 (moderado) legitima a sua
utilização mas recomenda que, em estudos futuros
em que este instrumento venha a ser utilizado, a
fiabilidade seja melhorada, recorrendo aos métodos
estatísticos para validação de escalas.
O universo em estudo envolveu todos os potenciais médicos internos mas, por motivos logísticos,
limitou-se aos médicos especialistas de três especialidades: MGF, Medicina Interna e Cirurgia Geral. Por
não existirem registos centrais onde conste quem
são os especialistas com funções de orientadores de
formação, ou quais os médicos que se encontram a
frequentar o internato de especialidade, o número
de inquéritos enviados teve de ser substancialmente
mais elevado, aceitando-se, a possibilidade de parte
das respostas recebidas serem de especialistas destas
áreas que não estão directamente envolvidos no
processo de formação; no entanto, o tratamento
das respostas deste grupo de médicos contribuiu
para determinar o número aproximado dos médicos
directamente envolvidos no processo e permitiu a
comparação da sua opinião com algumas variáveis.
A sua opinião revelou-se importante por muitos
deles terem concluído recentemente o internato
complementar e manifestarem interesse no processo
de formação.
O método utilizado para apresentação dos questionários foi o de envio por correio, que tem como
vantagens a garantia de anonimato, a redução de
eventuais erros de viés introduzidos, inadvertidamente, pelo entrevistador e a possibilidade de deixar
ao respondente a melhor altura para proceder ao
preenchimento. Apresenta, contudo, uma desvantagem importante: ser um método em que a taxa
esperada de respostas é relativamente reduzida
[77]. Teoricamente, taxas de resposta inferiores a
20% podem impedir a generalização dos resultados à totalidade da população [77] por não ser
possível determinar se os respondentes apresentam
características específicas que os distingam dos não
respondentes.
No caso presente, a taxa de respondentes foi
ligeiramente superior a 10%. Contudo, é de salientar
que a taxa de respostas obtida excedeu positivamente
as expectativas iniciais uma vez que, em questionários enviados a médicos, a taxa de respostas é
habitualmente muito reduzida. A priori, a possibilidade de obter neste universo uma percentagem de
respondentes ≥20% era pouco realista. Os objectivos
iniciais consistiam na obtenção duma amostra com
>5 indivíduos por cada variável em análise, essencial
para validar os resultados do questionário [78], e, se
possível, duma amostra com dimensão significativa
para avaliar a opinião do universo cuja dimensão era
conhecida. Ambos os objectivos foram alcançados,
sendo o erro máximo de amostragem de 5% para um
intervalo de confiança de 95% [79], o que permite
aceitar como válidos os resultados obtidos.
Conclusão
Conclui-se que o internato médico não é, actualmente, um processo de treino/aprendizagem baseado
em competências. A evolução do internato para um
processo baseado em competências implicará um
trabalho profundo na formação dos médicos formadores, na definição dos curricula e dos resultados
pretendidos com a formação, e na validação dos
instrumentos de avaliação utilizados.
O ensino médico pós-graduado baseado em competências: reflexão sobre o Internato Médico
Agradecimentos
O autor agradece aos Departamento de Organização e Informática da Ordem dos Médicos a
colaboração prestada na identificação e selecção
dos médicos inquiridos.
Bibliografia
1. Bowden J.A. Competency-Based Education – Neither a Panacea
nor a Pariah 1997 [Data de acesso: 2006 Feb 25] Disponível em
http://crm.hct.ac.ae/events/archive/tend/018bowden.html.
2. Harden RM. Developments in outcome-based education. Med
Teach. 2002 Mar;24(2):117-20.
3. Diwakar V. Commentary: The baby is thrown out with the bathwater. BMJ 2002 Sep 28;325(7366):693-6.
4. Jones L., Moore R. Appropriating Competence: The competency
movement, the new right and the ‘Culture Change’ project. British
Journal of Education and Work 1995;8(2):78-92.
5. Toohey S., Ryan G., Mclean J., Hughes C. Assessing competencybased education and training. Austral N Z J Vocational Educ Res
1995;3:86-117.
49
19. Carraccio C, Englander R, Wolfsthal S, Martin C, Ferentz K. Educating
the pediatrician of the 21st century: defining and implementing
a competency-based system. Pediatrics 2004 Feb;113(2):252-8.
20. Colenda CC, Wadland W, Hayes O, Anderson W, Priester F, Pearson
R, Keefe C, Fleck L. Training tomorrow’s clinicians today--managed
care essentials: a process for curriculum development. Am.J
Manag.Care 2000 May;6(5):561-72.
21. EURACT - European Academy of Teachers in General Practice.
European definition of General Practise/Family Medicine - The
European definitions 2002 2002 [Data de acesso: 2006 Mar 9]
Disponível em http://euract.org/html/pap04102.shtml.
22. Ende J, Kelley M, Sox H. The Federated Council of Internal
Medicine’s resource guide for residency education: an instrument for curricular change. Ann.Intern.Med 1997 Sep 15;
127(6):454-7.
23. Center for Education Research & Evaluation. COMPETENCY-BASED
EDUCATION 2004 [Data de acesso: 2005 Sep 10]; Issue 3, Fall
2004 Disponível em http://library.cpmc.columbia.edu/cere/web/
newsletter/issue_3.cfm.
24. Harden RM. Ten questions to ask when planning a course or
curriculum. Med Educ 1986 Jul;20(4):356-65.
25. Quillen DM. Challenges and Pitfalls of developing and applying
a competency-based curriculum. Fam Med 2001;33(9):652-4.
6. Fleming D. The concept of meta-competence. Competence
assessment 1993;22:6-9.
26. Pachter LM. Culture and clinical care. Folk illness beliefs and
behaviours and their implications for health care delivery. JAMA
1994 Mar 2;271(9):690-4.
7. Maudsley G, Strivens J. ‘Science’, ‘critical thinking’ and ‘competence’
for tomorrow’s doctors. A review of terms and concepts. Med
Educ. 2000 Jan;34(1):53-60.
27. Nunez AE. Transforming cultural competence into crosscultural efficacy in women’s health education. Acad.Med 2000
Nov;75(11):1071-80.
8. Miller GE. The assessment of clinical skills/competence/performance. Acad.Med 1990 Sep;65(9 Suppl):S63-S67.
28. Culhane-Pera KA, Reif C, Egli E, Baker NJ, Kassekert R. A curriculum
for multicultural education in family medicine. Fam Med 1997
Nov;29(10):719-23.
9. Sullivan RS. The competency-based approach to training.
U.S.Agency for International D evelopm ent. [Paper #1],
1-9. 1995. JHPIEGO Corporation. JHPIEGO Strategy Papers.
Ref Type: Serial (Book,Monograph)
10. Jones EA, Voorhees RA, Paulson K. Defining and assessing learning: Exploring competency-based initiatives. Report of the
National Postsecondary Education Cooperative Working Group
on Competency-Based Initiatives in Postsecondary Education.
Washington, D.C.: U.S. Department of Education; 2002. 1-12 p.
11. von Rossum H., Denekens J. Competency based learning in the
bachelor - master structure: and analysis and an example. 2005
[Data de acesso: 2004 Oct 28] Disponível em http://www.esac.
pt/bolonha/sems/sem_3.HTM.
12. Australian Medical Association. AMA Position Statement - Prevocational medical education and training 2005 [Data de acesso:
2006 Mar 24] Disponível em http://www.ama.com.au/web.nsf/
doc/WEEN-6JVTW2.
13. Amor B. What competence does a rheumatologist need?: an international perspective. Ann. Rheum.Dis. 2000 Aug;59(8):580-2.
14. Theis JG. Harmonising specialist training in Europe. BMJ 1995
Nov 11;311(7015):1299.
15. ACGME Outcome project. ACGME GENERAL COMPETENCIES Vers.
1.3 1999 [Data de acesso: 2005 Sep 15] Disponível em http://
www.acgme.org/outcome/comp/compFull.asp.
16. Green ML. Identifying, appraising, and implementing medical
education curricula: a guide for medical educators. Ann. Intern.
Med 2001 Nov 20;135(10):889-96.
17. Borleffs JC, ten Cate TJ. Competency-based training for internal
medicine. Neth.J Med 2004 Nov;62(10):344-6.
18. King RV, Murphy-Cullen CL, Krepcho M, Bell HS, Frey RD. Tying
it all together? A competency-based linkage model for family
medicine. Fam Med 2003 Oct;35(9):632-6.
29. Bravata DM, Huot SJ, Abernathy HS, Skeff KM, Bravata DM. The
development and implementation of a curriculum to improve
clinicians’ self-directed learning skills: a pilot project. BMC.Med
Educ. 2003 Oct 22;3(1):7.
30. Greco PJ, Eisenberg JM. Changing physicians’ practices. N Engl.J
Med 1993 Oct 21;329(17):1271-3.
31. Stiffman MN, LeFevre ML. Are resident physicians serving as
primary care providers for managed care patients? Fam Med
1997 Feb;29(2):94-8.
32. Nash DB, Veloski JJ. Emerging opportunities for educational
partnerships between managed care organizations and academic
health centres. West J Med 1998 May;168(5):319-27.
33. Gomez AG, Grimm CT, Yee EF, Skootsky SA. Preparing residents for
managed care practice using an experience-based curriculum.
Acad.Med 1997 Nov;72(11):959-65.
34. Meyer GS, Potter A, Gary N. A national survey to define a new
core curriculum to prepare physicians for managed care practice.
Acad.Med 1997 Aug;72(8):669-76.
35. Cohen JJ. Pew catalyzes education partnerships with managed
care organizations. Acad.Med 1997 May;72(5):372.
36. Lubahn JD. Professionalism: the essence of competence. J Surg.
Orthop.Adv. 2005;14(2):53-8.
37. Coulehan J. Viewpoint: today’s professionalism: engaging the
mind but not the heart. Acad.Med 2005 Oct;80(10):892-8.
38. Hilton SR, Slotnick HB. Proto-professionalism: how professionalisation occurs across the continuum of medical education. Med
Educ 2005 Jan;39(1):58-65.
39. Veloski JJ, Fields SK, Boex JR, Blank LL. Measuring professionalism:
a review of studies with instruments reported in the literature
between 1982 and 2002. Acad.Med 2005 Apr;80(4):366-70.
50
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
40. Reynolds PP. Reaffirming professionalism through the education
community. Ann Intern.Med 1994 Apr 1;120(7):609-14.
41. Spivey BE. Professionalism, specialization, and competition. Am.J
Ophthalmol. 1990 Dec 15;110(6):688-95.
42. Greganti MA. Where are the clinical role models? Arch.Intern.
Med 1990 Feb;150(2):259-61.
43. Reynolds PP. Professionalism and residency reform. Bull.N Y.Acad.
Med 1991 Jul;67(4):369-77.
44. Bosk CL, Frader JE. AIDS and its impact on medical work: the
culture and politics of the shop floor. Milbank Q. 1990;68 Suppl
2:257-79.
45. McCall TB. The impact of long working hours on resident physicians. N Engl.J Med 1988 Mar 24;318(12):775-8.
46. Cruess SR, Johnston S, Cruess RL. “Profession”: a working definition
for medical educators. Teach.Learn.Med 2004;16(1):74-6.
47. World Federation for Medical Education (WFME). Postgraduate
Medical Education -- WFME Global Standards for Quality Improvement. In 2003; Copenhagen · Denmark: WFME Office: University
of Copenhagen; 2003.
48. WHO--WFME Task Force on Accreditation. Accreditation of medical
education institutions -- Report of a technical meeting. In 2004
Oct 4; Geneva, Switzerland: World Health Organization; 2005.
49. Lawshe C.H. A quantitative approach to content validity. Personnel
Psychology 1975;28:563-75.
50. Spencer J, Jordan R. Educational outcomes and leadership to
meet the needs of modern health care. Qual.Health Care 2001
Dec;10 Suppl 2:ii38-ii45.
51. Carr S. Education of senior house officers: current challenges.
Postgrad.Med J 2003 Nov;79(937):622-6.
52. Leung WC. Competency based medical training: review. BMJ
2002 Sep 28;325(7366):693-6.
53. Regehr G. Trends in medical education research. Acad.Med 2004
Oct;79(10):939-47.
54. Wass V, van d, V, Shatzer J, Jones R. Assessment of clinical competence. Lancet 2001 Mar 24;357(9260):945-9.
55. Wilkes M, Bligh J. Evaluating educational interventions. BMJ 1999
May 8;318(7193):1269-72.
56. ACGME & ABMS. Toolbox of assessment methods. A product
of the Joint initiative of the ACGME Outcome Project of the
Accreditation Council for Graduate Medical Education (ACGME)
and the American Board of Medical Specialties (ABMS). Version
1.1. ACGME Outcome project; 2000.
57. Hutchinson L, Aitken P, Hayes T. Are medical postgraduate certification processes valid? A systematic review of the published
evidence. Med Educ. 2002 Jan;36(1):73-91.
58. Goroll AH, Sirio C, Duffy FD, LeBlond RF, Alguire P, Blackwell
TA, Rodak WE, Nasca T. A new model for accreditation of residency programs in internal medicine. Ann.Intern.Med 2004 Jun
1;140(11):902-9.
62. Kelly DR, Murray TS. The development and evaluation of a personal learning log for senior house officers. Med Educ 1999
Apr;33(4):260-6.
63. McKinley RK, Fraser RC, van d, V, Hastings AM. Formative assessment of the consultation performance of medical students in
the setting of general practice using a modified version of the
leicester assessment package. Med Educ 2000 Jul;34(7):573-9.
64. Reiter HI, Rosenfeld J, Nandagopal K, Eva KW. Do clinical clerks
provide candidates with adequate formative assessment during
Objective Structured Clinical Examinations? Adv.Health Sci.Educ
Theory.Pract 2004;9(3):189-99.
65. Epstein RM, Hundert EM. Defining and assessing professional
competence. JAMA 2002 Jan 9;287(2):226-35.
66. Khera N, Stroobant J, Primhak RA, Gupta R, Davies H. Training the
ideal hospital doctor: the specialist registrars’ perspective. Med
Educ 2001 Oct;35(10):957-66.
67. Spike N, Alexander H, Elliott S, Hazlett C, Kilminster S, Prideaux
D, Roberts T. In-training assessment - its potential in enhancing
clinical teaching. Med Educ 2000 Oct; 34(10):858-61.
68. Ringsted C, Ostergaard D, Scherpbier A. Embracing the new
paradigm of assessment in residency training: an assessment
programme for first-year residency training in anaesthesiology.
Med Teach. 2003 Jan;25(1):54-62.
69. Ringsted C, Pallisgaard J, Ostergaard D, Scherpbier A. The effect
of in-training assessment on clinical confidence in postgraduate
education. Med Educ 2004 Dec;38(12):1261-9.
70. O’Sullivan PS, Reckase MD, McClain T, Savidge MA, Clardy JA.
Demonstration of portfolios to assess competency of residents.
Adv.Health Sci.Educ Theory.Pract 2004;9(4):309-23.
71. Lynch DC, Swing SR, Horowitz SD, Holt K, Messer JV. Assessing
practice-based learning and improvement. Teach.Learn.Med
2004;16(1):85-92.
72. Frohna JG, Kalet A, Kachur E, Zabar S, Cox M, Halpern R, Hewson
MG, Yedidia MJ, Williams BC. Assessing residents’ competency
in care management: report of a consensus conference. Teach.
Learn.Med 2004;16(1):77-84.
73. Wilkinson TJ, Challis M, Hobma SO, Newble DI, Parboosingh JT,
Sibbald RG, Wakeford R. The use of portfolios for assessment of
the competence and performance of doctors in practice. Med
Educ 2002 Oct;36(10):918-24.
74. Wass V, Jones R, van d, V. Standardized or real patients to test
clinical competence? The long case revisited. Med Educ 2001
Apr;35(4):321-5.
75. Wass V, van d, V. The long case. M ed Educ 2004
Nov;38(11):1176-80.
76. Norman G. The long case versus objective structured clinical
examinations. BMJ 2002 Mar 30;324(7340):748-9.
77. Forza C. Survey research in operations management: a processbased perspective. International Journal of Operations & Production Management 2002;22(2):152-94.
59. Heard JK, Allen RM, Clardy J. Assessing the needs of residency
program directors to meet the ACGME general competencies.
Acad.Med 2002 Jul;77(7):750.
78. Pestana MH, Gageiro JN. Análise de dados para ciências sociais
- A complementaridade do SPSS. 3 ed. Lisboa: Edições Sílabo;
2003.
60. Groupe de travail sur l’évaluation des apprentissages au programme MD. Réformer le système d’evaluation des apprentissages: un project pour nous tous. Rapport du Groupe de travail
sur l’évaluation des apprentissages au programme MD. Montréal:
Université de Montréal, Faculté de médicine; 2003.
79. Creative Research Systems. Sample Size Calculator 2003 [Data de
acesso: 2006 Oct 19] Disponível em http://www.surveysystem.
com/sscalc.htm.
61. Hodder RV, Rivington RN, Calcutt LE, Hart IR. The effectiveness
of immediate feedback during the objective structured clinical
examination. Med Educ 1989 Mar;23(2):184-8.
Descrição e análise de um sistema de avaliação
das aprendizagens numa Faculdade de Medicina
Description and analysis of an assessment system
in a College of Medicine
Leonor Ramalho*
Universidade Católica Portuguesa
Resumo
Abstract
Neste estudo descreve-se o sistema de avaliação das aprendizagens na disciplina de Clínica Geral da FCML e analisa-se
também na perspectiva dos resultados produzidos.
Verificou-se que os resultados da avaliação de desempenho
são superiores aos da avaliação de conhecimentos; não há
variabilidade dos resultados dos alunos em cinco anos lectivos;
as alunas têm, na avaliação de conhecimentos, classificações
superiores à dos alunos. Na avaliação de desempenho, não
se demonstrou influência da interacção do género do tutor e
do aluno. A classificação final da disciplina de Clínica Geral da
FCML reflecte os resultados da avaliação sumativa.
Para aumentar o peso da avaliação formativa, face à sumativa,
sugere-se que os tutores tenham formação pedagógica e em
técnicas de supervisão, bem como treino na utilização dos
instrumentos de avaliação.
The main concern of this research is to describe and analyse
the system of assessment in the General Practice Course of
the FCML.
We found out that outcomes of performance assessment
are higher than outcomes of knowledge assessment; there is
no variability in the students’ outcomes through five years; in
knowledge assessment, female students have higher outcomes
than male students. In performance assessment, we didn’t
found out any interaction of tutor gender and student gender.
The final classification reflects, mainly, summative assessment
outcomes.
In order to increase the weight of the formative assessment,
over the summative, we suggest that tutors should have
preparation in pedagogic and supervising techniques as well
as training in the use of assessment instruments.
Palavras-chave: Educação Médica, estudantes de medicina,
disciplina de Clínica Geral, sistema de avaliação, instrumentos
de avaliação, avaliação sumativa, avaliação formativa, avaliação
de desempenho, avaliação de conhecimentos, classificação
final. 
Keywords: Medical Education, medical students, General
Practice Course, assessment system, assessment instruments,
summative assessment, formative assessment, performance
assessment, knowledge assessment, final classification. 
Introdução
A avaliação desempenha um papel muito importante na vida dos estudantes de Medicina e também
para a Sociedade em geral, pela sua responsabilidade
na certificação de médicos competentes para cuidar
da população (1, 2).
Desde há muito tempo que as faculdades sentem
necessidade de introduzir novos métodos de ensino,
* [email protected]
Agradecimentos
Ao Professor Doutor Coelho Rosa e ao Mestre Dr. Vítor Alaíz
pelas sugestões. À FCML e ao Professor Doutor Mário Bernardo
que manifestou o seu apoio a este estudo e me disponibilizou
as classificações dos alunos. Por último os meus agradecimentos
à Dra. Eleonora Paixão pelas sugestões e pela revisão da
estatística.
de forma a proporcionar aos alunos experiências de
aprendizagem aplicáveis às situações da vida real
(3) o que determina a necessidade de novas formas
de avaliar quer os alunos, quer os programas, quer
ainda as próprias metodologias (4). Os programas
de ensino médico são muito complexos e o ensino
dispersa-se por várias disciplinas, em vários locais
(hospitais, centros de saúde, aulas, laboratórios, etc.)
e durante vários anos. São usados muitos tipos e
estilos de ensino e de aprendizagem e os alunos
têm experiências variadas durante o seu treino, por
isso, torna-se necessária escolha eclética de métodos
e instrumentos de avaliação (5).
Os instrumentos de avaliação e a forma como são
aplicados estão intimamente associados com a forma
como os indivíduos aprendem e o desenvolvimento
Cadernos de Saúde  Vol. 1  N.º 1 – pp. 51-62
52
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
das estratégias da avaliação é uma pedra-chave para
o desenvolvimento do curriculum (6).
