N.º 1 - Instituto de Ciências da Saúde
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N.º 1 - Instituto de Ciências da Saúde
Cadernos de Saúde Volume 1 N.º 1 Índice Editorial 3 Alexandre Castro Caldas Dor Total nos doentes com metastização óssea 7 Manuel Luís Vila Capelas O ensino médico pós-graduado baseado em competências: reflexão sobre o Internato Médico 23 Fernando Domingos Descrição e análise de um sistema de avaliação das aprendizagens numa Faculdade de Medicina 51 Leonor Ramalho A voz da criança autista:o estímulo musical cantado como suporte à comunicação 63 Rosalina Machado A introdução de competências de gestão no processo de formação médica: uma avaliação multidimensional das expectativas mediante correlações canónicas 73 Figueiredo, T.; Castro Caldas, A.; Castela, G. Reflexões sobre formação contínua certificada no contexto do Processo de Bolonha Vitor Alaiz 81 Editorial Alexandre Castro Caldas O Instituto de Ciências da Saúde (ICS) foi criado na Universidade Católica Portuguesa (UCP) em 2004 com o objectivo de desenvolver os domínios científicos que convergem num tronco comum que se identifica com as questões que se levantam a propósito da Saúde. Qualquer Universidade, com a dimensão da UCP e com a vocação de ensinar, investigar e prestar serviços de qualidade, deve incorporar este domínio do saber pelo que ele tem de multidisciplinaridade e de oportunidade de gerar interfaces enriquecedoras do seu acervo científico e pedagógico. Na Saúde convergem os problemas mais básicos da Biologia, orientados para a investigação fundamental ou para a sua aplicação à prática clínica, prática clínica que hoje se tem que entender partilhada por um número crescente de profissionais com preparações elementares distintas e perfil de actuação específico. Entender o mundo complexo de actuação destes profissionais é, só por si, um enorme desafio científico: a exploração dos sistemas complexos das organizações, associada ao contributo fundamental dos sistemas informáticos, deve criar o constante aperfeiçoamento dos serviços, abandonando hábitos corporativos seculares que não se podem aceitar no mundo moderno. Nestes domínios convergirão os cultores das ciências fundamentais como a Anatomia, a Fisiologia, a Biologia, a Química, a Farmacologia, entre outras associadas às áreas da Gestão, das Ciências Sociais, das Matemáticas aplicadas da Informática, e ainda as novas áreas geradas pelo potencial de formação diferenciada gerado pela adaptação a Bolonha que permite criar profissionais de perfil individual adaptável a problemas concretos. O domínio da Saúde é talvez um dos que pode beneficiar mais destas novas combinações de formações de primeiros e segundos ciclos, assunto para o qual o ICS tem estado particularmente atento. Não podemos esquecer que a tecnologia aplicada à Saúde se tem vindo a desenvolver a uma velocidade impensável, de tal forma que cada nova técnica quando está pronta a ser incorporada na prática regular, corre o risco de estar já ultrapassada por novas propostas com maior capacidade de resposta. Este componente, oriundo dos campos Engenharia e da Física deve ser um acompanhante diário dos serviços de hoje, tendo o ICS vindo a estabelecer uma ligação importante com a Faculdade de Engenharia da UCP. A incorporação de todos os componentes deste mundo complexo e a sua gestão no contexto geral dos sistemas pagadores e da vida da sociedade é também um desafio actual a que urge estar atento e para o qual vai sendo necessário criar soluções apropriadas. Não podemos nunca esquecer que os sistemas de saúde existem porque há pessoas que sofrem e que necessitam de cuidado: essa é a preocupação que deve dominar. A UCP tem a responsabilidade acrescida de transportar consigo a tradição da Igreja Católica de solidariedade com os que sofrem, reduzindo esse seu sofrimento e dando um sentido à vida nos momentos mais difíceis. No nosso país, a Igreja é responsável por um volume apreciável de serviços correndo em paralelo com o Serviço Nacional de Saúde, colmatando muitas das suas falhas e carências. Um pouco por todo o país se podem encontrar pequenas organizações onde o sentido da solidariedade humana é cultivado com preciosa dedicação. A UCP tem obrigação de identificar esses pólos de prestação de cuidados e de informar cientificamente essa solidariedade, através de acções de formação contínua e de fornecimento Cadernos de Saúde Vol. 1 N.º 1 – pp. 3-4 4 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 de soluções apropriadas para cada caso, tentando dar-lhe um sentido nacional por incorporação de sinergias ao que se pode identificar como uma rede nacional. Todos estes temas devem ser trabalhados integrados ainda nos domínios mais abrangentes do Direito, da Filosofia e da Ética, sem o contributo dos quais não se pode desenvolver um programa coerente. A relação entre estes departamentos da UCP com o ICS tem vindo a estreitar-se. Do que ficou já dito se compreende que todo o projecto do ICS necessita de se alicerçar em três componentes: a prestação de cuidados, o ensino e a investigação científica. Nenhum destes componentes pode ser negligenciado ou subalternizado: só se pode ensinar aquilo que se sabe fazer, só se sabe fazer bem feito aquilo que é feito com informação actualizada resultante de constante trabalho de pesquisa. Com o passar do tempo, tornou-se evidente que a orientação seguida pelo ICS era a mais correcta, pesem embora as dificuldades que têm vindo a ser superadas ao longo do percurso. Os programas de formação propostos pelo ICS tiveram aceitação, não só por parte dos profissionais que os têm vindo a frequentar, mas também por parte do Governo que, através dos Ministérios da Educação, da Ciência e da Saúde, apoiou já diversos desses programas. Também uma palavra deve ser dita sobre o apoio da Fundação Gulbenkian, que apoiou projectos de investigação e de ensino, e da Fundação Merck Sharp & Dohme que desde o primeiro dia estabeleceu um protocolo de apoio com o ICS. O ICS enquanto Instituto de âmbito nacional tem actividade em três Centros Regionais: Lisboa, Porto e Beiras. No conjunto dos três pólos reúne neste momento mais de 2000 alunos. A Enfermagem é sem dúvida o sector mais desenvolvido pois integra duas Unidades de Ensino, com programas de formação que vão desde a licenciatura aos Mestrados profissionalizante e académicos e ao programa de Doutoramento. A Medicina Dentária no Centro Regional das Beiras, foi recentemente reestruturada e pretende vir a ser um pólo de convergência de profissionais de todo o país e de Espanha em acções de formação continuada tão necessárias nesta profissão. À volta deste interesse pretende-se o desenvolvimento de profissionais de tecnologias de Saúde no âmbito da Medicina Dentária e o desenvolvimento de projectos de trabalho no terreno quer virados para a prevenção da cárie nas crianças da região de Viseu para o apoio aos casos de diagnóstico e tratamento mais difícil que só uma Clínica Universitária bem implantada na comunidade pode resolver. No domínio da Medicina deve salientar-se o sucesso que teve o programa de Mestrado em Educação Médica feito em colaboração com a Harvard Medical School. Este programa contou com o apoio da Fundação Luso-Americana para o desenvolvimento e envolveu já 75 médicos que hoje se interessam pelas difíceis questões da Educação Médica e que connosco vão partilhando o desenvolvimento de projectos de formação. Para além deste programa, criaram-se ainda os programas de Mestrado em Infecções Relacionadas com os Serviços de Saúde, de Mestrado em Feridas e viabilidade tecidular, e em SIDA. O programa de Mestrado em Cuidados Paliativos, a correr em Lisboa e no Porto tem tido enorme procura. Este é um dos temas que se entendeu ser fundamental cultivar no seio da UCP. Julgamos ser fundamental formar profissionais capazes de 5 responder às questões difíceis do fim da vida. Da mesma forma, entende-se que a UCP tem obrigação de se envolver activamente no domínio dos cuidados continuados integrados que começam a dar os primeiros passos no nosso país. Estão em preparação acções de formação neste sentido, existindo uma colaboração em diversos projectos com a Unidade de Cuidados Continuados Integrados que foi criada pelo Ministério da Saúde. A ligação ao Ensino Politécnico, através do ensino da Enfermagem, abriu as portas para as Tecnologias da Saúde e nesse sentido se criaram já cursos de Licenciatura e Mestrados. Os Mestrados decorrem em parceria com a Escola Superior de Saúde do Alcoitão e dizem respeito às Ciências da Fala, Patologia da Linguagem e Reabilitação Neurológica. Na proximidade deste interesse na reabilitação encontra-se a ponte com as ciências da Educação. Organizou-se o Mestrado em Língua Gestual Portuguesa e aguarda-se autorização e apoio para iniciar a licenciatura, para a qual se obteve já o apoio da Fundação Portugal Telecom, que permitirá instalar um sistema de ensino à distância acessível à comunicação por língua gestual. O desenvolvimento destes projectos foi sempre acompanhado pela organização de grupos de investigação onde se desenvolvem múltiplos projectos. O ICS é hoje forja de uma produção científica que começa a ter significado e de que se torna indispensável dar notícia pública. Foi essa a motivação fundamental para a criação destes Cadernos. Entendemos que o trabalho científico deve ser publicado em revistas de grande impacto internacional, isso é prioridade do ICS e disso se dará conta nestas páginas, mas não invalida que se crie um instrumento que permita o registo da muita actividade que vai sendo feita em forma de artigos seleccionados de algumas das provas académicas ou de artigos da iniciativa de alunos e docentes e outros colaboradores. Devemos, ainda, aproveitar para fazer menção ao Prémio Monsenhor Feytor Pinto lançado em colaboração com a Pastoral da Saúde destinado a distinguir trabalhos sobre a Espiritualidade e os cuidados de Saúde. Trata-se aqui de estimular a investigação científica num domínio pouco trabalhado ainda e que carece de desenvolvimento. Este é o primeiro ano em que será atribuído, mas é nosso desejo que se torne um prémio conhecido e desejado por muitos investigadores Neste primeiro volume publicam-se alguns textos que julgamos serem do interesse de muitos e dá-se conta também do elenco dos Professores que até agora se associaram ao projecto. Estou certo de que a lista está ainda incompleta, mas para já agradeço a disponibilidade dos que aceitaram o desafio. Com eles contamos para a verificação da qualidade dos textos publicados e para o contributo que entenderem dar para o desenvolvimento dos CADERNOS. Dor Total nos doentes com metastização óssea Total Pain in patients with bone metastases Manuel Luís Vila Capelas* Escola Superior de Enfermagem S. Francisco das Misericórdias Resumo Dor Total é um conceito fulcral em cuidados paliativos. Desenvolvemos este estudo no sentido de explorar e identificar as dimensões práticas deste conceito, na população de doentes oncológicos com metástases ósseas. É um estudo descritivo, simples, quantitativo e transversal, com uma amostra acidental com selecção racional, constituída por 53 sujeitos acompanhados num serviço de oncologia, cujo objectivo é descrever a Dor Total nos doentes com metastização óssea, através da identificação da sua miríade de problemas. As principais conclusões são: a dor óssea é uma dor somática com contornos de neuropática, descrita por enorme diversidade de constructos; mesmo com uma dor ligeira a moderada, evidenciada pela maioria dos sujeitos, esta interfere significativamente no seu quotidiano, nomeadamente no sono, humor, relacionamento com outras pessoas, trabalho, na mobilidade e locomoção, e no aproveitamento da vida; os sujeitos evidenciam significativas dificuldades físicas, com repercussão em actos tão simples como subir escadas, efectuar passeios, curvar, ajoelhar, inclinar; a ansiedade e ou depressão estão presentes em menos de 20% dos sujeitos, embora na generalidade, estejam mais irritáveis, com dificuldades de memória e pouco ou nada satisfeitos com a sua reacção à doença, assim como se preocupam ou têm medo da morte; não se encontram sinais indiciadores de delirium; a generalidade dos sujeitos apresenta sinais e factores indicadores e contributivos para significativo sofrimento social e espiritual; na realidade, a generalidade dos sujeitos, consoante o impacto que cada um atribui às diversas questões na sua vida, apresenta sofrimento global/dor total em maior ou menor grau. Abstract Total pain is a central concept in palliative care. We promote this study which goal was exploring the practical dimensions of that concept in a particular population of patients with bone metastases. The study is a simple descriptive, transversal and quantitative one, with an accidental sample, rationally selected, of 53 patients followed in one oncology unit. The goal was to describe Total Pain in patients with bone metastases, through the identification of the different associated problems. The main conclusions of this study are: bone pain is a somatic pain, sometimes with neuropathic traits, described through a large range of concepts and expressions; even a low or moderate level of pain, as that showed by the majority of patients, has important impact in the daily living activities, namely sleeping, humour, general wellbeing, walking and working; patients show significant physical limitations, with impact on simple activities like climbing stairs, walking, bending and kneeling down; anxiety and/or depression are present in less than 20% of the patients, although, in general, patients are more nervous, with memory problems and unsatisfied with their reactions to their illness. They express concerns and fear about death; there was no evidence of delirium; in general, these patients show evident signs of important social and spiritual suffering; in general, the majority of these patients show important amount of suffering/ total pain, depending on the impact that each of them attributes to the losses the illness produced in their lives. Keywords: palliative care, bone metastases, bone pain, total pain, suffering. Palavras-chave: cuidados paliativos, metástases ósseas, dor óssea, dor total, sofrimento. Introdução A Dor Total é um conceito fulcral e nuclear em cuidados paliativos. Segundo a Associação Internacional para o estudo da dor, esta é uma experiência individual, senso* [email protected] rial e emocional desagradável associada a dano tecidual ou potencial, ou descrita em termos de tal dano (1). Desta forma, poder-se-á dizer que é um acontecimento ao nível somático e psíquico, influenciado pelo estado psicológico do doente, sua postura moral e pelo significado com que essa dor é por ele assumida (2,3). É afectada, positiva ou Cadernos de Saúde Vol. 1 N.º 1 – pp. 7-22 8 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 negativamente, por inúmeros factores nas múltiplas dimensões humanas e afecta o modo de vida, as relações familiares, a vida social, o sono, o apetite, a espiritualidade e a capacidade de executar actividades físicas essenciais para o seu autocuidado e prazer. Esta influência negativa gera um sofrimento total e global a que Cicely Saunders chamou Dor Total, definindo-a como uma miríade de problemas físicos, sociais, psíquicos e espirituais, a que se chamou de dor física, dor psíquica, dor social e dor espiritual, fortemente inter-relacionados e produtores de um considerável sofrimento global (4,5). Neste contexto, para uma adequada intervenção, e como não é possível controlar a dor física nem qualquer um dos sintomas sem que se consiga controlar em simultâneo todos os outros factores geradores de sofrimento, é fundamental que os avaliemos e identifiquemos de forma a dar resposta às necessidades e aos problemas reais dos doentes. Mais especificamente, a dor óssea originada por metástases ósseas, é considerada como uma das causas mais comuns de dor nas pessoas com doença oncológica avançada e de maior dificuldade de controlo, assim como das complicações ósseas geradas pelo processo metastático (6,7). Com este estudo pretendeu-se dar resposta à questão: “Quais as manifestações da dor física, psíquica, social e espiritual nos doentes com metastização óssea?” tendo como objectivo “descrever a Dor Total nos doentes com metastização óssea”. Conceitos Metastização óssea O cancro atinge o osso através de um crescimento neoplásico primário, invasão directa a partir de outros tumores primários ou por disseminação hematogénica, sendo esta última a mais comum e designada por metastização óssea (8), associada quase sempre a um significado de incurabilidade da doença. A sua incidência varia entre 23-84%, dependendo do local do tumor primário, para todas as neoplasias em estado avançado (9), sendo mais frequente nos tumores mamários, pulmonares, prostáticos, da tiróide, renais e no mieloma múltiplo, com taxas de 80% nas situações avançadas de neoplasia da mama e próstata (9,10,11,12). Para que a metastização óssea ocorra, é necessário que se desencadeie uma cascata de acontecimentos interligados para que células neoplásicas consigam desencadear uma neoplasia secundária em locais ósseos distantes da neoplasia primária (8), começando pelo progressivo crescimento no local primário e posterior vascularização, invasão sanguínea, desprendimento de células neoplásicas, capacidade de sobrevivência na circulação e embolização, chegada e fixação ao local de metastização, extravasamento, invasão do órgão alvo (osso) e por fim o progressivo crescimento da metástase (13). Aí instalada, desenvolve-se um forte sinergismo entre as células cancerígenas e o ambiente singular dos microcompartimentos ósseos, envolvendo síntese e libertação de enzimas proteolíticas, factores de angiogénese e de crescimento autócrinos, assim como de moléculas adesivas (14,15), alterando a homeostasia da regeneração óssea, interferindo na função dos osteoblastos e osteoclastos. Desta interferência resultarão lesões blásticas, líticas ou mistas, consoante o maior ou menor predomínio funcional de cada uma dessas células. As líticas são erosões do tecido ósseo resultantes de um predomínio funcional dos osteoclastos, do que resulta uma predominância da reabsorção óssea e consequente destruição (10,14,16). Resultam lesões múltiplas, circulares, parecendo e sendo perfurações, normalmente na grelha costal, crânio, vértebras, bacia e ossos longos (13). Estas lesões – osteolíticas – são típicas no mieloma múltiplo e frequentes no cancro da mama e do pulmão. As lesões blásticas resultam de uma maior actividade dos osteoblastos, revelando-se como áreas de neoformação óssea, com matriz disforme. Embora sejam áreas de maior densidade óssea, com aspecto esclerótico, propiciam igualmente complicações, pois apresentam matriz óssea disforme, e como tal menor solidez estrutural (10,13,14,15,16). A neoplasia da próstata é a principal geradora deste padrão metastático (13,14,15,17,18). Em algumas neoplasias, em especial a mamária, as metástases são mistas, embora com um predomínio das líticas, por predomínio da acção sobre os osteoclastos. Todos os 3-4 meses surgem complicações tais como dor, osteólise, fracturas patológicas, compressão medular, hipercalcémia e anemia, agravando decisivamente o prognóstico global destes doentes (9,11). Clinicamente a dor óssea intensa está presente em mais de 2/3 dos doentes (9) podendo ser negada por 30-50% dos doentes (11), sendo que a metastização do ilíaco, fémur ou vértebras originam dor que se intensifica com o movimento, alterações da Dor Total nos doentes com metastização óssea postura ou posição corporal, e sob pressão (11). Sensibilidade aumentada na área é evidente em 16% dos doentes com evidência imagiológica de metástases ósseas (11). As fracturas patológicas, nomeadamente dos ossos longos, são uma complicação importante, que ocorre em cerca de 9,5% dos casos (11). Se nos reportarmos à globalidade das fracturas estas surgem em 50% dos doentes (14) requerendo intervenção cirúrgica. Janjan refere que em 8-30% dos doentes com metástases ósseas surgirão fracturas patológicas (9). A compressão medular, por sua vez, resulta de metastização vertebral, originando dor em 90% dos doentes, sendo que 62% podem desenvolver paraplegia, do mesmo modo que défices sensoriais podem surgir em 70-80% dos doentes e perturbações vesicais e intestinais em 14-77% (9). Dor física (óssea) Resumindo, o processo fisiopatológico da dor, que envolve diversas estruturas nervosas (1º, 2º, 3º neurónios e diversas vias de transmissão) (19) assim como mecanismos excitatórios-inibitórios (20), resulta de dois processos de sensibilização: a dos nociceptores e a central (6,21). A primeira é mediada pela actividade simpática aferente enquanto a segunda está dependente de todo um processo complexo em que representa um papel importante a activação dos receptores NMDA (N-metil-D-aspartato) encontrados em concentrações elevadas nos cornos dorsais da espinal medula (6,21) que, quando bloqueados farmacologicamente, impedem o processo de sensibilização central, com consequente diminuição da resposta central à dor (6). A dor num doente com cancro, só em 78% dos casos é devida directamente à neoplasia. As restantes advêm em 19% de processos terapêuticos relacionados com o cancro e em 3% de processos não relacionados com a neoplasia nem com a terapêutica (3). Pode ainda classificar-se em nociceptiva ou neuropática. A primeira divide-se ainda em somática e visceral e a segunda em nevralgia e disestesia (3,21). A somática pode ser provocada pela invasão neoplásica do tecido ósseo (maior prevalência) e ou articular, muscular, conjuntivo, resultante da estimulação dos nociceptores pelos mediadores inflamatórios libertados pelo tumor, sendo considerada pelos doentes como uma dor bem localizada, constante ou intermitente, torturante (21). A visceral parece resultar, essencialmente, da intensidade do estímulo e da maior frequência dos potenciais de 9 acção em detrimento da qualidade do estímulo inicial (22) com posterior activação dos nociceptores e em que a libertação dos mediadores inflamatórios aumenta e perpetua a transmissão dos estímulos nóxicos (21). É uma dor mais profunda, mais mal localizada que a somática, constante ou inconstante, constritiva, esmagadora (6). A neuropática surge da lesão ou inflamação do sistema nervoso, seja periférico ou central. No âmbito destes doentes, a dor neuropática periférica é desencadeada por infiltração directa neoplásica, por compressão nervosa pelo tumor ou por lesões derivadas da rádio ou quimioterapia. Os sintomas desencadeados incluem uma dor tipo queimadura espontânea e constante, com paroxismos de dor penetrante ou lancinante, com irradiação ocasional e que aumenta a resposta aos estímulos nóxicos, com hiperalgesia e induz dor por mecanismos não nóxicos (alodinia) (21). A dor óssea, mais especificamente, derivada do processo de metastização é um dos mais difíceis problemas que implica manusear e controlar em cuidados paliativos (7) e é talvez, a causa mais comum de dor na doença neoplásica avançada (6), mas acerca da qual o processo fisiopatológico ainda não está bem esclarecido (7,8), até porque nem todas as metástases ósseas originam dor (23), embora esta quando ocorra possa ser um dos primeiros sinais de disseminação neoplásica (24). A dor, por metastização óssea, pode decorrer por invasão directa da matriz óssea, com microfracturas, aumento da pressão do endósteo ou distorção do periósteo, ou ainda por compressão nervosa, normalmente associada com colapso vertebral ou, por sua vez, devido a espasmos musculares na região anatómica das lesões (24,25). Em oposição à cortical e medula óssea, que não possuem terminações nervosas, o periósteo e os vasos sanguíneos são ricos nestas estruturas (26), pelo que se pensa que a dor óssea resulta da estimulação dos receptores nociceptivos do periósteo e endósteo, em que a distorção do primeiro pode ser uma das principais causas, devido ao aumento da massa tumoral ou por edema inflamatório peri-metástase (24,27). Esta distensão do periósteo se for muito gradual e de forma lenta, a dor é mínima pela própria capacidade de adaptação da estrutura óssea, o que parece justificar a ausência de dor em algumas zonas metastizadas, embora tal justificação não seja de todo clara, pois em alguns casos a diminuição do volume da neoplasia, não se acompanha de diminuição da intensidade da dor (24,27). Na génese da dor óssea por metástases está também a libertação de mediadores químicos que 10 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 estimulam a transmissão dos impulsos através das bainhas nervosas até ao sistema nervoso central, além de, também, fomentarem o edema e consequente distensão do periósteo (24) e a manutenção do estímulo nociceptivo (26). As citocinas libertadas pelas células neoplásicas intervêm, por sua vez, na manutenção do processo inflamatório e na génese do mecanismo neuropático da dor óssea (26). Ao nível dos cornos dorsais da medula surge a hipertrofia dos astrocitos o que facilitará a transmissão do estímulo nociceptivo (26). Do ponto de vista clínico, a dor óssea metastática é essencialmente somática mas com cruzamento de mecanismos neuropáticos (metastização craniana e vertebral) (24). Uma dor contínua, permanente, muito bem localizada, é a forma mais clássica de apresentação, com o seu desenvolvimento gradual em semanas ou meses, para níveis de intensidade mais elevados, com aumento significativo aquando da existência de pressão sobre a zona (8). Quando em repouso é provável que diminua de intensidade, mas com o movimento o seu agravamento é notório (8), originando o que se chama de dor incidental, como forma de apresentação de uma dor irruptiva. A dor incidental é a causa de dor irruptiva em 20-60% dos doentes (8,24,27), descrita como constante, com aumento progressivo da intensidade, agravada pelos movimentos como tosse, andar, voltar-se, levantar-se, inspirações profundas, com um início súbito e que em minutos atinge um pico de intensidade elevada (8,23,24,27). Quando a metastização ocorre nos pedículos vertebrais, a dor é unilateral na zona da raiz nervosa e quando a compressão é ao nível do cordão espinal, surge uma dor nos membros inferiores, com uma distribuição extra dermátomos, normalmente circunferencial, assim como pode surgir também dor visceral por distensão vesical ou intestinal (23). Sendo uma experiência individual, a dor pode ser afectada positivamente por alívio de outros sintomas, repouso e compreensão, companheirismo, actividade criativa, relaxamento, redução da ansiedade, elevação do humor, analgésicos, antidepressivos e negativamente pelo desconforto, insónia, fadiga, ansiedade, medo, cólera, tristeza, depressão, aborrecimento, isolamento mental e abandono social (2,3). Do mesmo modo, a sua presença afecta negativamente a dimensão física, psicológica, social e espiritual, nomeadamente, a actividade geral, a mobilidade, o trabalho normal, as relações com os outros, o sono, o prazer da vida e o humor. Dor psicológica Quando se recebe um diagnóstico de cancro vai haver um processo de iniciação ao plano terapêutico, com avaliações médicas e com o desenvolvimento de novas relações com pessoas até aí desconhecidas (o pessoal de saúde), com altos índices de informação por vezes geradoras de medo e de confusão (28). Nesta fase os doentes experimentam um aumento da responsabilidade, preocupação e algum isolamento, ficando acentuadamente ansiosos, apreensivos, centrando todas as suas atenções em aspectos existenciais, saúde, trabalho, suporte financeiro, religião, relações com a família e amigos (28). É uma fase de significativo sofrimento psicológico, em especial se viveram experiências traumatizantes ou negativas, em relação a familiares ou amigos (28). Surge uma reacção emocional típica com um período inicial de choque e negação, a que se segue um período de grande perturbação com sintomas sugestivos de ansiedade e depressão, irritabilidade, alterações do apetite e do sono (28,29,30). A capacidade de concentração e de desempenhar as actividades diárias são notoriamente afectadas, em que os pensamentos relativos ao prognóstico e os medos do que há-de vir, em especial o de uma morte dolorosa, estão permanentemente presentes (29,31,32). Surge também a raiva, o sentimento de culpa, a agressividade, o nervosismo (31). Estas respostas, consideram-se normais, na medida em que são uma reacção às perdas que o doente vivencia, influenciadas por factores clínicos, pelo suporte social, mecanismos de coping e a própria personalidade do doente (32,33). São por isso, em situação normal, autolimitadas no tempo, embora variável, caso as circunstâncias envolventes sejam favoráveis, considerando-se que foi ultrapassada a crise quando a intensidade dos sintomas diminui ao ponto de não afectar o dia-a-dia do doente (28). Sendo respostas, que surgem como resultado de perdas, e como estas vão aparecendo e desaparecendo ao longo da evolução da doença, também os sintomas e respostas evidenciadas vão oscilar, consoante o doente esteja nesta fase inicial, no momento da primeira recidiva ou à medida que a morte se aproxima (2). Assim, como já vimos, na resposta inicial, o doente evidencia descrença, negação, choque, entorpecimento e desespero, nas fases posteriores experimenta um período (semanas a meses) com ansiedade, insónia, dificuldades de concentração, cólera, culpa, rotura da actividade, tristeza, depressão, evoluindo, Dor Total nos doentes com metastização óssea à medida que a disforia diminui para um estado adaptativo enfrentando positivamente as situações com que se depara, estabelecendo novas metas, ganhando e restaurando a esperança com os novos objectivos e a retoma das actividades (2,30). A recidiva da doença ou a progressão sem retrocesso da mesma, em especial, quando surge após um período de remissão, é altamente devastador para o doente e família. Dando lugar à depressão, com expressões de negativismo e de retoma das preocupações com a morte, e, por vezes, com sentimentos de desencanto e desagravo para com o sistema de saúde (28). O doente sente que a partir deste momento virá a dor, a incapacidade, a sobrecarga dos seus entes queridos, a dependência, podendo surgir ideias suicidas, resultantes do elevado sofrimento a que está sujeito (28). Assim que sente que entra na fase terminal da doença e que consequentemente a morte se aproxima, surgem na sua mente, de forma intensa, questões inerentes ao processo de morrer, em detrimento da própria constatação da morte futura e próxima (28). Na ausência de suporte emocional, este processo é visto sob uma perspectiva muito negativa, surgindo a intensa ansiedade, medos fortíssimos, depressão, delirium, assim como ideações suicidas, no sentido de evitar o sofrimento (28). Requer-se por isso uma adequada e intensa abordagem no sentido de reverter este sofrimento que lhe impedirá um resto de vida com alguma qualidade e dignidade. Todas estas reacções, em algum momento, no processo de evolução da doença, reverterão em maior ou menor sofrimento psicológico, dependendo de três factores: médicos (evolução clínica da doença, tipo de tratamento, presença de dor e sofrimento), psicológicos (maturidade psicológica, alteração dos objectivos de vida, maleabilidade individual para adaptar e adquirir novos planos de vida, estratégias de coping), sociais (disponibilidade de suporte dos amigos, família, cuidadores informais e técnicos de saúde) e espirituais (34). A negação é um mecanismo comum de defesa, conseguindo através da capacidade de ignorar a ameaça, minimizar a realidade que o confronta e amedronta. Sendo um mecanismo de adaptação, de coping, enquanto resposta normal não carece de intervenção, a não ser que interfira com a aceitação do tratamento, com a planificação do futuro e com as relações interpessoais (2). A raiva, cólera, como forma de resposta psicológica e geradora de sofrimento, é transitória, implicando intervenção quando esta se deslocar e projectar para 11 a família ou cuidadores, ou mesmo interferir com a aceitação das limitações não permitindo que este se adapte à sua nova situação, às suas incapacidades. Intervir, não é suprimir ou recalcar a cólera, pois nesta situação levará a isolamento do doente, não-cooperação e incitará à depressão (2). Quando entramos mais especificamente na área do sofrimento psicológico significativo encontramos três importantes entidades, que implicam uma reflexão mais profunda: ansiedade, a depressão e as alterações cognitivas (32,33,34). Por ansiedade entende-se o sentimento de medo e apreensão desproporcional ao contexto vivido pelo indivíduo (35) e, da mesma forma que a dor, é considerada como um sintoma multidimensional, com manifestações somáticas, afectivas, cognitivas e comportamentais (35), em que a forma patológica afectará cerca de 15-30% dos doentes com doença oncológica, estando mais presente aquando da existência de dor (35). Quando a existência desta entidade se confina a uma ou duas semanas após o diagnóstico de cancro, ou qualquer outra notícia que gera um período de choque, é entendida como uma ansiedade reactiva, que não carece de intervenção específica, a não ser que interfira significativamente com as actividades de vida e bem-estar do doente, sendo como tal um desafio diferenciar uma ansiedade normal de uma ansiedade resultante de uma má adaptação à nova situação (35). Sempre que a ansiedade é desproporcional ao agente causador, quando afecta o normal funcionamento do doente, quando persiste sem intervenção ou é registada/avaliada com um nível de intensidade muito elevada, considera-se que estamos perante um sintoma já patológico (35). Assim, ao nível emocional, o doente pode apresentar sentimento de elevada tensão, medo, irritabilidade e apreensão. Cognitivamente, pode estar muito inquieto, com grande dificuldade de concentração. Tendências compulsivas ou fóbicas são alterações comportamentais que poderemos observar, enquanto a nível físico pode surgir elevada tensão muscular, impaciência, perturbações do sono e fadiga. Em situações de ansiedade mais intensa pode ainda apresentar palpitações, taquicardia, sudorese, tremores, dispneia, dor ou desconforto torácico, náuseas, diarreia, polaquiúria, vertigens, torpor, sensação de sufoco (2,28,34,35). Quando se está perante um doente ansioso, importa desde logo avaliar a existência de dor não controlada, em especial a existência de dor irruptiva, pois existe uma relação de interdependência elevada 12 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 entre os dois sintomas. Estando a dor devidamente controlada, implica, então, uma nova avaliação do estado de ansiedade, aí sim, relacionado com outras situações que não a dor. São exemplos a existência de metástases cerebrais, embolismo pulmonar, hemorragia, hipoxemia, dispneia, sépsis, delirium, hipoglicemia, hipocalcémia, oclusão coronária, insuficiência cardíaca congestiva, prolapso mitral e tumores libertadores de hormonas, terapêutica com interferon e ou corticóides, redução brusca e rápida de benzodiazepinas, opiáceos, ou abuso prévio de álcool/drogas (29,34,35). Desta forma, a ansiedade presente nos doentes com cancro, pode classificar-se em ansiedade reactiva, ansiedade preexistente e ansiedade relacionada com factores médicos (34). Frequentemente irreconhecida e sub-tratada, a depressão potencia a diminuição da imunidade, do tempo de sobrevida e afecta negativamente a qualidade de vida dos doentes com cancro (28,36). A dificuldade de reconhecimento desta identidade deriva, em primeiro lugar, de a equipa de saúde (menos capacitada) reconhecer que os níveis baixos de humor são normais e uma resposta adequada à situação vivida (3). A variabilidade diurna dos sintomas, que são mais acentuados de manhã, o que leva a que aquando da consulta ele se sinta um pouco melhor, não verbalizando e dificultando o seu reconhecimento, é mais um factor que dificulta o diagnóstico de uma depressão (3). A capacidade de mascarar os sintomas, aparentando que está tudo bem, a somatização, o ser mascarada por sintomas associados à ansiedade, e o ser considerado um doente apelativo, de trato difícil, não se vendo o que está por trás deste comportamento, são mais factores que contribuem para a dificuldade de reconhecimento da depressão (3), enquanto por outro lado, por vezes cai-se no exagero de considerar todo o doente que exprime tristeza, choro, como doente deprimido (3). A determinação da prevalência de depressão nos doentes oncológicos é difícil de efectuar, devido à grande heterogeneidade dos tipos de neoplasias, dos diferentes estádios da doença, e da própria avaliação do tipo e intensidade da depressão (37). Existem estudos que apontam para que 47% dos doentes oncológicos apresentem perturbações psicológicas, com 68% destes a revelarem quadros de ansiedade/ /depressão reactivas e 13% a revelarem uma depressão major (29), outros revelam que 3-58% dos doentes em cuidados paliativos apresentam sintomas depressivos (38). Um outro estudo aponta para que 5% dos doentes em ambulatório ou que o cancro esteja em remissão e cerca de 50% dos doentes internados com diagnóstico recente de cancro fatal, que tenham sido submetidos a grande cirurgia ou quimioterapia apresentem depressão major (37). A correlação com a dor foi também estudada, encontrando-se que cerca de 33% dos doentes com dor intensa e 13% com dor moderada, apresentavam quadro clínico de depressão (37). Por outro lado, Bond e Pearson citados por Breitbart demonstraram que os doentes oncológicos com menores níveis de ansiedade e depressão referem menos dor (33). Da mesma forma que a ansiedade, também a depressão se manifesta a nível somático, afectivo, cognitivo e comportamental. Fadiga, sentimento de pouca energia, perda de peso, anorexia e obstipação são manifestações somáticas, enquanto tristeza, melancolia, irritabilidade, desespero, desânimo, sentimento de desamparo, de abandono, de culpa, o são a nível afectivo (29,34). Na esfera cognitiva podem apresentar-se dificuldades de concentração, lentidão de pensamento, défices na memória curta, ideias suicidas, enquanto ao nível comportamental surge retardamento psicomotor, perturbações do sono, perda de interesse e prazer (anedonia) na realização de actividades usuais, em especial no relacionamento com família e amigos, períodos de choro (34). Perante esta diversidade de manifestações, a DSMIV considera como necessário para o diagnóstico de depressão a presença de anedonia e humor depressivo (39), o que justifica a necessidade de grande sensibilidade para se diagnosticar esta perturbação psicológica, pois muitos doentes apresentam problemas físicos tais, que implicam grande dificuldade na participação de actividades usuais e geradoras de prazer e bem-estar (34). Um dos mais difíceis desafios para os profissionais e outros cuidadores de doentes com cancro, é lidar com doente que apresenta alterações do estado mental, podendo estas surgir de forma directa ou indirecta. Como causas directas das alterações cognitivas, temos o tumor cerebral primário, a doença metastática, a doença leptomeningeal, tumores secretores de hormonas, enquanto alterações ambientais, estimulação desagradável (demasiado frio ou calor, cama molhada, lençóis não esticados, lixo na cama), fadiga, ansiedade, retenção fecal ou urinária, dor, alterações metabólicas (hipercalcémia, insuficiência hepática, hiponatrémia, hipoxia), a infecção, vasculopatias, alterações nutricionais, a radioterapia, agentes anti- Dor Total nos doentes com metastização óssea neoplásicos (5-fluororacilo, metotrexato, bleomicina, citarabina, cisplatina, ifosfamida, interferon-α, interleucina-2), outros fármacos (esteróides, opiáceos, sedativos, hipnóticos) e síndromas de abstinência são das mais importantes causas indirectas (2,29,34). As alterações cognitivas parecem estar presentes em cerca de 15-20% dos doentes oncológicos internados (29), em cerca de 25-40% dos doentes em algum momento da progressão da doença (34) e em cerca de 32% dos doentes que têm dor óssea (40). Na fase final da vida surgem em 25-85% dos doentes (41). De todas as alterações que poderão surgir a este nível, o delirium é a entidade que mais problemas acarreta para o doente e cuidadores. Por delirium entende-se a presença de um estado confusional agudo, geralmente reversível, como resultado de acentuada obnubilação mental (2) e que se pode manifestar por sintomas prodrómicos que incluem ansiedade, perturbações do sono, irritabilidade, agitação (41), a que se seguem alterações, abruptas ou com flutuação diária, ao nível da percepção com alucinações e ilusões nas fases mais avançadas; da atenção, do pensamento com incapacidade de tomar as decisões e cumprir tarefas por vezes simples; da