Disciplina: Rotinas de Trabalho no Cotidiano das Prisões
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Disciplina: Rotinas de Trabalho no Cotidiano das Prisões
Disciplina: Rotinas de Trabalho no Cotidiano das Prisões Elaboração: Humberto Vargas Dorneles DISCIPLINA ROTINAS DE TRABALHO NO COTIDIANO DAS PRISÕES SUMÁRIO 1. Atribuições do Cargo de Agente Penitenciário.........................................................110 2. Vigilância................................................................................................................... 110 3. OMD (Observação, Memorização, Descrição) ........................................................... 112 4. Ocorrências e Registros............................................................................................. 115 5. Movimentação de Presos............................................................................................ 117 6. Recebimento de Pessoa Presa..................................................................................... 118 7. Escolta......................................................................................................................123 8. Recepção/Portaria....................................................................................................... 123 9. Procedimento de Revista............................................................................................ 124 10. Procedimentos de Inspeção e Outros......................................................................... 125 11. Transversalidade do Trabalho do Agente com as Ações de Assistência ao Preso....... 129 12. Elaboração de Relatório Diário (Registros)............................................................... 129 13. Referências.................................................................................................................. 136 ROTINAS DE TRABALHO NO COTIDIANO DAS PRISÕES 1. ATRIBUIÇÕES DO CARGO DE AGENTE PENITENCIÁRIO A Lei nº 14.582, de 21 de dezembro de 2009, alterada pela Lei nº. 14.966, de 13 de julho de 2011, cria a carreira de Segurança Penitenciária e estabelece as atribuições de seus integrantes. “Art.1º A carreira Guarda Penitenciária, integrante do Grupo Ocupacional Atividades de Apoio Administrativo e Operacional, prevista no item 2, do anexo I, da Lei nº 12.386, de 9 de dezembro de 1994, fica redenominada para carreira Segurança Penitenciária e estruturada na forma do anexo I desta Lei, passando os Agentes Penitenciários a ter as seguintes atribuições: atendimento, vigilância, custódia, guarda, escolta, assistência e orientação de pessoas recolhidas aos estabelecimentos penais estaduais”. Atendimento – ato ou efeito de atender; Vigilância – ato ou efeito de vigiar; estado de quem permanece alerta, de quem age com precaução para não correr risco; comportamento vigilante; cuidado, prudência, precaução; Custódia – ato ou efeito de se deter pessoa que comete algum delito; retenção, detenção; ato ou efeito de proteger, guardar alguém ou algo; proteção, guarda; Guarda – ação ou efeito de guardar, vigilância, proteção, cuidado; vigilância sobre pessoa retida para impedi-la de evadir-se; Escolta – Atividade (conjunto de procedimentos) destinada à custódia de pessoas ou bens em deslocamento. É o ato de conduzir alguém ou alguma coisa, de um local para outro, como medida de prevenção, preservação ou proteção, a fim de se atingir os objetivos preestabelecidos; Assistência – modalidade de intervenção de terceiro, no pleito, tanto para zelar por seus interesses, como para proteger os interesses de quem está sob sua guarda ou proteção; Orientação – prescrição da maneira de organizar algo; instrução, regra. 2. VIGILÂNCIA É a atividade de observar atentamente uma determinada área, com o objetivo de guarnecer pessoas, objetos e/ou estrutura física. Vigilância Fixa É a atuação do Agente em postos fixos. Nesta forma de vigilância, um posto alcança a vigilância de um posto seguinte e assim sucessivamente, até a cobertura de toda a área interna e/ou externa ao estabelecimento penal. Nos postos de serviço, o Agente deve estar atento a tudo e a todos. Se necessário sair do posto, sempre que possível, deve pedir a sua substituição, não devendo jamais deixar o posto abandonado. (Postos Internos e Externos). Vigilância Móvel Nessa forma de vigilância, a presença do Agente é intermitente nos diversos pontos da área sob sua responsabilidade. A vigilância móvel é empregada na cobertura de distâncias maiores no estabelecimento, deslocando-se o Agente sempre nas várias direções e em momentos diferentes, para observar e garantir a segurança do setor. A vigilância móvel é também um meio para reforçar os postos fixos e articular os diversos setores de segurança do estabelecimento. Trabalho em Equipe Tanto a vigilância móvel quanto a fixa podem ser executadas por um Agente, por uma dupla ou mais Agentes. O grau de vulnerabilidade de determinado setor indicará a conveniência ou a importância do emprego do efetivo de Agentes. Ângulos de Visão Qualquer que seja a forma de vigilância, fixa ou móvel, o Agente dever estar atento durante todo o horário de serviço, estar sempre em lugar que lhe permita proteger-se contra surpresas, ter ângulo de visão e domínio em todo o setor sob sua responsabilidade. Se durante o dia deve trabalhar ostensivamente, isto não impede que esteja sempre de costas para alguma parede, protegendo-se melhor, para oferecer proteção. Já, à noite, estará mais protegido nas sombras e, em locais escuros de onde divisará e protegerá as áreas iluminadas. Quando em vigilância móvel, deverá deslocar-se de modo a não permitir a previsão de sua permanência ou passagem por determinado lugar, sempre no mesmo horário. Instruções e Determinações Condição importante também para o bom desempenho de qualquer forma de vigilância é saber receber, entender, cumprir e transmitir as instruções e determinações que forem dadas. Quando não entender uma instrução ou determinação, o Agente deverá procurar seu chefe imediato para os necessários esclarecimentos. Do mesmo modo, não deverá transmitir a outros Agentes qualquer ordem ou instrução que não tenha entendido, antes de dirimir as dúvidas. Articulações A segurança de um estabelecimento não se faz por um Agente ou por algumas medidas tomadas isoladamente. Segurança é a soma de todos os meios necessários e engloba a ação dos Agentes, de seus chefes e das autoridades que lhes dão apoio e cobertura. O trabalho de um Agente em um estabelecimento deve estar articulado com o trabalho dos outros Agentes que ali atuam. Um deve ter apoio e cobertura do outro. Todos devem orientar-se pelas instruções do chefe comum. Solicitar auxílio em caso de necessidade. A eficácia da vigilância depende de união e das articulações de seus vários setores e meios que possibilitem a intercomunicação entre eles. Portanto, não deve o Agente isolar-se no seu setor. Deve procurar inteirar-se de novas instruções, novas ordens; comunicar-se por sinais convencionados com seus companheiros de serviço, para que se possa fazer entender com facilidade nas emergências. O Agente deve lembrar-se de que, na segurança, ele é o elo de uma grande corrente, que só tem valor articulado com os demais elos. Sistemas de Alarme São dispositivos mecânicos, elétricos ou eletrônicos, que detectam, por sinais sonoros e/ou luminosos, uma emergência. Como sentinela oculta, o sistema de alarme é mais um meio de garantir a segurança do estabelecimento penal. Aos seus sinais devem sempre responder a presença e atuação imediatas do Agente. É necessário ao Agente: Conhecer o tipo de sistema de alarme instalado em seu setor; Saber onde estão localizados os mecanismos de acionamento e como usá-los; Acudir prontamente aos sinais de alarme quando de plantão em posto central, ou quando de serviço próximo, aos sinais de alarme local; Somente acionar o sistema de alarme em caso de real necessidade, pois são sérias as consequências para os responsáveis pelo falso alarme; Zelar pela conservação dos mecanismos do sistema de alarme. 3. OMD (OBSERVAÇÃO, MEMORIZAÇÃO, DESCRIÇÃO) Observação É o ato pelo qual o Agente examina minuciosa e atentamente as pessoas e o ambiente que o cercam, através da máxima utilização dos sentidos. Para fazer-se uma boa observação é necessário: a) Observar a forma geral do volume; b) Observar a estrutura geral, o aspecto, o estilo, as cores, etc.; c) Examinar as diferentes partes componentes; d) Examinar os pormenores no interior dessas partes. Memorização Conjunto de ações e reações voluntárias e metódicas que têm a finalidade de auxiliar na lembrança de fatos. Recursos para uma boa memorização: a) Atenção; b) Interesse; c) Necessidade. Descrição Consiste em descrever, com toda veracidade, as observações pessoais de um fato ou as impressões relatadas por outras pessoas. Para fazer a descrição de pessoas, não se devem esquecer características (detalhes) que as distinguem das demais, além do sexo, cor, cabelo, idade, altura e peso. Plano de Atuação O plano de atuação, previsto no Plano de Segurança do Estabelecimento, deverá ser idealizado, tendo em vista detalhes conhecidos do setor do agente penitenciário e outros aspectos que se relacionem com seu campo de atuação, inclusive fazendo uso de materiais e equipamentos de segurança como radiocomunicador, luvas, algemas, tonfas, armamento não letal ou letal, entre outros. Conhecidos os detalhes, o esquema de atuação do Agente deve atender às normas internas do estabelecimento, considerando, dentre outros, os seguintes aspectos: a) Avaliação diária da estrutura física e de recursos humanos, considerando o perfil dos presos e as mudanças que se processam, para planejamento de estratégias, prevendo também eventuais remanejamentos do efetivo disponível de Agentes; b) Cumprimento cabal das ordens constantes no regulamento específico do estabelecimento penal e em normas, regulamentos e manuais de instrução,que deverão conter seus deveres gerais; c) Entrosamento com o seu chefe imediato, com o diretor do estabelecimento, com os demais Agentes e técnicos; d) Colaboração com o líder da equipe, e/ou exercício correto da liderança, quando estiver exercendo chefia de grupo ou equipe; e) Escolha do meio de comunicação mais fácil e rápido com seu chefe imediato, com a direção do estabelecimento e com os demais Agentes para casos de emergência; f) Alerta discreta aos servidores do estabelecimento, em caso de emergência, sem que os suspeitos percebam os sinais; g) Estudo do posto onde deva permanecer, de modo a cobrir visualmente toda a área ou a maior parte possível dela; h) Se móvel a vigilância, o estabelecimento prévio dos percursos a serem seguidos, com variação de horário, de modo a não permitir previsão de permanência ou de passagem em determinado lugar e momento; i) j) k) l) m) n) o) p) Seja qual for o tipo de vigilância, atenção e observação constante sobre tudo e todos que estejam, entrem ou saiam do setor, para evitar incidentes e surpresas; Realização da identificação segura de pessoas em atitude suspeita quer sejam presos quer visitantes; Identificação do momento de Quando, Como e a Quem pedir auxílio em caso de necessidade; Acompanhamento dos visitantes no interior do estabelecimento penal; Conhecimento dos procedimentos em caso de um delito ou de um incidente em seu setor; Uso de critério no receber e passar o serviço; Conhecimento de Quando e Como utilizar o sistema de alarme e os equipamentos de combate a incêndio e de segurança; Utilização de forma eficiente dos recursos eletrônicos (Circuito Fechado de Televisão, detectores de metais, identificação digital, etc.). Familiarização com o local de trabalho e o serviço O Agente, para estar familiarizado com seu local de trabalho, deve procurar inteirar-se de todos os detalhes que lhe sejam de utilidade no serviço, respondendo às seguintes questões: a) Qual a natureza do serviço que vai prestar (portaria, escolta,etc.)? b) Quais os meios disponíveis para a realização da segurança do estabelecimento penal? c) Há radiocomunicação interna ou externa? d) Qual o alcance? e) Há sistemas de alarme? f) Qual o tipo? g) Onde se localizam os dispositivos de acionamento? h) Há iluminação adequada? i) Há geradores de força de reserva e qual o tempo de acionamento? j) Há equipamento de proteção contra incêndio? k) De que tipo e onde se localiza? l) O Agente está capacitado a manejar todos os equipamentos existentes à sua disposição? m) Qual o perfil dos presos? n) Há formação de comandos? o) Há depósito de materiais inflamáveis? p) Qual a sua localização? q) Quais os riscos? r) Quais as ordens gerais contidas no regulamento do estabelecimento? s) Quais as ordens especiais para o seu setor de trabalho? t) Há alguma recomendação direta de seu chefe? u) Quais os meios existentes para facilitar a articulação do seu serviço com os demais Agentes e com os demais setores de segurança? 4. OCORRÊNCIAS E REGISTROS O Agente Penitenciário além de exercer segurança e fazer cumprir as normas e regulamentos do estabelecimento penal, precisa estar sempre atento e, principalmente, observar com cuidado quaisquer modificações na rotina de vida dos presos sob sua guarda. Em qualquer caso é sempre desejável que no registro de comportamento faltoso do preso estejam presentes outras testemunhas e que todas as evidências e indícios sejam demonstrados e recolhidas para o envio ao setor responsável (Chefia de Segurança e Disciplina, Comissão Técnica de Classificação, Conselho Disciplinar, etc.), e/ou à polícia, onde servirão de elementos de prova. Ainda, em se tratando de falta, poderá o preso ser alojado em isolamento disciplinar ou permanecerá no próprio local, aguardando decisão do Diretor ou Conselho Disciplinar, devendo o preso ser notificado e procedendo-se à comunicação formal do fato. O relato da ocorrência em relação a preso deve ser feito imediatamente após a constatação da infração (administrativa ou criminal) pelo Agente. Na comunicação elaborada deve constar o nome completo do preso, filiação, nº do prontuário, pavilhão/galeria/vivência/rua e a cela de origem, local da ocorrência, data, horário e o relato objetivo dos fatos. Se houver testemunhas as mesmas deverão ser citadas, e o termo de apreensão lavrado, se o caso requerer. Fluxo de Procedimentos em Ocorrências O Chefe da Equipe registra a ocorrência em livro próprio, a mesma é levada ao conhecimento do Chefe da Segurança e, posteriormente, à Direção da Unidade Prisional. A Direção comunica, se for o caso, aos setores e órgãos competentes. Os problemas disciplinares com os presos são correntes no dia a dia das penitenciárias e só poderão ser enfrentados com a aplicação contínua, coerente, rigorosa e justa da disciplina. Portanto, cabe às autoridades penitenciárias impor as restrições de segurança que se fizerem necessárias para assegurar que os presos não fujam da custódia legal e que as prisões sejam lugares seguros, onde todas as pessoas envolvidas possam realizar seu trabalho legítimo sem temer por seu bem estar físico. Considerando-se as possibilidades da atuação dos servidores em incidentes prisionais, as ocorrências classificam-se nos seguintes níveis: Nível I Ocorrência de administração local Nível II Ocorrência grave, com possibilidade de progressão Nível III Ocorrência gravíssima Observação: O Agente deve estar atento às mudanças que se processam nas ocorrências, podendo haver migração entre níveis. Nível I Tipo de ocorrência: Discussão entre presos, visitantes, desobediência e outros incidentes correlatos. Procedimento a ser adotado: Observar; Fazer a intervenção necessária; Isolar a área; Garantir a segurança dos presos; Solicitar pessoal de apoio; Comunicar à chefia; Permanecer em observação. Nível II Tipo de ocorrência: Briga entre presos, posse de substâncias ou objetos ilícitos e outras ocorrências correlatas. Procedimento a ser adotado: Observar; Fazer a intervenção necessária; Isolar a área; Solicitar pessoal de apoio; Comunicar a chefia imediata; Permanecer em observação; Em caso de substância ou objeto, fazer a apreensão, se possível; Garantir a segurança pessoal. Nível III Tipo de ocorrência: Ocorrência com morte entre presos e internados, fuga, resgate externo, motim, rebelião, sequestro, incêndio e outras ocorrências correlatas. Procedimento a ser adotado: Observar; Fazer a intervenção necessária; Identificar o problema, procurar controlar, conter e isolar a área; Solicitar pessoal de apoio; Comunicar à chefia imediata; Observar os envolvidos; Sempre que possível aguardar orientações da chefia imediata; Acionar o alarme sem expor a si e a terceiros, conforme a necessidade exigir; Garantir a sua segurança; Não se comprometer com negociações. 5. MOVIMENTAÇÃO DE PRESOS Acontece quando do recebimento do preso ou internado na Unidade, do acompanhamento aos diversos locais internos ou externos do estabelecimento penal e da liberação. Objetivo: Viabilizar ao preso ou interno o deslocamento aos diversos locais para realização de atividades e atendimentos ou para sua liberação. Procedimento a ser adotado: Revistar o preso ou internado em conformidade com as medidas e os procedimentos de segurança do estabelecimento; Registrar toda movimentação ocorrida quando do atendimento/atividades do preso ou internado em formulário próprio/Livro de Ocorrências; Acompanhar o preso ou internado no percurso e durante o tempo em que permanecer na atividade/atendimento, executando a segurança do mesmo e/ou de terceiros; Recolher o preso ou internado ao local de origem, executando revista pessoal e demais medidas necessárias. A mudança do preso de Pavilhão, Vivência, Ala ou Cela, somente poderá ocorrer por decisão do Diretor e/ou Chefe de Segurança e Disciplina, nos casos em que a medida for indicada. Na ausência dos citados, ocorrendo situações emergenciais que impliquem risco à integridade física do preso, deverá o mesmo ser encaminhado ao isolamento preventivo pelo Chefe de Equipe do dia, relatando-se minimamente a ocorrência para posterior averiguação e deliberação. Para liberar o preso ou internado, verificar possíveis impedimentos. 6. RECEBIMENTO DE PESSOA PRESA Equipamentos e objetos necessários: Sala de revista ou outro local apropriado; Detector de metais tipo bastão/portal detector de metal/scanner corporal; Papel e caneta; Formulário de Pertences do preso; Kit básico do preso; Equipamento de Proteção Individual – EPI; Máquina de corte de cabelo n.º 02; Tesoura sem ponta e pente; Lacre de Segurança (selo); Faca, colher, e garfo descartáveis; Chave de fenda e chave Philips; Embalagem para acondicionar materiais. Riscos Risco de contração de doenças a partir de contatos com secreções, ferimentos, materiais, ar e ambiente contaminados; Risco de agressão física – reação do preso; Tentativa de fuga. Ações Preventivas Uso obrigatório de EPI durante todo o processo de revista; Fazer revista com o mínimo de dois agentes ou em número proporcionalmente viável ao número de internos; Revistar primeiro o preso e depois os seus pertences. Verbalização (Comandos Direcionados a Pessoa Reclusa) A regra deve ser pela utilização do nome da pessoa. Caso as circunstâncias não permitam, deve-se chamar: interno ou interna. Procedimento Geral Para o procedimento geral, o Agente Penitenciário deverá: 1) Equipar-se com todos os componentes de EPI; 2) Determinar que o preso a ser revistado dispa-se e entregue suas roupas e calçados, a outro agente penitenciário, pela portinhola da cela; 3) Realizar revista manual nas roupas, calçados e materiais permitidos que entrarão com o preso; 4) Determinar que a pessoa presa posicione-se de frente para a parede e realizar a revista corporal manual; 5) Proceder à vistoria visual (costas e frente); 6) Proceder à entrega de fardamento (quando houver); 7) Realizar revista manual e com o detector de metais nas roupas e calçados, posicionando o equipamento a uma distância mínima de 10 cm e máxima de 15 cm (ou em acordo com o manual de utilização do equipamento). Observação: Nas Unidades Prisionais que dispuserem de scanner corporal, os procedimentos anteriormente citados, condicionam-se à existência de dúvidas quanto ao mesmo portar algo não permitido. Procedimento Detalhado Para o procedimento detalhado, o Agente Penitenciário deverá: 1) Solicitar que o preso levante os braços e, de frente, dê um giro de 360º determinando a seguir que abra as pernas para realizar vistoria visual; 2) Solicitar que apresente as partes corporais externas de difícil visualização (axilas, virilhas, boca, orelhas, solado dos pés, palma das mãos e entrededos). Boca 3) Determinar que a pessoa abra a boca e levante a língua; 4) Determinar que a pessoa retire a prótese dentária, caso utilize. 5) Realizar vistoria visual na prótese; 6) Devolver a prótese ao término da operação. Cabelos 7) Realizar vistoria manual no cabelo. Barba (no caso de pessoa do sexo masculino) 8) No caso de a pessoa possuir barba excessiva, realizar revista manual. Pé 9) Determinar que a pessoa presa apoie-se, colocando as mãos na parede e levante um pé, de cada vez, mostrando a sola; 10) Realizar a vistoria das solas dos pés e entre os dedos. Procedimento específico para pessoa presa do sexo feminino realizado exclusivamente por Agente Penitenciário Feminino. 11) Determinar que a pessoa realize três ou mais agachamentos de frente e de costas; 12) Realizar a revista com detector de metais, scanner corporal; 13) Caso exista suspeita de irregularidade e não exista equipamento apropriado no estabelecimento, encaminhar a presa a um profissional de saúde; 14) Ainda, caso a presa não tenha condições de realizar o agachamento, e não exista equipamento apropriado no estabelecimento, encaminhá-la a um profissional de saúde; Seios 15) Determinar que a pessoa presa levante os seios e realizar revista visual. Conclusão da Revista Pessoal 16) Determinar que a pessoa presa se vista com o fardamento próprio (se houver); 17) Se necessário, algemar a pessoa com as mãos para trás; 18) Verificar se os pertences trazidos pela pessoa presa podem ser admitidos na Unidade Prisional. Procedimentos a serem adotados em relação aos pertences: 1) Para os itens não permitidos, relacioná-los, em duas vias, no Formulário de Pertences da pessoa presa, conforme anexo FOR-SEJUS-00______; 2) Guardar todos os pertences em uma embalagem lacrada; 3) Armazenar a embalagem lacrada em local específico para arquivamento; 4) Para os pertences cuja entrada é permitida no estabelecimento, relacioná-los em outro Formulário de Pertences e executar vistoria, de acordo com os seguintes passos: a) Retirar das sacolas, malas ou qualquer embalagem, os pertences da pessoa presa na sua presença; b) Realizar vistoria manual minuciosa utilizando detector de metais nos objetos (sacolas, livros, roupas, sapatos, caixas, etc.); c) Havendo receitas médicas, resultados de exames médicos e medicamentos, identificá-los com o número do SISPEN e o nome da pessoa reclusa, encaminhando-os ao Núcleo de Saúde; d) Solicitar técnico em eletrônica, servidor ou outro funcionário, para realizar teste, abertura e fechamento dos equipamentos eletroeletrônicos permitidos, na presença da pessoa presa proprietária; e) Caso o técnico não possa realizar os testes dos equipamentos ou a unidade esteja sem energia elétrica no momento da vistoria, deve-se reter o equipamento até que o técnico possa realizar a averiguação; f) Lacrar o equipamento com o Lacre de Segurança (selo); g) Registrar o equipamento no Formulário de Pertences da pessoa presa, discriminando-o detalhadamente. 