Em Portugal, apesar da relevância do tema, não
há divulgação de estudos relativos à avaliação dos
estudantes de Medicina, ao contrário do que acontece
em relação a outros níveis de ensino (7) e do que
se passa noutros países. Apesar de existirem alguns
relatórios relacionados com a avaliação institucional
das Faculdades de Medicina (8, 9) com conclusões
relativamente optimistas em relação aos aspectos
organizativos e pedagógicos, bem como às competências dos alunos, surgem, entre os docentes,
algumas vozes discordantes. Cita-se a propósito o
Prof. Jorge Soares:
“Os modelos de ensino actuais fazem (o que
não seria inesperado que acontecesse!) os alunos
felizes. E porquê? Porque prolongam o formato
securitário do ensino liceal no qual obtiveram
indiscutível sucesso (a admissão ao curso!),
centram na “nota da cadeira” o objectivo maior
de aprendizagem (que os leva a preocuparem-se mais com a justiça da nota da disciplina,
por comparação “com a do colega do lado”,
do que com as condições sociais do doente
e da sua situação de sofrimento), promovem
a “metrificação” das classificações (os estudantes constituíram-se “adaptativamente”, em
insuperáveis “profissionais de fazer exames”!),
restringem o seu espaço de liberdade (e a grande
maioria dos estudantes não a deseja porque não
sabe o que fazer com ela!) ” (10) .
É do conhecimento geral que o percurso académico dos alunos de Medicina decorre num ambiente
de grande competitividade que encontra a sua
expressão máxima nas classificações obtidas, que
nem sempre são a tradução efectiva da aquisição de
competências humanísticas e éticas ou de conhecimentos técnico-científicos, essenciais no exercício
da profissão médica. A cultura da classificação e
da nota elevada está bem patente na inflação que
se tem verificado desde há anos nas classificações
dos estudantes de Medicina e que não se observa
noutros cursos.
Este artigo apresenta um estudo que teve por
objecto a avaliação das aprendizagens dos estudantes de Medicina e que foi realizado no âmbito do
Mestrado em Educação Médica do ICS/UCP.
O estudo, de tipo exploratório, descreve um sistema de avaliação das aprendizagens dos estudantes
de Medicina, na área da Clínica Geral, analisa os
instrumentos utilizados e os resultados obtidos,
procurando preencher a lacuna existente nos trabalhos realizados, no âmbito da Educação Médica,
em Portugal. Tendo em conta estes objectivos
formularam-se quatro hipóteses, nomeadamente
com o intuito de saber se:
1. Os resultados da avaliação de desempenho
(Centro de Saúde Urbano, Centro de Saúde
Rural), avaliação de conhecimentos e classificação final serão equivalentes;
2. Existirá variação nos resultados das avaliações
de desempenho, de conhecimentos e da classificação final em cinco anos lectivos;
3. Os resultados da avaliação serão influenciados
pelo género do aluno,
4. Os resultados da avaliação de desempenho
serão influenciados pelo facto de o aluno e o
tutor serem do mesmo género.
Face ao sistema de avaliação existente, considerou-se que um relato empiricamente fundamentado
seria um contributo para a reflexão sobre a necessidade de mudança do sistema actual de avaliação
das aprendizagens, tendo em conta as pressões
decorrentes da evolução quer do ensino médico no
mundo, quer da do ensino superior na Europa.
Material e métodos
Na descrição interna do sistema de avaliação,
utilizaram-se métodos qualitativos, nomeadamente
a pesquisa bibliográfica e a análise documental, foi
usada informação disponível no site da Faculdade de
Ciências Médicas de Lisboa, foram também utilizadas
entrevistas informais com alguns dos elementos
intervenientes no processo de avaliação dos estudantes, quer assistentes da disciplina quer tutores,
e ainda com alguns estudantes, bem como análise
dos comentários do item Análise Crítica do Estágio
que consta no relatório. Foi utilizada esta metodologia numa perspectiva de triangulação da informação
através das fontes.
Foram também utilizados métodos quantitativos,
no sentido de identificar associações com significado estatístico nas classificações atribuídas aos
estudantes.
População
A população-alvo refere-se ao universo constituído
pelos resultados das avaliações dos estudantes do 6º
ano de Medicina na disciplina de Clínica Geral da
Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa (FCML),
Descrição e análise de um sistema de avaliação das aprendizagens numa Faculdade de Medicina
durante um período de 5 anos lectivos (2000 a
2004):
•Avaliação de Desempenho do Centro de Saúde
(CS) rural – com pontuação de 8 a 40;
•Avaliação de Desempenho CS urbano – com
pontuação de 8 a 40;
•Avaliação de Desempenho (MAD) – média
aritmética das duas anteriores, com conversão
para a pontuação de 0 a 20 valores;
•Avaliação de conhecimentos/Avaliação da Discussão do Relatório (AC) – com pontuação de
0 a 20 valores;
• Classificação Final (CF) – calculada pela fórmula
MAD + 2AC no ano lectivo 2000-2001; e pela fór3
MAD
+ 3AC nos anos lectivos seguintes.
mula
4
Tratamento estatístico
Elaborou-se uma base de dados no programa
SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) que
também foi utilizado para o tratamento estatístico.
Utilizou-se ainda o programa EXCEL para a realização
de alguns gráficos.
Para a descrição das variáveis dependentes (Avaliação de desempenho CS rural; Avaliação de desempenho CS urbano; Avaliação de desempenho; Avaliação
de conhecimentos e Classificação final) utilizaram-se
medidas descritivas: percentagens, medidas de tendência central e medidas de dispersão. Aplicaram-se
ainda testes de normalidade (Kolmogorov-Smirnov)
a todas as variáveis dependentes, tendo-se constatado que em nenhum dos casos se verificou uma
distribuição normal. Contudo, tendo em conta o
Teorema do Limite Central (11, 12) aceita-se que a
sua distribuição se aproxima da normal.
Como expressão gráfica para a comparação entre
as diversas variáveis numéricas, utilizou-se o gráfico
de erro na comparação entre as médias.
Na aplicação dos testes estatísticos procedeu-se à
verificação dos pressupostos dos testes paramétricos
(distribuição normal, homocedasticidade, observações
independentes). Para a interpretação dos resultados
de todos os testes utilizados considerou-se sempre
o nível de significância de 0,05.
Para verificar a primeira hipótese, optou-se pelo
teste t de Student para amostras emparelhadas.
Procedeu-se ainda à análise das variáveis, com
recurso a estatísticas descritivas, nomeadamente o
coeficiente de correlação de Pearson e o coeficiente
53
de determinação (13). No que diz respeito à segunda
hipótese, aplicou-se o teste F da ANOVA, análise da
variância com um factor. O Teste de Levene mostrou
que não existia homogeneidade das variâncias na
variável Avaliação de Desempenho do CS urbano.
Apesar de alguns autores considerarem que este
teste paramétrico é robusto a violações da homocedasticidade quando o número de observações é
igual ou aproximadamente igual (14), optou-se por
uma alternativa não paramétrica (15), o teste Kruskal
Wallis, para testar aquela variável. Em relação à
terceira hipótese, aplicou-se o teste t de Student
para duas amostras independentes, igualdade de
variâncias não assumida (14) por o teste de Levene
não confirmar a homogeneidade das variâncias.
Optou-se pelo teste ANOVA, análise da variância
com dois factores para estudar a interacção entre o
género do tutor e o do aluno. Não se tendo verificado
interacção entre os factores, interpretaram-se os
efeitos dos factores isoladamente.
Descrição e análise do sistema de avaliação
das aprendizagens da disciplina de Clínica
Geral da FCML
A disciplina de Clínica Geral é leccionada na
Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa (FCML)
desde o ano lectivo 2000-2001 (16).
O ensino desta disciplina decorre sob a responsabilidade do Departamento Universitário de
Clínica Geral, em Centros de Saúde (CS) adstritos à
Faculdade por protocolos celebrados com a Administração de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo e com
a Administração Regional de Saúde do Alentejo.
O pessoal docente é constituído pelo Director
do Departamento e Regente da disciplina, por oito
assistentes convidados, sendo que eram apenas
três quando se iniciou o ensino desta disciplina
(16-18) e por tutores que exercem a sua actividade
Figura 1 – Distribuição dos tutores segundo o género
54
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
profissional como médicos de família em CS rurais
ou urbanos.
Nos anos lectivos analisados, os tutores totalizaram
170, sendo que 91 trabalham em CS urbanos e 79
em CS rurais (Figura 1). Verificou-se, em ambos os
grupos, uma predominância do género feminino,
mais acentuada nos CS urbanos.
Em relação ao número de alunos orientados
(Figura 2), constata-se que nos CS urbanos é mais
elevada a proporção de tutores que tiveram entre
um e três alunos.
Figura 2 – Distribuição dos alunos pelos tutores
No que diz respeito aos 593 discentes, (Figura
3), existe um predomínio do género feminino em
todos os anos lectivos estudados.
Figura 3 – Distribuição dos alunos segundo o género pelos
anos lectivos
Organização Pedagógica da Disciplina
O ensino/ aprendizagem da disciplina inicia-se com
um curso teórico de dois dias que corresponde a
cerca de 15 horas lectivas, a que se segue uma componente prática, denominada de Exercício Orientado
(EO). Esta tem duração de quatro semanas, sendo
que duas são em CS urbanos ou suburbanos e duas
em CS rurais. Durante o período de estágio decorrem
ainda duas sessões teórico-práticas em grupo.
Nos CS e durante cada período de duas semanas o aluno é acompanhado por um tutor que é
responsável pela programação das actividades, os
tutores dispõem de um instrumento de trabalho,
o Guia do Tutor, onde constam informações, consideradas úteis no acompanhamento dos alunos.
Os alunos cumprem em média 25 horas semanais
de permanência no CS das quais, pelo menos,
12 horas na consulta com o seu tutor.
Sistema de avaliação da disciplina de Clínica
Geral
A avaliação dos estudantes (16) assume dois
aspectos, um formativo e outro sumativo. A avaliação
formativa é realizada diariamente pelo tutor em
função das prestações do aluno nas diferentes tarefas
que lhe são propostas e tem como finalidade corrigir
as deficiências apresentadas, assim como salientar os
aspectos mais positivos dos objectivos atingidos. No
final das duas semanas do EO, o tutor preenche a
ficha de avaliação de desempenho correspondente.
Recomenda-se que seja dada ao aluno informação
de retorno.
A avaliação sumativa (classificação final da disciplina) resulta da média ponderada, das avaliações
de desempenho atribuídas pelos tutores e de uma
avaliação de conhecimentos/ discussão do relatório,
realizada por um júri de dois docentes que ocorre no
último dia útil da 4ª semana do estágio. O relatório
apresentado pelo aluno é elaborado de acordo com
as especificações dadas no “Diário do Exercício
Orientado/Relatório”. Na discussão do relatório, que
não é superior a 30 minutos, os examinadores procuram apreciar o nível de conhecimentos do aluno,
incluindo o dos valores éticos e deontológicos.
Para efeitos de classificação final é obrigatório que
o aluno tenha avaliação positiva (≥10) em qualquer
das avaliações realizadas (16).
Os alunos, no início das actividades lectivas,
têm acesso ao programa da disciplina, bem como
informação sobre o seu sistema de avaliação, respectivos instrumentos e critérios de classificação
disponíveis (16).
Instrumentos de avaliação
Avaliação de desempenho
Existem dois impressos, com formato idêntico,
para cada um dos locais de estágio, em que constam
oito indicadores de competência: Identificação das
necessidades; Exame físico; Diagnóstico e Gestão de
55
Descrição e análise de um sistema de avaliação das aprendizagens numa Faculdade de Medicina
problemas; Sistemas de informação; Comunicação;
Relações interpessoais e Interinstitucionais; Implicação no Estágio e Auto-avaliação. Cada indicador tem
três sub-itens que são classificados numa escala de
Likert de 1 a 5 (1= não satisfaz; 2= precisa de muita
supervisão; 3= satisfaz; 4= bom; 5= muito bom), a
cotação de cada indicador varia entre 1 e 5 e resulta
da média do total dos sub-itens. A classificação
de desempenho resulta do somatório de todos os
indicadores e pode variar entre 8 e 40.
Avaliação de conhecimentos/discussão de relatório
O Diário do Exercício Orientado (DEO), integra um
conjunto de conteúdos obrigatórios e previamente
definidos, que visam facilitar o preenchimento por
parte do aluno. De facto, a diversidade dos locais de
estágio, a sua dispersão geográfica e as características
do próprio estágio, condicionam o tempo disponível
para a sua redacção. O relatório (DEO) procura
demonstrar as experiências de aprendizagem vividas,
o que se fez, onde, quando e quanto se fez; assim
como permite saber se, das tarefas efectuadas, o
aluno sabe justificar porque se faz aquilo que diz
ter feito (sustentação científica da prática) (19).
No que diz respeito à estrutura e conteúdos, o
relatório está organizado por áreas, nomeadamente
Necessidades, Expectativas e Receios, onde se pede
que o aluno identifique os objectivos específicos
do seu estágio; Registo de Morbilidade, motivos de
consulta e problemas de saúde de doentes observados; Análise de Situações, descrição e análise de
uma situação vivida durante o estágio e segundo
um modelo pré-definido; Apresentação de um Caso,
onde se espera que o aluno demonstre as suas
aptidões diagnósticas e terapêuticas; Identificação
de Necessidades de Aprendizagem; Análise Crítica
do Estágio.
As perguntas efectuadas pelos examinadores, na
discussão do relatório, são anotadas e variam entre
5 a 9, são formuladas a partir das descrições que
constam no relatório e resultam do cruzamento
dos conteúdos do relatório com uma listagem de
temas que são do conhecimento do aluno; a cada
resposta corresponde uma pontuação de 0 a 5 (0=
não respondeu;1= resposta insuficiente; 2= resposta
suficiente; 3= resposta boa; 4= resposta muito boa;
5= resposta excelente). Com esta cotação faz-se um
cálculo do nível médio das respostas e posteriormente, por consenso é feita a sua conversão para
a escala de 0 a 20 valores.
Classificações dos alunos
A média das avaliações de desempenho dos alunos
nos CS rurais foi de 36,7 sendo a mediana de 37,0
e o desvio padrão de 2,92. O valor mínimo foi de
20 e o máximo de 40.
A média das avaliações de desempenho dos alunos
nos CS urbanos foi de 36,9 sendo a mediana de
38,0 e o desvio padrão de 2,98. O valor mínimo foi
de 24 e o máximo de 40.
A média da avaliação de conhecimentos dos alunos
foi de 16,1 sendo a mediana 17 e o desvio padrão
de 2,32.O valor mínimo foi de 8,5 e o máximo de
20.
A média da classificação final dos alunos foi de
16,7 sendo a mediana de 17 e o desvio padrão de
1,83.O valor mínimo foi de 9 e o máximo de 20.
A taxa de reprovações foi de 0,5% no total dos
cinco anos lectivos estudados.
Hipóteses
1. O
s resultados da avaliação de desempenho (CS
urbano, CS rural), avaliação de conhecimentos
e classificação final são equivalentes
Para medir a intensidade da associação entre as
variáveis agrupadas duas a duas aplicou-se o Teste
de Correlação de Pearson (Tabela 1).
Tabela 1– Coeficiente de correlação de Pearson
Avaliação
CS rural
Avaliação
CS urbano
Avaliação
Classificação
Conhecimentos
Final
r = 0,254*
–
–
Avaliação
Desempenho
–
r =0,229*
r =0,369*
Avaliação
Conhecimentos
–
–
r =0,970**
* p< 0,001
** p<0,05
Existe uma correlação positiva e fraca entre as
variáveis estudadas, excepto para Avaliação de
Conhecimentos e Classificação final, em que se
verificou existir uma correlação positiva forte (r= 0.97,
p <0.05). O coeficiente de determinação R2 é 0,94 o
que significa que aproximadamente 94% dos valores
da Classificação Final são explicados pela variância
dos valores da Avaliação de Conhecimentos.
A Tabela 2 mostra as diferenças entre as médias
das várias avaliações, e a significância do teste t de
Student para amostras emparelhadas.
56
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
Tabela 2 – Teste t de Student para amostras emparelhadas
Diferença
entre as
Médias
p
Av. CS rural – Av. CS urbano
-0,195
0,187
Av. Desempenho – Av. Conhecimentos
2,278
0,000
Av. Conhecimentos – Classificação Final
-0,596
0,000
Av. Desempenho – Classificação Final
1,682
0,000
2. E
xiste variação nos resultados das avaliações de
desempenho, de conhecimentos e da classificação
final, nos cinco anos lectivos
A Figura 4 mostra a evolução e as diferenças entre
as médias da Avaliação dos CS urbanos e rurais,
da Avaliação de Conhecimentos e da Classificação
Final.
Na Tabela 3 constam as significâncias do teste F
da ANOVA, análise da variância com um factor e
do teste Kruskal Wallis que comparam as médias
das avaliações nos cinco anos lectivos.
Tabela 3 – Testes F da ANOVA * e Kruskal Wallis **
p
Avaliação CS rural *
0,095
Avaliação Conhecimentos *
0,409
Classificação Final *
0,854
Avaliação CS urbano **
0,434
Não se observou variabilidade com significado
estatístico, nas médias da Avaliação de Desempenho
do CS rural, da Avaliação de Conhecimentos, da
Classificação Final e da Avaliação de Desempenho
do CS urbano em cinco anos lectivos.
3. O
s resultados da avaliação são influenciados pelo
género do aluno
Na Tabela 4 pode verificar-se que as médias das
avaliações são sempre mais elevadas no género
feminino.
Tabela 4 – Média das avaliações segundo o género do
aluno
Avaliação de Desempenho
Figura 4 – Gráficos de erro Avaliação de Desempenho,
Avaliação de Conhecimentos e Classificação final
A análise dos resultados obtidos permite constatar
que não existe diferença, com significado estatístico,
entre as médias das avaliações de desempenho no
CS rural e urbano (p= 0,187). No que diz respeito
à comparação das médias das outras três variáveis
agrupadas duas a duas, verifica-se que as diferenças observadas são estatisticamente significativas
(p <0,05).
Avaliação de Conhecimentos
Classificação Final
Género aluno
Média
Masculino
18,325
Feminino
18,453
Masculino
15,752
Feminino
16,339
Masculino
16,432
Feminino
16,888
A Tabela 5 mostra a significância do teste t de
Student para duas amostras independentes, que
compara as médias das três avaliações segundo o
género do aluno, assumida a não homogeneidade
de variâncias (teste de Levene).
57
Descrição e análise de um sistema de avaliação das aprendizagens numa Faculdade de Medicina
Tabela 5 – Teste t de Student para duas amostras independentes
p
Avaliação Desempenho
0,226
Avaliação Conhecimentos
0,004
Classificação Final
0,005
Em relação à Avaliação de Desempenho constata-se
que as diferenças observadas entre os dois géneros,
não têm significado estatístico (p> 0,05). No que
diz respeito à Avaliação de Conhecimentos e à
Classificação Final, as alunas têm em média mais
0.5 valores, do que os alunos, e essa diferença tem
significado estatístico (p <0,05).
4. O
s resultados da avaliação de desempenho são
influenciados pelo facto de o aluno e o tutor serem
do mesmo género
A análise das médias das classificações dos tutores,
segundo o seu género e o género dos alunos (Figura
5) mostra que nos CS urbanos, os tutores do género
masculino classificaram os alunos com médias mais
elevadas do que os tutores do género feminino. Nos
CS urbanos e rurais os tutores do género masculino
classificaram os alunos do género masculino com
média semelhante aos alunos do género feminino.
Os tutores do género feminino, nos CS urbanos e
rurais, classificaram, os alunos do género feminino
com médias mais elevadas que as dos alunos do
género masculino.
Verifica-se (Tabela 6) que não existe interacção
entre o género do tutor e o género do aluno na
Avaliação de Desempenho dos CS urbano e rural,
o efeito do género do tutor sobre a Avaliação de
Desempenho é o mesmo para os alunos do género
masculino e feminino (p>0,05).
Tabela 6 – ANOVA, análise da variância com dois factores
fixos
p
Género tutor CS urbano
0,001
Género aluno
0,486
Género tutor CS urbano × Género aluno
0,327
Género tutor CS rural
0,342
Género aluno
0,455
Género tutor CS rural × Género do aluno
0,691
Uma vez que não existe interacção entre os factores, analisou-se o efeito principal do género do
tutor considerado isoladamente, sobre a avaliação
de desempenho dos alunos. No caso do CS urbano
(p= 0.001) constata-se que o género do tutor do CS
urbano tem influência na média da avaliação de
desempenho dos alunos, o que não acontece no
CS rural (p= 0.455). Para o factor género do aluno,
e em ambos os casos (CS urbano e rural), o nível
de significância é > 0.05, confirma-se, portanto, que
as médias da Avaliação de Desempenho são iguais
nos dois géneros.
Figura 5 – Gráfico de erro para as classificações dos tutores
dos CS urbanos e rurais segundo o seu género e o género
dos alunos
Discussão
Durante o período estudado verifica-se que o
número de alunos sofre um lento mas progressivo
aumento decorrente das sucessivas intervenções
a nível dos numerus clausus, que condicionam o
58
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
acesso às Faculdades de Medicina (20). No que diz
respeito ao género verifica-se, em todos os anos
estudados, um predomínio do género feminino.
Desde há alguns anos que se vem observando um
aumento progressivo do acesso das mulheres ao
ensino superior (21-23) em geral, e às Faculdades
de Medicina em particular (24, 25).
Em relação aos tutores, predomina também o
género feminino, a este facto não é certamente
alheia a chamada “feminização da medicina” (23,
26). O facto de existir, nos CS urbanos, uma grande
proporção de tutores que orientaram entre 1 e 3
alunos em cinco anos, mostra uma maior rotatividade
daqueles relativamente aos tutores dos CS rurais.