memória, inicialmente a de curto prazo para depois a de longo tempo também estar afectada; da actividade psicomotora, em que tanto pode estar letárgico (delirium hipoactivo) ou agitado (delirium hiperactivo), com flutuações entre os dois estados; das emoções e dos ciclos de sono-vigília, em que os doentes dormem de dia e estão acordados e agitados de noite (34,41). Na generalidade das situações conseguem comunicar verbalmente, mas a clareza e o tom estão desajustados (34). Devido a esta sintomatologia não ser patognomónica de delirium, estes doentes são por vezes encarados como doentes retraídos, ansiosos ou deprimidos, o que impede o adequado diagnóstico e consequente abordagem (34). O hipoactivo caracteriza-se, fundamentalmente, por confusão, sonolência, baixa atenção ou letargia, e o hiperactivo por insónia, agitação, alucinações, desorientação, ilusões (41), estimando que 2/3 dos doentes apresentem a forma hipoactiva ou uma mistura de ambos os tipos, enquanto apesar de mais fácil de diagnosticar só um terço, apresenta a forma hiperactiva (41). Dor social A imagem do Homem de hoje, que nos chega através dos meios de comunicação social, e do 13 cinema, é a de um ser muito activo, com múltiplos papéis, heróico, saudável, bonito e resplandecente (42) o que em tudo confronta o doente com cancro, e mais à frente na sua doença, com metastização óssea. Os doentes com cancro avançado, normalmente referem que a sua vida social fica afectada negativamente pela deterioração do seu estado de saúde e também pelo medo de contraírem doenças infecciosas, quando em regimes de quimioterapia (31). Se associarmos a estas questões, a fadiga que acompanha o doente oncológico, e que é muito frequente no doente em cuidados paliativos (43), as frequentes idas aos serviços de saúde, as faltas ao trabalho ou mesmo a incapacidade para exercer as suas funções laborais, encontramos um sem número de condicionantes que afectam negativamente a satisfação das necessidades sociais dos doentes e consequente degradação da sua qualidade de vida e saúde global. A fadiga leva os doentes a recusarem convites para estarem com os seus amigos, familiares, da mesma forma que os levam a não recebê-los na sua própria casa, assim como por vezes, chegam mesmo a dizer que estão demasiado cansados, fatigados, para poder falar com alguém (31). Até a comunicação verbal os fatiga. Deste modo, a perda das suas funções, dos seus papéis tanto a nível familiar como social, vai acarretar alterações no seu bem-estar, com consequentes alterações no bem-estar familiar, como sistema aberto e núcleo da nossa sociedade. A interrupção da sua actividade laboral, o que acontece em alguma fase da evolução da doença incurável, devido à fadiga acentuada que acarreta, impedindo-o de trabalhar vai implicar perturbações ao nível da esfera económica (2) no presente, assim como no futuro, em que o doente se questionará, e será fonte de sofrimento, a preocupação com o futuro dos seus entes mais próximos (2). Além dos problemas económicos, acarreta também mais uma perda dos seus papéis, da sua posição social, leva a sentimentos e mesmo uma realidade de dependência (44), e consequente reajuste dos planos de vida e papéis familiares, o que nem sempre é fácil aceitar, gerando-se por vezes desequilíbrios familiares e até mesmo situações de abandono (2). No equilíbrio desta dimensão, está um factor importantíssimo, que é a vivência da sua sexualidade, a sua relação conjugal, ou seja como se sente e exerce esse papel social (45). A sexualidade, ou a sua expressão, nestes doentes e no seu meio fami- 14 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 liar, é afectada pelo grau de ansiedade, depressão, desgosto, sentimento de culpa, pela exaustão do parceiro em cuidar do outro e por ter de assumir e desempenhar múltiplos papéis, além de mitos acerca da sexualidade nestes doentes, resultando em diminuição da libido e muitas das vezes em diminuição das expressões de afecto (45). Qualquer desconforto na relação com o cônjuge ou quando as respostas da outra parte são negativas, vai implicar um aumento da intensidade da dor, e incapacidade física, perturbações psíquicas (46), o que conflui para um ciclo vicioso difícil de quebrar, tanto mais que as interacções conjugais causadoras de stress estão normalmente associadas com o decréscimo da actividade física, da mesma forma que a insatisfação conjugal e as respostas negativas do cônjuge estão associadas ao aumento dos sintomas depressivos nos doentes com dor (46). Por aqui se observa a importância do apoio familiar, tanto mais que quando estas famílias são adequadamente acompanhadas, ou já se acompanham de laços de grande satisfação conjugal, se tornam aliados do doente, contribuindo para a sua qualidade de vida. Estas situações de doença oncológica e a perspectiva da perda, por vezes faz aproximar mais os cônjuges, a família e até se atingir níveis de bem-estar mais elevados que anteriormente, visto que o ser alvo de carinho dos seus entes, é um dos aspectos que mais contribuem para o bem-estar dos doentes (47). Em suma, o doente com cancro, e devido em grande parte à dor, à fadiga, às perturbações do sono (por problemas físicos e psíquicos), à crescente deterioração do estado de saúde, debilidade física e incapacidade funcional com incremento da dependência, e sofrimento psicológico simultâneo, vai também entrar num processo de sofrimento social, em que os problemas familiares, económicos, a perda dos seus papéis familiares e sociais, do seu prestígio, do seu trabalho, dos seus rendimentos, o incremento do isolamento e alguns sentimentos de abandono, indo apresentar problemas significativos na sua esfera social, com aparecimento e incremento do sofrimento nesta, muito importante esfera, da dimensão humana. Dor espiritual Em muitas culturas, em algumas crenças, e até há bem pouco tempo, os termos espiritualidade e religiosidade eram usados, erradamente, para descrever o mesmo conceito (44,48). Hoje separam-se muito mais eficazmente, desde que se clarificou cada um dos conceitos associados a algum declínio da religiosidade nas sociedades modernas (49). Por religião entende-se um organizado sistema de crenças e de culto, que as pessoas praticam no seu dia-a-dia (50), que confere expressão a questões de índole espiritual, e que representa o contexto social em que a espiritualidade se move (2), enquanto espiritualidade “consiste na avaliação dos aspectos não materiais da vida e nas interiorizações de uma realidade duradoura” (2), ou de outra forma são os princípios de uma vida pessoal animados e influenciados por uma relação transcendental com Deus ou com algo que transcende o próprio ser (50,51). Deste modo a espiritualidade envolve as relações consigo próprio, com o outro, com algo acima de si (transcendência) e com a natureza, contribuindo decisivamente para o bem-estar por ser importante força cuidadora e recuperadora (49,50), não se limitando a ser vista como uma dimensão isolada mas sim como uma vida na globalidade (2). Muito do sofrimento vivido pelos doentes com cancro, e já na sua fase mais avançada, prende-se com sofrimento espiritual (52), pelo que a abordagem da religiosidade e espiritualidade, se reveste de enorme importância, por o ajudarem a encontrar sentido para a sua vida quando esta se aproxima do fim, como nós a conhecemos (53). A espiritualidade, contextualizando-a nos pressupostos acima referidos, liga-se ao significado e finalidade da vida, à interligação e harmonia com os outros, com a Terra e com o universo, qualquer que ele seja, assim como de uma adequada relação com Deus, das suas crenças, pondo-nos questões tão simples e tão complexas, simultaneamente, como o que significa, para mim, ser humano ou que significa ser um todo (2,51). Quando se está perto do fim da vida, ou quando nos preocupamos com esse advento, sentimos necessidade de nos afirmarmos, sermos aceites e aceitar o outro, de perdoarmos e sermos perdoados, de nos reconciliarmos com o outro, com a vida, e acima de tudo de descobrimos o significado da vida que se nos apresenta e a direcção que lhe daremos (2). Nesta busca de respostas, advém o significado da dor e do sofrimento, da importância e significado do sistema de valores, do próprio Deus, chegando a pôr em causa a sua existência e os seus objectivos, o significado da vida (2,51). Advêm também sentimentos de culpa e da procura de entendimento de que tipo de vida existe para além da morte (2). Dor Total nos doentes com metastização óssea Não havendo a satisfação das necessidades espirituais, advém o sofrimento espiritual vivenciado pelos doentes, sob a forma de sentimento de desespero, de desamparo, de ausência de significado e valor da sua própria vida (por vezes chega-se ao suicídio) (50,52). Revelam também um intenso sofrimento, com isolamento, solidão e sentimentos de grande vulnerabilidade, distanciamento do seu Deus com manifestações de raiva e cólera para com ele, a religião e o clero, como seu representante (2). Por vezes, contrastando com o seu sofrimento e angústia, tentam mostrar-se exageradamente estóicos e mostrar aos outros como se devem comportar, sentindo internamente culpa e remorsos, amargura e sinais de irreconciliação consigo, com a vida, com os outros (2,50). Os pesadelos e sonhos com uma morte geradora de grande sofrimento são também frequentes, e reveladores de uma grande ansiedade perante a morte (2,50). A todos estes sinais, reveladores de sofrimento, associam-se, o aumento do nível de incapacidade para o desempenho das suas actividades diárias, o sentimento de ser um peso, um fardo para os seus, a perda da satisfação consigo próprio, da paz de espírito (50). Todo este sofrimento é expresso, frequentemente, por irritação verbal, cólera e depressão (50). Metodologia Estudo descritivo, transversal e observacional, cujo fenómeno a estudar é a Dor Total, e cujas variáveis descritivas são a dor física, dor psíquica, dor social e dor espiritual, em que a população alvo foram os doentes, maiores de 18 anos, com metastização óssea acompanhados num serviço de oncologia de um hospital central, em que a sintomatologia fosse predominantemente devida à metastização óssea. O processo de amostragem foi um misto de acidental com selecção racional, num total de 53 doentes, que se deslocaram ao serviço num período de tempo de 2 meses. O instrumento foi construído com base em diversos outros instrumentos de avaliação, usados parcial ou totalmente e dividido em 6 grupos. O 1º visava caracterizar a população amostral, o 2º e o 4º procuravam avaliar a dimensão psicológica em que no 2º se utilizou o “Mini-Mental State Examination” (54) e algumas questões do “Delirium Rating Scale” (55). O grupo 4 consistiu numa adaptação para o português do “Hospital Anxiety and Depression” (56). Os 3º, 5º e 6º grupos foram construídos com base no “Brief Pain Inventory” 15 (57), “McGill Pain Questionnaire” (58), “Clinical Pain Assessment” (59), “EORTC-QLQ-C30” (incluindo módulos) (60,61), “Medical Outcomes Study 36 item short form (SF-36)” (60), “Functional Assessment of Chronic Illness Therapy-Sp-Ex” (60,62), “Functional Assessment of Cancer Therapy” (geral e módulos) (60) e o “Stockholm Marital Stress Scale” (63). A componente maioritária do instrumento foi sob a forma de uma escala de Likert (não, um pouco, bastante, muito), onde a consistência interna obtida pelo “alfa de Crohbach” foi em todas superior a 0,9. O estudo foi previamente avaliado pela comissão de ética do hospital em questão, tendo o mesmo sido autorizado, após o que se pediu aos sujeitos intervenientes o consentimento informado e esclarecido, preenchendo um formulário específico. Para a colheita dos dados foi criado um espaço físico que permitisse o respeito pela privacidade do encontro e preenchimento do questionário. Resultados Caracterização Essencialmente, sujeitos do sexo feminino (66%), com média de idades de 63,6 ±10, no intervalo [37,80] anos. Predominantemente casados ou em união de facto (75,5%) e vivendo acompanhados (84,9%) pelo parceiro e ou filhos. Estavam activos profissionalmente 26,4% dos doentes, desempregados 1,9%, reformado por tempo de serviço/idade 18,9%, por problemas de saúde 47,1% e em situação de incapacidade temporária 5,7%. Ao nível das habilitações literárias, 49,1% tinham concluído o 1º ciclo do ensino básico, 7,5% o 2º ciclo, 9,4% o 3º ciclo, 15,1% o ensino secundário, 13,2% tinham um curso superior, 3,8% não sabiam ler nem escrever e 1,9% sabiam ler e escrever mas não concluíram qualquer ciclo de ensino. No que respeita à doença oncológica, a da mama afectava 62,2% dos sujeitos, enquanto a da próstata 30,2%. Os restantes tinham cada um, cancro do útero, pulmão, rim e cólon. As metástases eram do tipo misto em 79,2% dos casos, líticas em 15,1% e blásticas em 5,7%, estando numa fase de progressão da doença óssea 60,4% dos sujeitos, em remissão parcial 20,8% e 18,9% em fase de estabilização. 16 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 Dor Física Tabela III – Frequência, duração e descrição geral da dor Quanto à intensidade da dor experienciada nas 24 horas anteriores, teve um nível máximo médio de 3,3 ±3,2, na escala de 0 a 10, enquanto o nível mínimo de 1,2 ±1,6, e o nível médio de 2,1 ±2,2. No momento do preenchimento do questionário a intensidade da dor estava no valor médio de 1,2 ±1,9. Por sua vez questionados sobre a intensidade dos incómodos causados por essa dor, obteve-se um valor médio de 3,1 ±3,3. Tabela I – Intensidade e incómodos da dor, % de doentes Intensidade Sem Ligeira Moderada Intensa Máxima Média/10 Máxima nas últimas 24 h 32.1 45.3 22.6 3.3±3.2 Mínima nas últimas 24 h 52.8 47.2 0.0 1.2±1.6 Média nas últimas 24 h 34.0 56.6 7.6 2.1±2.2 No momento 52.8 41.5 5.7 1.1±1.9 26.4 3.1±3.3 Incómodos causados 34.0 37.7 % de doentes Frequência Todos os dias 43.5 Todas as semanas 41.5 Todos os meses 7.5 Nunca 7.5 Duração Minutos a horas 64.2 Todo o dia 15.1 Contínua 9.4 Sem dores 7.5 Raramente mais que minutos 3.8 Descrição Dor Nas últimas 24 h Características Avaliando o impacto que a dor possa ter originado em algumas actividades de vida diárias, observamos que a interferência média da dor no andar e mover é de 5,8±3,4 em 10, no aproveitar a vida é de 5,7±3,6, na actividade geral de 5,4±3,3, no humor de 5,4±3,5, no sono de 5,4±3,6, no trabalho de 5,2±3,7 e nas relações interpessoais de 4,3±3,4. Brusca, momentânea, transitória 34.7 Rítmica, periódica, intermitente 32.7 Continua, fixa, constante 30.6 Em relação à analgesia, 66% dos sujeitos estavam sob analgésicos não opiáceos, 45,2% sob opiáceos e 20,7% sem qualquer terapêutica analgésica farmacológica. Esta, em 77,4% dos casos ou se manteve em termos de fármacos/dosagens (49,1%), ou diminuiu (18,9%) ou deixou mesmo de ser necessária (9,4%), sendo que o alivio obtido com as intervenções terapêuticas prescritas, apresentou um valor médio de 77,5±27,2% e uma mediana de 80%. Tabela IV – Analgesia Características Tabela II – Interferência nas AVD, % de doentes Actividades de Vida Diárias % de doentes Frequência Ligeira Intensa Sem Média/10 Moderada Máxima Andar/mover 13.2 32.1 54.7 5.8 ±3.4 Aproveitar a vida 13.2 35.9 49.1 5.7±3.6 Actividade geral 13.2 39.6 47.2 5.4±3.3 Humor 15.1 32.1 52.8 5.4±3.5 Sono 17.0 32.1 50.9 5.4±3.6 Trabalho 20.8 28.3 47.2 5.2 ±3.7 Relações interpessoais 26.4 32.1 41.5 4.3±3.4 Não opiáceos 66.0 Opiáceos 45.2 Sem analgesia/informação 20.7 Evolução do consumo Mesma quantidade 49.1 Menos que anteriormente 18.9 Deixou de tomar 9.4 Mais que anteriormente 9.4 Transitou para mais fortes 5.7 Associou novos Em 43,5% dos casos a dor surge diariamente e em 41,5% semanalmente, tendo em 64,2% dos doentes uma duração de minutos a horas, todo o dia em 15,1% e contínua em 9,4%. A descrição é muito dispersa, com 34,7% a considerarem-na brusca, momentânea ou transitória, 32,7% como rítmica, periódica ou intermitente, enquanto 30,6% referem ser contínua, fixa ou constante. 1.9 Alívio Média/mediana 77.5/80 Desvio padrão 27.2 Intervalo 0-100 De uma forma geral, mais de 20% dos sujeitos descreve a sua dor óssea como incómoda (55,1%), aborrecida (53,1%), maçadora (40,8%), cansativa 17 Dor Total nos doentes com metastização óssea (40,8%), latejante (34,7%), fina (32,7%), moinha (30,6%), brusca (28,6%), repentina (26,5%), terrível (24,5%), esgotante (24,5%), cãibra (22,4%), irritante (22,4%), insuportável (22,4%). com a morte assim como a mesma percentagem sentia estar tão em baixo que nada os conseguiria animar e 39,6% não estava satisfeito com a forma como estava a reagir à sua doença. Tabela V – Dificuldades físicas, % de doentes Tabela VI – Problemas psicológicos, % de doentes Actividades Dificuldades Gerais Problemas Componentes Intensas Gerais Intensos Dificuldades de memória 79.2 20.7 Maior irritabilidade 64.2 20.7 45.3 Medo ou preocupação com a morte 50.9 22.7 90.6 37.8 Subir vários lanços de escadas 88.7 69.8 Sentimento de estar em baixo sem nada o animar 50.9 11.3 “Sentimento” de estar doente 79.2 37.8 Dar um pequeno passeio a pé 74.6 35.9 Satisfação com o modo como está a reagir à sua doença 39.6 17.0 Necessidade de descansar mais 73.6 22.7 Incomodados com os efeitos secundários de tratamentos 67.9 20.7 Subir um lanço de escada 67.7 17.0 Dificuldade em dormir 66.0 24.5 Outros sintomas que incomodam 54.8 20.8 Efectuar esforços mais violentos 94.3 86.8 Percorrer uma grande distância a pé 94.3 64.2 Curvar, ajoelhar, inclinar 90.6 Falta de forças Quanto a outros problemas físicos que não a dor, encontramos que 94,3% dos doentes tinham dificuldades em efectuar esforços mais violentos e em percorrer uma grande distância a pé, da mesma forma que 74,6% têm dificuldade em efectuar um pequeno passeio, 90,6% em curvar-se, ajoelhar-se ou inclinar-se assim como sentem falta de forças, 88,7% têm dificuldade em subir vários lanços de escada e 67,7% de subir um único lanço, 79,2% sentem-se verdadeiramente doentes. Sentem necessidade de descansar mais tempo 73,6% dos doentes, estão incomodados com os efeitos secundários dos tratamentos 67,9%, têm dificuldade em dormir 66% enquanto 54,8% apresentam outros sintomas que os incomodam igualmente. Dor Social Ao nível da dimensão social, encontra-se que 37,7% dos doentes sentia ser um fardo para a sua família, 30,2% sentiam que a família não conseguiu aceitar a sua doença e 24,5% não estava satisfeito com a forma como em família se falava acerca da sua situação clínica. Por outro lado, 43,9% sentia falta da ajuda dos amigos, 37,8% da proximidade desses seus amigos, só sentindo ser um fardo para estes, 9,4% dos doentes. Tabela VII – D or Social: Problemas na esfera familiar e amigos, % de doentes Problemas Componentes Gerais Intensos Sentimento de fardo para a família 37.7 15.1 Aceitação da doença pela família 30.2 9.4 Comunicação acerca da sua doença 24.5 9.4 Ajuda emocional da família 9.4 1.9 Ajuda dos amigos 43.4 5.7 Proximidade com os amigos 37.8 3.8 Sentimento de fardo para os amigos 9.4 1.9 Família Amigos Dor Psíquica Nenhum doente apresentava sintomatologia que indicasse, pela aplicação dos instrumentos de avaliação a presença do quadro de delirium. A aplicação do “Hospital Anxiety and Depression Scale” revelou a presença clara de depressão em 11,3% dos sujeitos, e provavelmente em 13,3%. Revelou também a presença clara de ansiedade em 15,2% e provavelmente em 17%. Além destas entidades clínicas, 79,2% dos sujeitos apresentava dificuldades de memória, 64,2% maior irritabilidade, 50,9% revelavam preocupação ou medo Na esfera social dos relacionamentos, 69,8% não estavam satisfeitos com o seu corpo, 58,5% com a sua vida sexual, 37,7% sentiam que a sua imagem masculina/feminina estava danificada, 20,8% sentiam que o seu companheiro não estava tão próximo dele como o desejado, 17% tinham alguma dificuldade em resolver com o seu companheiro os problemas que iam surgindo, sendo que em 11,3% já antes 18 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 da doença actual existiam problemas sérios e 5,7% referem existir esses problemas actualmente. Por outro lado 96,2% refere realizar menos tarefas que o desejado, 56,6% tem dificuldade em discutir com os outros os seus problemas, 54,7% gostaria de ser mais vezes convidado para sair, 50,9% sente necessidade de permanecer mais tempo no leito, e 28,3% sente-se isolado. Tabela VIII – D or Social: Problemas na esfera relacional, % de doentes Componentes Problemas Gerais Intensos Satisfação com o corpo 69.8 39.6 Satisfação com a vida sexual 58.5 39.6 Manutenção da imagem homem/mulher 37.7 7.5 Proximidade com o companheiro (a) 20.8 5.7 Capacidade de resolução dos problemas surgidos 17.0 3.8 Conjugal Problemas sérios antes dos actuais problemas de saúde 11.3 0.0 41,5% refere mesmo que a sua doença ou tratamento originaram problemas financeiros, enquanto 3,8% tinham algum medo de ser despedidos por causa da sua doença. Quanto aos papéis, 50,9% sentiam-se total ou parcialmente dependentes, 49% total ou parcialmente inúteis, 43,4% os seus papéis/funções sociais tinham sido assumidos por outros com 13,2% a necessitar de ajuda para a satisfação das actividades de vida diárias. Questionados no âmbito da esfera da qualidade de vida, 83% sentiam-se limitados na ocupação dos seus tempos livres e de lazer, em 79,2% dos casos as suas actividades de vida diárias eram afectadas pelas dores, 75,4% estavam insatisfeitos com a sua qualidade de vida e 39,7% tinham dificuldades de concentração. Tabela X – D or Social: Problemas na qualidade de vida em geral, % de doentes Componentes Problemas Gerais Intensos 83.0 43.4 5.7 1.9 Limitação da ocupação dos tempos livres e lazer Realização de menos tarefas que o desejado 96.2 64.1 Perturbação das AVD pelas dores 79.2 37.8 Discussão dos seus problemas com outros 56.6 28.3 Satisfação com a qualidade de vida 75.4 35.8 Convidado para sair com outros 54.7 13.2 Capacidade de concentração 39.7 5.7 Necessidade de permanecer no leito, cadeira 50.9 20.8 Isolamento em relação aos outros 28.3 9.4 Problemas sérios actualmente Interpessoais Quanto à esfera económico-financeira e do papel social de cada um, 73,5% dos doentes refere alguma incapacidade para trabalhar, 69,8% não consegue desempenhar o que deles é pretendido, sendo que Tabela IX – D or Social: Problemas na esfera financeira e papéis sociais/familiares, % de doentes Componentes Problemas Gerais Intensos Sentimento de capacidade para trabalhar 73.5 35.8 Desempenho total do seu trabalho 69.8 41.5 Problemas financeiros gerados pela doença/ tratamento 41.5 13.2 Medo de ser despedido 3.8 1.9 Independência 50.9 15.1 Utilidade 49.0 11.3 Transferência de papéis 43.4 28.3 Necessidade de ajuda para AVD 13.2 5.7 Financeira Papéis Dor espiritual Na avaliação da dimensão espiritual da dor, constatamos que 60,4% tinham dificuldades em aceitar a evolução da sua doença, 54,7% não se sentiam serenos, 49% sentiam-se incapazes de alcançar um autoconforto, 41,5% não sentiam uma adequada paz de espírito nem em harmonia consigo próprio, 35,9% consideraram a sua vida como improdutiva, 35,8% não percepcionavam sentido para a sua vida, assim como 34% não encontravam conforto na sua fé ou crenças espirituais. A vida não tinha sentido e razão para 26,4% dos doentes, 22,6% não se sentiam com gratidão para com vida passada e actual, 18,9% sentiam algum grau de infelicidade, 13,2% encontravam alguma falta de dignidade da sua vida, 7,6% não se sentiam totalmente amados assim como 7,5% não conseguiam amar os outros como gostariam, da mesma forma 7,6% sentiam alguma incapacidade para apreciar toda a beleza que a natureza oferece. Dor Total nos doentes com metastização óssea Tabela XI – Dor espiritual: Problemas, % de doentes Componentes Problemas Gerais Intensos Aceitação da evolução da doença 60.4 28.3 Serenidade 54.7 13.2 Capacidade de alcançar auto-conforto profundo 49.0 7.5 Sentimento de paz de espírito 41.5 9.4 Harmonia consigo próprio 41.5 9.4 Sentimento de produtividade da sua vida 35.9 5.7 Percepção do sentido da sua vida 35.8 7.5 Crenças espirituais e fé como fonte de conforto 34.0 20.8 Vida com sentido e razão 26.4 9.4 Gratidão pela vida passada e actual 22.6 7.5 Sentimento de ser uma pessoa feliz 18.9 5.7 Existência de razões para viver 17.0 3.8 Dignidade da sua vida 13.2 0.0 Sentimento de ser amado 7.6 1.9 Capacidade de apreciar a beleza da natureza 7.6 1.9 Capacidade de amar os outros 7.5 0.0 Discussão Os resultados obtidos na descrição da dor física revelam-nos que a componente física da Dor Total é mais que a entidade fisiopatológica “dor” só por si, pois denota-se um adequado controlo terapêutico desta entidade, com valores médios máximos de 3,3±3,2/10 e uma manutenção ou mesmo diminuição do consumo de analgésicos, assim como um alívio médio desta da ordem dos 77,5±27% e mediana de 80%, enquanto observadas as interferências da dor na vida das pessoas, se denota um aumento considerável do valor médio para índices superiores a 5±3/10 (à excepção das relações interpessoais) o que poderá ser justificado pela forte probabilidade de presença de dor irruptiva nesta tipologia de doentes (8,24,27), confirmando que a dor, em si, afecta negativamente várias outras dimensões físicas e não físicas do indivíduo (2,3). A descrição da dor, leva à sua caracterização como um misto de dor somática (essencialmente) e de dor neuropática (24), até porque um dos locais de maior afinidade para a metastização são os corpos vertebrais e aí a forma de apresentação é essencialmente neuropática. Da mesma forma parece existir nestes doentes, cerca de 1/3 que apresentam características de dor incidental, ao considerarem-na brusca, momentânea, o que aponta para nesses momentos, uma elevada intensidade da dor e forte 19 interferência nas actividades ou por elas precipitadas (8,23,24,27). A variedade de constructos que cada sujeito, individualmente, apresenta para descrever a sua dor, vem confirmar em absoluto a dor como uma experiência individual e subjectiva com multi-influências e gerando muitas interferências (1,2,3). Ao nível da componente psicológica da Dor Total, como demonstrado, não se detectou nenhum caso de delirium, embora a prevalência desta entidade ocorra entre 25-40% dos doentes oncológicos (34) e em 32% dos com dor óssea (40), o que poderá ser explicado pelo controlo de alguns factores etiológicos importantes, como a hipercalcémia (controlo da metastização com bifosfonatos) e outros factores metabólicos ou farmacológicos, e simultaneamente ausência de factores inerentes ao internamento e permanência no leito (2,29,34) pois estes doentes são observados no serviço em ambulatório. Por outro lado, a presença de ansiedade e ou depressão está dentro das prevalências apresentadas por diversos estudos (29,33,35,37,38). Apesar de não serem dados fora do normal, esta prevalência vai interferir como o controlo da dor, pois tanto a ansiedade como a depressão estão com ela intimamente relacionadas de forma biunívoca, sendo que a dor agrava estas duas entidades e por sua vez o controlo destas contribui só por si para um melhor controlo da dor (33). A presença de ansiedade e depressão poderá também justificar algumas dificuldades físicas, pois tanto uma como a outra também incluem no seu quadro clínico, manifestações somáticas (29,34). Por outro lado, também a presença de dor irruptiva, como os dados sugerem, e outros factores terapêuticos destes doentes parecem propiciar o aparecimento destas entidades, assim como se poderão considerar como respostas naturais às perdas com que estes doentes se vão deparando (2), visto 60% apresentarem uma progressão da sua doença óssea, o que consequentemente aumenta o sinal/sentimento de incurabilidade (8) originando nestes uma maior irritabilidade, medo ou preocupação com a morte, desânimo e até alguma insatisfação como estão a reagir à sua doença. Socialmente, os problemas encontrados, referidos por estes doentes, com a classificação de “intensos” surgindo em mais de 1/3 dos sujeitos, centram-se ao nível do relacionamento, conjugal (insatisfação com o corpo e com a vida sexual), das relações interpessoais (realização de menos tarefas que o desejado), a nível económico-financeiro, com sentimento de incapacidade para o trabalho assim 20 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 como incapacidade para o desempenho total das suas funções laborais. Por outro lado surgem limitações na ocupação dos tempos livres e de lazer, no desenvolvimento das AVD e insatisfação com a sua qualidade de vida, entre outras várias e ramificadas situações de menor prevalência. Todos estes problemas na dimensão social da dor poderão estar ou não relacionados com a dor física, enquanto entidade fisiopatológica, só por si, (resposta para a qual este estudo não foi dirigido) mas estarão, com fortes probabilidades, relacionados com todo o impacto que a doença oncológica tem sobre as diversas esferas da vida dos doentes (31,33). De uma forma geral temos diversas esferas com necessidades sociais não adequadamente satisfeitas que vão sem dúvida constituir parte integrante e influenciadora do sofrimento global, ou seja da Dor Total (2,31,44,45,46,47). Por último, na dimensão espiritual, apesar de nenhuma componente ser referida como afectada intensamente por mais de 30% dos sujeitos, surgem algumas ao nível da afectação geral. Pelo seu peso, considerando que a espiritualidade, que envolve as relações consigo próprio, com os outros e com algo acima de si e com a natureza (49,50), não constitui fonte de conforto ou força reparadora como seria desejado. Alguns dizem que começam a não existir razões para viver e que a sua vida não tem dignidade. Apontam para um sofrimento espiritual, que mais uma vez não se pode concluir como resposta à dor mas, provavelmente, a toda a inter-relação entre os diversos factores que constituem o impacto da doença sobre todas as componentes da vida destes doentes. Numa outra perspectiva poderemos ver estes dados como não indiciadores de intenso sofrimento espiritual mas tendo bem presente, e como tal esclarecer bem, se não serão o reflexo de uma demonstração de estoicidade e de se revelarem perante os outros como estando bem, pois nestes casos, poder-se-á estar perante doentes com intenso sofrimento e angústia (2,50). No entanto, o cuidar estes doentes, deverá ser mais abrangente, ou seja, deve cuidar-se para além das componentes físicas, da psicológica, social e espiritual. Embora devido à tipologia deste estudo não se determine uma relação directa da dor com os restantes problemas evidenciados, estes doentes revelaram significativas dificuldades físicas em actos tão simples como subir escadas, passear, ajoelhar ou inclinar. A ansiedade e ou depressão estão presentes em menos de 20% dos doentes, embora globalmente estejam mais irritáveis, pouco ou nada satisfeitos com a forma como estão a reagir à sua doença e preocupados com a morte. A nível social existem sinais de sofrimento ao nível da esfera familiar, dos amigos mas menos, do relacionamento interpessoal, financeiro, papéis e qualidade de vida, assim como a nível espiritual, também esse sofrimento se manifesta, nomeadamente através da ausência de serenidade, de harmonia consigo próprio, da não-aceitação, da ausência de paz de espírito e do próprio sentido da vida. Este sofrimento espiritual parece ser menos intenso que o social. Todos estes factos encontrados e revelados neste estudo, inter-relacionando-se uns com os outros irão contribuir para a presença do sofrimento global, a que Cicely Saunders apelidou de Dor Total, pois na realidade, a generalidade dos sujeitos, consoante o impacto que cada um atribui às diversas questões na sua vida, apresenta esse sofrimento global/Dor Total em maior ou menor grau. Bibliografia 1. International Association for the Study of Pain. Task Force on Taxonomy (1994), Classification of chronic pain. 2nd ed. Seattle, IASP Press 2. Twycross R. Cuidados Paliativos. 2nd ed. Lisboa: Climepsi Editores; 2003. p. 47-53, 56-9, 83-121 3. Twycross R, Wilcock A. Symptom management in advanced cancer. 3.ª edição. Oxon (UK):Radcliffe Medical Press; 2001. p. 17-67, 192-8 4. Storey P. The vision of hospice and total pain relief. Am J Hosp Palliat Care 1996 Jan-Feb; 13(1): 40-9 5. Michaud M. Total Pain. AARN 1989 May; 45(5):18 6. Payne R, Gonzales GR. 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Métodos: foi efectuado um estudo empírico para avaliar se o internato da especialidade apresenta características compatíveis com uma aprendizagem baseada em competências. O estudo implicou a construção e validação de um questionário constituído por 17 itens medidos numa escala de Lickert de cinco níveis. A validade de conteúdo foi avaliada de acordo com o método de Lawshe. A fiabilidade avaliada com alfa de Cronbach foi de 0,722. O questionário foi enviado pelo correio para 4.501 médicos, incluindo uma amostra aleatória de especialistas de Medicina Geral e Familiar, Medicina Interna e Cirurgia, e todos os possíveis internos. O preenchimento foi efectuado pelos próprios médicos e foi anónimo. Resultados: responderam 457 médicos (10,3% dos inquiridos) com idades entre os 27-82 anos. Foram considerados válidos 439 questionários, correspondentes a 237 internos da especialidade e 202 especialistas (72 cirurgiões, 67 internistas e 63 médicos de família); 128 especialistas eram tutores. A maioria dos respondentes (78,7%) admitiu ter pouco ou nenhum conhecimento dos métodos de TABC. A maioria dos médicos considera ter um conhecimento aceitável das competências genéricas e específicas que devem ser adquiridas no internato da sua especialidade, embora esse conhecimento seja mais acentuado na especialidade de Medicina Geral e Familiar. As respostas aos itens relacionados com a adequação dos métodos de treino são concordantes com os métodos TABC. Contudo, as respostas a todos os itens relacionados com os instrumentos de avaliação revelam muito pouca concordância com os métodos de TABC. Conclusões: os resultados contrariam a possibilidade do internato médico português ser um processo de treino/aprendizagem baseado em competências. Palavras-chave: educação médica; aprendizagem baseada em competências; internato médico; formação médica pós-graduada. Abstract Introduction: competency-based learning (CBT) is a recent concept in Portuguese medical education. However, CBT is emerging as a new international standard as a way to respond to the new demands of medical education, namely in the training of medical specialists. Methods: an empiric study was conducted to evaluate the training process in the Portuguese medical residency programs and if they meet the terms that characterize CBT initiatives. The study included the construction and validation of a 17-items questionnaire measured according to a five-level Lickert scale. Content validity ratio was evaluated by the method described by Lawshe. Reliability was assessed by the Cronbach Alpha and was 0,722. Questionnaires were mailed to 4.501 physicians, including a randomized sample of specialists in Family Medicine, Internal Medicine and Surgery, and all possible residents. The physicians were asked to fill-in anonymous, self-report questionnaires. Results: replied 457 physicians (10,3 of % of all sent questionnaires) aged between 27 and 82-years-old; 439 questionnaires were considered valid, including 237 residents and 202 specialists (72 surgeons, 67 internists, and 63 family doctors); 128 specialists had tutorial activities. The majority of responders (78.7%) admitted to have little or no knowledge about CBT. The majority of the responders considered to have an acceptable knowledge about the generic and specific competencies that comprise their specialties residency programs, although this knowledge is significantly higher among general practitioners. A concordant response with CBT initiatives is manifested in the domain of the training methods. However, the responses to all items concerning the assessment instruments reveal very little concordance with the demands of CBT initiatives. Conclusions: these results contradict the possibility that the Portuguese medical residency programs are real competencybased initiatives. Keywords: medical education; competency-based learning; medical residency; postgraduate medical education. * [email protected] Cadernos de Saúde Vol. 1 N.