5) Recolher e contar o dinheiro que está em posse da pessoa presa; 6) Registrar no Formulário de Pertences a quantia total de dinheiro do preso e repassar ao Chefe de Segurança para guardar em local apropriado; 7) Recolher a assinatura do preso nas duas vias do Formulário de Pertences do Preso, devendo o responsável pela vistoria também rubricá-lo; 8) Entregar uma via do formulário á pessoa reclusa proprietária e arquivar a outra no arquivo próprio; 9) Encaminhar a pessoa presa para o corte de cabelo (máquina 02 ou o equivalente utilizando a tesoura); 10) Entregar o kit básico à pessoa presa e colher assinatura da mesma no Formulário de Pertences em 02 (duas) vias; 11) Realizar a identificação da pessoa pressa. (foto, impressão digital). Cuidados Especiais Caso a vistoria seja realizada com o preso na cela e a mesma não seja individual, determinar que os demais presos se dirijam para o fundo da cela e posicionem-se de frente para a parede. O detector de metais e os demais itens eletrônicos de segurança (quando houver) deverão ser utilizados durante todas as etapas da vistoria. A pessoa reclusa deverá ser algemada com as mãos para trás. Somente havendo necessidade de a mesma transportar algum objeto, poderá ser algemada com as mãos para frente. Todo o procedimento de vistoria deverá ser acompanhado de agentes penitenciários e equipamentos proporcionais à efetivação de todo o processo com segurança adequada. A revista feminina deverá ser feita apenas por agentes penitenciários do quadro feminino. Caso a pessoa apresente partes do corpo engessadas, deve-se: a) Passar o detector de metais para fazer a verificação inicial; b) Havendo suspeita, a pessoa presa deverá ser encaminhada à unidade de saúde pública mais próxima para realizar procedimento de troca do gesso. Caso a pessoa presa chegue à Unidade Prisional em cadeira de rodas ou com muleta: a) A cadeira de rodas deverá ser minuciosamente revistada; b) A muleta deverá ser minuciosamente revistada. Caso haja irregularidades averiguadas durante a revista: a) O material deverá ser apreendido; b) Realizar comunicação interna; c) Havendo necessidade, acionar apoio e registrar boletim de ocorrência e/ou encaminhar a pessoa presa à Autoridade Policial, para realização de flagrante. a) b) c) d) A pessoa presa deverá ser entrevistada e examinada quanto à existência de: Hematomas; Escoriações; Ferimentos; Fraturas ou outros tipos de irregularidades físicas. No recebimento de pessoas reclusas oriundas de Delegacias, Comarcas do Interior do Estado, outros Estados da Federação, além do exame de corpo de delito, que obrigatoriamente deve acompanhar a pessoa presa, faz-se necessário o questionamento acima indicado. Caso haja reclamação do entrevistado quanto a agressão a sua integridade física (espancamento, tortura): a) Recusar o recebimento; b) Se o recebimento for determinado por instância superior, deve-se conduzir a pessoa reclusa ao IML para o devido exame. Em nenhuma hipótese deve-se assinar recebimento sem que se verifique a integridade física da pessoa reclusa. Em se tratando de transferência de preso entre Unidades Prisionais, solicitar ao responsável pelo transporte do mesmo que assine uma declaração informando as lesões corporais (quando verificadas). Preencher um comunicado interno com a justificativa. Na existência de materiais proibidos, porém lícitos, em posse da pessoa presa, deverão ser: a) Retidos; b) Registrados em comunicação interna. No caso de apreensão de celular, a Direção do Estabelecimento deve enviar o(s) aparelho(s), chip(s) para a Coordenadoria de Inteligência da Secretaria da Justiça, sem prejuízo da sanção disciplinar correspondente. 7. ESCOLTA Escolta é conjunto de procedimentos destinado à custódia de pessoas ou bens em deslocamento. É o ato de conduzir alguém ou alguma coisa, de um local para outro, com medidas de prevenção, preservação ou proteção, a fim de se atingir os objetivos preestabelecidos. Tipos de Escoltas a) A pé; b) Motorizada. Casos de autorização de saída do preso (deslocamento externo) a) Nos casos de falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, irmão, ou necessidade de tratamento médico (Art. 120 LEP), mediante autorização da Direção da Unidade Prisional. b) Nas requisições judiciais. Observações: A escolta de presos entre Unidades Prisionais da SEJUS, quando necessária, será realizada por equipe de agentes penitenciários destinados a esse fim, somente em veículos oficiais da SEJUS. Os agentes penitenciários escalados para realização de escolta são legalmente responsáveis pelos equipamentos que utilizam e pelos presos que transportam, submetendo-se às sanções administrativas e penais cabíveis nos casos de irregularidades. 8. RECEPÇÃO / PORTARIA Descrição Local para recepção, identificação e revista de pessoas, de veículos e de objetos. Objetivo Monitorar o perímetro interno e externo, observando, controlando e acompanhando a entrada e saída de pessoas e veículos, buscando assegurar a integridade daquelas e do patrimônio institucional. Ações a) Recepção de pessoas, veículos e objetos, identificando-os, revistando-os e acompanhando-os ao destino; b) Informação e consulta ao setor de destino quanto à presença do visitante; c) d) e) f) g) h) i) j) k) l) Cadastro e registro de pessoas; Retenção de documentos de identificação; Determinação quanto ao uso de crachá de identificação; Orientação de visitantes quanto aos procedimentos e normas de segurança; Revista e retenção de objetos não permitidos, utilizando os meios adequados e permitidos; Recepção e liberação de presos ou internados, conferindo documentação e adotando as demais medidas necessárias; Restrição à permanência ou ao tráfego desnecessário de pessoas não autorizadas ou alheias ao setor; Proibição da entrada de pessoas portando armas de qualquer espécie e telefones celulares ao interior do Estabelecimento Prisional, salvo nas situações de: rebeliões, motins, vistorias ou situações que requeiram o uso destes instrumentos; Permissão da entrada de fornecedores ou prestadores de serviços, nos horários preestabelecidos; Exigência da identificação e do uso de uniforme por parte de todos os servidores/funcionários que estiverem em serviço no Estabelecimento Prisional. Observações: Qualquer veículo ou carga, destinados a entrar ou sair da área interna da Unidade, deverá ser minuciosamente vistoriado por agente penitenciário, obedecendo aos protocolos já estabelecidos, e se disponível, através do body scanner e da máquina de RX. Se for encontrado objeto ou material ilícito, o responsável e ocupante do veículo serão detidos pela Segurança do Estabelecimento Prisional, devendo a Direção adotar os procedimentos cabíveis. 9. PROCEDIMENTOS DE REVISTA Procedimento pelo qual se efetua a revista (busca) pessoal no preso ou internado, funcionários e visitantes, bem como em espaços físicos e objetos, podendo ser superficial ou minuciosa. Revista Superficial – É aquela em que o agente, diante do contexto, utiliza-se de procedimentos simples, observando forma, aspecto, estilo, cores, volume e estrutura geral de objetos ou espaço físico. Revista Minuciosa – Além da observação de forma, aspecto, estilo, cores, volume e estrutura geral, no espaço físico de todo e qualquer local do estabelecimento penal, deve-se atentar às paredes, grades, pisos, teto, toda a mobília e objetos ali existentes, bem como buscar e apreender substâncias e objetos ilícitos e constatar possíveis alterações do local. Objetivo: Coibir a entrada, posse ou comercialização de quaisquer substâncias ou objetos ilícitos que ofereçam algum risco à segurança do estabelecimento penal ou integridade de servidores, das pessoas reclusas e de terceiros. Ações: a) No preso ou internado: Abordar conforme a motivação, procedendo ao tipo de revista pessoal, tendo em vista a situação, o local e a segurança devida. b) Em funcionários: Proceder à revista pessoal superficial, solicitando permissão, indagando conforme a necessidade, retendo e guardando pertences e usando o procedimento devido da revista: detector de metais, manual ou ambos. c) Em visitantes: Proceder à revista pessoal superficial ou minuciosa, solicitando permissão, indagando e informando conforme a necessidade, retendo e guardando pertences e usando o procedimento devido da revista: detector de metais, manual ou ambos. É proibido ao preso estender lençóis e cobertores nas grades da cela ou do pátio, bem como ao redor das camas, impedindo a visualização por parte dos agentes da segurança; Exceção deve ser feita à cortina padrão, fornecida pela Unidade, para ser posta ao redor da cama nos dias de visita íntima, sendo entregue ao preso que tenha tal visita, no domingo, na hora da destranca e recolhida na hora da tranca do mesmo dia. 10. PROCEDIMENTOS DE INSPEÇÃO E OUTROS Inspeção em celas e outras dependências: Para a execução da tarefa de inspeção em celas e outras dependências, o Chefe da Equipe ou outro agente determinado para esse fim deverá adotar os seguintes procedimentos: 1) 2) 3) 4) Estar sempre munido dos Equipamentos de Proteção Individual – EPI, além de instrumentos necessários à detecção de materiais ou substâncias ilícitas; Portar Formulário de Apreensão – FOR-SEJUS-00_______, bem como Lista de pessoas reclusas naquele espaço ou que ali executam alguma atividade, a fim de que sejam realizadas a chamada e a verificação de alteração; Estar ciente do risco de contração de doenças, a partir de contatos com secreções, ferimentos, ar e ambiente contaminados, por isso é importante que utilize máscaras e luvas; Estar ciente do risco de agressão física – reação do preso; Estar ciente do risco da existência de celas com grades serradas (espirros); Fazer a inspeção com o mínimo de dois agentes ou em número proporcionalmente viável ao número de internos; 7) Revistar primeiro o preso e depois os seus pertences; 8) Determinar que o preso dispa-se e lhe entregue suas roupas e calçados, pela portinhola da cela; 9) Realizar revista manual nas roupas, calçados e materiais permitidos; 10) Retirar o preso da cela; 11) Realizar revista corporal; 5) 6) Em caso de suspeita de irregularidade na facilitação e/ou favorecimento criminoso na revista por parte do agente penitenciário, deve-se dar voz de prisão ao agente infrator, acionar a chefia imediatamente superior para tomar as devidas providências. Caso encontre Objetos Ilícitos, o Agente deverá seguir a seguinte rotina a) Comunicar ao Chefe de Equipe, ao Chefe de Segurança e à Direção; b) Lacrar os objetos na frente do recluso; c) Encaminhar o recluso para o lavramento do flagrante; d) Registrar a ocorrência, através de Comunicado interno, conforme modelo apresentado no FOR-SEJUS-00_______. Inspeção de Veículos e Pessoas Para a execução da tarefa de inspeção em veículos e pessoas, o Agente Penitenciário determinado para esse fim deverá adotar os seguintes procedimentos: 1) Solicitar que o motorista desligue o motor do veículo; 2) Solicitar que os ocupantes do veículo desçam do mesmo; 3) Encaminhar os ocupantes do veículo à sala específica para revista; 4) Colocar a máscara e as luvas; 5) Solicitar que o(s) ocupante(s) do veículo, vire(m)-se de frente e de costas, levante(m) os braços e realizar a revista manual e com detector de metais; 6) Caso sejam encontrados objetos proibidos, porém lícitos, armazenar os objetos retidos no guarda-volumes; 7) Preencher Formulário de Pertences do Visitante em 02 vias e solicitar que o mesmo o assine; 8) Entregar uma via do Formulário de Pertences do Visitante ao(s) ocupante(s) do veículo; 9) Caso não seja encontrado nenhum objeto proibido, solicitar ao ocupante que acompanhe a vistoria do veículo com, no mínimo, 03 metros de distância do mesmo; 10) Abrir o porta-malas, levantar o tapete de proteção do estepe, vistoriar o estepe do veículo verificando a existência de objetos proibidos; 11) Reter a caixa de ferramentas do veículo e armazená-la no guarda volume; 12) Preencher o Formulário de Pertences do Visitante, solicitando assinatura do 13) 14) 15) 16) 17) 18) 19) 20) 21) 22) 23) 24) 25) 26) 27) 28) 29) 30) 31) motorista, em 02 vias; Entregar uma via do Formulário de Pertences do Visitante ao o motorista; Abrir o capô do veículo e verificar a existência de objetos proibidos no motor; No interior do veículo, verificar a existência de objetos proibidos: a) No porta-luvas; b) No protetor do sol; c) Nas laterais das portas; d) Embaixo do volante; e) Embaixo dos bancos; f) Embaixo dos tapetes; g) No teto do veículo; h) Na gaveta do som do veículo; i) Nas capas dos bancos e do volante; j) Nos demais orifícios onde haja possibilidade de guardar-se algum objeto. Levantar o banco traseiro do veículo e fazer a vistoria; Vistoriar em volta da lataria, no motor do veículo e no filtro de ar do veículo; Vistoriar os limpadores de para-brisas do veículo; Abaixar-se no chão e realizar a vistoria visual embaixo do veículo; Retirar, se possível, as calotas do veículo e realizar vistoria visual; Nos caminhões de carroceria e caçamba, subir no caminhão para realizar a vistoria visual; Abrir o baú e realizar a vistoria visual; Entrar no baú e realizar a vistoria visual nos cantos, no chão e no teto do veículo, verificando a existência de objetos proibidos; Realizar a vistoria visual embaixo do caminhão: a) Entre as barras de sustentação da carroceria; b) Dentro da roda do pneu; c) Entre os pneus conjugados; d) No local de guarda do estepe; e) Demais orifícios onde há possibilidade de guardar algum objeto. Realizar vistoria visual na caixa de pertences do motorista; Caso seja encontrado algum objeto ilegal e não justificável, reter o objeto e acionar o Chefe de Segurança, para que ele solicite o lavramento do flagrante; Caso seja encontrado algum objeto proibido, porém lícito, reter o objeto; Armazenar os objetos retidos no guarda volume; Preencher o Formulário de Pertences do Visitante, solicitando assinatura do motorista, em 02 vias; Entregar uma via do Formulário de Pertences do Visitante ao o motorista; Caso não seja constatada nenhuma irregularidade, liberar a entrada do veículo e entregar ao(s) ocupante(s) o crachá de identificação de visitante. Quanto à inspeção de carga que chega à Unidade Prisional - UP, o Agente Penitenciário deverá adotar os seguintes procedimentos: 1) Identificar a carga e constar em formulário próprio 2) Fazer a vistoria com detector de metais em toda a carga, individualmente 3) Havendo irregularidade, abrir a embalagem da carga 4) Caso seja encontrado algum objeto ilícito, reter o objeto e acionar o Chefe de Segurança, para que ele solicite o lavramento do flagrante 5) Estando a carga de acordo com as normas de segurança, liberar o descarregamento. Quanto à inspeção de carga dentro da Unidade Prisional- UP, o Agente Penitenciário deverá adotar os seguintes procedimentos: 1) Retirar toda a carga do veículo; 2) Abrir algumas caixas, por amostragem, e fazer revista no conteúdo. Cuidados Especiais As revistas de carga deverão ser feitas dentro da UP pelos Agentes com o apoio armado. Caso haja denúncias, suspeitas ou irregularidades, tais como: violações, costuras fora do padrão, odores não característicos da carga, deverá ser feita a vistoria em toda a carga. Caso ocorra alguma irregularidade, utilizar o rádio HT para comunicar-se com o Chefe de Segurança, para que sejam tomadas as devidas providências. Informar às empresas responsáveis pela coleta de materiais que a UP deverá, sempre que possível, ser o primeiro local de coleta. Caso haja irregularidades, ou seja, forem encontrados objetos ilícitos junto ao visitante, em veículo ou em carga o Agente deverá: a) Reter o visitante e os objetos encontrados b) Acionar o Chefe de Segurança, para que ele solicite o lavramento do flagrante c) Preencher Comunicado Interno para a Diretoria Na ausência do detector de metais as caixas e embalagens deverão ser abertas e revistadas manualmente. Caso haja mais de um veículo para ser revistado, os demais veículos deverão aguardar fora da UP. Todos os veículos deverão passar por essa vistoria. Sempre que possível os agentes devem utilizar cães treinados para a detecção de ilícitos. 11. TRANSVERSALIDADE DO TRABALHO DO AGENTE COM AS AÇÕES DE ASSISTÊNCIA AO PRESO Suporte nas Ações de Assistência ao Preso Durante o lapso temporal em que a pessoa (homem ou mulher) se encontra sob o crivo da reclusão, quer seja provisoriamente, condenado ou submetido à medida de segurança, se atribui, por via funcional, ao Agente Penitenciário, servidor componente da Segurança Penitenciária (segurança especializada) a responsabilidade do acesso desta pessoa às assistências material, jurídica, educacional, social e religiosa, determinadas pela Lei de Execução Penal – LEP e necessárias ao tratamento penal. O Agente Penitenciário, em sua relação de maior proximidade ao preso na Unidade Prisional, deve estar atento às demandas e necessidades do mesmo e, assim, atuar na proposição da assistência necessária. Como visto, o Agente Penitenciário, na realização das atribuições inerentes a seu cargo, revista pessoas, objetos e ambientes, atende autoridades, advogados e familiares de presos, previne fugas, rebeliões e crimes dentro do próprio sistema penitenciário. Portanto, faz-se imperativo ao agente penitenciário o exercício ético de suas atribuições e o entendimento de que deve atuar de acordo com a importância do lugar que ocupa em relação aos propósitos de execução da pena. 12. ELABORAÇÃO DE RELATÓRIO DIÁRIO (REGISTROS) Escala de Serviço Para a Escala de Serviço, o Agente deverá seguir a seguinte rotina: 1) Preencher com os nomes dos membros da equipe, com respectivas matrículas funcionais e escala de trabalho; Exemplo: João de Jesus, 0000011, 24h; José da Silva, 0000012, 12h. Informar os membros da equipe ausentes ou que chegaram atrasados ao início do plantão; Redigir a palavra “Relator” na frente do nome do servidor responsável pelos registros do plantão; Fica facultativo à Direção/Chefia de Segurança/Chefia de Equipe da UP, especificar os postos de trabalho ocupados durante o plantão. 2) 3) 4) Recebimento de Plantão Quanto ao Recebimento do plantão, o Agente deverá informar a data e a hora do recebimento do plantão com o total da população carcerária e dos materiais (operacionais e/ou diversos) recebidos, conforme o modelo abaixo. Modelo: “Recebemos o plantão às 08 horas do dia 20/08/2005, com a população carcerária composta de 280 (Duzentos e Oitenta) presos, os seguintes materiais operacionais: (descrever o material e a quantidade recebida) e os seguintes materiais diversos: (descrever o material, a quantidade recebida e o destinatário)”; Contagem de Presos Quanto à Contagem dos Presos, o Agente deverá informar o horário da contagem e o número de presos por local, totalizando ao final. Exemplo: Cela Disciplinar: 0005; Galeria A: 200; Galeria B: 40; Enfermaria: 03; Pavilhão I: 05; Pavilhão II: 03. Total de presos:_________________________ Visita Externa Com relação à Visita Externa, o Agente deverá informar o nome e o documento de identidade do visitante e o preso visitado. Caso não haja visita, preencher com “Não houve visita externa”. Movimentação Interna No que concerne à Movimentação Interna, o Agente deverá relatar toda movimentação dos presos dentro da UP, numerados como, por exemplo: 1) Atendimento com Advogado: Nome do Preso: (nome completo) Nome do Advogado: (nome completo) Número da Carteira OAB: Hora de início: Hora de término: 2) Atendimento de Saúde: Nome do Preso: (nome completo) Nome do Atendente: (nome do completo) Hora de início: Hora de término: 3) Atendimento com Psicólogo: Nome do Preso: (nome completo) Nome do Psicólogo: (nome completo) Hora de início: Hora de término: 4) Atendimento com Serviço Social: Nome do Preso: (nome completo) Nome do Assistente Social: (nome completo) Hora de início: Hora de término: 5) Atendimento com Jurídico: Nome do Preso: (nome completo) Nome do Advogado: (nome completo) Hora de início: Hora de término: 6) Banho de Sol: Ala/Galeria/Rua: Hora de início: Hora de término: 7) Oficinas: Nome da Oficina: Número total de presos: Hora de início: Hora de término: 8) Escola e Cursos: Nome do Curso: Número total de presos: Hora de início: Hora de término: 9) Outras Movimentações internas, respeitando os modelos acima. Movimentação Externa Com relação à Movimentação Externa, o Agente deverá relatar toda movimentação dos presos para fora da UP, numerados, por exemplo: 1) Atendimento em Posto Médico: Nome do Preso: (nome completo) Destino: (nome do posto de saúde) Componentes da Escolta: (Nomes e respectivas matrículas funcionais) Hora de saída: Hora de retorno: 2) Internação Hospitalar: Nome do Preso: (nome completo) Destino: (nome do hospital ou do posto de saúde) Componentes da Escolta: (Nomes e respectivas matrículas funcionais) Hora de saída: Hora de retorno da Escolta: 3) Encaminhamento para cumprimento de Alvará de Soltura: Nome do Preso: (nome completo) Ofício: (número do ofício de solicitação do Juiz ou Juízo) Nome do servidor que retirou o preso da cela: Hora de saída: 4) Saída para Fórum: Nome do Preso: (nome completo) Destino: (nome do fórum) Componentes da Escolta: (Nomes e respectivas matrículas funcionais) Ofício: (número do ofício de solicitação do Juízo ou Juiz) Hora de saída: Hora de retorno: 5) Transferência para outras Unidades: Nome do Preso: (nome completo) Destino: (Nome da UP) Componentes da Escolta: (Nomes e respectivas matrículas funcionais) Ofício: (número do ofício de solicitação da autoridade competente) Hora de saída: 6) Saída para Trabalho Externo: Nome da Empresa/Organização: Número Total de Presos: Hora de saída: Componentes da Escolta: (Nomes e respectivas matrículas funcionais, se aplicável) Hora de retorno: 7) Outras Movimentações Externas, Respeitando Os Modelos Acima. Chegada de Preso Com relação à Chegada do Preso, o Agente deverá preencher o Relatório da seguinte forma: Nome do Preso: (nome completo); Ofício: (número do ofício de encaminhamento da autoridade competente); Origem: (nome do DPJ ou nome da UP ou local em que estava internado); Condutor: (Nome Completo e Matricula Funcional); Hora de entrada: Caso não haja chegada de novos presos, preencher com “Não houve chegada de novos presos”. Fugas, Rebeliões, Transgressões de Presos e Outras Ocorrências Relevantes O Agente deverá relatar todas as fugas, rebeliões, transgressões de presos e outras ocorrências relevantes, detalhando ao máximo possível o ocorrido. Caso não haja ocorrências relevantes, preencher com “Não houve ocorrências relevantes durante o plantão”. Passagem de Serviço No que concerne à Passagem de Serviço, o Agente deverá seguir a seguinte rotina: 1) Descrever todos os materiais que estão sendo entregues, a data, o horário e a população carcerária, conforme o modelo abaixo: “Passamos o plantão às 08 horas do dia 21/08/2005, com a população carcerária composta de 270 (Duzentos e Setenta) presos, os seguintes materiais operacionais: (descrever o material e a quantidade recebida) e os seguintes materiais diversos: (descrever o material, a quantidade recebida e o destinatário)” 2) Assinar e escrever o número funcional. Caso o relator tenha carimbo, basta carimbar 3) 4) 5) 6) e assinar (Fica facultativo ao restante da equipe assinar e escrever a matricula funcional.); Riscar o espaço não utilizado da folha (até o final, frente e verso), para que a equipe seguinte possa iniciar seus registros na próxima folha numerada e em branco; Disponibilizar o livro para a direção da UP dar vistas aos registros e ocorrências; No campo “Visto Em” do cabeçalho apresentado ao diretor da UP deve informar a data em que fez a leitura do registro e rubricar logo abaixo da data; Guardar o Livro em local seguro, definido pelo Chefe de Segurança ou Diretor da UP. Observação: Ao término do livro, o diretor da UP deverá preencher o Termo de Encerramento, assiná-lo e colá-lo no verso da contracapa do Livro. Cuidados Especiais Só é permitido pular uma linha entre um registro e outro, incluindo o espaçamento entre o cabeçalho e o registro da abertura do plantão. O livro deverá ser escrito com letra legível e com caneta esferográfica azul ou preta. Deve-se preencher o Livro de Registros em horários em que a UP estiver mais calma, para que o relator possa auxiliar os demais no atendimento às ocorrências. Nenhum papel poderá ser colado ao livro, salvo o “Termo de Abertura” e o “Termo de Encerramento”. Toda a escrita no Livro deve ser feita sem rasuras e sem uso de corretivos. Em caso de erro na escrita, utilizar palavras como “DIGO” ou “RETIFICO”, mas nunca utilizar rasuras. Caso haja necessidade de transcrever algum trecho do Livro por solicitação oficial, identificar com a palavra: “TRANSCRITO”, à esquerda do texto. Quando o Diretor da UP não estiver na Unidade, as responsabilidades serão do Diretor Adjunto/Chefe de Segurança/Chefe de Equipe, na sequência decrescente hierárquica. Em caso de perda, dano ou extravio do Livro de Ocorrências, comunicar ao Diretor da UP, ao Coordenador da COSIPE e registrar Boletim de Ocorrência na Delegacia Local. REFERÊNCIAS Constituição Federal. Constituição Estadual. Código Penal. Código de Processo Penal. Lei de Execução Penal nº 7.210/84. Lei nº. 8.069/90, ECA. Lei Federal 9.982/2000. Lei nº. 10.826/2003. Decreto nº 5.123/2004. Lei nº. 13.875, (D. O. E. de 07 de fevereiro de 2007). Súmula Vinculante nº. 11, do STF. Lei nº. 12.012, de 06 de agosto de 2009. Lei nº 14.582, de 21.12.09 (D.O. 28.12.09). Lei Estadual nº. 14.966, de 13 de julho de 2011. Código de Organização Judiciária do Estado do Ceará. Regimento Geral das Unidades Prisionais do Estado do Ceará. Lei nº. 11.343, de 23 de agosto de 2006. Resolução nº 104 (CNJ), de 06 de abril de 2010. RESOLUÇÃO nº. 14, de 11 de novembro de 1994, (CNPCP), Publicada no DOU de 2.12.2994. PORTARIA/SEJUS nº. 159/2011, de 12 de abril de 2011. (D.O.E 11/05/2011). Padrões Operacionais Aplicáveis nas Unidades Prisionais do Estado do Espirito Santo. 