6 faltas futebol flavio lucio 83-95 - Revista Mineira de Educação Física
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6 faltas futebol flavio lucio 83-95 - Revista Mineira de Educação Física
ARTIGO REFLEXÕES SOBRE O NÚMERO DE FALTAS NO FUTEBOL BRASILEIRO E SUA INTERFERÊNCIA NA DINÂMICA DO JOGO Flávio Lúcio Lamas1 Carlos Nazareno Ferreira Borges2 RESUMO O objetivo do presente trabalho foi verificar a correlação entre o número de faltas e número de vitórias, tendo como amostra de estudo o Campeonato Paulista de 2002 série A1. Como metodologia, desenvolveu-se o trabalho através de uma combinação de pesquisa descritiva, experimental e documental, de modo que permitisse o acompanhamento das mudanças de regras e táticas ocorridas durante o desenvolvimento desse esporte. Foi apresentada também uma comparação do número de faltas do Campeonato Paulista com o de Campeonatos Europeus de Clubes e Copas do Mundo, em que foi identificada maior incidência de faltas no futebol brasileiro. Na análise estatística para verificação da correlação entre as variáveis, adotou-se o teste de correlação linear de Pearson com 5% de probabilidade (P = 0,05%), utilizando o scout de índices técnicos da Federação Paulista de Futebol. Não se observou correlação entre o número de faltas e o número de vitórias, porém surgiram paradoxos, os quais necessitariam de outros estudos para melhor confirmação. Palavras-chave: futebol, faltas, vitórias. Introdução No Brasil, o futebol é considerado um fenômeno esportivo, artístico, social e cultural que encanta milhares de pessoas. No entanto, esse interesse pelo esporte não diz respeito somente ao nosso país. Melo (2000) afirma que o futebol é praticado em quase todos os países do mundo e que existem mais países filiados à Federation International Football Association (FIFA) do que à Organização das Nações Unidas 1 2 Aluno do curso de pós-graduação Treinamento em Futebol da UFV. Professor da Universidade Federal de Viçosa. R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 13, n. 2, p. 83-95, 2005 83 (ONU). Assim, o futebol aparece como fenômeno mundial, tendo o Brasil como um de seus maiores representantes. Walwin (citado por GIULIANOTTI, 2002) afirma que o futebol no Brasil – antes praticado esteticamente para demonstração da habilidade individual de cada jogador – se tornou uma paixão da classe operária, e o gosto da multidão logo migrou da pseudo-arte para vitórias conseguidas profissionalmente. Na busca de vitórias, começaram a surgir diferentes esquemas táticos e mudanças de regras. Acompanhando as modificações de regra, observamos também um paralelo desenvolvimento da tática de jogo, como no exemplo da regra do impedimento, que trouxe mudanças tanto defensivas como ofensivas. Nos anos 90, novas mudanças ocorreram nas regras do futebol, todas no sentido de agilizar o andamento das partidas e de proporcionar um melhor espetáculo ao público. Dentre algumas dessas mudanças, destacam-se, por exemplo, o tempo de reposição de bola pelo goleiro, que foi limitado em seis segundos; e a permissão ao goleiro de correr livremente com a bola no sentido de colocá-la em jogo – antes eram permitidos somente três passos ou se caracterizava o sobrepasso; a lei do impedimento foi novamente alterada a partir de julho de 1990, não sendo considerado impedido o atacante que estiver na linha do penúltimo defensor do time adversário; o tempo de fingimento de contusões (cera) passou a ser mais observado e punido pela arbitragem; várias bolas foram colocadas ao redor do campo para manutenção do ritmo da partida; e em algumas associações da Europa, como a UEFA (Union European Football Association), já vem sendo utilizado o videoteipe para punições a jogadores e clubes (GIULIANOTTI, 2002). Não obstante, mesmo com as iniciativas tomadas para tornar os jogos mais dinâmicos, verifica-se, em sentido contrário, aumento nas transgressões às regras do jogo, sobretudo nas infrações faltosas. Entre as muitas considerações que têm sido feitas a respeito dos possíveis motivos para tal fenômeno, Pimenta (1997) afirma que a violência e a transgressão às regras no futebol resultam de fatores econômicos e políticos