º 1 – pp. 23-50 24 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 Introdução Durante as últimas décadas tem-se verificado um crescimento constante dos conhecimentos científicos e uma rápida evolução tecnológica em todas as áreas da Medicina. Paralelamente, a Sociedade também sofreu profundas transformações que se traduzem em aumentos da procura dos serviços de saúde e das expectativas da população. Preparar os médicos para responder às necessidades da sua profissão neste novo contexto constitui um dos maiores desafios da educação médica actual, em todos os seus níveis. O internato é uma fase nobre da formação médica que exige tanta preparação e cuidado como a formação pré-graduada. É fundamental que os programas de internato da especialidade mantenham elevados níveis de qualidade pedagógica e que os resultados obtidos respeitem padrões de competência reprodutíveis entre diferentes instituições, quer a nível nacional quer a nível supranacional. Em vários países, os métodos de treino e aprendizagem baseados em competências têm vindo gradualmente a substituir os métodos mais tradicionais baseados no tempo, em todas as fases da educação médica, nomeadamente na formação de médicos internos e de especialistas. Contudo, a utilização destes métodos na educação médica é relativamente recente e, mesmo nos países onde a sua utilização já está implementada há mais tempo, existem ainda algumas incertezas e dificuldades na sua utilização. Ao longo deste trabalho serão analisados os conceitos actualmente existentes sobre métodos de aprendizagem baseada em competências e o modo como os programas de internato médico nacionais estão a ser adaptados a este novo paradigma. Origem e evolução do conceito de aprendizagem baseada em competências O conceito de TABC já é conhecido há várias décadas, tendo sido inicialmente utilizado em programas de treino de professores no final dos anos 1960, nos Estados Unidos da América (E.U.A.) e, nas décadas seguintes, em vários programas educacionais no Reino Unido, Alemanha e Austrália, nomeadamente no ensino técnico e no ensino vocacional [1]. A adopção destes métodos deveu-se sobretudo à sua capacidade de transmitir e avaliar competências profissionais, mas também à possibilidade de influenciar a estrutura do próprio ensino, de modo a que este fosse mais dirigido para as necessidades do mundo do trabalho. Segundo alguns autores, as origens do conceito de aprendizagem baseada nos resultados podem estar relacionadas com as teorias de Frederick Taylor, na primeira metade do século XX, com o movimento Taylorista dos anos 50, e também com o movimento behaviorista americano dos anos 50 [1]. A intenção original do movimento comportamentalista era de que os programas educacionais deviam focar a sua atenção nos resultados da aprendizagem, incentivando os educadores a estabelecerem como objectivo da aprendizagem modificações comportamentais observáveis e fiáveis. Na época, o movimento da aprendizagem por competências surgiu também como uma ruptura com os métodos clássicos de ensino, muito vocacionados para a transmissão de conhecimentos teóricos mas desfasados das necessidades da vida real. O enfoque nos resultados da aprendizagem (outcomes) deu origem, nos anos 1970, a vários movimentos de ensino/aprendizagem conhecidos como Outcome-based learning, entre os quais se inclui a aprendizagem baseada em competências (Competency-based learning). De acordo com Harden [2], existem diferenças significativas entre o movimento da instrução por objectivos dos anos 1960 e 1970 e os movimentos da aprendizagem baseada nos resultados da actualidade, uma vez que estes não estão apenas centrados em listas de objectivos educacionais, que podem ou não ser alcançados, mas também na definição prévia dos resultados educacionais pretendidos, na elaboração de curricula adequados e na verificação efectiva dos seus efeitos. As principais características deste movimento incluem a ênfase nos outcomes do processo de treino/aprendizagem e a sua aplicação ao mercado de trabalho (incluindo a identificação de capacidades e habilidades e a sua correspondência com competências profissionais), e a certificação dessas competências para instituição de sistemas de créditos que facilitem a articulação entre sistemas de ensino. Nas décadas seguintes, vários seguidores do movimento de aprendizagem baseada em competências flexibilizaram algumas ideias do conceito inicial, que tem vindo a sofrer alterações significativas [3]. O reconhecimento de que em algumas actividades profissionais complexas também era importante a demonstração de competências cognitivas, levou à introdução da chamada variante aditiva e, posteriormente, da variante integrativa [1], as quais, para além da performance profissional básica, já reconheciam a necessidade de conhecimentos teóricos subjacentes para um bom desempenho profissional. Enquanto O ensino médico pós-graduado baseado em competências: reflexão sobre o Internato Médico na variante aditiva a performance e o conhecimento eram objecto de avaliações separadas, a variante integrativa reconhecia que o conhecimento teórico devia ser considerado num contexto em que influenciava a performance e, como tal, assumia a necessidade de ambos serem avaliados em conjunto [1]. A relação entre a Competência profissional, no seu sentido mais abrangente, e as competências mais ou menos básicas cujo desempenho era objecto da aprendizagem nas formas iniciais dos métodos de TABC não é, contudo, linear. Embora as últimas sejam essenciais para garantir a proficiência profissional, é legítimo admitir que a Competência envolve provavelmente muito mais do que a simples soma de um conjunto de comportamentos aprendidos, sendo necessário considerar todo o contexto envolvente ao desempenho. Nesse sentido, foi incluído o conceito de competência relacional, que inclui a influência dos factores sociais e culturais na forma como a competência deve ser demonstrada [4]. Este caminho conduziu ao desenvolvimento das variantes holísticas que tomam em consideração o facto de a competência ser o resultado de uma combinação complexa de conhecimentos, atitudes, habilidades e valores pessoais, e também do contexto sociocultural em que é avaliada [5]. Esta perspectiva levou alguns autores a estabelecerem o conceito de meta-competência para descrever a capacidade geral de utilizar e integrar competências de ordem inferior e aplicá-las em várias situações e actividades, independentemente do contexto em que foram aprendidas [6]. Para além do reforço da aprendizagem dos conhecimentos inerentes ao exercício da actividade profissional, o desenvolvimento de meta-competências implica o desenvolvimento de pensamento crítico e capacidade de análise da informação disponível [7]. As sucessivas evoluções do conceito de aprendizagem baseada em competências afastaram-no dos objectivos iniciais e conduziram a uma maior complexidade na definição dos outcomes, necessidades curriculares acrescidas e, principalmente, maior complexidade nos métodos de avaliação. Contrariamente às listas de verificação e aos métodos relativamente simples e objectivos, inicialmente utilizados para avaliar habilidades ou competências mais básicas, verificou-se a necessidade cada vez maior de a avaliação da aprendizagem passar a estar dependente de alguma interpretação, e mesmo de alguma subjectividade. Actualmente, os defensores do conceito de aprendizagem baseada em competências reconhecem 25 a tendência redutora das primeiras abordagens e defendem a natureza construtivista da criação de competências de ordem superior e de metacompetências. Autores como Vin Diwakar [3] e Miller [8] reconheceram a natureza hierárquica das competências profissionais e a necessidade de redefinir os conceitos de TABC à luz do conhecimento actual e não das necessidades da era industrial. As variantes holísticas dos métodos de aprendizagem baseados em competências permitem acomodar tanto a definição dos padrões básicos, que todos os profissionais devem possuir, como a aprendizagem de actividades profissionais complexas, como a Medicina, sendo utilizados desde o ensino superior pré-graduado até à educação médica contínua [3]. Actualmente, com excepção do treino em algumas tarefas muito específicas em que as abordagens behavioristas continuam a ter alguma utilidade, as variantes holísticas são as mais frequentemente utilizadas na educação médica. Definições importantes para a aprendizagem baseada em competências Existem duas definições fundamentais no ensino baseado em competências: habilidade (skill) e competência. Define-se habilidade como a capacidade para efectuar uma tarefa com um determinado nível de eficácia, recorrendo frequentemente a funções motoras e/ou manipulação de instrumentos [9], embora algumas habilidades impliquem apenas a utilização de conhecimentos e atitudes, como por exemplo a habilidade para proceder ao aconselhamento dos doentes. As definições de competências são bastante mais abrangentes. Uma delas, frequentemente utilizada nas áreas da saúde, define competência como a execução de uma habilidade em contextos específicos e de acordo com padrões igualmente específicos [9]. A definição de competência mais frequentemente utilizada na actualidade baseia-se na integração de conhecimentos, habilidades, e capacidades necessários à execução duma determinada tarefa, a qual se traduz pelo seu nível de desempenho [10]. Nesta categoria encontram-se, por exemplo, as competências de relação, que incluem tudo o que diz respeito à relação médico/doente, nomeadamente a habilidade para recolher informação através da colheita da história clínica e da observação, a capacidade de arquivar e evocar conhecimentos fundamentais e a capacidade para implementar soluções adequadas em cada contexto próprio, além do conjunto de 26 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 valores e atitudes profissionais necessários à prática da Medicina. Uma outra definição de competência integra um reportório de comportamentos adequados a uma determinada área profissional, que demonstrem a capacidade de traduzir em comportamentos os conhecimentos básicos e as habilidades necessárias ao desempenho adequado de determinada função [11]. Esta definição é mais abrangente e mais adequada no caso de competências de ordem superior, que por sua vez integrem um conjunto de competências ditas básicas. No caso da saúde, por exemplo, podemos considerar a competência para comunicar com o doente como uma competência de ordem superior, a qual inclui um conjunto de conhecimentos, habilidades e competências hierarquicamente inferiores, nomeadamente: •Conhecimentos teóricos básicos; •Capacidade para ouvir o doente e recolher a informação necessária; •Fornecer elementos sobre a situação clínica de forma adequada ao grau de diferenciação cultural do doente; •Interpretar adequadamente as reacções (verbais e não verbais); •Avaliar o grau de percepção e interiorização da informação fornecida ao doente e à família. Existem duas premissas subjacentes a qualquer das definições acima mencionadas. A primeira é que as competências são definidas para tarefas e contextos específicos; particularmente no caso de competências comportamentais, a sua demonstração num determinado contexto pode não implicar necessariamente que o desempenho seja idêntico em contextos muito diversos, onde o conjunto de conhecimentos e habilidades que é necessário reunir pode ser completamente diferente. A segunda premissa é que são necessários standards bem definidos, pelos quais a demonstração da competência possa ser avaliada. Independentemente da definição utilizada, o conceito de competências engloba a integração dos conhecimentos, das habilidades e comportamentos adequados a cada contexto, consistindo numa demonstração da capacidade de integração destes elementos no desempenho de uma tarefa profissional, devendo ser este o objecto final da sua apreciação [10] (ver figura 1). Esta definição satisfaz muitas das principais críticas iniciais ao movimento do ensino baseado em competências e, em certa Figura 1 – Relação hierárquica dos resultados da aprendizagem. Adaptado e traduzido de Jones EA, Voorhees RA, Paulson K.; Defining and assessing learning: exploring competency-based iniciatives. U.S. Department of Education; 2002. O ensino médico pós-graduado baseado em competências: reflexão sobre o Internato Médico medida, vem ao encontro dos princípios académicos tradicionais que entendem o conhecimento puro como um valor a venerar em si mesmo, independentemente da sua utilidade imediata. De acordo com as tendências actuais do movimento de TABC, este deixou de ser um instrumento de aprendizagem basicamente destinado ao treino profissional técnico ou a tarefas elementares. A aprendizagem do conhecimento aplicado encontra-se na base de todo o processo de aquisição de competências e é objecto de avaliação integrada, de forma tão exigente como as habilidades treinadas, que sobre ele devem ser adquiridas, determinando que todo esse conjunto seja objecto de demonstração e avaliação. Características dos curricula baseados em competências Para que uma iniciativa de treino/aprendizagem seja considerada como baseada em competências é importante o modo como ela é efectuada e descrita. Esta caracterização é importante para os potenciais formandos, que devem ter conhecimento prévio do tipo de treino a que se candidatam, mas também para a sociedade e para as potenciais entidades empregadoras, que necessitam de conhecer a preparação que os profissionais possuem no final da sua formação. Por este motivo, é necessário conhecer os critérios que permitem identificar este tipo de iniciativas e adoptar uma linguagem comum na sua caracterização, estabelecendo, sempre que possível, definições consensuais das competências que constituem o objectivo da formação. As principais características que permitem identificar as iniciativas baseadas em competências são as seguintes [10]: •Definição e descrição das competências que constituem o objecto da aprendizagem; •Definição dos métodos que irão ser utilizados, nomeadamente dos métodos de avaliação; •Definição dos padrões que são utilizados para considerar a demonstração de competência. A definição das competências incluídas no processo de formação é um processo dependente das necessidades específicas dos profissionais a formar, tendo em consideração as recomendações dos organismos reguladores dessa actividade e das instituições de acreditação. Frequentemente, o comprometimento das instituições com este método de aprendizagem está também dependente das suas próprias orientações e dos recursos materiais e humanos de que dispõem [9;12]. 27 Uma especialidade médica é normalmente constituída por um conjunto de competências próprias que permitem o seu reconhecimento, quer a nível nacional quer a nível internacional. Este facto deve-se à existência de um conjunto de conhecimentos, técnicas e habilidades que todos os especialistas nessa área devem dominar (core curriculum) e que são comuns em vários países [13], embora possam existir algumas diferenças entre especialistas formados em diferentes países e mesmo entre especialistas formados em instituições diferentes dentro do mesmo país. Estas diferenças estão relacionadas com aspectos históricos da formação das especialidades em cada país, adaptações às necessidades das respectivas populações e disponibilidades da própria instituição onde a formação é efectuada (a formação efectuada num hospital universitário com responsabilidades no ensino e na investigação pode ter características substancialmente diferentes daquela que é efectuada numa unidade de saúde comunitária de menor dimensão). Contudo, desde que o core curriculum de cada especialidade seja minimamente reprodutível entre diferentes países, a diversidade na formação dos especialistas provenientes de regiões e/ou unidades diferentes constitui uma adaptação natural às diferentes necessidades socioculturais e pode mesmo ter características positivas para a evolução da própria especialidade [14]. Nos últimos anos, tem havido um esforço contínuo de modernização dos curricula dos vários internatos, não só para acompanhar a evolução dos conhecimentos e das competências clínicas que os constituem, mas também para criar alguma homogeneidade em diversos aspectos gerais da formação médica. Esse esforço tem sido aproveitado para incluir nos curricula o treino de competências que não dependem da especialidade mas cujo domínio é extremamente importante para o exercício da actividade profissional: as competências genéricas. Em 1999, o Accreditation Council for Graduate Medical Education (ACGME) desenvolveu o Outcome Project, onde foi enunciado um conjunto de competências genéricas, distribuídas por seis áreas diferentes, que deveriam ser incorporadas nos curricula dos internatos de todas as especialidades e cujos resultados deveriam passar a ser alvo de avaliação até 2006 [15]. As áreas definidas pelo Outcome Project são as seguintes: •Prestação de cuidados ao doente •Conhecimentos médicos 28 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 •Aprendizagem e aperfeiçoamento contínuo baseados na prática •Capacidades de comunicação e relação interpessoais •Profissionalismo •Prática baseada em sistemas O modo como as diferentes competências são integradas no programa de formação de especialistas constitui o curriculum da especialidade, o qual é definido no início do período de internato de forma a constituir o guião pelo qual é orientado todo o programa de formação de internos. No entanto, é importante salientar-se que o curriculum não é apenas um conjunto de competências reunidas em listagens de competências mais ou menos longas; de acordo com Michael Green [16], o curriculum deve ser definido como uma “experiência educativa planeada, que envolve os objectivos comportamentais, métodos educativos e a experiência efectiva daqueles que aprendem”. Após a definição e descrição das competências individuais e definição dos respectivos métodos de avaliação, deve ser estabelecido um programa educacional, cujo objectivo é proporcionar ao formando uma série de experiências que o habilitem a alcançar o nível de desempenho pretendido. A educação médica baseada em competências corresponde a um novo paradigma de aprendizagem em que a formação deve estar centrada na obtenção de Quadro I - Descrição de competências genéricas de acordo com as áreas definidas no Outcome Project. Competência na prestação de cuidados ao doente Capacidades de comunicação e relação interpessoal • Comunicar efectivamente com os doentes e seus familiares, demonstrando compreensão e respeito • Criar uma relação sólida e facilitadora do tratamento com os doentes • Recolher a informação essencial e adequada sobre o doente • Desenvolver a capacidade de ouvir e de comunicar por formas não verbais, nomeadamente através da escrita • Tomar decisões informadas e baseadas em evidências científicas actualizadas sobre métodos de diagnóstico e tratamento • Desenvolver e implementar planos de actuação • Aconselhar adequadamente os doentes e os seus familiares • Utilizar tecnologias de informação para suportar as decisões clínicas e a educação dos doentes • Executar de forma competente todas as técnicas invasivas praticadas na sua especialidade • Prestar os cuidados necessários para prevenir a doença e promover a saúde • Colaborar com todos os profissionais de saúde, incluindo os de outras áreas, com o objectivo de prestar os melhores cuidados ao doente Conhecimentos médicos • Capacidade de demonstrar um raciocínio analítico e de investigação aplicado a problemas clínicos • Serem possuidores de conhecimentos das ciências básicas e clínicas que suportem a sua especialidade, e saber aplicá-los adequadamente Aprendizagem e aperfeiçoamento contínuo baseados na prática • Analisar e melhorar a prática clínica, introduzindo novas metodologias • Pesquisar e assimilar evidências fornecidas por estudos científicos relacionados com os problemas dos doentes • Analisar os resultados da sua própria população de doentes e da restante população • Aplicar os conhecimentos fornecidos e métodos estatísticos resultantes de estudos clínicos para melhorar a eficácia do diagnóstico e tratamento • Utilizar as tecnologias de informação para aceder a informação científica on-line e divulgar a sua própria experiência • Facilitar a aprendizagem dos alunos e de outros profissionais de saúde • Capacidade de actuar como membro ou como líder de equipas multidisciplinares Profissionalismo • Demonstrar respeito, compaixão e integridade; resposta às necessidades dos doentes e da sociedade acima do interesse próprio; disponibilidade para os doentes e para a profissão; comprometimento com a evolução do desenvolvimento da sua profissão • Demonstrar comprometimento com os princípios éticos da profissão, nomeadamente na suspensão do tratamento, obtenção de consentimento informado, respeito pelo sigilo profissional e comercialização dos seus serviços • Demonstrar sensibilidade com as diferenças sócio-culturais, étnicas, de género, idade e eventuais incapacidades dos doentes Prática baseada em sistemas • Perceber como a sua prática pode afectar os restantes colegas, as necessidades da organização em que trabalha e do próprio sistema de saúde no seu todo • Perceber as diferenças entre os vários sistemas e como isso pode afectar a sua prática • Ser capaz de exercer uma relação adequada de custos/benefícios, sem comprometer a qualidade final do tratamento • Advogar a favor do doente para lhe oferecer o melhor tratamento possível, sempre que isso seja necessário • Saber relacionar-se com os gestores e com as instituições de saúde de modo a melhorar a qualidade dos serviços, aceder, coordenar e melhorar a qualidade do tratamento oferecido e saber como é que essas actividades podem afectar o desempenho do sistema Adaptado do ACGME Outcome Project, Ref. [15]. O ensino médico pós-graduado baseado em competências: reflexão sobre o Internato Médico determinados resultados, definidos e avaliados como competências necessárias ao desempenho profissional, e não apenas numa colecção de conhecimentos ou técnicas cujo domínio é adquirido durante um período pré-definido de tempo. De acordo com este paradigma, o mais importante para a competência profissional não é o domínio dos conhecimentos ou as capacidades de execução técnica; o mais importante é a demonstração da capacidade de os utilizar adequadamente em cada contexto específico. Que implicações poderá ter esta mudança de paradigma no planeamento curricular? Podemos considerar três consequências imediatas. A primeira delas é, naturalmente, a integração das competências genéricas no programa curricular das várias especialidades médicas. A integração das competências definidas pelo ACMGE Outcome Project tem orientado a reformulação dos curricula de várias especialidades médicas nos E.U.A. [17-19]. No caso de alguns curricula já publicados, as linhas orientadoras sobre o conjunto de conhecimentos e habilidades já incluídos no core curriculum das respectivas especialidades, normalmente divulgados pelas instituições científicas internacionais e pelas autoridades que regulamentam a actividade de cada especialidade, foram integradas e relacionadas com as competências genéricas definidas pelo ACGME Outcome Project, como, por exemplo, no caso do curriculum da especialidade de Medicina Familiar [18]. Outros autores têm também proposto metodologias faseadas para a elaboração de curricula de determinados internatos, nomeadamente em áreas relacionadas com os cuidados primários de saúde [20]. Embora com uma estrutura ligeiramente diferente da proposta americana, a nível europeu a EURACT (European Academy of Teachers in General Practice) definiu, em 2002, o conjunto de competências nucleares que constituem a especialidade de Clínica Geral e Medicina Familiar [21]. De acordo com esta definição, a Medicina Geral e Familiar é uma disciplina científica centrada na pessoa humana, sendo necessário um conjunto de características fundamentais para o seu desempenho: 1) contextuais – utilizar o contexto do indivíduo, da família, da comunidade e da sua cultura; 2) comportamentais – baseadas nas capacidades profissionais do médico, nos valores e na ética; 3) científicas – adoptar na prática clínica uma atitude crítica e baseada na investigação, e manter esta atitude através da aprendizagem contínua e melhoria da qualidade. 29 A EURACT descreve um conjunto de seis competências nucleares (gestão de cuidados primários; prestação de cuidados centrada no indivíduo; capacidades específicas para a resolução de problemas; abordagem compreensiva; orientação para a comunidade; modelos holísticos) aplicadas em três áreas diferentes (tarefas clínicas, comunicação com os doentes e gestão da prática clínica). Embora esta definição também tenha a preocupação de definir o âmbito e a missão da especialidade de Medicina Geral e Familiar, pode verificar-se que o conjunto de competências genéricas e científicas que constituem o core curriculum apresentam, no seu essencial, grande correspondência com as competências definidas pelo ACGME Outcome Project (ver quadro I). Também noutras especialidades a reformulação do curriculum foi bastante profunda. Nos E.U.A., o Federal Council of Internal Medicine criou uma task force que definiu um conjunto de linhas orientadoras para reformular o curriculum da especialidade de Medicina Interna, aplicável nos programas de internato efectuados naquele país e destinado a apoiar as comissões locais de internato médico na definição dos seus próprios curricula [22]. Este guia define, claramente, o âmbito da especialidade de Medicina Interna e o seu core curriculum, identificando um conjunto de vinte disciplinas integradoras e vinte e duas áreas clínicas onde os médicos especialistas devem demonstrar competência, recomendando ainda metodologias de aprendizagem adequadas para a maioria delas. Uma segunda consequência da mudança de paradigma é a necessidade de planear adequadamente as experiências de aprendizagem necessárias para que a obtenção dos resultados pretendidos seja alcançada, privilegiando, sempre que possível, realizações práticas por parte dos internos. Esse facto permite aumentar a responsabilidade dos internos sobre os conteúdos da sua própria aprendizagem. Para desenvolver competências nos princípios básicos da investigação, por exemplo, é mais eficaz solicitar aos internos que desenvolvam os seus próprios projectos de investigação do que proporcionar a assistência a palestras ou reuniões sobre o mesmo tema [23]. Pela mesma razão, estabelecer objectivos que têm de ser concretizados, como publicações e comunicações que os internos devem efectuar ao longo dos seus estágios, tem um efeito muito mais motivador do que a participação passiva em congressos. Uma última consequência resulta da necessidade de os objectivos da aprendizagem passarem a ser descritos numa linguagem adequada aos métodos 30 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 de TABC. Um exemplo das diferenças na forma de descrever os objectivos curriculares encontrado na literatura demonstra que num curriculum tradicional um determinado objectivo seria descrito como “o interno deve ser capaz de incluir os doentes em alguns processos de decisão”, enquanto num curriculum baseado em competências o mesmo objectivo estaria escrito como “o interno demonstra ser capaz de incluir os doentes em alguns processos de decisão” [23]. Dificuldades na implementação de curricula baseados em competências A necessidade de incluir nos curricula competências que habitualmente não eram objecto de aprendizagem formal coloca novos problemas no seu planeamento. As formas tradicionais de elaboração do curriculum baseiam-se em processos relativamente lineares, começando por uma avaliação prévia das necessidades formativas, definição dos objectivos e estratégias de aprendizagem e, por último, definição dos métodos de avaliação [24]. Esta metodologia pode facilmente ser utilizada para elaboração dos curricula dos internatos médicos. No entanto, os curricula baseados em competências impõem exigências de acompanhamento dos internos ao longo da sua formação que podem colocar problemas relacionados com a sua implementação prática, nomeadamente quando as instituições onde a formação é efectuada apresentam constrangimentos económicos, poucos recursos materiais ou escassez de pessoal, como ocorre frequentemente [25]. De um modo geral, a realização do internato de especialidade numa unidade de saúde não implica qualquer vínculo dos futuros especialistas a essa instituição; a formação é, antes de mais, um serviço que as instituições prestam à Sociedade. É importante que a formação e que os curricula que propõem, sirvam, em primeiro lugar, os interesses superiores da própria comunidade. Por este motivo, é importante que a implementação local do curriculum não seja exclusivamente orientada para os interesses da própria instituição. A realidade é que, frequentemente, as instituições de saúde também são confrontadas com constrangimentos de natureza orçamental e limitações de pessoal. A implementação dos curricula baseados em competências pode implicar mais recursos humanos, maior formação pedagógica dos formadores e aumento da disponibilidade para acompanhamento dos internos na sua aprendizagem. Este aspecto é particularmente evidente se considerarmos as necessidades de avaliação inerentes a estes tipos de curricula. A compatibilização destes aspectos nem sempre é fácil, e poderá implicar que, em alguns casos, a afectação de recursos para as unidades de saúde onde é efectuada a formação de internos tenha de ter em consideração esta sua função. Comparativamente com as competências cognitivas e técnicas incluídas nos curricula tradicionais, o treino de algumas competências incluídas nos actuais curricula baseados em competências com uma perspectiva holística, constituem grandes desafios de planeamento. Muitas das competências, actualmente incluídas nos curricula baseados em competências não faziam parte da preparação formal dos internos da especialidade e implicam a adopção de estratégias educativas próprias. Principalmente no caso das competências genéricas, verifica-se que estas implicam, frequentemente, a criação de curricula específicos dentro do curriculum principal da especialidade. A aquisição de competências culturais por parte dos internos pode ser um exemplo dessa necessidade. As sociedades actuais caracterizam-se por apresentarem maior diversidade cultural e étnica, aspectos que podem condicionar a percepção dos doentes em relação aos aspectos relacionados com a saúde, a sua forma de entender a doença e as abordagens terapêuticas disponíveis [26;27]. A competência cultural é entendida como um conjunto de capacidades que permitem melhorar a compreensão das diferenças e semelhanças culturais entre grupos e aplicá-las no exercício profissional, mas a forma como esta competência é aprendida numa área tão sensível como a Medicina exige tempo e mecanismos próprios de treino. A autoconsciência sobre a própria cultura e a reflexão sobre os conceitos e atitudes profissionais são consideradas importantes para o desenvolvimento de competências culturais, e tem sido advogada a sua inclusão nos curricula pré e pós-graduados [27;28]. O planeamento destes curricula impõe a necessidade de auscultar a opinião dos vários interessados no processo, nomeadamente dos representantes da comunidade, para perceber quais as suas expectativas, as suas necessidades, a sua cultura e os seus valores. Um dos exemplos das dificuldades existentes na implementação dos curricula baseados em competências é a avaliação das capacidades de auto-aprendizagem para manter a competência profissional a longo prazo. Um estudo piloto recentemente publicado sobre uma intervenção curricular destinada O ensino médico pós-graduado baseado em competências: reflexão sobre o Internato Médico a promover as capacidades de auto-aprendizagem durante o internato de Medicina Interna revelou resultados pouco consistentes [29]. Apesar desta intervenção curricular ter contribuído para melhorar as capacidades dos participantes para desenvolver métodos de auto-aprendizagem a longo prazo, a taxa de participação dos médicos no estudo foi muito reduzida, com apenas 49% de respostas nos testes efectuados antes e após a referida intervenção curricular, e apenas 23% respondentes nos testes efectuados no final de um ano. Estes resultados vêm reforçar as dificuldades já antes demonstradas pelos médicos para avaliar as suas próprias necessidades formativas, com tendência para sobrevalorizar os seus próprios conhecimentos e para subvalorizar eventuais lacunas na sua formação [30]. As competências necessárias para a prática profissional desenvolvida nos novos sistemas de financiamento da saúde constituem outro exemplo da necessidade de aperfeiçoamento curricular [31-33]. Estudos efectuados nos E.U.A. revelaram que os curricula tradicionalmente adoptados no ensino médico pré-graduado e nos programas de internato apresentavam sérias deficiências no treino das competências necessárias para o exercício profissional no contexto de novos modelos de financiamento do sistema de saúde [34], implicando que fossem incluídos, nos curricula dos internatos, programas destinados a fornecer aos internos os conhecimentos e as habilidades necessárias para exercerem a sua actividade profissional em diferentes contextos, incluindo a avaliação da qualidade, gestão de risco, princípios de gestão, relações com os utilizadores e com os parceiros do sistema de saúde, trabalho em equipa, etc. [35]. A implementação de curricula que incluam a prática baseada em sistemas coloca, também, sérios desafios aos formadores. Uma experiência de construção de um curriculum destinado a desenvolver competências essenciais para a oferta de cuidados clínicos integrados em sistemas de saúde, efectuado em vários programas de internato médico e coordenado pela Universidade de Michigan, demonstrou a existência de vários problemas práticos [20]. Entre os problemas encontrados, salienta-se a colisão com as expectativas de treino dos próprios internos, a difícil colaboração dos directores dos internatos e, mesmo dentro do grupo de trabalho que elaborou o curriculum, diferenças significativas de atitudes, com os representantes das entidades financiadoras a defenderem posições mais vocacionadas para a rápida compreensão dos aspectos financeiros e com os representantes médicos e académicos, a 31 defenderem o desenvolvimento mais lento e gradual das actividades curriculares nesta área. Outra das áreas importantes dos curricula baseados em competências é a aprendizagem dos valores éticos e profissionais que, como foram recentemente descritos por John Lubahn, devem ser considerados como a essência da própria Competência médica [36]. A inclusão formal do profissionalismo como uma competência nuclear do curriculum médico é considerada por alguns autores como um dos grandes desafios da educação médica actual. Coulehan [37], reforça estas dificuldades com o argumento de que os valores humanistas e profissionais podem ser incluídos no curriculum como um conjunto de regras e comportamentos, mas que o seu impacto como competência específica é difícil de ser avaliado com os métodos actuais; argumenta ainda que a própria cultura médica moderna, principalmente a cultura hospitalar, é hostil a algumas qualidades tradicionais como o altruísmo, a integridade, a humildade e a fidelidade. Também Hilton [38] considera que algumas características do modo como os curricula são implementados impõem condições de trabalho que podem ter efeitos adversos na aprendizagem dos valores profissionais. O planeamento dos curricula médicos que valorizem o profissionalismo é muitas vezes dificultado por duas razões principais: em primeiro lugar, porque embora o respeito pelos valores éticos e morais no exercício médico seja quase tão antigo como a própria história da Medicina, bem fundamentado nos princípios filosóficos da Medicina da Grécia Antiga, conforme documentado no próprio Juramento de Hipócrates, estes valores não são estáticos; comportamentos que poderiam ser considerados éticos há apenas algumas décadas atrás, em consequência das mudanças dos padrões morais da própria sociedade podem ser hoje considerados como pouco éticos. Em segundo lugar, porque a ausência de uma definição universal de profissionalismo dificulta a tarefa dos educadores de planear o curriculum de forma a transmitir estes valores. Numa revisão bibliográfica efectuada por Veloski et al. [39], sobre estudos que reportaram dados empíricos relacionados com o profissionalismo, publicados durante um período de 20 anos, entre 1982 e 2002, foram identificados 134 trabalhos; contudo, a maior parte deles (114 trabalhos) reportava-se a componentes muito específicos desta competência, nomeadamente a ética, o humanismo ou aspectos interculturais, mas muito poucos abordavam o profissionalismo como um todo (apenas 11 trabalhos) e ainda menos o estudavam 32 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 como um aspecto distinto da competência clínica (apenas 9 trabalhos). Admite-se que o modo como o profissionalismo é habitualmente adquirido pelos médicos no início da sua vida profissional está profundamente relacionado com os comportamentos éticos e morais observáveis nos membros da sua profissão e nos seus mestres, que adoptam como modelos. Na prática médica, o conceito de profissionalismo implica interiorização e adopção de um conjunto de valores, atitudes e comportamentos destinados a servir, em primeiro lugar, os interesses do doente e da Sociedade. Vários factores internos à própria Medicina têm contribuído para diluir a noção e a aprendizagem do profissionalismo [40]. O primeiro desses factores pode estar relacionado com a especialização dos médicos. Actualmente, a convivência e a partilha de valores tende a ser mais intensa entre os médicos da mesma especialidade do que com a comunidade médica em geral, verificando-se mesmo, em alguns casos, alguma concorrência relativa a doentes, ao acesso a recursos técnicos ou ao controlo de meios de diagnóstico e terapêutica [41]. Por outro lado, em consequência dos sistemas de incentivo às carreiras académicas, que privilegiam mais as publicações e apresentações do que o tempo despendido pelos educadores na sua actividade clínica (que tem tendência a diminuir), o tempo e a disponibilidade para os internos observarem os seus mentores clínicos são cada vez menores [42]. Por último, as exigências Quadro II – Lista dos itens incluídos no questionário final. Item Texto 1 Os resultados de aprendizagem pretendidos com a formação dos internos da minha especialidade estão muito bem definidos desde o início do internato complementar. 2 Os resultados da formação, a alcançar no final do internato complementar, foram definidos de acordo com orientações internacionais para que os especialistas possam ser reconhecidos nos restantes países europeus. 3 A formação efectuada durante o internato complementar é bastante abrangente, não estando limitada por critérios pré-definidos. 4 As competências definidas para a formação dos internos incluem atitudes pessoais, como a capacidade para comunicar com os doentes e seus familiares. 5 A capacidade de auto-aprender e a capacidade de aplicar os conhecimentos adquiridos em situações novas constam da lista de resultados educacionais pretendidos com o processo de formação complementar. 6 A competência médica é uma consequência natural do exercício profissional, não implicando necessariamente a criação de programas educacionais para que a competência clínica seja alcançada. 7 Antes de os internos serem colocados perante problemas reais, e de terem efectivamente de os resolver, devem demonstrar conhecimento teórico prévio das matérias em causa. 8 Antes de os internos serem colocados perante problemas reais, e de terem efectivamente de os resolver, são utilizadas simulações e modelos para treino. 9 No treino e aprendizagem de gestos (como a colocação de um catéter central ou a realização de um exame ginecológico) é sempre exigido que o interno tenha demonstrado conhecimentos teóricos sobre o gesto que vai executar. 10 O treino de gestos médicos é um processo progressivo, efectuado em fases distintas e com avaliações de desempenho entre cada uma dessas fases. 11 O processo de formação de internos é sempre acompanhado directamente por tutores clínicos, que preparam e orientam a sua aprendizagem. 12 Os principais métodos formais de avaliação dos internos são os exames orais (exames anuais e final) e o curriculum vitae. 12 Os instrumentos de avaliação existentes avaliam fundamentalmente a preparação teórica e científica demonstrada pelos internos. 14 Os instrumentos de avaliação utilizados avaliam bem os aspectos gerais da profissão, como o profissionalismo, a capacidade de relacionamento interpessoal ou a capacidade para manter uma elevada motivação pessoal. 15 A avaliação contínua que é atribuída aos internos pelos seus orientadores é mais baseada em critérios subjectivos da sua actividade global do que em observações formais dessa actividade. 16 O resultado de cada competência adquirida (como o domínio de uma determinada técnica, por exemplo) é objecto de avaliação própria para garantir que o interno é efectivamente competente para a realizar. 