A organização pedagógica da disciplina inspira-se
numa perspectiva do ensino baseado em competências (27), em que se privilegiam as áreas do
conhecimento, da perícia e das atitudes no contexto
da prática médica real. O facto de, no desenho
da avaliação, estarem previstas vertentes teóricas
e práticas e se utilizarem vários instrumentos, faz
pressupor que existe coerência entre o ensino e a
avaliação.
O instrumento utilizado na avaliação de desempenho apresenta algumas das características da Lista de
Verificação (Checklist Evaluation), considerada útil na
avaliação de competências e dos seus componentes;
na avaliação das perícias relacionadas com o doente
(história clínica, exame físico e procedimentos); nas
relacionadas com a comunicação e relações interpessoais e ainda na auto-avaliação (28). De facto, os
indicadores previstos na avaliação de desempenho
contemplam estes aspectos e, em relação ao modelo
de Miller (29) correspondem aos dois últimos níveis
da pirâmide da avaliação da aprendizagem (mostra
como se faz e faz).
Este instrumento de avaliação não foi testado
quanto à sua validade e fiabilidade, desconhece-se
também o seu impacto na aprendizagem, o que
parece acontecer frequentemente em Educação
Médica (30).
Como também acontece noutros países europeus,
(31, 32) nem todos os tutores tiveram formação pedagógica e não foram treinados no uso do instrumento
de avaliação. Embora a boa definição dos critérios
possa contribuir para a uniformidade da aplicação
do instrumento, o facto de este ser aplicado por
muitos tutores e se saber que as escalas de Likert
são influenciadas pela personalidade individual (33)
pode condicionar alguns enviesamentos. Por outro
lado, o estatuto voluntário e não remunerado dos
tutores pode condicionar o seu investimento numa
actividade que não lhes traz benefícios. Finalmente,
o facto de todo o processo de ensino-aprendizagem
e de avaliação ocorrer em simultâneo com a prática
clínica diária normal do tutor, limita a sua disponibilidade para o aluno (...) se continua a consultar
15-20 utentes por dia, não consegue ter tempo para
explicar o que faz, o que prescreve, inteirar o aluno
daquela pessoa e dos seus problemas específicos.” N.
O., in Análise Crítica do Estágio 14/9/2006
Cabe aqui realçar que a avaliação de conhecimentos nesta disciplina tem sido, nalguns aspectos,
verdadeiramente inovadora. De facto, desde o ano
lectivo 2000-2001 que utiliza um relatório que tem o
formato e algumas características do portfolio (34).
Embora a avaliação final tenha como base a discussão do relatório, não estão definidos critérios
explícitos para a avaliação dos seus conteúdos,
como se prevê (35, 36) na aplicação deste tipo
de instrumento. Dado que em última análise se
avaliam os conhecimentos do aluno, esta avaliação
tem muitas das características de um exame oral,
não estandardizado (37). Apesar de o exame oral
ser afectado por muitos factores e ser difícil estimar
a sua fiabilidade, ainda é considerado por muitas
instituições como uma dimensão ímpar, importante
e válida nos seus sistemas de avaliação (38).
Em relação às outras Faculdades de Medicina do
país, a divulgação da forma como se faz a avaliação
da disciplina de Clínica Geral é muito variável. Também varia, nas diversas faculdades, a denominação
desta disciplina e o ano em que é leccionada, embora
de uma forma geral os objectivos gerais e específicos
sejam muito semelhantes entre elas. Para facilitar a
comparação entre os vários sistemas de avaliação
vigentes na altura em que foi realizado o estudo,
(39-42) elaborou-se um quadro-resumo.
Nas faculdades analisadas, a avaliação incide
sobretudo no desempenho, excepto na Faculdade de
Medicina de Coimbra em que apenas são avaliados
os conhecimentos, a avaliação sumativa ainda é
a modalidade predominante. No que diz respeito
aos instrumentos utilizados, de uma forma geral,
parecem adequar-se à modalidade de avaliação
escolhida, excepto na ECSUM em que, na altura, se
preconizavam Exame Escrito e Trabalho de Grupo
para avaliar o desempenho e os conhecimentos
dos estudantes.
Quando se faz a análise do sistema de avaliação
da FCML na perspectiva dos resultados que gerou,
verifica-se que a taxa de reprovações é muito baixa e
que as classificações são muito elevadas. No sentido
de verificar se este é um fenómeno isolado ou ocorre
59
Descrição e análise de um sistema de avaliação das aprendizagens numa Faculdade de Medicina
também nas outras disciplinas do estágio do 6º ano,
solicitaram-se à FCML todas as classificações obtidas
pelos alunos nos anos estudados. Constatou-se que,
quer nos estágios médicos, quer nos cirúrgicos,
a distribuição das classificações segue o mesmo
padrão (43-49). Nas duas Faculdades de Medicina
que disponibilizam os resultados das suas avaliações
encontram-se resultados também muito semelhantes
(39, 50). Alguns autores têm referido que os alunos
admitidos em Medicina são relativamente homogéneos e que a competição, durante o curso, tende
a traduzir-se por classificações académicas muito
elevadas (51).
Para explicar estes resultados, aparentemente
também verificados nas outras Faculdades de Medicina podem admitir-se algumas hipóteses: Inflação
das notas que desde há muitos anos se verifica
nas Faculdades de Medicina; tendo em conta a
selecção a que foram sujeitos, os estudantes podem
ter um elevado nível de conhecimentos no último
ano do curso; o nível de exigência dos docentes
pode ser reduzido, uma vez que no contexto de
um estágio, para não prejudicar o aluno e/ou por
atitudes defensivas, podem classificá-lo num nível
mais elevado.
A média da avaliação de desempenho dos tutores
dos CS urbanos é semelhante à dos tutores dos
CS rurais. Tendo em conta as características do
ensino-aprendizagem em que se pressupõe uma
progressividade dos conhecimentos do aluno, poder-se-ia esperar que o seu desempenho melhorasse
entre a primeira e a segunda avaliação. Teoricamente
a avaliação formativa (35) acompanha o processo
de aprendizagem, evidencia os progressos realizados e simultaneamente proporciona feedback (33).
Os resultados obtidos na análise desta “avaliação
formativa”, em dois momentos diferentes, parecem
estar em contradição com aqueles pressupostos. Para
explicar este facto pode admitir-se a influência de
factores relacionados com a própria avaliação que
pode ser configurada com algumas das características
da avaliação sumativa. Cada um dos avaliadores ao
aplicá-la sempre pela primeira vez, embora ao fim
de duas semanas de observação, documenta apenas
o ponto de chegada e nunca o ponto de partida
nem o que foi sendo adquirido durante o percurso.
Por outro lado, o intervalo de duas semanas pode
não ser suficiente para identificar mudanças no que
diz respeito ao desempenho.
A média da avaliação de desempenho é mais
elevada que a da avaliação de conhecimentos. Numa
abordagem reflexiva e decorrente da experiência
pessoal admite-se que a relação aluno/avaliador e o
contexto em que decorrem as avaliações podem ter
alguma influência na diferença entre estes resultados.
Com o tutor o aluno tem uma relação pessoal de
1:1, neste contexto é relativamente comum a influência de factores de ordem afectiva; o tutor sente
que a sua função é ajudar o aluno, a avaliação é
desdramatizada e perde a sua conotação negativa.
No que diz respeito à avaliação de conhecimentos,
apesar de o aluno poder conhecer os elementos do
júri, a relação que se estabelece é mais formal, mais
curta e transporta inevitavelmente a carga negativa
de um exame oral.
A evidência de uma relação linear forte e positiva
entre a avaliação de conhecimentos e a classificação
final é consequência da fórmula utilizada para o
cálculo da classificação final do aluno. A média mais
elevada da classificação final relativamente à média
da avaliação de conhecimentos reflecte provavelmente a influência da avaliação de desempenho
Quadro I – Comparação dos sistemas de avaliação da disciplina de Clínica Geral nas Faculdades de Medicina
FCML
FML
FMUP
FMC
ECSUM
6º
6º
6º
5º
4º
Desempenho
X
X
X
Conhecimentos
X
Formativa
X
Sumativa
X
Ano do curso
Conteúdos da avaliação
Modalidade de avaliação
Contínua
Instrumentos Utilizados
Lista de verificação
Relatório Exame oral
X
X
X
X
X
X
Critérios
individuais
Formulário Trabalhos
individuais
X
X
Exame
escrito
Exame escrito
Trabalho de grupo
FML – Faculdade de Medicina de Lisboa; FMUP- Faculdade de Medicina da Universidade do Porto; FMC- Faculdade de Medicina de Coimbra; ECSUM -Escola
de Ciências da Saúde da Universidade do Minho
* Não há dados disponíveis sobre as Faculdades de Medicina dos Açores e Madeira, Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior nem
do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar
60
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
apesar de o seu coeficiente de ponderação ser de
1. De facto, a avaliação de desempenho tem pouca
influência na classificação final e, com o tempo,
tem vindo a ser desvalorizada. No ano lectivo de
2000-2001 o coeficiente de ponderação da avaliação
de conhecimentos era 2, passou para 3 nos anos
lectivos seguintes.
Nesta disciplina e na Educação Médica em geral
(52), embora se admita a mudança de paradigma
em termos de cultura da avaliação no sentido de
valorizar a avaliação formativa, a última palavra
ainda continua a ser a da avaliação sumativa.
Não se observou variabilidade, nos cinco anos
lectivos estudados, em nenhuma das médias das
classificações dos alunos. Admite-se que, ao longo
dos anos, se pudesse constatar alguma variação
nas classificações da avaliação de desempenho.
Em parte, por se poder esperar que a experiência
dos tutores (53), factor de grande importância
na avaliação formativa, (52) pudesse ter alguma
repercussão nos resultados da avaliação. Contudo,
os resultados obtidos vão de encontro ao que
tem sido referido na literatura internacional (51)
sobre a homogeneidade destes alunos. De facto,
é possível que o processo de selecção que só
permite a entrada dos melhores alunos, contribua
para que os alunos de Medicina, de ano para ano,
constituam coortes muito semelhantes.
Quando se analisaram os resultados segundo o
género do aluno constatou-se que relativamente
à avaliação de desempenho não verificaram
diferenças. Contudo, as médias da avaliação de
conhecimentos e as da classificação final são mais
elevadas no género feminino. Ao contrário da
avaliação de desempenho parece haver na avaliação de conhecimentos um maior empenho das
alunas em relação aos alunos no sentido de obter
classificações mais elevadas provavelmente porque
ela é decisiva para a classificação final.
Os resultados obtidos são concordantes com estudos nacionais (21, 22) e internacionais (25, 54-56)
que referem que, no ensino superior em geral e no
caso da Medicina em particular, as alunas obtêm
níveis de classificação superiores aos alunos. Na
literatura internacional sobre Educação Médica, os
estudos mais antigos, até aos anos 90, (57-59) ou
não identificaram quaisquer diferenças relacionadas
com o género do aluno ou observaram uma diferença marginal favorável ao género feminino (60) e
particularmente em áreas como a ginecologia (61),
a cirurgia (62) e a psiquiatria (63). Os estudos mais
recentes (25, 54, 56) referem que de uma forma
geral as alunas têm um melhor desempenho que
os alunos. Um estudo irlandês (25) que analisou as
diferenças nos resultados do exame final dos alunos
de Medicina durante cinco anos, constatou que as
alunas têm melhores resultados que os alunos em
todas as áreas. Outro estudo (54) que analisou os
resultados de duas faculdades de Medicina de Londres em duas coortes sucessivas, obteve resultados
semelhantes.
Em relação à avaliação de desempenho não se
demonstrou que exista interacção entre o género do
tutor e o género do aluno, tanto em contexto urbano
como rural. Constatou-se, no entanto, que nos CS
urbanos os tutores do género masculino classificam
os alunos, independentemente do seu género, com
médias mais elevadas do que os tutores do género
feminino. Há autores (55) que admitem que os
tutores do género feminino têm critérios diferentes
dos do género masculino quando avaliam os alunos,
sendo que as mulheres são avaliadoras mais críticas
que os homens. Na literatura relacionada com a
Educação Médica, foi publicado um estudo (55) que
analisa o efeito do género do aluno e do tutor num
contexto de ambulatório. Não foi demonstrado que
o género do tutor só por si tivesse alguma influência
na avaliação. Contudo a interacção do género do
aluno e do tutor pareceu afectar a avaliação, os
tutores do género masculino classificaram as alunas
com níveis mais elevados que os alunos.
Conclusão
A disciplina de Clínica Geral é leccionada na FCML
desde o ano lectivo 2000-2001 tendo sido analisados
os cinco primeiros anos. Verificou-se que embora
a avaliação de desempenho tenha a designação de
formativa, no contexto real assume as características
de uma avaliação sumativa e tem pouca importância,
face à avaliação de conhecimentos, na classificação
final. Não existem critérios explícitos para a avaliação
dos conteúdos do relatório, e não é possível estimar
a fiabilidade do exame oral porque as perguntas são
diferentes para todos os alunos. Constatou-se que,
as classificações dos alunos foram, de uma forma
geral, muito elevadas e que a taxa de reprovação foi
muito baixa. A análise dos resultados gerados pelo
sistema de avaliação fez-se através da verificação
quatro hipóteses de investigação.
Os resultados da avaliação de desempenho (CS
urbano, CS rural), avaliação de conhecimentos e
classificação final não são equivalentes. Tendo em
conta o pressuposto de uma avaliação formativa
Descrição e análise de um sistema de avaliação das aprendizagens numa Faculdade de Medicina
e sequencial constatou-se que, ao contrário do
esperado, as médias da avaliação de desempenho
nos CS rurais são iguais às dos CS urbanos. No
caso particular da comparação entre as médias da
avaliação de desempenho e as da avaliação de
conhecimentos, e apesar de não existirem referências na literatura, as diferenças encontradas foram
atribuídas à possível influência de factores afectivos.
A evidência de uma relação linear forte e positiva
entre a avaliação de conhecimentos e a classificação
final é determinada pela maior influência daquela
relativamente à avaliação de desempenho.
Nos cinco anos lectivos estudados não se verificou
variabilidade com significado estatístico, nas médias
das avaliações de desempenho, de conhecimentos
e da classificação final. A forma como estes alunos
são seleccionados pode levar à formação de coortes
com comportamentos e resultados académicos muito
semelhantes entre si.
Em relação à possível influência do género nas
classificações dos estudantes, verificou-se que as
médias da avaliação de desempenho são iguais nos
dois géneros. O facto de se tratar de uma avaliação
parcelar, que pouco contribui para a classificação
final, pode minimizar a competição pelas notas
elevadas. Em relação à avaliação de conhecimentos
e à classificação final, as suas médias são mais
elevadas no género feminino. Estes resultados são
concordantes com estudos nacionais e internacionais,
no âmbito da psicologia, sociologia e Educação
Médica.
Não se identificaram interacções com significado estatístico entre o género do aluno e do tutor
tanto no contexto rural como no urbano. Contudo,
demonstrou-se que nos CS urbanos os tutores do
género masculino classificam os alunos com médias
mais elvada que os tutores do género feminino.
Esta conclusão de uma investigação empírica
permite enunciar algumas sugestões relativamente ao
sistema de avaliação analisado. Em primeiro lugar,
sugere-se que se reforce a importância da avaliação
formativa face à sumativa e que se inverta a tendência, observada nos últimos anos, de desvalorização
da primeira. Um corpo mais estável de tutores com
formação e treino nas áreas pedagógicas e avaliativas
como forma de optimizar e uniformizar os seus
procedimentos pode contribuir para a valorização
daquela avaliação. Em segundo lugar, e relativamente
à avaliação sumativa sugere-se que sejam explicitados
os critérios para a avaliação do relatório. Desta
forma, este instrumento pode complementar o exame
oral para reforçar o alinhamento entre o ensino-
61
-aprendizagem e a avaliação dos conhecimentos e
das competências adquiridas pelo aluno.
Para terminar, salienta-se que o facto de os
alunos de Medicina obterem classificações muito
elevadas não determina necessariamente que todos
eles venham a ser excelentes médicos. A Medicina
continua, em muitos aspectos, a ser uma arte e
nem sempre os melhores da turma se tornam, na
prática, os melhores profissionais. A valorização da
avaliação de desempenho dos alunos, em particular
na disciplina de Clínica Geral, pode certamente
contribuir para melhorar e adequar as suas atitudes
e comportamentos na sua prática clínica futura independentemente da especialidade que escolherem.
Para concluir, formula-se uma pergunta dirigida
aos leitores, eventuais investigadores em Educação
Médica: – Será que a investigação académica na área
da avaliação pode, no futuro, contribuir para uma
avaliação mais justa, mais benéfica, mais efectiva,
mais válida e mais transparente nas Faculdades de
Medicina portuguesas?
Bibliografia
1.
Shumway JM, Harden RM. AMEE Guide Nº 25: The Assessment of
learning outcomes for the competent and reflective physician.
Medical Teacher. 2003;25(6):569-84.
2.
WFME. Educação Médica Pré-Graduada Standards Globais da
WFME. Journal [serial on the Internet]. 2005 Date; 15(1): Disponível
em: http://www.spem.pt/docs/WFME_EMB.pdf.
3.
Burge SM. Undergraduate medical curricula: are students
being trained to meet future service needs? Clinical Medicine.
2003;3(3):243-6.
4.
Norman G. Research in medical education: three decads of progress. BMJ. 2002(324):1560-2.
5.
Wilkies M, Bligh J. Evaluating educational interventions. BMJ.
1999(318):1296-72.
6.
Fowell SL, Maudsley G, Maguire P, Lenister SJ, Bligh J. Report of
findings: student assessment in undergraduate medical education
in the United Kingdom 1998. Medical Education. 2000;34(Suppl.
1, September):1-78.
7.
Barreira C, Pinto J. A investigação em Portugal sobre a avaliação
das aprendizagens dos alunos (1990-2005). s.d. [updated s.d.;
cited Dezembro 2006]; Disponível em: http://www.edu.fc.ul.pt/
docentes/msantos/spce.pdf.
8.
Jollie C, McKimm J. Relatório do Projecto Nacional de Avaliação das
Capacidades dos Alunos que Concluem os Cursos de Licenciatura
em Medicina. Lisboa; 2004.
9.
FMCoimbra. Comissão de Avaliação Externa das Licenciaturas
em Medicina. 2004.
10. Soares J. Educação Médica: Quo vadis? Medicom. 2005 15 Setembro 2005(95):12.
11. Melo FG. Probabilidades e Estatística, conceitos e métodos fundamentais. Lisboa: Escolar Editora; 1993.
12. Pereira A. SPSS Guia Prático de Utilização. 5.ª ed. Lisboa: Edições
Sílabo; 2004.
62
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
13. Hill MM, Hill A. Investigação por questionário. 2 ed. Lisboa: Edições
Sílabo; 2005.
40. FMUPorto. Medicina Comunitária (Prática Clínica). Journal [serial
on the Internet]. 2006 Date: Disponível em: www.fmup.pt.
14. Pestana MH, Gageiro JN. Análise de Dados para Ciências Sociais.
4ª ed. Lisboa: Edições Sílabo; 2005.
41. FMCoimbra. Programa da Disciplina de Clínica Geral. Journal [serial
on the Internet]. 2006 Date: Disponível em: www.fmed.uc.pt.
15. Melo FG. Métodos Estatísticos em Estudos Comparativos. Lisboa:
ENSP; 1985.
42. EscolaCiênciasdaSaúde. Residências em C.Saúde. Journal [serial
on the Internet]. 2006 Date: Disponível em: www.uminho.pt.
16. FCML. Programa da Disciplina de Cínica Geral 2000-2001; 2000.
43. FCML. Saúde Pública 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005. xls.
2006.
17. FCML. Programa da Disciplina de Clínica Geral 2006-2007; 2006.
18. FCML. Programa da Disciplina de Clínica Geral 2002-2003; 2002.
19. FCML. DEO-2006-2007: Instruções do seu preenchimento e outras
informações 2006
20. ME. Guia de Candidatura 2006. Journal [serial on the Internet].
2006 Date: Disponível em: www.acessoensinosuperior.pt.
21. Saavedra L. Escola, Género e Democracia: caminhos de igualdade
e diferença. Journal [serial on the Internet]. s.d. Date.
22. Nóvoa (coord) A. Percursos Escolares dos estudantes da universidade de Lisboa, Relatório Preliminar nº1:Factores de sucesso e
insucesso escolar na Universidade de Lisboa. Lisboa; 2005.
44. FCML. Clínica Cirúrgica 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005. xls.
2006.
45. FCML. Clínica Médica 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005. xls.
2006.
46. FCML. Clínica Obstétrica 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005. xls.
2006.
47. FCML. Clínica Pediátrica 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005. xls.
2006.
48. FCML. Especialidade 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005. xls.
2006.
23. INE. Mulheres e Homens em Portugal nos anos 90. Lisboa;
2002.
49. FCML. Saúde Mental 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005.xls
2006.
24. Jorge NS. Lógicas da Procura nos Cursos de Medicina em Portugal.
In: IV Congresso Português Sociologia, editor. Coimbra; 2000.