característicos do esporte moderno, que vem experimentando, nas últimas décadas, uma crescente integração à economia de mercado, na qual o modelo traçado pela nossa sociedade cria um regime de competição e concorrência, fazendo com que a vida social percorra um campo de batalha nocivo a todos. Esse fato se reflete também no mundo do futebol, sendo o fair play (jogo limpo, dentro das regras e com respeito 84 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 13, n. 2, p. 83-95, 2005 aos árbitros e adversários) substituído pelo interesse da sobrevivência, pelos negócios e pela necessidade de vitórias. Para Betti (1997), as recompensas financeiras tornam-se cada vez maiores em relação à mídia, principal responsável pelo financiamento do sistema comercial do esporte. A vitória é supervalorizada, e o atleta submete-se a uma crescente pressão por força de interesses financeiros e políticos. Em conseqüência, os fins tornam-se mais importantes que os meios, e as regras que regem a disputa tendem a ser desprezadas, aumentando a violência em campo e a competição. Na atualidade, constata-se que o futebol é um esporte totalmente dinâmico, porém, em virtude da influência exercida pelo capital econômico, verifica-se também que a vitória tornou-se mais que um objetivo esportivo, condição sine qua non para manutenção de treinadores, patrocinadores, jogadores e dirigentes de clubes. Nessa busca incessante pelo resultado, tem-se observado grande aumento no número de faltas cometidas durante as partidas de futebol, ora por intenção, ora de maneira não-intencional. Esse tipo de acontecimento tem se tornado freqüente no espetáculo de futebol; algo necessita ser feito para coibir essa ação, para benefício do jogador habilidoso, principalmente, do torcedor. A falta tem sido um expediente de defesa, usual para neutralizar qualquer iniciativa ofensiva, e é ainda um recurso tático mais amplo para matar3 as jogadas, não dar espaço ao adversário e impedir o contra-ataque ou a seqüência da jogada. Desse modo, diante desse eminente aumento no número de faltas nas partidas de futebol, formulamos a seguinte questão: seria o número de faltas cometidas por uma equipe de Futebol um recurso estratégico importante e decisivo para se determinar a equipe vencedora da partida? Essa problemática freqüentemente é abordada nos principais meios de comunicação, como revistas, jornais, programas esportivos na televisão, transmissões de jogos, e muitas vezes pelos torcedores, em seus tradicionais bate-papos de futebol, em que se comenta, de forma não aprofundada, que a equipe mais faltosa consegue chegar à vitória. No entanto, acreditamos que existe a ausência de melhor tratamento quanto a esse problema. Dessa forma, temos como objetivo verificar qual a relação entre o número de faltas cometidas por uma equipe e o desempenho (número de vitórias) desta equipe dentro de um determinado campeonato (Campeonato Paulista A1, 2002). Refletimos também sobre o processo pelo qual passa o futebol, quando 3 Termo utilizado no futebol, significando a parada da jogada da equipe adversária através de faltas. R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 13, n. 2, p. 83-95, 2005 85 o aumento das infrações faltosas e da indisciplina presente nos campos pode estar funcionando como um componente colaborador para a diminuição da beleza das jogadas e criatividade do jogador habilidoso, podendo interferir diretamente na dinâmica do jogo. O futebol: jogo, regras, faltas e interferência na dinâmica do jogo Identificarmos o futebol como um fenômeno que envolve multidões e o percebemos como grande tema presente nas manifestações culturais da sociedade; no entanto, nesse momento o trataremos como um jogo com seus atributos profissionais, em que está implícita a vitória como sentido principal. Segundo Huizinga (citado por FREITAS, 2001), para que tenha uma aceitação social o jogo exige a existência de regras, as quais devem delimitar um campo, um tempo e um objetivo a ser alcançado, tal como acontece com o futebol. As primeiras regras surgiram através de escolas inglesas por volta de 1830, quando se definiu o número de 11 jogadores para cada equipe. Com a