17 Uma nota elevada no exame final traduz necessariamente um elevado nível de conhecimentos, mas não obrigatoriamente um bom desempenho das tarefas na vida real. O ensino médico pós-graduado baseado em competências: reflexão sobre o Internato Médico crescentes do trabalho dos internos, integrados em equipas médicas mais preocupadas em responder às necessidades de produtividade no trabalho e com menos tempo ou disponibilidade para propiciar um ambiente saudável de aprendizagem, contribuem para reduzir os padrões de conduta profissional que esses internos poderiam aprender [42-45]. Numa tentativa de facilitar a aprendizagem dos valores e atitudes profissionais na prática médica, Cruess et al. [46] propuseram uma definição de profissionalismo baseada na própria definição de profissão, visando a sua utilização na educação médica: “Profession: An occupation whose core element is work based upon the mastery of a complex body of knowledge and skills. It is a vocation in which knowledge of some department of science or learning or the practice of an art founded upon it is used in the service of others. Its members are governed by codes of ethics and profess a commitment to competence, integrity and morality, altruism, and the promotion of the public good within their domain. These commitments form the basis of a social contract between a profession and society, which in return grants the profession a monopoly over the use of its knowledge base, the right to considerable autonomy in practice and the privilege of self-regulation.” A confiança que a Sociedade deposita no médico é baseada no pressuposto de que este está a utilizar todos os seus conhecimentos e toda a sua competência para lhe prestar o melhor serviço possível, colocando-o numa posição em que este não só tem acesso a informações privilegiadas e a um domínio considerável de aspectos importantes da vida e do bem-estar da pessoa individual, mas também tem a garantia de considerável protecção; em contrapartida, o médico deve garantir que está efectivamente a fazer o que a Sociedade e o doente esperam dele, com Competência, com integridade e com honestidade. Estas são as bases do contrato a que Cruess et al. [46] se referem e que, em último caso, são recompensadas por ganhos materiais e pelo reconhecimento social. Nos últimos anos, tem-se falado muito sobre a validade ou utilidade deste contrato social. Vários factores externos têm contribuído para este facto: a introdução de novos modelos sociais de prestação de cuidados de saúde que, em alguns casos, tentam 33 interferir com a relação médico/doente e tentam retirar ao médico a capacidade total de optar pelos melhores cuidados a prestar; a introdução no processo de prestação de cuidados de saúde de novos actores que vêem na relação médico/doente um monopólio injustificado; a identificação pela Sociedade de casos em que o profissionalismo médico é colocado em questão e a dúvida sobre se a profissão médica não adopta uma atitude corporativista, protegendo a incompetência ou atitudes pouco éticas de alguns dos seus profissionais [36]. Apesar das dificuldades acima mencionadas, vários autores defendem a necessidade de incorporar nos curricula baseados em competências, experiências educativas que estimulem a transmissão dos valores necessários ao profissionalismo. Hilton [38], propõe seis domínios em que essas competências devem ser demonstradas: atitudes éticas; prática reflexiva e auto-consciência; responsabilidade pelas acções pessoais; respeito pelos doentes; trabalho em equipa e responsabilidade profissional. Coulehan [37], propõe, também, que seja dada maior relevância no curriculum ao desenvolvimento de competências de comunicação interpessoal. Algumas das estratégias educativas que têm sido propostas para atingir estes objectivos implicam: um grande comprometimento dos docentes na transmissão dos valores profissionais, revalorizando sempre que possível o papel do “mentor” na prática clínica [40]; a transmissão de conhecimentos sobre ética e comportamentos profissionais adequados através de seminários, leituras orientadas, discussão em pequenos grupos e sessões de role playing [36;40]; a inclusão no curriculum de serviços em favor da comunidade [37;40]. A criação de padrões para definir o que se entende por desempenho competente é o aspecto menos conseguido dos métodos de aprendizagem baseados em competências, não existindo sobre eles um verdadeiro consenso. Em termos teóricos, os critérios deveriam ser estabelecidos por entidades autónomas, com credibilidade junto da sociedade e às quais fosse atribuído o processo de certificação. Na ausência deste consenso, a certificação de competências está basicamente dependente das opiniões de especialistas na matéria, não sendo possível definir critérios objectivos e reprodutíveis entre instituições, ou mesmo reprodutíveis no tempo dentro da mesma instituição. Neste momento não é possível prever em que medida é que a ausência de padrões de certificação das competências pode vir a ser um obstáculo ao reconhecimento dos créditos 34 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 adquiridos em diferentes instituições de formação [47;48], o que condiciona a adopção generalizada destes métodos. reflectir de forma equilibrada e proporcional os seus vários atributos. O resultado foi um esboço de questionário constituído por trinta itens. Os itens consistem em afirmações sobre diversos aspectos da formação dos internos, solicitando-se que os médicos respondam de acordo com a sua própria experiência. As respostas aos itens são fechadas e avaliadas de acordo com uma escala de Lickert com cinco níveis, a qual traduz o grau de concordância com as afirmações produzidas (“Discordo inteiramente”; “Discordo parcialmente”; “Não concordo nem discordo”; “Concordo parcialmente”; “Concordo inteiramente”). Parte dos itens corresponde a afirmações concordantes com a utilização de métodos de TABC (afirmações positivas) e os restantes correspondem a afirmações cuja prática seria contrária à utilização de métodos de TABC na formação de internos (afirmações negativas). A pontuação atribuída a cada item foi traduzida numa escala ordinal de modo a que a pontuação máxima (=5) correspondesse à opção “Concordo inteiramente” nas afirmações formuladas de forma positiva e “Discordo inteiramente” nas afirmações negativas. A classificação assim obtida em cada item corresponde a uma escala de concordância com os métodos de TABC. Além dos itens que foram definidos para avaliar os diferentes constructos, foi adicionado ao questionário final um conjunto de perguntas para caracterização dos respondentes que incluíram: data de nascimento, género, especialidade principal, distrito e tipo de Metodologia Foi construído um inquérito de opinião para avaliar em que medida as características que actualmente definem as iniciativas de TABC já estão implementadas nos internatos médicos portugueses. Construção do questionário Com base na bibliografia existente, foram definidos três domínios que permitiriam caracterizar o internato médico como um processo de TABC: 1) definição prévia e objectiva dos resultados pretendidos com a formação, incluindo as competências genéricas e específicas de cada especialidade; 2) adequação das metodologias de treino/aprendizagem aos métodos de TABC; 3) adequação dos instrumentos de avaliação para garantir que as competências pretendidas são efectivamente adquiridas. O conhecimento e a experiência dos médicos sobre cada um dos domínios acima definidos constituíram as variáveis de estudo. Por não poderem ser medidas directamente, estas variáveis foram traduzidas em constructos teóricos passíveis de ser medidos indirectamente utilizando metodologias para análise de questionários. A elaboração dos itens correspondentes a cada constructo procurou Quadro III – Resumo das características demográficas da amostra. Orientadores de formação (n = 127) Especialistas não formadores (n = 75) Internos da especialidade (n = 237) Total de respondentes (n = 439) Medicina geral e familiar 26 37 40 103 Medicina Interna 52 15 18 85 Cirurgia geral 49 23 8 80 Outras – – 171 171 94 (74,0%) 33 (26,0%) 44 (58,7%) 31 (41,3%) 83 (35,0%) 154 (65,0%) 221 (50,3%) 218 (49,7%) 52 (41 – 71) 46 (30 – 71) 30 (28 – 33) 31 (28 – 65) – – 2º (1º – 5º) – Especialidade a) Sexo b) Masculino (%) Feminino Idade (anos) c, d) Ano de internato e) a) Distribuição diferente dos especialistas com e sem funções de formação. Teste de Chi-quadrado; p < 0,001. b) Idem. Teste de 2; p < 0,05. c) Valores expressos em mediana (percentis 5 – 95). d) Diferença significativa entre especialistas formadores e não formadores. Teste de Mann-Whitney; p < 0,001. e) Valor expresso em moda (mínimo – máximo). O ensino médico pós-graduado baseado em competências: reflexão sobre o Internato Médico Número de respondentes 120 Condição em que responde Interno da especialidade Orientador de formação Especialista sem funções de orientação 100 80 60 40 35 Figura 2 – Distribuição dos médicos em função da especialidade e condição em que responderam. A distribuição dos especialistas com ou sem funções de orientadores de formação é significativamente diferente entre as especialidades de Clínica Geral e as especialidades hospitalares (p < 0,001). 20 0 Medicina Geral e Familiar Medicina Interna instituição onde a actividade profissional é exercida (hospitais centrais, distritais ou centros de saúde). No caso dos especialistas, foi também perguntado o número de anos de exercício da especialidade, se exercem ou exerceram funções como orientadores de formação nos últimos 10 anos, qual o número de horas semanais ocupados com as funções de orientadores de formação, se tinham adquirido formação pedagógica e o nível de conhecimentos sobre os métodos de treino/aprendizagem baseados em competências. No caso dos internos foi solicitada a especialidade e o ano de internato que estavam a frequentar. Validade de conteúdo Para avaliar a validade de conteúdo, o esboço do questionário foi apresentado a um painel de peritos constituído por sete médicos, um psicólogo com experiência em psicologia educacional e um pedagogo com experiência na construção de questionários. Todos os médicos que constituíram o painel tinham concluído uma pós-graduação em educação médica e tinham tido formação sobre métodos de treino/aprendizagem baseados em competências. Cada membro do painel recebeu uma cópia do esboço do questionário acompanhada por uma explicação sobre o conceito que cada item pretendia avaliar. Era solicitado que, para cada um dos itens, fosse indicado se a redacção estava perceptível, se era sugerida alguma alteração ao texto e se a sua inclusão contribuía para esclarecer o conceito em causa. A resposta a esta última pergunta foi efectuada na forma de resposta múltipla com três opções: 1) não Cirurgia Geral contribui nada; 2) contribui mas não é fundamental; 3) é fundamental para o conceito. Os resultados fornecidos pelo painel de peritos permitiram aferir a validade de conteúdo através do método descrito por Lawshe [49], calculando o Content Validity Ratio (CVR) pela seguinte fórmula: ne – N/2 CVR = –––––––– N/2 Nesta equação, ne representa o número de peritos que classificaram cada item como essencial para avaliar o conceito pretendido e N representa o número total de elementos do painel. Para reter cada item no questionário final é necessário que um número significativo de peritos o considere essencial para o constructo; de acordo com as tabelas de Lawshe, para obter um p < 0,05 com um painel de nove elementos é necessário que o CVR seja > 0,75. Utilizando este método, foram excluídos 13 itens do questionário original cujo CVR foi <0,75, sendo incluídos no questionário final 17 itens. De acordo com as recomendações do painel, foram ainda efectuadas pequenas correcções na redacção final de oito itens. A lista dos itens incluídos no questionário final encontra-se no quadro II. Avaliação da fiabilidade A análise da fiabilidade foi efectuada utilizando o coeficiente alfa de Cronbach, um método baseado na consistência interna do tipo “split-half”. Conforme será explicado adiante, a análise da consistência interna das respostas a todos os questionários levou 36 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 à eliminação do item número três da análise dos resultados. O alfa de Cronbach do questionário com 16 itens foi de 0,722 (fiabilidade moderada). Modo de apresentação dos questionários Os questionários foram enviados por correio e preenchidos pelos próprios médicos. Em anexo, foi enviada uma carta explicativa com os objectivos do estudo e com a informação de que o preenchimento do questionário era facultativo. Foi ainda dada a informação de que a resposta era anónima e de que os seus resultados seriam apenas tratados em bloco para efeitos estatísticos. Não foi solicitada a identificação dos respondentes, das instituições onde exercem a sua actividade profissional ou de quaisquer elementos pessoais que permitissem a sua identificação. Além disso, os questionários eram acompanhados de um envelope de retorno sem franquia endereçado ao autor do trabalho (envelope “RSF”), o qual não necessitava de remetente. O envio dos questionários e a recepção das respostas ocorreram entre Setembro e Novembro de 2006. Selecção dos médicos O questionário foi aplicado numa amostra da população médica com interesse na formação de internos, incluindo os internos da especialidade e especialistas com ou sem funções de orientadores de formação. Por motivos logísticos, a amostra dos especialistas foi limitada às especialidades de Medicina Geral e Familiar (MGF), Medicina Interna e Cirurgia Geral. Os critérios para a selecção destas três especialidades incluíram o facto de serem três especialidades basilares da Medicina, possuindo, cada uma delas, um elevado número de especialistas, facto que aumenta a probabilidade de se obterem grupos homogéneos e de dimensões suficientes para permitir a análise estatística, e de serem as especialidades cuja formação baseada em competências está melhor documentada na literatura médica. Além disso, são três especialidades com necessidades formativas específicas e diferentes entre si: a Medicina Interna é uma especialidade cuja formação e exercício é efectuado essencialmente em ambiente hospitalar; a Cirurgia Geral, sendo também uma especialidade de exercício essencialmente hospitalar, caracteriza-se pela necessidade de a sua formação incluir uma forte componente de treino e aprendizagem de gestos; a MGF é uma especialidade que, por estar muito orientada para a comunidade, tem competências muito próprias e a sua aprendizagem é efectuada sobretudo em ambiente extra-hospitalar. A identificação dos médicos que constituíram a amostra foi efectuada com o apoio do Departamento de Organização e Informática da Ordem dos Médicos (O.M.), o qual forneceu as listagens dos especialistas inscritos nos Colégios da Especialidade acima mencionados que autorizam a divulgação dos seus dados pessoais. Aquele departamento também ajudou a estabelecer os critérios para interrogar a base de dados da O.M. de forma a identificar todos os potenciais internos da especialidade à data do estudo. A listagem da Ordem dos Médicos identificou 5407 médicos especialistas, incluindo 3311 Clínicos Gerais, 1089 Internistas e 1007 Cirurgiões gerais. Foram ainda identificados 2036 médicos licenciados entre 1999 e 2002 e que à data do estudo ainda não se encontravam inscritos em nenhum colégio da especialidade, tendo, por isso, uma elevada probabilidade de estarem a frequentar o internato da especialidade. Os questionários foram enviados para todos os potenciais internos (n = 2036). No caso dos especialistas, pelo facto de o seu número ser mais elevado, foi efectuada uma selecção aleatória, tendo a preocupação de manter uma distribuição proporcional à distribuição dos médicos pelos diferentes Colégios da Especialidade e à sua distribuição geográfica no território nacional. O método utilizado para garantir a aleatoriedade da escolha foi o de solicitar a um colaborador sem formação médica que seleccionasse, ao acaso, um número fixo de etiquetas de cada folha, de um conjunto de folhas onde os médicos estavam ordenados por morada de residência e código postal. Foram seleccionados desta forma 655 internistas, 665 cirurgiões gerais e 1155 clínicos gerais, num total de 2465 especialistas. No total, entre especialistas e potenciais internos, foram enviados 4501 inquéritos. Métodos estatísticos Foram efectuadas estatísticas descritivas de todas as variáveis, incluindo as variáveis de caracterização da amostra. O método de análise dos componentes principais foi utilizado para identificar factores que justificassem o agrupamento das respostas a grupos de itens. Os pressupostos para a realização da análise factorial incluíram a verificação de que o teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) era >0,6 e de que o teste O ensino médico pós-graduado baseado em competências: reflexão sobre o Internato Médico de esfericidade de Bartlett apresentava um p <0,001, rejeitando-se a hipótese de a matriz de correlação poder corresponder a uma matriz de identidade. Por não cumprirem os pressupostos da distribuição normal, as respostas aos itens foram tratadas como variáveis ordinais, sendo utilizados os testes não paramétricos de Mann-Whitney ou de KruskalWallis para comparação dos resultados entre grupos, conforme adequado. Nas análises de distribuição foi utilizado o teste de Chi-quadrado ou o teste exacto de Fisher, conforme adequado. Todos os testes foram efectuados utilizando o programa SPSS para Windows, versão 13.0. Considerou-se significativo um p < 0,05. Resultados Características da amostra Foram respondidos 457 questionários. Considerando que foram devolvidas 49 cartas por erros de endereço ou mudança de morada, a taxa de resposta foi de 10,3%. A amostra incluiu médicos de todos os distritos do continente e das regiões autónomas da Madeira e dos Açores. Tendo em conta o número de médicos inscritos em cada uma das Secções Regionais da O.M., a distribuição das respostas correspondeu à distribuição dos médicos pelas diferentes áreas geográficas. Responderam médicos com idades compreendidas entre os 27 – 82 anos; a mediana foi de 30 anos para o grupo dos internos, 46 anos para o grupo dos Figura 4 – Concordância das respostas ao item número 12 com as características de um método de treino/aprendizagem baseado em competências (TABC). Opinião menos concordante dos internos comparativamente com os orientadores de formação. 37 especialistas sem funções como orientadores e de 52 anos para os especialistas orientadores de formação. A distribuição entre géneros foi semelhante, sendo 50,2% dos respondentes do género feminino e 49,2% do género masculino. Foram excluídos da análise 12 questionários, por terem sido respondidos por médicos que tinham concluído uma especialidade diferente das três especialidades seleccionadas para estudo, e outros seis por estarem incorrectamente preenchidos. Foram considerados válidos 439 questionários, 237 respondidos por internos da especialidade e 202 por especialistas. As características da amostra estão resumidas no quadro III. A maioria dos especialistas (n = 127) exerce ou exerceu funções como orientadores de formação nos últimos 10 anos. Independentemente do facto de terem ou não exercido essas funções, a maioria dos especialistas (70,8%) tem > 10 anos de exercício da sua especialidade: 70 têm entre 11 – 20 anos e 73 têm > 20 anos de exercício. O número absoluto de especialistas que respondeu ao questionário não foi significativamente diferente em função da especialidade (72 cirurgiões, 67 internistas e 63 clínicos gerais); contudo, é necessário salientar que o número de questionários enviados para os inscritos no Colégio da Especialidade de MGF foi bastante mais elevado, o que traduz uma participação menor dos clínicos gerais. Verifica-se que a maioria dos especialistas hospitalares exerce ou já exerceu funções como orientadores de formação de internos; em contrapartida, essas funções Figura 5 – Grau de concordância das respostas ao item número 15 com os métodos baseados de treino/aprendizagem baseados em competências. Os médicos que exercem a sua actividade nos Hospitais Centrais/Universitários são os que mais consideram que a avaliação contínua é atribuída de acordo com critérios subjectivos e não é baseada em observações formais da actividade dos internos. 38 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 Quadro IV – Nível de concordância das respostas com os métodos baseados em competências em função da especialidade dos respondentes. Medicina Geral e Familiar (n =103) Medicina Interna (n = 85) Cirurgia Geral (n = 79) P a) A. Conhecimento das competências Competências específicas b) 4,0 (3,5 – 4,5) c) 3,0 (2,5 – 4,0) 3,0 (2,0 – 4,0) < 0,001 Competências genéricas b) 4,5 (4,0 – 5,0) 4,0 (2,5 – 4,5) 3,5 (2,5 – 4,5) < 0,001 B. Adequação do processo de formação Adequação dos métodos b) 4,0 (3,2 – 4,4) 4,0 (3,3 – 4,6) 4,2 (3,4 – 4,8) N.S. Item #6 4,0 (4,0 – 5,0) 5,0 (4,0 – 5,0) 4,0 (4,0 – 5,0) N.S. Item #7 4,0 (4,0 – 5,0) 5,0 (4,0 – 5,0) 5,0 (4,0 – 5,0) d) < 0,001 C. Adequação dos instrumentos de avaliação Item #12 2,0 (1,0 – 3,0) 2,0 (1,0 – 2,5) 2,0 (1,0 – 4,0) N. S. Item #13 2,0 (2,0 – 2,0) 2,0 (1,5 – 2,0) 2,0 (1,0 – 4,0) N. S. Item #14 3,0 (2,0 – 4,0) 2,0 (1,0 – 3,5) 2,0 (1,0 – 4,0) N. S. Item #15 2,0 (2,0 – 4,0) e) 2,0 (2,0 – 4,0) 2,0 (1,0 – 3,0) N. S. Item #17 1,0 (1,0 – 2,0) 2,0 (1,0 – 3,0) f) 1,0 (1,0 – 2,0) < 0,05 a) Teste de Kruskal-Wallis. b) Resultados médios dos itens que constituem o constructo. Resultados do teste de Mann-Whitney: c) Diferença com Medicina Interna (p < 0,001) e com Cirurgia Geral (p < 0,001). d) Diferença com Medicina Interna (p = 0,001) e com Medicina Geral e Familiar (p < 0,001). e) Diferença com Medicina Interna (p < 0,05) e com Cirurgia Geral (p < 0,005). f) Diferença com Medicina Geral e Familiar (p < 0,05) e com Cirurgia Geral (p < 0,05). Resultados expressos em mediana (percentis 25 – 75). são menos frequentemente exercidas pelos especialistas de MGF, dos quais apenas uma minoria exerce funções como formadores (p < 0,001) (Figura 2). O exercício de funções como orientadores de formação está associado às seguintes características: mais tempo de exercício profissional (p <0,001), pertencendo maioritariamente às categorias com “10-20” ou “>20 anos” de exercício como especialistas; são maioritariamente do género masculino (p <0,05); têm idade mais avançada (mediana 52,0 anos para o grupo dos formadores versus 46,0 anos para o grupo dos não formadores; p <0,001); o exercício de funções tutoriais é mais frequentemente atribuído aos especialistas de Medicina Interna (p <0,005) e de Cirurgia (p < 0,001) do que aos especialistas de MGF, não se verificando diferença significativa na frequência com que os especialistas das duas especialidades hospitalares exercem funções como orientadores. A formação pedagógica parece não estar relacionada com as funções de orientador; contudo, verifica-se que existe uma diferença significativa entre a especialidade de MGF e as especialidades hospitalares sobre este assunto, traduzida no facto de os especialistas de Clínica Geral que exercem funções como orientadores de formação terem mais frequentemente formação pedagógica para esse efeito em comparação com os médicos das especialidades hospitalares (p <0,001). De facto, a maioria dos orientadores de formação das especialidades de Medicina Interna e de Cirurgia Geral respondeu não ter qualquer formação pedagógica, resposta que só foi dada por um médico da especialidade de MGF com funções de orientador. A ausência de formação pedagógica dos especialistas hospitalares foi mais frequentemente relatada pelos médicos que trabalham em hospitais distritais/outros do que pelos médicos que trabalham nos hospitais centrais/ universitários (p <0,05). Também é de assinalar que só uma minoria dos médicos hospitalares que responderam ter formação pedagógica discriminou o tipo de formação que tinha; em contrapartida, a maioria dos especialistas de MGF que responderam ter formação para orientar internos discriminou adequadamente o tipo de formação que tinha adquirido. 39 O ensino médico pós-graduado baseado em competências: reflexão sobre o Internato Médico Quadro V – Nível de concordância das respostas com os métodos de treino/aprendizagem baseados em competências em função da condição dos respondentes. Internos da especialidade (n = 66) Orientadores de formação (n = 126) Especialistas não formadores (n = 75) P a) A. Conhecimento das competências Competências específicas b) 4,0 (2,0 – 4,5) 3,5 (3,0 – 4,0) 3,5 (2,5 – 4,5) N. S. Competências genéricas b) 4,5 (3,5 – 5,0) c) 4,0 (3,0 – 4,5) 4,0 (3,0 – 4,5) = 0,01 B. Adequação do processo de formação Adequação dos métodos b) 3,7 (2,6 – 4,2) 4,1 (3,6 – 4,6) 4,2 (3,2 – 4,6) = 0,001 Item #6 4,0 (4,0 -5,0) 4,0 (3,0 – 5,0) 4,0 (4,0 -5,0) N. S. Item #7 4,0 (3,8 – 5,0) 5,0 (4,0 – 5,0) 4,0 (4,0 – 5,0) < 0,005 C. Adequação dos instrumentos de avaliação Item #12 2,0 (1,0 – 2,0) c) 2,0 (2,0 – 4,0) 2,0 (1,0 – 3,0) < 0,05 Item #13 2,0 (1,0 – 2,0) 2,0 (2,0 – 2,0) 2,0 (1,0 – 2,0) N. S. Item #14 2,0 (1,0 – 2,0) d) 3,0 (2,0 – 4,0) 2,0 (1,0 – 3,0) < 0,001 Item #15 2,0 (2,0 -4,0) 2,0 (2,0 – 4,0) 2,0 (2,0 – 3,0) N. S. Item #17 1,0 (1,0 – 2,0) 2,0 (1,0 – 3,0) 1,0 (1,0 – 2,0) N. S. a) Teste de Kruskal-Wallis. b) Resultados médios dos itens que constituem o constructo. Resultados do teste de Mann-Whitney: c) Diferença com orientadores de formação; p < 0,05. d) Diferença com orientadores de formação; p < 0,001. Resultados expressos em mediana (percentis 25 – 75). A maior parte dos orientadores de formação respondeu que não ocupa mais de cinco horas por semana no exercício dessas funções: 18,9% escolheram a categoria “<2 horas” e 32,3% escolheram a categoria “2–5 horas”. O tempo ocupado nas funções de orientação não está relacionado com a especialidade ou com o facto de a actividade profissional ser exercida em centros de saúde ou Figura 3 – Distribuição dos internos conforme o ano de internato que estão a frequentar. em hospitais de maiores ou menores dimensões. No entanto, no que se refere ao tempo ocupado com as funções de orientação, verificou-se uma diferença regional, com os médicos da região sul a escolherem preferencialmente as categorias “6–10 horas” e “>10 horas” (p = 0,001). Responderam internos da especialidade entre o primeiro e o quinto ano do internato. A moda correspondeu ao 2º ano do internato (Figura 3). No caso dos internos verificou-se uma participação diferente em função da especialidade que frequentam, verificando-se um número significativamente mais elevado de respostas dos internos da especialidade de MGF (n = 40) comparativamente com os internos das especialidades de Medicina Interna (n = 18) e de Cirurgia Geral (n = 8). Responderam ainda 171 internos de várias especialidades de formação hospitalar. A maioria dos respondentes (79,4%) referiu ter pouco ou nenhum conhecimento dos métodos de treino/aprendizagem baseados em competências; 15,5% (n = 67) consideraram ter um conhecimento razoável destes métodos e só 5,1% (n = 22) consideraram que os conhecem bem. No caso dos especialistas, o maior conhecimento destes métodos foi referido mais frequentemente pelos médicos que 40 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 afirmaram ter formação pedagógica (p < 0,001) e por aqueles que exercem funções como orientadores (p < 0,001). Resultados das respostas aos itens A análise dos resultados finais dos questionários revelou correlação entre os itens (teste de esfericidade de Bartlett; p < 0,001) de nível médio (teste KMO = 0,787). A análise da matriz de comunalidades revelou que dois itens (números 3 e 15) apresentavam correlações mais reduzidas do que os restantes. Uma análise pormenorizada permitiu verificar que as respostas ao item número 3 eram muito erráticas e que esse facto poderia ser consequência de alguma subjectividade na sua redacção, pelo que este item foi excluído da análise; o item número 15 transmite um aspecto importante da avaliação e foi mantido na análise. Os métodos de análise factorial permitiram identificar três componentes principais: “Competências específicas”, sumarizado pelos itens 1 e 2; “Competências genéricas” sumarizado pelos itens 4 e 5; “Adequação dos métodos”, sumarizado pelos itens 8,9,10,11 e 16. O cálculo do alfa de Cronbach para cada uma destas subescalas foi de 0,693 (aceitável) para o factor “Competências específicas”, 0,719 (moderado) para o factor “Competências genéricas” e de 0,805 (Bom) para o factor “Adequação dos métodos”. Os itens números 12–15 e o item número 17 traduzem factores diferentes da opinião dos médicos sobre os instrumentos de avaliação e foram analisados individualmente. A maioria dos inquiridos (65,4%) concorda parcial ou inteiramente com os itens que traduzem o conhecimento das competências genéricas que devem ser adquiridas durante o internato; 22,3% discordam parcial ou inteiramente e 12,3% não concordam nem discordam. Verifica-se, contudo, alguma heterogeneidade nas respostas a este item: a mediana das respostas é mais elevada para os especialistas de MGF do que para os internistas (mediana 4,0 versus 3,0; p <0,001) ou para os cirurgiões (mediana 4,0 versus 3,0; p <0,001). Esta diferença também se verifica no caso dos médicos em formação, sendo que os internos de MGF consideram ter um conhecimento mais elevado das competências genéricas que devem adquirir comparativamente com os internos de Medicina Interna (4,8 versus 4,0; p <0,001), de Cirurgia Geral (4,8 versus 3,8; p <0,001) e com os internos de todas as restantes especialidades (4,8 versus 4,0; p < 0,05). Um aspecto curioso das respostas correspondentes ao conhecimento das competências genéricas é o facto dos internos se considerarem melhor informados sobre esta matéria do que os orientadores de formação das três especialidades seleccionadas (mediana 4,5 versus 4,0; p <0,05). A percentagem de inquiridos que manifesta ter conhecimento das competências específicas que devem ser adquiridas no internato da sua especialidade é ligeiramente menor. A maioria dos inquiridos (53,2%) respondeu que concorda parcial ou inteiramente com os itens que avaliam o seu conhecimento sobre as competências específicas; 31,9% discorda total ou parcialmente com estas afirmações e 14,9% não concorda nem discorda. Contudo, a análise comparativa das respostas fornecidas pelos médicos das diversas especialidades revelou que o conhecimento das competências específicas é maior nos especialistas da carreira de MGF do que nos especialistas de Medicina Interna (mediana 4 versus 3,0; p <0,001) ou de Cirurgia Geral (mediana 4,0 versus 3,0; p <0,001). Na realidade, no caso das especialidades de formação hospitalar o nível de concordância dos médicos com as afirmações que traduzem o conhecimento deste tipo de competências parece estar numa zona neutra (mediana = 3). O conhecimento das competências específicas foi mais elevado nos especialistas que referiram ter formação pedagógica, independentemente de exercerem ou não funções como orientadores de formação (mediana 4,0 versus 3,5; p < 0,05). No grupo dos internos da especialidade também se verificou diferença no conhecimento das competências específicas em função do internato de especialidade que está a ser frequentado, com os internos de MGF a apresentarem um resultado significativamente mais elevado do que os internos de Medicina Interna (mediana 4,0 versus 2,5; p <0,001) e os internos de Cirurgia Geral (mediana 4,0 versus 1,75; p <0,05). Apesar do número de internos de Medicina e de Cirurgia Geral ser relativamente reduzido, a diferença no conhecimento das competências específicas manteve-se quando as respostas dos internos de MGF foram comparadas com as de 171 internos de todas as restantes especialidades (mediana 4,0 versus 3,0; p <0,001). A opinião manifestada pelo conjunto de itens destinados a avaliar o factor “Adequação dos métodos” revelou resultados bastante favoráveis. Com efeito, 62,6% dos inquiridos concorda parcial ou inteiramente com o conjunto das afirmações que descrevem os métodos de treino/aprendizagem O ensino médico pós-graduado baseado em competências: reflexão sobre o Internato Médico baseados em competências como sendo aqueles que são utilizados durante o internato da especialidade, enquanto 29,7% dos inquiridos discorda parcial ou inteiramente e 7,7% não concorda nem discorda. A opinião favorável sobre a adequação dos métodos de treino/aprendizagem é reforçada pelas respostas aos itens 6 e 7. O item número 6 consiste numa afirmação sobre o método de treino que é contrária à educação baseada em competências, verificando-se que a grande maioria dos respondentes (78,8%) discorda parcial ou inteiramente dessa afirmação e só uma minoria (15,7%) concorda parcial ou inteiramente. A maioria dos inquiridos (84,7%) concorda parcial ou inteiramente com a afirmação produzida no item número 7, a qual traduz uma característica fundamental dos métodos TABC, só discordando dessa afirmação 10,9% dos inquiridos. As respostas aos itens relacionados com a adequação do processo de formação aos métodos de TABC não foram diferentes entre as várias especialidades, tipo de instituição em que os médicos exercem, formação pedagógica dos orientadores ou região do país. Verificaram-se apenas pequenas diferenças quando foi considerada a condição dos respondentes, tendo os orientadores de formação manifestado uma opinião ligeiramente mais favorável sobre a adequação do processo de treino comparativamente com os internos das três especialidades seleccionadas (mediana 4,0 versus 3,8; p <0,001). Não se verificaram diferenças nas opiniões relativas ao item 6 entre os vários factores independentes. No caso do item número 7, verificaram-se diferenças relacionadas com a condição do respondente, sendo a opinião dos orientadores de formação mais favorável do que a dos internos (mediana 5,0 versus 4,0; p <0,001). Neste item, verificaram-se também diferenças entre especialidades, com os médicos de Cirurgia Geral a manifestar uma opinião mais favorável do que os médicos de Medicina Interna (mediana 5,0 versus 4,0; p = 0,001) ou de MGF (mediana 5,0 versus 4,0; p <0,001). Verificaram-se ainda diferenças nas respostas de médicos a exercer em diferentes tipos de instituições, com os médicos dos hospitais distritais a manifestarem uma opinião mais favorável do que aqueles que trabalham em centros de saúde (mediana 5,0 versus 4,0; p = 0,01) ou hospitais centrais e/ou universitários (mediana 5,0 versus 4,0; p <0,05) Os itens destinados a avaliar o processo de avaliação revelaram grande discordância com os métodos utilizados num processo baseado em competências, 41 verificando-se que a mediana nos itens 12 a 15 e no item 17 raramente ultrapassa os 2,0. A maioria dos inquiridos (73,1%) concorda que os principais instrumentos formais de avaliação são os exames orais anuais e finais e o curriculum vitae. Os resultados só foram diferentes quando considerada a condição do respondente, em consequência duma opinião diferente dos orientadores de formação comparativamente com a dos internos (p <0,005), mas é necessário salientar que, mesmo naquele caso, a mediana das respostas (=2,0) é muito baixa em termos de concordância com os métodos baseados em competências (figura 4). Neste item, não se verificaram diferenças relacionadas com a especialidade, formação pedagógica dos especialistas ou qualquer outro factor independente. Os exames orais são habitualmente utilizados como instrumentos de avaliação de conhecimentos e, de facto, 80,8% dos inquiridos concorda que os instrumentos de avaliação existentes avaliam fundamentalmente conhecimentos teóricos e científicos. Só 14,8% dos inquiridos discorda parcial ou inteiramente desta afirmação. Este resultado aponta para a possibilidade de os instrumentos de avaliação utilizados avaliarem preferencialmente os aspectos cognitivos da formação, sendo insuficientes para um processo de avaliação de competências. As respostas a este item foram consistentes e reprodutíveis, não se verificando diferenças relacionadas com qualquer dos factores independentes. A maioria dos inquiridos (64,4%) discorda que os instrumentos de avaliação existentes avaliam bem os aspectos gerais do exercício da profissão, como o profissionalismo, a capacidade de relacionamento interpessoal ou a capacidade para manter uma elevada motivação pessoal. Verificaramse, neste item, pequenas diferenças nas respostas relacionadas com a condição dos respondentes, sendo a opinião dos orientadores de formação mais favorável do que os internos (mediana 3,0 versus 2,0; p <0,001). Contudo, é de salientar que a opinião dos especialistas que não exercem funções de formação também é significativamente diferente da opinião dos orientadores de formação (mediana 2,0 versus 3,0; p <0,005), o que parece apoiar a opinião dos internos. As diferenças encontradas não estão relacionadas com a formação pedagógica nem com a especialidade dos orientadores de formação, verificando-se, contudo, uma opinião ligeiramente mais favorável por parte dos médicos que exercem funções nos centros de saúde comparativamente com os médicos dos serviços hospitalares, quer 42 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 Quadro VI – Características dos métodos de avaliação de competências propostos pelo ACGME/ABMS Joint Iniciative. Método Utilização Características psicométricas Aplicabilidade Observações Avaliação de 360º Habilidades de comunicação interpessoal Comportamentos profissionais Prestação de cuidados Prática baseada em sistemas Poucos dados disponíveis na educação médica Acessível Mais adequado para avaliação formativa Reavaliação oral de casos Decisão clínica Conhecimentos médicos Fiabilidade razoável a) Exigente para garantir boa fiabilidade b) Avaliações formativas e sumativas Listas de verificação Habilidade para obter a história e exame clínico Habilidade para comunicação e relação interpessoal Performance na execução técnica Fiabilidade razoável Exige consenso de especialistas sobre standards de execução Aferição da performance global prévia Avaliação do final de estágio Resumo da avaliação envolvendo informação proveniente de várias fontes Fiabilidade baixa Pode ser muito subjectiva Relativamente fácil Avaliação quantitativa Exame clínico objectivo estruturado (OSCE) Capacidades de comunicação Capacidade de síntese dos resultados Habilidade em efectuar história clínica e exame objectivo Capacidade para fazer o diagnóstico diferencial e o plano de tratamento Fiabilidade boa Boa validade de construto Difícil de implementar em pequenos grupos c) Não é útil para avaliar competências na manutenção dos cuidados Registos de casos e procedimentos Avaliação global da experiência clínica (pode não expressar necessariamente competência) Fiabilidade desconhecida Acessível Avaliação formativa e sumativa Inquéritos a doentes Prestação de cuidados Habilidades de comunicação e relação Comportamentos profissionais Habilidades da prática baseada em sistemas Fiabilidade pode ser razoável a boa a) Acessível Avaliação formativa Avaliação sumativa? a) Portefólios Prática baseada em sistemas Evidência científica na prática científica Comportamentos pessoais Projectos científicos Experiência em ensino Competências difíceis de avaliar por outros métodos Fiabilidade dependente da existência de standards para os conteúdos A validade pode ser insuficiente em indivíduos isolados Acessível Revisão de processos clínicos Decisão clínica Seguimento de doentes e cuidados preventivos Utilização de recursos (análises e consultas) Cuidados preventivos Validade variável Fiabilidade moderada a) Exigente em tempo Exige definição de critérios b) Dependente de critérios uniformes de codificação Modelos e simulações Habilidades na execução de gestos Existem modelos computorizados para treino de habilidades de decisão clínica, diagnóstico e tratamento Validade de conteúdo boa Fiabilidade boa Relativamente fácil c) Avaliações formativas e sumativas Exames orais padronizados Conhecimentos médicos Decisão clínica Fiabilidade razoável a boa Acessível b) Avaliação sumativa a) Exame padronizado de doentes Habilidades na recolha da história clínica, exame objectivo, diagnóstico diferencial, pedido de exames Habilidades de comunicação Fiabilidade boa Boa validade de construto mas modesta validade concorrente Exigente em tempo e recursos b), d) Conhecimentos médicos Para boa fiabilidade deve basear-se na teoria de construção de testes Especialistas médicos e testes piloto b) Exame escrito de resposta múltipla Avaliações formativas e sumativas Avaliação sumativa Para fins sumativos, a fiabilidade deve ser > 0,85 a) depende da validade e fiabilidade dos instrumentos de medição; b) exige pessoal treinado na sua utilização; c) exige recursos materiais elevados; d) possibilidade de desenvolvimento de instrumentos comuns para várias instituições. Fiabilidade: razoável (r ≥ 0,65 e < 0,85); boa (r ≥ 0,85). O ensino médico pós-graduado baseado em competências: reflexão sobre o Internato Médico sejam hospitais centrais/universitários (mediana 3,0 versus 2,0; p <0,05), quer sejam hospitais distritais/ outros (mediana 3,0 versus 2,0; p <0,05). Uma percentagem elevada dos médicos (66,2%) concorda que a avaliação contínua é mais baseada em critérios subjectivos do que em avaliações formais da actividade dos internos. Esta opinião é amplamente partilhada por quase todos os subgrupos de respondentes. Apesar da igualdade das medianas, a opinião foi ainda menos favorável no caso dos médicos que exercem a sua actividade nos hospitais centrais/universitários em comparação com os que exercem a sua actividade nos hospitais distritais/outros (p <0,05) e nos centros de saúde (p = 0,001) (Figura 5). A comparação, utilizando todas as restantes variáveis de caracterização, não permitiu identificar diferenças significativas nas respostas a este item. A grande maioria dos inquiridos (77,9%) concorda com a afirmação que uma nota elevada no final do internato traduz um elevado nível de conhecimentos, mas não obrigatoriamente um bom desempenho das tarefas na vida real. Esta resposta revela que a maioria dos médicos não atribui à nota final de internato um valor preditivo em relação à competência para o desempenho das funções na vida real. Esta opinião é reprodutível entre os vários subgrupos de respondentes. Apenas os médicos da especialidade de Medicina Interna apresentaram um resultado ligeiramente menos desfavorável comparativamente com os médicos da especialidade de MGF (mediana 2,0 versus 1,0; p <0,05) e de Cirurgia Geral (mediana 2,0 versus 1,0; p <0,05). Discussão É consensual que o conhecimento teórico – o saber – é uma necessidade fundamental da prática médica; a necessidade de conhecimentos teóricos profundos e actualizados é uma das pedras basilares da actividade profissional e a transmissão desse conhecimento foi, durante séculos, a principal preocupação do ensino médico. Durante as últimas décadas, foi-se tornando evidente que a simples posse de conhecimentos não é suficiente para o exercício da Medicina. Além do saber propriamente dito, livresco e descontextualizado, o exercício de funções clínicas exige experiência na sua aplicação prática, traduzida em gestos e atitudes muito concretas; ou seja, para além de saber é extremamente importante saber fazer. 