50. EscolaCiênciasdaSaúde. Relatório Anual 2004-2005 do Curso de
Licenciatura em Medicina. Journal [serial on the Internet]. 2006
Date: Disponível em: www.uminho.pt.
25. McDonough CM, Horgan A, Codd MB, Casey PR. Gender Diferences
in the results of the final medical examinations at University
College Dublin. Medical Education. 2000 Jan.; 34(1):2-3.
26. Martins J, Biscaia A, Conceição C, Fronteira I, Hipólito F, Carrolo
M, et al. Caracterização dos profissionais de saúde em Portugal:
Parte I- Quantos somos e quem somos. Revista Portuguesa de
Clínica Geral. 2003(19):513-7.
27. ACGME. Outcome Project Competency Perspective on Training.
Journal [serial on the Internet]. 2006 Date: Disponível em: www.
acgme.org.
28. ACGME, ABMS. Toolbox of Assessment Methods. Journal [serial
on the Internet]. 2000 Date: Disponível em: www.acgme.org.
29. Miller GE. The Assessment of clinical skills/competence/performance. Academic Medicine. 1990(65Supl):563-7.
30. Newble D, Jolly B, Wakeford R. The certification and recertifiction
of doctors: issues in the assessment of clinical competence. BMJ.
1994(309):1096.
31. Duroux G. Évaluation d’un SASPAS. Étude réalisée en Aquitaine.
La Revue du Praticien. 2005;19(702/703):979-80.
32. Bireaud A. Os métodos Pedagógicos no Ensino Superior. Porto
Editora; 1995.
33. Cotton J. The Theory of Assessment. London: Kogan Page; 2002.
34. Drissen E, vanTartwijk J, Vermunt JD, VanDerVeuten CP. Use of
portfolios in early undergraduate medical training. Medical
Teacher 2003;25(1):18-23.
35. Valadares J, Graça M. Avaliando para Melhorar a Aprendizagem.
Lisboa: Plátano Edições Técnicas; 1998.
36. Roberts C, Newble D, O’Rourke A. Portfolio- based assessment
in medical education: are they valid and reliable for sumative
purposes? Medical Education. 2002(36):899-900.
37. Joughin G, Collom G. Oral assessement. Journal [serial on the
Internet]. 2003 Date: Disponível em: http://www.heacademy.ac.uk/
resources.
38. Wass V, Wakeford R, Neighbour R, Vleuten CVd. Achieving acceptable reliability in oral examinations:an analysis of the Royal
College of General Practitioners membership examination’s oral
component. Medical Education. 2003(37):126-31.
39. FML. O 6º Ano em Estágio Clínico: Apreciação dos primeiros cinco
anos. Lisboa; 2005 Contract No.: Document Number|.
51. McLachlan JC, Whiten SC. Marks, scores and grades: scalling and
aggregating student assessment outcomes. Medical Education.
2000(34):788-97.
52. Rushton A. Formative assessment a key to deep learning? Medical
Teacher. 2005;27(6):509-13.
53. Mathers J, Parry J, Lewis S, Greenfield S. What impact will an increased number of teaching general practices have on patients, doctors
and medical students. Medical Education. 2004;38(12):1219.
54. Haq I, Higham J, Morris R, Dacre J. Effect of ethnicity and gender
on performance in undergraduate medical examinations. Medical
Education. 2005(39):1126-8.
55. Wang-Cheng RM, Fulkerson PK, Barnas GP, Lawrence SL. Effect of
Student and Perceptor Gender on Clinical Grades in an Ambulatory Care Clerkship. Academic Medicine. 1995;70(4):324-6.
56. Woodfield R, Earl-Novell S. Gender and performance: the impact
of mode of assessment. Journal [serial on the Internet]. 2002 Date:
Disponível em: http://www.heacademy.ac.uk/resources.
57. Holmes FF, Holmes GE, Hassanein R. Performance of male
and female medical students in a medicine clerckship. JAMA.
1978;239(21):2259-62.
58. Weinburg E, Rooney JF. The academic performance of women
students in medical school. Medical Education. 1973(48):240-7.
59. Harward DH, Lyons CM, Porter CQ, Hunter RS. Comparasion of the
performance of male and female medical students and residents.
Medical Education. 1981(56):853-5.
60. Anderson JR, Lennox B, Low A. Medical students’ performance.
An analysis of selection procedures and examination marks in
Glasgow. Lancet. 1964(1):96-100.
61. Plauché WC, Miller JM. Performances of female medical students
in an obstetrics and gynecology clerkship. Medical Education.
1986(61):323-5.
62. Linn BS, Zeppa R. Sex and ethnicity in surgical clerkship performance. Medical Education. 1980(55):513-20.
63. Keitner GI, Baldwin LM, McKendall MJ. Gender and psiquiatric
clerkship performance. Can J Psyquiatry. 1984(239):327-9.
A voz da criança autista: o estímulo musical
cantado como suporte à comunicação
The voice of the autistic child:
the singing voice stimulus as a support for communication
Rosalina Machado
Universidade Católica Portuguesa e Escola Superior de Saúde do Alcoitão
Resumo
A voz das crianças de espectro autista revela ser monocórdica, pouco flexível e desprovida de emoções. O tema desta
investigação surgiu do interesse em averiguar se seria possível
verificar alterações no tom de voz da criança de espectro autista
através da música cantada. O estudo teve como objectivo principal verificar se a frequência fundamental (F0) sofreu alterações
depois do estímulo cantado.
A amostra engloba os alunos das salas TEACCH (Treatment
and Education of Autistic and Related Communication Handicapped Children) de quatro escolas primárias do distrito de Lisboa,
tendo o estudo sido realizado nas instalações das escolas, com
um total de 20 crianças com idades compreendidas entre os
5 e os 13 anos. O funcionamento das salas baseia-se numa
metodologia desenvolvida para crianças com espectro de
autismo. As sessões musicais, que foram realizadas como
parte do estudo, consistiam em cantar durante 15 minutos uma
música com o auxílio de um suporte instrumental gravado, de
forma a que cada criança pudesse ouvir e sentir os fenómenos
resultantes da voz cantada por um profissional de canto.
A recolha de dados foi realizada individualmente recorrendo
à aplicação Audacity. As palavras que foram seleccionadas de
cada elemento da amostra foram posteriormente analisadas no
Praat para obter as médias da F0.
Apesar de não ser possível generalizar os resultados, o
presente estudo demonstrou que dez sessões musicais foram
suficientes para verificar alterações da F0 (P=0,008; X=0.1), assim
como alterações no comportamento da amostra em estudo.
Palavras-chave: voz, autismo, criança autista, frequência
fundamental, música, comportamento. 
Introdução
A voz é um atributo do ser humano que o diferencia dos outros animais a partir do momento em
que a comunicação verbal passou a ser articulada.
A comunicação verbal através das palavras é o
método de transmissão de pensamento mais comum.
Falar e cantar são capacidades que o ser humano
* [email protected]
Abstract
The voice of the children with autistic spectrum disorder is
monochord, showing no flexibility, or any kind of emotion. This
study focuses on the abnormal voice of the autistic children
and aims to analyse whether the professional singing voice
can interfere in their speaking voice. Our intent is to know if the
fundamental frequency (F0) changes after a period of analysis
using a singing stimulus.
The sample under analysis are the students that study on
the TEACCH (Treatment and Education of Autistic and Related
Communication Handicapped Children) classes of four primary
schools in the district of Lisbon, being the study performed
on the school installations with a sample of 20 children with
ages that ranged between 5 and 13 years old. The TEACCH
classes have a specific methodology developed for autistics
children. The musical sessions that were performed as part
of the study, consisted of singing a music during 15 minutes
with an instrumental record, so that each children could hear
and feel the sensation of a singing voice, performed by a
professional singer.
The individual data was retrieved using the Audacity application.
The words that were selected from each child were afterwards
analyzed in Praat to obtain its average of the F0. Although, it is
not possible to generalize the results. The present study shows
that ten musical sessions were enough to create change in the
F0 (P=0,008; x=0.1) as well as, changes in the behaviour of the
children participating in this study.
Keywords: voice, autism, autistic child, fundamental
frequency, music, behaviour. 
desenvolveu com a finalidade de comunicar, seja
através de processos cognitivos ou emocionais.
No autismo funcional, o método de comunicação
verbal é ecolálico e nem sempre acontece com
intenção comunicativa. Alguns autores afirmam que
a voz falada dos autistas é estranha, rígida, pouco
flexível, monótona (Alvin, 1991) e desprovida de
emoções (Souza, 2000).
Um dos factores que impulsionou esta investigação
foi o interesse pela entoação de voz da criança
Cadernos de Saúde  Vol. 1  N.º 1 – pp. 63-71
64
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
autista funcional. As informações conseguidas sobre
o desenvolvimento vocal em crianças são escassos
e normalmente limitados pelo tamanho reduzido
das amostras.
Embora hoje em dia as crianças ouçam música
através de CD, rádio e televisão, torna-se necessário
que os adultos lhes cantem, de forma a ensiná-las
a utilizar a voz cantada, assim como normalmente
o fazem para as ensinar a falar (Gordon, 2000).
repetição; 2) fazer uma interacção dos resultados
obtidos na F0 com a resposta de conveniência do
questionário.
Devido ao número limitado de estudos realizados
na área em questão desta investigação, este estudo
é considerado um estudo piloto do tipo quase
experimental.
Questões orientadoras do estudo
A investigação teve como finalidade verificar se
houve alterações da F0 das crianças com perturbação
do espectro autista que frequentam salas TEACCH.
O estudo foi realizado durante o período escolar
num total de dez sessões de música cantada, com
a duração de 15 minutos respectivamente.
As questões orientadoras tiveram como objectivo
verificar as alterações que poderiam ocorrer na
F0 e no comportamento destas crianças perante
a voz cantada de um cantor profissional. Assim,
levantaram-se as seguintes questões:
O estímulo dado através da voz de um cantor
profissional pode influenciar a F0 de crianças com
perturbação do espectro autista?
Poderão ser encontradas alterações da F0 no PósTeste, entre as diferentes Classes de faixas etárias?
Poderá a estimulação musical dada por um cantor
profissional causar alterações no comportamento
(e.g.: maior concentração e fica mais calmo) das
crianças com perturbação do espectro autista, após
todas as sessões musicais?
Verifica-se um aumento da utilização da voz
cantada das crianças com espectro autista depois
da intervenção musical (e.g. canta quando lhe é
pedido e canta com a letra da música)?
Para as questões supra mencionadas foram levantadas as seguintes hipóteses:
Através do estímulo dado pelo cantor profissional,
verificam-se diferenças da F0 das crianças do espectro
autista que frequentam salas TEACCH, entre o PréTeste e Pós-Teste.
Existem alterações significativas da F0 entre as
diferentes Classes de faixas etárias no Pós-Teste.
Após término da intervenção musical manifestaram-se alterações do comportamento (e.g.: maior concentração e fica mais calmo) habitual de crianças do
espectro autista que frequentam salas TEACCH.
Verifica-se que as crianças com perturbação do
espectro autista que frequentam salas TEACCH
aumentaram a utilização da voz cantada após exposição ao estímulo (e.g. canta quando é pedido e
canta com a letra da música).
Depois de mencionadas as questões e as hipóteses
levantadas para orientação deste estudo, o investigador teve como objectivos: 1) analisar a média
da F0 nas palavras e sons com maior frequência de
Finalidade do estudo
Participantes
Para desenvolver o estudo em causa foi seleccionada uma amostra de conveniência. A amostra partiu
de uma população constituída por 21 crianças com
perturbação do espectro autista na faixa etária dos 5
aos 13 anos de idade, sendo 18 do sexo masculino
e 3 do sexo feminino (ver Quadro I).
Uma vez que a amostra é composta por uma
faixa etária alargada, foi feita uma distribuição por
“Classes” de idade da qual se obteve um total de
três Classes de faixas etárias. O objectivo desta
distribuição foi tentar controlar de certa forma os
resultados da F0 entre os subgrupos.
Quadro I – Caracterização geral da amostra
Sexo
Faixas etárias
(5 aos 7)
(8 aos 10)
(11 aos 13)
Total
Masculino
4 (23,5%)
8 (47,1%)
5 (29,4%)
17 (85,0%)
Feminino
1 (33,3%)
2 (66,7%)
0 (00,0%)
3 (15,0%)
Total de
Sujeitos
5 (25,0%)
10 (50,0%)
5 (25,0%)
20 (100%)
A amostra é maioritariamente de nacionalidade
portuguesa excepto duas crianças que possuem
nacionalidade angolana e russa. Apenas uma criança
do sexo masculino desistiu antes do Teste 1, ficando
um total de 20 crianças. Dessas 20 crianças, 11 são
funcionais sendo as nove restantes não funcionais
(ver Quadro II). Esta informação foi cedida pelas
técnicas das salas. A amostra foi recolhida em quatro escolas do 1º Ciclo pertencentes ao distrito de
Lisboa (Escola António Nobre - Benfica; Escola
A voz da criança autista: o estímulo musical cantado como suporte à comunicação
Santo Amaro – Alcântara; Escola de Santa Maria
dos Olivais – Olivais e Escola Sofia de Carvalho –
Algés). Estas escolas oficiais possuem salas TEACCH,
constituídas por um número limitado de crianças
com perturbações do espectro autista.
Devido à dispersão geográfica das escolas não foi
possível aumentar o tamanho da amostra. Como tal,
optou-se por realizar um Pré-teste como procedimento de controlo para o Teste 1 e Teste 2. Desta
forma foi conseguida uma avaliação da F0 antes da
intervenção musical, conseguindo como resultado
de controlo os resultados obtidos no Pré-teste.
Quadro II – Distribuição da amostra por sexo e autismo
funcional
Sexo
Autistas funcionais
Autistas não funcionais
Total
F
2
1
3
M
9
8
17
Total
11
9
20
Questionário
Dadas as observações feitas durante o estudo pelas
técnicas das salas TEACCH acerca das alterações no
comportamento habitual das crianças, elaborou-se
um questionário para recolher dados sobre essas
modificações. O questionário está dividido em duas
partes sendo a primeira relativa ao historial da
criança antes do estudo, e a segunda às alterações
no comportamento depois do estudo. O questionário é constituído por um total de 33 perguntas,
nove relacionadas com o historial da criança antes
da realização do estudo, 24 sobre a reacção da
criança durante o estudo. Para recolher outros dados
que possam ser relevantes e não abrangidos pelas
perguntas existentes, foi incluído um campo final
de observações onde é possível descrever outros
comportamentos observados. O questionário foi
entregue e explicado pessoalmente às técnicas das
quatro salas no fim da última recolha áudio (Teste
2). O questionário está baseado na Escala de Likert
(1935), com cinco pontos de classificações afirmativas. As respostas são assinaladas com apenas um “X”
num dos seguintes parâmetros: todos os dias, quase
todos os dias, às vezes, raramente e nunca. Apenas
foram validadas as respostas assinaladas com um
único “X” para cada resposta. Os questionários foram
preenchidos individualmente pelas técnicas das salas
correspondendo a um total de três questionários por
criança, dos quais foram realizadas as médias das
respostas supra mencionadas. De forma a simplificar
65
a análise destas respostas atribuíram-se os valores de
0 a 4 para cada afirmação, sendo 4 - todos os dias,
3 - quase todos os dias, 2 - às vezes, 1 - raramente,
0 - nunca. Foi calculada a média das respostas
assinaladas em cada uma das perguntas para todos
os questionários válidos, e posteriormente foi efectuada a distribuição das respostas considerando a
resposta 2 como positiva. Recorreu-se ao programa
excel para a elaboração dos cálculos e dos gráficos.
Para comparar as respostas positivas e negativas das
perguntas seleccionadas do questionário foi usado
o teste do Qui-quadrado de Pearson.
Apesar do questionário ter sido lido e rectificado
por um pequeno conjunto de pessoas, a avaliação
do mesmo foi qualitativa.
As gravações áudio foram efectuadas com o
recurso à aplicação Audacity versão 1.2.6, sendo
guardadas em formato WAV em pastas individuais
categorizadas pelo identificador atribuído a cada
criança. De seguida, elaborou-se uma folha em
excel onde se colocaram todas as palavras, frases
e sons que as crianças produziram e o número de
vezes que cada uma foi produzida, sendo assim
possível observar qual a palavra com maior frequência de repetição para cada criança em cada
momento de Teste. Com base nos valores obtidos
foi seleccionada para cada criança, a palavra com
maior frequência de repetição nos três momentos
de Teste. Foi ainda possível verificar que as palavras
com maior frequência de repetição diferem entre
crianças. Seguidamente, utilizou-se o Praat versão
4.4.33 para fazer a média da F0 nas palavras com
maior frequência de repetição de cada criança, no
Pré-Teste, Teste 1 e Teste 2. Os resultados foram
adicionados a uma nova folha de excel para fazer
os cálculos. Desta forma obteve-se a média da F0 da
mesma palavra nos três momentos de avaliação.
As análises foram guardadas numa nova pasta
com o mesmo código anteriormente atribuído. Cada
registo áudio teve uma duração aproximada de entre
cinco a dez minutos.
Forma de tratamento dos dados
a) Questionário – selecção das perguntas
Depois de uma análise global das respostas aos
questionários, foram consideradas no estudo as
perguntas nº 1, 7, 8, 13, 15.2, 15.5 e 15.8 (ver Quadro
III). Estas foram seleccionadas por estarem relacionadas com o tema da investigação e com as questões
66
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
orientadoras. No tratamento estatístico apenas foi
considerada a pergunta nº 1 (Teve Musicoterapia)
para verificar se teve influência nos resultados obtidos
nos momentos de avaliação.
Quadro III – Respostas do Questionário
Questão
Sim
Não
1
Teve Sessões de Musicoterapia?
4
16
7
Cantava sem lhe ser pedido?
8
12
8
Cantava quando lhe era pedido?
8
12
13
Canta quando lhe é pedido?
10
10
15.2
Canta com a letra da música sem ser pedido?
5
15
15.5
Fica mais concentrado nas actividades depois
da sessão?
14
6
Fica mais calmo após a sessão?
9
11
15.8
b) Questionário – tratamento dos dados
O teste de independência de Qui-Quadrado (χ2)
de Pearson foi utilizado para verificar se as respostas
ao questionário foram aleatórias ou não, podendo
deste modo aferir da veracidade do mesmo. Como
resultado deste teste, a probabilidade esperada das
respostas positivas e negativas foi de 50%.
Para a pergunta nº 7 (cantava sem lhe ser pedido),
os resultados obtidos pelo Qui-quadrado de Pearson
demonstram que as crianças que cantavam sem ser
pedido diferem daquelas que não o faziam (χ2=7.14,
p=0.007).
Os resultados obtidos para a pergunta nº 8 (cantava
quando lhe era pedido), revelam que as crianças
que cantavam quando era pedido, diferem daquelas
que não o faziam (χ2=3.379, p=0.066).
Análise estatística
Para tratamento dos dados foi utilizado o pacote
estatístico Jump JMP 6.03 (Sall et al. 2001) para computadores Apple Macintosh e o valor experimental
de α foi de 0,1. Foi usada uma ANOVA factorial
de medidas repetidas para comparar diferenças na
F0 (frequência fundamental). Esta ANOVA factorial
acomodou a presença de medidas repetidas com
o uso do termo aleatório no modelo (neste caso
a criança) como termo de erro em vez do termo
residual (Sall et al. 2001). As variáveis usadas na
análise estatística estão descritas na Tabela I.
Tabela I – Descrição das variáveis envolvidas na análise
estatística
Variável
Designação
Frequência fundamental
Teste
Autismo funcional
Autismo funcional
Sexo
Sexo
Idade por Classes de faixas etárias
Idade
Questão
Designação
Teve sessões de Musicoterapia
Teve Musicoterapia
Na variável Teste foram consideradas as médias da
F0 da amostra nos três momentos de avaliação. Foram
consideradas as variáveis autismo funcional e sexo
uma vez que um dos aspectos mais relevantes desta
dissertação diz respeito à voz da criança autista.
Dado que a amostra foi constituída por crianças
com uma faixa etária heterogénea, foram distribuídas
por Classes para verificar as alterações obtidas entre
as mesmas quando comparadas com a variável
Teste.
Análise dos resultados
Foi realizado um teste ANOVA de forma a comparar os resultados obtidos no Teste com as variáveis: autista funcional, sexo e idade com a questão:
“teve Musicoterapia”. O Quadro IV apresenta os
resultados.
Quadro IV – Comparação dos resultados da F 0
Source
DF
F
P
Teste
2
5.9139
0.0083*
Autista funcional
1
0.7607
0.3980
Sexo
1
1.6988
0.2138
Idade
2
5.3863
0.0175*
Teve Musicoterapia
1
2.6941
0.1105
Teste*autismo funcional
2
2.7400
0.0852*
Teste*sexo
2
2.8759
0.0763*
Teste*idade
4
2.7076
0.0544*
Teste*Teve Musicoterapia
2
7.7034
0.0026*
Foi realizado um teste Qui-Quadrado (χ2) de
Pearson de forma a comparar as respostas positivas
e negativas do questionário “Canta quando lhe é
pedido”, “Canta com a letra da música sem ser
pedido”, “Fica mais concentrado nas actividades
depois da sessão” e “Fica mais calmo após a sessão”. Os Quadros V, VI, VII e VIII apresentam os
resultados.