2005. Manual do Servidor Penitenciário da Secretaria de Estado da Justiça - Goiás, 2006. Manual do Agente Penitenciário SEAP. Manual de Procedimento e Regimento Interno Padrão dos Estabelecimentos Prisionais do Estado de São Paulo – SP. Slides apresentados em aula ministrada pelo Professor Cel. PM Adail Bessa de Queiroz, UNIVERSIDADE DO PARLAMENTO – FACULDADE ATENEU – ESPECIALIZAÇÃO EM SEGURANÇA PÚBLICA – POLICIAMENTO ORIENTADO À SOLUÇÃO DE PROBLEMAS. 2011. Lei nº 11.809, de 22 de Maio de 1991. Decreto Federal n° 16.665, de 6 de Novembro de 1924. Lei n° 6.085, de 08 de Novembro de 1962. Lei n° 11.491, de 23 de Setembro de 1988 Lei n° 12.605, de 15 de julho de 1996 Lei n° 7.210, de 11 de Julho de 1984 Lei n° 12.686, de 14 de Maio de 1997 Lei n° 9.807, de 13 de Julho de 1999 Lei n° 13.297, de 07 de Março de 2003 Lei n° 13.193, de 10 de Janeiro de 2002 Lei n° 13384, de 13 de Outubro 2003 Lei n° 13.393, de 31 de Outubro de 2003 Decreto n° 27.385, Publicado em 05 de Março de 2004 Lei n° 14.040, de 27 de Dezembro de 2007 Lei n° 14.869, de 25 de Janeiro de 2011 Decreto n° 30.573, de 07 de Junho de 2011 Decreto n° 30.682, de 22 de Setembro de 2011 Decreto n° 30.442, de 11 de Fevereiro de 2011 “A Formação Operacional e a Instrumentalidade que Buscamos deve estar comprometida com Tratamento Digno à Pessoa Reclusa.” DISCIPLINA RELAÇÕES HUMANAS E ÉTICA NO TRABALHO SUMÁRIO Apresentação............................................................................................................ 29 Texto 1: As Relações Humanas, a Dimensão da Ética e a Vida em Sociedade ... 30 1. O indivíduo, as interações sociais e os tipos de relações sociais ......................... 31 2. Os processos sociais básicos: cooperação, competição, acomodação, assimilação e o conflito social ................................................................................................... 31 3. O campo da ética e a definição de moral: as regulamentações, a lei e o controle social ................................................................................................................... 32 3.1. Normas e costumes sociais ........................................................................... 33 3.2. Desvio social ................................................................................................ 34 3.3. Desvio social e crime .................................................................................... 34 4. Algumas considerações: ética, interação social e os novos valores do tempo presente ................................................................................................................. 34 Texto 2: Admirando a Ética ................................................................................... 36 Texto 3: A Ética no Serviço Público ...................................................................... 37 Referências Bibliográficas ...................................................................................... 41 Cada um que passa em nossa vida, passa sozinho, pois cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra. Cada um que passa em nossa vida, passa sozinho, Mas, não vai só, Nem nos deixa sós, Leva um pouco de nós mesmo, Deixa um pouco de si mesmo, Há os que levam muito, Mas, há os que não levam nada, Há os que deixam muito, Mas, há os que não deixam nada... Antoine de Saint-Exupery APRESENTAÇÃO A disciplina “Relações humanas e ética no trabalho” circunscreve uma discussão sobre a sociabilidade humana, ética e convivência social, no intuito de promover a compreensão dos alunos acerca da importância da ética no âmbito societário e profissional, enfatizando as relações construídas em grupo, bem como os aspectos referentes à interação de indivíduos, em suas formas de cooperação, competição e conflitos sociais. De fato, em todo grupo humano existe a necessidade de conviver e estabelecer relações. Daí, a ideia de que a convivência é também formativa, no sentido de ajudar o processo de reflexão, interiorização pessoal, sendo considerada pelos estudiosos do comportamento humano como um sinal de maturidade psíquica. De acordo com FRITZEN (1998), a sociabilidade e a socialidade são as duas formas básicas de estabelecer relação com o meio. A sociabilidade faz parte da natureza humana: é a necessidade de comunicação ativa e passiva que se manifesta no indivíduo desde o seu nascimento. A socialidade vai depender das circunstâncias, do ambiente, do nível de participação da pessoa em sociedade. Com foco principal na ética e nas relações humanas, o conteúdo programático da disciplina divide-se em três eixos temáticos, quais sejam: 1. As relações humanas: conceitos e fundamentações, enfatizando o processo de socialização humano, as interações sociais e os tipos de relações sociais – interação social, cooperação, oposição, competição, acomodação, assimilação e conflito. 2. O conceito de Ética e Moral, discutindo as regulamentações, a lei, o controle social, as normas, costumes sociais e desvios sociais e crime. 3. A ética como produto das relações humanas, refletindo a ética no serviço público e no âmbito profissional. A metodologia a ser aplicada, consubstancia-se no desenvolvimento de um programa com aulas expositivas, discussão de textos e avaliações, que visam promover a compreensão dos alunos acerca dos princípios éticos e morais, bem como do desenvolvimento do compromisso ético-profissional no exercício da prática de agente penitenciário no Ceará. Desse modo, o acompanhamento do desempenho do aluno será processual, considerando o avanço dos conteúdos aplicados e a participação em sala de aula. Texto 1. As relações humanas, a dimensão da ética e a vida em sociedade Rilda Bezerra de Freitas1 Rápida introdução O ser humano como ser social nem sempre viveu em grupos. Se realizarmos uma pesquisa sobre a história humana desde os tempos mais remotos, verificaremos esta proposição. É a vida em grupo que transforma o animal homem em um ser social. Sem o contato com um grupo social, o homem dificilmente poderia desenvolver as características que chamamos humanas. Desse modo, pode-se dizer que a interação social é fruto de um processo de aprendizagem, ou mais precisamente de “SOCIALIZAÇÃO, que é o processo pelo qual, ao longo da vida, a pessoa aprende e interioriza os elementos socioculturais de seu meio, integrando-os na estrutura de sua personalidade sob a influência de experiências e agentes sociais significativos, e adaptando-se assim ao ambiente social em que vive” (Lakatos apud Bernardes, 1995: p.36). Ao nascer, o indivíduo possui apenas potencialidades de tornar-se humano. Ao interagir com outros, passa por várias experiências, e vai sendo socializado. Conforme Dias (2004, p. 38), “esse processo, através do qual o ser humano vai aprendendo o modo de vida de sua sociedade, desenvolvendo a capacidade de funcionar como indivíduo e como membro do grupo é que denominamos “socialização”. A socialização pode ser definida como a aquisição das maneiras de agir, pensar e sentir próprios dos grupos, da sociedade ou da civilização em que o indivíduo vive (a conversa, a paquera, a conquista, as trocas e negociações entre os indivíduos são formas de socialização). A socialização do individuo numa dada sociedade permite que ele adquira uma personalidade própria, que o diferencia dos demais e, ao mesmo tempo, que o identificará como pertencente a determinado grupo social. Assim, cada indivíduo é socializado de modo a vivenciar processos de identificação com outros indivíduos em sociedade, ao mesmo tempo em que, possuem diferenças e traços de singularidade que os tornam únicos. Desse modo, cada ser social possui traços identitários que os aproximam e os tornam parecidos, mas, também definem suas diferenças, as quais apresentam as tendências do comportamento visto como “totalizante” de uma pessoa. O processo de socialização é um processo fundamentalmente cultural. Tudo que é socialmente aprendido e partilhado pelos membros de uma sociedade é cultura. Essa definição ampla inclui os conhecimentos, as crenças, a arte, a moral, os costumes e 1 Assistente social, mestre e doutora em sociologia, pesquisadora vinculada ao Programa de Pósgraduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza – UNIFOR, através do Plano Nacional de pós-doutorado – PNPD/CAPES. outras capacidades e hábitos adquiridos em sociedade, e essa aquisição é obtida pelo processo de socialização. Aprendemos os costumes, as crenças, hábitos de nosso povo através da socialização. Adquirimos cultura através da socialização. 1. O Indivíduo e as Interações Sociais – Os tipos de Relações Sociais A rigor, a interação social pode ser definida como uma ação recíproca de ideias, atos ou sentimentos entre pessoas, entre grupos ou entre pessoas e grupos. A base de toda vida social é a interação social. A interação implica modificações do comportamento das pessoas ou grupos que dela participam. Sendo ela responsável pela socialização dos indivíduos e também pela formação da personalidade. Para que a interação social se processe, é necessário que haja contato social entre os indivíduos. O simples contato físico não basta. Importante é que como resultado desse contato e da comunicação que se estabelece entre eles, ocorre uma modificação de comportamento das pessoas envolvidas. Às diferentes formas que a interação social pode assumir denominamos de relação social, as quais podem ser de vários tipos: culturais, econômicas, religiosas, políticas, pedagógicas, familiares etc. 2. Os processos sociais básicos: cooperação; competição; acomodação; assimilação e o conflito social. Os processos sociais são a interação repetitiva de padrões de comportamento comumente encontrados na vida social. São maneiras diversas que os indivíduos e/ou os grupos se relacionam. Os principais processos de interação são os seguintes: Cooperação consiste sempre numa ação comum para realizar determinado fim. É uma forma de interação em que diferentes indivíduos e/ou grupos trabalham juntos para um fim comum. A divisão do trabalho é uma forma importante de cooperação e pressupõe que cada indivíduo e/ou grupo realiza um trabalho diferente para manutenção da sociedade. Competição é um processo social que ocorre com os indivíduos e/ou grupo social, e que consiste na disputa consciente ou inconsciente por determinado objetivo ou por bens e vantagens sociais limitadas em número e oportunidade (bens escassos). Na sociedade vigente – a capitalista – os indivíduos são estimulados a competir em todas as suas atividades, seja na família, na escola, no emprego, no lazer etc. Entretanto, quando a competição se torna altamente consciente, e há hostilidade deliberada, a mesma se torna rivalidade. Da rivalidade pode ser gerado o conflito. Conflito é um processo pelo qual indivíduo(s) e/ou grupos procuram recompensas pela eliminação ou enfraquecimento dos competidores. Na sua forma mais extrema, o conflito leva à eliminação total dos oponentes. Os indivíduos e/ou grupos em conflito têm consciência de suas divergências, existindo entre eles rivalidade, crítica fortemente carregada de emoção, muitas vezes ódio e apresentam como primeiro impulso a destruição do adversário. Acomodação é um processo pelo qual o indivíduo e/ou grupo se ajustam a uma situação conflitiva sem terem admitido mudanças importantes nos motivos que deram origem ao conflito. Consiste em criar acordos temporários entre os oponentes. A acomodação pode ter vida curta ou perdurar durante séculos. Na realidade a acomodação só encobre ou provoca a diminuição do conflito, não o elimina. Somente com a assimilação ou negociação pode desaparecer o conflito. Assimilação é um processo que implica profundas alterações nas maneiras de pensar, sentir e agir de indivíduos ou grupos. É um processo longo e complexo, que garante uma solução permanente para os conflitos. A assimilação é o processo que surge se a acomodação tiver êxito e perdurar, o que acabará afetando, além do comportamento exterior, os hábitos e costumes daqueles que se acomodaram. A assimilação é um processo profundo e durável no qual os valores e as atitudes são partilhados por pessoa e/ou grupos que são diferentes e que se tornam semelhantes. 3. O campo da ética e a definição de moral: as regulamentações, a lei e o controle social. Em toda sociedade há certo consenso entre seus membros do que pode ser definido como feio ou bonito, bem ou mal, caos e ordem, honrado e vergonhoso. Os valores variam de acordo com as civilizações e, no interior de uma mesma civilização, com seus grupos, camadas e classes sociais. Do mesmo modo, os valores variam com o tempo numa mesma civilização e nos mesmos grupos sociais. Assim, são os valores que determinam numa dada civilização aquilo pelo o qual vale a pena viver e, eventualmente, morrer (Exemplo: filme “O Último Samurai”). De fato, estes valores organizam-se num “ideal” que a sociedade impõe aos seus membros como uma forma de controle social. Tal ideal orienta os comportamentos e atos dos indivíduos. Em verdade, ninguém nasce bom ou mau, nem aprende a ser ético de uma hora para outra. Saber discernir entre o bem e o mal é produto de um processo civilizador. Nesse sentido, a ética não é um conjunto de ideias e de valores que aprendemos automaticamente. A apreensão da ética está ligada a uma concepção de mundo, a educação familiar, a um conjunto de valores, a dimensão religiosa, a personalidade de cada sujeito social, suas escolhas e definições identitárias. Em último sentido, a conduta ética é uma orientação que deve ser guiada pela fundamentação da verdade. Sobre isso, vale questionar o seguinte: com tantos escândalos de corrupção, desrespeitos e violências de todos os tipos, pode-se afirmar que vivenciamos hoje uma crise da verdade? Vivenciamos hoje uma crise na dimensão da ética? (Tal reflexão será trabalhada posteriormente nas discussões, perguntas e debate em grupo.) Retomando o seu significado etimológico, ética significa um “modo de ser”, que em sentido mais geral, define aquilo “que é bom para o indivíduo e para a sociedade” e estabelece a natureza de deveres no relacionamento do indivíduo com a sociedade. Assim, a ética pode ser interpretada, ainda num termo genérico, como aquilo que é descrito enquanto "ciência da moralidade", do grego a “Casa da Alma”, susceptível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, relativamente à determinada sociedade e seus grupos. Baseando-se numa relação entre LEI e ÉTICA, é necessário destacar que não se deve confundir a ética com a lei, embora com certa frequência a lei tenha como base principal os princípios éticos. Contrariamente ao que ocorre com a lei, nenhum indivíduo pode ser compelido, pelo Estado ou por outros indivíduos, a cumprir as normas éticas, nem sofrer qualquer sanção pela desobediência a estas. Se por um lado a lei pode ser omissa quanto a questões abrangidas no campo da ética, por outro lado, a dimensão da ética é tão importante que as profissões, em sua maioria, têm os seus próprios códigos de ética profissional – um conjunto de normas de cumprimento obrigatório, derivadas dos princípios éticos – geralmente regulamentados e incorporados na lei pública. Sobre a concepção de MORAL, vale destacar a derivação oriunda do latim “mor” ou “mores”, que significa um conjunto de “costumes”. Assim, a moralidade pode ser definida como a aquisição de um modo de ser, conseguido pela apropriação ou por níveis de apropriação, onde se encontram o caráter, os sentimentos e os costumes. Alguns dicionários definem moral como o "conjunto de regras de conduta consideradas como válidas e éticas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupos ou pessoas determinadas" (Wikipédia, internet). Em verdade, são regras estabelecidas e aceitas pela sociedade, durante determinados períodos de tempo. 3.1. Normas e Costumes sociais. Quando os valores se transformam em normas e costumes, asseguram a regulamentação da vida dos indivíduos e dos grupos de uma sociedade. Portanto, uma norma pode ser definida como uma obrigação social, a que o indivíduo está submetido. Podemos dizer que as normas são ideias muito fortes do que é certo e do que é errado, as quais exigem dos indivíduos certos atos e proíbem outros. Há duas categorias importantes de normas. Aquelas que estão codificadas no Direito e sancionadas pelo Poder Público e aquelas que estão ritualizadas nos costumes e comportamentos cotidianos. A diferença entre a opinião comum e a norma é que a opinião comum pode ser objeto de discussão num grupo, enquanto a norma não. Exemplificando, se uma opinião comum torna-se cada vez mais forte, todos se compenetram de que é preciso tomar alguma providência para fazer com que ela seja respeitada; é nesse momento que ela se torna uma norma (Exemplo: Um código de ética de determinada categoria profissional). 3.2. Desvio Social É preciso entender que é impossível fazer com que todos os seus membros venham a agir da forma esperada durante o tempo todo. Quando isso não ocorre, temos o “desvio social”, que poderá ser caracterizado como qualquer falha na obediência das normas existentes ou no cumprimento das leis. Ou seja, é um comportamento qualquer que não corresponde às expectativas da sociedade, ou de um grupo determinado dentro da sociedade. Quando o comportamento adere pouco às normas e as contradiz nitidamente, ou por uma razão qualquer o indivíduo situa-se fora ou à margem do grupo, denominamos a esse fenômeno social de “marginalidade”. 3.3. Desvio social e crime. O desvio social define-se pela violação de normas instituídas por uma sociedade determinada. A maior parte dos estudos de desvio social feito por sociólogos, advogados ou outros profissionais está centrada nas investigações criminais. Há vários tipos de crime e comportamento criminosos. Alguns exemplos são: crimes que envolvem violência contra as pessoas; crimes de apropriação indébita; crimes ocupacionais; políticos; contra a ordem pública; de delinquência juvenil etc. Os pesquisadores apresentam várias explicações sobre a motivação dos atos criminosos e o aumento da criminalidade. Por exemplo: ele pode ser o produto da desigualdade social extrema, ou de um desenvolvimento econômico rápido, acompanhado de mudanças sociais bruscas. (EXEMPLO: Crescimento urbano, fluxo exacerbado de migrações etc.). 1. Algumas considerações: Ética, interação social e os novos valores do tempo presente. O tempo presente testemunha o aumento das desigualdades e dos problemas sociais, os quais atingiram índices significativos nos últimos anos: crescimento da violência, do desemprego, da pobreza, enfim. No Brasil, não precisa ir muito longe para esbarrar em dados que revelam a forte concentração de renda no País e profundas desigualdades sociais. Nesse quadro, a busca por direitos a educação, saúde e trabalho ainda deveriam ser fundamentais, enquanto direitos de cidadania. Nesta perspectiva, a consolidação da cidadania seria um objetivo real para os brasileiros. No entanto, observa-se hoje que os princípios éticos e a luta por igualdade e dignidade humana parece banalizada, sendo pouco a pouco substituída por outras possibilidades de inclusão social. O gozo pleno dos direitos sociais parecem não fazer tanto sentido na contemporaneidade. Os princípios de “bem comum” e moralidade, agora parecem substituídos pela busca desenfreada por outros bens, que podem ser caracterizados com a seguinte frase de Boaventura de Souza Santos (2002): “vivenciamos hoje a cidadania e a ética do terceiro milênio, que substitui carteiras de identidades por cartões de crédito”. Nesta compreensão, o cidadão contemporâneo é aquele que tem possibilidades e poder de consumir. E, desse modo, a ética vai sendo substituída aos poucos pela lógica do consumo, numa sociedade que, parece destinada a fabricar uma imensa massa de excluídos, que não têm direito ao exercício pleno desta forma de participação social, pois, sem potencial para consumir, estes sujeitos são excluídos e visualizados como seres sobrantes na ética do consumo. De fato, os novos valores contemporâneos parecem expressar a ausência de grandes projetos ético-sociais, onde a verdade e o bem permeiem a relações sociais. Assim, a crença no individualismo pode ser apontada como consequência da “quase ausência” de projetos coletivos na atual sociedade urbana brasileira. Nesta realidade, ao invés de as pessoas preocuparem-se em reivindicar seus direitos de cidadania, elas passaram a lutar pela posse de objetos que acreditam facilitar sua inclusão em determinados grupos sociais. Vale assinalar que, talvez, isso não seja um processo natural, mas forjado pela mídia como conformação do campo ético na atualidade. O possuir, agora parece substituir os ideais de bem comum e formalizar a participação do indivíduo em sociedade, que antes deveria priorizar a conquista do exercício dos direitos políticos, civis e sociais, com a consolidação da ética e da cidadania como princípios fundamentais à vida em sociedade. Texto 2 – Admirando a Ética. (Por Jordan Augusto) As pessoas influenciam-nos, as vozes comovem-nos, os livros convencem-nos, os feitos entusiasmam-nos. (John Henry Newman) Sempre fui um admirador da ética e de seus seguidores. A beleza do respeito alheio e a forma de encará-lo demonstra no homem o valor aprendido. Em um maravilhoso texto sobre ética de Luiz Fernando Veríssimo, é possível perceber que, a atitude ética, ao contrário, é includente, tolerante e solidária: não apenas aceita, mas também valoriza e reforça a pluralidade e a diversidade, porque a dimensão plural/diversa é uma condição humana. A falta de ética instaura um estado de guerra e de desagregação, pela exclusão. A falta de ética ameaça a humanidade. Em que e onde, no Brasil, está mais fazendo falta a ética? Em resposta à supramencionada questão, cabe afirmar que a falta e a quebra da ética ameaça todos os setores e aspectos da vida e da cultura de um país. Mas não há como negar que, na vida política, a falta ou quebra da ética tem o efeito mais destruidor. Isto se dá porque o campo político deve ser um ícone social, um campo de relações e interações por excelência. De fato, a política pode ser entendida como um vetor de equilíbrio de uma nação. Quando a política não realiza sua função, de ser a instância que faz valer a vontade e o interesse coletivo, rompe-se a confiabilidade e o tecido político e social do país se esgarça. O mesmo acontece quando a classe da política representativa – parlamentares, governos, prefeitos etc. – apoiam-se, tão somente, no poder público para fazer valer seus interesses privados. A multiplicação de escândalos políticos no Brasil deixa transparecer uma séria crise ético-social, cuja dimensão é ainda mais grave que uma de suas próprias consequências: a de converter o campo da ética em coisa banal, coisa natural e corriqueira, diante da qual os cidadãos sejam levados a concluir que “sempre foi assim, nada pode fazer isso mudar”, ou coisa ainda pior: “ele rouba, mas faz”. Por outro lado, uma vida política saudável, transparente, representativa, responsável, verdadeiramente democrática, ou seja, ética, tem o poder de alavancar a autoconfiança de um povo e reerguer um país fragmentado, “aos pedaços”, ameaçado pela desagregação. Diante deste quadro, é necessário concluir que a ética é um comportamento social. Ninguém é ético num vácuo, ou teoricamente ético, ou seja, quem vive numa economia aética, sob um governo antiético e numa sociedade imoral acaba podendo exercer a sua ética somente em casa, ou pior: acaba achando comportamentos desviantes do campo da ética e da moral como algo corriqueiro, natural, onde ser ético acaba parecendo esquisitice, coisa de gente chata, certinha demais etc. Dessa forma, os valores vão sendo invertidos, numa total banalização do respeito pela vida em sociedade. Nesses tempos de desagregação, onde o “ter” parece sobrepujar o “ser”, alguns questionarão: Ainda vale a pena seguir uma conduta de ética pessoal, em um mundo onde os valores e princípios éticos parecem fora de moda, em desuso? Vale à pena prosseguir com a ética privada, em sua própria casa, já que ninguém mais pode ter a pretensão de ser um exemplo moral sequer para o seu cachorro, uma vez que tudo à sua volta é um exemplo do contrário. Para responder a este questionamento, faço uso primeiramente de um provérbio suíço: “as palavras são anões, os exemplos são gigantes”. Por isso, esforça-te para ser e dar exemplo. Texto 3 – A Ética no