43 Contudo, o exercício da profissão médica é muito mais complexo do que o acima descrito. A Medicina situa-se numa área de charneira entre as ciências ditas naturais e as ciências humanas. Saber e saber fazer podem ser suficientes para definir um bom técnico de saúde, mas são insuficientes para definir o médico como Competente. Cada ser humano é uma entidade bio-psico-social única e o médico – Competente – tem necessidade de o entender em toda a sua diversidade, adequando, sempre que necessário, as suas decisões e as suas atitudes de acordo com um conjunto de valores éticos e deontológicos da sua profissão e com as exigências sociais e culturais da própria Sociedade. Dito de outra forma, o médico também precisa de saber ser. O processo de aprendizagem médica começa no ensino médico pré-graduado, mas é nos primeiros anos do seu exercício profissional que muitas das suas atitudes serão moldadas, pela experiência e pela observação dos seus pares e dos seus mentores. Este é um processo que exige simultaneamente tempo e um ambiente saudável de aprendizagem. Nas últimas décadas, a formação pós-graduada tem sido efectuada num período de tempo mais ou menos longo (se considerarmos o conjunto do antigo internato geral e do internato complementar) e dentro de um sistema de saúde com funções suficientemente abrangentes para incluir a formação. A redução do tempo de formação pós-graduada, em consequência da extinção do internato geral, a introdução de novos regimes de prestação de cuidados médicos à população cuja missão nem sempre inclui ou privilegia a formação de internos, o aumento da complexidade técnico-científica da profissão em consequência do desenvolvimento de novas técnicas de diagnóstico e tratamento, a necessidade material de acelerar a formação de especialistas e as próprias exigências da sociedade em relação à competência desses especialistas, vêm colocar sérios desafios à forma tradicional de aprendizagem médica, principalmente à formação que é efectuada fora das universidades: o internato médico. Para caracterizar o processo de formação dos médicos internos da especialidade em Portugal, foi construído um inquérito que abrange três domínios diferentes da formação, o que permite avaliar se o internato apresenta características que o possam definir como um processo de TABC. As respostas a este questionário revelaram aspectos muito interessantes, a começar pelas características globais da amostra, que revelou que o processo de formação pós-graduada interessa 44 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 a todos os grupos de médicos: foram obtidas respostas de médicos de todos os grupos etários (máximo 83 anos), de todas as especialidades, independentemente de estarem ou não formalmente envolvidos no processo de formação, e de todos os graus da carreira. Verificou-se um interesse muito elevado por parte dos médicos internos e dos especialistas hospitalares, sendo no entanto de assinalar uma taxa de respostas mais baixa por parte dos especialistas de Medicina Geral e Familiar. A maioria dos médicos referiu ter pouco ou nenhum conhecimento sobre os métodos de TABC, tanto no grupo dos internos como no grupo dos orientadores de formação. Este facto é curioso na medida em que seria de esperar que o conhecimento fosse mais elevado no caso de estes métodos de aprendizagem já estarem a ser utilizados. Particularmente, no caso dos orientadores de formação, o pouco conhecimento manifestado sobre métodos de TABC contraria a possibilidade do internato complementar ser um processo baseado em competências, uma vez que estes métodos pressupõem treino dos formadores para a sua aplicação [9]. Os médicos que referiram possuir formação pedagógica também referiram ter maior conhecimento dos métodos de TABC. Contudo, a maioria dos médicos que exercem funções como orientadores referiu não ter tido formação específica para esse efeito, facto que também é contrário aos objectivos actualmente pretendidos com a educação médica [50;51]. Verificou-se uma distribuição significativamente diferente dos médicos que têm formação pedagógica e que exercem funções de orientadores entre os especialistas de Medicina Geral e Familiar e os médicos das especialidades hospitalares. Este facto pode ser, parcialmente, justificado pela existência de cursos para formadores organizados pela Associação de Médicos de Clínica Geral e pela menor percentagem de médicos especialistas que afirmaram exercer funções como orientadores comparativamente aos médicos hospitalares. Os médicos deste último grupo referem menos frequentemente terem tido formação pedagógica para serem orientadores de formação, apesar de exercerem com maior frequência essas funções. Alguns médicos hospitalares responderam ter formação pedagógica sem a especificar; os que a discriminaram, referiram a frequência do Curso de Formação de Formadores da Ordem dos Médicos, pós-graduações em ciências relacionadas com a pedagogia, realização de provas de aptidão peda- gógica em universidades, mestrados ou doutoramentos. Também se constatou que, com alguma frequência, a formação pedagógica foi especificada como exercício de funções no ensino médico prégraduado, que não implicam a prestação de provas de aptidão pedagógica, ou a participação em cursos e reuniões científicas sobre temas diversos, não tendo sido possível determinar se essas funções se relacionam com áreas pedagógicas. A ausência de formação pedagógica por parte da maioria dos especialistas hospitalares coloca algumas dúvidas sobre o processo formativo, não por desconhecimento científico ou inabilidade clínica dos formadores, mas pela possibilidade de não lhes estarem a ser fornecidas as condições necessárias ao desempenho destas funções. Parafraseando o nefrologista inglês S. Carr [51], “While most consultants have the good clinical knowledge and clinical skills to act as a clinical supervisor not all consultants will have the skills or the desire to become educational supervisors and specific training and time needs to be provided for this essential role.” Na população analisada, o exercício de actividade como orientadores de formação foi associado a quatro factores: idade, número de anos de exercício como especialistas, sexo e formação pedagógica. Os médicos que exercem funções de formação pertencem a um grupo etário ligeiramente mais elevado, têm geralmente mais de cinco anos como especialistas, são preferencialmente do sexo masculino e reportam, com maior frequência, a posse de preparação pedagógica para essas funções. Os três primeiros factores estão relacionados entre si: existe uma correlação entre a idade e o número de anos como especialistas e verificou-se que os médicos dos grupos etários mais elevados são mais frequentemente do sexo masculino, havendo uma inversão desta tendência nos médicos mais jovens. Reflectem, no seu conjunto, a entrega da formação aos especialistas com maior experiência clínica. Não foi possível determinar se a formação pedagógica é um critério que também justifica essa escolha ou se resultou de uma necessidade sentida pelos médicos que já exerciam funções de orientação e se, por esse motivo, a adquiriram. Foram observadas diferenças significativas nos resultados do questionário entre os vários subgrupos de médicos que constituíram a amostra. As principais diferenças estão relacionadas com os seguintes factores independentes: especialidade dos respondentes, condição em que responderam (internos da especialidade, especialistas sem funções O ensino médico pós-graduado baseado em competências: reflexão sobre o Internato Médico formais na formação ou orientadores de formação), preparação pedagógica dos orientadores de formação e tipo de instituição onde exercem a sua actividade clínica. A região do país não se relacionou com diferenças nas respostas. As principais diferenças entre as diversas especialidades relacionaram-se com a definição das competências específicas que constituem cada especialidade, tendo-se verificado que, na opinião dos respondentes, a especialidade de MGF tem as suas competências específicas mais definidas do que as especialidades de formação hospitalar. Verificou-se alguma sobreposição entre as respostas aos itens relacionados com a adequação dos métodos, dos especialistas de MGF e os médicos que exercerem a sua actividade profissional nos centros de saúde. Pelo menos em parte, esta sobreposição pode estar relacionada com a existência de relação entre os factores independentes “tipo de instituição” e “especialidade”. No entanto, o tipo de instituição também contribuiu, isoladamente, para diferenças nas respostas em alguns itens. Quando se comparam as respostas dos médicos dos hospitais centrais/universitários como as dos médicos dos centros de saúde, deve ser salientada a maior preocupação destes últimos de que os internos demonstrem conhecimento das situações antes de serem colocados perante problemas reais e, também, a opinião dos médicos dos centros de saúde de que a subjectividade das avaliações contínuas não é tão notória. Os motivos para estas diferenças não foram pesquisados neste inquérito, pelo que qualquer tentativa de as justificar seria meramente especulativa. As diferenças de opinião relacionadas com a condição dos respondentes ocorreram em vários domínios. Uma dessas diferenças correspondeu a um dado curioso: os internos manifestaram melhor conhecimento das competências genéricas que devem adquirir do que os próprios orientadores de formação. Este resultado não pode ser explicado no âmbito deste questionário. Verificaram-se, também, divergências nas opiniões relativas aos domínios da adequação do processo de formação e da avaliação, mas estas podem ser apenas aparentes, na medida em que os especialistas sem funções formais na formação de internos manifestaram uma opinião intermédia entre os internos e os orientadores de formação. Os itens 12 a 15 e o item 17 relacionam-se com o processo de avaliação. No seu conjunto, estes itens demonstraram que as opiniões dos médicos eram pouco adequadas aos métodos de TABC. Acresce 45 que, no domínio da avaliação, as respostas foram bastante homogéneas, ocorrendo apenas diferenças pontuais entre grupos. Na realidade, comparativamente aos domínios da definição das competências e da adequação dos métodos, a resposta a todos os itens relacionados com os instrumentos de avaliação foi muito menos favorável, verificando-se uma enorme discordância com o que seria esperado num processo de TABC. Os instrumentos de avaliação utilizados privilegiam a medição dos conhecimentos adquiridos e não avaliam adequadamente os aspectos mais gerais da actividade, ou seja, a aquisição de verdadeiras competências; é reconhecido pela maioria dos médicos respondentes que a avaliação contínua não é baseada em critérios objectivos de observação da actividade dos internos. Além disso, a maioria dos médicos não considera que a avaliação final de internato traduza um bom desempenho das tarefas na vida real. Uma das principais vantagens atribuídas aos métodos de TABC é a garantia de que todo o processo é orientado para a obtenção de um resultado final: a competência para o exercício profissional numa determinada área e a verificação de que esse resultado é efectivamente alcançado. Com base neste pressuposto, a avaliação e os métodos utilizados para a efectuar constituem aspectos fundamentais deste método de treino/aprendizagem. A primeira característica que permite distinguir os métodos de avaliação utilizados nos programas de TABC dos métodos convencionais é o próprio objecto da avaliação: enquanto a avaliação efectuada noutros métodos de ensino/aprendizagem tem por objecto a avaliação dos conhecimentos adquiridos durante o processo de aprendizagem, a avaliação nas iniciativas baseadas em competências tem como objecto a aplicação do conhecimento e o modo como o mesmo é traduzido em modificações comportamentais. Esta diferença é fundamental, na medida em que alguns dos métodos convencionais estão mais orientados para avaliar os aspectos cognitivos, o que é insuficiente quando se trata de avaliar competências. Nos programas baseados em competências a avaliação é um processo contínuo. Embora esta característica não seja exclusiva deste tipo de iniciativas, deve estar prevista nas várias fases do programa educativo. A aprendizagem de uma competência é habitualmente efectuada de uma forma gradual, seguindo um conjunto de fases distintas. A passagem de cada uma das fases de treino/aprendizagem para 46 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 as seguintes implica a existência de um processo de avaliação que determina se essa evolução ocorreu ou não. Em princípio, se o aluno não conseguir avaliação positiva, a progressão no processo de treino não é possível e isto ocorre em todas as fases de treino/aprendizagem, o qual só pode ser considerado como concluído quando for demonstrado que a competência foi efectivamente alcançada. Outra das características dos métodos de avaliação utilizados nos programas de TABC é a sua objectividade. Na fase inicial deste movimento, a objectividade era relativamente fácil de alcançar através da utilização de instrumentos simples, como as listas de verificação e de outros instrumentos objectivos de avaliação comportamental, adequados para avaliar habilidades e competências isoladas, ou pouco complexas. À medida que este método foi sendo utilizado na aprendizagem de tarefas cada vez mais complexas, cuja realização implica a integração de conhecimentos e atitudes, e principalmente com o desenvolvimento das variantes holísticas, a complexidade da avaliação foi-se tornando cada vez maior e a objectividade foi-se tornando mais difícil de garantir. No caso da educação médica, constatou-se que o exame clínico objectivo estruturado (Objective Structured Clinical Examination ou OSCE, na nomenclatura anglo-saxónica), baseado em listas de verificação e observação de doentes com patologias padrão, poderia facilmente omitir a avaliação de várias competências fundamentais para a actividade clínica [52]. O desenvolvimento de novos instrumentos de avaliação destinados a medir competências de ordem superior ou meta-competências constitui actualmente uma das áreas onde se concentram muitos esforços de investigação em educação médica [53], sendo evidente que a avaliação de competências clínicas de ordem superior não pode ser baseada num único instrumento [54;55]. O Accreditation Council for Graduate Medical Education (ACGME) e o American Board of Medical Specialties (ABMS), publicaram em conjunto uma “caixa de ferramentas de avaliação” que descreve vários métodos já utilizados em educação médica para avaliação de algumas competências, onde são ainda incluídas algumas características conhecidas sobre cada um deles, nomeadamente a validade, fiabilidade e praticabilidade [56]. As ferramentas descritas neste documento estão resumidas no quadro VI. É importante salientar que, mesmo nos países anglo-saxónicos, onde este movimento tem maior expressão, a utilização destes instrumentos ainda é relativamente recente e a sua validade empírica ainda não é inteiramente conhecida [54]. Numa revisão sistemática da literatura médica sobre a utilização de vários instrumentos de avaliação no processo de certificação médica pós-graduada, verificou-se que os dados sobre as características psicométricas destas ferramentas ainda são relativamente escassos, não existindo evidência suficiente que permita sustentar a validade e/ou fiabilidade de qualquer dos instrumentos utilizados isoladamente [57]. A necessidade de validação destes métodos também é considerada necessária antes que a sua utilização possa ser recomendada para fins de acreditação [58]. Em parte, este resultado pode traduzir a dificuldade evidenciada pela maioria das instituições onde são efectuados os internatos médicos para se adaptarem às exigências colocadas pelos métodos de aprendizagem baseados em competências, tal como foi recentemente revelado por um inquérito efectuado aos directores dos programas de internato de várias instituições dos E.U.A. [59]. Essa dificuldade resulta de inúmeros factores, como a inexistência de pessoal especializado, a escassez de tempo e de recursos materiais e/ou financeiros. Existem dois tipos de avaliação que são frequentemente utilizados nos programas de treino baseados em competências: a avaliação formativa e a avaliação sumativa [60]. A avaliação formativa é utilizada para planificar a aprendizagem e orientar o formando na sua evolução ao longo do processo de aprendizagem. Este tipo de avaliação, quando efectuada com carácter formal, embora não sancionatório, permite a transmissão dos resultados aos próprios formandos para que estes possam aferir o nível de desempenho já alcançado. Hodder et al. [61] demonstraram que o feedback fornecido por sessões de OSCE tem efeitos positivos na aprendizagem e, desde que efectuadas com rigor idêntico ao exigido nas avaliações de carácter sumativo, reforçam positivamente o ciclo de aprendizagem [62;63]. Embora este tipo de avaliações seja habitualmente dispendioso e relativamente exigente em tempo consumido, um estudo efectuado na Universidade de McMaster demonstrou ser possível efectuar avaliações formais de carácter formativo com rigor suficiente para proporcionar o reforço da aprendizagem, utilizando muito menos recursos do que aqueles que seriam necessários para fins sumativos [64]. Além disso, as avaliações formativas podem também ser utilizadas para ajudar os educadores na O ensino médico pós-graduado baseado em competências: reflexão sobre o Internato Médico planificação de experiências de aprendizagem que facilitem a obtenção do resultado esperado [60]. As avaliações sumativas têm por objectivo certificar a obtenção de um determinado resultado, do tipo aprovado ou não aprovado e, nesse sentido, podem ter um carácter sancionatório. Pelo seu potencial para facilitar a aprendizagem, tanto as avaliações formativas como sumativas devem ser utilizadas frequentemente durante o processo de treino médico pós-graduado [65], sendo habitualmente procuradas pelos internos que pretendem orientação e discussão dos casos pelos seus orientadores [66]. Embora não exista muita evidência sobre o modo como elas contribuem para os resultados finais [67], a inclusão de avaliações formais de desempenho ao longo de todo o processo de treino poderá aumentar os níveis de autoconfiança relativamente à própria actividade [68], embora esse aspecto nem sempre tenha sido documentado [69]. É importante salientar que não é muito habitual a aplicação dos instrumentos de avaliação utilizados na aprendizagem de competências na educação médica portuguesa. Apesar de alguns dos métodos apresentados no quadro II apresentarem denominações parecidas com as utilizadas entre nós, são instrumentos de medição padronizados elaborados para objectivar, tanto quanto possível, o domínio das várias competências necessárias para a actividade clínica. A sua recomendação em vários tipos de avaliações, formativas e/ou sumativas deve ser, sempre que possível, baseada nos dados conhecidos sobre a validade e fiabilidade de cada um dos instrumentos para medir conhecimentos, habilidades ou competências específicas [54]. Esta objectividade não é tradição no ensino médico português, onde vários instrumentos de avaliação “clássicos” são habitualmente utilizados, mas cujas características psicométricas não estão documentadas. Isto verifica-se tanto no ensino médico pré como pósgraduado, incluindo as avaliações efectuadas durante o internato complementar e o próprio processo de acreditação. Com efeito, de todos os instrumentos descritos no quadro VI, o teste de resposta múltipla é talvez aquele que tem maior paralelismo com os métodos utilizados em Portugal. Este teste é tradicionalmente utilizado nos exames de acesso ao internato complementar, tendo, por esse motivo, um carácter discriminatório e uma importância decisiva para a carreira profissional dos médicos. Mesmo tratando-se de um teste de avaliação de conhecimentos e não de verdadeiras competências, quando utilizado com aquele objectivo, deveria ser elaborado de acordo 47 com rigorosos princípios teóricos para garantir a sua validade. Contudo, não foi identificado qualquer estudo publicado sobre a sua validade, nem mesmo sobre a sua eventual validade facial. Adicionalmente, quando os testes de resposta múltipla são utilizados com efeitos sancionatórios devem possuir uma boa fiabilidade (r ≥ 0,85) [56], mas, uma vez mais, não foi possível encontrar estudos sobre a fiabilidade dos testes de resposta múltipla utilizados para acesso ao internato complementar. Nas avaliações sumativas periódicas que são efectuadas durante o internato complementar e na própria avaliação final, que constituem a base do processo de acreditação dos especialistas portugueses, são utilizados vários métodos, entre os quais a informação do orientador de formação, a discussão do curriculum vitae, elaboração de histórias clínicas e exames orais não padronizados. A avaliação do orientador de formação corresponde a uma tradição baseada nos métodos clássicos de formação de especialistas [53], que não faz parte das ferramentas de avaliação utilizadas nos métodos de aprendizagem baseados em competências. Podem ser encontradas algumas semelhanças entre os relatórios anuais de estágio ou o curriculum vitae da avaliação final de internato e os portfolios referidos pelo AGGME & ABMS Outcome Project. Contudo a correspondência entre estes dois instrumentos de avaliação não é total. Nos curricula vitae apresentados no final do internato complementar é evidente a tendência dos internos para referenciarem os aspectos positivos do seu trabalho, não sendo habitual a discussão de aspectos como as preocupações decorrentes da sua experiência, ou mesmo de realizações menos conseguidas e dos motivos da sua não realização. Estes aspectos poderiam ter interesse para a avaliação e, em alguns casos, a não concretização de determinados projectos por motivos fundamentados, poderia mesmo ser um factor de discussão e valorização profissional. Em qualquer dos casos, o facto de não existir um padrão uniforme de elaboração quer dos portfolios quer dos próprios curricula vitae (e não é seguro que essa padronização seja desejável!) determina que a sua fiabilidade possa ser questionada [56], apesar de este instrumento ser cada vez mais utilizado [70-73]. Embora a história clínica completa (long case) tenha vindo a ser gradualmente substituída por outros métodos que permitem objectivar vários aspectos da competência médica, persistem alguns dos seus defensores na literatura sobre educação médica [52;74]. O seu abandono progressivo deveu-se 48 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 sobretudo à falta de fiabilidade para medir de forma objectiva as várias competências que são normalmente necessárias à sua elaboração [75;76]. No caso português, a mesma falta de fiabilidade pode ser apontada quando a avaliação se apoia em instrumentos como a observação e realização da história clínica e exames orais não padronizados. Vantagens e limitações deste estudo O presente estudo apresenta algumas limitações que merecem ser ponderadas. Estas limitações reportam-se à elaboração e validação do questionário utilizado e à forma de apresentação do mesmo aos médicos interessados no processo. A educação médica portuguesa tem sido baseada, fundamentalmente, no tempo e na credibilidade das instituições onde a aprendizagem ocorre, existindo um consenso geral de que a competência dos médicos formados nestas condições é relativamente boa quando comparada com a dos restantes países europeus. Contudo, não existe informação sobre a utilização de métodos de TABC na formação médica pós-graduada em Portugal. Pelos motivos acima descritos, a caracterização do modelo de treino/aprendizagem do actual internato da especialidade constitui um trabalho inovador e que exigiu a criação e validação de um instrumento de análise a partir do zero. A validação deste instrumento foi baseada na avaliação da validade de conteúdo, recorrendo a um grupo restrito de peritos e na análise da sua fiabilidade interna. O coeficiente Alfa de Cronbach ~0.7 (moderado) legitima a sua utilização mas recomenda que, em estudos futuros em que este instrumento venha a ser utilizado, a fiabilidade seja melhorada, recorrendo aos métodos estatísticos para validação de escalas. O universo em estudo envolveu todos os potenciais médicos internos mas, por motivos logísticos, limitou-se aos médicos especialistas de três especialidades: MGF, Medicina Interna e Cirurgia Geral. Por não existirem registos centrais onde conste quem são os especialistas com funções de orientadores de formação, ou quais os médicos que se encontram a frequentar o internato de especialidade, o número de inquéritos enviados teve de ser substancialmente mais elevado, aceitando-se, a possibilidade de parte das respostas recebidas serem de especialistas destas áreas que não estão directamente envolvidos no processo de formação; no entanto, o tratamento das respostas deste grupo de médicos contribuiu para determinar o número aproximado dos médicos directamente envolvidos no processo e permitiu a comparação da sua opinião com algumas variáveis. A sua opinião revelou-se importante por muitos deles terem concluído recentemente o internato complementar e manifestarem interesse no processo de formação. O método utilizado para apresentação dos questionários foi o de envio por correio, que tem como vantagens a garantia de anonimato, a redução de eventuais erros de viés introduzidos, inadvertidamente, pelo entrevistador e a possibilidade de deixar ao respondente a melhor altura para proceder ao preenchimento. Apresenta, contudo, uma desvantagem importante: ser um método em que a taxa esperada de respostas é relativamente reduzida [77]. Teoricamente, taxas de resposta inferiores a 20% podem impedir a generalização dos resultados à totalidade da população [77] por não ser possível determinar se os respondentes apresentam características específicas que os distingam dos não respondentes. No caso presente, a taxa de respondentes foi ligeiramente superior a 10%. Contudo, é de salientar que a taxa de respostas obtida excedeu positivamente as expectativas iniciais uma vez que, em questionários enviados a médicos, a taxa de respostas é habitualmente muito reduzida. A priori, a possibilidade de obter neste universo uma percentagem de respondentes ≥20% era pouco realista. Os objectivos iniciais consistiam na obtenção duma amostra com >5 indivíduos por cada variável em análise, essencial para validar os resultados do questionário [78], e, se possível, duma amostra com dimensão significativa para avaliar a opinião do universo cuja dimensão era conhecida. Ambos os objectivos foram alcançados, sendo o erro máximo de amostragem de 5% para um intervalo de confiança de 95% [79], o que permite aceitar como válidos os resultados obtidos. Conclusão Conclui-se que o internato médico não é, actualmente, um processo de treino/aprendizagem baseado em competências. A evolução do internato para um processo baseado em competências implicará um trabalho profundo na formação dos médicos formadores, na definição dos curricula e dos resultados pretendidos com a formação, e na validação dos instrumentos de avaliação utilizados. O ensino médico pós-graduado baseado em competências: reflexão sobre o Internato Médico Agradecimentos O autor agradece aos Departamento de Organização e Informática da Ordem dos Médicos a colaboração prestada na identificação e selecção dos médicos inquiridos. Bibliografia 1. Bowden J.A. Competency-Based Education – Neither a Panacea nor a Pariah 1997 [Data de acesso: 2006 Feb 25] Disponível em http://crm.hct.ac.ae/events/archive/tend/018bowden.html. 2. Harden RM. Developments in outcome-based education. Med Teach. 2002 Mar;24(2):117-20. 3. Diwakar V. Commentary: The baby is thrown out with the bathwater. BMJ 2002 Sep 28;325(7366):693-6. 4. Jones L., Moore R. Appropriating Competence: The competency movement, the new right and the ‘Culture Change’ project. British Journal of Education and Work 1995;8(2):78-92. 5. Toohey S., Ryan G., Mclean J., Hughes C. Assessing competencybased education and training. Austral N Z J Vocational Educ Res 1995;3:86-117. 49 19. 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Para aumentar o peso da avaliação formativa, face à sumativa, sugere-se que os tutores tenham formação pedagógica e em técnicas de supervisão, bem como treino na utilização dos instrumentos de avaliação. The main concern of this research is to describe and analyse the system of assessment in the General Practice Course of the FCML. We found out that outcomes of performance assessment are higher than outcomes of knowledge assessment; there is no variability in the students’ outcomes through five years; in knowledge assessment, female students have higher outcomes than male students. In performance assessment, we didn’t found out any interaction of tutor gender and student gender. The final classification reflects, mainly, summative assessment outcomes. In order to increase the weight of the formative assessment, over the summative, we suggest that tutors should have preparation in pedagogic and supervising techniques as well as training in the use of assessment instruments. Palavras-chave: Educação Médica, estudantes de medicina, disciplina de Clínica Geral, sistema de avaliação, instrumentos de avaliação, avaliação sumativa, avaliação formativa, avaliação de desempenho, avaliação de conhecimentos, classificação final. Keywords: Medical Education, medical students, General Practice Course, assessment system, assessment instruments, summative assessment, formative assessment, performance assessment, knowledge assessment, final classification. Introdução A avaliação desempenha um papel muito importante na vida dos estudantes de Medicina e também para a Sociedade em geral, pela sua responsabilidade na certificação de médicos competentes para cuidar da população (1, 2). Desde há muito tempo que as faculdades sentem necessidade de introduzir novos métodos de ensino, * [email protected] Agradecimentos Ao Professor Doutor Coelho Rosa e ao Mestre Dr. Vítor Alaíz pelas sugestões. À FCML e ao Professor Doutor Mário Bernardo que manifestou o seu apoio a este estudo e me disponibilizou as classificações dos alunos. Por último os meus agradecimentos à Dra. Eleonora Paixão pelas sugestões e pela revisão da estatística. de forma a proporcionar aos alunos experiências de aprendizagem aplicáveis às situações da vida real (3) o que determina a necessidade de novas formas de avaliar quer os alunos, quer os programas, quer ainda as próprias metodologias (4). Os programas de ensino médico são muito complexos e o ensino dispersa-se por várias disciplinas, em vários locais (hospitais, centros de saúde, aulas, laboratórios, etc.) e durante vários anos. São usados muitos tipos e estilos de ensino e de aprendizagem e os alunos têm experiências variadas durante o seu treino, por isso, torna-se necessária escolha eclética de métodos e instrumentos de avaliação (5). Os instrumentos de avaliação e a forma como são aplicados estão intimamente associados com a forma como os indivíduos aprendem e o desenvolvimento Cadernos de Saúde Vol. 1 N.º 1 – pp. 51-62 52 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 das estratégias da avaliação é uma pedra-chave para o desenvolvimento do curriculum (6). Em Portugal, apesar da relevância do tema, não há divulgação de estudos relativos à avaliação dos estudantes de Medicina, ao contrário do que acontece em relação a outros níveis de ensino (7) e do que se passa noutros países. Apesar de existirem alguns relatórios relacionados com a avaliação institucional das Faculdades de Medicina (8, 9) com conclusões relativamente optimistas em relação aos aspectos organizativos e pedagógicos, bem como às competências dos alunos, surgem, entre os docentes, algumas vozes discordantes. Cita-se a propósito o Prof. Jorge Soares: “Os modelos de ensino actuais fazem (o que não seria inesperado que acontecesse!) os alunos felizes. E porquê? Porque prolongam o formato securitário do ensino liceal no qual obtiveram indiscutível sucesso (a admissão ao curso!), centram na “nota da cadeira” o objectivo maior de aprendizagem (que os leva a preocuparem-se mais com a justiça da nota da disciplina, por comparação “com a do colega do lado”, do que com as condições sociais do doente e da sua situação de sofrimento), promovem a “metrificação” das classificações (os estudantes constituíram-se “adaptativamente”, em insuperáveis “profissionais de fazer exames”!), restringem o seu espaço de liberdade (e a grande maioria dos estudantes não a deseja porque não sabe o que fazer com ela!) ” (10) . É do conhecimento geral que o percurso académico dos alunos de Medicina decorre num ambiente de grande competitividade que encontra a sua expressão máxima nas classificações obtidas, que nem sempre são a tradução efectiva da aquisição de competências humanísticas e éticas ou de conhecimentos técnico-científicos, essenciais no exercício da profissão médica. A cultura da classificação e da nota elevada está bem patente na inflação que se tem verificado desde há anos nas classificações dos estudantes de Medicina e que não se observa noutros cursos. Este artigo apresenta um estudo que teve por objecto a avaliação das aprendizagens dos estudantes de Medicina e que foi realizado no âmbito do Mestrado em Educação Médica do ICS/UCP. O estudo, de tipo exploratório, descreve um sistema de avaliação das aprendizagens dos estudantes de Medicina, na área da Clínica Geral, analisa os instrumentos utilizados e os resultados obtidos, procurando preencher a lacuna existente nos trabalhos realizados, no âmbito da Educação Médica, em Portugal. Tendo em conta estes objectivos formularam-se quatro hipóteses, nomeadamente com o intuito de saber se: 1. Os resultados da avaliação de desempenho (Centro de Saúde Urbano, Centro de Saúde Rural), avaliação de conhecimentos e classificação final serão equivalentes; 2. Existirá variação nos resultados das avaliações de desempenho, de conhecimentos e da classificação final em cinco anos lectivos; 3. Os resultados da avaliação serão influenciados pelo género do aluno, 4. Os resultados da avaliação de desempenho serão influenciados pelo facto de o aluno e o tutor serem do mesmo género. Face ao sistema de avaliação existente, considerou-se que um relato empiricamente fundamentado seria um contributo para a reflexão sobre a necessidade de mudança do sistema actual de avaliação das aprendizagens, tendo em conta as pressões decorrentes da evolução quer do ensino médico no mundo, quer da do ensino superior na Europa. Material e métodos Na descrição interna do sistema de avaliação, utilizaram-se métodos qualitativos, nomeadamente a pesquisa bibliográfica e a análise documental, foi usada informação disponível no site da Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa, foram também utilizadas entrevistas informais com alguns dos elementos intervenientes no processo de avaliação dos estudantes, quer assistentes da disciplina quer tutores, e ainda com alguns estudantes, bem como análise dos comentários do item Análise Crítica do Estágio que consta no relatório. Foi utilizada esta metodologia numa perspectiva de triangulação da informação através das fontes. Foram também utilizados métodos quantitativos, no sentido de identificar associações com significado estatístico nas classificações atribuídas aos estudantes. População A população-alvo refere-se ao universo constituído pelos resultados das avaliações dos estudantes do 6º ano de Medicina na disciplina de Clínica Geral da Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa (FCML), Descrição e análise de um sistema de avaliação das aprendizagens numa Faculdade de Medicina durante um período de 5 anos lectivos (2000 a 2004): •Avaliação de Desempenho do Centro de Saúde (CS) rural – com pontuação de 8 a 40; •Avaliação de Desempenho CS urbano – com pontuação de 8 a 40; •Avaliação de Desempenho (MAD) – média aritmética das duas anteriores, com conversão para a pontuação de 0 a 20 valores; •Avaliação de conhecimentos/Avaliação da Discussão do Relatório (AC) – com pontuação de 0 a 20 valores; • Classificação Final (CF) – calculada pela fórmula MAD + 2AC no ano lectivo 2000-2001; e pela fór3 MAD + 3AC nos anos lectivos seguintes. mula 4 Tratamento estatístico Elaborou-se uma base de dados no programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) que também foi utilizado para o tratamento estatístico. Utilizou-se ainda o programa EXCEL para a realização de alguns gráficos. Para a descrição das variáveis dependentes (Avaliação de desempenho CS rural; Avaliação de desempenho CS urbano; Avaliação de desempenho; Avaliação de conhecimentos e Classificação final) utilizaram-se medidas descritivas: percentagens, medidas de tendência central e medidas de dispersão. Aplicaram-se ainda testes de normalidade (Kolmogorov-Smirnov) a todas as variáveis dependentes, tendo-se constatado que em nenhum dos casos se verificou uma distribuição normal. Contudo, tendo em conta o Teorema do Limite Central (11, 12) aceita-se que a sua distribuição se aproxima da normal. Como expressão gráfica para a comparação entre as diversas variáveis numéricas, utilizou-se o gráfico de erro na comparação entre as médias. Na aplicação dos testes estatísticos procedeu-se à verificação dos pressupostos dos testes paramétricos (distribuição normal, homocedasticidade, observações independentes). Para a interpretação dos resultados de todos os testes utilizados considerou-se sempre o nível de significância de 0,05. Para verificar a primeira hipótese, optou-se pelo teste t de Student para amostras emparelhadas. Procedeu-se ainda à análise das variáveis, com recurso a estatísticas descritivas, nomeadamente o coeficiente de correlação de Pearson e o coeficiente 53 de determinação (13). No que diz respeito à segunda hipótese, aplicou-se o teste F da ANOVA, análise da variância com um factor. O Teste de Levene mostrou que não existia homogeneidade das variâncias na variável Avaliação de Desempenho do CS urbano. Apesar de alguns autores considerarem que este teste paramétrico é robusto a violações da homocedasticidade quando o número de observações é igual ou aproximadamente igual (14), optou-se por uma alternativa não paramétrica (15), o teste Kruskal Wallis, para testar aquela variável. Em relação à terceira hipótese, aplicou-se o teste t de Student para duas amostras independentes, igualdade de variâncias não assumida (14) por o teste de Levene não confirmar a homogeneidade das variâncias. Optou-se pelo teste ANOVA, análise da variância com dois factores para estudar a interacção entre o género do tutor e o do aluno. Não se tendo verificado interacção entre os factores, interpretaram-se os efeitos dos factores isoladamente. Descrição e análise do sistema de avaliação das aprendizagens da disciplina de Clínica Geral da FCML A disciplina de Clínica Geral é leccionada na Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa (FCML) desde o ano lectivo 2000-2001 (16). O ensino desta disciplina decorre sob a responsabilidade do Departamento Universitário de Clínica Geral, em Centros de Saúde (CS) adstritos à Faculdade por protocolos celebrados com a Administração de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo e com a Administração Regional de Saúde do Alentejo. O pessoal docente é constituído pelo Director do Departamento e Regente da disciplina, por oito assistentes convidados, sendo que eram apenas três quando se iniciou o ensino desta disciplina (16-18) e por tutores que exercem a sua actividade Figura 1 – Distribuição dos tutores segundo o género 54 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 profissional como médicos de família em CS rurais ou urbanos. Nos anos lectivos analisados, os tutores totalizaram 170, sendo que 91 trabalham em CS urbanos e 79 em CS rurais (Figura 1). Verificou-se, em ambos os grupos, uma predominância do género feminino, mais acentuada nos CS urbanos. Em relação ao número de alunos orientados (Figura 2), constata-se que nos CS urbanos é mais elevada a proporção de tutores que tiveram entre um e três alunos. Figura 2 – Distribuição dos alunos pelos tutores No que diz respeito aos 593 discentes, (Figura 3), existe um predomínio do género feminino em todos os anos lectivos estudados. Figura 3 – Distribuição dos alunos segundo o género pelos anos lectivos Organização Pedagógica da Disciplina O ensino/ aprendizagem da disciplina inicia-se com um curso teórico de dois dias que corresponde a cerca de 15 horas lectivas, a que se segue uma componente prática, denominada de Exercício Orientado (EO). Esta tem duração de quatro semanas, sendo que duas são em CS urbanos ou suburbanos e duas em CS rurais. Durante o período de estágio decorrem ainda duas sessões teórico-práticas em grupo. Nos CS e durante cada período de duas semanas o aluno é acompanhado por um tutor que é responsável pela programação das actividades, os tutores dispõem de um instrumento de trabalho, o Guia do Tutor, onde constam informações, consideradas úteis no acompanhamento dos alunos. Os alunos cumprem em média 25 horas semanais de permanência no CS das quais, pelo menos, 12 horas na consulta com o seu tutor. Sistema de avaliação da disciplina de Clínica Geral A avaliação dos estudantes (16) assume dois aspectos, um formativo e outro sumativo. A avaliação formativa é realizada diariamente pelo tutor em função das prestações do aluno nas diferentes tarefas que lhe são propostas e tem como finalidade corrigir as deficiências apresentadas, assim como salientar os aspectos mais positivos dos objectivos atingidos. No final das duas semanas do EO, o tutor preenche a ficha de avaliação de desempenho correspondente. Recomenda-se que seja dada ao aluno informação de retorno. A avaliação sumativa (classificação final da disciplina) resulta da média ponderada, das avaliações de desempenho atribuídas pelos tutores e de uma avaliação de conhecimentos/ discussão do relatório, realizada por um júri de dois docentes que ocorre no último dia útil da 4ª semana do estágio. O relatório apresentado pelo aluno é elaborado de acordo com as especificações dadas no “Diário do Exercício Orientado/Relatório”. Na discussão do relatório, que não é superior a 30 minutos, os examinadores procuram apreciar o nível de conhecimentos do aluno, incluindo o dos valores éticos e deontológicos. Para efeitos de classificação final é obrigatório que o aluno tenha avaliação positiva (≥10) em qualquer das avaliações realizadas (16). Os alunos, no início das actividades lectivas, têm acesso ao programa da disciplina, bem como informação sobre o seu sistema de avaliação, respectivos instrumentos e critérios de classificação disponíveis (16). Instrumentos de avaliação Avaliação de desempenho Existem dois impressos, com formato idêntico, para cada um dos locais de estágio, em que constam oito indicadores de competência: Identificação das necessidades; Exame físico; Diagnóstico e Gestão de 55 Descrição e análise de um sistema de avaliação das aprendizagens numa Faculdade de Medicina problemas; Sistemas de informação; Comunicação; Relações interpessoais e Interinstitucionais; Implicação no Estágio e Auto-avaliação. Cada indicador tem três sub-itens que são classificados numa escala de Likert de 1 a 5 (1= não satisfaz; 2= precisa de muita supervisão; 3= satisfaz; 4= bom; 5= muito bom), a cotação de cada indicador varia entre 1 e 5 e resulta da média do total dos sub-itens. A classificação de desempenho resulta do somatório de todos os indicadores e pode variar entre 8 e 40. Avaliação de conhecimentos/discussão de relatório O Diário do Exercício Orientado (DEO), integra um conjunto de conteúdos obrigatórios e previamente definidos, que visam facilitar o preenchimento por parte do aluno. De facto, a diversidade dos locais de estágio, a sua dispersão geográfica e as características do próprio estágio, condicionam o tempo disponível para a sua redacção. O relatório (DEO) procura demonstrar as experiências de aprendizagem vividas, o que se fez, onde, quando e quanto se fez; assim como permite saber se, das tarefas efectuadas, o aluno sabe justificar porque se faz aquilo que diz ter feito (sustentação científica da prática) (19). No que diz respeito à estrutura e conteúdos, o relatório está organizado por áreas, nomeadamente Necessidades, Expectativas e Receios, onde se pede que o aluno identifique os objectivos específicos do seu estágio; Registo de Morbilidade, motivos de consulta e problemas de saúde de doentes observados; Análise de Situações, descrição e análise de uma situação vivida durante o estágio e segundo um modelo pré-definido; Apresentação de um Caso, onde se espera que o aluno demonstre as suas aptidões diagnósticas e terapêuticas; Identificação de Necessidades de Aprendizagem; Análise Crítica do Estágio. As perguntas efectuadas pelos examinadores, na discussão do relatório, são anotadas e variam entre 5 a 9, são formuladas a partir das descrições que constam no relatório e resultam do cruzamento dos conteúdos do relatório com uma listagem de temas que são do conhecimento do aluno; a cada resposta corresponde uma pontuação de 0 a 5 (0= não respondeu;1= resposta insuficiente; 2= resposta suficiente; 3= resposta boa; 4= resposta muito boa; 5= resposta excelente). Com esta cotação faz-se um cálculo do nível médio das respostas e posteriormente, por consenso é feita a sua conversão para a escala de 0 a 20 valores. Classificações dos alunos A média das avaliações de desempenho dos alunos nos CS rurais foi de 36,7 sendo a mediana de 37,0 e o desvio padrão de 2,92. O valor mínimo foi de 20 e o máximo de 40. A média das avaliações de desempenho dos alunos nos CS urbanos foi de 36,9 sendo a mediana de 38,0 e o desvio padrão de 2,98. O valor mínimo foi de 24 e o máximo de 40. A média da avaliação de conhecimentos dos alunos foi de 16,1 sendo a mediana 17 e o desvio padrão de 2,32.O valor mínimo foi de 8,5 e o máximo de 20. A média da classificação final dos alunos foi de 16,7 sendo a mediana de 17 e o desvio padrão de 1,83.O valor mínimo foi de 9 e o máximo de 20. A taxa de reprovações foi de 0,5% no total dos cinco anos lectivos estudados. Hipóteses 1. O s resultados da avaliação de desempenho (CS urbano, CS rural), avaliação de conhecimentos e classificação final são equivalentes Para medir a intensidade da associação entre as variáveis agrupadas duas a duas aplicou-se o Teste de Correlação de Pearson (Tabela 1). Tabela 1– Coeficiente de correlação de Pearson Avaliação CS rural Avaliação CS urbano Avaliação Classificação Conhecimentos Final r = 0,254* – – Avaliação Desempenho – r =0,229* r =0,369* Avaliação Conhecimentos – – r =0,970** * p< 0,001 ** p<0,05 Existe uma correlação positiva e fraca entre as variáveis estudadas, excepto para Avaliação de Conhecimentos e Classificação final, em que se verificou existir uma correlação positiva forte (r= 0.97, p <0.05). O coeficiente de determinação R2 é 0,94 o que significa que aproximadamente 94% dos valores da Classificação Final são explicados pela variância dos valores da Avaliação de Conhecimentos. A Tabela 2 mostra as diferenças entre as médias das várias avaliações, e a significância do teste t de Student para amostras emparelhadas. 