A voz da criança autista: o estímulo musical cantado como suporte à comunicação
Quadro V – Canta quando lhe é pedido
Test
ChiSquare
DF
Prob>Chisq
Likelihood Ratio
0,0182
1
0,8927
Pearson
0,0182
1
0,8927
Quadro VI – Canta com a letra da música sem ser pedido
Test
ChiSquare
DF
Prob>Chisq
Likelihood Ratio
14,6509
1
0,0001
Pearson
14,0000
1
0,0002
Quadro VII – Fica mais concentrado nas actividades depois
da sessão
Test
ChiSquare
DF
Prob>Chisq
Likelihood Ratio
7,3030
1
0,0069
Pearson
7,1429
1
0,0075
Quadro VIII – Fica mais calmo após a sessão
Test
ChiSquare
DF
Prob>Chisq
Likelihood Ratio
15,4677
1
<0,0001
Pearson
14,7544
1
0,0001
Os resultados obtidos pela ANOVA demonstraram
que a variável Teste por si só, teve um efeito altamente
significativo (F2,57=5.91, P=0.008) assim como na
variável idade (F2,57=5.39, P=0.017). Analisando os
resultados obtidos no Teste face aos vários parâmetros, todos os resultados obtidos foram significativos.
Para as várias hipóteses apresentadas neste estudo
foram obtidos os seguintes resultados:
Para a Hipótese 1 verificaram-se diferenças entre
valores de frequência fundamental para o Pré-teste
e Pós-teste: os resultados indicam que houve um
efeito altamente significativo no Teste (F2,57=5.91,
P=0.008). Este facto revela que as sessões musicais
influenciaram a frequência fundamental das crianças
em estudo.
Para a Hipótese 2 existiram alterações significativas
da F0 entre as Classes de faixas etárias: os resultados
na idade são significativos (F4,57=2.71, P=0.054).
Estes resultados demonstram que existem diferenças
na frequência fundamental entre as Classes.
Para a Hipótese 3 manifestaram-se alterações
no comportamento: os resultados obtidos no teste
do Qui-quadrado de Pearson mostram que, no
período Pós teste, o número de crianças que fica
mais concentrado é maior do que o número de
crianças que não fica (χ2=7.14,p=0.007). Para o
mesmo período, o número de crianças que fica mais
67
calmo é maior do que aquele das que não ficam
(χ2=14.75, p<0.001).
Para a Hipótese 4 houve um aumento no uso
da voz cantada: os resultados obtidos pelo teste
do Qui-quadrado de Pearson revelaram que no
período após o Teste, o número de crianças que
canta quando é pedido não difere do número que
não o faz (χ2=0.018, p=0.89). Para o mesmo período, o número de crianças que canta com a letra
é menor que o número de crianças que não o faz
(χ2=14.00, p<0.001).
Para além dos resultados obtidos para dar resposta às questões em estudo, foram encontrados
valores significativos na relação Teste e variável sexo
(F2,57=2.88, P=0.076). Este resultado indica que o
sexo teve influência na frequência fundamental das
crianças em estudo.
A variável autismo funcional também teve resultados significativos demonstrando que o factor autismo
funcional teve influência no Teste (F2,57=2.74,
P=0.085). Os resultados obtidos no Teste e “Teve
Musicoterapia” foi o mais significativo em relação
as outras variáveis em estudo. Isto revela que o
facto de não terem tido Musicoterapia antes do
estudo influenciou significativamente os resultados
do Teste.
Interpretação do questionário
Perante o historial do questionário, grande parte
da amostra em estudo nunca teve sessões de Musicoterapia antes das sessões musicais praticadas nesta
investigação. Este facto deu origem a resultados muito
significativos relativamente às alterações verificadas
na F0.
No que respeita às alterações de comportamento
musical (cantar), os resultados do questionário revelaram que quando recebem o estímulo musical,
existe um aumento da utilização da voz cantada
desta população. Nas questões relativas ao uso da
voz cantada, espontaneamente ou com incentivo,
obtiveram-se os mesmos resultados (sim=8, não=12).
Estes indicam que antes do presente estudo, as
mesmas crianças que cantavam espontaneamente
também o faziam quando eram incentivadas.
As alterações no comportamento foram altamente
significativas no que respeita à concentração após
as sessões. Este facto confirma os vários estudos
relativamente às alterações no comportamento das
crianças com espectro autista perante a música
(Brownell, 2002; Sausser & Waller, 2006).
68
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
Resultados da F 0
O valor obtido no teste ANOVA para a variável Teste revelou ser altamente significativo. Este
resultado permite concluir que dez sessões de
intervenção musical tiveram influência na F0 das
crianças em estudo.
A variável autismo funcional demonstrou que
por si só, não foi significativo. No entanto, quando
comparada com o Teste, os resultados foram
significativos, revelando que o autismo funcional
influenciou os resultados do Teste.
Os resultados obtidos entre o Teste e a variável
sexo também revelaram ser significativos em conformidade com um estudo realizado por Hasek et al.
(in Wertzner et al., 2005) no qual obteve resultados
mais baixos da F0 no sexo masculino em relação ao
sexo feminino em crianças entre os 5 e os 10 anos
de idade com distúrbios fonológicos.
Uma vez que a população deste estudo é constituída maioritariamente por crianças do sexo masculino, podemos concluir que esse factor pode ter
tido grande influência na alteração da F0.
Verificou-se que a variável idade teve resultados
altamente significativos. Posteriormente realizou-se
o teste Oneway Anova para verificar as diferenças
encontradas entre as Classes de idade. Os resultados
indicaram que a Classe 2 teve uma descida mais
evidente do que as Classes 1 e 3. Notou-se que a
Classe 2 (entre os 8 aos 10 anos de idade), foi a
que revelou uma descida mais significativa da F0.
Por outro lado, a Classe 3 (10 aos 13 anos de idade)
revelou ter valores mais baixos da F0 em relação
à Classe 1 (5 aos 7 anos de idade). Porém, existe
um desequilíbrio em relação ao número de crianças
entre as Classes, e devido a isso, as alterações da F0
serem mais evidentes na Classe 2. Pode-se constatar
que existe uma relação entre estes resultados e a
literatura no que diz respeito à descida da F0, que
resulta do crescimento da laringe e das pregas vocais
(Morrison & Rammage, 1994). De facto, a descida da
F0 é mais baixa na Classe 3 do que na Classe 1.
A questão “Teve Musicoterapia” não teve valores
significativos, no entanto quando comparada com o
Teste, os valores foram altamente significativos. Este
facto revela que as crianças deste estudo que nunca
tiveram sessões de Musicoterapia foram influenciados
pelas sessões musicais, provocando alterações na
F0 da população em estudo. Este resultado veio
comprovar os estudos realizados com crianças autistas e música, os quais demonstram que a música
pode provocar alterações no comportamento desta
população (Wigram & Gold, 2006).
Conclusão
O estudo piloto do tipo quase experimental aqui
apresentado constatou que ocorreram alterações
significativas na F0 da população em estudo. Essas
alterações podem ter sido causadas pelo facto de
ter surgido uma nova actividade no horário habitual
das crianças das salas TEACCH. Estas salas possuem
uma metodologia própria de forma a evitar surpresas
e manter a rotina diária. Para minimizar o impacto
das sessões musicais na rotina habitual das crianças
durante o período de estudo, a sessão musical foi
incluída no horário de cada criança. Apesar de se ter
verificado uma alteração da F0 não é possível afirmar
que esta alteração se mantenha após a realização
do estudo. Dado tratar-se de uma população que
pode atingir os objectivos propostos, por vezes
surgem regressões, o que não é de todo invulgar
no autismo.
Outro aspecto que pode ter provocado alterações
da F0, foi o facto da maioria das crianças nunca
terem tido sessões de Musicoterapia antes do estudo.
Verificou-se que os resultados obtidos na ANOVA
foram significativos quando comparados com a
variável Teste.
A Musicoterapia é uma ciência paramédica e
revela ser uma intervenção benéfica em doentes com
problemas neurológicos. Por isso, tratando-se de uma
amostra sem instrução musical antes do estudo, a
música pode ter causado um grande impacto na F0
desta população. Assim, podemos concluir que as
sessões musicais instruídas às crianças de espectro
autista das salas TEACCH que intervieram nesta
investigação, provocaram alterações da F0.
Sendo a voz de um cantor profissional significativamente mais variada do que a de um não cantor,
isso também pode ter influenciado os resultados
do Teste. A voz dos cantores profissionais é mais
variada e flexível, produzindo uma maior quantidade
de harmónicos durante o canto do que a voz de um
não cantor. A riqueza de harmónicos existente na
voz de um cantor profissional poderá ter influenciado
o processamento auditivo das crianças deste estudo
e por conseguinte ter provocado alterações na F0.
Ainda que a amostra não permita generalizar os
resultados, houve uma alteração significativa da F0
apesar do número reduzido de sessões musicais,
o que é de facto um resultado muito positivo perante
a população em estudo.
A voz da criança autista: o estímulo musical cantado como suporte à comunicação
Em relação aos resultados obtidos na variável sexo,
não é possível chegar a conclusões pelo facto de não
ter sido possível reunir uma amostra homogénea de
crianças do sexo feminino e masculino. Verificou-se
que as crianças do sexo feminino possuem grande
capacidade de imitação musical no que respeita à
entoação e memorização musical. Provavelmente essa
capacidade pode estar relacionada com o autismo
afectar sobretudo a população do sexo masculino,
e não ser tão severa no sexo feminino.
Devido às dificuldades encontradas na recolha da
amostra, o estudo teve de ter uma duração máxima
e concentrada em dez sessões musicais. Com base
nessas limitações e na população em análise, optou-se por uma duração máxima de 15 minutos por
sessão devido ao tempo limitado de concentração
nas actividades. Foi possível constatar durante as
sessões que as crianças da Classe 1 (entre os 5 e os
7 anos de idade) tinham um tempo mais limitado
de concentração na sessão do que as crianças da
Classe 2 (entre os 8 e os 10 nos de idade) e da
Classe 3 (entre os 11 e os 13 anos de idade). Apesar
de não ser um dos parâmetros em análise neste
estudo, foi contudo possível verificar que o poder
de concentração aumenta com a idade, sugerindo
que o tempo máximo de duração das sessões poderá
rondar os 15 minutos como tempo mínimo para
crianças entre os 5 e os 7 anos de idade.
Com base nos resultados obtidos da F0 entre as
várias Classes de faixas etárias, constataram-se valores
significativos, revelando que existem grandes diferenças entre as mesmas. A F0 varia ao longo do tempo
até estabilizar na fase adulta e por isso esperava-se
que entre os 5 e os 13 anos de idade se verificassem
diferenças da F0. Não obstante, a distribuição dos
subgrupos não foi simétrica, resultando num desequilíbrio numérico de elementos entre as diferentes
Classes. Além disso, seria necessário um número
(n) de amostra superior ao conseguido para que
a distribuição por subgrupos fosse estatisticamente
significativa. Contudo, os resultados obtidos entre
as Classes foi significativo quando comparado com
a variável Teste, concluindo que o factor idade teve
influência na alteração da F0.
Através das técnicas das salas TEACCH foi possível
notar diversas alterações comportamentais das crianças que participaram neste estudo. A mais curiosa
dessas alterações foi a descoberta da voz cantada por
parte das crianças, sendo importante salientar que
esta foi explorada tanto por crianças não funcionais
como por crianças funcionais. Esta realidade permite
concluir que, independentemente da funcionalidade
69
das crianças autistas que frequentem salas TEACCH,
é possível estimular essas crianças para a utilização da
voz cantada. Assim, podemos afirmar que dez sessões
de música cantada são suficientes para despertar
o incentivo para a sua descoberta e utilização em
crianças do espectro autista que frequentam salas
TEACCH. Esta conclusão é de suma importância na
medida em que podemos instruir alguma flexibilidade
vocal em crianças com autismo.
O facto das sessões terem sido contínuas, pode
ter contribuído tanto para as alterações da F0, como
para as alterações no comportamento. Visto ser
uma população que necessita de uma rotina para
manter a autoconfiança, as sessões musicais diárias
podem ter incentivado essas mesmas alterações. Por
isso, será possível afirmar que o trabalho musical
diário poderá proporcionar resultados positivos mais
evidentes do que um trabalho semanal.
Os resultados obtidos no questionário em relação
à questão “fica mais concentrado” após as sessões,
demonstrou que grande parte da população em
estudo fica mais concentrada (sim=14, não=6).
Para a questão “fica mais calmo”, nota-se apenas
um pequeno desequilíbrio entre as crianças que
ficam mais calmas após as sessões musicais do que
aquelas que não ficam (sim=9, não=11). Este facto
pode ter origem nos problemas de hiperactividade
de algumas crianças em estudo, factor este que é
comum no autismo.
A música induzida à população em estudo é composta por ritmos simples, o que pode ter influenciado
o comportamento destas crianças devido ao factor
rítmico da música. Por outro lado, é importante
realçar que 15 minutos de música diária conseguiu
acalmar quase metade da população em estudo,
tendo em conta os problemas de hiperactividade
de algumas crianças.
A possibilidade das crianças autistas cantarem
depois do incentivo através da voz cantada, pode
ser um grande contributo para novas pesquisas em
diversas áreas (e.g. linguística, neurologia e musical)
como também para contribuir positivamente para
o bem-estar do indivíduo. A produção e a audição
musical requer uma rede de distribuição neural
difusa. Para auxiliar essa análise neste estudo, tentou-se perceber o processamento neurológico durante
a produção e audição musical entre músicos e não
músicos. Este facto era de grande interesse uma
vez que esta investigação teria como instrumento
de trabalho o estímulo da voz cantada aplicado em
crianças com problemas no sistema nervoso central,
como é o caso do autismo. Assim, foi possível
70
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
concluir que, apesar destas crianças terem dificuldades na compreensão da linguagem verbal e dos sons
da voz falada, o mesmo não acontece na linguagem
musical cantada. Esta é um meio de comunicação
a que as crianças de espectro autista deste estudo
aderiram com entusiasmo e demonstraram que são
capazes de cantar depois de uma curta intervenção
musical (dez sessões). Por isso e sendo a música
considerada uma linguagem não verbal, podemos
afirmar que é uma forma de comunicar valorizada
e apreciada pela população em estudo.
O intento desta investigação teve como finalidade
expor as crianças das salas TEACCH em contacto
directo com o estímulo vocal cantado. Pretendia-se
verificar qual seria a reacção destas perante um
cantor profissional e se a música poderia ser um
suporte à comunicação. O resultado desse intento
foi muito positivo para ambas as partes, uma vez
que o investigador não esperava que num curto
espaço de tempo de intervenção musical, estas
crianças pudessem aderir e aceitar tão rapidamente
o investigador e o estímulo. Apesar de se mostrarem distantes durante as sessões, a experiência
pessoal juntamente com os questionários revelaram
que algumas crianças começaram a cantar. Outras
começaram a participar nas sessões cantando ou
completando o final da canção quando o investigador deixava de cantar. Em suma, a estimulação
musical cantada pode revelar benefícios no intento
comunicativo e, num futuro próximo, na voz falada
destas crianças.
O objectivo deste projecto foi observar se houve
alterações da F0 depois de dez sessões musicais
cantadas. Nesse sentido, tentou-se estimular as
crianças deste estudo com a letra da música e com
vocábulos tendo como exemplo a voz de um cantor
profissional. O estímulo musical cantado teve grande
influência, provavelmente devido ao processamento
auditivo. Sem dúvida que o segmento vocálico
durante o canto é mais longo do que na fala, o
que pode ter tido grande influência na captação e
assimilação da letra da música. Isto levanta novas
questões relacionadas com o processamento auditivo
das crianças autistas.
Existem alguns estudos sobre o desenvolvimento
musical e vocal com crianças portuguesas disfónicas
e monótonas, porém não foi encontrado nenhum
estudo realizado com crianças autistas onde relate
sobre a voz cantada desta população. No entanto,
os estudos encontrados com autismo e intervenção
musical demonstraram que a comunicação não verbal
é o meio mais eleito por esta população.
Investigações futuras
Seria interessante averiguar se a imitação da voz
cantada é devido ao segmento vocálico ser mais
longo do que na fala, ou se está mais relacionado
com a captação das frequências (Hz) da voz cantada.
Um factor interessante que não foi possível avaliar neste estudo foi o volume de voz utilizado na
produção da voz cantada. Todas as crianças que
exploraram a voz cantada, utilizavam um volume de
voz muito baixo, o que normalmente não acontece
na produção da voz falada. Para perceber esta
questão seria pertinente fazer um estudo longitudinal
para acompanhar o processo de descoberta da voz
cantada e verificar em que idades ou faixas etárias
é mais notável esse processo.
Outra questão importante a salientar é o processamento auditivo das crianças de espectro autista
durante a audição da voz falada e da voz cantada.
Estudos nesta área poderão dar resposta ao facto
destas crianças terem maior capacidade e talvez,
preferência de imitação da voz cantada do que da
voz falada.
É sabido que a voz de um cantor profissional
é mais flexível e rica em harmónicos do que um
indivíduo que nunca tenha tido instrução vocal.
Seria interessante verificar se existem diferenças nos
parâmetros de teste deste estudo perante sessões
musicais cantadas por um cantor e um indivíduo
sem instrução vocal. Também se poderia verificar o
processamento auditivo das crianças com perturbação autista sendo a instrução vocal dada por dois
indivíduos com treino vocal distinto.
Dado que se verificaram alterações no comportamento habitual das crianças com perturbação de
espectro autista das salas TEACCH, seria interessante
analisar as alterações no comportamento habitual
delas perante dois estímulos musicais cantados distintos (tonalidades maiores e menores, com ritmos
variados e dinâmicas opostas).
O estudo apresentado obteve resultados significativos perante uma amostra de 20 crianças com
perturbação do espectro autista que frequentam
o ensino oficial em salas TEACCH. Porém, houve
dificuldades em alargar o tamanho da amostra
devido ao número reduzido de crianças por sala.
Para tentar aumentar o tamanho da amostra será
necessário um tempo de investigação mais prolongado de forma a conciliar os horários entre as
escolas. Contudo, futuras investigações deverão
ter em conta uma amostra mais alargada de forma
A voz da criança autista: o estímulo musical cantado como suporte à comunicação
a conseguir um grupo experimental e um grupo
de controlo.
Escassos são os estudos realizados sobre a voz
da criança e, no que respeita ao autismo, ainda há
muito por explorar. O que levou ao arranque desta
investigação foi o tom da voz falada das crianças
com espectro de autismo e o facto de constatar
que estas tinham uma boa ligação com a música,
e portanto algo em comum com o investigador.
Pensou-se que talvez fosse possível estabelecer a
comunicação através da linguagem mais antiga do
ser humano – a música.
Espero que este contributo para as crianças do
espectro autista seja apenas um trampolim para o
desenvolvimento de futuras investigações nesta área
e que a música seja um meio que as possa servir
ao longo da vida.
Bibliografia
1.
Alvin, J. (1991). Music therapy for the autistic child (2ªed.). Unites
States: Oxford University Press.
2.
Souza, L.B.R. (2000). Fonoaudiologia fundamental. Rio de Janeiro:
Revinter.
3.
Gordon, E.E. (2000). Teoria de aprendizagem musical-competências,
conteúdos e padrões. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
4.
Sall, J., Lehman, A. & Creighton, L. (2001). JMP Start Statistics:
A Guide to Statistical and Data Analysis Using JMP and JMP IN
Software. Duxbury, Belmont, California.
5.
Brownell, M.D.(2002). Musically adapted social sories to modify
behaviours in students with autism: four case studies. Journal of
music therapy, 3 (2), 117-144.
6.
Sausser, S. & Waller, R.J.(2006). A model for music therapy with
students with emotional and behavioural disorders. The arts in
Psychotherapy, 33, 1-10.
7.
Wertzner, H.F., Schreiber, S. & Amaro, L. (2005). Analysis of fundamental frequency, jitter, shimmer and vocal intensity in children
with phonological disorders. Brazilian Journal of Otorhinolaryngology, 71 (5), 582-588.
8.
Morrison, M. & Rammage, L. (1994). The management of voice
disorders. California: Singular publishing group, Inc.
9.
Wigram, T. & Gold, C. (2006). Music therapy in assessment and
treatment of autistic spectrum disorder: clinical application and
research evidence. Child: care, health and development, 32 (5),
535-542.
71
A introdução de competências de gestão
na formação médica:
uma avaliação multidimensional das expectativas
Management competencesin medical education:
a multidimensional evaluation of expectancies
Figueiredo, T.1*; Castro Caldas, A.2*; Castela, G.3**
* Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa
** Faculdade de Economia da Universidade do Algarve
Resumo
A dinâmica organizacional que se tem manifestado nas
últimas décadas tornou imperativo o domínio de competências
de gestão, particularmente relevantes no sector da saúde.