Serviço Público 2. Este artigo é fruto de uma intensa atividade de reflexão escrita por todos nós, alunos do Curso de Direito da UMESP. Ele surgiu da discussão que esteve presente no decorrer do semestre na disciplina: Cidadania, ética pública e ação cultural. Resolvemos escrever sobre os serviços prestados ao público, devido aos abusos relatados pelos meios de comunicação presentes em nosso cotidiano, pelo que Milton Santos chama de funcionários sem mandato, é sabido que muitas pessoas que confiaram no trabalho se decepcionaram. O presente texto pretende trabalhar estas ideias, de modo que possamos olhar através da perspectiva do direito, o desrespeito que vem ocorrendo às regras de conduta e à ética, requeridas pelo trabalho que os serviços públicos visam prestar. Para que possamos esclarecer melhor estas ideias, chegamos à questão da ÉTICA NO SERVIÇO PÚBLICO. Mas, o que é "ética"? Contemporaneamente e de forma bastante usual, a palavra ética é mais compreendida como disciplina da área de filosofia e que tem por objetivo a moral ou moralidade, os bons costumes, o bom comportamento e a boa fé, inclusive. Por sua vez, a moral deveria estar intrinsecamente ligada ao comportamento humano, na mesma medida em que estão o caráter, a personalidade etc., presumindo, portanto, que também a ética pode ser avaliada de maneira boa ou ruim, justa ou injusta, correta ou incorreta. Num sentido menos filosófico e mais prático, podemos entender esse conceito, analisando certas situações do nosso dia a dia, quando nos referimos, por exemplo, ao comportamento de determinados profissionais como médicos, jornalistas, advogados, administradores, policiais, políticos e, até mesmo, professores, utilizando expressões do tipo: ética médica, ética jornalística, ética administrativa, ética pública, que se têm tornado muito comuns. Pode-se verificar que a ética está diretamente relacionada ao padrão de comportamento do indivíduo, dos profissionais e também do político, como falamos anteriormente. O ser humano elaborou as leis para orientar seu comportamento frente às nossas necessidades (direitos e obrigações) e em relação ao meio social, entretanto, não 2 Artigo publicado pelos alunos do curso de direito, Universidade Metodista de São Paulo – UMESP, disciplina de Cidadania, ética pública e ação cultural, 2008. Site é possível para a lei ditar nosso padrão de comportamento e é aí que entra outro ponto importante – a cultura, ficando claro que não se trata da cultura no sentido de quantidade de conhecimento adquirido, mas sim da qualidade, na medida em que esta pode ser usada em prol da função social, do bem estar e tudo mais que diz respeito ao bem maior do ser humano. Este sim é o ponto fundamental, a essência, o ponto mais controverso quando se trata da questão ética na vida pública, à qual iremos aprofundarnos um pouco mais, por se tratar do tema central dessa pesquisa. E a questão da ética no serviço Público? Quando falamos sobre ética pública, logo pensamos em corrupção, extorsão, ineficiência etc., mas na realidade o que devemos ter como ponto de referência em relação ao serviço público, ou na vida pública em geral, é que seja fixado um padrão a partir do qual possamos em seguida avaliar a atuação dos servidores públicos ou daqueles que estiverem envolvidos na vida pública. Entretanto, não basta que haja padrão, mas é necessário que esse padrão seja ético, acima de tudo. O fundamento que precisa ser compreendido é que os padrões éticos dos servidores públicos advêm de sua própria natureza, ou seja, de caráter público, e sua relação com o público. E a questão da ética pública está diretamente relacionada aos princípios fundamentais, sendo estes comparados ao que chamamos no Direito, de "Norma Fundamental", uma norma hipotética com premissas ideológicas e que deve reger tudo o que estiver relacionado ao comportamento do ser humano em seu meio social, amparado, até mesmo na Constituição Federal. Esta ampara os valores morais da boa conduta, a boa fé acima de tudo, como princípios básicos e essenciais a uma vida equilibrada do cidadão na sociedade, lembrando, inclusive, o "bem viver" tão citado pelos gregos antigos. Outro ponto bastante controverso é a questão da impessoalidade. Ao contrário do que muitos pensam, o funcionalismo público e seus servidores devem primar pela questão da "impessoalidade", deixando-se claro que o termo é sinônimo de "igualdade", esta sim, é a questão chave que eleva o serviço público a níveis tão ineficazes, pois não se preza a questão da igualdade. Entretanto, no ordenamento jurídico está claro e expresso, "todos são iguais perante a lei". Nesse sentido, a ideia de impessoalidade, supõe uma distinção entre aquilo que é público e aquilo que é privado (no sentido do interesse pessoal), que gera, portanto, o grande conflito entre os interesses privados acima dos interesses públicos. Podemos verificar abertamente nos meios de comunicação, rádio, televisão, jornais e revistas, que este é um dos principais problemas que cercam o setor público, afetando assim, a ética que deveria estar acima de seus interesses. Não se pode falar de ética, impessoalidade (sinônimo de igualdade), sem falar de moralidade. Esta também é um dos principais valores que define a conduta ética, não só dos servidores públicos, mas de qualquer indivíduo. Invocando novamente o ordenamento jurídico, podemos identificar que a falta de respeito ao padrão moral implica, portanto, uma violação dos direitos do cidadão, comprometendo a existência dos valores dos bons costumes em uma sociedade. A falta de ética na Administração Pública encontra terreno fértil para se reproduzir, pois o comportamento de autoridades públicas está longe de se basear em princípios éticos e isto ocorre devido à falta de preparo dos funcionários, à uma cultura equivocada e, especialmente, à falta de mecanismos de controle e responsabilização adequada das condutas antiéticas. A sociedade, por sua vez, tem sua parcela de responsabilidade nesta situação, pois não se mobiliza para exercer os seus direitos de fato e impedir os casos de abuso de poder por parte do funcionalismo público. Um dos motivos para esta falta de mobilização social se dá, devido à falta de uma cultura cidadã, onde a sociedade exerça a sua cidadania e fiscalização. A cidadania, segundo Milton Santos “é como uma lei”, isto é, ela existe, mas, precisa ser descoberta, aprendida, utilizada e reclamada e só evolui através de processos de luta. Essa evolução surge quando o cidadão adquire esse status, ou seja, quando passa a ter direitos sociais. A luta por esses direitos garante um padrão de vida mais digno. Sobre isso Milton Santos questiona: "há cidadão neste País"? Segundo o autor, desde o nascimento, os sujeitos herdam de seus pais e, ao longo de sua vida, também da sociedade, conceitos morais que vão sendo contestados posteriormente, com a formação das ideias de cada um, porém, a maioria das pessoas não possui consciência de sua cidadania. Talvez, a educação seja o mais forte instrumento na formação do cidadão consciente para a construção de um futuro melhor. Enquanto, no âmbito Administrativo, funcionários mal capacitados e sem princípios éticos, que convivem todos os dias com mandos e desmandos, atos desonestos, corrupção e falta de ética tendem a assimilar estas condutas por acreditarem que o aproveitamento e o beneficio próprio valem a pena. A consciência ética, tal como a educação e a cultura são aprendidas pelo ser humano, assim, a ética na administração pública pode e deve ser desenvolvida junto aos agentes/profissionais públicos, tendo em vista ocasionar uma mudança na administração pública, que deve ser sentida por todos que se utilizam do serviço público diariamente, quer seja por meio da simplificação de procedimentos, isto é através da rapidez de respostas e da qualidade dos serviços prestados, quer seja pela forma de agir no contato e no atendimento aos usuários atendidos ou beneficiados. A mudança que se deseja na Administração pública implica uma gradativa, mas necessária "transformação cultural" dentro da estrutura organizacional da Administração Pública, isto é, uma reavaliação e valorização das tradições, valores, hábitos, normas etc., que nascem e se formam ao longo do tempo e que criam um determinado estilo de atuação no seio da organização. Vale concluir este artigo, retomando o questionamento de Milton Santos, qual seja: "HÁ CIDADÃOS NESTE PAÍS?" Talvez, possamos responder em alto e bom som: SIM. Há cidadão neste País. E somos todos brasileiros. Mas, de fato, as palavras nem sempre referendam a realidade social, pela existência clara de um abismo entre o legal e o real. Finalizando, é necessário assinalar ainda alguns pontos básicos que julgamos essenciais para a boa conduta, para um padrão ético, impessoal e moralístico no serviço público: 1. Podemos conceituar ética, também como um padrão de comportamento orientado pelos valores e princípio morais e da dignidade humana. 2. O ser humano possui diferentes valores e princípios e a "quantidade" de valores e princípios atribuídos, determinam a "qualidade" de um padrão de comportamento ético: Maior valor atribuído (bem), maior ética; Menor valor atribuído (bem), menor ética. 3. A cultura e a ética estão intrinsecamente ligadas. Não nos referimos à palavra cultura como sendo a quantidade de conhecimento adquirido, mas, sim, à qualidade, na medida em que esta pode ser usada em prol da função social, do bem estar e tudo mais que diz respeito ao bem maior do ser humano. 4. A falta de ética induz ao descumprimento das leis do ordenamento jurídico.. 5. Maior impessoalidade (igualdade), maior moralidade = melhor padrão de ética no serviço público. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BERNADES, Cyro. Sociologia aplicada à administração. – 4ª. Ed. rev. São Paulo: Atlas, 1995. CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e Cidadãos. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005. CANCLINI, Nestor Garcia. Diferentes, desiguais e desconectados. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005. CARVALHO, José Murilo. A cidadania no Brasil. RJ: Civilização Brasileira, 2001. CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1980. ELIAS, Norbert. Introdução à sociologia. Lisboa Edições, 1970. ______________. O processo civilizador: uma história dos costumes, v. 01, 1994, Rio de Janeiro: Zahar Editora. ______________. A sociedade dos indivíduos, Rio de Janeiro: Zahar Editora. LAKATOS, Eva Maria. Sociologia geral. – 7. Ed. revisada e ampliada. São Paulo: Atlas, 1999. MINICUCCI, Agostinho. Relações humanas: Psicologia das relações humanas. São Paulo: Atlas, 2001. SANTOS, Boaventura de Sousa. A Globalização e as Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 2002. VILA NOVA, Sebastião. Introdução à sociologia. – 5ª. Ed., São Paulo: Atlas, 2000. DISCIPLINA REINTEGRAÇÃO SOCIAL: CONCEITUAÇÃO E BASE LEGAL SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................................ 30 A base legal................................................................................................................... 30 O Estado Democrático de Direito................................................................................. 30 A lei iguala a todos, sem qualquer distinção.................................................................31 Pressupostos conceituais............................................................................................... 31 Um sistema em construção............................................................................................32 A tarefa de todos: cumprir a lei.....................................................................................32 A GESTÃO PENITENCIÁRIA É ESTRATÉGICA PARA A GESTÃO SOCIAL... 32 Com quantos erres se promove a convivência pacífica?...............................................32 Projeto de todos, tarefa de cada um.............................................................................. 32 O papel do gestor penitenciário.....................................................................................33 Aparelhos repressivos do Estado e gestão penitenciária...............................................33 Repressão: prática de segurança que fragiliza a sociedade........................................... 33 Aptidão relacional: do cometimento do delito e para além do alvará........................... 34 A tarefa fundamental da gestão penitenciária................................................................34 PRINCÍPIO GERADOR DA EXECUÇÃO PENAL..................................................... 34 A harmônica integração social do condenado e do internado.......................................35 Liberdade, substantivo plural: o direito de ir e vir é apenas um..................................... 35 O tratamento humano e a preservação da dignidade do preso é dever do Estado por meio dos gestores e operadores do sistema penal......................................................... 36 O Tratamento de Prisioneiros, segundo a ONU e o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP)............................................................................... 36 A REINTEGRAÇÃO SOCIAL DE EGRESSOS PENAIS DEVE SER UM PROJETO COLETIVO EXTENSIVO A TODA SOCIEDADE................................. 37 O meio social – início e fim de todo circuito penitenciário...........................................37 A gestão penitenciária precisa promover a inserção da sociedade no cotidiano da prisão............................................................................................................................. 37 A pena deve ser uma oportunidade de investimento nas pessoas e não apenas mecanismo de punição ou de degredo social................................................................ 37 O Estado precisa promover a inserção da sociedade nos mecanismos de funcionamento da prisão................................................................................................38 O pacífico caminho da convivência...............................................................................38 Políticas Públicas Penitenciárias devem ser extensivas à colaboração de todos os segmentos organizados da sociedade............................................................................ 38 A contramão do princípio doutrinário da reaproximação e adaptação da pessoa presa ao contexto comunitário ..................................................................................... 39 O movimento de inserção social é bilateral...................................................................39 A superação do paradoxo.............................................................................................. 39 O trabalho da gestão penitenciária é “promover condições” para a integração social do recluso.......................................................................................................................40 A EDUCAÇÃO COMO ESPAÇO DE MÚLTIPLAS POSSIBILIDADES................ 40 A dimensão macropedagógica da Educação na prisão..................................................40 Os atores sociais da prisão consumam aprendizados que se fixam e se reproduzem em todos os níveis relacionais........................................................................................ 41 A dimensão micropedagógica da Educação na prisão.................................................. 41 A universalização das atividades educacionais.............................................................42 A Educação é um dever do Estado e direito de todos................................................... 42 REENGENHARIA DOS ESPAÇOS DA PRISÃO..................................................... 42 Prisão não é jaula nem degredo.....................................................................................43 A prioridade de uma agenda humanizadora do cárcere.................................................. 43 Prisão é também o lugar do exercício profissional dos trabalhadores penitenciários .... 43 As prisões são ambientes onde uma coletividade humana habita ................................43 O local deve estimular a boa convivência social e não o “desaprender” dos hábitos de civilidade.................................................................................................................. 44 Nas prisões deve haver espaços mínimos que reproduzam as condições de vida “normal” ....................................................................................................................... 44 Regras Mínimas das condições ambientais.................................................................... 44 Espaços específicos para atividades sociais e produtivas............................................. 44 Vontade política, liderança e mobilização social.......................................................... 44 O espaço da prisão deve favorecer a execução de um projeto pedagógico estratégico para o retorno do recluso ao convívio harmonioso com a sociedade............................45 O AGENTE PENITENCIÁRIO É UM AGENTE SOCIAL NO AMBIENTE DA PRISÃO ....................................................................................................................... 45 O Agente Penitenciário é o único elo da sociedade civil diuturnamente presente na prisão............................................................................................................................. 46 Por uma profissão altamente especializada em ressocialização..................................... 46 RECOMENDAÇÕES DE LEITURA.......................................................................... 47 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................ 48 DISCIPLINA DIREITOS HUMANOS E TRATAMENTO PENAL SUMÁRIO 1. Direitos humanos...................................................................................................... 50 1.1. Noções gerais..................................................................................................... 50 1.2. Aplicação concreta............................................................................................. 51 1.3. Identificação dos sujeitos de direitos................................................................. 52 1.3.1. O preso, sujeito de direitos ..................................................................... 52 1.3.2. O agente penitenciário, sujeito de direitos.............................................. 53 2. O tratamento do preso.............................................................................................. 54 2.1. A mulher presa.................................................................................................... 56 2.2. Normas sobre tratamento dos presos................................................................. 58 Referências Bibliográficas............................................................................................. 60 Disciplina: Reintegração Social: Conceituação e Base Legal Elaboração: Antônio Rodrigues De Sousa INTRODUÇÃO O texto a seguir discorre sobre as principais questões que se transversalizam ao cumprimento da tarefa da reinserção social de pessoas presas. Dada a natureza do curso (formação inicial) e a limitação do tempo (quatro horas), preferimos listar algumas injunções que consideramos compor a espinha dorsal do funcionamento do sistema de prisões. Trata-se de um meridiano que perpassa, no setor público, toda a gestão prisional desde os órgãos federais ao gerenciamento de uma unidade prisional. A base legal Tomamos por base legal: 1. Constituição Federal – como marco macropolítico; 2. Lei da Execução Penal (LEP) – como norma regular da execução da pena; 3. Documentos diversos editados pela ONU sobre a Administração da Justiça – como referenciais normativos complementares. O Estado Democrático de Direito A Constituição Federal (CF) de 1988 define um conjunto de Princípios que devem estar ativamente incorporados ao funcionamento de qualquer instância da organização social. Os Princípios Constitucionais são preceitos que orientam as normas jurídicas que, em um Estado Democrático de Direito, constituem as bases de organização das relações sociais orientadas pelo respeito às leis e pelas liberdades democráticas. São Princípios Constitucionais: 1. Princípio da Legalidade 2. Princípio da Igualdade 3. Princípio da Liberdade 4. Princípio da Ampla Defesa 5. Princípio da Isonomia 6. Princípio do Contraditório 7. Princípio da Proporcionalidade da Lei Os Princípios Constitucionais são imperativos legais e, como tal, aplicam-se ao Sistema Penitenciário, como a todos os outros setores de funcionamento da sociedade, embora as prisões sejam territórios isolados, estigmatizados e degradantes, aparentemente um mundo sem lei. Cabe antecipar que o Princípio da Liberdade não é anulado pela pena de prisão. A sentença condenatória pune o sentenciado tão somente pela cessação parcial das prerrogativas afetadas pela natureza do crime cometido. É notório, contudo, que a subtração de um direito fundamental implica inevitavelmente outras perdas e danos extensivos àquele. A lei iguala a todos, sem qualquer distinção. É popular uma assertiva que prega que se deve “tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual”. É o tipo de pensamento precioso para a cultura repressiva e parece particularmente lógica a sua aplicação no ambiente das prisões onde, por suposto, existem tantos “desiguais”. As correntes filosóficas que promovem cegamente o elogio da razão punitiva são uma armadilha para trabalhadores penitenciários, especialmente aqueles da área de segurança, que podem ser facilmente convencidos da justeza do castigo cruel para criminosos cruéis. O caput do Art. 5º da Constituição brasileira que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais sentencia: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.” Para efeito de pensar a gestão penitenciária e na perspectiva da reintegração social de delinquentes, merecem destaque especial, ainda, dois dos 78 incisos do mesmo artigo: Inciso III - “Ninguém será submetido a tortura, a tratamento desumano ou degradante” Inciso XLIX - “É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.” Os princípios da igualdade, do tratamento civilizado e humano, da preservação da dignidade, da integridade física e moral de custodiados penais são fundamentais a qualquer projeto de inclusão social e perpassam todos os Códigos, Tratados e Normas nacionais e internacionais, que abordam o tratamento com pessoas presas. Pressupostos conceituais Sobre esses fundamentos, abordamos algumas dimensões que interagem e se complementam na tarefa da reinserção de excluídos penais ao mundo da liberdade, interpondo algumas assertivas que percebemos como fundamentais: 1. A tarefa da (re)integração social do recluso penal é o princípio gerador da execução penal; 2. A sociedade é o palco da ação ressocializadora – e não a prisão; 3. O crônico déficit da ressocialização é um ônus da organização macrossocial, do planejamento governamental e do gerenciamento do sistema de prisões; 4. Há que se promover uma mudança de cultura na perspectiva de entender que o preso é uma pessoa e não reduzi-lo apenas à condição de marginal; 5. O tratamento penal é um processo educativo que deve gerar conhecimentos, oportunidades e propor mecanismos reparadores; 6. Finalmente, entendemos que o resgate de excluídos em última instância é um projeto de paz social. Por enquanto a gestão prisional tem remado na contramão desses pressupostos. Um sistema em construção As nossas prisões não reúnem, ainda, as condições mínimas necessárias à implementação de um projeto ressocializador de porte. Essa realização é tarefa para as futuras gerações de trabalhadores penitenciários. Portanto, não é possível falar de uma experiência vivida e, quando nos reportamos a ideias, estratégias e projetos, estamos, quase sempre, falando de possibilidades que ainda precisam ser viabilizadas, o que dá ao texto uma conotação futurista, pois o sistema penitenciário é um lugar onde quase tudo ainda está por acontecer. A tarefa de todos: cumprir a lei. A lei é um vir a ser. No papel, o texto da lei é letra morta. Qualquer norma escrita somente vira realidade quando é acionada pelas pessoas no exercício ativo da cidadania. O universo penitenciário é comumente percebido como um território sem lei, mas não porque elas não existam e sim porque não são acionadas ou porque são simplesmente descumpridas. A Lei de Execução Penal (LEP) brasileira é considerada uma das leis setoriais mais avançadas