56 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 Tabela 2 – Teste t de Student para amostras emparelhadas Diferença entre as Médias p Av. CS rural – Av. CS urbano -0,195 0,187 Av. Desempenho – Av. Conhecimentos 2,278 0,000 Av. Conhecimentos – Classificação Final -0,596 0,000 Av. Desempenho – Classificação Final 1,682 0,000 2. E xiste variação nos resultados das avaliações de desempenho, de conhecimentos e da classificação final, nos cinco anos lectivos A Figura 4 mostra a evolução e as diferenças entre as médias da Avaliação dos CS urbanos e rurais, da Avaliação de Conhecimentos e da Classificação Final. Na Tabela 3 constam as significâncias do teste F da ANOVA, análise da variância com um factor e do teste Kruskal Wallis que comparam as médias das avaliações nos cinco anos lectivos. Tabela 3 – Testes F da ANOVA * e Kruskal Wallis ** p Avaliação CS rural * 0,095 Avaliação Conhecimentos * 0,409 Classificação Final * 0,854 Avaliação CS urbano ** 0,434 Não se observou variabilidade com significado estatístico, nas médias da Avaliação de Desempenho do CS rural, da Avaliação de Conhecimentos, da Classificação Final e da Avaliação de Desempenho do CS urbano em cinco anos lectivos. 3. O s resultados da avaliação são influenciados pelo género do aluno Na Tabela 4 pode verificar-se que as médias das avaliações são sempre mais elevadas no género feminino. Tabela 4 – Média das avaliações segundo o género do aluno Avaliação de Desempenho Figura 4 – Gráficos de erro Avaliação de Desempenho, Avaliação de Conhecimentos e Classificação final A análise dos resultados obtidos permite constatar que não existe diferença, com significado estatístico, entre as médias das avaliações de desempenho no CS rural e urbano (p= 0,187). No que diz respeito à comparação das médias das outras três variáveis agrupadas duas a duas, verifica-se que as diferenças observadas são estatisticamente significativas (p <0,05). Avaliação de Conhecimentos Classificação Final Género aluno Média Masculino 18,325 Feminino 18,453 Masculino 15,752 Feminino 16,339 Masculino 16,432 Feminino 16,888 A Tabela 5 mostra a significância do teste t de Student para duas amostras independentes, que compara as médias das três avaliações segundo o género do aluno, assumida a não homogeneidade de variâncias (teste de Levene). 57 Descrição e análise de um sistema de avaliação das aprendizagens numa Faculdade de Medicina Tabela 5 – Teste t de Student para duas amostras independentes p Avaliação Desempenho 0,226 Avaliação Conhecimentos 0,004 Classificação Final 0,005 Em relação à Avaliação de Desempenho constata-se que as diferenças observadas entre os dois géneros, não têm significado estatístico (p> 0,05). No que diz respeito à Avaliação de Conhecimentos e à Classificação Final, as alunas têm em média mais 0.5 valores, do que os alunos, e essa diferença tem significado estatístico (p <0,05). 4. O s resultados da avaliação de desempenho são influenciados pelo facto de o aluno e o tutor serem do mesmo género A análise das médias das classificações dos tutores, segundo o seu género e o género dos alunos (Figura 5) mostra que nos CS urbanos, os tutores do género masculino classificaram os alunos com médias mais elevadas do que os tutores do género feminino. Nos CS urbanos e rurais os tutores do género masculino classificaram os alunos do género masculino com média semelhante aos alunos do género feminino. Os tutores do género feminino, nos CS urbanos e rurais, classificaram, os alunos do género feminino com médias mais elevadas que as dos alunos do género masculino. Verifica-se (Tabela 6) que não existe interacção entre o género do tutor e o género do aluno na Avaliação de Desempenho dos CS urbano e rural, o efeito do género do tutor sobre a Avaliação de Desempenho é o mesmo para os alunos do género masculino e feminino (p>0,05). Tabela 6 – ANOVA, análise da variância com dois factores fixos p Género tutor CS urbano 0,001 Género aluno 0,486 Género tutor CS urbano × Género aluno 0,327 Género tutor CS rural 0,342 Género aluno 0,455 Género tutor CS rural × Género do aluno 0,691 Uma vez que não existe interacção entre os factores, analisou-se o efeito principal do género do tutor considerado isoladamente, sobre a avaliação de desempenho dos alunos. No caso do CS urbano (p= 0.001) constata-se que o género do tutor do CS urbano tem influência na média da avaliação de desempenho dos alunos, o que não acontece no CS rural (p= 0.455). Para o factor género do aluno, e em ambos os casos (CS urbano e rural), o nível de significância é > 0.05, confirma-se, portanto, que as médias da Avaliação de Desempenho são iguais nos dois géneros. Figura 5 – Gráfico de erro para as classificações dos tutores dos CS urbanos e rurais segundo o seu género e o género dos alunos Discussão Durante o período estudado verifica-se que o número de alunos sofre um lento mas progressivo aumento decorrente das sucessivas intervenções a nível dos numerus clausus, que condicionam o 58 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 acesso às Faculdades de Medicina (20). No que diz respeito ao género verifica-se, em todos os anos estudados, um predomínio do género feminino. Desde há alguns anos que se vem observando um aumento progressivo do acesso das mulheres ao ensino superior (21-23) em geral, e às Faculdades de Medicina em particular (24, 25). Em relação aos tutores, predomina também o género feminino, a este facto não é certamente alheia a chamada “feminização da medicina” (23, 26). O facto de existir, nos CS urbanos, uma grande proporção de tutores que orientaram entre 1 e 3 alunos em cinco anos, mostra uma maior rotatividade daqueles relativamente aos tutores dos CS rurais. A organização pedagógica da disciplina inspira-se numa perspectiva do ensino baseado em competências (27), em que se privilegiam as áreas do conhecimento, da perícia e das atitudes no contexto da prática médica real. O facto de, no desenho da avaliação, estarem previstas vertentes teóricas e práticas e se utilizarem vários instrumentos, faz pressupor que existe coerência entre o ensino e a avaliação. O instrumento utilizado na avaliação de desempenho apresenta algumas das características da Lista de Verificação (Checklist Evaluation), considerada útil na avaliação de competências e dos seus componentes; na avaliação das perícias relacionadas com o doente (história clínica, exame físico e procedimentos); nas relacionadas com a comunicação e relações interpessoais e ainda na auto-avaliação (28). De facto, os indicadores previstos na avaliação de desempenho contemplam estes aspectos e, em relação ao modelo de Miller (29) correspondem aos dois últimos níveis da pirâmide da avaliação da aprendizagem (mostra como se faz e faz). Este instrumento de avaliação não foi testado quanto à sua validade e fiabilidade, desconhece-se também o seu impacto na aprendizagem, o que parece acontecer frequentemente em Educação Médica (30). Como também acontece noutros países europeus, (31, 32) nem todos os tutores tiveram formação pedagógica e não foram treinados no uso do instrumento de avaliação. Embora a boa definição dos critérios possa contribuir para a uniformidade da aplicação do instrumento, o facto de este ser aplicado por muitos tutores e se saber que as escalas de Likert são influenciadas pela personalidade individual (33) pode condicionar alguns enviesamentos. Por outro lado, o estatuto voluntário e não remunerado dos tutores pode condicionar o seu investimento numa actividade que não lhes traz benefícios. Finalmente, o facto de todo o processo de ensino-aprendizagem e de avaliação ocorrer em simultâneo com a prática clínica diária normal do tutor, limita a sua disponibilidade para o aluno (...) se continua a consultar 15-20 utentes por dia, não consegue ter tempo para explicar o que faz, o que prescreve, inteirar o aluno daquela pessoa e dos seus problemas específicos.” N. O., in Análise Crítica do Estágio 14/9/2006 Cabe aqui realçar que a avaliação de conhecimentos nesta disciplina tem sido, nalguns aspectos, verdadeiramente inovadora. De facto, desde o ano lectivo 2000-2001 que utiliza um relatório que tem o formato e algumas características do portfolio (34). Embora a avaliação final tenha como base a discussão do relatório, não estão definidos critérios explícitos para a avaliação dos seus conteúdos, como se prevê (35, 36) na aplicação deste tipo de instrumento. Dado que em última análise se avaliam os conhecimentos do aluno, esta avaliação tem muitas das características de um exame oral, não estandardizado (37). Apesar de o exame oral ser afectado por muitos factores e ser difícil estimar a sua fiabilidade, ainda é considerado por muitas instituições como uma dimensão ímpar, importante e válida nos seus sistemas de avaliação (38). Em relação às outras Faculdades de Medicina do país, a divulgação da forma como se faz a avaliação da disciplina de Clínica Geral é muito variável. Também varia, nas diversas faculdades, a denominação desta disciplina e o ano em que é leccionada, embora de uma forma geral os objectivos gerais e específicos sejam muito semelhantes entre elas. Para facilitar a comparação entre os vários sistemas de avaliação vigentes na altura em que foi realizado o estudo, (39-42) elaborou-se um quadro-resumo. Nas faculdades analisadas, a avaliação incide sobretudo no desempenho, excepto na Faculdade de Medicina de Coimbra em que apenas são avaliados os conhecimentos, a avaliação sumativa ainda é a modalidade predominante. No que diz respeito aos instrumentos utilizados, de uma forma geral, parecem adequar-se à modalidade de avaliação escolhida, excepto na ECSUM em que, na altura, se preconizavam Exame Escrito e Trabalho de Grupo para avaliar o desempenho e os conhecimentos dos estudantes. Quando se faz a análise do sistema de avaliação da FCML na perspectiva dos resultados que gerou, verifica-se que a taxa de reprovações é muito baixa e que as classificações são muito elevadas. No sentido de verificar se este é um fenómeno isolado ou ocorre 59 Descrição e análise de um sistema de avaliação das aprendizagens numa Faculdade de Medicina também nas outras disciplinas do estágio do 6º ano, solicitaram-se à FCML todas as classificações obtidas pelos alunos nos anos estudados. Constatou-se que, quer nos estágios médicos, quer nos cirúrgicos, a distribuição das classificações segue o mesmo padrão (43-49). Nas duas Faculdades de Medicina que disponibilizam os resultados das suas avaliações encontram-se resultados também muito semelhantes (39, 50). Alguns autores têm referido que os alunos admitidos em Medicina são relativamente homogéneos e que a competição, durante o curso, tende a traduzir-se por classificações académicas muito elevadas (51). Para explicar estes resultados, aparentemente também verificados nas outras Faculdades de Medicina podem admitir-se algumas hipóteses: Inflação das notas que desde há muitos anos se verifica nas Faculdades de Medicina; tendo em conta a selecção a que foram sujeitos, os estudantes podem ter um elevado nível de conhecimentos no último ano do curso; o nível de exigência dos docentes pode ser reduzido, uma vez que no contexto de um estágio, para não prejudicar o aluno e/ou por atitudes defensivas, podem classificá-lo num nível mais elevado. A média da avaliação de desempenho dos tutores dos CS urbanos é semelhante à dos tutores dos CS rurais. Tendo em conta as características do ensino-aprendizagem em que se pressupõe uma progressividade dos conhecimentos do aluno, poder-se-ia esperar que o seu desempenho melhorasse entre a primeira e a segunda avaliação. Teoricamente a avaliação formativa (35) acompanha o processo de aprendizagem, evidencia os progressos realizados e simultaneamente proporciona feedback (33). Os resultados obtidos na análise desta “avaliação formativa”, em dois momentos diferentes, parecem estar em contradição com aqueles pressupostos. Para explicar este facto pode admitir-se a influência de factores relacionados com a própria avaliação que pode ser configurada com algumas das características da avaliação sumativa. Cada um dos avaliadores ao aplicá-la sempre pela primeira vez, embora ao fim de duas semanas de observação, documenta apenas o ponto de chegada e nunca o ponto de partida nem o que foi sendo adquirido durante o percurso. Por outro lado, o intervalo de duas semanas pode não ser suficiente para identificar mudanças no que diz respeito ao desempenho. A média da avaliação de desempenho é mais elevada que a da avaliação de conhecimentos. Numa abordagem reflexiva e decorrente da experiência pessoal admite-se que a relação aluno/avaliador e o contexto em que decorrem as avaliações podem ter alguma influência na diferença entre estes resultados. Com o tutor o aluno tem uma relação pessoal de 1:1, neste contexto é relativamente comum a influência de factores de ordem afectiva; o tutor sente que a sua função é ajudar o aluno, a avaliação é desdramatizada e perde a sua conotação negativa. No que diz respeito à avaliação de conhecimentos, apesar de o aluno poder conhecer os elementos do júri, a relação que se estabelece é mais formal, mais curta e transporta inevitavelmente a carga negativa de um exame oral. A evidência de uma relação linear forte e positiva entre a avaliação de conhecimentos e a classificação final é consequência da fórmula utilizada para o cálculo da classificação final do aluno. A média mais elevada da classificação final relativamente à média da avaliação de conhecimentos reflecte provavelmente a influência da avaliação de desempenho Quadro I – Comparação dos sistemas de avaliação da disciplina de Clínica Geral nas Faculdades de Medicina FCML FML FMUP FMC ECSUM 6º 6º 6º 5º 4º Desempenho X X X Conhecimentos X Formativa X Sumativa X Ano do curso Conteúdos da avaliação Modalidade de avaliação Contínua Instrumentos Utilizados Lista de verificação Relatório Exame oral X X X X X X Critérios individuais Formulário Trabalhos individuais X X Exame escrito Exame escrito Trabalho de grupo FML – Faculdade de Medicina de Lisboa; FMUP- Faculdade de Medicina da Universidade do Porto; FMC- Faculdade de Medicina de Coimbra; ECSUM -Escola de Ciências da Saúde da Universidade do Minho * Não há dados disponíveis sobre as Faculdades de Medicina dos Açores e Madeira, Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior nem do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar 60 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 apesar de o seu coeficiente de ponderação ser de 1. De facto, a avaliação de desempenho tem pouca influência na classificação final e, com o tempo, tem vindo a ser desvalorizada. No ano lectivo de 2000-2001 o coeficiente de ponderação da avaliação de conhecimentos era 2, passou para 3 nos anos lectivos seguintes. Nesta disciplina e na Educação Médica em geral (52), embora se admita a mudança de paradigma em termos de cultura da avaliação no sentido de valorizar a avaliação formativa, a última palavra ainda continua a ser a da avaliação sumativa. Não se observou variabilidade, nos cinco anos lectivos estudados, em nenhuma das médias das classificações dos alunos. Admite-se que, ao longo dos anos, se pudesse constatar alguma variação nas classificações da avaliação de desempenho. Em parte, por se poder esperar que a experiência dos tutores (53), factor de grande importância na avaliação formativa, (52) pudesse ter alguma repercussão nos resultados da avaliação. Contudo, os resultados obtidos vão de encontro ao que tem sido referido na literatura internacional (51) sobre a homogeneidade destes alunos. De facto, é possível que o processo de selecção que só permite a entrada dos melhores alunos, contribua para que os alunos de Medicina, de ano para ano, constituam coortes muito semelhantes. Quando se analisaram os resultados segundo o género do aluno constatou-se que relativamente à avaliação de desempenho não verificaram diferenças. Contudo, as médias da avaliação de conhecimentos e as da classificação final são mais elevadas no género feminino. Ao contrário da avaliação de desempenho parece haver na avaliação de conhecimentos um maior empenho das alunas em relação aos alunos no sentido de obter classificações mais elevadas provavelmente porque ela é decisiva para a classificação final. Os resultados obtidos são concordantes com estudos nacionais (21, 22) e internacionais (25, 54-56) que referem que, no ensino superior em geral e no caso da Medicina em particular, as alunas obtêm níveis de classificação superiores aos alunos. Na literatura internacional sobre Educação Médica, os estudos mais antigos, até aos anos 90, (57-59) ou não identificaram quaisquer diferenças relacionadas com o género do aluno ou observaram uma diferença marginal favorável ao género feminino (60) e particularmente em áreas como a ginecologia (61), a cirurgia (62) e a psiquiatria (63). Os estudos mais recentes (25, 54, 56) referem que de uma forma geral as alunas têm um melhor desempenho que os alunos. Um estudo irlandês (25) que analisou as diferenças nos resultados do exame final dos alunos de Medicina durante cinco anos, constatou que as alunas têm melhores resultados que os alunos em todas as áreas. Outro estudo (54) que analisou os resultados de duas faculdades de Medicina de Londres em duas coortes sucessivas, obteve resultados semelhantes. Em relação à avaliação de desempenho não se demonstrou que exista interacção entre o género do tutor e o género do aluno, tanto em contexto urbano como rural. Constatou-se, no entanto, que nos CS urbanos os tutores do género masculino classificam os alunos, independentemente do seu género, com médias mais elevadas do que os tutores do género feminino. Há autores (55) que admitem que os tutores do género feminino têm critérios diferentes dos do género masculino quando avaliam os alunos, sendo que as mulheres são avaliadoras mais críticas que os homens. Na literatura relacionada com a Educação Médica, foi publicado um estudo (55) que analisa o efeito do género do aluno e do tutor num contexto de ambulatório. Não foi demonstrado que o género do tutor só por si tivesse alguma influência na avaliação. Contudo a interacção do género do aluno e do tutor pareceu afectar a avaliação, os tutores do género masculino classificaram as alunas com níveis mais elevados que os alunos. Conclusão A disciplina de Clínica Geral é leccionada na FCML desde o ano lectivo 2000-2001 tendo sido analisados os cinco primeiros anos. Verificou-se que embora a avaliação de desempenho tenha a designação de formativa, no contexto real assume as características de uma avaliação sumativa e tem pouca importância, face à avaliação de conhecimentos, na classificação final. Não existem critérios explícitos para a avaliação dos conteúdos do relatório, e não é possível estimar a fiabilidade do exame oral porque as perguntas são diferentes para todos os alunos. Constatou-se que, as classificações dos alunos foram, de uma forma geral, muito elevadas e que a taxa de reprovação foi muito baixa. A análise dos resultados gerados pelo sistema de avaliação fez-se através da verificação quatro hipóteses de investigação. Os resultados da avaliação de desempenho (CS urbano, CS rural), avaliação de conhecimentos e classificação final não são equivalentes. Tendo em conta o pressuposto de uma avaliação formativa Descrição e análise de um sistema de avaliação das aprendizagens numa Faculdade de Medicina e sequencial constatou-se que, ao contrário do esperado, as médias da avaliação de desempenho nos CS rurais são iguais às dos CS urbanos. No caso particular da comparação entre as médias da avaliação de desempenho e as da avaliação de conhecimentos, e apesar de não existirem referências na literatura, as diferenças encontradas foram atribuídas à possível influência de factores afectivos. A evidência de uma relação linear forte e positiva entre a avaliação de conhecimentos e a classificação final é determinada pela maior influência daquela relativamente à avaliação de desempenho. Nos cinco anos lectivos estudados não se verificou variabilidade com significado estatístico, nas médias das avaliações de desempenho, de conhecimentos e da classificação final. A forma como estes alunos são seleccionados pode levar à formação de coortes com comportamentos e resultados académicos muito semelhantes entre si. Em relação à possível influência do género nas classificações dos estudantes, verificou-se que as médias da avaliação de desempenho são iguais nos dois géneros. O facto de se tratar de uma avaliação parcelar, que pouco contribui para a classificação final, pode minimizar a competição pelas notas elevadas. Em relação à avaliação de conhecimentos e à classificação final, as suas médias são mais elevadas no género feminino. Estes resultados são concordantes com estudos nacionais e internacionais, no âmbito da psicologia, sociologia e Educação Médica. Não se identificaram interacções com significado estatístico entre o género do aluno e do tutor tanto no contexto rural como no urbano. Contudo, demonstrou-se que nos CS urbanos os tutores do género masculino classificam os alunos com médias mais elvada que os tutores do género feminino. Esta conclusão de uma investigação empírica permite enunciar algumas sugestões relativamente ao sistema de avaliação analisado. Em primeiro lugar, sugere-se que se reforce a importância da avaliação formativa face à sumativa e que se inverta a tendência, observada nos últimos anos, de desvalorização da primeira. Um corpo mais estável de tutores com formação e treino nas áreas pedagógicas e avaliativas como forma de optimizar e uniformizar os seus procedimentos pode contribuir para a valorização daquela avaliação. Em segundo lugar, e relativamente à avaliação sumativa sugere-se que sejam explicitados os critérios para a avaliação do relatório. Desta forma, este instrumento pode complementar o exame oral para reforçar o alinhamento entre o ensino- 61 -aprendizagem e a avaliação dos conhecimentos e das competências adquiridas pelo aluno. Para terminar, salienta-se que o facto de os alunos de Medicina obterem classificações muito elevadas não determina necessariamente que todos eles venham a ser excelentes médicos. A Medicina continua, em muitos aspectos, a ser uma arte e nem sempre os melhores da turma se tornam, na prática, os melhores profissionais. A valorização da avaliação de desempenho dos alunos, em particular na disciplina de Clínica Geral, pode certamente contribuir para melhorar e adequar as suas atitudes e comportamentos na sua prática clínica futura independentemente da especialidade que escolherem. Para concluir, formula-se uma pergunta dirigida aos leitores, eventuais investigadores em Educação Médica: – Será que a investigação académica na área da avaliação pode, no futuro, contribuir para uma avaliação mais justa, mais benéfica, mais efectiva, mais válida e mais transparente nas Faculdades de Medicina portuguesas? Bibliografia 1. Shumway JM, Harden RM. AMEE Guide Nº 25: The Assessment of learning outcomes for the competent and reflective physician. Medical Teacher. 2003;25(6):569-84. 2. WFME. Educação Médica Pré-Graduada Standards Globais da WFME. Journal [serial on the Internet]. 2005 Date; 15(1): Disponível em: http://www.spem.pt/docs/WFME_EMB.pdf. 3. Burge SM. Undergraduate medical curricula: are students being trained to meet future service needs? Clinical Medicine. 2003;3(3):243-6. 4. Norman G. Research in medical education: three decads of progress. BMJ. 2002(324):1560-2. 5. Wilkies M, Bligh J. Evaluating educational interventions. BMJ. 1999(318):1296-72. 6. 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O tema desta investigação surgiu do interesse em averiguar se seria possível verificar alterações no tom de voz da criança de espectro autista através da música cantada. O estudo teve como objectivo principal verificar se a frequência fundamental (F0) sofreu alterações depois do estímulo cantado. A amostra engloba os alunos das salas TEACCH (Treatment and Education of Autistic and Related Communication Handicapped Children) de quatro escolas primárias do distrito de Lisboa, tendo o estudo sido realizado nas instalações das escolas, com um total de 20 crianças com idades compreendidas entre os 5 e os 13 anos. O funcionamento das salas baseia-se numa metodologia desenvolvida para crianças com espectro de autismo. As sessões musicais, que foram realizadas como parte do estudo, consistiam em cantar durante 15 minutos uma música com o auxílio de um suporte instrumental gravado, de forma a que cada criança pudesse ouvir e sentir os fenómenos resultantes da voz cantada por um profissional de canto. A recolha de dados foi realizada individualmente recorrendo à aplicação Audacity. As palavras que foram seleccionadas de cada elemento da amostra foram posteriormente analisadas no Praat para obter as médias da F0. Apesar de não ser possível generalizar os resultados, o presente estudo demonstrou que dez sessões musicais foram suficientes para verificar alterações da F0 (P=0,008; X=0.1), assim como alterações no comportamento da amostra em estudo. Palavras-chave: voz, autismo, criança autista, frequência fundamental, música, comportamento. Introdução A voz é um atributo do ser humano que o diferencia dos outros animais a partir do momento em que a comunicação verbal passou a ser articulada. A comunicação verbal através das palavras é o método de transmissão de pensamento mais comum. Falar e cantar são capacidades que o ser humano * [email protected] Abstract The voice of the children with autistic spectrum disorder is monochord, showing no flexibility, or any kind of emotion. This study focuses on the abnormal voice of the autistic children and aims to analyse whether the professional singing voice can interfere in their speaking voice. Our intent is to know if the fundamental frequency (F0) changes after a period of analysis using a singing stimulus. The sample under analysis are the students that study on the TEACCH (Treatment and Education of Autistic and Related Communication Handicapped Children) classes of four primary schools in the district of Lisbon, being the study performed on the school installations with a sample of 20 children with ages that ranged between 5 and 13 years old. The TEACCH classes have a specific methodology developed for autistics children. The musical sessions that were performed as part of the study, consisted of singing a music during 15 minutes with an instrumental record, so that each children could hear and feel the sensation of a singing voice, performed by a professional singer. The individual data was retrieved using the Audacity application. The words that were selected from each child were afterwards analyzed in Praat to obtain its average of the F0. Although, it is not possible to generalize the results. The present study shows that ten musical sessions were enough to create change in the F0 (P=0,008; x=0.1) as well as, changes in the behaviour of the children participating in this study. Keywords: voice, autism, autistic child, fundamental frequency, music, behaviour. desenvolveu com a finalidade de comunicar, seja através de processos cognitivos ou emocionais. No autismo funcional, o método de comunicação verbal é ecolálico e nem sempre acontece com intenção comunicativa. Alguns autores afirmam que a voz falada dos autistas é estranha, rígida, pouco flexível, monótona (Alvin, 1991) e desprovida de emoções (Souza, 2000). Um dos factores que impulsionou esta investigação foi o interesse pela entoação de voz da criança Cadernos de Saúde Vol. 1 N.º 1 – pp. 63-71 64 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 autista funcional. As informações conseguidas sobre o desenvolvimento vocal em crianças são escassos e normalmente limitados pelo tamanho reduzido das amostras. Embora hoje em dia as crianças ouçam música através de CD, rádio e televisão, torna-se necessário que os adultos lhes cantem, de forma a ensiná-las a utilizar a voz cantada, assim como normalmente o fazem para as ensinar a falar (Gordon, 2000). repetição; 2) fazer uma interacção dos resultados obtidos na F0 com a resposta de conveniência do questionário. Devido ao número limitado de estudos realizados na área em questão desta investigação, este estudo é considerado um estudo piloto do tipo quase experimental. Questões orientadoras do estudo A investigação teve como finalidade verificar se houve alterações da F0 das crianças com perturbação do espectro autista que frequentam salas TEACCH. O estudo foi realizado durante o período escolar num total de dez sessões de música cantada, com a duração de 15 minutos respectivamente. As questões orientadoras tiveram como objectivo verificar as alterações que poderiam ocorrer na F0 e no comportamento destas crianças perante a voz cantada de um cantor profissional. Assim, levantaram-se as seguintes questões: O estímulo dado através da voz de um cantor profissional pode influenciar a F0 de crianças com perturbação do espectro autista? Poderão ser encontradas alterações da F0 no PósTeste, entre as diferentes Classes de faixas etárias? Poderá a estimulação musical dada por um cantor profissional causar alterações no comportamento (e.g.: maior concentração e fica mais calmo) das crianças com perturbação do espectro autista, após todas as sessões musicais? Verifica-se um aumento da utilização da voz cantada das crianças com espectro autista depois da intervenção musical (e.g. canta quando lhe é pedido e canta com a letra da música)? Para as questões supra mencionadas foram levantadas as seguintes hipóteses: Através do estímulo dado pelo cantor profissional, verificam-se diferenças da F0 das crianças do espectro autista que frequentam salas TEACCH, entre o PréTeste e Pós-Teste. Existem alterações significativas da F0 entre as diferentes Classes de faixas etárias no Pós-Teste. Após término da intervenção musical manifestaram-se alterações do comportamento (e.g.: maior concentração e fica mais calmo) habitual de crianças do espectro autista que frequentam salas TEACCH. Verifica-se que as crianças com perturbação do espectro autista que frequentam salas TEACCH aumentaram a utilização da voz cantada após exposição ao estímulo (e.g. canta quando é pedido e canta com a letra da música). Depois de mencionadas as questões e as hipóteses levantadas para orientação deste estudo, o investigador teve como objectivos: 1) analisar a média da F0 nas palavras e sons com maior frequência de Finalidade do estudo Participantes Para desenvolver o estudo em causa foi seleccionada uma amostra de conveniência. A amostra partiu de uma população constituída por 21 crianças com perturbação do espectro autista na faixa etária dos 5 aos 13 anos de idade, sendo 18 do sexo masculino e 3 do sexo feminino (ver Quadro I). Uma vez que a amostra é composta por uma faixa etária alargada, foi feita uma distribuição por “Classes” de idade da qual se obteve um total de três Classes de faixas etárias. O objectivo desta distribuição foi tentar controlar de certa forma os resultados da F0 entre os subgrupos. Quadro I – Caracterização geral da amostra Sexo Faixas etárias (5 aos 7) (8 aos 10) (11 aos 13) Total Masculino 4 (23,5%) 8 (47,1%) 5 (29,4%) 17 (85,0%) Feminino 1 (33,3%) 2 (66,7%) 0 (00,0%) 3 (15,0%) Total de Sujeitos 5 (25,0%) 10 (50,0%) 5 (25,0%) 20 (100%) A amostra é maioritariamente de nacionalidade portuguesa excepto duas crianças que possuem nacionalidade angolana e russa. Apenas uma criança do sexo masculino desistiu antes do Teste 1, ficando um total de 20 crianças. Dessas 20 crianças, 11 são funcionais sendo as nove restantes não funcionais (ver Quadro II). Esta informação foi cedida pelas técnicas das salas. A amostra foi recolhida em quatro escolas do 1º Ciclo pertencentes ao distrito de Lisboa (Escola António Nobre - Benfica; Escola A voz da criança autista: o estímulo musical cantado como suporte à comunicação Santo Amaro – Alcântara; Escola de Santa Maria dos Olivais – Olivais e Escola Sofia de Carvalho – Algés). Estas escolas oficiais possuem salas TEACCH, constituídas por um número limitado de crianças com perturbações do espectro autista. Devido à dispersão geográfica das escolas não foi possível aumentar o tamanho da amostra. Como tal, optou-se por realizar um Pré-teste como procedimento de controlo para o Teste 1 e Teste 2. Desta forma foi conseguida uma avaliação da F0 antes da intervenção musical, conseguindo como resultado de controlo os resultados obtidos no Pré-teste. Quadro II – Distribuição da amostra por sexo e autismo funcional Sexo Autistas funcionais Autistas não funcionais Total F 2 1 3 M 9 8 17 Total 11 9 20 Questionário Dadas as observações feitas durante o estudo pelas técnicas das salas TEACCH acerca das alterações no comportamento habitual das crianças, elaborou-se um questionário para recolher dados sobre essas modificações. O questionário está dividido em duas partes sendo a primeira relativa ao historial da criança antes do estudo, e a segunda às alterações no comportamento depois do estudo. O questionário é constituído por um total de 33 perguntas, nove relacionadas com o historial da criança antes da realização do estudo, 24 sobre a reacção da criança durante o estudo. Para recolher outros dados que possam ser relevantes e não abrangidos pelas perguntas existentes, foi incluído um campo final de observações onde é possível descrever outros comportamentos observados. O questionário foi entregue e explicado pessoalmente às técnicas das quatro salas no fim da última recolha áudio (Teste 2). O questionário está baseado na Escala de Likert (1935), com cinco pontos de classificações afirmativas. As respostas são assinaladas com apenas um “X” num dos seguintes parâmetros: todos os dias, quase todos os dias, às vezes, raramente e nunca. Apenas foram validadas as respostas assinaladas com um único “X” para cada resposta. Os questionários foram preenchidos individualmente pelas técnicas das salas correspondendo a um total de três questionários por criança, dos quais foram realizadas as médias das respostas supra mencionadas. De forma a simplificar 65 a análise destas respostas atribuíram-se os valores de 0 a 4 para cada afirmação, sendo 4 - todos os dias, 3 - quase todos os dias, 2 - às vezes, 1 - raramente, 0 - nunca. Foi calculada a média das respostas assinaladas em cada uma das perguntas para todos os questionários válidos, e posteriormente foi efectuada a distribuição das respostas considerando a resposta 2 como positiva. Recorreu-se ao programa excel para a elaboração dos cálculos e dos gráficos. Para comparar as respostas positivas e negativas das perguntas seleccionadas do questionário foi usado o teste do Qui-quadrado de Pearson. Apesar do questionário ter sido lido e rectificado por um pequeno conjunto de pessoas, a avaliação do mesmo foi qualitativa. As gravações áudio foram efectuadas com o recurso à aplicação Audacity versão 1.2.6, sendo guardadas em formato WAV em pastas individuais categorizadas pelo identificador atribuído a cada criança. De seguida, elaborou-se uma folha em excel onde se colocaram todas as palavras, frases e sons que as crianças produziram e o número de vezes que cada uma foi produzida, sendo assim possível observar qual a palavra com maior frequência de repetição para cada criança em cada momento de Teste. Com base nos valores obtidos foi seleccionada para cada criança, a palavra com maior frequência de repetição nos três momentos de Teste. Foi ainda possível verificar que as palavras com maior frequência de repetição diferem entre crianças. Seguidamente, utilizou-se o Praat versão 4.4.33 para fazer a média da F0 nas palavras com maior frequência de repetição de cada criança, no Pré-Teste, Teste 1 e Teste 2. Os resultados foram adicionados a uma nova folha de excel para fazer os cálculos. Desta forma obteve-se a média da F0 da mesma palavra nos três momentos de avaliação. As análises foram guardadas numa nova pasta com o mesmo código anteriormente atribuído. Cada registo áudio teve uma duração aproximada de entre cinco a dez minutos. Forma de tratamento dos dados a) Questionário – selecção das perguntas Depois de uma análise global das respostas aos questionários, foram consideradas no estudo as perguntas nº 1, 7, 8, 13, 15.2, 15.5 e 15.8 (ver Quadro III). Estas foram seleccionadas por estarem relacionadas com o tema da investigação e com as questões 66 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 orientadoras. No tratamento estatístico apenas foi considerada a pergunta nº 1 (Teve Musicoterapia) para verificar se teve influência nos resultados obtidos nos momentos de avaliação. Quadro III – Respostas do Questionário Questão Sim Não 1 Teve Sessões de Musicoterapia? 