internacionalização das competições esportivas foram criadas algumas associações, como a IFAB (International Football Association Board4), fundada em 1822 e constituída por Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda, que é o atual órgão encarregado de preservar e divulgar as novas regras (PRONI, 2000). As regras existentes no jogo do futebol são em número de 17; contudo, estaremos abordando apenas a regra de número 12, que se refere a “Faltas e Incorreções”. Nessa regra existem 18 tópicos, que descrevem e recomendam punições aos atletas infratores. A falta faz parte da regra, isto é, representa acontecimento previsto e passível de punição - neste caso, pode se caracterizar como um expediente normal utilizado pelo jogador como conseqüência da disputa. Contudo, a repetição freqüente desse recurso pode trazer como efeito perverso uma grande ocorrência de violência e antijogo. Na visão de três renomados especialistas do futebol — mesmo estes não sendo figuras presentes da sociedade acadêmica, porém apresentando reconhecimento legitimado por seus pares em virtude da posição que exerceram e exercem no campo esportivo – falta e o antijogo resultam 4 IFAB, entidade internacional conhecida como International Board e que detém os direitos sobre as regras do jogo. Qualquer mudança nas regras, para sua validade, deve ser aprovada por esta entidade. 86 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 13, n. 2, p. 83-95, 2005 das más arbitragens. Para Arnaldo Cezar Coelho5, comentarista de arbitragem da Rede Globo, a omissão dos árbitros está fazendo da falta um fenômeno brasileiro; a impunidade cede espaço aos reincidentes, permanecendo estes fazendo transgressões uma atrás da outra (captado no site http://redeglobo.com/gesporte.html, de 11/ 04/2003). Para o atual técnico da seleção brasileira de futebol, Carlos Alberto Parreira6: O responsável por este mal que ronda o nosso futebol é sem sombra de dúvida alguma o árbitro, se ele for duro, se ele punir os infratores e as Federações usarem punições severas você acaba com a violência (captado no site http:// redeglobo.com/gesporte.html, de 11/04/2003). Para o ex-jogador e colunista Tostão7, do jornal Folha de São Paulo, temos um número absurdo de faltas e uma das maiores médias do futebol mundial (cerca de 50 por partida), números estes que podem interferir diretamente na dinâmica do espetáculo. Vemos então que a falta utilizada como estratégia tática de parar a jogada e de cometer atos de violência tem se tornado uma freqüência no futebol brasileiro (Jornal Folha de São Paulo, 2003). De acordo com as opiniões dos consagrados especialistas em futebol, constatamos a existência de um freqüente mal verificado no futebol brasileiro, aqui retratado como faltas. Devemos lembrar, entretanto, que a beleza do futebol deve ficar restrita às festas dos torcedores e, acima de tudo, às jogadas de nossos craques e não apenas ao resultado conseguido com estratégias de antijogo e violência, para que estas não venham a comprometer a dinâmica das partidas de futebol. Evolução técnica e tática do futebol interferindo nas regras e beleza do Jogo O futebol, tal como o conhecemos hoje, começou por volta de 1863 com a unificação das regras pelos ingleses, através da IFAB. O futebol era essencialmente ofensivo e contava com oito atacantes, um meio campista 5 Ex-árbitro de futebol, tem como principal referência em sua carreira o fato de ter realizado a arbitragem da final da Copa do Mundo de 1982, entre Itália e Alemanha. É o atual comentarista de arbitragem de futebol da TV Globo. 6 Amplamente reconhecido no meio futebolístico nacional e internacional. Os pontos altos de sua carreira apontam para a participação na comissão técnica da seleção brasileira campeã da Copa do Mundo de 1970, o comando técnico da seleção brasileira campeã do mundo em 1994, além do comando de seleções nacionais da Arábia Saudita e Kuwait. 