do mundo e, talvez por isso mesmo, seja de tão difícil aplicação no solo infértil do sistema penitenciário nacional onde há imensos lapsos de possibilidades para sua efetivação. Torná-la possível é tarefa de todos, intra e extramuros. A GESTÃO PENITENCIÁRIA É ESTRATÉGICA PARA A GESTÃO SOCIAL Com quantos erres se promove a convivência pacífica? Ressocialização, reinserção, reintegração social e até recuperação da pessoa presa. Conceituações teóricas à parte, as diferentes terminologias que se possa usar para definir essa ação redundam sempre no mesmo objetivo, têm a mesma projeção de futuro, o mesmo projeto coletivo: o retorno do recluso penal à convivência pacífica com a sociedade. Projeto de todos, tarefa de cada um. Nessa breve definição, a ideia que se impõe é a de pacificação – harmonização das relações sociais na perspectiva da paz como desejo comum, objetivo singular da coletividade. Projeto de todos, pois todos se beneficiam do resultado, tarefa de cada um, pois um benefício coletivo somente é concretizado como resultado (e o resultado será sempre mais consolidado), na medida em que cada indivíduo se perceba parte do problema e se inclua como responsável na busca de respostas possíveis na consecução do objetivo desejado. O papel do gestor penitenciário No percurso entre um projeto global de reintegração social de reclusos penais e o cidadão como beneficiário desta ação, está a Gestão Penitenciária. Cabe ao gestor penitenciário gerenciar a tarefa de pensar, planejar, agir positiva e proativamente no intuito de dar encaminhamentos e produzir resultados satisfatórios para a sociedade na condução deste segmento estratégico da organização social. Aparelhos repressivos do Estado e gestão penitenciária. No âmbito daquilo que se convencionou chamar de segurança social, estão os aparelhos de repressão ostensiva do Estado (polícias – que têm a função de fazer cessar a ação delinquente), os aparelhos de Justiça (judiciário – que tem a função de julgar o mérito da culpa) e os aparelhos de execução penal (sistema prisional – que tem a função de tutelar condenados da Justiça e devolver ex-delinquentes ao convívio social). Em que circunstâncias, com que sentimentos e em que condições concretas de sobrevivência no mundo livre é que consiste o trabalho intramuros realizado pela gestão penitenciária. Repressão: prática de segurança que fragiliza a sociedade. Predomina no senso comum o ponto de vista que entende como Segurança Pública os instrumentos de repressão imediata, o que engloba basicamente as polícias. A presunção vulgar é que a sociedade estará segura simplesmente com a prisão e condenação do infrator que, para ter uma punição exemplar, a lei precisa ser cada vez mais severa, a Justiça cada vez mais implacável e as prisões cada vez mais punitivas. Contudo, isto não basta para a promoção de uma segurança duradoura, no médio e longo prazo, porque, se o sistema penitenciário fracassar na tarefa da custódia e tutela à pessoa presa, não cidadanizando nem humanizando, em suma: não educando o infrator para o exercício da liberdade democrática, a sociedade estará mais fragilizada e exposta com o seu retorno do que antes de ele ser preso pela primeira vez. O inquérito policial produzido a partir da denúncia de um delito é apenas a peça inicial que aciona as instituições de segurança social no percurso de um longo processo cujo propósito é garantir que a comunidade livre estará, de fato, protegida. Mas o sistema prisional, enquanto instância de segurança social, não tem promovido essa garantia. Nem mesmo durante a permanência do infrator em privação de liberdade não há a garantia de que a sociedade estará necessariamente mais protegida da ação dele, pois, na prisão, ele encontra território fértil para fazer outras associações criminosas, para aprofundar os seus desajustes psicológicos e sociais, para endurecer-se enquanto pessoa e tornar-se, potencialmente, mais “periculoso”. Aptidão relacional: do cometimento do delito e para além do alvará. Quando o juiz determina uma sentença condenatória está se reportando a continuar promovendo segurança imediata à sociedade, impedindo que o sentenciado, ao retornar à liberdade continue ameaçando a paz comum. O cometimento do delito, a prisão e a condenação negam essa aptidão. Quando o acusado de um delito é inocentado pela Justiça há a presunção de que ele não representa ameaça significativa a terceiros. Da mesma forma, quando uma pessoa presa, cumprida sua pena, recebe o alvará de soltura há a mesma presunção de aptidão relacional. O alvará é uma afirmação da Justiça que o antigo agressor pode voltar a se relacionar normalmente com a sociedade. O intervalo de tempo entre o cometimento do delito e o alvará de soltura é o período da execução da pena tutelada pelo Estado, ou seja, do tratamento dispensado à pessoa presa com vistas ao por vir da sua liberdade. Esse trabalho é realizado pela gestão penitenciária e a aptidão do egresso penal para o convívio social – para o sim e para o não –, é o resultado desse trabalho. À sociedade, contudo, como “cliente” do Estado e “beneficiária” final, cabe o acompanhamento, a fiscalização e a construção de parcerias com a organização penitenciária com vistas ao sucesso da execução penal como empreendimento social. A tarefa fundamental da gestão penitenciária A sentença condenatória é, no intercurso da promoção de segurança, uma peça processual, o documento legal que encaminha o sentenciado a uma unidade prisional, onde deve se iniciar o circuito (re)integracional – ou não. A prisão é um aparelho repressivo do Estado, mas, do portão de uma prisão para dentro, o mérito da repressão precisa ser outro. Aqui a tarefa não é mais fazer cessar a ação delinquente nem julgar o acusado pela sua culpa, mas desenvolver pessoas, começar a trabalhar para, um dia, devolver o antigo delinquente ao convívio comunitário. A tarefa fundamental da gestão penitenciária é o desenvolvimento de competências para o exercício da liberdade – isso não pode ser esquecido nem negligenciado um único dia durante a permanência da pessoa presa em uma unidade prisional. No cumprimento dessa missão reside a importância da Gestão Prisional como uma ação estratégica para a Gestão Social. PRINCÍPIO GERADOR DA EXECUÇÃO PENAL A Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei da Execução Penal (LEP) – anuncia nos seus artigos iniciais os grandes eixos de orientação da execução da pena privativa de liberdade: o objetivo (no singular) da Execução Penal, a universalidade da preservação dos direitos não arrolados na sentença, a indistinção na igualdade de tratamento e a participação da sociedade na execução da pena. Vejamos o texto da Lei: Art. 1º. A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. Art. 2º. A jurisdição penal dos Juízes ou Tribunais da Justiça ordinária, em todo o Território Nacional, será exercida, no processo de execução, na conformidade desta Lei e do Código de Processo Penal. Parágrafo Único - Esta Lei aplicar-se-á igualmente ao preso provisório e ao condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar, quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária. Art. 3º. Ao condenado e ao internado serão assegurados TODOS os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei. Parágrafo único - Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política. Art. 4º. O Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança. Nestes quatro artigos iniciais da LEP são dadas as orientações pilares do trabalho da gestão prisional: promoção da reintegração social do preso; paridade da lei para presos provisórios e condenados; preservação dos direitos não arrolados na sentença; indistinção do tratamento; busca de parceria com a comunidade. A observação ativa deste pequeno conjunto de diretrizes significaria um salto qualitativo sem precedentes na gestão do sistema prisional brasileiro. A harmônica integração social do condenado e do internado Logo no seu artigo inaugural, a Lei maior da Execução Penal é inequívoca quanto ao seu OBJETIVO: “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. Eis o princípio fundante da LEP, a concepção sobre a qual se desenvolvem as disposições da maioria dos seus 204 artigos e, portanto, a ideia primária sobre a qual se deve desenvolver todo o trabalho da gestão prisional é o que denominamos de Princípio Gerador da execução penal. Liberdade, substantivo plural: o direito de ir e vir é apenas um. No que diz respeito ao contexto colocado pelo Artigo 3º, pensamos não ser muito exato dizer-se que a subtração do direito de ir e vir signifique “perda da liberdade”, como comumente é referida a reclusão penal, pois Liberdade é um conceito plural e a liberdade de ir e vir é apenas uma dentre as múltiplas dimensões da liberdade. Devendo ser legalmente resguardados todos os outros direitos, significa que a liberdade deve ser preservada em inúmeros outras formas. A perda do direito de ir e vir é contundente, pois limita fisicamente o indivíduo a um pequeno espaço geográfico e implica a abstração de outras manifestações extensivas àquela subtração. É o caso dos prejuízos à cidadania e consequente vedação ao exercício de votar, como extensões imediatas à fixação de uma sentença condenatória. O tratamento humano e a preservação da dignidade do preso é dever do Estado por meio dos gestores e operadores do sistema penal. A Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU) proclama: Artigo 1º: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.” Disso podemos deduzir que tendo o delinquente violado a dignidade e o direito de outros, sendo constrangido à pena de prisão e colocado sob a guarda e tutela do Estado, o tratamento humano e a preservação da sua dignidade passam a ser um dever desse mesmo Estado representado, no circuito da administração da Justiça, pelos gestores e operadores do sistema penitenciário. O Tratamento de Prisioneiros, segundo a ONU e o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP). As Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros (ONU) preconizam: Regra nº 60: “O regime do estabelecimento prisional deve tentar reduzir as diferenças existentes entre a vida na prisão e a vida livre quando tais diferenças contribuírem para debilitar o sentido de responsabilidade do preso ou o respeito à dignidade da sua pessoa.” Regra nº 65: “O tratamento dos condenados a uma punição ou medida privativa de liberdade deve ter por objetivo, enquanto a duração da pena o permitir, inspirar-lhes a vontade de viver conforme a lei, manter-se com o produto do seu trabalho e criar neles a aptidão para fazê-lo. Tal tratamento estará direcionado a fomentar-lhes o respeito por si mesmos e a desenvolver seu senso de responsabilidade.” O Conjunto de princípios para a proteção de todas as pessoas sujeitas a qualquer forma de detenção ou prisão (ONU) assevera em seu Principio nº 1: “A pessoa sujeita a qualquer forma de detenção ou prisão deve ser tratada com humanidade e com respeito da dignidade inerente ao ser humano”. Também as Regras Mínimas para Tratamento de Presos no Brasil (CNPCP) reafirmam: Art. 3º. “É assegurado ao preso o respeito à sua individualidade, integridade física e dignidade pessoal”. Dos diplomas legais referidos (somente para citar alguns mais importantes) podemos derivar a perspectiva em que devem ser propostas as Políticas Públicas para o sistema de prisões e a administração das unidades prisionais: o respeito à dignidade da pessoa presa, a preservação da sua integridade física e moral e a promoção das condições para o seu retorno à sociedade de forma harmônica e integrada. A REINTEGRAÇÃO SOCIAL DE EGRESSOS PENAIS DEVE SER UM PROJETO COLETIVO EXTENSIVO A TODA SOCIEDADE. O braço do Estado que se estende sobre o Sistema Penitenciário abrange todas as instâncias governamentais que administram esse setor de funcionamento da gestão social, desde o Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário Nacional, Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Varas de Execução Penal, Secretarias de Estado da Administração Penitenciária e Coordenadorias setoriais à gestão de unidades prisionais. A esse âmbito setorial específico, agregam-se segmentos de outros órgãos relacionados à Saúde, à Educação e Direitos Humanos, somente para lembrar alguns mais imediatamente relacionados. Todo esse aparato, contudo, não dará conta da tarefa “reintegracional” sem o envolvimento político e sem a participação ativa da coletividade extramuros nos mecanismos da execução penal conforme preconiza a LEP, que recomenda em seu Art. 4º. em outras palavras: o aparato público existe para servir à comunidade, o que não significa assumir o ônus dos problemas e das responsabilidades que cabem somente à própria sociedade sanar. O meio social – início e fim de todo circuito penitenciário Partindo-se do princípio da integração social da pessoa presa, a Sociedade não pode continuar a ser alienada do processo. A prisão não ressocializa. Sem a participação efetiva e progressiva da sociedade nos mecanismos do tratamento penal, não há perspectivas de avanços na tarefa da inserção social da pessoa presa. Entendemos o meio social como o início e o fim de todo o circuito penitenciário: o lugar de onde o sujeito veio e para onde vai retornar – sem nunca ter deixado de, bem ou mal, ser parte dele, estando apenas temporariamente, “isolado” pelas muralhas de concreto. A gestão penitenciária precisa promover a inserção da sociedade no cotidiano da prisão. A gestão penitenciária precisa abrir canais que promovam maior aproximação, penetração e a participação efetiva de segmentos, organizados e credenciados, da sociedade no âmbito do funcionamento cotidiano das prisões. A prisão não precisa ser uma ruptura tão radical na vida do encarcerado. Os seus núcleos relacionais de origem devem ser maximamente preservados, ou até mesmo resgatados, minimizando traumas que, se nada for feito, tendem a progredir e mesmo se tornar irreversíveis. A pena deve ser uma oportunidade de investimento nas pessoas e não apenas um mecanismo de punição ou de degredo social. Se foi no ambiente das relações sociais que o infrator se desajustou, não podemos prescindir dessas relações nos processos do tratamento e da cura. Enfim, a sociedade não pode mais permanecer distanciada dos mecanismos institucionais do tratamento penal, no intercurso do cumprimento da pena. A pena precisa ser pensada como uma oportunidade de investimento nas pessoas e não apenas como mecanismo de punição ou, pior, de degredo social. Precisamos pensar o recluso penal como uma individualidade sensível e como um ator social, temporariamente em observação intensiva. Essa oportunidade excepcional de observação deve ser aproveitada para orientá-lo, apoiá-lo e mobilizá-lo para outras perspectivas, enfim, para a construção de um projeto de vida, minimamente possível, fora da marginalidade. O Estado precisa promover a inserção da sociedade nos mecanismos de funcionamento da prisão. O Estado perde a oportunidade única de ter sob a sua tutela os indivíduos que, em tese, se desajustaram mais profundamente com a sociedade, e não faz nada por eles – pelo contrário, finda por empurrá-los para um poço sem fundo. Temos convicção de que não haverá inserção social da pessoa presa sem a promoção de um movimento inverso de inserção: o da sociedade nos mecanismos de funcionamento da prisão. Já conquistamos maioridade política, intelectual e civilizatória para dar mais este passo. Faltam à gestão governamental e à administração penitenciária, bem como a outros segmentos envolvidos, a necessária decisão política, coragem cívica, vocação humanitária e fé social para efetivarem-se os avanços que já são possíveis. O pacífico caminho da convivência O caminho da convivência com segmentos sociais fragilizados, para ser pacífico deve ser, necessariamente, uma via de mão dupla – os excluídos, marginalizados e egressos penais precisam demonstrar a vontade de conviver bem com a comunidade, mas a sociedade também precisa se desarmar contra eles. Mais do que se desarmar contra seus potenciais e reais agressores, a sociedade deve criar instâncias de atenção e acolhimento, de educação, de orientação, de inclusão e geração de oportunidades através das suas organizações e de projetos específicos. Políticas Públicas Penitenciárias devem ser extensivas à colaboração de todos os segmentos organizados da sociedade. A atenção a segmentos em situação de risco social é uma ação política, não se bastando como tese abstrata ou conhecimento passivo: precisa de planejamento e administração para ser viabilizado como resultado. E quando falamos de resultado em qualquer área da gestão social, estamos falando de investimento governamental, o que somente se concretiza através de Políticas Públicas. Acrescente-se que se Políticas Públicas devem ser pensadas para muito além e aquém das hostes governamentais, sendo extensivas a todos os segmentos organizados da sociedade, a todo cidadão, então as Políticas Públicas Penitenciárias precisam ser pensadas aquém e muito além dos muros, pois não dizem respeito ao Sistema Penitenciário e aos seus desdobramentos institucionais, mas a qualquer extensão da organização social que se proponha a pensar esta questão. A contramão do princípio doutrinário da reaproximação e adaptação da pessoa presa ao contexto comunitário. A terminologia é autoexplicativa: ressocialização, reintegração social, reinserção social – em todos os casos, a sociedade é o locus de referência da ação inclusiva, pois é o lugar para onde o egresso penal vai retornar e onde deve ser reinserido – ou novamente rejeitado. O movimento histórico de tornar as prisões locais afastados, hermeticamente isolados e sombrios trabalha na contramão do princípio doutrinário da reaproximação e adaptação da pessoa presa ao contexto comunitário. Supor a tarefa da ressocialização sem a participação da sociedade é como supor um casamento desejado apenas por uma das partes – não tem chance de dar certo. Abstraindo da ressocialização a dimensão da socialização, ficaremos apenas com a “re” – com o movimento para trás – direção em que parece ter se movimentado o sistema de prisões desde a sua invenção. Enquanto conceito sociológico, integrar é um movimento extensivo aos dois polos ativos da mesma ação. Trata-se de um contexto relacional complexo em que pesam vários aspectos da vida social, econômica, cultural e política, entre outros. O movimento de inserção social é bilateral. A Participação da Sociedade nos processos do tratamento penal consiste na criação de mecanismos que permitam a inserção de segmentos societários nos mecanismos de funcionamento das prisões em vez de se esperar passivamente que o preso, como num passe de mágica, insira-se harmonicamente nos mecanismos de funcionamento da sociedade, quando sair. O movimento de inserção social, neste caso, é bilateral, sendo que a sociedade dispõe de mais possibilidades de inserção no universo das prisões do que o preso, de inserção no universo social, após o lapso da reclusão. Este movimento de inserção cruzada é condição sine qua non para acionar o objetivo da Execução Penal de harmônica integração social da pessoa presa. A superação do paradoxo Finalmente, acrescente-se que o Sistema Penitenciário não tem o poder de reintegrar ninguém à sociedade – ele é reconhecidamente desintegrador. Embora estejamos diante de um paradoxo, somente a sociedade como instância de organização superior a qualquer instituição ou grupo localizado, pode acionar dispositivos inclusivos em relação aos seus reclusos e orquestrar a integração de pessoas presas ao seu convívio. O trabalho da gestão penitenciária é “promover condições” para a integração social do recluso. Em perspectiva global, pode-se projetar uma política penitenciária sobre grandes eixos de resolução. Dentre os eixos propulsores da tarefa reintegracional, destacamos três: a participação ativa da sociedade (do que já tratamos no item anterior) funciona como incubadora de soluções; a Educação como espaço de múltiplas possibilidades na concepção de um projeto macropedagógico para a organização prisional e, finalmente, um trabalho de Reengenharia da arquitetura das prisões. A interação entre estes três eixos é continuada, atemporal e extrapolam os muros da prisão. Realizam um movimento multirreferencial onde residem possibilidades ainda insuspeitadas pela gestão prisional que, refém das não condições que precisa administrar todos os dias, despende enormes energias tentando organizar o caos penitenciário sem conseguir resultados visíveis. Um projeto de reintegração social da pessoa presa deve começar no dia da sua chegada à prisão e não pode terminar no dia em que sai. Contudo, a organização penitenciária não tem autonomia para, isoladamente, dar as respostas e produzir os resultados necessários, sem a parceria da própria sociedade, através do seu braço organizado, governamental e não governamental. A EDUCAÇÃO COMO ESPAÇO DE MÚLTIPLAS POSSIBILIDADES Nas prisões, a Educação pode ser pensada em duas dimensões: uma dimensão macropedagógica, que consiste em pensar as prisões como locus de múltiplos aprendizados e, portanto, educativo – a instituição, como um todo, seria objeto de uma intervenção pedagógica; e a dimensão restrita à oferta de educação regular e profissionalizante do encarcerado. A dimensão macropedagógica da Educação na prisão A acepção macropedagógica consiste em pedagogizar o ambiente da reclusão, explorando os múltiplos conhecimentos e aprendizados que a experiência do confinamento compulsório oferece ao ser humano. Não somente os reclusos, mas os trabalhadores e gestores penitenciários seriam levados a compreender e redimensionar a natureza das suas relações neste ambiente, sendo possível encaixá-las em um projeto educacional, teórica e metodologicamente orientado. E não apenas os indivíduos, mas as tarefas e os processos – administrativos, operacionais, culturais, etc. – podem ser analisados à luz dos conhecimentos reproduzidos, dos aprendizados concretizados e repensadas em uma perspectiva educacional. Os atores sociais da prisão consumam aprendizados que se fixam e se reproduzem em todos os níveis relacionais. Todas as relações da instituição com a pessoa presa percorrem uma trajetória educativa. Mesmo quando não haja uma sala de aula, um curso profissionalizante, os atores sociais da prisão – presos, operadores do sistema, parentes e visitantes regulares – consumam aprendizados que se fixam e se reproduzem em todos os níveis relacionais com o recluso. No ambiente prisional, os indivíduos são submetidos a um cotidiano que se pretende disciplinador, moralizante e corretivo. Se não disciplina, não moraliza e nem corrige é por falta de compreender melhor seus significados e redirecioná-los. Em suma, teremos sempre uma visão caolha do tratamento penal se não for buscada a compreensão dos princípios pedagógicos transversais às suas práticas. Um projeto educacional orientado pela apreensão desses princípios pode modificar profundamente a forma de se pensar as prisões. A dimensão micropedagógica da Educação na prisão Na dimensão micro, específica da oferta da educação regular em uma unidade prisional, nos reportaremos ao que diz a Constituição Federal no seu Art. 205: “A educação, direito de todos é dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” A condição de recluso não retira da pessoa presa o direito à Educação, direito que deve ser provido inteiramente pelo Estado, dado que o recluso está impedido de buscar, por iniciativa própria, o acesso a esse benefício. A LEP trata desse direito na Seção V que tem como subtítulo – Da Assistência Educacional: Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado. Art. 18. O Ensino de 1º Grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da Unidade Federativa. Art. 19. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico. Parágrafo Único. A mulher condenada terá ensino profissional adequado à sua condição. Art. 20. As atividades educacionais podem ser objeto de convênio com entidades públicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados. Art. 21. Em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada estabelecimento de uma Biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos. A assistência educacional à pessoa presa deve ser perseguida pela gestão penitenciária, minimamente, nos termos definidos na LEP: obrigatoriedade do ensino de 1º Grau, oferta formação profissional de forma regular e a manutenção de Bibliotecas em cada unidade prisional e acesso de todos os reclusos à leitura. A universalização das atividades educacionais No longo prazo deve ser buscada a universalização das atividades educacionais: envolver 100% dos reclusos, de alguma forma, em tarefas educativas, dentro ou fora da sala de aula: ensino regular, profissionalização (o que não deve significar apenas a teoria, mas a prática), atividades culturais, ocupacionais e lúdicas. As funções da alfabetização e da escolarização, em geral, não devem constituir o objetivo final da educação, mas apenas um dos instrumentos a serem apropriados para a incursão do sujeito em um projeto de reintegração social mais amplo. A Educação é um dever do Estado e direito de todos. A Educação é um dever do Estado que mantém uma rede organizacional dedicada à missão educacional. O presidiário é um brasileiro comum e deve ser atendido em suas demandas escolares pela mesma rede oferecida pelo Estado, que já tem um projeto político-pedagógico e uma orientação teórico-metodológica competentes. A Educação da pessoa presa é tarefa das instituições educacionais governamentais tradicionais: Ministérios, Secretarias de Educação, rede escolar. As particularidades e as especificações pertinentes à atividade educacional para reclusos penais devem ser debatidas em fórum próprio que deve se estabelecer entre as instituições envolvidas – a princípio, o MEC, a SEDUC e a SEJUS e outros eventuais parceiros. A ação da universalização das atividades pedagógicas e educacionais para todos os presos vai exigir a criação de espaços adequados nas unidades prisionais: salas de aula em número suficiente, proporcional ao número de presos, galpões e oficinas de trabalho, bibliotecas, auditórios, áreas destinadas a atividades lúdicas, religiosas, esportivas, culturais, etc. Isso implica uma reconceituação da arquitetura das prisões. REENGENHARIA DOS ESPAÇOS DA PRISÃO Consiste em adaptar os espaços da prisão ao princípio de promover dignidade e humanidade que preservem a possibilidade da posterior reinserção social da pessoa presa. A concepção espacial das prisões, como elas existem hoje, inviabiliza um projeto ressocializador, penaliza os operadores do sistema penal, é constrangedora e limitante a inserções societárias e obstrui uma experiência educacional satisfatória. Prisão não é jaula nem degredo. Partindo-se do princípio da integração social da pessoa presa, o lugar de aprisionamento, onde o indivíduo permanecerá por um tempo mais ou menos longo não deve ser pensado apenas como um lugar onde deve ser recolhido um marginal – um recanto, um depósito, uma jaula – mas como um locus de habitação, de coabitação, de convivências e compartilhamento onde o sujeito deve realizar uma experiência relacional sensível, complexa e socializadora. A prioridade de uma agenda humanizadora do cárcere O ambiente onde a pessoa presa é fixada compulsoriamente talvez seja o primeiro ponto de pauta de uma agenda humanizadora do cárcere. São notórias as condições subumanas das prisões, impróprias mesmo para animais irracionais. Não se pode mais continuar tratando sujeitos já egressos de um histórico de desajustes, em ambientes e condições que são apenas opressores, degradantes, impossibilitadores de qualquer ação de promoção da dignidade daqueles que precisam ser pensados como educandos. Prisão é também o lugar do exercício profissional dos trabalhadores penitenciários. Outro aspecto que precisa ser enfatizado é que as prisões são, também, o lugar do exercício profissional dos trabalhadores penitenciários e, portanto, de uma experiência de vida importante. Ali muitas pessoas passam boa parte do seu dia, e mesmo da sua vida, sendo extremamente penalizadas pelas precariedades das condições de trabalho e pela insalubridade do ambiente. Basta imaginar a diferença entre dar um expediente em uma sala da SEJUS e em uma ala do IPPS, por exemplo, onde muitos funcionários trabalham em regime de plantão de vinte e quatro horas. Em proporção menor, visitas, voluntários e profissionais externos também são personagens desse espaço. As prisões são ambientes onde uma coletividade humana habita. Por mais fechadas e isoladas, as prisões são ambientes onde uma coletividade humana habita, cumprindo um círculo periódico da vida. Devem ter, portanto, uma arquitetura adequada à satisfação das necessidades e atividades mínimas que permitam a preservação da humanidade e da sanidade mental da pessoa presa, visto que não se podem furtar-lhes a condição de seres inteligentes, sociais e espirituais. O local deve estimular a boa convivência social e não o “desaprender” dos hábitos de civilidade. As prisões não têm espaços para comportar todas as experiências que precisam ser vivenciadas vinte e quatro horas, durante anos, pelo indivíduo preso: educação, trabalho, saúde, cultura, lazer, espiritualidade, vida íntima e vida coletiva. Sem estas extensões o indivíduo tende a endurecer-se, brutalizar-se, animalizar-se. A prisão não pode condicioná-lo a “desaprender” os hábitos de convivência social e de civilidade, uma vez que retornará, inevitavelmente, ao convívio da sociedade civil. Nas prisões deve haver espaços mínimos que reproduzam as condições de vida “normal”. A LEP que em seus artigos 10 a 24 tratam das assistências a serem proporcionadas à pessoa presa (assistência Material, à Saúde, Jurídica, Educacional, Social e Religiosa) determina que o recluso seja alojado em cela individual com dormitório, aparelho sanitário e lavatório; que o presídio disponha de instalações e serviços que atendam às necessidades individuais do preso; que haja locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos, biblioteca, local para cultos religiosos, enfim, os espaços mínimos que reproduzam as condições de vida “normal”. Regras Mínimas das condições ambientais As Regras Mínimas detalham as condições ambientais que preservam a dignidade, instruindo que celas ou quartos não sejam ocupados por mais de um preso; que todos os locais deverão ter volume de ar, espaço mínimo, iluminação, aquecimento e suficiente arejamento; que os presos possam ler e trabalhar com luz e ventilação naturais; que as instalações sanitárias e de banho sejam limpas e possam ser usadas tanto quanto necessário e que todos os locais frequentados regularmente pelos presos devem ser mantidos e conservados regularmente limpos (Regra nº 9). Espaços específicos para atividades sociais e produtivas Afora essas condições genéricas, intrinsecamente humanitárias, as atividades de cunho social e produtivo como educação, trabalho, saúde, cultura, lazer, espiritualidade, requisitam espaços específicos: salas de aula, oficinas de trabalho; enfermarias, bibliotecas e auditórios, salas de jogos, espaços de vivências e prática esportivas, de oração e de celebrações coletivas e recintos que permitam o mínimo de privacidade e locais para encontros reservados. Vontade política, liderança e mobilização social Repensar as condições deficitárias das instalações penitenciárias, requer a adoção de um projeto político corajoso, subsidiado por uma atitude sensível, criativa, comprometida e proativa dos gestores penitenciários em todos os escalões. Particularmente os diretores de unidades prisionais, das maiores às menores, precisam ser lideranças corajosas e propositivas. Sempre em consonância com os escalões hierárquicos superiores e buscando envolver os segmentos funcionais e sociedade pertinentes, em cada caso, devem, tanto quanto possível, reaproveitar espaços, criar outros, reformar, construir e planejar para prover as unidades das condições necessárias a uma gestão de resultados. O espaço da prisão deve favorecer a execução de um projeto pedagógico estratégico para o retorno do recluso ao convívio harmonioso com a sociedade. Ressocializar é educar para a ressocialização. Não haverá reintegração social sem um projeto político, pedagógico e gerencial para subsidiar esse processo. Não haverá projeto nenhum sem um espaço que ofereça as condições mínimas para executálos. Em suma, as prisões precisam ser pensadas e transformadas em locais onde seja possível a implementação de um projeto pedagógico estratégico na perspectiva do futuro retorno do recluso ao convívio harmonioso com a sociedade. O AGENTE PENITENCIÁRIO É UM AGENTE SOCIAL NO AMBIENTE DA PRISÃO. O Agente Penitenciário é um trabalhador de gênese recente na sociedade que ainda não conhece nem compreende a dimensão da tarefa social desse novo trabalhador – e é preciso que se diga que nem a própria categoria percebe ainda o alcance da sua função no território extramuros. O carrasco é o mais remoto agente do poder instituído relacionado à execução de uma pena. Paralelamente, durante séculos permaneceu a figura do carcereiro: o agente do encarceramento. Detentor das chaves da prisão, a tarefa primária do carcereiro era manter o homem encarcerado. Não tinha maiores responsabilidades de outra natureza sobre a pessoa presa. Por volta dos anos 70 surgiu, no Brasil, uma nova categoria de trabalhador carcerário, admitido por concurso e que, ainda dividindo o trabalho com os antigos carcereiros, chegaram para substituí-los definitivamente – não houve mais concursos para a função de carcereiro. No Ceará, esse novo trabalhador foi denominado Guarda de Presídio. A denominação da nova função remete a um sujeito que deve ter algum cuidado. Ser agente da guarda de alguma pessoa, ou mesmo de alguma coisa, implica responsabilidades paralelas, o que de fato deve acontecer, pois o Estado não somente custodia, mas é tutor do recluso penal, sendo responsável por sua vida, por sua integridade física e mental e por todos os outros atendimentos e direitos elencados na LEP e em outros estatutos legais, nacionais e internacionais. A partir dos anos 80 essa categoria de trabalhador passou a ser genericamente conhecida no país como Agente Penitenciário. A designação como Agente remete à ideia de alguém que age, que deve atuar. “Agir para fazer o quê?” é a questão sobre a qual devemos nos deter. Em um Estado Democrático de Direito, quais são as necessidades da Democracia e da Cidadania quanto ao desempenho do sistema penitenciário como fundamental setor de funcionamento da sociedade? O Agente Penitenciário é o único elo da sociedade civil diuturnamente presente na prisão. Ressalte-se que o Agente Penitenciário é o único elo da sociedade civil diuturnamente presente na prisão. A pessoa presa e o Agente Penitenciário são os únicos sujeitos sociais que permanecem vinte e quatro horas intramuros animando o ambiente da prisão – a presença dos demais trabalhadores penitenciários é muito fragilizada pelas circunstâncias dadas para o desenvolvimento do seu trabalho. Por uma profissão altamente especializada em ressocialização A missão das novas gerações de trabalhadores penitenciários é substituir gradativamente a cultura degradante e corrosiva, secularmente reproduzida que produziu o sistema de prisões que conhecemos. As gerações de trabalhadores prisionais do século XXI devem atentar para não continuar sendo cúmplices por omissão, acomodação ou permissividade do atual estado de coisas – até porque ao mesmo tempo em que são agentes, são também vítimas de um sistema perverso. É imperativo avançar na perspectiva de se promover as ações globais necessárias para que o sistema penitenciário evolua da sua configuração atual e possa, efetivamente, promover segurança à sociedade. RECOMENDAÇÕES DE LEITURA Todos os títulos relacionados a seguir são facilmente pesquisados na rede mundial de computadores. Código de conduta para funcionários responsáveis pela aplicação da lei (Adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, no dia 17 de Dezembro de 1979, através da Resolução nº 34/169.) Código de Ética do Servidor Público Federal (Decreto Nº 1.171 - DE 22/06/94) Conjunto de princípios para tratamento de todas as pessoas sujeitas a qualquer forma de detenção ou prisão (Resolução 43/173 da Assembleia Geral, de 9 de dezembro de 1988), Convenção contra a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes (aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 9 de dezembro de 1975) Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de São José da Costa Rica. (Adotada e aberta à assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José de Costa Rica, em 22 de novembro de 1969 e ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992). Declaração sobre a proteção de todas as pessoas contra a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes (Aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 9 de Dezembro de 1975 - Resolução 3452 (XXX) Declaração universal dos Direitos Humanos (Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948) Estatuto do Desarmamento (Lei no 10.826, de 22/12/2003) Lei dos Crimes de Tortura (Lei Nº 9.455, de 7 de abril de 1997) Manual Penitenciário – Uma Abordagem de Direitos Humanos (www.hawaii.edu/hivandaids/A_Human_Rights_Approach_to_Prison_Management_(P ortugese).pdf) Princípios básicos relativos ao tratamento de reclusos (Adoptados e proclamados pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução 45/111, de 14 de Dezembro de 1990) Princípios básicos sobre o uso da força e armas de fogo pelos agentes da Lei (Anistia Internacional, Secretariado Internacional, 1 Easton Street, London WC1X 8DJ, Reino Unido, 1998) Princípios orientadores para prevenção e repressão do crime organizado (Adotados pelo Oitavo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes realizado em Havana, em Cuba, de 27 de Agosto a 7 de Setembro de 1990) Regras mínimas para o tratamento de prisioneiros (Adotadas pelo 1º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Tratamento de Delinquentes, realizado em Genebra, em 1955, e aprovadas pelo Conselho Econômico e Social da ONU através da sua resolução 663 C I (XXIV), de 31 de julho de 1957, aditada pela resolução 2076 (LXII) de 13 de maio de 1977. Em 25 de maio de 1984, através da resolução 1984/47, o Conselho Econômico e Social aprovou treze procedimentos para a aplicação efetiva das Regras Mínimas (anexo) Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil (resolução nº 14 de 11 de novembro de 1994 e publicada no DOU de 22 de novembro de 1994) Pacto internacional sobre os direitos civis e políticos (adotado pela XXI Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966) Pacto internacional sobre os direitos econômicos, sociais e culturais (Adotada pela Resolução n.2.200-A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966 e ratificada pelo Brasil em 24 de janeiro de1992) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Conselho nacional de política Criminal e Penitenciaria. Regras Mínimas Para o Tratamento de Presos no Brasil. Brasília, DF 1995. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (disponível no site: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm) Conjunto de princípios para a proteção de todas as pessoas sujeitas a qualquer forma de detenção ou prisão (site: http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/fpena/lex51.htm) FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 17.ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra. 1979 KUEHME, Maurício. Lei de Execução Penal e Legislação Complementar. Curitiba, JM Ed. 1999. ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. (disponível no site: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm) DISCIPLINA DIREITOS HUMANOS E TRATAMENTO PENAL SUMÁRIO 1. Direitos humanos...................................................................................................... 50 1.1. Noções gerais..................................................................................................... 50 1.2. Aplicação concreta............................................................................................. 51 1.3. Identificação dos sujeitos de direitos................................................................. 52 1.3.1. O preso, sujeito de direitos ..................................................................... 52 1.3.2. O agente penitenciário, sujeito de direitos.............................................. 53 2. O tratamento do preso.............................................................................................. 54 2.1. A mulher presa.................................................................................................... 56 2.2. Normas sobre tratamento dos presos................................................................. 58 Referências Bibliográficas............................................................................................. 60 Disciplina: Direitos Humanos e Tratamento Penal Elaboração: Igor Barreto de Menezes Pereira DIREITOS HUMANOS E TRATAMENTO DO PRESO Igor Barreto de Menezes Pereira 3 1. 1.1. Direitos humanos Noções gerais “[Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757], a pedir perdão publicamente diante da porta principal da Igreja de Paris [aonde devia ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; [em seguida], na dita carroça, na praça de Greve, e sobre um patíbulo que ai será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e as partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento.” Esse relato que abre a obra Vigiar e Punir retrata a realidade da pena de suplício corporal, comumente aplicada até o fim do século XVIII e, no Brasil, por mais tempo. Não se havia afirmado ainda a noção de direitos humanos. Tal noção, ligando seres humanos como membros de uma só família, como se relata ao início da Declaração Universal dos Direitos do Homem (10.12.1948), não se firma sem um largo percurso histórico. O predecessor concreto da noção de direitos desta ordem, no Ocidente, pode ser apontado no conjunto de declarações, que se iniciam nos processos de independência estadunidense e francesa. Há características dos direitos derivados a partir destas declarações que devem ser destacadas. O primeiro elemento a se considerar é a generalidade da afirmação de direitos. Não se está a sustentar privilégios, tampouco afirmando garantias para certo grupo, casta ou elite. Neste sentido, os direitos humanos são incompatíveis com qualquer divisão social pautada seja em critério hereditário, seja em critério censitário de ordem diversa. Dizem respeito a todos, indistintamente. O segundo elemento a se ter em conta é a irrevogabilidade destes direitos. Neste sentido, direitos afirmados para a humanidade não estão submetidos a um legislador capaz de suprimi-los. Os direitos são reconhecidos e declarados, e não propriamente criados. Sendo assim, não podem ser suprimidos, embora tenham permanecido, por muito tempo, sem expressão clara. O terceiro elemento é a irrenunciabilidade. Uma vez reconhecidos e declarados, os direitos humanos não podem ser negados ou afastados por qualquer manifestação pessoal. Não se pode renunciar à condição humana, e, por conseguinte, não se pode renunciar aos direitos que derivam desta condição. O quarto elemento, a indisponibilidade. Direitos humanos não estão submetidos ao mercado, não possuem valor de troca, mas dignidade (Kant). Não há cláusulas em quaisquer contratos, tampouco cárceres ou quaisquer condições de submissão em que o homem ou a mulher sejam levados a dispor de seus direitos, como se pudessem negociá-los. O quinto elemento, a progressividade. Neste ponto importa reconhecer a dinamicidade dos direitos proclamados. Não são inalteráveis. O que se pode dizer deles é que são mutáveis, mas de modo a acrescentar, não suprimir garantias. Algo como as conquistas de direitos trabalhistas estão gravados de cláusulas de irretroatividade, é dizer, não podem ser restringidos, senão sempre submetidos a uma dinâmica de expansão. 1.2. Aplicação concreta As aplicações concretas das noções gerais acima estabelecidas no cárcere são inúmeras. Inicialmente, há de se reconhecer que os dois personagens centrais do sistema penitenciário, o agente penitenciário e o preso, ambos são membros de uma só família, a quem são reconhecidos direitos humanos. O primeiro ponto, portanto, é este: ambos, agentes penitenciários e presos, são sujeitos de direitos humanos. Partindo desta premissa, tem-se que as afirmações e as violações de direitos são, dentro do sistema penitenciário, recíprocas. De um lado, o profissional submetido a condições de trabalho inadequadas não é respeitado em sua dignidade. De forma semelhante, o preso submetido à assistência material precária é diminuído em sua condição humana. Ambos sofrem violações e ambos desejam, como todos, a preservação e o respeito de seus direitos. Há, porém, um elemento crucial dentro do cárcere que condiciona o exercício dos direitos, qual seja, o poder. Os direitos humanos, assim de agentes penitenciários como de presos, estão submetidos a ordens de força, embora de graus distintos. Há, de modo claro, condição de submissão dos presos, figurando os agentes penitenciários como sujeitos primários de imposição da determinação legal expressa na sentença condenatória ou no decreto de prisão. Nisto há um elemento sempre presente: o fato de o agente penitenciário dever agir no cumprimento da sentença penal condenatória, auxiliando o Estado-juiz a atingir a finalidade da pena aplicada, ou seja, a retribuir um mal praticado, com efeito dissuasório, e a possibilitar a reinserção social, como elemento transformador da pena. 1.3. Identificação dos sujeitos de direitos A mera afirmação de direitos não é capaz, contudo, de efetivá-los. Neste sentido, o elemento primário que auxilia a concretização das garantias individuais é exatamente conhecer quem são as pessoas cujos diretos devem ser preservados. Para tanto, será apresentado a seguir, ainda que longamente, um retrato de presos e de agentes penitenciários, na certeza de que o reconhecimento recíproco como sujeitos de direitos passa, necessariamente, por um conhecimento prévio de quem são. 1.3.1. O preso, sujeito de direitos Um dos dados mais relevantes para atuação concreta dos agentes penitenciários é o relativo ao conhecimento do perfil da população carcerária. Dados do Departamento Penitenciário Nacional4 indicam a pena aplicada, o delito cometido e o perfil básico da pessoa encarcerada, podendo ser úteis para o tratamento adequado no ambiente prisional. Os crimes patrimoniais constituem 52% dos crimes por que permanecem presos os infratores. Os tipos de crimes patrimoniais mais comuns são o roubo simples (41058), seguido do furto qualificado (32863) e do furto simples (31956). O tipo penal isolado mais comum é o tráfico de drogas, que constitui 22% do total de crimes cometidos por aqueles que se encontram nos cárceres. Dos 91047 traficantes presos, 78.735 são homens, enquanto 12.312 são mulheres, sendo o tráfico uma das infrações em que a população feminina guarda proporção mais elevada. Os crimes contra a pessoa dividem-se em 28.236 homicídios qualificados, 20.972 homicídios simples, enquanto foram anotados 13.609 latrocínios. 5 A concentração de homicídios cometidos por homens é reveladora – 97%. Entre outros crimes cometidos pela população carcerária nacional, anotam-se crimes contra os costumes (17787), crimes previstos no Estatuto do Desarmamento (23208) e crimes de violência contra a mulher (2474). Acerca do tempo de pena, dado ligado ao item anterior, tem-se que a permanência no cárcere é relativamente longa. Da população carcerária nacional, informa o Depen, há condenações de até 4 anos para 53.479 pessoas; entre 4 e 8 anos, para 72.113 pessoas; entre 8 a 15 anos, para 54.929; entre 15 e 20 anos, para 26.299; entre 20 e 30 anos, para 20.766 pessoas; entre 30 e 50 anos, para 19723 pessoas; entre 50 e 100 anos, para 2592 pessoas e, finalmente, mais de 100 anos de condenação, para 508 pessoas. Demonstra-se, por estes números, que as penas aplicadas no País, ao contrário do que normalmente se propaga, não são brandas ou curtas. Finalmente, o dado relativo ao tempo de estudo da população carcerária revela claramente a concentração de internos entre aqueles com menor escolaridade. Do total de presos no Brasil, 178.562 tinham apenas o ensino fundamental incompleto; 67.384 tinham o ensino fundamental completo; 49.523 eram apenas alfabetizados; 44.107 contavam com o ensino médio incompleto; 31.022 tinham o ensino médio completo; 26.092 eram analfabetos; 2.942 possuíam o ensino superior completo e, finalmente, 1715, o superior incompleto. Assim, analfabetos, alfabetizados, pessoas com ensino fundamental incompleto e completo representam 80,12% da população carcerária. Em suma, aquele com quem o agente penitenciário terá de lidar diretamente no exercício de suas atribuições é, em regra, homem, preso por crime patrimonial, com pena entre 4 e 8 anos e com ensino fundamental incompleto. 