4 16 7 Cantava sem lhe ser pedido? 8 12 8 Cantava quando lhe era pedido? 8 12 13 Canta quando lhe é pedido? 10 10 15.2 Canta com a letra da música sem ser pedido? 5 15 15.5 Fica mais concentrado nas actividades depois da sessão? 14 6 Fica mais calmo após a sessão? 9 11 15.8 b) Questionário – tratamento dos dados O teste de independência de Qui-Quadrado (χ2) de Pearson foi utilizado para verificar se as respostas ao questionário foram aleatórias ou não, podendo deste modo aferir da veracidade do mesmo. Como resultado deste teste, a probabilidade esperada das respostas positivas e negativas foi de 50%. Para a pergunta nº 7 (cantava sem lhe ser pedido), os resultados obtidos pelo Qui-quadrado de Pearson demonstram que as crianças que cantavam sem ser pedido diferem daquelas que não o faziam (χ2=7.14, p=0.007). Os resultados obtidos para a pergunta nº 8 (cantava quando lhe era pedido), revelam que as crianças que cantavam quando era pedido, diferem daquelas que não o faziam (χ2=3.379, p=0.066). Análise estatística Para tratamento dos dados foi utilizado o pacote estatístico Jump JMP 6.03 (Sall et al. 2001) para computadores Apple Macintosh e o valor experimental de α foi de 0,1. Foi usada uma ANOVA factorial de medidas repetidas para comparar diferenças na F0 (frequência fundamental). Esta ANOVA factorial acomodou a presença de medidas repetidas com o uso do termo aleatório no modelo (neste caso a criança) como termo de erro em vez do termo residual (Sall et al. 2001). As variáveis usadas na análise estatística estão descritas na Tabela I. Tabela I – Descrição das variáveis envolvidas na análise estatística Variável Designação Frequência fundamental Teste Autismo funcional Autismo funcional Sexo Sexo Idade por Classes de faixas etárias Idade Questão Designação Teve sessões de Musicoterapia Teve Musicoterapia Na variável Teste foram consideradas as médias da F0 da amostra nos três momentos de avaliação. Foram consideradas as variáveis autismo funcional e sexo uma vez que um dos aspectos mais relevantes desta dissertação diz respeito à voz da criança autista. Dado que a amostra foi constituída por crianças com uma faixa etária heterogénea, foram distribuídas por Classes para verificar as alterações obtidas entre as mesmas quando comparadas com a variável Teste. Análise dos resultados Foi realizado um teste ANOVA de forma a comparar os resultados obtidos no Teste com as variáveis: autista funcional, sexo e idade com a questão: “teve Musicoterapia”. O Quadro IV apresenta os resultados. Quadro IV – Comparação dos resultados da F 0 Source DF F P Teste 2 5.9139 0.0083* Autista funcional 1 0.7607 0.3980 Sexo 1 1.6988 0.2138 Idade 2 5.3863 0.0175* Teve Musicoterapia 1 2.6941 0.1105 Teste*autismo funcional 2 2.7400 0.0852* Teste*sexo 2 2.8759 0.0763* Teste*idade 4 2.7076 0.0544* Teste*Teve Musicoterapia 2 7.7034 0.0026* Foi realizado um teste Qui-Quadrado (χ2) de Pearson de forma a comparar as respostas positivas e negativas do questionário “Canta quando lhe é pedido”, “Canta com a letra da música sem ser pedido”, “Fica mais concentrado nas actividades depois da sessão” e “Fica mais calmo após a sessão”. Os Quadros V, VI, VII e VIII apresentam os resultados. A voz da criança autista: o estímulo musical cantado como suporte à comunicação Quadro V – Canta quando lhe é pedido Test ChiSquare DF Prob>Chisq Likelihood Ratio 0,0182 1 0,8927 Pearson 0,0182 1 0,8927 Quadro VI – Canta com a letra da música sem ser pedido Test ChiSquare DF Prob>Chisq Likelihood Ratio 14,6509 1 0,0001 Pearson 14,0000 1 0,0002 Quadro VII – Fica mais concentrado nas actividades depois da sessão Test ChiSquare DF Prob>Chisq Likelihood Ratio 7,3030 1 0,0069 Pearson 7,1429 1 0,0075 Quadro VIII – Fica mais calmo após a sessão Test ChiSquare DF Prob>Chisq Likelihood Ratio 15,4677 1 <0,0001 Pearson 14,7544 1 0,0001 Os resultados obtidos pela ANOVA demonstraram que a variável Teste por si só, teve um efeito altamente significativo (F2,57=5.91, P=0.008) assim como na variável idade (F2,57=5.39, P=0.017). Analisando os resultados obtidos no Teste face aos vários parâmetros, todos os resultados obtidos foram significativos. Para as várias hipóteses apresentadas neste estudo foram obtidos os seguintes resultados: Para a Hipótese 1 verificaram-se diferenças entre valores de frequência fundamental para o Pré-teste e Pós-teste: os resultados indicam que houve um efeito altamente significativo no Teste (F2,57=5.91, P=0.008). Este facto revela que as sessões musicais influenciaram a frequência fundamental das crianças em estudo. Para a Hipótese 2 existiram alterações significativas da F0 entre as Classes de faixas etárias: os resultados na idade são significativos (F4,57=2.71, P=0.054). Estes resultados demonstram que existem diferenças na frequência fundamental entre as Classes. Para a Hipótese 3 manifestaram-se alterações no comportamento: os resultados obtidos no teste do Qui-quadrado de Pearson mostram que, no período Pós teste, o número de crianças que fica mais concentrado é maior do que o número de crianças que não fica (χ2=7.14,p=0.007). Para o mesmo período, o número de crianças que fica mais 67 calmo é maior do que aquele das que não ficam (χ2=14.75, p<0.001). Para a Hipótese 4 houve um aumento no uso da voz cantada: os resultados obtidos pelo teste do Qui-quadrado de Pearson revelaram que no período após o Teste, o número de crianças que canta quando é pedido não difere do número que não o faz (χ2=0.018, p=0.89). Para o mesmo período, o número de crianças que canta com a letra é menor que o número de crianças que não o faz (χ2=14.00, p<0.001). Para além dos resultados obtidos para dar resposta às questões em estudo, foram encontrados valores significativos na relação Teste e variável sexo (F2,57=2.88, P=0.076). Este resultado indica que o sexo teve influência na frequência fundamental das crianças em estudo. A variável autismo funcional também teve resultados significativos demonstrando que o factor autismo funcional teve influência no Teste (F2,57=2.74, P=0.085). Os resultados obtidos no Teste e “Teve Musicoterapia” foi o mais significativo em relação as outras variáveis em estudo. Isto revela que o facto de não terem tido Musicoterapia antes do estudo influenciou significativamente os resultados do Teste. Interpretação do questionário Perante o historial do questionário, grande parte da amostra em estudo nunca teve sessões de Musicoterapia antes das sessões musicais praticadas nesta investigação. Este facto deu origem a resultados muito significativos relativamente às alterações verificadas na F0. No que respeita às alterações de comportamento musical (cantar), os resultados do questionário revelaram que quando recebem o estímulo musical, existe um aumento da utilização da voz cantada desta população. Nas questões relativas ao uso da voz cantada, espontaneamente ou com incentivo, obtiveram-se os mesmos resultados (sim=8, não=12). Estes indicam que antes do presente estudo, as mesmas crianças que cantavam espontaneamente também o faziam quando eram incentivadas. As alterações no comportamento foram altamente significativas no que respeita à concentração após as sessões. Este facto confirma os vários estudos relativamente às alterações no comportamento das crianças com espectro autista perante a música (Brownell, 2002; Sausser & Waller, 2006). 68 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 Resultados da F 0 O valor obtido no teste ANOVA para a variável Teste revelou ser altamente significativo. Este resultado permite concluir que dez sessões de intervenção musical tiveram influência na F0 das crianças em estudo. A variável autismo funcional demonstrou que por si só, não foi significativo. No entanto, quando comparada com o Teste, os resultados foram significativos, revelando que o autismo funcional influenciou os resultados do Teste. Os resultados obtidos entre o Teste e a variável sexo também revelaram ser significativos em conformidade com um estudo realizado por Hasek et al. (in Wertzner et al., 2005) no qual obteve resultados mais baixos da F0 no sexo masculino em relação ao sexo feminino em crianças entre os 5 e os 10 anos de idade com distúrbios fonológicos. Uma vez que a população deste estudo é constituída maioritariamente por crianças do sexo masculino, podemos concluir que esse factor pode ter tido grande influência na alteração da F0. Verificou-se que a variável idade teve resultados altamente significativos. Posteriormente realizou-se o teste Oneway Anova para verificar as diferenças encontradas entre as Classes de idade. Os resultados indicaram que a Classe 2 teve uma descida mais evidente do que as Classes 1 e 3. Notou-se que a Classe 2 (entre os 8 aos 10 anos de idade), foi a que revelou uma descida mais significativa da F0. Por outro lado, a Classe 3 (10 aos 13 anos de idade) revelou ter valores mais baixos da F0 em relação à Classe 1 (5 aos 7 anos de idade). Porém, existe um desequilíbrio em relação ao número de crianças entre as Classes, e devido a isso, as alterações da F0 serem mais evidentes na Classe 2. Pode-se constatar que existe uma relação entre estes resultados e a literatura no que diz respeito à descida da F0, que resulta do crescimento da laringe e das pregas vocais (Morrison & Rammage, 1994). De facto, a descida da F0 é mais baixa na Classe 3 do que na Classe 1. A questão “Teve Musicoterapia” não teve valores significativos, no entanto quando comparada com o Teste, os valores foram altamente significativos. Este facto revela que as crianças deste estudo que nunca tiveram sessões de Musicoterapia foram influenciados pelas sessões musicais, provocando alterações na F0 da população em estudo. Este resultado veio comprovar os estudos realizados com crianças autistas e música, os quais demonstram que a música pode provocar alterações no comportamento desta população (Wigram & Gold, 2006). Conclusão O estudo piloto do tipo quase experimental aqui apresentado constatou que ocorreram alterações significativas na F0 da população em estudo. Essas alterações podem ter sido causadas pelo facto de ter surgido uma nova actividade no horário habitual das crianças das salas TEACCH. Estas salas possuem uma metodologia própria de forma a evitar surpresas e manter a rotina diária. Para minimizar o impacto das sessões musicais na rotina habitual das crianças durante o período de estudo, a sessão musical foi incluída no horário de cada criança. Apesar de se ter verificado uma alteração da F0 não é possível afirmar que esta alteração se mantenha após a realização do estudo. Dado tratar-se de uma população que pode atingir os objectivos propostos, por vezes surgem regressões, o que não é de todo invulgar no autismo. Outro aspecto que pode ter provocado alterações da F0, foi o facto da maioria das crianças nunca terem tido sessões de Musicoterapia antes do estudo. Verificou-se que os resultados obtidos na ANOVA foram significativos quando comparados com a variável Teste. A Musicoterapia é uma ciência paramédica e revela ser uma intervenção benéfica em doentes com problemas neurológicos. Por isso, tratando-se de uma amostra sem instrução musical antes do estudo, a música pode ter causado um grande impacto na F0 desta população. Assim, podemos concluir que as sessões musicais instruídas às crianças de espectro autista das salas TEACCH que intervieram nesta investigação, provocaram alterações da F0. Sendo a voz de um cantor profissional significativamente mais variada do que a de um não cantor, isso também pode ter influenciado os resultados do Teste. A voz dos cantores profissionais é mais variada e flexível, produzindo uma maior quantidade de harmónicos durante o canto do que a voz de um não cantor. A riqueza de harmónicos existente na voz de um cantor profissional poderá ter influenciado o processamento auditivo das crianças deste estudo e por conseguinte ter provocado alterações na F0. Ainda que a amostra não permita generalizar os resultados, houve uma alteração significativa da F0 apesar do número reduzido de sessões musicais, o que é de facto um resultado muito positivo perante a população em estudo. A voz da criança autista: o estímulo musical cantado como suporte à comunicação Em relação aos resultados obtidos na variável sexo, não é possível chegar a conclusões pelo facto de não ter sido possível reunir uma amostra homogénea de crianças do sexo feminino e masculino. Verificou-se que as crianças do sexo feminino possuem grande capacidade de imitação musical no que respeita à entoação e memorização musical. Provavelmente essa capacidade pode estar relacionada com o autismo afectar sobretudo a população do sexo masculino, e não ser tão severa no sexo feminino. Devido às dificuldades encontradas na recolha da amostra, o estudo teve de ter uma duração máxima e concentrada em dez sessões musicais. Com base nessas limitações e na população em análise, optou-se por uma duração máxima de 15 minutos por sessão devido ao tempo limitado de concentração nas actividades. Foi possível constatar durante as sessões que as crianças da Classe 1 (entre os 5 e os 7 anos de idade) tinham um tempo mais limitado de concentração na sessão do que as crianças da Classe 2 (entre os 8 e os 10 nos de idade) e da Classe 3 (entre os 11 e os 13 anos de idade). Apesar de não ser um dos parâmetros em análise neste estudo, foi contudo possível verificar que o poder de concentração aumenta com a idade, sugerindo que o tempo máximo de duração das sessões poderá rondar os 15 minutos como tempo mínimo para crianças entre os 5 e os 7 anos de idade. Com base nos resultados obtidos da F0 entre as várias Classes de faixas etárias, constataram-se valores significativos, revelando que existem grandes diferenças entre as mesmas. A F0 varia ao longo do tempo até estabilizar na fase adulta e por isso esperava-se que entre os 5 e os 13 anos de idade se verificassem diferenças da F0. Não obstante, a distribuição dos subgrupos não foi simétrica, resultando num desequilíbrio numérico de elementos entre as diferentes Classes. Além disso, seria necessário um número (n) de amostra superior ao conseguido para que a distribuição por subgrupos fosse estatisticamente significativa. Contudo, os resultados obtidos entre as Classes foi significativo quando comparado com a variável Teste, concluindo que o factor idade teve influência na alteração da F0. Através das técnicas das salas TEACCH foi possível notar diversas alterações comportamentais das crianças que participaram neste estudo. A mais curiosa dessas alterações foi a descoberta da voz cantada por parte das crianças, sendo importante salientar que esta foi explorada tanto por crianças não funcionais como por crianças funcionais. Esta realidade permite concluir que, independentemente da funcionalidade 69 das crianças autistas que frequentem salas TEACCH, é possível estimular essas crianças para a utilização da voz cantada. Assim, podemos afirmar que dez sessões de música cantada são suficientes para despertar o incentivo para a sua descoberta e utilização em crianças do espectro autista que frequentam salas TEACCH. Esta conclusão é de suma importância na medida em que podemos instruir alguma flexibilidade vocal em crianças com autismo. O facto das sessões terem sido contínuas, pode ter contribuído tanto para as alterações da F0, como para as alterações no comportamento. Visto ser uma população que necessita de uma rotina para manter a autoconfiança, as sessões musicais diárias podem ter incentivado essas mesmas alterações. Por isso, será possível afirmar que o trabalho musical diário poderá proporcionar resultados positivos mais evidentes do que um trabalho semanal. Os resultados obtidos no questionário em relação à questão “fica mais concentrado” após as sessões, demonstrou que grande parte da população em estudo fica mais concentrada (sim=14, não=6). Para a questão “fica mais calmo”, nota-se apenas um pequeno desequilíbrio entre as crianças que ficam mais calmas após as sessões musicais do que aquelas que não ficam (sim=9, não=11). Este facto pode ter origem nos problemas de hiperactividade de algumas crianças em estudo, factor este que é comum no autismo. A música induzida à população em estudo é composta por ritmos simples, o que pode ter influenciado o comportamento destas crianças devido ao factor rítmico da música. Por outro lado, é importante realçar que 15 minutos de música diária conseguiu acalmar quase metade da população em estudo, tendo em conta os problemas de hiperactividade de algumas crianças. A possibilidade das crianças autistas cantarem depois do incentivo através da voz cantada, pode ser um grande contributo para novas pesquisas em diversas áreas (e.g. linguística, neurologia e musical) como também para contribuir positivamente para o bem-estar do indivíduo. A produção e a audição musical requer uma rede de distribuição neural difusa. Para auxiliar essa análise neste estudo, tentou-se perceber o processamento neurológico durante a produção e audição musical entre músicos e não músicos. Este facto era de grande interesse uma vez que esta investigação teria como instrumento de trabalho o estímulo da voz cantada aplicado em crianças com problemas no sistema nervoso central, como é o caso do autismo. Assim, foi possível 70 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 concluir que, apesar destas crianças terem dificuldades na compreensão da linguagem verbal e dos sons da voz falada, o mesmo não acontece na linguagem musical cantada. Esta é um meio de comunicação a que as crianças de espectro autista deste estudo aderiram com entusiasmo e demonstraram que são capazes de cantar depois de uma curta intervenção musical (dez sessões). Por isso e sendo a música considerada uma linguagem não verbal, podemos afirmar que é uma forma de comunicar valorizada e apreciada pela população em estudo. O intento desta investigação teve como finalidade expor as crianças das salas TEACCH em contacto directo com o estímulo vocal cantado. Pretendia-se verificar qual seria a reacção destas perante um cantor profissional e se a música poderia ser um suporte à comunicação. O resultado desse intento foi muito positivo para ambas as partes, uma vez que o investigador não esperava que num curto espaço de tempo de intervenção musical, estas crianças pudessem aderir e aceitar tão rapidamente o investigador e o estímulo. Apesar de se mostrarem distantes durante as sessões, a experiência pessoal juntamente com os questionários revelaram que algumas crianças começaram a cantar. Outras começaram a participar nas sessões cantando ou completando o final da canção quando o investigador deixava de cantar. Em suma, a estimulação musical cantada pode revelar benefícios no intento comunicativo e, num futuro próximo, na voz falada destas crianças. O objectivo deste projecto foi observar se houve alterações da F0 depois de dez sessões musicais cantadas. Nesse sentido, tentou-se estimular as crianças deste estudo com a letra da música e com vocábulos tendo como exemplo a voz de um cantor profissional. O estímulo musical cantado teve grande influência, provavelmente devido ao processamento auditivo. Sem dúvida que o segmento vocálico durante o canto é mais longo do que na fala, o que pode ter tido grande influência na captação e assimilação da letra da música. Isto levanta novas questões relacionadas com o processamento auditivo das crianças autistas. Existem alguns estudos sobre o desenvolvimento musical e vocal com crianças portuguesas disfónicas e monótonas, porém não foi encontrado nenhum estudo realizado com crianças autistas onde relate sobre a voz cantada desta população. No entanto, os estudos encontrados com autismo e intervenção musical demonstraram que a comunicação não verbal é o meio mais eleito por esta população. Investigações futuras Seria interessante averiguar se a imitação da voz cantada é devido ao segmento vocálico ser mais longo do que na fala, ou se está mais relacionado com a captação das frequências (Hz) da voz cantada. Um factor interessante que não foi possível avaliar neste estudo foi o volume de voz utilizado na produção da voz cantada. Todas as crianças que exploraram a voz cantada, utilizavam um volume de voz muito baixo, o que normalmente não acontece na produção da voz falada. Para perceber esta questão seria pertinente fazer um estudo longitudinal para acompanhar o processo de descoberta da voz cantada e verificar em que idades ou faixas etárias é mais notável esse processo. Outra questão importante a salientar é o processamento auditivo das crianças de espectro autista durante a audição da voz falada e da voz cantada. Estudos nesta área poderão dar resposta ao facto destas crianças terem maior capacidade e talvez, preferência de imitação da voz cantada do que da voz falada. É sabido que a voz de um cantor profissional é mais flexível e rica em harmónicos do que um indivíduo que nunca tenha tido instrução vocal. Seria interessante verificar se existem diferenças nos parâmetros de teste deste estudo perante sessões musicais cantadas por um cantor e um indivíduo sem instrução vocal. Também se poderia verificar o processamento auditivo das crianças com perturbação autista sendo a instrução vocal dada por dois indivíduos com treino vocal distinto. Dado que se verificaram alterações no comportamento habitual das crianças com perturbação de espectro autista das salas TEACCH, seria interessante analisar as alterações no comportamento habitual delas perante dois estímulos musicais cantados distintos (tonalidades maiores e menores, com ritmos variados e dinâmicas opostas). O estudo apresentado obteve resultados significativos perante uma amostra de 20 crianças com perturbação do espectro autista que frequentam o ensino oficial em salas TEACCH. Porém, houve dificuldades em alargar o tamanho da amostra devido ao número reduzido de crianças por sala. Para tentar aumentar o tamanho da amostra será necessário um tempo de investigação mais prolongado de forma a conciliar os horários entre as escolas. Contudo, futuras investigações deverão ter em conta uma amostra mais alargada de forma A voz da criança autista: o estímulo musical cantado como suporte à comunicação a conseguir um grupo experimental e um grupo de controlo. Escassos são os estudos realizados sobre a voz da criança e, no que respeita ao autismo, ainda há muito por explorar. O que levou ao arranque desta investigação foi o tom da voz falada das crianças com espectro de autismo e o facto de constatar que estas tinham uma boa ligação com a música, e portanto algo em comum com o investigador. Pensou-se que talvez fosse possível estabelecer a comunicação através da linguagem mais antiga do ser humano – a música. Espero que este contributo para as crianças do espectro autista seja apenas um trampolim para o desenvolvimento de futuras investigações nesta área e que a música seja um meio que as possa servir ao longo da vida. Bibliografia 1. Alvin, J. (1991). Music therapy for the autistic child (2ªed.). Unites States: Oxford University Press. 2. Souza, L.B.R. (2000). Fonoaudiologia fundamental. Rio de Janeiro: Revinter. 3. Gordon, E.E. (2000). Teoria de aprendizagem musical-competências, conteúdos e padrões. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 4. Sall, J., Lehman, A. & Creighton, L. (2001). JMP Start Statistics: A Guide to Statistical and Data Analysis Using JMP and JMP IN Software. Duxbury, Belmont, California. 5. Brownell, M.D.(2002). Musically adapted social sories to modify behaviours in students with autism: four case studies. Journal of music therapy, 3 (2), 117-144. 6. Sausser, S. & Waller, R.J.(2006). A model for music therapy with students with emotional and behavioural disorders. The arts in Psychotherapy, 33, 1-10. 7. Wertzner, H.F., Schreiber, S. & Amaro, L. (2005). Analysis of fundamental frequency, jitter, shimmer and vocal intensity in children with phonological disorders. Brazilian Journal of Otorhinolaryngology, 71 (5), 582-588. 8. Morrison, M. & Rammage, L. (1994). The management of voice disorders. California: Singular publishing group, Inc. 9. Wigram, T. & Gold, C. (2006). Music therapy in assessment and treatment of autistic spectrum disorder: clinical application and research evidence. Child: care, health and development, 32 (5), 535-542. 71 A introdução de competências de gestão na formação médica: uma avaliação multidimensional das expectativas Management competencesin medical education: a multidimensional evaluation of expectancies Figueiredo, T.1*; Castro Caldas, A.2*; Castela, G.3** * Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa ** Faculdade de Economia da Universidade do Algarve Resumo A dinâmica organizacional que se tem manifestado nas últimas décadas tornou imperativo o domínio de competências de gestão, particularmente relevantes no sector da saúde. Terá sido esta realidade percepcionada e incluída no currículo médico? Existindo um impulso reformista na forma de encarar a gestão de unidades de saúde, por que razão a maioria das Faculdades de Medicina não integrou este domínio nas suas reformas curriculares? Não obstante, parece existir uma forte procura na aquisição destas competências complementares, apenas numa fase pós-graduada, fundamentalmente justificada por uma melhor qualificação na prática médica, na qual os médicos são chamados a decidir em cenários com recursos limitados e constrangimentos orçamentais. Pretendemos com este trabalho, investigar as motivações das Faculdades de Medicina em Portugal para a introdução de competências de gestão no currículo pré e pós-graduado médico. Centrando-nos nos alunos de medicina e na mudança operada no comportamento dos médicos, antes e após contacto com esta nova competência, aspirámos qualificar e entender as expectativas dos futuros licenciados em relação a este objectivo. Assim, o recurso à Análise de Correlações Canónicas Não Lineares permitiu, não só uma descrição multidimensional de topologias e/ou tipologias de indivíduos, como também analisou as relações entre as várias respostas, acomodadas em escalas óptimas, determinando, deste modo, similitudes/dissimilitudes entre as opiniões manifestadas, no decurso do processo de formação médica. Palavras-Chave: tipologias, topologias, escalas óptimas, análise de correlação canónica não linear. Abstract In the last decades, the organizational dynamics has shown the imperative need to rule the management competences mainly relevant in the health sector. Has this reality been perceived and included in the medical curriculum? Once there is a reformist impulse in the way how the health units are managed, why haven’t most of the Medicine Faculties integrated this domain in their curricular reforms? Hence, there seems to be a strong search for these additional competences, only in a post-graduate phase, above all justified by a better qualification in the medical praxis, in which the doctors are called to decide in scenarios with limited resources and budget constraints. With this work we wish to research the perceptions and eventual motivations of the students in the Medicine Faculties of Portugal to introduce management competences in their medical pre-graduate curriculum. Focusing on the medicine students and on the change occurred in the doctors’ behaviour, before and after contacting with this new competence, we aspired to qualify and understand the future graduates’ expectations in what regards this objective. Thus, the use of the Non Linear Canonical Correlation Analysis has allowed not only the multidimensional description of topologies and /or typologies of individuals, but it has also analysed the relations among the various answers, arranged in optimal scales, thus determining similarities / dissimilarities among the shown opinions along the medical training process. From the results it was concluded that there isn’t a majority group expressing a tendency clearly, but rather a distribution of the respondents in the various typologies in every sample, which indicates to the decision-makers a perspective of the curriculum flexible approach, in a different model from the one predominating in the present Medical Education institutions, that still don’t work with the concept of curricular attractors. Keywords: management in health care; optimal scaling; nonlinear canonical correlation analysis Introdução e objectivos 1 2 3 [email protected] [email protected] [email protected] O interesse pela Economia da Saúde cresceu substancialmente em todo o mundo nas últimas décadas. Várias classes profissionais, responsáveis Cadernos de Saúde Vol. 1 N.º 1 – pp. 73-80 74 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 pela Gestão desde economistas, gestores e administradores, mas também médicos e outros grupos do sector, perceberam que “... só com um conhecimento mais rigoroso e técnico poderiam fazer face à complexidade e dificuldades, que todos os sistemas de saúde enfrentam.” (Pinto, G., 1999). Neste cenário, a Gestão em Saúde, impôs-se como uma condição essencial ao sistema, requerendo profissionais mais qualificados e equipados para responder com melhores resultados, numa perspectiva de exigência crescente dos clientes e dos governos, pretendendo atingir maior grau de eficácia e eficiência. De acordo com Silva, P. (2005), no sector da saúde as últimas tendências registam (1) – uma pressão para diminuir os custos, (2) – um crescente aumento da componente informática, (3) – um aumento da importância do Marketing de Serviços, (4) – um aumento da importância das novas especialidades e competências e, por fim (5) – o aparecimento de novos nichos de mercado. Nos últimos trinta anos tornou-se fundamental a Gestão ou a Economia da Saúde como disciplina fulcral no ensino médico (Pene, P., 1999). Em Portugal só nos últimos cinco anos se verificou o aparecimento desta matéria integrada nos conteúdos curriculares, de uma forma muito ténue e incipiente e numa fase pré-graduada. Apesar de reformas em termos curriculares na Licenciatura em Medicina, a formação em Gestão tem sido introduzida de forma parcelar durante a formação básica. Recentemente, surgiram alguns projectos que pretendem avaliar os perfis e competências dos licenciados em Portugal (McKimm, J., 2004; Jollie, C., 2005). Decorrente destes dois trabalhos, uma das conclusões dos inquéritos efectuados a alunos do sexto ano da Licenciatura em Medicina, refere-se à lacuna em competências de Gestão durante a formação médica pré-graduada. É precisamente no seguimento desta falha que este trabalho aspira: (1) – apoiar a formação médica com a introdução de competências em Gestão, de forma a aperfeiçoar o curriculum médico, (2) – dar resposta ao crescente interesse pela Economia/Gestão na área da saúde e, (3) – orientar os decisores para uma qualificação profissional que exige, na actualidade, maior eficiência/eficácia no desempenho médico. Assim, pretende-se avaliar quais foram as motivações para a introdução da Gestão nas Faculdades de Medicina em Portugal como na Universidade da Beira Interior e na Universidade do Minho, as mais recentes a possuírem licenciaturas em Medicina, integradas no modelo de ensino baseado em problemas. As outras Faculdades de Medicina realizaram reformas onde incluíram novos saberes como Ética, Deontologia, ou Genética Molecular, mas não introduziram nenhuma disciplina, mesmo que opcional na área da Gestão ou de Economia da Saúde. Assim, este trabalho tem como objectivos: (1) – avaliar as necessidades de competências em Gestão durante a formação médica, (2) – avaliar as necessidades de competências em Gestão na fase pós-graduada, (3) – avaliar os objectivos dos agentes intervenientes na área da Saúde, em matéria de Gestão e, por fim (4) – identificar relações/padrões/ /topologias decorrentes das avaliações observadas de modo a apoiar intervenções futuras. Procedimentos com escalas óptimas para dados categóricos Os dados categóricos são bastante utilizados no Marketing e nas Ciências Sociais e Comportamentais. Não obstante existirem adaptações para a maior parte dos modelos de análise de dados categóricos, é usual surgirem dificuldades quando os dados apresentam: (1) – poucas observações, (2) – muitas variáveis e/ou, (3) – muitos valores por variável. Porém, segundo Heiser, W. J.; Meulman, J. (1995); Van der Burg, E. (1988), através da quantificação de categorias com recurso aos procedimentos de escalas óptimas estas dificuldades são evitadas. Deste modo, em vez da interpretação tradicional de estimativas de parâmetros, a interpretação dos resultados com escalas óptimas é geralmente baseada em mapas perceptuais e permite uma boa análise exploratória dos dados. De acordo com os mesmos autores, o objectivo do escalonamento óptimo consiste na atribuição de quantificações numéricas às categorias de variáveis nominais e ordinais, permitindo assim a utilização de alguns procedimentos que visam obter uma solução com as variáveis já quantificadas. Ao invés das escalas originais das variáveis nominais ou ordinais, estes valores assim escalonados apresentam propriedades métricas. Para a maior parte dos procedimentos para dados categóricos, a quantificação óptima para cada variável em escala é conseguida mediante um critério de optimização que utiliza um método iterativo denominado Alternating Least Squares (ALS) desenvolvido por Young, F. W. et. al (1976) o qual, após a utilização de quantificações para atingir uma solução óptima, as integra e actualiza, promovendo um processo iterativo de forma exaustiva. A introdução de competências de gestão na formação médica Figura 1 – Métodos de Redução de Dados No entanto, segundo Pérez, C. (2005) existem quatro procedimentos que utilizam escalas óptimas (Figuras 1 e 2): Análise de Correspondências Simples (ANACOR), Análise de Correspondências Múltiplas (HOMALS), Análise Categórica de Componentes Principais (CATPCA) e Análise de Correlação Canónica Não Linear (OVERALS). Todos estes procedimentos estão enquadrados como técnicas de análise multivariada de dados e classificados como métodos de redução de dados, nos quais, as relações entre as variáveis são representadas mediante mapas perceptuais, em poucas dimensões. Isto não só permite a descrição de estruturas, padrões, tipologias e topologias nas relações difíceis de aprofundar dada a sua complexidade, como também evidencia uma das maiores vantagens observada Figura 2 – Procedimentos com Escalas Óptimas 75 na sua utilização, a qual reside no facto de poder-se acomodar dados com diferentes níveis de escalonamento óptimo, como é o caso desta investigação. Assim, a utilização da ANACOR acede à análise de tabelas de contingência bidimensionais de dados nominais, a HOMALS analisa tabelas de contingência com múltiplas dimensões, onde todas as variáveis são nominais, a CATPCA permite a detecção de padrões de variabilidade num conjunto de dados com níveis mistos de escalas óptimas e, por fim, a OVERALS contabiliza os padrões de variação de vários conjuntos de variáveis, com níveis mistos de escalas óptimas, com o objectivo de detectar potenciais correlações. Aplicação com dados reais Apresentação do estudo A introdução de uma disciplina de Gestão no contexto educativo da Licenciatura em Medicina, raramente condiciona mudanças comportamentais relevantes. Importa, pois, colocar duas questões fundamentais: (1) – qual a principal motivação do corpo académico para esta introdução e consequente mudança curricular, e (2) – se ela assegura os objectivos para que foi criada, alterando a prática médica dos futuros licenciados. Interessa perceber se as Faculdades de Medicina reflectiram sobre o que pretendiam transmitir com a introdução da Gestão no corpo teórico da sua Licenciatura, e quais as motivações e expectativas que os alunos têm sobre o tema, nos diferentes estádios da formação, nos 3º e 5º anos (ciclo básico e ciclo clínico) e compará-los com as dos médicos de medicina geral e familiar. Para isso, foram recolhidas três amostras dirigidas que retiveram, mediante questionários de respostas 76 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 categóricas ordinais, as motivações e expectativas mencionadas anteriormente. Caracterização do espaço amostral e variáveis em análise No estudo foram utilizadas três amostras, não probabilísticas dirigidas. Uma constituída por 19 alunos do 3º ano da Licenciatura em Medicina, outra por 34 alunos do 5º ano da mesma licenciatura e a última por 31 indivíduos médicos. Qualquer uma das amostras consideradas foram caracterizadas mediante as mesmas variáveis, definidas por três conjuntos: Conjunto 1: Variáveis Descritivas (Sexo, Idade e Gastos Mensais em Formação); Conjunto 2: Variáveis relativas à Avaliação de Conhecimentos (Conhecimentos de Gestão (AVcg), Fase pré-graduada (AVpg), Grupos de diagnósticos homogéneos (AVdgh), Publicações (AVpublic)). Conjunto 3: Variáveis relativas à Formação Médica (Carga Horária (FMch), Projecto Integrado (FMpi), Opcional/Obrigatória (FMopob), Conhecimentos Complementares de Gestão (FMccg) para os alunos dos 3º e 5º anos e Conhecimentos Complementares de Gestão para a Prática Médica (FMpm) para os Médicos, Custo/Benefício (FMcb) para os alunos dos 3º e 5º anos e Custo/Benefício no Exercício Médico (FMcbex) para os Médicos). Tabela I – Medição das Similitudes entre os conjuntos de variáveis Tabela II – Divisão do Ajustamento Metodologia O algoritmo OVERALS foi primeiramente descrito por Gifi (1981), Van der Burg, De Leeuw e Verdegaal (1988) e Van der Burg (1988). As características subjacentes a este procedimento, baseado em escalas óptimas, pressupõem a partição das variáveis, especificadas separadamente em níveis mistos de escalas óptimas, em diversos conjuntos. Analogamente ao Modelo de Regressão Linear Múltipla, a Análise de Correlação Canónica não Linear partilha algumas das suas hipóteses, tais como a linearidade das relações entre variáveis, a homoscedasticidade, a inexistência de multicolinearidade e a normalidade multivariada para fins de inferência. Na verdade, o objectivo principal do OVERALS é analisar as relações entre vários conjuntos de variáveis em vez de analisar, por si só, as relações entre variáveis. Determina-se assim a similitude entre conjuntos de variáveis, mediante uma comparação simultânea das variáveis canónicas (obtidas por combinação linear), de cada conjunto de variáveis, com os valores óptimos (scores) atribuídos aos indivíduos. Resultados Os resultados obtidos revelam, através da Tabela I, a medição da similitude entre os três conjuntos de variáveis, reduzidos a duas dimensões. Assim, por exemplo, para os alunos do 3º ano, a Perda, representa a proporção da variância (quantidade de informação) que não é explicada pelo peso A introdução de competências de gestão na formação médica das variáveis combinadas, dentro de cada conjunto (32%). Observe-se também que ocorre uma maior perda na segunda dimensão. O Valor Próprio indica quanto da relação é evidenciada por cada dimensão. Assim 51,3% do ajustamento é explicado pela primeira dimensão e 48,6% pela segunda. A Correlação Canónica, que mede a validade da relação global entre as combinações lineares nos conjuntos das variáveis por dimensão é de 79,4% na primeira e de 72,5% na segunda. A Correlação Múltipla observada, por dimensão, para os três conjuntos de variáveis, comprova que a relação linear entre as variáveis, por conjunto, é elevada, o que traduz uma certa consistência nas respostas dos indivíduos. Uma interpretação análoga é aplicada aos alunos do 5º ano e aos médicos. A divisão do ajustamento e da perda é descrita pela Tabela II, onde se observam, como medidas da bondade do ajustamento, o multiple fit e o single fit, cujos valores mais elevados e quase idênticos, descrevem as coordenadas das múltiplas categorias das variáveis mais relevantes. Sendo o multiple fit igual à variância das referidas múltiplas categorias das variáveis, torna-se uma medida comparável à medida de discriminação da Análise de Correspondências Múltiplas (HOMALS) e, desta forma, é possível identificar as variáveis que melhor discriminam as respostas, por cada conjunto de variáveis. Assim, observa-se na amostra dos alunos do 3º ano que os Gastos Mensais em Formação discriminam melhor este grupo, os Conhecimentos de Gestão discriminam melhor as respostas respeitantes à Avaliação de Conhecimentos e a Introdução da disciplina de Gestão no Ciclo Clínico distancia mais as opiniões destes alunos no que concerne à Formação Médica. A quase ausência de single loss identifica uma perda quase inexistente na informação com que cada variável contribui para o ajustamento. Uma análise semelhante é realizada com os alunos do 5º ano e com os médicos. Por outro lado, os Component Loadings fornecem uma boa indicação sobre a contribuição de cada variável por dimensão e dão uma ideia da importância que cada uma tem dentro do seu conjunto. Os gráficos descritos pelas Figuras 3, 4 e 5 assinalam para os alunos do 3º ano, as variáveis mais importantes. Pode observar-se a existência de duas direcções relevantes (as que melhor traduzem as relações de oposição entre quadrantes) que não coincidem com os dois eixos. Uma é determinada por FMopob (1º quadrante) e FMch, FMccg e Gastos (3º quadrante). A outra direcção é definida por AVcg, 77 AVgdh (1º quadrante) e Idade (3º quadrante). Na mesma linha deste procedimento para os alunos do 5º ano, é observada apenas uma direcção importante, determinada por AVpublic (2º quadrante) e por Idade e FMopob (4º quadrante). Para os médicos, é igualmente identificada uma direcção não coincidente com os eixos a qual é definida por AVpg e FMch (1º quadrante) e Sexo e FMig (4º quadrante), onde: Figura 3 – Alunos do 3.