Terá sido esta realidade percepcionada e incluída no currículo
médico? Existindo um impulso reformista na forma de encarar
a gestão de unidades de saúde, por que razão a maioria das
Faculdades de Medicina não integrou este domínio nas suas
reformas curriculares? Não obstante, parece existir uma forte
procura na aquisição destas competências complementares,
apenas numa fase pós-graduada, fundamentalmente justificada
por uma melhor qualificação na prática médica, na qual os
médicos são chamados a decidir em cenários com recursos
limitados e constrangimentos orçamentais. Pretendemos com
este trabalho, investigar as motivações das Faculdades de
Medicina em Portugal para a introdução de competências de
gestão no currículo pré e pós-graduado médico. Centrando-nos
nos alunos de medicina e na mudança operada no comportamento dos médicos, antes e após contacto com esta nova
competência, aspirámos qualificar e entender as expectativas
dos futuros licenciados em relação a este objectivo. Assim,
o recurso à Análise de Correlações Canónicas Não Lineares
permitiu, não só uma descrição multidimensional de topologias
e/ou tipologias de indivíduos, como também analisou as relações
entre as várias respostas, acomodadas em escalas óptimas,
determinando, deste modo, similitudes/dissimilitudes entre as
opiniões manifestadas, no decurso do processo de formação
médica.
Palavras-Chave: tipologias, topologias, escalas óptimas,
análise de correlação canónica não linear. 
Abstract
In the last decades, the organizational dynamics has shown
the imperative need to rule the management competences mainly
relevant in the health sector. Has this reality been perceived and
included in the medical curriculum? Once there is a reformist
impulse in the way how the health units are managed, why
haven’t most of the Medicine Faculties integrated this domain
in their curricular reforms? Hence, there seems to be a strong
search for these additional competences, only in a post-graduate
phase, above all justified by a better qualification in the medical
praxis, in which the doctors are called to decide in scenarios
with limited resources and budget constraints.
With this work we wish to research the perceptions and
eventual motivations of the students in the Medicine Faculties of
Portugal to introduce management competences in their medical
pre-graduate curriculum. Focusing on the medicine students
and on the change occurred in the doctors’ behaviour, before
and after contacting with this new competence, we aspired
to qualify and understand the future graduates’ expectations
in what regards this objective. Thus, the use of the Non
Linear Canonical Correlation Analysis has allowed not only the
multidimensional description of topologies and /or typologies
of individuals, but it has also analysed the relations among the
various answers, arranged in optimal scales, thus determining
similarities / dissimilarities among the shown opinions along the
medical training process.
From the results it was concluded that there isn’t a majority
group expressing a tendency clearly, but rather a distribution
of the respondents in the various typologies in every sample,
which indicates to the decision-makers a perspective of the
curriculum flexible approach, in a different model from the one
predominating in the present Medical Education institutions, that
still don’t work with the concept of curricular attractors.
Keywords: management in health care; optimal scaling;
nonlinear canonical correlation analysis 
Introdução e objectivos
1
2
3
[email protected]
[email protected]
[email protected]
O interesse pela Economia da Saúde cresceu
substancialmente em todo o mundo nas últimas
décadas. Várias classes profissionais, responsáveis
Cadernos de Saúde  Vol. 1  N.º 1 – pp. 73-80
74
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
pela Gestão desde economistas, gestores e administradores, mas também médicos e outros grupos do
sector, perceberam que “... só com um conhecimento
mais rigoroso e técnico poderiam fazer face à complexidade e dificuldades, que todos os sistemas de
saúde enfrentam.” (Pinto, G., 1999). Neste cenário,
a Gestão em Saúde, impôs-se como uma condição essencial ao sistema, requerendo profissionais
mais qualificados e equipados para responder com
melhores resultados, numa perspectiva de exigência
crescente dos clientes e dos governos, pretendendo
atingir maior grau de eficácia e eficiência.
De acordo com Silva, P. (2005), no sector da saúde
as últimas tendências registam (1) – uma pressão
para diminuir os custos, (2) – um crescente aumento
da componente informática, (3) – um aumento da
importância do Marketing de Serviços, (4) – um
aumento da importância das novas especialidades
e competências e, por fim (5) – o aparecimento de
novos nichos de mercado.
Nos últimos trinta anos tornou-se fundamental a
Gestão ou a Economia da Saúde como disciplina
fulcral no ensino médico (Pene, P., 1999). Em
Portugal só nos últimos cinco anos se verificou o
aparecimento desta matéria integrada nos conteúdos
curriculares, de uma forma muito ténue e incipiente
e numa fase pré-graduada. Apesar de reformas em
termos curriculares na Licenciatura em Medicina,
a formação em Gestão tem sido introduzida de forma
parcelar durante a formação básica. Recentemente,
surgiram alguns projectos que pretendem avaliar os
perfis e competências dos licenciados em Portugal
(McKimm, J., 2004; Jollie, C., 2005).
Decorrente destes dois trabalhos, uma das conclusões dos inquéritos efectuados a alunos do sexto
ano da Licenciatura em Medicina, refere-se à lacuna
em competências de Gestão durante a formação
médica pré-graduada. É precisamente no seguimento
desta falha que este trabalho aspira: (1) – apoiar a
formação médica com a introdução de competências
em Gestão, de forma a aperfeiçoar o curriculum
médico, (2) – dar resposta ao crescente interesse pela
Economia/Gestão na área da saúde e, (3) – orientar
os decisores para uma qualificação profissional que
exige, na actualidade, maior eficiência/eficácia no
desempenho médico.
Assim, pretende-se avaliar quais foram as motivações para a introdução da Gestão nas Faculdades
de Medicina em Portugal como na Universidade
da Beira Interior e na Universidade do Minho, as
mais recentes a possuírem licenciaturas em Medicina, integradas no modelo de ensino baseado
em problemas. As outras Faculdades de Medicina
realizaram reformas onde incluíram novos saberes
como Ética, Deontologia, ou Genética Molecular,
mas não introduziram nenhuma disciplina, mesmo
que opcional na área da Gestão ou de Economia
da Saúde. Assim, este trabalho tem como objectivos:
(1) – avaliar as necessidades de competências em
Gestão durante a formação médica, (2) – avaliar as
necessidades de competências em Gestão na fase
pós-graduada, (3) – avaliar os objectivos dos agentes
intervenientes na área da Saúde, em matéria de
Gestão e, por fim (4) – identificar relações/padrões/
/topologias decorrentes das avaliações observadas
de modo a apoiar intervenções futuras.
Procedimentos com escalas óptimas para
dados categóricos
Os dados categóricos são bastante utilizados no
Marketing e nas Ciências Sociais e Comportamentais.
Não obstante existirem adaptações para a maior
parte dos modelos de análise de dados categóricos,
é usual surgirem dificuldades quando os dados
apresentam: (1) – poucas observações, (2) – muitas
variáveis e/ou, (3) – muitos valores por variável.
Porém, segundo Heiser, W. J.; Meulman, J. (1995);
Van der Burg, E. (1988), através da quantificação
de categorias com recurso aos procedimentos de
escalas óptimas estas dificuldades são evitadas.
Deste modo, em vez da interpretação tradicional
de estimativas de parâmetros, a interpretação dos
resultados com escalas óptimas é geralmente baseada
em mapas perceptuais e permite uma boa análise
exploratória dos dados.
De acordo com os mesmos autores, o objectivo
do escalonamento óptimo consiste na atribuição de
quantificações numéricas às categorias de variáveis
nominais e ordinais, permitindo assim a utilização
de alguns procedimentos que visam obter uma
solução com as variáveis já quantificadas. Ao invés
das escalas originais das variáveis nominais ou
ordinais, estes valores assim escalonados apresentam
propriedades métricas. Para a maior parte dos procedimentos para dados categóricos, a quantificação
óptima para cada variável em escala é conseguida
mediante um critério de optimização que utiliza
um método iterativo denominado Alternating Least
Squares (ALS) desenvolvido por Young, F. W. et.
al (1976) o qual, após a utilização de quantificações para atingir uma solução óptima, as integra
e actualiza, promovendo um processo iterativo de
forma exaustiva.
A introdução de competências de gestão na formação médica
Figura 1 – Métodos de Redução de Dados
No entanto, segundo Pérez, C. (2005) existem
quatro procedimentos que utilizam escalas óptimas
(Figuras 1 e 2): Análise de Correspondências Simples
(ANACOR), Análise de Correspondências Múltiplas
(HOMALS), Análise Categórica de Componentes Principais (CATPCA) e Análise de Correlação Canónica
Não Linear (OVERALS).
Todos estes procedimentos estão enquadrados
como técnicas de análise multivariada de dados e
classificados como métodos de redução de dados,
nos quais, as relações entre as variáveis são representadas mediante mapas perceptuais, em poucas
dimensões.
Isto não só permite a descrição de estruturas,
padrões, tipologias e topologias nas relações difíceis
de aprofundar dada a sua complexidade, como também evidencia uma das maiores vantagens observada
Figura 2 – Procedimentos com Escalas Óptimas
75
na sua utilização, a qual reside
no facto de poder-se acomodar
dados com diferentes níveis de
escalonamento óptimo, como
é o caso desta investigação.
Assim, a utilização da ANACOR acede à análise de tabelas
de contingência bidimensionais
de dados nominais, a HOMALS
analisa tabelas de contingência com múltiplas dimensões,
onde todas as variáveis são
nominais, a CATPCA permite
a detecção de padrões de
variabilidade num conjunto
de dados com níveis mistos
de escalas óptimas e, por
fim, a OVERALS contabiliza
os padrões de variação de
vários conjuntos de variáveis, com níveis mistos
de escalas óptimas, com o objectivo de detectar
potenciais correlações.
Aplicação com dados reais
Apresentação do estudo
A introdução de uma disciplina de Gestão no
contexto educativo da Licenciatura em Medicina,
raramente condiciona mudanças comportamentais
relevantes. Importa, pois, colocar duas questões
fundamentais: (1) – qual a principal motivação do
corpo académico para esta introdução e consequente
mudança curricular, e (2) – se ela assegura os objectivos para que foi criada, alterando a prática médica
dos futuros licenciados. Interessa perceber se as
Faculdades de Medicina reflectiram sobre o que pretendiam
transmitir com a introdução
da Gestão no corpo teórico
da sua Licenciatura, e quais
as motivações e expectativas
que os alunos têm sobre o
tema, nos diferentes estádios
da formação, nos 3º e 5º anos
(ciclo básico e ciclo clínico)
e compará-los com as dos
médicos de medicina geral
e familiar. Para isso, foram
recolhidas três amostras dirigidas que retiveram, mediante
questionários de respostas
76
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
categóricas ordinais, as motivações e expectativas
mencionadas anteriormente.
Caracterização do espaço amostral e variáveis em
análise
No estudo foram utilizadas três amostras, não
probabilísticas dirigidas. Uma constituída por 19
alunos do 3º ano da Licenciatura em Medicina, outra
por 34 alunos do 5º ano da mesma licenciatura e
a última por 31 indivíduos médicos. Qualquer uma
das amostras consideradas foram caracterizadas
mediante as mesmas variáveis, definidas por três
conjuntos:
Conjunto 1: Variáveis Descritivas (Sexo, Idade e
Gastos Mensais em Formação);
Conjunto 2: Variáveis relativas à Avaliação de
Conhecimentos (Conhecimentos de Gestão (AVcg),
Fase pré-graduada (AVpg), Grupos de diagnósticos
homogéneos (AVdgh), Publicações (AVpublic)).
Conjunto 3: Variáveis relativas à Formação Médica
(Carga Horária (FMch), Projecto Integrado (FMpi),
Opcional/Obrigatória (FMopob), Conhecimentos
Complementares de Gestão (FMccg) para os alunos
dos 3º e 5º anos e Conhecimentos Complementares
de Gestão para a Prática Médica (FMpm) para os
Médicos, Custo/Benefício (FMcb) para os alunos dos
3º e 5º anos e Custo/Benefício no Exercício Médico
(FMcbex) para os Médicos).
Tabela I – Medição das Similitudes entre os conjuntos de
variáveis
Tabela II – Divisão do
Ajustamento
Metodologia
O algoritmo OVERALS foi primeiramente descrito
por Gifi (1981), Van der Burg, De Leeuw e Verdegaal
(1988) e Van der Burg (1988). As características
subjacentes a este procedimento, baseado em escalas
óptimas, pressupõem a partição das variáveis, especificadas separadamente em níveis mistos de escalas
óptimas, em diversos conjuntos. Analogamente ao
Modelo de Regressão Linear Múltipla, a Análise de
Correlação Canónica não Linear partilha algumas das
suas hipóteses, tais como a linearidade das relações
entre variáveis, a homoscedasticidade, a inexistência
de multicolinearidade e a normalidade multivariada
para fins de inferência. Na verdade, o objectivo
principal do OVERALS é analisar as relações entre
vários conjuntos de variáveis em vez de analisar, por
si só, as relações entre variáveis. Determina-se assim
a similitude entre conjuntos de variáveis, mediante
uma comparação simultânea das variáveis canónicas
(obtidas por combinação linear), de cada conjunto de
variáveis, com os valores óptimos (scores) atribuídos
aos indivíduos.
Resultados
Os resultados obtidos revelam, através da Tabela
I, a medição da similitude entre os três conjuntos
de variáveis, reduzidos a duas dimensões. Assim,
por exemplo, para os alunos do 3º ano, a Perda,
representa a proporção da variância (quantidade
de informação) que não é explicada pelo peso
A introdução de competências de gestão na formação médica
das variáveis combinadas, dentro de cada conjunto
(32%). Observe-se também que ocorre uma maior
perda na segunda dimensão. O Valor Próprio indica
quanto da relação é evidenciada por cada dimensão.
Assim 51,3% do ajustamento é explicado pela primeira dimensão e 48,6% pela segunda. A Correlação
Canónica, que mede a validade da relação global
entre as combinações lineares nos conjuntos das
variáveis por dimensão é de 79,4% na primeira e de
72,5% na segunda. A Correlação Múltipla observada,
por dimensão, para os três conjuntos de variáveis,
comprova que a relação linear entre as variáveis,
por conjunto, é elevada, o que traduz uma certa
consistência nas respostas dos indivíduos.
Uma interpretação análoga é aplicada aos alunos
do 5º ano e aos médicos.
A divisão do ajustamento e da perda é descrita
pela Tabela II, onde se observam, como medidas
da bondade do ajustamento, o multiple fit e o single
fit, cujos valores mais elevados e quase idênticos,
descrevem as coordenadas das múltiplas categorias
das variáveis mais relevantes. Sendo o multiple fit
igual à variância das referidas múltiplas categorias das
variáveis, torna-se uma medida comparável à medida
de discriminação da Análise de Correspondências
Múltiplas (HOMALS) e, desta forma, é possível
identificar as variáveis que melhor discriminam as
respostas, por cada conjunto de variáveis. Assim,
observa-se na amostra dos alunos do 3º ano que os
Gastos Mensais em Formação discriminam melhor
este grupo, os Conhecimentos de Gestão discriminam melhor as respostas respeitantes à Avaliação
de Conhecimentos e a Introdução da disciplina de
Gestão no Ciclo Clínico distancia mais as opiniões
destes alunos no que concerne à Formação Médica.
A quase ausência de single loss identifica uma perda
quase inexistente na informação com que cada
variável contribui para o ajustamento. Uma análise
semelhante é realizada com os alunos do 5º ano e
com os médicos.
Por outro lado, os Component Loadings fornecem uma boa indicação sobre a contribuição de
cada variável por dimensão e dão uma ideia da
importância que cada uma tem dentro do seu conjunto. Os gráficos descritos pelas Figuras 3, 4 e 5
assinalam para os alunos do 3º ano, as variáveis
mais importantes. Pode observar-se a existência de
duas direcções relevantes (as que melhor traduzem
as relações de oposição entre quadrantes) que não
coincidem com os dois eixos. Uma é determinada
por FMopob (1º quadrante) e FMch, FMccg e Gastos
(3º quadrante). A outra direcção é definida por AVcg,
77
AVgdh (1º quadrante) e Idade (3º quadrante). Na
mesma linha deste procedimento para os alunos do
5º ano, é observada apenas uma direcção importante,
determinada por AVpublic (2º quadrante) e por
Idade e FMopob (4º quadrante). Para os médicos, é
igualmente identificada uma direcção não coincidente
com os eixos a qual é definida por AVpg e FMch (1º
quadrante) e Sexo e FMig (4º quadrante), onde:
Figura 3 – Alunos do 3.º Ano
Figura 4 – Alunos do 5.º Ano
78
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
FMig ≡ Formação Médica introdução à gestão;
AVcg ≡ Avaliação Prévia de conhecimentos de
gestão;
AVgdh ≡ Avaliação Prévia em grupos de diagnósticos
homogéneos;
AVpublic ≡ Avaliação Prévia de conhecimentos em
publicações;
AVpg ≡ Avaliação Prévia pré-graduada.
Figura 5 – Médicos
FMopob ≡ Formação Médica opcional obrigatória;
FMch ≡ Formação Médica carga horária;
FMccg ≡ Formação Médica conhecimentos complementares de gestão;
Figura 6 – Tipologias dos alunos do 3.º Ano
É possível ainda interpretar as relações entre
as quantificações das variáveis transformadas em
escalas óptimas e os níveis das variáveis originais
(transformation plots).
Os padrões gráficos destas relações evidenciam
as categorias que melhor representam as respostas
dos indivíduos e sugerem, juntamente com os centróides projectados, a criação de quatro tipologias
comportamentais por grupo amostral e que mantêm
as relações de associação/oposição já mencionadas
anteriormente. Deste modo, para o grupo amostral
dos alunos do 3º ano, a Figura 6 descreve a existência de quatro grupos de indivíduos com opiniões
homogéneas entre si. O mesmo sucede para os
restantes grupos amostrais.
Desta maneira, confirma-se a existência de quatro
grupos de indivíduos distintos, nas suas opiniões,
A introdução de competências de gestão na formação médica
que passam a ser caracterizados pelas suas orientações face à introdução da Gestão no processo de
Formação Médica:
A TIPOLOGIA 1 (n = 6) descreve um grupo
mais jovem, com menores gastos em formação,
possuindo conhecimentos de gestão em saúde,
que não entende necessário a introdução da gestão
numa fase pré-graduada e que consideram a gestão
pouco importante para modificar a prática médica.
Este conjunto representa um grupo de indivíduos
que consideramos como IMPRUDENTES.
Por oposição, a TIPOLOGIA 3 (n = 3) representa um grupo de indivíduos mais velhos, com
maiores gastos em formação, reconhecendo possuir
insuficientes conhecimentos na área da gestão em
saúde, que sugerem a introdução da gestão na
formação médica antes da conclusão da licenciatura
e julgando-a importante para alterar a prática médica,
pelo que os consideramos como ASSERTIVOS.
A TIPOLOGIA 2 (n = 8) descreve um conjunto de
indivíduos que consultam regularmente publicações
na área da gestão ou economia da saúde e que
entendem relevante, na fase pré-graduada da sua
formação, conceitos de gestão/economia, pelo que
os designamos de PRÓ-ACTIVOS.
Em oposição à antecedente, a TIPOLOGIA 4
(n = 2) apresenta um grupo de indivíduos que
raramente consultam publicações na matéria e
que consideram irrelevante a introdução da gestão
durante a fase de formação médica pré-graduada,
pelo que os consideramos como REACTIVOS.
Figura 7 – Formação da Topologia I
79
A formação de topologias de comportamento
pode observar-se na Figura 7, onde se revêem as
4 tipologias associadas às três amostras, sequencial
e cronologicamente arrumadas. Tal como destaca a
Figura 7, a formação da Topologia I é simultaneamente assente em três tipologias, uma por amostra,
as quais mantêm as relações de associação/oposição
importadas das tipologias originais. Pretende-se,
deste modo, reconhecer padrões de comportamento
dos indivíduos e caracterizar orientações no que
concerne à similitude de opiniões face à introdução
de competências de Gestão na Formação Médica.
O mesmo procedimento acontece para os alunos
do 5º ano e para os médicos, originando as seguintes
quatro topologias:
TOPOLOGIA I, atribuída a 22 indivíduos, é constituída pelo público mais jovem do 3º ano, alunos
do 5º ano com os menores gastos em formação e
médicos do sexo masculino. Os alunos do 3º ano
alegam pouco importante a Gestão para modificar
a prática médica, ao invés dos alunos do 5º ano
que a consideram necessária. Por seu turno, os
médicos acham necessária a introdução da disciplina
de Gestão, ainda que seja acolhida com idêntico
ou superior número de ECTS, comparativamente às
restantes disciplinas.
TOPOLOGIA II, também com 22 indivíduos é
constituída por alunos do 3º ano que admitem
ter consultado com regularidade, publicações na
área da Gestão e que consideraram relevante a
introdução da disciplina numa fase anterior à licenciatura; alunos do 5º ano que também consultam
publicações com regularidade e que admitem a
introdução da disciplina de Gestão, como opcional,
numa fase anterior à licenciatura; e médicos que
também consultam publicações com regularidade
e caracterizam a introdução da Gestão numa fase
pré-graduada como fundamental para modificar a
prática médica.
TOPOLOGIA III, com 23 indivíduos, é constituída
pelo público mais velho do 3º ano, por alunos
do 5º ano com maior disponibilidade para gastar
em formação e por médicos do sexo feminino.
Tanto os alunos do 3º como do 5º ano consideram
aconselhável a introdução da Gestão durante a fase
pré-graduada. Os médicos crêem necessária a introdução da disciplina de Gestão com menor número
de ECTS relativamente às outras disciplinas.