1.3.2. O agente penitenciário, sujeito de direitos Pesquisa realizada pelo Ministério da Justiça em agosto de 2009 traça um perfil geral dos profissionais de segurança pública no Brasil 6 . A seguir serão relacionados apenas alguns daqueles referentes aos agentes penitenciários. Primeiramente, acerca da hierarquia e disciplina, 61,4% dos agentes penitenciários entendem que a “hierarquia é fraca ou insuficiente em sua instituição”, enquanto 62,3% afirmam faltar disciplina. Quanto ao direito de greve, 87,2% defendem que “todos os agentes de segurança pública (policiais e outros) devem ter direito à greve”. Tratando-se de corrupção, os agentes penitenciários alcançam, entre todos os profissionais da segurança pública, o percentual mais elevado entre aqueles que denunciariam o colega à corregedoria/ órgão similar: nada menos que 50,9%. Para termo de comparação, entre os agentes da polícia civil, apenas 11,3% adotariam a mesma postura. Este quadro faria presumir um ambiente de trabalho inóspito, em que colegas tentariam prejudicar um ao outro. Não é o caso. Ocorre que a corrupção de um agente penitenciário potencializa o risco de ocorrências violentas contra todos os outros, dado o ambiente de confinamento e proximidade com agentes potencialmente hostis. Quanto ao sistema penitenciário, os próprios agentes que nele atuam manifestaram-se, majoritariamente, no sentido de reconhecer que “não consegue realizar o trabalho necessário” (45,8%), enquanto outros 27% afirmaram que “termina produzindo efeitos piores para a segurança pública”. Nesse sentido, o descrédito do sistema em que estes profissionais atuam é referendado por aqueles que mais diretamente têm poder para modificá-lo. Sobre exposição à violência, 16,7% dos agentes afirmaram ter sofrido violência física por parte de pessoa condenada ou suspeita de atividade ilícita, enquanto 55,6% asseguraram ter sofrido ameaças de morte ou de violência. A respeito de humilhações, 42,2% dos agentes dizem ter sofrido com atuação de superior hierárquico, além de outros 27,9% por colegas de mesmo posto e 10,2% por parte de inferior hierárquico. Quanto ao tempo de duração do curso de formação, os agentes, no Brasil, recebem em 80,5% dos casos cursos de até 3 meses. É o menor tempo de formação entre todas as carreiras analisadas pelo estudo. Para termo de comparação, praças da Polícia Militar recebem, em 68.6% dos casos, curso entre 6 e 12 meses. Quanto às matérias de interesse para aprofundar conhecimentos, 89,7% dos agentes afirmam desejar estudar direito/criminologia, além de um percentual significativo de interessados por teologia (30,7%, o segundo maior índice). O nível de instrução dos agentes penitenciários distribui-se da seguinte maneira: 0.9% possuem ensino médio incompleto; 40,7% possuem ensino médio completo; 28,1%, o ensino superior incompleto e, finalmente, 30,3%, o ensino superior completo. Quanto à experiência no exercício da função, 47,5% dos agentes tinham ingressado há menos de cinco anos na carreira. Quanto á idade, 50,5% dos agentes têm entre 26 e 35 anos. Quanto à remuneração, 73,1% dos agentes recebiam entre R$ 1.001 e R$ 2.000. Finalmente, 67,6% dos agentes não gostariam que um filho entrasse na corporação, enquanto 51,5% desejam sair da corporação assim que houver oportunidade. Assim, em regra, o agente penitenciário acredita haver indisciplina em sua corporação, com hierarquia fraca e é tendente a defender o direito de greve; em caso de corrupção, denunciaria seu colega; não acredita no sistema em que desempenha seu trabalho e tem um curso de formação demasiado breve; tem interesse em direito/criminologia e completou o ensino médio; não tem experiência prolongada e recebe remuneração baixa; finalmente, deseja afastar-se de suas funções assim que tenha oportunidade. 2. O tratamento do preso Seguindo o primeiro tópico que abordou noções gerais de direitos humanos e apresentou os humanos objetos deste estudo, agentes penitenciários e presos, cujos direitos são reconhecidos e proclamados em caso concreto, será enfocado, para os fins desta disciplina, também direta e concretamente, o tratamento do preso. O tratamento a ser dispensado aos presos deve pautar-se pelo princípio da dignidade da pessoa humana. A referência a qualquer norma, nacional ou internacional, a ser aplicada em favor dos encarcerados e das encarceradas pode ser resumido neste princípio. O modo primário de lidar com a população carcerária deve sustentar-se no reconhecimento, inicialmente, de sua pessoa, e não de seu crime. Os elementos pessoais devem ser considerados preferencialmente ao ato ilícito cometido. Este ponto pode ser entendido pela prática, difundida amplamente pela mídia e comum entre profissionais do sistema penitenciário, de referir-se à pessoa pelo crime cometido. Assassino, estuprador, ladrão – tudo isso é referência ao crime, e não à pessoa. O fato de existir ou não condenação definitiva é indiferente. Mesmo que as circunstâncias que envolvem o cometimento do crime sejam desconhecidas, o julgamento, porém, antecipa-se, impõe-se e, via de regra, condena. De outro modo é percebida, no cárcere, a diminuição da importância do ser pessoa: o nome é deixado de lado pelo uso reiterado do vulgo: Oião, Carrim, Picareta (referindo-se ao objeto utilizado para cometer o crime), Nego Marinheiro, Neguim da Bastiana são exemplos de alguns vulgos de presos na Penitenciária Industrial Regional de Sobral e na Cadeia Pública desta Comarca. Em nenhum dos exemplos, faz-se referência ao nome, elemento primário da fixação de uma identidade. Portanto, é de suma importância que o agente penitenciário não se dirija ao preso pelo vulgo, evitando, dessa forma, repetir algo do comportamento dos próprios internos. Há outro elemento a considerar. De um modo geral, os internos têm um perfil comum: são negros, pobres, analfabetos ou de baixa escolaridade, sem trabalho formal, usuários de drogas e oriundos das periferias. Essa homogeneidade pode levar, no decurso do tempo, o agente penitenciário a tratar todos os internos indistintamente. Pode-se acrescentar, ainda, o fato de que os relatos dos internos são, muitas vezes, semelhantes, havendo generalizada carência, por exemplo, de prestação de assistência judicial. O mesmo relato feito por pessoas semelhantes faz com que problemas, por vezes sérios, não recebam o cuidado devido. Importa, especialmente, perceber-se algo muito simples: o apenado continua a ser pessoa. O que significa dizer que continua a padecer dos mesmos males, a necessitar das mesmas assistências que todos os outros seres humanos necessitam. Agrava-se a situação por serem potencialmente incapazes de satisfazer suas necessidades. Não se retira a liberdade, desse modo, apenas de ir e vir. É impossível aos apenados escolher: não determinam onde ficam (a triagem é realizada pelos agentes e pela direção, observando elementos de segurança); não estabelecem o que comer (o alimento lhe é fornecido); não define que roupa usar (a farda, quando existe, é recebida no início da internação); não dispõe da água quando deseja (normalmente, o fornecimento é racionado para determinados horários); não tem acesso ao juiz ou a seu defensor como desejaria, ignorando o processo em que se decide, continuamente, sobre sua liberdade. As observações feitas, na verdade, podem ser menos válidas, a depender da realidade local. O agente levado a trabalhar como diretor de cadeia no interior do Estado poderá encontrar questões específicas que não se enquadram no que foi dito. Ali o contato familiar é, geralmente, mais intenso. A assistência material é, por este meio, facilitada. O contato diário leva a um conhecimento maior da pessoa presa. De todo modo, haverá problemas de saúde, desespero, abandono. A revolta latente poderá ser sentida. Caberá ao agente penitenciário lidar com esta realidade, sempre desafiadora. Em unidades prisionais melhor equipadas, podem ocorrer situações um tanto quanto delicadas no que concerne a atendimentos psicológicos e odontológicos. As assistências psicológica e odontológica, necessárias no sistema prisional, mas ausentes em quase todas as unidades, são prestadas ao preso, contudo, por vezes, não são prestadas ao agente penitenciário. Nessas ocasiões, o profissional poderá sentir-se preterido frente ao preso; sentir-se, por vezes, tratado de modo menos respeitoso do que o próprio preso, o que pode desencadear um mecanismo de transferência, passando o profissional a considerar o preso culpado pela falta da assistência de que necessita. Nesta circunstância, o agente penitenciário não percebe que a atuação frente ao próprio Estado seria a adequada. Durante a concreta atuação no cárcere, haverá momentos de desrespeito explícito por parte dos internos. São conhecidos os relatos de xingamentos e de ameaças, de gestos e agressões físicas. A resposta do profissional de segurança pública não deve ser, porém, irrefletida. Nesse sentido, será necessário, muitas vezes, não atuar segundo o impulso primário de retribuir o mal sofrido com mal proporcional ou agravado. Aqui o sistema de punições administrativas deve ser utilizado. A eventual colocação na chamada tranca, a abertura de procedimento administrativo, a suspensão de visita, a retirada de alguma regalia – tudo isso terá efeito sobre o comportamento do preso. Embora o papel primário do agente penitenciário esteja relacionado a questões da segurança da unidade, não deixam de atuar como executores da sentença condenatória. Os limites da pena são ali estabelecidos. Não há qualquer determinação ou autorização para agressões, desrespeitos e altercações. Executar a pena em seus limites, não acrescentando sanções não previstas, é crucial. Valerá, para a legitimidade da atuação, o conhecimento profundo do Regimento Geral dos Estabelecimentos Prisionais, das faltas previstas legalmente e do modo de aplicá-las. Agir para além da sentença faz do agente penitenciário não um executor concreto da sentença, mas um juiz de exceção, o que deve ser evitado a todo custo. 2.1. A mulher presa Para o tratamento da mulher encarcerada, é de fundamental importância levarse em conta sua especificidade. Inicialmente, as necessidades derivadas do próprio corpo da mulher encarcerada deve merecer atenção. O fato de adoecerem mais facilmente, de necessitarem de assistência médica com mais frequência, de apresentarem maior exigência quanto às demandas de higiene pessoal não pode ser desprezado. Não são, como chamou atenção Heidi Cerneka7, homens que menstruam. O cárcere deve ser, tanto quanto possível, adaptado à realidade das internas. Um dado não pode escapar à atuação concreta do agente penitenciário: a maioria das mulheres encarceradas responde a processos por tráfico de drogas. Este elemento indica a possibilidade de permanência prolongada no cárcere, dado o tratamento legal em vigor, com pena mínima de cinco anos de reclusão e progressão de regime com fração de dois ou três quintos da pena aplicada. O trato com os filhos é mais uma especificidade da mulher encarcerada. Há garantias, na legislação nacional e internacional, para preservar a permanência do contato entre mãe e filho, mesmo no cárcere e por meses seguidos, no caso de recémnascidos. A gravidez intercorrente, sempre que ocorre no curso do cumprimento da pena, acarretará, igualmente, grandes desafios à atuação do profissional de segurança. O apego e a criação de laços afetivos entre agentes e mulheres presas grávidas ou que deram à luz são comuns. O modo de lidar com essa realidade não deve ser descuidado. A ausência de contato entre unidades femininas e masculinas impõe-se por si só. O histórico de abusos perpetrados contra mulheres submetidas a cárcere comum com homens representa violação clara dos direitos da pessoa presa. Por outro lado, importa observar que a dependência emocional, fenômeno muito mais comum entre mulheres encarceradas, pode levar ao desenvolvimento de relações homoafetivas, mais comuns em cárceres femininos que em masculinos. A ausência de visitas, o abandono por parte de namorados ou companheiros, a presença compreensiva de companheiras de cela, a relativa permissividade do ambiente prisional – todos esses elementos podem contribuir para formação destas relações. A presença de agentes penitenciárias femininas deve ser garantida e importará, por vezes, em tomada de posição firme das profissionais de segurança. Reconhecendose que o ambiente prisional é machista, a adoção de certas medidas ou o impedimento de abusos deverá partir de agentes bem preparadas e capazes de reagir às situações concretas. Além disso, atuarão em uma área especialmente sensível no sistema penitenciário: na revista às visitas. Sobre este último ponto, é necessário atentar-se para o fato de que há garantias quanto aos procedimentos a serem realizados em mulheres, presas ou em visitas íntimas, para que sejam realizados apenas por agentes femininas. A tomada de posição frente, por exemplo, ao flagrante de estar a visita portando celular ou qualquer outro instrumento proibido na unidade prisional deverá ocorrer segundo os preceitos legais. Usualmente, as mulheres encarceradas costumam comportar-se de modo mais emocionalmente afetado. Há mais saudade da família e sofrimento pelo encarceramento. Reclamações são comuns. O desejo de comunicação faz-se sentir. A dramaticidade dos relatos se destaca. Há necessidade de maior atenção para distinguir as vontades das reais necessidades das mulheres presas, a fim de atuar primariamente para atender estas e não aquelas. Sob todos os aspectos de sua atuação, é necessária a compreensão clara de que o trabalho do agente penitenciário será o elemento primário de cumprimento concreto da sentença condenatória, dentro de seus limites, e o mais constante e capaz de potencializar a ressocialização de homens e mulheres encarceradas. 2.2. Normas sobre tratamento dos presos Sem exaurir, nem de perto, as referências à legislação acerca do tratamento do preso, como ponto final deste texto, são citadas a seguir alguns textos normativos mais diretamente relacionados ao tema e suas fontes, vigentes no País, e que devem nortear o trabalho do agente penitenciário. Constituição da República Federativa do Brasil Art. 1.º, III. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana. Art.5.º, III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; Art. 5.º, XLVII – não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis; Art. 5.º, XLVIII – a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; Art. 5.º XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; Art. 5.º, L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação. Declaração Universal dos Direitos do Homem Art. 5.º Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamento cruéis, desumanos ou degradantes. Pacto de São José da Costa Rica Art. 4.º. n. 3 - Não se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam abolido. Art. 5.º, n.1 - Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. Art. 5.º, n. 2 – Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o devido respeito à dignidade inerente ao ser humano. Art. 5.º, n. 4 – Os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em circunstâncias excepcionais, e ser submetidos a tratamento adequado à sua condição de pessoas não condenadas. Art. 5.º, n. 6 – As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados. Art. 7.º, n. 6 – Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura se a prisão ou detenção foram ilegais [omissis] Art. 10 – Toda pessoa tem direito a ser indenizada conforme a lei, no caso de haver sido condenada em sentença passada em julgado, por erro judiciário.·. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm. Acessado em 21.01.2009. BRASIL. Lei n.º 7.210, de 11 de julho de 1984: institui a Lei de Execução Penal. Diário Oficial da União. 13.07.1984. ______. Mapa do crime no Brasil. Ministério da Justiça. Disponível em www.mj.gov.br. Acessado em 21.01.2009. FOUCAULD, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. Raquel Ramalhete. 29 ed. Petrópolis: Vozes, 2004. KÜHNE, Maurício. Lei de execução penal anotada. 7.ed. Curitiba: Juruá, 2009 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Disponível em www.un.org. Acessado em 01.05.2010. ______. Convention against torture and other cruel, inhuman or degrading treatment or punishment. Disponível em www.un.org. Acessado em 16.03.2009. ______. United Nations Rules for the treatment of women prisoners and noncustodial measures for women offenders (the Bangkok Rules). Disponível em www.un.org. Acessado em 06.02.2012. SOARES, Luiz Eduardo; ROLIM, Marcos e RAMOS, Silvia. O que pensam os profissionais de segurança pública, no Brasil. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Disponível em www.mj.gov.br. Acessado em 15.09.2009. “Toda pessoa é maior que seu erro” Mário Ottoboni DISCIPLINA CONDUTA PESSOAL E SITUAÇÕES DE RISCO DO TRABALHO EM PRISÕES SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................................ 4 UNIDADE I: ABORDAGENS CONCEITUAIS........................................................ 5 Rotinas diárias.............................................................................................................. 5 Postos de trabalho..........................................................................................................5 UNIDADE II: SEGURANÇA PÚBLICA.................................................................... 6 Fugas: causas consequências e prevenção...................................................................... 6 Ações práticas de combate........................................................................................... 7 Revista ......................................................................................................................... 7 Procedimentos de revista para detector de metais........................................................ 8 O uso indevido de celulares nos presídios.....................................................................9 Uso de algemas............................................................................................................. 10 Conferência ...................................................................................................................11 UNIDADE III: NOVOS PARADIGMAS EM SEGURANÇA PÚBLICA................. 11 Admissão e soltura de presos.........................................................................................11 UNIDADE IV: AS VULNERABILIDADES DO SISTEMA PENITENCIÁRIO...... 14 A superlotação das prisões.............................................................................................14 Violência praticada por presos contra presos.................................................................. 14 A violência praticada por agentes do poder público contra detentos sob sua custódia. 16 Nova modalidade de violência...................................................................................... 18 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................... 21 DISCIPLINA NOÇÕES DE MEDIAÇÃO DE CONFLITOS SUMÁRIO Apresentação................................................................................................................. 23 Introdução.......................................................................................................................24 O Conflito..................................................................................................................... 24 Conflitos não são problemas.......................................................................................... 25 Diferença entre conflito e briga................................................................................... 25 Como lidar com o conflito............................................................................................ 25 Níveis de conflito.......................................................................................................... 25 Tipos de conflito........................................................................................................... 27 Áreas de conflito........................................................................................................... 27 Consequências do conflito............................................................................................ 28 Como administrar os conflitos...................................................................................... 29 Como evitar o conflito.................................................................................................. 29 Considerações finais..................................................................................................... 30 BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA.......................................................................... 31 DISCIPLINA NOÇÕES DE INTELIGÊNCIA PENITENCIÁRIA SUMÁRIO Apresentação................................................................................................................ 33 CAPÍTULO I................................................................................................................. 34 O surgimento da Atividade de Inteligência................................................................... 34 Da inteligência, da Contrainteligência e dos Princípios............................................... 34 CAPÍTULO II............................................................................................................... 36 Do Conhecimento e os Tipos....................................................................................... 36 CAPÍTULO III............................................................................................................. 38 Dos Assuntos Sigilosos e dos graus de sigilo............................................................... 38 Do Acesso, da Credencial de Segurança, da Necessidade de Conhecer e do 39 Comprometimento.......................................................................................................... A produção do Conhecimento...................................................................................... 39 Diferença entre Busca e Coleta.................................................................................... 40 CAPÍTULO IV.............................................................................................................. 41 Atividade de Inteligência versus Investigação Policial..................................................41 Atividade de Inteligência versus Inteligência Penitenciária......................................... 42 Definindo a Inteligência Penitenciária.......................................................................... 