7 Ex jogador, cujo nome civil é Eduardo Gonçalves, Tostão foi campeão do mundo em 1970. Sua legitimação no cenário futebolístico se dá por razões semelhantes ás dos personagens já citados nas notas anteriores. R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 13, n. 2, p. 83-95, 2005 87 e um zagueiro. Anos mais tarde, uma sucessão de fatos ocorrem para a evolução do jogo, dentre os quais podem-se citar: realização de jogos internacionais, difusão de novas regras, técnica e implementação de variados esquemas táticos para buscar maior equilíbrio entre defesa e ataque, tudo isso em função de muita experiência, acertos e enganos dos jogadores, estudiosos e treinadores (SANTOS, 1979). Acreditamos que a significativa evolução do futebol passa pela qualitativa evolução no desenvolvimento do jogo, e isso foi conseguido pela aplicação dos preceitos de tática, estratégias, esquemas e sistemas. Embora no futebol moderno tenha havido muita mudança, ainda consideramos que as habilidades individuais dos jogadores continuam a ser primordial a uma equipe, mas é realçado como papel fundamental para o sucesso da equipe o componente tático aliado à habilidade e característica individual de cada jogador. Portanto, a imagem concreta do jogo organizado e bonito é observada na forma como a equipe se apresenta taticamente. No entanto, faz-se necessário que antes observemos, ainda que de maneira simplificada, a longa trajetória transcorrida pela modalidade para conseguir evoluir enquanto jogo estético agradável ao grande público. Diante da trajetória de evolução tática do futebol, percebemos que muitas mudanças ocorreram ao longo do tempo, sendo estas em grande parte relacionadas à ordem tática e técnica e poucas referentes às regras do jogo. Contudo, toda forma de mudança parece ter apontado como finalidade principal o aumento da beleza dos espetáculos e o advento de uma maior graça e mobilidade ao jogo. Se tomarmos como referência o futebol brasileiro, no decorrer da evolução da modalidade como um todo, muitas vezes nos deparamos com as vitórias e derrotas de nossos jogadores em competições internacionais, muitas vezes devido à escolha certa ou errada de determinados sistemas; no entanto, tanto as derrotas como as vitórias podem ser consideradas essenciais para que o futebol brasileiro alcançasse o atual nível apresentado por seus atletas, sendo o único país a conquistar cinco títulos mundiais. Nesse constante processo de busca e de aperfeiçoamento do futebol, vários sistemas foram utilizados. Ao lembrarmos dessa evolução tática pela qual passou o esporte, compreendemos esse processo de mudanças como uma condição essencial de interferência direta nas regras e na dinâmica do jogo – basta observamos a regra que trata a lei de impedimento e as variações táticas dentro das partidas. 88 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 13, n. 2, p. 83-95, 2005 O paradoxo: busca de vitória e espetáculo x jogo defensivo e violento Exemplo claro desse paradoxo é a conquista do tetracampeonato mundial pela seleção brasileira na Copa do Mundo de 1994 nos Estados Unidos, momento em que o Brasil inteiro encheuse de orgulho. Apesar da conquista e da imensa alegria, muitas críticas foram feitas sobre a forma de atuação da seleção, referindo-se especificamente à decisão por pênaltis, que não agradou aos brasileiros, pois desejava-se uma vitória espetacular dentro do tempo normal de jogo (SANTOS, 1997). Isso nos leva a crer que para o público e a imprensa brasileira não basta a vitória, é necessário apresentarmos um futebol bonito, envolvente, convincente e que seja capaz de conjugar eficiência nos resultados com a alegria das vitórias. Ao lembrarmos da Copa do Mundo de 1990 na Itália, deparamos com outra situação que nos chama a atenção, devido ao tipo de análise feita pela imprensa e torcida brasileira. Quando do confronto entre Brasil x Argentina, no lance que originou o gol da Argentina e, conseqüentemente, a desclassificação brasileira, muito se falou em “matar” a jogada, cometer uma falta ou em parar o jogador no meio de campo, impedindo assim a brilhante arrancada do craque Diego Maradona, lance este que resultou na finalização do gol de Caniggia (BETTI, 1997). Com base nessas argumentações, constatamos um duplo comportamento na análise da infração, violência e da falta: ao mesmo tempo em que se verifica a opinião em favor da beleza e do espetáculo, também se valoriza o comportamento