80
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
Conclusões
Figura 8 – 4 Topologias Comportamentais
TOPOLOGIA IV, com 17 indivíduos, é constituída
pelos alunos mais velhos do 5º ano, por alunos
do 3º ano e por médicos que admitem raramente
ter consultado publicações na área da Gestão em
Saúde. Os alunos do 5º ano e os médicos consideram
justificável e/ou pouco importante a introdução da
disciplina de Gestão numa fase anterior à licenciatura, enquanto os alunos do 3º ano a consideram
irrelevante.
Deste modo, o reconhecimento de padrões e
de orientações (Figura 8) confirma a existência
de quatro grupos de indivíduos distintos nas suas
opiniões, que passam a ser caracterizados pelas
suas orientações face à introdução da Gestão no
processo de Formação Médica.
É possível identificar correspondências entre as
TIPOLOGIAS I do 3º ano, 5º ano e Médicos, que
denominámos respectivamente de IMPRUDENTES,
CAUTELOSOS e MODERADOS, pelo que avaliamos
a TOPOLOGIA I como PASSIVOS.
As TIPOLOGIAS III, por oposição às anteriores,
foram caracterizadas nas respectivas amostras como
ASSERTIVOS, PREVENIDOS e TRADICIONALISTAS,
pelo que identificamos a TOPOLOGIA III, como
AFIRMATIVOS.
Denominamos a TOPOLOGIA II como INOVADORES, por agregar os indivíduos PRÓ-ACTIVOS,
MODERNOS e ESCLARECIDOS, em oposição à
TOPOLOGIA IV, designada de CONSERVADORES,
constituída pelos grupos anteriormente rotulados de
REACTIVOS, PATERNALISTAS e RETRÓGRADOS.
Recentemente, foram publicados projectos que
pretendem avaliar os perfis e competências dos
licenciados em Portugal, e uma das conclusões
dos inquéritos efectuados a alunos do sexto ano
da Licenciatura em Medicina, refere-se à lacuna
em competências de Gestão durante a formação
médica pré-graduada. Com este ponto de partida,
pretendemos com este trabalho apoiar a formação
médica com a discussão sobre a introdução de
competências em Gestão, de forma a aperfeiçoar
o currículo médico, dando resposta ao crescente
interesse pela Economia/Gestão na área da saúde,
e orientar os decisores para uma qualificação profissional que exige, na actualidade, maior eficiência/
/eficácia no desempenho médico. Neste contexto,
a eficácia da gestão dos instrumentos teórico-processuais depende essencialmente da estratégia
metodológica que foi delineada. Na perspectiva de
que a melhor aproximação conceptual ao objecto em
estudo, de acordo com as suposições teóricas delineadas – multidimensionali­dade do espaço de análise,
abordagem estrutural dessa multidimensionalidade e
operacionalização de propriedades exclusivamente
categóricas – existem opções metodológicas que
actuam ao nível da análise multivariada de dados,
e cujo ajuste com os pontos de partida enunciados
é deveras interessante. É disso exemplo a Análise de
Correlação Canónica Não Linear (OVERALS). Numa
perspectiva grupal sobressai o objectivo de definir
grupos com perfis (tendencialmente) homogéneos –
Tipologias, para cuja análise se reclama a componente
relacional a dois níveis. A percepção intra-grupos
proporciona a interpretação das relações entre as
múltiplas propriedades seleccionadas para o efeito.
Para a leitura inter-grupos é necessário, e de novo,
visualizar o posicionamento relativo de uns grupos
face aos outros. É dessa análise comparativa que
se define o sistema de relações – de associação ou
de oposição – desenvolvido entre eles. A análise
aos resultados permite identificar quatro Topologias
que revelam dois eixos comportamentais, isto é,
observam-se duas variáveis comuns (Avaliação de
conhecimentos por consulta de publicações periódicas na área da Gestão em Saúde e Introdução da
Gestão na Formação Médica) orientadoras de quatro
padrões comportamentais de indivíduos, sendo que
a primeira (Avaliação de conhecimentos por consulta
de publicações periódicas na área da Gestão em
Saúde) distingue o eixo definido pelas TOPOLOGIAS
I e III do eixo definido pelas TOPOLOGIAS II e
A introdução de competências de gestão na formação médica
IV, e a segunda variável (Introdução da Gestão na
Formação Médica) compara-os.
A resenha histórica sobre a evolução das reformas
curriculares no nosso país denota um atraso e algumas heterogeneidades no conjunto das Faculdades
de Medicina em Portugal. O presente trabalho pretende ser uma primeira abordagem para identificar
as lacunas existentes actualmente nos currículos
das Faculdades de Medicina, em termos de Gestão
em Saúde, o que foi identificado como importante
para completar o perfil do licenciado médico em
Portugal, ainda que em diversos graus e perfis comportamentais. A Introdução da Gestão em Saúde
na formação médica pré-graduada, avaliada neste
estudo, será fundamental para equipar os futuros
médicos que terão que intervir num cenário de crise
de sustentabilidade do sector, pelo que é pertinente
que os Conselhos Pedagógicos estudem este tema.
A percepção de vários padrões comportamentais
nos grupos estudados, é uma linha orientadora para
os decisores pedagógicos, permitindo no futuro
desenhar reformas curriculares mais ajustadas às
necessidades dos alunos, com flexibilidade de
currículos enquadrando-se nas novas orientações
pedagógicas centradas no aluno.
Bibliografia
1.
De Leeuw, J. (1982). Nonlinear principal components analysis.
In COMPSTAT Proceedings in Computational Statistics, Viena:
Physica Verlag, 77-89.
2.
De Leeuw, J. (1984). Canonical analysis of categorical data. 2nd
ed. Leiden: DSWO Press.
3.
De Leeuw, J. (1984). The Gifi system of nonlinear multivariate
analysis. In Data Analysis and Informatics III, E. Diday, et al., ed.,
415-424.
4.
De Leeuw, J., and Heiser, W. J. (1980). Multidimensional scaling
with restrictions on the configuration. In Multivariate Analysis,
Vol. V, P. R. Krishnaiah, ed. Amsterdam: North-Holland, 501-522.
5.
Gifi, A. (1985). PRINCALS. Research Report UG-85-02. Leiden:
Department of Data Theory, University of Leiden.
6.
Heiser, W. J., and Meulman, J. J. (1995). Nonlinear methods for the
analysis of homogeneity and heterogeneity. In Recent Advances
in Descriptive Multivariate Analysis, W. J. Krzanowski, ed. Oxford:
Oxford University Press, 51-89.
7.
Van der Burg, E. (1988). Nonlinear canonical correlation and some
related techniques. Leiden: DSWO Press.
8.
Van der Burg, E., De Leeuw, J. and Verdegal, R. (1988). Homogeneity analysis with k sets of variables: An alternating least
squares method with optimal scaling features. Psychometrika,
53, 177-197.
9.
Pérez, C. (2005). Técnicas Estadísticas con SPSS: Aplicaciones al
análisis de datos. Madrid, Pearson Prentice Hall.
10. Young, F. W.; De Leeuw, J. and Takane, Y. (1976). Regression with
qualitative and quantitative variables: An alternating least squares method with optimal scaling features. Psychometrika, 41,
279-281.
81
Reflexões sobre formação contínua certificada
no contexto do Processo de Bolonha
Reflections on certified continuing education in the
framework of the Bolonha Process
Vitor Alaiz*
Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa
Resumo
Este artigo apresenta um estudo exploratório feito com o
objectivo de conhecer como é que licenciados em Medicina,
após terem frequentado um curso de Mestrado em Educação
Médica, percepcionavam a carga de trabalho (workload) que
as diversas actividades propostas pelo mesmo lhe tinham
suscitado. O estudo foi aplicado no âmbito de um mestrado
destinado exclusivamente a médicos.
Este estudo empírico, baseado num questionário construído
para o efeito, pretendia ser um ponto de partida para uma
reflexão mais ampla sobre a compatibilidade entre aprendizagem
ao longo da vida e formação pós-graduada certificada, reflexão
que extravasa o âmbito da educação médica contínua, contexto
em que este questionário foi inicialmente aplicado. Ou seja, sobre
os constrangimentos à formação contínua de profissionais com
elevado grau de formação académica realizada em cursos de
pós-graduação certificados por universidades num contexto
pós-Bolonha.
Palavras-chave: ECTS, carga de trabalho (workload),
Processo de Bolonha, formação contínua pós-graduada,
desenvolvimento profissional 
Relevância do tema
A caracterização da sociedade actual como sociedade do conhecimento está intimamente associada
ao conceito de aprendizagem ao longo da vida.
Esta não se limita aos adultos sem escolaridade
de nível superior. Pelo contrário, procura alargarse a todos os profissionais, sob as mais variadas
formas e processos, e nos mais variados espaços
de formação.
A universidade continuará a ser um espaço privilegiado para esta formação contínua:
* [email protected]
Agradecimento
À Dr.ª Maria Clara Melo pelo apoio na elaboração deste
estudo.
Abstract
This paper presents an exploratory study conducted with
Portuguese physicians, after they have attended a Master’s
degree course on Medical Education. The objective was to
know the perception that they had about the time and the
workload that each unity, the several learning activities and the
whole course had demanded.
The empiric study, based on a questionnaire designed for that
research, intended to be a starting point for a wider reflection
about the compatibility among continuing professional education
and qualification at the postgraduate level. This reflection
overflows the extent of the continuous medical education, in
which context this questionnaire was initially applied.
In other words, it proposes a reflection about the constraints
of the continuing professional education and qualification at
the postgraduate level within the context of the Bologna
Process.
Keywords: ECTS, workload, Bologna Process, postgraduate
level, continuing professional development, professional
continuing education 
“Escolas, universidades e professores, pelos tempos fora, foram os pilares do progresso humano e
social. Sonhar com uma sociedade que aprenda
sem contar com a sua contribuição é inadmissível. ...; as universidades são o eixo central
do conhecimento, insubstituíveis oficinas do
novo conhecimento e sedes da aprendizagem
avançada.”
(Carneiro, 2003: 164)
Porém, se, em virtude do processo de Bolonha,
a Universidade estrutura a sua oferta formativa em
função do sistema de créditos do ECTS e este,
por sua vez, se sustenta na carga de trabalho dos
estudantes (student workload), então coloca-se a
questão de saber se os graus académicos previstos
se coadunam com a situação de formandos que
Cadernos de Saúde  Vol. 1  N.º 1 – pp. 83-90
84
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
pretendem conciliar actividade profissional e formação contínua.
Aliás, as próprias organizações europeias de estudantes universitários já identificaram o problema:
1.Os créditos ECTS para a aprendizagem ao longo
da vida;
2.Previsão e medição da carga de trabalho do
estudante2.
The European Credit Transfer and Accumulation
System (ECTS) is far from being properly implemented in all institutions throughout the EHEA.
A correct measuring of student workload,
being a core principle of ECTS, has proven
to be the most significant problem in the
implementation of ECTS.
E as questões que enunciam para a primeira destas
oficinas explicita convenientemente o problema que
acima enunciámos:
Seminário 1: Os créditos do ECTS para Aprendizagem ao Longo da Vida
1. Os ECTS podem ser usados como o sistema de
créditos para a Aprendizagem ao Longo da
Vida?
2. O tempo é um tópico no contexto da Aprendizagem ao Longo da Vida?
3. Deveria ser o único? Vantagens e desvantagens
de ter um ou mais sistemas de créditos?
4. O ECTS pode ser uma ferramenta útil para o
reconhecimento da educação não-formal ou
informal?
5. Quais são as vantagens do ECTS para o estudante / estudantes?
(Bologna with Student Eyes. 2007: 38,
negrito nosso)
Mas se a carga de trabalho (student workload) é
um princípio central do ECTS, na opinião do grupo
de trabalho das associações de estudantes ele tem
sido negligenciado:
The map “ECTS on the ground” shows a significantly different picture of Europe and underlines
the need for much more attention to full and
proper implementation of ECTS. Also the findings
of the survey reveal clearly that the issue of
student workload is the most neglected
principle of ECTS. From only three countries
it has been reported that student workload is
properly measured and credits are adequately
linked to student workload. In all other countries,
workload is either measured but not properly
linked to credit, not adequately or not at all
measured.
(Bologna with Student Eyes. 2007: 44,
negrito nosso)
Mas não se diga que esta é apenas uma preocupação de algumas associações de estudantes, em
geral. Este princípio e a sua aplicação tem merecido
atenção por parte da própria direcção do Processo
de Bolonha, como é patente em algumas das suas
declarações e encontros. E a respectiva actualidade
fica patente no facto de estar marcado para 21-22/
Abril/2008, em Bruxelas1, uma Tuning Dissemination
Conference I, cujo tema é precisamente: Student
Workload and Learning Outcomes. Key Components
for (Re)Designing Degree Programmes. Esta Conferência, estrutura-se em 12 oficinas, das quais as
duas primeiras têm como temas:
Se é certo que estas questões não estão, de
momento, no centro das preocupações quanto à
educação médica, também não estão certamente
longe das mesmas, como prova o estudo conduzido
pela European University Association (EUA) (Creusy,
C. e Costigliola, V., 2005), no qual se analisam os
obstáculos e inconvenientes à implementação do
Processo de Bolonha na educação médica. Creusy
afirmou que o Processo de Bolonha é um desafio
para a educação médica e que o desenvolvimento
da aprendizagem ao longo da vida é um dos mais
complicados e disputados componentes dentro do
referido processo3.
Mas a situação das instituições de formação médica
relativamente ao Processo de Bolonha talvez seja mais
correctamente definida como de ambiguidade, como
se afirma num estudo em que se explica as razões
da implementação desse processo nas universidades
da Suíça (Probst, C., Weert, E. e Witte, J., 2006):
“The position of medical studies in the Bologna
process is ambiguous.” Isto porque, por um lado,
a estrutura de ciclos é considerada inadequada,
mas, por outro, “as mais relevantes organizações
internacionais de educação médica aprovam
1. ECTS credits for Life Long Learning e 2. Calculating and
measuring student workload
3
Creusy, C. (2005). The Bologna Process. Paper presented at
the AMSE Annual conference. Turku, Finland
2
1
Cf. http://www.tuning.unideusto.org/tuningeu/index.php?o
ption=content&task=view&id=199&Itemid=225
Reflexões sobre formação contínua certificada no contexto do Processo de Bolonha
muitos dos objectivos do Processo de Bolonha.”
(ibid.). E, em alguns casos, já adoptaram alguns
dos aspectos do mesmo como a atribuição de
créditos com base no sistema ECTS.
Além disso, os modelos de educação médica
contínua merecem cada vez maior atenção por parte
das organizações do sector4: moving CME from a
purely conference-based model to one which employs
best educational and quality principles to close the
clinical care gap.
Ou seja, o modo de certificação da educação médica
contínua não é portanto uma questão secundária:
Differentiated systems have been developed which
specify the level of acceptable CPD engagement.
Medical professional organisations or licensing
bodies have developed mechanisms of control,
often legally applied, specifying numbers of
accredited CPD courses or activities in which
doctors are required to participate, the individual doctor obtaining CPD points.
The increasing concern that CPD of medical
doctors should be adequate has led to demands
for systematic recertification in some countries,
entailing the development of systems for examination or other types of reassessment.
(WFME Office, 2003: 8)
Metodologia
85
Responderam 40 médicos, ou seja, a quase totalidade dos inscritos. Os resultados foram tratados
com recurso ao programa SPSS.
Apresentação dos resultados
Ordenação dos módulos
Num primeiro item, solicitou-se aos mestrandos
que pontuassem os módulos (com a atribuição da
pontuação de 1, mínimo a 10, máximo) em função
da quantidade de trabalho que cada mestrando se
recordava de ter realizado para a respectiva conclusão
com aprovação.
Tabela 1 – Pontuação dos módulos em função da respectiva carga de trabalho
O gráfico seguinte revela que ou a quantidade de
trabalho relativa de cada módulo foi diferenciada ou
que os mestrandos a percepcionaram como tal.
O Questionário, que procurava determinar a
representação da quantidade de trabalho que a
conclusão de cada módulo tinha suscitado, foi
aplicado aos mestrandos do curso de Mestrado
em Educação Médica (2004/5). Foi aplicado em
Setembro de 2005, dois meses após terminadas
todas as actividades, presenciais e não presenciais,
desse 1º ano do mestrado.
O questionário foi construído na perspectiva das
orientações do Processo de Bolonha. Foi solicitado
aos mestrandos que apreciassem a carga de trabalho
suscitada pelas várias “unidades curriculares” do
mestrado.
Era constituído por 3 secções: uma relativa à
sobrecarga de trabalho suscitada por cada um dos
módulos; a outra sobre o tempo gasto com cada
actividade de aprendizagem em cada um dos 10
módulos; outra ainda sobre o tempo gasto com a
totalidade do módulo.
Cf http://www.aamc.org/members/gea/cmesection/ (consultado em 2008)
4
Gráfico 1 – Pontuação dos módulos em função da carga de
trabalho
86
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
O módulo IV terá sido aquele que exigiu mais
trabalho; inversamente os módulos V e X foram
vistos como exigindo menos trabalho.
Isso encontra-se representado no gráfico
seguinte:
Na construção deste gráfico foram excluídos
(missing values) todos os mestrandos cuja resposta
a este item não estava de acordo com o que se
solicitava.
Tempo gasto por cada tipo de trabalho
A partir do programa do mestrado foram inventariadas cinco actividades de aprendizagem (tipo de
trabalho) que os mestrandos deveriam ter realizado
para concluir os diversos módulos:
1. Leitura de textos e outros documentos;
2. Trabalhos práticos entre as sessões presenciais;
3. Pesquisa documental;
4. Realização de testes de avaliação;
5. Produção de relatórios para avaliação.
Com o item B do questionário procurou-se saber
qual o peso relativo (expresso em percentagem)
que cada mestrando atribuía a cada uma dessas
actividades de aprendizagem em termos de tempo
gasto com as mesmas.
As tabelas e os gráficos adiante explicitam a diversidade de actividades de aprendizagem suscitada por
cada módulo, facto que se fica a dever, em parte,
à diferente natureza dos objectivos educacionais de
cada módulo.
Os resultados obtidos relativamente à actividade
1 (LTi) estão expressos na tabela seguinte:
Gráfico 2 – Leitura de textos e outros documentos
Quanto à realização de trabalhos práticos, a tabela
seguinte permite verificar que os módulos III (Audiovisuais), VIII (estatística) e X (PBL) suscitaram maior
número de “trabalhos práticos”, o que é consentâneo
com os respectivos conteúdos e objectivos.
Tabela 3 – Trabalhos práticos
Estes resultados são mais claramente expressos
pelo gráfico seguinte:
Tabela 2 – Leitura de textos e outros documentos
O gráfico seguinte revela que foram os módulos
VIII (LT8), IX (LT9) e X (LT10) que conduziram a
uma maior leitura de textos:
Gráfico 3 – Trabalhos práticos
Reflexões sobre formação contínua certificada no contexto do Processo de Bolonha
A pesquisa documental também não teve uma
exigência igual em todos os módulos:
87
Estes resultados são mais claramente expressos
no gráfico seguinte
Tabela 4 – Pesquisa documental
Gráfico 5 – Realização de testes
Verifica-se que os módulos I (PD1) e II (PD2),
além de, em menor medida, os módulos VI (PD6)
e VII(PD7), foram os que relativamente mais tempo
exigiram para a pesquisa documental.
A tabela seguinte testemunha que os mestrandos
não gastaram, nos diferentes módulos, o mesmo
tempo na “produção de relatórios”. Os módulos III,
V, VI, VII exigiram mais tempo para isso.
Tabela 6 – Produção de relatórios
O gráfico seguinte ilustra estes dados:
Gráfico 4 – Pesquisa documental
A tabela seguinte também ilustra de forma clara
quais os módulos em que os mestrandos gastaram
mais tempo na “realização de testes”: foram os
módulos IV, VIII e IX.
Tabela 5 – Realização de testes
Gráfico 6 – Produção de relatórios
Todavia, na análise destes quadros há que ter em
conta que alguns mestrandos registaram o facto de
em alguns módulos não terem assistido à totalidade
das sessões presenciais do mesmo.
88
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
Tabela 7 – Tempo gasto com cada módulo
Tempo gasto com cada módulo (em horas)
No item C solicitava-se a cada mestrando que
indicasse o tempo gasto com cada módulo (total
em horas)5.
Verifica-se que dois módulos se destacam pelo
tempo de trabalho exigido: o IV (com uma média
claramente superior à dos demais); e os V e X com
os valores mínimos.
De notar que alguns valores mínimos são nulos
ou muito diminutos. Isso significa que alguns mestrandos, dada a pressão da sua vida profissional
não puderam nem assistir às sessões presenciais
de um ou outro módulo, nem realizar actividades
previstas para o mesmo.
O gráfico seguinte permite visualizar os resultados
obtidos (média e dispersão em torno da média):
tiveram todas o mesmo peso relativo. Um resultado
expectável que, apesar de tudo, poderia merecer
reflexão por parte de responsáveis pela definição
pedagógica de ofertas de formação contínua articuladas com o modelo ECTS.
Quanto à carga de trabalho, as médias situaram-se
entre 3,87 e 8,85 revelando uma amplitude significativa de resultados. Quanto ao tempo de trabalho
despendido com os diferentes módulos, surge também uma elevada diversidade, com mínimos em 0
(zero) e máximos em 250 horas por cada módulo.