º Ano Figura 4 – Alunos do 5.º Ano 78 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 FMig ≡ Formação Médica introdução à gestão; AVcg ≡ Avaliação Prévia de conhecimentos de gestão; AVgdh ≡ Avaliação Prévia em grupos de diagnósticos homogéneos; AVpublic ≡ Avaliação Prévia de conhecimentos em publicações; AVpg ≡ Avaliação Prévia pré-graduada. Figura 5 – Médicos FMopob ≡ Formação Médica opcional obrigatória; FMch ≡ Formação Médica carga horária; FMccg ≡ Formação Médica conhecimentos complementares de gestão; Figura 6 – Tipologias dos alunos do 3.º Ano É possível ainda interpretar as relações entre as quantificações das variáveis transformadas em escalas óptimas e os níveis das variáveis originais (transformation plots). Os padrões gráficos destas relações evidenciam as categorias que melhor representam as respostas dos indivíduos e sugerem, juntamente com os centróides projectados, a criação de quatro tipologias comportamentais por grupo amostral e que mantêm as relações de associação/oposição já mencionadas anteriormente. Deste modo, para o grupo amostral dos alunos do 3º ano, a Figura 6 descreve a existência de quatro grupos de indivíduos com opiniões homogéneas entre si. O mesmo sucede para os restantes grupos amostrais. Desta maneira, confirma-se a existência de quatro grupos de indivíduos distintos, nas suas opiniões, A introdução de competências de gestão na formação médica que passam a ser caracterizados pelas suas orientações face à introdução da Gestão no processo de Formação Médica: A TIPOLOGIA 1 (n = 6) descreve um grupo mais jovem, com menores gastos em formação, possuindo conhecimentos de gestão em saúde, que não entende necessário a introdução da gestão numa fase pré-graduada e que consideram a gestão pouco importante para modificar a prática médica. Este conjunto representa um grupo de indivíduos que consideramos como IMPRUDENTES. Por oposição, a TIPOLOGIA 3 (n = 3) representa um grupo de indivíduos mais velhos, com maiores gastos em formação, reconhecendo possuir insuficientes conhecimentos na área da gestão em saúde, que sugerem a introdução da gestão na formação médica antes da conclusão da licenciatura e julgando-a importante para alterar a prática médica, pelo que os consideramos como ASSERTIVOS. A TIPOLOGIA 2 (n = 8) descreve um conjunto de indivíduos que consultam regularmente publicações na área da gestão ou economia da saúde e que entendem relevante, na fase pré-graduada da sua formação, conceitos de gestão/economia, pelo que os designamos de PRÓ-ACTIVOS. Em oposição à antecedente, a TIPOLOGIA 4 (n = 2) apresenta um grupo de indivíduos que raramente consultam publicações na matéria e que consideram irrelevante a introdução da gestão durante a fase de formação médica pré-graduada, pelo que os consideramos como REACTIVOS. Figura 7 – Formação da Topologia I 79 A formação de topologias de comportamento pode observar-se na Figura 7, onde se revêem as 4 tipologias associadas às três amostras, sequencial e cronologicamente arrumadas. Tal como destaca a Figura 7, a formação da Topologia I é simultaneamente assente em três tipologias, uma por amostra, as quais mantêm as relações de associação/oposição importadas das tipologias originais. Pretende-se, deste modo, reconhecer padrões de comportamento dos indivíduos e caracterizar orientações no que concerne à similitude de opiniões face à introdução de competências de Gestão na Formação Médica. O mesmo procedimento acontece para os alunos do 5º ano e para os médicos, originando as seguintes quatro topologias: TOPOLOGIA I, atribuída a 22 indivíduos, é constituída pelo público mais jovem do 3º ano, alunos do 5º ano com os menores gastos em formação e médicos do sexo masculino. Os alunos do 3º ano alegam pouco importante a Gestão para modificar a prática médica, ao invés dos alunos do 5º ano que a consideram necessária. Por seu turno, os médicos acham necessária a introdução da disciplina de Gestão, ainda que seja acolhida com idêntico ou superior número de ECTS, comparativamente às restantes disciplinas. TOPOLOGIA II, também com 22 indivíduos é constituída por alunos do 3º ano que admitem ter consultado com regularidade, publicações na área da Gestão e que consideraram relevante a introdução da disciplina numa fase anterior à licenciatura; alunos do 5º ano que também consultam publicações com regularidade e que admitem a introdução da disciplina de Gestão, como opcional, numa fase anterior à licenciatura; e médicos que também consultam publicações com regularidade e caracterizam a introdução da Gestão numa fase pré-graduada como fundamental para modificar a prática médica. TOPOLOGIA III, com 23 indivíduos, é constituída pelo público mais velho do 3º ano, por alunos do 5º ano com maior disponibilidade para gastar em formação e por médicos do sexo feminino. Tanto os alunos do 3º como do 5º ano consideram aconselhável a introdução da Gestão durante a fase pré-graduada. Os médicos crêem necessária a introdução da disciplina de Gestão com menor número de ECTS relativamente às outras disciplinas. 80 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 Conclusões Figura 8 – 4 Topologias Comportamentais TOPOLOGIA IV, com 17 indivíduos, é constituída pelos alunos mais velhos do 5º ano, por alunos do 3º ano e por médicos que admitem raramente ter consultado publicações na área da Gestão em Saúde. Os alunos do 5º ano e os médicos consideram justificável e/ou pouco importante a introdução da disciplina de Gestão numa fase anterior à licenciatura, enquanto os alunos do 3º ano a consideram irrelevante. Deste modo, o reconhecimento de padrões e de orientações (Figura 8) confirma a existência de quatro grupos de indivíduos distintos nas suas opiniões, que passam a ser caracterizados pelas suas orientações face à introdução da Gestão no processo de Formação Médica. É possível identificar correspondências entre as TIPOLOGIAS I do 3º ano, 5º ano e Médicos, que denominámos respectivamente de IMPRUDENTES, CAUTELOSOS e MODERADOS, pelo que avaliamos a TOPOLOGIA I como PASSIVOS. As TIPOLOGIAS III, por oposição às anteriores, foram caracterizadas nas respectivas amostras como ASSERTIVOS, PREVENIDOS e TRADICIONALISTAS, pelo que identificamos a TOPOLOGIA III, como AFIRMATIVOS. Denominamos a TOPOLOGIA II como INOVADORES, por agregar os indivíduos PRÓ-ACTIVOS, MODERNOS e ESCLARECIDOS, em oposição à TOPOLOGIA IV, designada de CONSERVADORES, constituída pelos grupos anteriormente rotulados de REACTIVOS, PATERNALISTAS e RETRÓGRADOS. Recentemente, foram publicados projectos que pretendem avaliar os perfis e competências dos licenciados em Portugal, e uma das conclusões dos inquéritos efectuados a alunos do sexto ano da Licenciatura em Medicina, refere-se à lacuna em competências de Gestão durante a formação médica pré-graduada. Com este ponto de partida, pretendemos com este trabalho apoiar a formação médica com a discussão sobre a introdução de competências em Gestão, de forma a aperfeiçoar o currículo médico, dando resposta ao crescente interesse pela Economia/Gestão na área da saúde, e orientar os decisores para uma qualificação profissional que exige, na actualidade, maior eficiência/ /eficácia no desempenho médico. Neste contexto, a eficácia da gestão dos instrumentos teórico-processuais depende essencialmente da estratégia metodológica que foi delineada. Na perspectiva de que a melhor aproximação conceptual ao objecto em estudo, de acordo com as suposições teóricas delineadas – multidimensionalidade do espaço de análise, abordagem estrutural dessa multidimensionalidade e operacionalização de propriedades exclusivamente categóricas – existem opções metodológicas que actuam ao nível da análise multivariada de dados, e cujo ajuste com os pontos de partida enunciados é deveras interessante. É disso exemplo a Análise de Correlação Canónica Não Linear (OVERALS). Numa perspectiva grupal sobressai o objectivo de definir grupos com perfis (tendencialmente) homogéneos – Tipologias, para cuja análise se reclama a componente relacional a dois níveis. A percepção intra-grupos proporciona a interpretação das relações entre as múltiplas propriedades seleccionadas para o efeito. Para a leitura inter-grupos é necessário, e de novo, visualizar o posicionamento relativo de uns grupos face aos outros. É dessa análise comparativa que se define o sistema de relações – de associação ou de oposição – desenvolvido entre eles. A análise aos resultados permite identificar quatro Topologias que revelam dois eixos comportamentais, isto é, observam-se duas variáveis comuns (Avaliação de conhecimentos por consulta de publicações periódicas na área da Gestão em Saúde e Introdução da Gestão na Formação Médica) orientadoras de quatro padrões comportamentais de indivíduos, sendo que a primeira (Avaliação de conhecimentos por consulta de publicações periódicas na área da Gestão em Saúde) distingue o eixo definido pelas TOPOLOGIAS I e III do eixo definido pelas TOPOLOGIAS II e A introdução de competências de gestão na formação médica IV, e a segunda variável (Introdução da Gestão na Formação Médica) compara-os. A resenha histórica sobre a evolução das reformas curriculares no nosso país denota um atraso e algumas heterogeneidades no conjunto das Faculdades de Medicina em Portugal. O presente trabalho pretende ser uma primeira abordagem para identificar as lacunas existentes actualmente nos currículos das Faculdades de Medicina, em termos de Gestão em Saúde, o que foi identificado como importante para completar o perfil do licenciado médico em Portugal, ainda que em diversos graus e perfis comportamentais. A Introdução da Gestão em Saúde na formação médica pré-graduada, avaliada neste estudo, será fundamental para equipar os futuros médicos que terão que intervir num cenário de crise de sustentabilidade do sector, pelo que é pertinente que os Conselhos Pedagógicos estudem este tema. A percepção de vários padrões comportamentais nos grupos estudados, é uma linha orientadora para os decisores pedagógicos, permitindo no futuro desenhar reformas curriculares mais ajustadas às necessidades dos alunos, com flexibilidade de currículos enquadrando-se nas novas orientações pedagógicas centradas no aluno. Bibliografia 1. De Leeuw, J. (1982). Nonlinear principal components analysis. In COMPSTAT Proceedings in Computational Statistics, Viena: Physica Verlag, 77-89. 2. De Leeuw, J. (1984). Canonical analysis of categorical data. 2nd ed. Leiden: DSWO Press. 3. De Leeuw, J. (1984). The Gifi system of nonlinear multivariate analysis. In Data Analysis and Informatics III, E. Diday, et al., ed., 415-424. 4. De Leeuw, J., and Heiser, W. J. (1980). Multidimensional scaling with restrictions on the configuration. In Multivariate Analysis, Vol. V, P. R. Krishnaiah, ed. Amsterdam: North-Holland, 501-522. 5. Gifi, A. (1985). PRINCALS. Research Report UG-85-02. Leiden: Department of Data Theory, University of Leiden. 6. Heiser, W. J., and Meulman, J. J. (1995). Nonlinear methods for the analysis of homogeneity and heterogeneity. In Recent Advances in Descriptive Multivariate Analysis, W. J. Krzanowski, ed. Oxford: Oxford University Press, 51-89. 7. Van der Burg, E. (1988). Nonlinear canonical correlation and some related techniques. Leiden: DSWO Press. 8. Van der Burg, E., De Leeuw, J. and Verdegal, R. (1988). Homogeneity analysis with k sets of variables: An alternating least squares method with optimal scaling features. Psychometrika, 53, 177-197. 9. Pérez, C. (2005). Técnicas Estadísticas con SPSS: Aplicaciones al análisis de datos. Madrid, Pearson Prentice Hall. 10. Young, F. W.; De Leeuw, J. and Takane, Y. (1976). Regression with qualitative and quantitative variables: An alternating least squares method with optimal scaling features. Psychometrika, 41, 279-281. 81 Reflexões sobre formação contínua certificada no contexto do Processo de Bolonha Reflections on certified continuing education in the framework of the Bolonha Process Vitor Alaiz* Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa Resumo Este artigo apresenta um estudo exploratório feito com o objectivo de conhecer como é que licenciados em Medicina, após terem frequentado um curso de Mestrado em Educação Médica, percepcionavam a carga de trabalho (workload) que as diversas actividades propostas pelo mesmo lhe tinham suscitado. O estudo foi aplicado no âmbito de um mestrado destinado exclusivamente a médicos. Este estudo empírico, baseado num questionário construído para o efeito, pretendia ser um ponto de partida para uma reflexão mais ampla sobre a compatibilidade entre aprendizagem ao longo da vida e formação pós-graduada certificada, reflexão que extravasa o âmbito da educação médica contínua, contexto em que este questionário foi inicialmente aplicado. Ou seja, sobre os constrangimentos à formação contínua de profissionais com elevado grau de formação académica realizada em cursos de pós-graduação certificados por universidades num contexto pós-Bolonha. Palavras-chave: ECTS, carga de trabalho (workload), Processo de Bolonha, formação contínua pós-graduada, desenvolvimento profissional Relevância do tema A caracterização da sociedade actual como sociedade do conhecimento está intimamente associada ao conceito de aprendizagem ao longo da vida. Esta não se limita aos adultos sem escolaridade de nível superior. Pelo contrário, procura alargarse a todos os profissionais, sob as mais variadas formas e processos, e nos mais variados espaços de formação. A universidade continuará a ser um espaço privilegiado para esta formação contínua: * [email protected] Agradecimento À Dr.ª Maria Clara Melo pelo apoio na elaboração deste estudo. Abstract This paper presents an exploratory study conducted with Portuguese physicians, after they have attended a Master’s degree course on Medical Education. The objective was to know the perception that they had about the time and the workload that each unity, the several learning activities and the whole course had demanded. The empiric study, based on a questionnaire designed for that research, intended to be a starting point for a wider reflection about the compatibility among continuing professional education and qualification at the postgraduate level. This reflection overflows the extent of the continuous medical education, in which context this questionnaire was initially applied. In other words, it proposes a reflection about the constraints of the continuing professional education and qualification at the postgraduate level within the context of the Bologna Process. Keywords: ECTS, workload, Bologna Process, postgraduate level, continuing professional development, professional continuing education “Escolas, universidades e professores, pelos tempos fora, foram os pilares do progresso humano e social. Sonhar com uma sociedade que aprenda sem contar com a sua contribuição é inadmissível. ...; as universidades são o eixo central do conhecimento, insubstituíveis oficinas do novo conhecimento e sedes da aprendizagem avançada.” (Carneiro, 2003: 164) Porém, se, em virtude do processo de Bolonha, a Universidade estrutura a sua oferta formativa em função do sistema de créditos do ECTS e este, por sua vez, se sustenta na carga de trabalho dos estudantes (student workload), então coloca-se a questão de saber se os graus académicos previstos se coadunam com a situação de formandos que Cadernos de Saúde Vol. 1 N.º 1 – pp. 83-90 84 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 pretendem conciliar actividade profissional e formação contínua. Aliás, as próprias organizações europeias de estudantes universitários já identificaram o problema: 1.Os créditos ECTS para a aprendizagem ao longo da vida; 2.Previsão e medição da carga de trabalho do estudante2. The European Credit Transfer and Accumulation System (ECTS) is far from being properly implemented in all institutions throughout the EHEA. A correct measuring of student workload, being a core principle of ECTS, has proven to be the most significant problem in the implementation of ECTS. E as questões que enunciam para a primeira destas oficinas explicita convenientemente o problema que acima enunciámos: Seminário 1: Os créditos do ECTS para Aprendizagem ao Longo da Vida 1. Os ECTS podem ser usados como o sistema de créditos para a Aprendizagem ao Longo da Vida? 2. O tempo é um tópico no contexto da Aprendizagem ao Longo da Vida? 3. Deveria ser o único? Vantagens e desvantagens de ter um ou mais sistemas de créditos? 4. O ECTS pode ser uma ferramenta útil para o reconhecimento da educação não-formal ou informal? 5. Quais são as vantagens do ECTS para o estudante / estudantes? (Bologna with Student Eyes. 2007: 38, negrito nosso) Mas se a carga de trabalho (student workload) é um princípio central do ECTS, na opinião do grupo de trabalho das associações de estudantes ele tem sido negligenciado: The map “ECTS on the ground” shows a significantly different picture of Europe and underlines the need for much more attention to full and proper implementation of ECTS. Also the findings of the survey reveal clearly that the issue of student workload is the most neglected principle of ECTS. From only three countries it has been reported that student workload is properly measured and credits are adequately linked to student workload. In all other countries, workload is either measured but not properly linked to credit, not adequately or not at all measured. (Bologna with Student Eyes. 2007: 44, negrito nosso) Mas não se diga que esta é apenas uma preocupação de algumas associações de estudantes, em geral. Este princípio e a sua aplicação tem merecido atenção por parte da própria direcção do Processo de Bolonha, como é patente em algumas das suas declarações e encontros. E a respectiva actualidade fica patente no facto de estar marcado para 21-22/ Abril/2008, em Bruxelas1, uma Tuning Dissemination Conference I, cujo tema é precisamente: Student Workload and Learning Outcomes. Key Components for (Re)Designing Degree Programmes. Esta Conferência, estrutura-se em 12 oficinas, das quais as duas primeiras têm como temas: Se é certo que estas questões não estão, de momento, no centro das preocupações quanto à educação médica, também não estão certamente longe das mesmas, como prova o estudo conduzido pela European University Association (EUA) (Creusy, C. e Costigliola, V., 2005), no qual se analisam os obstáculos e inconvenientes à implementação do Processo de Bolonha na educação médica. Creusy afirmou que o Processo de Bolonha é um desafio para a educação médica e que o desenvolvimento da aprendizagem ao longo da vida é um dos mais complicados e disputados componentes dentro do referido processo3. Mas a situação das instituições de formação médica relativamente ao Processo de Bolonha talvez seja mais correctamente definida como de ambiguidade, como se afirma num estudo em que se explica as razões da implementação desse processo nas universidades da Suíça (Probst, C., Weert, E. e Witte, J., 2006): “The position of medical studies in the Bologna process is ambiguous.” Isto porque, por um lado, a estrutura de ciclos é considerada inadequada, mas, por outro, “as mais relevantes organizações internacionais de educação médica aprovam 1. ECTS credits for Life Long Learning e 2. Calculating and measuring student workload 3 Creusy, C. (2005). The Bologna Process. Paper presented at the AMSE Annual conference. Turku, Finland 2 1 Cf. http://www.tuning.unideusto.org/tuningeu/index.php?o ption=content&task=view&id=199&Itemid=225 Reflexões sobre formação contínua certificada no contexto do Processo de Bolonha muitos dos objectivos do Processo de Bolonha.” (ibid.). E, em alguns casos, já adoptaram alguns dos aspectos do mesmo como a atribuição de créditos com base no sistema ECTS. Além disso, os modelos de educação médica contínua merecem cada vez maior atenção por parte das organizações do sector4: moving CME from a purely conference-based model to one which employs best educational and quality principles to close the clinical care gap. Ou seja, o modo de certificação da educação médica contínua não é portanto uma questão secundária: Differentiated systems have been developed which specify the level of acceptable CPD engagement. Medical professional organisations or licensing bodies have developed mechanisms of control, often legally applied, specifying numbers of accredited CPD courses or activities in which doctors are required to participate, the individual doctor obtaining CPD points. The increasing concern that CPD of medical doctors should be adequate has led to demands for systematic recertification in some countries, entailing the development of systems for examination or other types of reassessment. (WFME Office, 2003: 8) Metodologia 85 Responderam 40 médicos, ou seja, a quase totalidade dos inscritos. Os resultados foram tratados com recurso ao programa SPSS. Apresentação dos resultados Ordenação dos módulos Num primeiro item, solicitou-se aos mestrandos que pontuassem os módulos (com a atribuição da pontuação de 1, mínimo a 10, máximo) em função da quantidade de trabalho que cada mestrando se recordava de ter realizado para a respectiva conclusão com aprovação. Tabela 1 – Pontuação dos módulos em função da respectiva carga de trabalho O gráfico seguinte revela que ou a quantidade de trabalho relativa de cada módulo foi diferenciada ou que os mestrandos a percepcionaram como tal. O Questionário, que procurava determinar a representação da quantidade de trabalho que a conclusão de cada módulo tinha suscitado, foi aplicado aos mestrandos do curso de Mestrado em Educação Médica (2004/5). Foi aplicado em Setembro de 2005, dois meses após terminadas todas as actividades, presenciais e não presenciais, desse 1º ano do mestrado. O questionário foi construído na perspectiva das orientações do Processo de Bolonha. Foi solicitado aos mestrandos que apreciassem a carga de trabalho suscitada pelas várias “unidades curriculares” do mestrado. Era constituído por 3 secções: uma relativa à sobrecarga de trabalho suscitada por cada um dos módulos; a outra sobre o tempo gasto com cada actividade de aprendizagem em cada um dos 10 módulos; outra ainda sobre o tempo gasto com a totalidade do módulo. Cf http://www.aamc.org/members/gea/cmesection/ (consultado em 2008) 4 Gráfico 1 – Pontuação dos módulos em função da carga de trabalho 86 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 O módulo IV terá sido aquele que exigiu mais trabalho; inversamente os módulos V e X foram vistos como exigindo menos trabalho. Isso encontra-se representado no gráfico seguinte: Na construção deste gráfico foram excluídos (missing values) todos os mestrandos cuja resposta a este item não estava de acordo com o que se solicitava. Tempo gasto por cada tipo de trabalho A partir do programa do mestrado foram inventariadas cinco actividades de aprendizagem (tipo de trabalho) que os mestrandos deveriam ter realizado para concluir os diversos módulos: 1. Leitura de textos e outros documentos; 2. Trabalhos práticos entre as sessões presenciais; 3. Pesquisa documental; 4. Realização de testes de avaliação; 5. Produção de relatórios para avaliação. Com o item B do questionário procurou-se saber qual o peso relativo (expresso em percentagem) que cada mestrando atribuía a cada uma dessas actividades de aprendizagem em termos de tempo gasto com as mesmas. As tabelas e os gráficos adiante explicitam a diversidade de actividades de aprendizagem suscitada por cada módulo, facto que se fica a dever, em parte, à diferente natureza dos objectivos educacionais de cada módulo. Os resultados obtidos relativamente à actividade 1 (LTi) estão expressos na tabela seguinte: Gráfico 2 – Leitura de textos e outros documentos Quanto à realização de trabalhos práticos, a tabela seguinte permite verificar que os módulos III (Audiovisuais), VIII (estatística) e X (PBL) suscitaram maior número de “trabalhos práticos”, o que é consentâneo com os respectivos conteúdos e objectivos. Tabela 3 – Trabalhos práticos Estes resultados são mais claramente expressos pelo gráfico seguinte: Tabela 2 – Leitura de textos e outros documentos O gráfico seguinte revela que foram os módulos VIII (LT8), IX (LT9) e X (LT10) que conduziram a uma maior leitura de textos: Gráfico 3 – Trabalhos práticos Reflexões sobre formação contínua certificada no contexto do Processo de Bolonha A pesquisa documental também não teve uma exigência igual em todos os módulos: 87 Estes resultados são mais claramente expressos no gráfico seguinte Tabela 4 – Pesquisa documental Gráfico 5 – Realização de testes Verifica-se que os módulos I (PD1) e II (PD2), além de, em menor medida, os módulos VI (PD6) e VII(PD7), foram os que relativamente mais tempo exigiram para a pesquisa documental. A tabela seguinte testemunha que os mestrandos não gastaram, nos diferentes módulos, o mesmo tempo na “produção de relatórios”. Os módulos III, V, VI, VII exigiram mais tempo para isso. Tabela 6 – Produção de relatórios O gráfico seguinte ilustra estes dados: Gráfico 4 – Pesquisa documental A tabela seguinte também ilustra de forma clara quais os módulos em que os mestrandos gastaram mais tempo na “realização de testes”: foram os módulos IV, VIII e IX. Tabela 5 – Realização de testes Gráfico 6 – Produção de relatórios Todavia, na análise destes quadros há que ter em conta que alguns mestrandos registaram o facto de em alguns módulos não terem assistido à totalidade das sessões presenciais do mesmo. 88 Cad er n o s d e S aú d e Vol. 1 N . º 1 Tabela 7 – Tempo gasto com cada módulo Tempo gasto com cada módulo (em horas) No item C solicitava-se a cada mestrando que indicasse o tempo gasto com cada módulo (total em horas)5. Verifica-se que dois módulos se destacam pelo tempo de trabalho exigido: o IV (com uma média claramente superior à dos demais); e os V e X com os valores mínimos. De notar que alguns valores mínimos são nulos ou muito diminutos. Isso significa que alguns mestrandos, dada a pressão da sua vida profissional não puderam nem assistir às sessões presenciais de um ou outro módulo, nem realizar actividades previstas para o mesmo. O gráfico seguinte permite visualizar os resultados obtidos (média e dispersão em torno da média): tiveram todas o mesmo peso relativo. Um resultado expectável que, apesar de tudo, poderia merecer reflexão por parte de responsáveis pela definição pedagógica de ofertas de formação contínua articuladas com o modelo ECTS. Quanto à carga de trabalho, as médias situaram-se entre 3,87 e 8,85 revelando uma amplitude significativa de resultados. Quanto ao tempo de trabalho despendido com os diferentes módulos, surge também uma elevada diversidade, com mínimos em 0 (zero) e máximos em 250 horas por cada módulo. Resultados menos expectáveis, que revelam a dificuldade de construir módulos ou unidades curriculares equivalentes no domínio da formação pós-graduada, já que esta inevitavelmente lida com formandos muito heterogéneos, com uma enorme diversidade de experiências e perspectivas profissionais. Mas, o facto mais surpreendente é que a soma das horas de trabalho indicadas por cada um dos respondentes, revela uma enorme carga horária. Mesmo descontando as distorções produzidas pela memória do respondente, não se pode deixar de pensar que certamente terá sido muito difícil conciliar uma actividade profissional intensa (como a da totalidade dos médicos que frequentavam o curso) com a frequência do mestrado. O que não pode deixar de colocar a questão de quais os limites temporais adequados e legítimos para as ofertas (e correspondente certificação) de formação avançada para profissionais em contexto universitário. As limitações do questionário (que, dada a novidade da situação de formação, não foi previamente submetido a um processo de validação tão apurado quanto necessário) não impedirão que o mesmo venha a ser aplicado noutros ciclos e noutros contextos de formação para permitir uma reflexão mais sustentada sobre o regime de atribuição de créditos ECTS às várias áreas de formação. Conclusão Gráfico 7 – Tempo de trabalho por cada módulo Discussão dos resultados Os resultados do questionário permitem inferir que as diferentes actividades de aprendizagem não A análise de resultados mostra que a consigne deste item não estava suficientemente explícita tendo em conta que o questionário foi preenchido por cada mestrando individualmente (em sua casa, no seu local de trabalho, (…) e não numa situação colectiva que permitisse esclarecer o sentido da pergunta. 5 Este estudo exploratório mostra que é necessário ter em conta a opinião dos formandos quanto à legitimidade dos créditos atribuídos a cada unidade de formação. E isto tanto mais, quanto mais a universidade se orientar para a promoção da formação contínua pós-graduada. Mostra igualmente a necessidade de, na construção dos curricula, se efectuar a explicitação dos objectivos educacionais em termos de resultados de aprendizagem. Isso, aliás, é considerado um dos procedimentos preliminares à definição rigorosa 89 Reflexões sobre formação contínua certificada no contexto do Processo de Bolonha dos créditos do ECTS. Procedimentos esses que, embora muito exigentes e minuciosos, retirando desse modo tempo precioso à actividade de investigação de docentes universitários, são particularmente necessários quando se pretende organizar formação pós-graduada para profissionais. Dito de outro modo, parece que com este processo se caminha para acrescentar ao trabalho já actualmente desenvolvido pelos docentes universitários um outro tipo de tarefas que, na ausência de melhor termo, designaríamos por Pedagogia do Ensino Superior. Se é certo que esta já constitui preocupação prática de muitos docentes, na verdade é presumível que venha a ser motivo de diálogo mais frequente entre os membros do corpo docente das diversas faculdades. Revela ainda que se a sociedade actual se pretende desenvolver como uma sociedade do conhecimento, então a formação contínua pós-graduada merece uma reflexão pedagógica acrescida que se deve operacionalizar no momento da concepção das ofertas de formação. Anexo Questionário Ficha de avaliação da carga de trabalho de cada módulo Na perspectiva da reformulação dos créditos atribuídos aos módulos deste mestrado em função do sistema de créditos ECTS, é recomendado (cf. Tuning Project) que cada mestrando se pronuncie sobre a quantidade de trabalho (workload) que realizou para concluir cada módulo. Sublinha-se que não se trata de comparar a complexidade ou importância relativa de cada módulo, porque não é essa a perspectiva do ECTS. Solicitamos-lhe que aprecie os vários módulos em função do tempo de estudo e de trabalho (individual ou em grupo) que efectivamente desenvolveu para o concluir. A. Ordene os módulos (de 1, mínimo a 10, máximo) em função da quantidade de trabalho que realizou para a respectiva conclusão MÓDULOS I II III IV V VI VII VIII IX X Mod Ens Apren Metod EnsApre audiovisuais E-learning Org Cursos Sist avaliaç Ensin Invest Estatística Gest Unid Ens Méd PBL CARGA DE TRABALHO B. Distribuição relativa do tempo gasto em cada módulo por cada tipo de trabalho (em %) MÓDULOS I Exemplo Mod Ens hipotético Apren TIPO DE TRABALHO: Leitura de textos e outros documentos 20% Trabalhos práticos entre as sessões presenciais 20% Pesquisa documental 20% Realização de testes de avaliação 20% Produção de relatórios para avaliação 20% Total (em %) do tempo utilizado no módulo (soma de controlo) 100% 100% II Metod EnsApre 100% III IV V VI VII VIII audioOrg E-learning visuais Cursos Sist avaliaç Ensin Estatística Invest 100% 100% 100% 100% 100% 100% IX X Gest Unid Ens Méd PBL 100% 100% C. Estimativa de tempo de trabalho despendido para a conclusão de cada módulo (previsivelmente, entre 25 a 150 horas por cada módulo) MÓDULOS Tempo de trabalho despendido I II III IV V VI VII VIII IX X Mod Ens Apren Metod EnsApre audiovisuais E-learning Org Cursos Sist avaliaç Ensin Invest Estatística Gest Unid Ens Méd PBL Bibliografia 1. Alaiz, V. (2006). Relatório sobre o Questionário aos Mestrandos do Curso de 2004/2005. Lisboa: Instituto de Ciências da Saúde/ Universidade Católica Portuguesa (trab. policop). 2. Bologna Process Committee 2005 - 2007 (Anne Mikkola, B. C., Colin Tück, Daithí, & Mac Síthigh, N. G. Å., Sanja Brus). (2007). Bologna with Student Eyes. 2007 Edition. London: ESIB - The National Unions of Students in Europe. 3. Carneiro, R. (2003). Fundamentos da Educação e da Aprendizagem. Vinte e Um Ensaios para o Séc. XXI. Vila Nova de Gaia: Fundação Manuel Leão. 4. Creusy, C. (2005). The Bologna Process. Paper presented at the AMSE Annual conference. Turku, Finland 5. 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Produção científica relevante do ICS 91 INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE Produção científica relevante do ICS Desde a sua formação em 2004 1. Artigos Publicados 1. Castro Caldas A., Nunes MV., Maestú F., Ortiz T., Simões R.,Fernandes R., La Guia E.,Garcia E., Gonçalves M, Learning orthography in adulthood: a magnetoencephalographic study; (aceite para publicação no Journal of Neuropsychology) 2. Lauterbach M., Martins I., Castro-Caldas A., Luís H., Amaral H., Leitão J., Martin M., Townes B., Rosenbaum G., DeRouen T., Neurological outcomes in children with/without mercury exposure from amalgam: seven years of observation from Casa Pia randomized trial; J. Am Dent Assoc Feb; 139(2): 138-145; 2008 3. Castro-Caldas A, Mineiro A, Da Confusio Linguarum a uma hermenêutica da pluralidade; Revista Portuguesa de Humanidades – Estudos Linguisticos, Vol 12 UCP; Braga, pp.236-248; 2008 4. Townes, B, Martins, IP, Castro-Caldas, A, Rosenbaum, G, DeRouen, T, Repeat Test Scores on Neurobehavioral Measures over an eight year period in a sample of Portuguese children, International Journal of Neuroscience, Jan;118(1):79-93, 2008 5. Duarte L. & Mineiro A. (2007) Terminologia em Língua Gestual Portuguesa: uma necessidade para a tradução? Processos de formação de Gestos em Ciências Naturais In: Encontro Comemorativo dos 50 anos do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa (CLUL), Lisboa, http://www.clul. ul.pt/artigos.php. 6. Petersson KM., Silva C., Castro-Caldas A., Ingvar M. & Reis A.,Literacy: a cultural influence on functional left-right differences in the inferior parietal cortex, European Journal of Neuroscience, Vol 26, pp 791-799, 2007 7. Martin M, Benton T, Bernando M, Woods J, Townes B, Luis H, Leitao J, Rosenbaum G, Castro-Caldas A, Pavao I, Rue TE, DeRouen T, The association of dental caries with blood lead in children when adjusted for IQ and neurobehavioral performance, Science of the Total Environment 377, 159-164,2007 8. Mineiro A., A metáfora na terminologia portuguesa da náutica: um recurso cognitivo de língua e de cultura? In: (org.) Inocência Mata e Maria José Grosso: Pelas Oito Partidas da Língua Portuguesa: uma homenagem ao Professor João Malaca Casteleiro: Macau: Universidade de Macau / Instituto Politécnico de Macau / Departamento de Língua e Cultura Portuguesa da FLUL, 2007 9. Mineiro A., Será a metáfora fundamental para a construção da terminologia náutica portuguesa? In: Memórias da Revista da Academia de Marinha: Lisboa, 2007 10.L Santos, J Simões, R Costa, S Martins, Lecour H., Toscana vírus meningitis in Portugal – 2002-2005, Eurosurveillance 12(3-6): 126-28; 2007 11.L.C. Santos, J. Simões, M. 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Castro-Caldas A., “Cérebro, Transcendência e Humanismo” in Deus no século XXI e o futuro do cristianismo, Borges A.(Eds), Campo das Letras, 2007 3. Castro-Caldas, A. “Relationship Between Functional Brain Organization and Education”. In International Handbook of Cross Cultural Neuropsychology. Uzzell, B., Ponton, M.O.and Ardila, A. (Eds), 2007 4. Castro-Caldas, A. “A insustentável solidão das microciências” in Novos Horizontes das Humanidades, UCP, 2006 5. Castro-Caldas, A. 0s processos neurobiológicos subjacentes ao conhecimento da matemática» in Desastre no Ensino da Matemática: Como recuperar o tempo perdido, Crato, N. (Coord), Gradiva 2006 6. Castro-Caldas, A. As necessidades cognitivas da criança. in Mais Criança: as necessidades irredutíveis, João GomesPedro(Ed), ACSM Editora, 2005 Produção científica relevante do ICS 7. Castro-Caldas, A., Egas Moniz: Fundador de um escola de Investigação in: Estudos do Séc. XX nº5 2005 8. Castro-Caldas, A. A Ciência e a Tecnologia in Desafios à Igreja de Bento XVI, Casa das Letras, Cruz Quebrada, pp 101-111, 2005 9. Castro-Caldas, A. O cérebro e as suas funções. in A Doença de Alzheimer e outras Demências em Portugal. A. CastroCaldas e A. Mendonça. (Eds), Lisboa: Lidel, 2005 10.Castro-Caldas, A. A Língua Materna nos Primeiros Anos de Escolaridade: A Perspectiva das Ciências Neurocognitivas. in A Língua Portuguesa. Presente e Futuro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, pp 39-46, 2004 11.Castro-Caldas, A. O Leucótomo. in Circulação M.V. Alves e A. Barbosa (Eds)Lisboa: Faculdade de Medicina de Lisboa, pp116-121, 2004 12.Castro-Caldas, A., Power in the Framework of Cognitive Neuroscience in Power in Focus: Perspectives from Multiple Disciplines. Subhash Durlabhji (Ed.) Wyndham Hall Press, pp 269-298, 2004 13.Castro-Caldas, A. «Neuropsicologia da Linguagem» in Neuropsicologia Hoje, V.M. Andrade, F.H. Santos e O. 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Mestrados em Enfermagem De natureza profissional (3 semestres, 90 ECTS) Especialização em: • Enfermagem Comunitária – Lisboa e Porto • Enfermagem Médico-Cirúrgica – Lisboa, Porto e Viseu • Enfermagem de Saúde Infantil e Pediatria – Lisboa e Porto • Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria – Lisboa e Porto • Enfermagem de Reabilitação – Porto • Enfermagem em Saúde dos Idosos e Geriatria – Lisboa e Porto De natureza académica (4 semestres, 120 ECTS) (as mesma do curso de doutoramento): • História e Filosofia da Enfermagem – Lisboa e Porto • Educação em Enfermagem – Lisboa e Porto • Gestão de Serviços de Enfermagem – Lisboa e Porto • Enfermagem Avançada – Lisboa, Porto e Viseu 2. Mestrado em Cuidados Paliativos (4 semestres – 120 ECTS) – Lisboa e Porto 3. Mestrado em Infecção em Cuidados de Saúde (4 semestres – 120 ECTS) – Lisboa 4. Mestrado em Feridas e Viabilidade Tecidular – Lisboa e Porto 5. Mestrado em Neuropsicologia Especialização em: • Neuropsicologia da Infância e Adolescência • Neuropsicologia da Idade Adulta e Velhice 6. Mestrado integrado em Medicina Dentária (10 semestres – 300 ECTS) – Viseu 3.º ciclo 1. Doutoramento em Enfermagem 2. Doutoramento em Ciências da Saúde