a favor da infração e da violência, desde que isso seja para benefício próprio de seu clube ou seleção. Assim, verificamos haver no futebol essa contradição entre espetáculo e vitórias caminhando lado a lado, fato este que nos leva muitas vezes a dúvidas sobre qual o melhor caminho a seguir. Metodologia Para a construção deste estudo, optamos por utilizar as considerações feitas por Gil (1997). De acordo com as orientações deste autor, nossa pesquisa apresenta-se como sendo do tipo descritiva, explicativa e documental. No que se referia à análise descritiva, tivemos como objetivo estudar a existência de correlações entre as variáveis: número de faltas e número de vitórias. Na análise R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 13, n. 2, p. 83-95, 2005 89 explicativa tivemos como ponto central identificar os fatores que determinam e contribuem para a relação entre as variáveis estudadas. Do ponto de vista documental, utilizamos um tratamento analítico, explorando as fontes documentais da Federação Paulista de Futebol, reportagens de jornais, matérias de televisão e informações da Internet. Para dar conta de investigar o fenômeno, usamos como amostra de nosso estudo o Campeonato Paulista de 2002 série A1, em face da representatividade que o futebol deste Estado representa no cenário esportivo nacional e pela disponibilidade no encontro dos dados que nos permitisse a análise, reflexão e comparação com outros campeonatos e Copa do Mundo. Na utilização dos índices técnicos (scout) das 132 partidas, coletados através do site da Federação Paulista de Futebol, para verificação da correlação entre número de faltas e número de vitórias, identificamos o total de faltas cometidas pelas equipes em todas as rodadas, chegando-se assim a um somatório e média de faltas por jogo, e aplicamos a análise estatística através do teste de correlação linear de Pearson com 5% de probabilidade (P = 0,05%). Correlação entre número de faltas e número de vitórias Através da aplicação do teste de correlação linear de Pearson, foram detectados os seguintes resultados entre a variável X (n º de faltas) e a variável Y (nº de vitórias): Média de X = 528,6 Média de Y = 8,08 r = - 0,14 (r de correlação linear de Pearson). Tabela 1 – Relação entre número de faltas e número de vitórias das equipes do Campeonato Paulista de 2002 série A1 EQUIPES Ituano U.S.João Rio Branco Juventus Sto André Mogi Mirim Botafogo RP Inter Limeira U.A. Barbarense América S.J.RP Portuguesa Matonense N.º FALTAS - X) 552 511 551 522 510 531 511 550 581 455 496 574 N.º VITÓRIAS - (Y) N.º DE JOGOS 11 22 12 22 10 22 10 22 09 22 08 22 08 22 08 22 06 22 07 22 05 22 03 22 Fonte: Federação Paulista de Futebol (disponível no site www.fpf.com.br) 90 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 13, n. 2, p. 83-95, 2005 30 Médias de faltas 25 20 15 10 5 It ua no U. S. Jo ão R io Br an co Ju ve nt Sa us nt o An dr M é og iM iri Bo m ta fo go In R te rL P im ei ra Ba rb ar en se A m ér ica Po rt ug ue sa M at on en se 0 Equipes Gráfico 1 – Médias de faltas durante o Campeonato Paulista de 2002, série A1. Tabela 2 - Comparação com outros eventos em número médio de faltas em Campeonato Paulista, Campeonato Europeu de Clubes e Copa do Mundo Copa do Copa do Camp. Camp. Camp. Camp. Mundo Mundo Europeu Paulista Paulista Paulista Ano 1982 1986 1988 1991 2002 2003 N° Faltas 39,93 44,9 43,4 48,6 48,00 46,82 _________________________________________________________________________ Fonte: adaptado de Betti (1997). Ao compararmos o número médio de faltas ocorridas no Campeonato Paulista de 2002, série A1 com o de outros campeonatos, como o Europeu de clubes e as Copas do Mundo de 1982 e 1986, verificamos maior incidência de faltas em nosso futebol (caso citado do Campeonato Paulista), conforme demonstrado na Tabela 2. 