Resultados menos expectáveis, que revelam a dificuldade de construir módulos ou unidades curriculares
equivalentes no domínio da formação pós-graduada,
já que esta inevitavelmente lida com formandos
muito heterogéneos, com uma enorme diversidade
de experiências e perspectivas profissionais.
Mas, o facto mais surpreendente é que a soma
das horas de trabalho indicadas por cada um dos
respondentes, revela uma enorme carga horária.
Mesmo descontando as distorções produzidas pela
memória do respondente, não se pode deixar de
pensar que certamente terá sido muito difícil conciliar
uma actividade profissional intensa (como a da
totalidade dos médicos que frequentavam o curso)
com a frequência do mestrado. O que não pode
deixar de colocar a questão de quais os limites
temporais adequados e legítimos para as ofertas (e
correspondente certificação) de formação avançada
para profissionais em contexto universitário.
As limitações do questionário (que, dada a novidade da situação de formação, não foi previamente
submetido a um processo de validação tão apurado
quanto necessário) não impedirão que o mesmo
venha a ser aplicado noutros ciclos e noutros contextos de formação para permitir uma reflexão mais
sustentada sobre o regime de atribuição de créditos
ECTS às várias áreas de formação.
Conclusão
Gráfico 7 – Tempo de trabalho por cada módulo
Discussão dos resultados
Os resultados do questionário permitem inferir
que as diferentes actividades de aprendizagem não
A análise de resultados mostra que a consigne deste item
não estava suficientemente explícita tendo em conta que o
questionário foi preenchido por cada mestrando individualmente (em sua casa, no seu local de trabalho, (…) e não
numa situação colectiva que permitisse esclarecer o sentido
da pergunta.
5
Este estudo exploratório mostra que é necessário
ter em conta a opinião dos formandos quanto à
legitimidade dos créditos atribuídos a cada unidade
de formação. E isto tanto mais, quanto mais a universidade se orientar para a promoção da formação
contínua pós-graduada.
Mostra igualmente a necessidade de, na construção dos curricula, se efectuar a explicitação dos
objectivos educacionais em termos de resultados
de aprendizagem. Isso, aliás, é considerado um dos
procedimentos preliminares à definição rigorosa
89
Reflexões sobre formação contínua certificada no contexto do Processo de Bolonha
dos créditos do ECTS. Procedimentos esses que,
embora muito exigentes e minuciosos, retirando
desse modo tempo precioso à actividade de investigação de docentes universitários, são particularmente
necessários quando se pretende organizar formação
pós-graduada para profissionais.
Dito de outro modo, parece que com este processo
se caminha para acrescentar ao trabalho já actualmente desenvolvido pelos docentes universitários
um outro tipo de tarefas que, na ausência de melhor
termo, designaríamos por Pedagogia do Ensino
Superior. Se é certo que esta já constitui preocupação
prática de muitos docentes, na verdade é presumível
que venha a ser motivo de diálogo mais frequente
entre os membros do corpo docente das diversas
faculdades.
Revela ainda que se a sociedade actual se pretende
desenvolver como uma sociedade do conhecimento,
então a formação contínua pós-graduada merece
uma reflexão pedagógica acrescida que se deve
operacionalizar no momento da concepção das
ofertas de formação.
Anexo
Questionário
Ficha de avaliação da carga de trabalho de cada módulo
Na perspectiva da reformulação dos créditos atribuídos aos módulos deste mestrado em função do
sistema de créditos ECTS, é recomendado (cf. Tuning Project) que cada mestrando se pronuncie sobre
a quantidade de trabalho (workload) que realizou para concluir cada módulo. Sublinha-se que não
se trata de comparar a complexidade ou importância relativa de cada módulo, porque não é essa a
perspectiva do ECTS.
Solicitamos-lhe que aprecie os vários módulos em função do tempo de estudo e de trabalho (individual
ou em grupo) que efectivamente desenvolveu para o concluir.
A. Ordene os módulos (de 1, mínimo a 10, máximo) em função da quantidade de trabalho que realizou para a
respectiva conclusão
MÓDULOS
I
II
III
IV
V
VI
VII
VIII
IX
X
Mod Ens
Apren
Metod
EnsApre
audiovisuais
E-learning
Org
Cursos
Sist
avaliaç
Ensin
Invest
Estatística
Gest Unid
Ens Méd
PBL
CARGA DE TRABALHO
B. Distribuição relativa do tempo gasto em cada módulo por cada tipo de trabalho (em %)
MÓDULOS
I
Exemplo Mod Ens
hipotético Apren
TIPO DE TRABALHO:
Leitura de textos e outros documentos
20%
Trabalhos práticos entre as sessões
presenciais
20%
Pesquisa documental
20%
Realização de testes de avaliação
20%
Produção de relatórios para avaliação
20%
Total (em %) do tempo utilizado no
módulo (soma de controlo)
100%
100%
II
Metod
EnsApre
100%
III
IV
V
VI
VII
VIII
audioOrg
E-learning
visuais
Cursos
Sist
avaliaç
Ensin
Estatística
Invest
100%
100%
100%
100%
100%
100%
IX
X
Gest Unid
Ens Méd
PBL
100%
100%
C. Estimativa de tempo de trabalho despendido para a conclusão de cada módulo (previsivelmente, entre 25 a 150
horas por cada módulo)
MÓDULOS
Tempo de trabalho despendido
I
II
III
IV
V
VI
VII
VIII
IX
X
Mod Ens
Apren
Metod
EnsApre
audiovisuais
E-learning
Org
Cursos
Sist
avaliaç
Ensin
Invest
Estatística
Gest Unid
Ens Méd
PBL
Bibliografia
1.
Alaiz, V. (2006). Relatório sobre o Questionário aos Mestrandos
do Curso de 2004/2005. Lisboa: Instituto de Ciências da Saúde/
Universidade Católica Portuguesa (trab. policop).
2.
Bologna Process Committee 2005 - 2007 (Anne Mikkola, B. C., Colin
Tück, Daithí, & Mac Síthigh, N. G. Å., Sanja Brus). (2007). Bologna
with Student Eyes. 2007 Edition. London: ESIB - The National Unions
of Students in Europe.
3.
Carneiro, R. (2003). Fundamentos da Educação e da Aprendizagem.
Vinte e Um Ensaios para o Séc. XXI. Vila Nova de Gaia: Fundação
Manuel Leão.
4.
Creusy, C. (2005). The Bologna Process. Paper presented at the
AMSE Annual conference. Turku, Finland
5.
Creusy, C., & Costigliola, V. (2005). DEBOMED. The implementation
of the Bologna process in medical education. Brussels: European
Medical Association.
6.
Froment, P. E., Kohler, P. J., Purser, L., & Wilson, L. (Eds.). (2006). EUA
Bologna Handbook. Making Bologna Work. Berlin: RAABE academic
publishers.
7.
IFMSA-General-Assembly. (2004). The Bologna Declaration and
Medical Education. A Policy Statement from the Medical Students
of Europe. Megève, France: IFMSA General Assembly.
8.
Probst, C., Weert, E. d., & Witte, J. (2006). Medical Education in the
Bachelor-Master Structure: the Swiss Model. In P. E. Froment, P. J.
Kohler, L. Purser & L. Wilson (Eds.), EUA Bologna Handbook. Making
Bologna Work. Berlin: RAABE academic publishers.
9.
WFME.Office. (2003). Continuing Professional Development (CPD) of
Medical Doctors. WFME Global Standards for Quality Improvement.
Copenhagen: World Federation For Medical Education.
Produção científica relevante do ICS
91
INSTITUTO DE
CIÊNCIAS DA SAÚDE
Produção científica relevante do ICS
Desde a sua formação em 2004
1. Artigos Publicados
1. Castro Caldas A., Nunes MV., Maestú F., Ortiz T., Simões
R.,Fernandes R., La Guia E.,Garcia E., Gonçalves M, Learning
orthography in adulthood: a magnetoencephalographic study;
(aceite para publicação no Journal of Neuropsychology)
2. Lauterbach M., Martins I., Castro-Caldas A., Luís H., Amaral
H., Leitão J., Martin M., Townes B., Rosenbaum G., DeRouen
T., Neurological outcomes in children with/without mercury
exposure from amalgam: seven years of observation from
Casa Pia randomized trial; J. Am Dent Assoc Feb; 139(2):
138-145; 2008
3. Castro-Caldas A, Mineiro A, Da Confusio Linguarum a
uma hermenêutica da pluralidade; Revista Portuguesa de
Humanidades – Estudos Linguisticos, Vol 12 UCP; Braga,
pp.236-248; 2008
4. Townes, B, Martins, IP, Castro-Caldas, A, Rosenbaum, G,
DeRouen, T, Repeat Test Scores on Neurobehavioral Measures
over an eight year period in a sample of Portuguese children,
International Journal of Neuroscience, Jan;118(1):79-93,
2008
5. Duarte L. & Mineiro A. (2007) Terminologia em Língua
Gestual Portuguesa: uma necessidade para a tradução?
Processos de formação de Gestos em Ciências Naturais In:
Encontro Comemorativo dos 50 anos do Centro de Linguística
da Universidade de Lisboa (CLUL), Lisboa, http://www.clul.
ul.pt/artigos.php.
6. Petersson KM., Silva C., Castro-Caldas A., Ingvar M. &
Reis A.,Literacy: a cultural influence on functional left-right
differences in the inferior parietal cortex, European Journal
of Neuroscience, Vol 26, pp 791-799, 2007
7. Martin M, Benton T, Bernando M, Woods J, Townes B,
Luis H, Leitao J, Rosenbaum G, Castro-Caldas A, Pavao I,
Rue TE, DeRouen T, The association of dental caries with
blood lead in children when adjusted for IQ and neurobehavioral performance, Science of the Total Environment
377, 159-164,2007
8. Mineiro A., A metáfora na terminologia portuguesa da náutica:
um recurso cognitivo de língua e de cultura? In: (org.)
Inocência Mata e Maria José Grosso: Pelas Oito Partidas
da Língua Portuguesa: uma homenagem ao Professor João
Malaca Casteleiro: Macau: Universidade de Macau / Instituto
Politécnico de Macau / Departamento de Língua e Cultura
Portuguesa da FLUL, 2007
9. Mineiro A., Será a metáfora fundamental para a construção
da terminologia náutica portuguesa? In: Memórias da Revista
da Academia de Marinha: Lisboa, 2007
10.L Santos, J Simões, R Costa, S Martins, Lecour H., Toscana
vírus meningitis in Portugal – 2002-2005, Eurosurveillance
12(3-6): 126-28; 2007
11.L.C. Santos, J. Simões, M. Severo, J. Vasquez, Lecour H.,
Bacterial meningitis in an Urban Area: Etiologic Study and
Prognostic Factors, Infection 35(6): 406-13; 2007
12.Castro R., Lecour H., 25 anos de Sida – História de uma
pandemia, Revista Portuguesa de Doenças Infecciosas 3(2):
63-70; 2007
13.Lecour H, Santos L,, Epidemiologia da Hepatite Viral – Prevalência em Portugal, Tratado de Hepatites Virais. Editora
Atheneu, S. Paulo, Brasil, 2ª edição, pp. 27-30, 2007
14.Vieira, M., Editorial, Servir. Jan/Abr, Vol. 55, 1-2, pp. 1-2,
2007
15.Vieira, M., Editorial, Servir. Mai-Jun, Vol. 55, 3, pp. 1-2,
2007
16.Vieira, M., Editorial, Servir. Jul/Out, Vol. 55, 4-5, pp. 1-2,
2007
17.Vieira, M., Editorial, Servir. Nov/Dez , Vol. 55, 6, pp. 1-2,
2007
18.Marques, P., Vieira, M., Princípios éticos gerais no agir
em enfermagem: condicionamentos às intervenções de
enfermagem promotoras de dignidade das pessoas em fim
de vida, internadas em UCI, Bioethikos, , Vol. I, 2, pp.
45-55, 2007
19.Rascol O, Dubois B, Castro-Caldas A, Senn S, Del Signore
S, Lees A; Parkinson REGAIN Study Group Early piribedil
monotherapy of Parkinson’s disease: A planned seven-month
report of the REGAIN study, Mov Disorders, Dec; 21: 2110-5,
2006
20.DeRouen, T.; Martin, M.; Leroux, B.; Townes, B.; Leitão,
J.; Woods, J.; Castro Caldas, A.; Luís, H.; Bernardo, M.;
Rosenbaum, G.; Martins, I.; Neurobehavioral Effects of
Dental Amalgam in Children: A Randomized ClinicalTrial,
JAMA, 295:15 2006
21.Castro-Caldas, A., Delwaide, P., Jost, W., Merello, M., Williams,
A., Lamberti, P., Aguilar, M., Cesaro, P. and the ParkinsonControl Study Group. The Parkinson-CONTROL study, a
1-year randomized, double-blind trial comparing piribedil
(150 mg/day) with bromocriptine (25 mg/day) in early
combination with L-dopa in Parkinson’s disease, Movement
Disorders 21, 500-509, 2006
92
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
22.Lecour H., O desafio da patologia infecciosa. Editorial. Revista
Portuguesa de Doenças Infecciosas; 1(2): 5-6, 2006
23.Lecour H., Mestrado em Saúde Pública – contributo para
a sua história – Arquivos de Medicina –2006; 20 (4) JulhoAgosto: 127-9, 2006
24.Nunes E., Esclerose Múltipla. Uma Perspectiva Económica,
Revista Temática do Instituto Superior de Saúde Egas Moniz
– nº 5, 2006
25.Figueiredo A; Friedlander MR; Leite T; Os primeiros cinco
anos de publicação da revista “AcontecEnfermagem”; Revista
AcontecEnfermagem, Lisboa, Nº 12, pp. 17-21, 2006
26.Zurowsky B, Michel R, Nunes M V, Cornelius W, CastroCaldas A, Büchel C, The imprint of literacy on motion
processing brain areas, 12th Annual Meeting Human Brain
Mapping – June 11-15 – Florence, Neuroimage, Vol 31,
Supplement 1, 254 W-PM, 2006
27.Vieira, M., Representações da humanização de Cuidados
de Enfermagem - Parte II, (In)Formar, Vol. XII, 37, pp.
38-41.
28.Amaral, T., Adaptação após lesão medular e reabilitação:
uma revisão da literatura, (In)Formar, Vol. XI, 37, pp. 9-17,
2006
29.Differences in Neurobehavioral Performance: A Study of
Portuguese Elementary School Children; International Journal
of Neuroscience, 115; 1687-1709; 2005
30.Castro-Caldas, A. Investigare. Toxicodependências, 11, 15-20,
2005
31.Vieira, M., Representações da Humanização de Cuidados de
Enfermagem - Parte I, (In)Formar, Vol. XI, 35, pp. 17-22,
2005
32.Amaral, T., Espiritualidade: Uma dimensão do Cuidar, (In)
Formar, Vol. XI, 34, pp. 9-14, 2005
33.Neves, L., Alguns Constrangimentos Actuais à Humanização,
(in)Formar, Vol. XI, 35, p. 00, 2005
34.Neves, L., Enfermagem e Desenvolvimento Humano da
Pessoa, (In)Formar, Vol. XI, 34, pp. 00-00, 2005
35.Castro-Caldas, A. O Conceito de Dominância Cerebral
Revisitado. Re(abilitar) Número 0: 17-33, 2004
36.Castro-Caldas, A. Targeting regions of interest for the study
of the illiterate brain, International Journal of Psychology,
39, 5-17, 2004
37.Cavaco, S., Anderson, S. W., Allen, J. S., Castro-Caldas, A.
& Damásio,H., The scope of Preserved Procedural Memory
in Amnesia, Brain, 127,1853-1867, 2004
38.Coelho, M., Ferreira, J.J., Dias, B., Sampaio, C., Martins,
I.P.,Castro-Caldas, A. Assessment of Time Perception: The
Effect of Aging. JINS, 10, 332-341, 2004
39.Castro-Caldas, A. O Contributo da Neuroimagiologia para o
Diagnóstico e Tratamento Fonoaudiológico. Pró-Fono, 16,
3-5, 2004
2. Livros publicados
1. Castro Caldas, A., Viagem ao Cérebro e a algumas das suas
competências, Campus do Saber, Lisboa: UCP Editora,
2008
2. Mineiro, A., As metáforas que constroem a terminologia
náutica portuguesa, Academia de Marinha: Lisboa, ISBN:
978-972-781-101-4, 2007
3. Vieira, M., Ser Enfermeiro: Da compaixão à proficiência,
Lisboa : Católica Editora, Colecção Campus do Saber, Vol:16,
972-54-0146-8, 2007
4. Castro-Caldas, A. e A. Mendonça. (Eds), A Doença de
Alzheimer e outras Demências em Portugal, Lisboa: Lidel,
2005
3. Capítulos publicados
1. Castro-Caldas, A. “Como se adapta o cérebro ao conhecimento da ortografia” in Despertar para a Ciência – Novos
Ciclos de Conferências, Gradiva, pp 13-45, 2007
2. Castro-Caldas A., “Cérebro, Transcendência e Humanismo”
in Deus no século XXI e o futuro do cristianismo, Borges
A.(Eds), Campo das Letras, 2007
3. Castro-Caldas, A. “Relationship Between Functional Brain
Organization and Education”. In International Handbook
of Cross Cultural Neuropsychology. Uzzell, B., Ponton,
M.O.and Ardila, A. (Eds), 2007
4. Castro-Caldas, A. “A insustentável solidão das microciências”
in Novos Horizontes das Humanidades, UCP, 2006
5. Castro-Caldas, A. 0s processos neurobiológicos subjacentes
ao conhecimento da matemática» in Desastre no Ensino da
Matemática: Como recuperar o tempo perdido, Crato, N.
(Coord), Gradiva 2006
6. Castro-Caldas, A. As necessidades cognitivas da criança.
in Mais Criança: as necessidades irredutíveis, João GomesPedro(Ed), ACSM Editora, 2005
Produção científica relevante do ICS
7. Castro-Caldas, A., Egas Moniz: Fundador de um escola de
Investigação in: Estudos do Séc. XX nº5 2005
8. Castro-Caldas, A. A Ciência e a Tecnologia in Desafios à
Igreja de Bento XVI, Casa das Letras, Cruz Quebrada, pp
101-111, 2005
9. Castro-Caldas, A. O cérebro e as suas funções. in A Doença
de Alzheimer e outras Demências em Portugal. A. CastroCaldas e A. Mendonça. (Eds), Lisboa: Lidel, 2005
10.Castro-Caldas, A. A Língua Materna nos Primeiros Anos de
Escolaridade: A Perspectiva das Ciências Neurocognitivas. in
A Língua Portuguesa. Presente e Futuro. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, pp 39-46, 2004
11.Castro-Caldas, A. O Leucótomo. in Circulação M.V. Alves e
A. Barbosa (Eds)Lisboa: Faculdade de Medicina de Lisboa,
pp116-121, 2004
12.Castro-Caldas, A., Power in the Framework of Cognitive
Neuroscience in Power in Focus: Perspectives from Multiple
Disciplines. Subhash Durlabhji (Ed.) Wyndham Hall Press,
pp 269-298, 2004
13.Castro-Caldas, A. «Neuropsicologia da Linguagem» in Neuropsicologia Hoje, V.M. Andrade, F.H. Santos e O. Bueno
(Org), Editora Artes Médicas, pp 165-208, 2004
14.Castro-Caldas, A Existirá um Homem Neuronal? in Consciência
e Cognição. Publicações da Faculdade de Filosofia – UCP,
Braga, pp15-27, 2004
93
94
Cad er n o s d e S aú d e  Vol. 1  N . º 1
INSTITUTO DE
CIÊNCIAS DA SAÚDE
Cursos a abrir no ano lectivo de 2008/2009
1.º ciclo
1. Licenciatura em Enfermagem
2.º ciclo
1. Mestrados em Enfermagem
De natureza profissional (3 semestres, 90 ECTS)
Especialização em:
• Enfermagem Comunitária – Lisboa e Porto
• Enfermagem Médico-Cirúrgica – Lisboa, Porto e
Viseu
• Enfermagem de Saúde Infantil e Pediatria – Lisboa
e Porto
• Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria –
Lisboa e Porto
• Enfermagem de Reabilitação – Porto
• Enfermagem em Saúde dos Idosos e Geriatria –
Lisboa e Porto
De natureza académica (4 semestres, 120 ECTS)
(as mesma do curso de doutoramento):
• História e Filosofia da Enfermagem – Lisboa e
Porto
• Educação em Enfermagem – Lisboa e Porto
• Gestão de Serviços de Enfermagem – Lisboa e
Porto
• Enfermagem Avançada – Lisboa, Porto e Viseu
2. Mestrado em Cuidados Paliativos (4 semestres –
120 ECTS) – Lisboa e Porto
3. Mestrado em Infecção em Cuidados de Saúde (4
semestres – 120 ECTS) – Lisboa
4. Mestrado em Feridas e Viabilidade Tecidular –
Lisboa e Porto
5. Mestrado em Neuropsicologia
Especialização em:
• Neuropsicologia da Infância e Adolescência
• Neuropsicologia da Idade Adulta e Velhice
6. Mestrado integrado em Medicina Dentária (10
semestres – 300 ECTS) – Viseu
3.º ciclo
1. Doutoramento em Enfermagem
2. Doutoramento em Ciências da Saúde