35 Médiasdefaltas 30 25 20 15 10 5 A m ér ic a Po rt ug ue sa M at on en se M ir im B ot af og o R In P te rL im U ei .A ra .B ar ba re ns e A nd ré M og i Ju ve nt us St o It ua no U .S .J oã o R io B ra nc o 0 Equipes Médias de faltas nas vitórias Médias de faltas nos empates Médias de faltas nas derrotas Gráfico 2 – Médias de faltas cometidas pelas equipes nas vitórias, empates e derrotas R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 13, n. 2, p. 83-95, 2005 91 Tabela 3 – Demonstrativo do percentual de vitórias coincidentes com um número de faltas superior ao do adversário EQUIPES NV NV 1 % NV1/ NV Ituano U.S.João 11 12 07 05 64% 42% Rio Branco Juventus Sto André 10 10 09 08 07 07 80% 70% 78% Mogi Mirim Botafogo RP 08 08 05 03 62,5% 37,5% Inter Limeira U.A. Barbarense 08 06 07 03 87,5% 50% América Portuguesa 07 05 04 03 57% 60% Matonense 03 03 100% NV: número de vitórias durante o Campeonato Paulista de 2002; NV 1: número de vitórias conseguidas com número de faltas superior ao do adversário; % NV1/NV: percentual das vitórias conseguidas com número de faltas superior ao adversário sobre o número total de vitórias durante o Campeonato Paulista. Na Tabela 3, podemos observar que, na grande maioria dos resultados, as equipes conseguiram vencer partidas com número de faltas superior ao do adversário. Discussões O Gráfico 1 mostra a média de faltas por equipes variando em torno de 23 a 25 por jogo, tendo como equipe mais faltosa a União Barbarense, com média de 27 faltas por partida, e a equipe do América com menor índice, apresentando média de 22 por partida. Apesar dessa posição oposta em número médio de faltas cometidas, a colocação das equipes foi muito próxima na tabela de classificação, ficando, respectivamente, em 10o e 11o lugares. Essa situação nos leva a crer que o resultado das vitórias, empates e derrotas e a má ou boa classificação dentro do Campeonato não estão diretamente relacionados ao número de faltas que as equipes cometem. O Gráfico 2 demonstra a proximidade entre o número de faltas cometidas em vitórias, empates e derrotas. Ao verificarmos as médias de faltas da equipe do Ituano, que se sagrou campeã, observamos que ela apresentou números bem próximos (27, 24 e 21,5). O mesmo ocorreu 92 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 13, n. 2, p. 83-95, 2005 com a equipe da Matonense, que foi rebaixada e apresentou números médios de faltas de 26 por vitórias, 33 por empates e 26 por derrotas. Essa mesma variação nos faz acreditar que, apesar da forte tendência manifestada de alta média no número de faltas, no futebol, cada jogo tem sua própria história; e que o fato de uma equipe apresentar grande número de faltas em uma partida não significa que o fará necessariamente em outra; ou mesmo que, embora possa cometer alto índice de faltas em um jogo, seu adversário também pode fazê-lo, de tal modo que, no caso de vir a cometer uma falta a mais que o concorrente em uma partida, esta não poderá ser considerada sempre como determinante para a consecução da vitória. Conforme a Tabela 3, podemos observar que na grande maioria dos casos as equipes conseguiram vencer partidas com número de faltas superior ao do adversário. Isso evidentemente colocaria em dúvida as inferições feitas anteriormente pelo teste estatístico: afinal, fazer um maior número de faltas ajuda ou não a vencer a partida? Trata-se de uma das aparentes contradições a que nos referimos, isto é, a equipe pode ter vencido uma seqüência de jogos com um número mínimo de faltas superior ao adversário (por exemplo, uma), porém ficaria registrado um acúmulo de vitórias com esse dado. Como a média de número de faltas por partida das equipes é bem elevada, na realidade, ambas as equipes podem estar buscando a vitória utilizando-se desse expediente; nesse caso, qualquer uma poderia sair vencedora e evidenciar os dados aos quais estamos nos referindo. No decorrer da realização do trabalho encontramos alguns tipos de pesquisas que relataram algo parecido com o nosso trabalho. O estudo de Sommer (citado por BETTI, 1997) também relata não haver correlação entre número de faltas e vitórias, o que vem a corroborar o resultado aqui obtido. Contudo, não podemos fechar os olhos para alguns paradoxos que emergiram durante a construção do estudo, sendo um dos mais evidentes o que diz respeito à aparente contradição entre os dados coletados. Conclusões Na verificação da correlação linear entre o número de faltas e o número de vitórias, encontramos a correlação r = - 0,14, o que indica correlação negativa de fraca a moderada, ou seja, o teste demonstrou R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 13, n. 2, p. 83-95, 2005 93 que o número de faltas não apresenta relação direta com o número de vitórias, podendo as equipes vencerem ou perderem independentemente do número de faltas que estas cometam. Mesmo não apresentando relação direta com as vitórias, observamos que o número de faltas vem sendo utilizado por jogadores e treinadores como recurso tático e estratégico da equipe. Acreditamos que a maioria das faltas segue esse princípio, podendo em alguns casos estar relacionada à violência, o que não deixa de ser uma grave e penosa infração a ser combatida. Outra consideração – e talvez a mais importante deste trabalho – se refere a um aparente contradição na análise dos dados coletados. Mesmo não apresentando correlação linear significativa entre número de faltas e número de vitórias, podemos relatar, através do demonstrativo percentual das equipes, que a maioria dos clubes conseguiu vitórias apresentando maior número de faltas do que o dos adversários; essa consideração nos levaria a questionar novamente essa relação e colocar em xeque as considerações que até então vínhamos fazendo. Contudo, os números absolutos são muito próximos e contribuem para elevação geral da média do número de faltas por partida, caracterizando que ambas as equipes podem estar buscando o mesmo resultado através dos mesmos expedientes. No decorrer da realização do trabalho encontramos alguns tipos de pesquisas que relataram algo parecido com este trabalho. O estudo de Sommer (citado por BETTI, 1997) também relata não haver correlação entre o número de faltas e o de vitórias, o que vem corroborar o resultado de nossos estudos. No entanto, não podemos fechar os olhos para alguns paradoxos que emergiram durante a construção do estudo, e uma análise mais profunda desse tipo de interpretação poderia vir a ser feita em futuras pesquisas. Pretendemos, dessa forma, que nosso trabalho sirva como um elemento de iniciativa para a busca de outros estudos na área do futebol; assim, não esgotamos o assunto com as considerações e reflexões apresentadas, pois consideramos esse esporte como parte de nossa cultura, sendo mais do que meramente regras e táticas. ABSTRACT The objective of this work was to verify the correlation between the number of victories and the number of fouls, using as case study the São Paulo State Championship 2002 A1 Series. As methodology, 94 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 13, n. 2, p. 83-95, 2005 we developed the work through a combination of a descriptive, experimental and documentary research, in order to follow the changes of rules and tactics occurred during the development of this sport. We also present a comparison of the foul number during the São Paulo State Championship with European Club Championships and World Cups, identifying a higher foul occurrence in the Brazilian soccer championship. To verify the correlation between the variables we used the Linear Pearson Correlation Test (P = 0.05%), with the scout of technical indices from the São Paulo Soccer Federation. No correlations between the number of fouls and the number of victories were found, however the occurrence of paradoxes should be studied for better confirmation. Keywords: soccer, fouls, victories REFERÊNCIAS BETTI, M. Violência em campo: dinheiro, mídia e transgressão às regras no futebol espetáculo. Ijuí: Unijuí, 1997. GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999. GIULIANOTTI, R. Sociologia do futebol – dimensões históricas e socioculturais do esporte das multidões. São Paulo: Nova Alexandria, 2002. LEVIN, J. Estatística aplicada a ciências humanas. São Paulo- SP: Harper & Row do Brasil Ltda, s.d. SANTOS, R. F. Memórias do congresso mundial de educação física AISEP, 1997. Rio de Janeiro: Editoria Central Gama Filho, 1998. SANTOS, E. Caderno técnico - didático; futebol. Brasília: SEED/ DDD, 1979. TOSTÃO. Tostão: lembranças, opiniões, reflexões sobre futebol. São Paulo: DBA Artes Gráficas, 1997. TOSTÃO. Triste espetáculo. 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