43 Disciplina: Conduta Pessoal e Situações de Risco do Trabalho em Prisões Elaboração: Kany de Carvalho Bezerra INTRODUÇÃO Apresentação A temática prisional é certamente uma das mais delicadas no contexto do sistema da segurança pública. E por este motivo requer um tratamento especial, não somente no tocante às suas rotinas, mas, sobretudo, no que se refere à concepção que lhes dá sustentação, visando articular, problematizar e intervir nas mais variadas situações que constituem o cenário cotidiano das Unidades Prisionais do Estado do Ceará, incorporando valores éticos e compromisso social, elaborados de acordo com a Lei de Execução Penal, consoante a uma abordagem dialógica e humanizadora. Desse modo, o material apresenta aos futuros Agentes Penitenciários informações para o enfrentamento dessas questões, desejando articular um trabalho em rede, e que demonstre a padronização do sistema penitenciário do Ceará. Assinala-se também nesta apostila os obstáculos do sistema penitenciário demonstrando os diversos fatores que geram estas vulnerabilidades, tais como precariedade das instalações físicas, a superpopulação prisional, deficiências no atendimento jurídico e de saúde, as precárias condições de higiene, iluminação, a inexistência de espaços de convivência, presos que assumindo lideranças de alas, tráfico de drogas, em conflito com o objetivo visado, que seria a reinserção social do apenado. Assim, aglutinando as técnicas e padrões de procedimentos e conhecedores da problemática prisional, Agentes penitenciários poderão desempenhar seus papéis de modo mais coeso e articulado solidificando a importância do trabalho que desenvolvem dentro do contexto penitenciário. UNIDADE I: ABORDAGENS CONCEITUAIS Rotinas diárias Nessa unidade, trataremos dos procedimentos básicos que norteiam as atividades realizadas pelos agentes penitenciários. Tais procedimentos devem estar relacionados às questões de segurança da unidade prisional, na medida em que a segurança é condição essencial para o funcionamento das unidades. Desse modo, o trabalho do agente penitenciário consiste na vigilância e fazer cumprir as normas e regulamentos da unidade prisional. Uma das rotinas diárias do estabelecimento prisional consiste na troca de plantão. Tal procedimento deverá ser realizado em horário determinado pela Direção da unidade e com o efetivo adequado para a realização das atividades cotidianas. Uma das atividades fundamentais na troca de plantão consiste na leitura do relatório da equipe anterior. Desse modo, possibilitará ao chefe de equipe dos agentes de plantão a situação do dia anterior, para traçar estratégias para o início de plantão. Outrossim, a conferência do material do plantão é rotina diária a ser adotada na troca do plantão. Ao iniciar o plantão, o agente penitenciário adotará alguns procedimentos básicos para execução de atividades/trabalhos na unidade de sua lotação, tais como: apresentar-se ao Chefe de Equipe para ciência e ocupação do posto de serviço a ser ocupado; tomar conhecimento das tarefas a serem realizadas; receber e conferir o material de segurança; receber outros materiais necessários para execução do serviço; observar as condições da estrutura e a higiene do posto de trabalho. Observação: caso ocorra alguma alteração no posto de trabalho, o Agente Penitenciário que esteja assumindo o posto deverá informar ao Chefe de Equipe e esperar ordem para que a rendição seja realizada. Postos de trabalho Conceitua-se Posto de Trabalho como um local no qual um trabalhador desenvolve suas atividades. No contexto das prisões, os postos de trabalho estão relacionados com a rotina do estabelecimento prisional. Faz-se mister ressaltar que os postos se dividem em postos fixos e rondas. Ressalvando as peculiaridades de alguns estabelecimentos, destacamos alguns postos de trabalho que estão presentes na maioria das unidades: Vistoria: posto de trabalho utilizado com finalidade de realizar vistoria de pessoas e/ou objetos que adentram na unidade prisional objetivando a detecção de objetos, substâncias ou produtos proibidos pela administração. Quadrante: posto de trabalho existente nos estabelecimentos prisionais que restringe os acessos entre outros espaços como corredores, galerias, setores, e outros. Têm como finalidade controlar o trânsito e acesso de pessoas, bem como resguardar a estrutura física do estabelecimento. Monitoramento: É posto de trabalho presente nas grandes unidades prisionais do estado, onde o agente exerce a vigilância da unidade através de câmeras de monitoramento. Parlatório: É o posto de trabalho onde os internos, após autorização, recebem visitas, atendimento de advogados, técnicos e outros. Ao Agente Penitenciário escalado nesse posto caberá controlar o fluxo de atendimentos, verificando as condições de segurança do local e controlando o tempo de entrada e saída daqueles que estão no parlatório. Afastar-se do local de trabalho ou do posto de serviço sem prévia autorização do superior imediato é conduta inadequada, pode gerar falha na segurança da unidade. UNIDADE II SEGURANÇA PÚBLICA Fugas Nessa disciplina, estuda-se a causa da fuga não na perspectiva do interno, mas no motivo que possibilitou. Desse modo, inúmeras razões podem ser causa de fuga de presos. Faz-se necessário evidenciar que as causas de fugas podem ser uma só ou cumulativas. A superlotação dos estabelecimentos prisionais é o maior problema que assola o sistema prisional do Brasil, consequentemente uma causa de fuga. Prevenção Acionamento do grupo de intervenção. Reforço da vigilância dos agentes da própria unidade. Transferências No que tange à transferência, no objetivo de prevenção de fugas, o dispositivo assecuratório desse procedimento é o art. 42 do Regimento Geral que prevê a possibilidade de se transferir o preso por ordem técnico-administrativa do Coordenador do Sistema com vistas a preservar a segurança e a disciplina. Ações práticas de combate. Diversas fugas já foram impedidas pela ação dos agentes penitenciários no cotidiano prisional, evitando que internos descumprissem a determinação judicial. Tal missão foi matéria de periódico do Diário do Nordeste, em 25 de janeiro de 2012: Uma fuga em massa foi evitada, na tarde de ontem, no Instituto Presídio Professor Olavo Oliveira I (IPPOO I), no Itaperi. Agentes do Grupo de Apoio Penitenciário (GAP), da Secretaria de Justiça e Cidadania, e policiais militares descobriram um túnel de aproximadamente 40 metros na unidade prisional. O Serviço de Inteligência da SEJUS obteve uma informação sobre a existência de um túnel e acionou uma equipe do GAP, formada por 10 homens. Ao realizar uma vistoria na unidade, com o apoio de policiais militares da 2ª Companhia de Policiamento de Guarda (2ª CPG), os agentes encontraram o buraco, com cerca de três metros de profundidade, um metro e meio de largura e 40 de extensão. Revista A revista tem como finalidade examinar as pessoas e bens que venham a ter acesso à unidade prisional, objetivando a detecção de objetos, substâncias ou produtos proibidos pela administração, bem como dentro da própria unidade. Diversas modalidades de revistas podem ser feitas na Unidade Prisional. Destacamos abaixo, materiais necessários que o Agente Penitenciário necessitará antes de iniciar a revista: a) luva b) radiotransmissor – HT; c) lanterna; d) espelho; e) algema; f) detector de metais; g) equipamento de raios X; h) talheres utilizados para revistar alimentos; i) embalagem para colocar alimentos dos internos; j) balança; k) outros equipamentos. Procedimentos de revista para detector de metais Prevê a portaria Nº159 de 11 de maio de 2011, publicada no Diário Oficial do Estado do Ceará, regulamentando o acesso de pessoas nas Unidades do Sistema Penal do Estado: A SECRETÁRIA DA JUSTIÇA E CIDADANIA, no uso de suas prerrogativas, CONSIDERANDO a necessidade de se reforçar o controle de acesso às Unidades do Sistema Penal do Estado, a fim de coibir a entrada ilícita de objetos; CONSIDERANDO a necessidade de preservar a segurança dos visitantes, internos e trabalhadores das Unidades Prisionais; CONSIDERANDO o que dispõe a Resolução nº104, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que estabelece que todos devem se submeter ao detector de metais, sem exceção, pela inexistência de ilegalidade na instalação desses equipamentos e na revista pessoal de pastas e pertences pessoais. RESOLVE: Art.1º. Autoridades, juízes, promotores, defensores públicos, advogados, visitantes e servidores, sem exceção, ao adentrarem nas Unidades de nosso Sistema Penal, se submeterão a revista eletrônica e a revista de pastas, bolsas e pertences pessoais, e, se demonstrado necessário, após a revista eletrônica será procedida revista pessoal. Art.2º. Os reclusos serão revistados antes e depois de contatos externos, a fim de que seja inibida a entrada de drogas, armas, telefones celulares ou qualquer objeto desautorizado nas Unidades. Destacamos abaixo, diversos locais onde são realizadas vistorias: a) cela do interno; b) área coletiva de banho de sol; c) banheiro; d) material de entrada; e) refeições diárias; f) outros locais. O uso indevido de telefones celulares nos presídios Consoante ao uso de celulares no interior dos estabelecimentos prisionais, destacamos algumas medidas: vistorias rotineiras dos agentes de segurança, a utilização de bloqueadores, a criminalização para autoridades públicas que facilitem a entrada de aparelho celular no interior das unidades e a previsão legal de faltas graves para o detento flagrado com aparelho de telefone celular. Acerca das vistorias realizadas pelos servidores, ano após ano, o número de aparelhos apreendidos aumentou. Somente como dado, de agosto de 2005 para agosto de 2007, foram apreendidos seiscentos e dezenove aparelhos celulares em um único estabelecimento prisional no Ceará. Diante desse fato, gostaríamos de sintetizar o assunto parafraseando o professor Farias Júnior que asseverou que para a entrada de objetos ilícitos em presídios, utiliza-se dos meios imagináveis e inimagináveis. Quanto à questão legal acerca dos celulares em presídios, o tema tem três desdobramentos. No primeiro, consiste em incluir, na LEP, como falta grave a posse de telefone celular. No segundo, inclui o art. 319-A, no Código Penal, tipificando como crime a conduta de servidores que facilitem a entrada de celulares em presídios. Por último, temos a Lei que torna crime entrar com telefone celular ou aparelhos clandestinos de comunicação em presídios ou usá-los nestes estabelecimentos. As penas previstas na nova lei variam de três meses a um ano de reclusão. Agora, parentes de presos e advogados terão que deixar seus aparelhos na portaria das cadeias. Das referidas mudanças, as duas primeiras ocorreram pela Lei 11.466/ 2007, ao passo que a última foi sancionada em 06 de junho de 2009. Desse modo, temos as seguintes inclusões: Lei 7210/84, art. 50, VII - tiver em sua posse ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. Código penal, art. 319-A. Deixar o Diretor da Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano. Art. 349-A. Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional. Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano. Por fim, no intuito de demonstrar os meios utilizados para combater o uso de celulares nos estabelecimentos prisionais, temos a instalação de bloqueadores. De certo é que, a barreira contra a criminalidade não tem crescido com a mesma intensidade da tecnologia. Até o presente momento, os bloqueadores utilizados, adquiridos por um alto custo, não conseguiram eficiência total, sempre deixando falhas, o que faz com que os criminosos logo se aproveitem da ineficiência destes. Uso de algemas A utilização de algemas no Brasil é uma temática muito polêmica, uma vez que não existe legislação regulamentadora sobre seu uso. Diante dessa ausência legislativa têm sido geradas muitas dúvidas sobre como e quando elas devem ser usadas. Foi essa ausência de leis que regulassem a matéria que o Supremo Tribunal Federal, em um caso concreto, aprovou por unanimidade a súmula vinculante nº 11, descrevendo as modalidades em que seria possível o uso de algemas: Súmula vinculante nº 11. Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado. Nunes, membro titular do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça narra as situações do uso de algemas no cotidiano prisional: No sistema prisional é comum deparar-se com presos transitando livremente no pátio, mas quando necessária sua presença no gabinete do diretor, na enfermaria ou no local apropriado para audiência com familiares e advogados, são algemados. Fora do sistema, o preso transita algemado e escoltado por pelo menos dois polícias uniformizados ou fardados e altamente armados pelos corredores do fórum, deixando algumas pessoas indignadas e outras com certo prazer. Como se vê, legislação clara e precisa no tocante a algemas é praticamente inexistente. Contudo, é necessário enfatizar que algemas não serão utilizadas como meio de punição. Conferência A conferência, também denominada de chamada, é utilizada para controle dos presos, evitando fugas e controlando a localização. Os horários mais utilizados para a conferência são: após a tranca; antes da abertura; após fuga ou tentativas; na troca de plantão. É muito comum a contagem única diária. Contudo, nada impede sua utilização mais de uma vez. UNIDADE III NOVOS PARADIGMAS EM SEGURANÇA PÚBLICA Admissão e soltura de presos A admissão e soltura de presos fazem parte do cotidiano na prática prisional. Destacaremos abaixo as ações que deverão ser feitas pelos Agentes Penitenciários nas situações mencionadas: Admissão (ingresso) do preso: O Regimento Geral dos Estabelecimentos Prisionais do Estado do Ceará é o diploma legal que rege acerca do ingresso do preso no Sistema Penal. Inicialmente, é necessário destacar que o próprio regimento elenca documentações distintas para a modalidade da prisão. Quando se tratar de preso condenado, com fulcro no art. 30 do Regimento Geral, o ingresso deverá ocorrer através de apresentação de guia de recolhimento expedido por Juiz de Direito. A LEP, nos artigos 105 a 107, esclarece sobre a guia de recolhimento (carta de guia): Art. 105. Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução. Art. 106. A guia de recolhimento, extraída pelo escrivão, que a rubricará em todas as folhas e a assinará com o Juiz, será remetida à autoridade administrativa incumbida da execução e conterá: I - o nome do condenado; II - a sua qualificação civil e o número do registro geral no órgão oficial de identificação; III - o inteiro teor da denúncia e da sentença condenatória, bem como certidão do trânsito em julgado; IV - a informação sobre os antecedentes e o grau de instrução; V - a data da terminação da pena; VI - outras peças do processo reputadas indispensáveis ao adequado tratamento penitenciário. § 1º Ao Ministério Público se dará ciência da guia de recolhimento. § 2º A guia de recolhimento será retificada sempre que sobrevier modificação quanto ao início da execução ou ao tempo de duração da pena. § 3° Se o condenado, ao tempo do fato, era funcionário da Administração da Justiça Criminal, far-se-á, na guia, menção dessa circunstância, para fins do disposto no § 2°, do artigo 84, desta Lei. Art. 107. Ninguém será recolhido, para cumprimento de pena privativa de liberdade, sem a guia expedida pela autoridade judiciária. § 1° A autoridade administrativa incumbida da execução passará recibo da guia de recolhimento para juntá-la aos autos do processo, e dará ciência dos seus termos ao condenado. § 2º As guias de recolhimento serão registradas em livro especial, segundo a ordem cronológica do recebimento, e anexadas ao prontuário do condenado, aditando-se, no curso da execução, o cálculo das remições e de outras retificações posteriores. Quando se tratar de prisão provisória, a documentação necessária para o ingresso do preso será conforme art. 31 do Regimento Geral: Art.31 - O ingresso do preso provisório se dará através da apresentação dos seguintes documentos: I - guia de recolhimento, expedida pela autoridade policial ou judiciária competente; II - comprovação de que o mesmo foi submetido a exame de corpo de delito; III - comprovante de identificação do preso junto à Delegacia de Capturas; IV - Informação sobre os antecedentes policiais e judiciais do preso, com cópia do auto de prisão em flagrante ou do mandado de prisão judicial. Após conferência e recebimento da documentação exigida, serão realizadas revistas no preso e em seus pertences, higienização corpórea e recebimento de uniforme em substituição ao seu vestuário. A admissão do preso poderá ser realizada, também, por transferência de unidade prisional. Tal modalidade é realizada de uma unidade para outra, por ordem judicial, por ordem técnico-administrativa e a requerimento do interessado. No tocante à transferência por ordem judicial, caberá à administração penitenciária a efetivação de tal determinação. No que tange à transferência por ordem técnico-administrativa, dar-se-á por determinação da Cosipe, em caráter de excepcionalidade, nas seguintes modalidades: por solicitação do diretor da unidade prisional, no caso de doença, que exija tratamento do preso e por interesse da administração, com vistas a preservar a segurança e a disciplina. Por último, quando a transferência for a requerimento do interessado (familiares, seu procurador ou o próprio interno) a unidade prisional deverá ser do mesmo regime de cumprimento de pena. Soltura do preso: Inicialmente, soltura de presos não deve ser confundida com a saída, aquela é consubstanciada por alvará de soltura expedido por autoridade judiciária competente. O art. 49 do Regimento Geral, nos incisos I e II estabelece os casos de soltura de presos. Art.49 - A saída do preso da Unidade Prisional dar-se-á nos seguintes casos: I - pelo término do cumprimento da pena, devidamente reconhecido por sentença do Juízo das Execuções Criminais e Corregedor dos Presídios; II - em virtude de algum beneficio legal que lhe tenha sido concedido, sempre por ordem escrita da Autoridade Judiciária competente. Compete ao Diretor da Unidade Prisional a soltura do preso por determinação judicial, mas o agente penitenciário contribui com a identificação do interno através de recursos tecnológicos de identificação e prontuário. UNIDADE IV AS VULNERABILIDADES DO SISTEMA PENITENCIÁRIO A superlotação das prisões A maioria dos principais problemas do sistema penitenciário do Brasil é relacionada a uma crônica falta de vagas, submetendo grande parte da população prisional a horríveis condições de habitação. Consoante o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2009, o déficit de vagas no Brasil está na ordem de 138.386, para uma população prisional de 417.112 presos. Dessa forma, havia apenas 278.726 vagas disponíveis distribuídas por presídios que não permitiam o pleno acesso do preso a serviços básicos, como atendimento de saúde, assistência jurídica e escolarização. Dos países da América Latina, o Brasil possui o maior déficit de vagas, ocasionando uma superpopulação com graves problemas. Esse é o fiel retrato do descumprimento dos direitos humanos. A superlotação, nas unidades do sistema prisional, também impede o mínimo cumprimento do que preconiza a LEP. Diante disso, estudiosos convergem para defender que as cadeias devem ser reservadas para aqueles que cometem crimes violentos, como latrocínio, estupro, assalto e outros. Violência praticada por presos contra presos Uma modalidade de violência que aflige as unidades do sistema prisional é a de presos contra presos, tendo as lesões corporais, homicídios e outros delitos como fato rotineiro. A característica maior dessa violência é que os sujeitos ativos e passivos de variadas condutas criminosas são provenientes de um mesmo grupo – o de presos. Assim, no estabelecimento, onde o ente estatal deveria zelar pela integridade física e moral de seus detentos, ao contrário, torna-se “palco” de condutas criminosas variadas, praticadas por aqueles que estão presos. Necessário mencionar que o ordenamento jurídico brasileiro resguarda esse direito ao preso. A própria Constituição Federal, Lei maior da República Federativa, assegura, em seu art. 5º, XLIX, o respeito à integridade física e moral dos presos. Além dela, dispositivos iguais estão inseridos nos arts. 40 a 43 da Lei de Execução Penal e no art. 38 do Código Penal Brasileiro. Nesse sentido, a Constituição Federal preceitua: “Art. 5º, XLIX. É assegurado aos presos a integridade física e moral” (BRASIL, 1988, on line). Da mesma forma, temos a previsão no texto da Lei de Execução Penal, que dispõe: “Art. 40. Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios” (BRASIL, 1984, on line). O Código Penal também preceitua em seu Art. 38: “O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral” (BRASIL, 1940, on line). Lamentavelmente, mesmo com essa variedade de diplomas legais, assegurando a integridade física do preso, na realidade prisional, os fatos são narrados de forma diferente. As barbáries desses crimes são demonstradas em matérias jornalísticas que diariamente tratam da temática, ainda que, para o senso comum, o fato não passe de notícia pela notícia. Entretanto, na visão jurídica, sociológica e criminológica não deverá ser assim. Para essas ciências muito há a ser questionado. Uma das primeiras observações a serem feitas nesse tipo de violência é caracterizada pela incapacidade do ente estatal de garantir sua autoridade nos estabelecimentos prisionais. No estado de São Paulo, muitos dos presídios são destinados a abrigar apenas presos de uma única facção, uma vez que, a administração penitenciária estadual, colocando presos de facções rivais, em um mesmo estabelecimento, estará incentivando uma briga. Em um resumo da evolução das organizações criminosas que agem nos presídios do Brasil, Porto (2007, p.74) mostra que, em sua maioria, o nascimento se deu para o cometimento de crimes dentro das unidades prisionais: Assim nasceu o PCC, cuja meta inicial era a prática de extorsões contra detentos e seus familiares, bem como realizar execuções de outros presos visando dominar o sistema carcerário, realizando o tráfico de entorpecentes no interior dos presídios e cadeias públicas. Com o passar dos anos a organização criminosa estendeu suas operações, passando também a realizar inúmeros crimes fora do sistema prisional. Uma das condutas mais praticadas na modalidade de violência de presos contra presos é a de homicídio, gerando uma total descrença nos órgãos encarregados de zelar pela vigilância prisional. Em Relatório publicado pelo Ministério da Justiça, através do censo penitenciário, a taxa de homicídios nas prisões brasileiras é de 1,01 homicídios para cada mil detentos. Essa taxa nacional é 13 vezes superior à taxa dos Estados Unidos, uma vez que, conforme o censo anual americano, a taxa de homicídios resulta em 0,08 por grupo de mil detentos. A violência praticada por agentes do poder público contra detentos sob sua custódia A violência praticada por agentes públicos encarregados de zelar pela segurança prisional é intolerável e hedionda, uma vez que representantes do ente estatal têm o dever de zelar pela integridade física e moral dos apenados e não subjugá-los. A pessoa encarregada da segurança penitenciária tem o dever de exercer a autoridade concedida para tal fim, sob risco de prevaricar, contudo, não poderá extrapolar, sob pena de cometer abuso de autoridade ou tortura. Desse modo, a característica dessa modalidade de violência prisional se perfaz pela presença do agente público estatal figurando no polo ativo da conduta, ao passo que os presos são sujeitos passivos. Em regra, são os agentes penitenciários e policiais, civis e militares, que cometem esses abusos, principalmente após tentativas de fugas e rebeliões. Depois de dominados, os rebelados são submetidos ao que, de modo informal, denominou-se de “correição”, perfazendo-se numa espécie de castigo. Compete a esses servidores públicos as funções de vigilância, custódia, guarda e orientação dos indivíduos presos nos estabelecimentos prisionais e delegacias policiais. Tais atividades são relacionadas ao disciplinamento dentro dos estabelecimentos penais. Com isso, o poder disciplinar estatal é realizado através de seus agentes. Para tanto, podem esses agentes públicos aplicar, no contexto administrativo, sanções disciplinares. Contudo, a falta de qualificação e o despreparo desses servidores públicos acarretam uma “disciplina prisional” baseada em truculência, agressão e abusos, evidenciando variadas condutas criminosas previstas na legislação penal brasileira. No que tange a essas condutas, a Lei n. 4898, de 1965, conhecida como Lei de Abuso de Autoridade, é a legislação disciplinadora da responsabilidade dos agentes de segurança pública nas três modalidades diferentes e independentes: a penal, a administrativa e a civil. Dispondo em seu art. 1º que: “O direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa civil e penal, contra as autoridades que, no exercício de suas funções, cometerem abusos são regulados pela presente lei” (BRASIL, 1965, on line). Os artigos 3º e 4º do referido diploma elencam as figuras típicas que, praticadas pelo agente público, serão consideradas abuso de autoridade. Ainda sobre o disciplinamento das responsabilidades dos agentes públicos temos a Lei de Tortura. Tal diploma se consubstancia na lei 9.497/97, representando significativa evolução no combate à tortura, vedando essa conduta hedionda. Conveniente lembrar que a Lei de Tortura, de 7 de abril de 1997, não é limitada aos atos praticados por servidores públicos. Tal diploma legal trata-se de um crime comum, podendo ser cometido por qualquer indivíduo. Quando praticado por servidor público, o ente estatal será também sujeito passivo mediato, na medida em que teve suas finalidades de zelo pela dignidade e respeito à pessoa humana atingidas. Ressaltamos que não adentraremos nas especificidades doutrinárias do Direito Penal e Processual Penal dessas leis. Contudo, elas têm uma relevância por visar conter os abusos e proteger a dignidade da pessoa humana, revelando sua pertinência temática na pesquisa. Antes de abordar fatos concretos que demonstrem essa modalidade de violência prisional, ressaltamos que tal fato não é recente. O mestre Beccaria, em 1763, inteligentemente, já afirmava da barbárie em aplicar a tortura. Com a mesma maestria sintetizou críticas do brocardo da justiça da época que preconizava: “O que importa é que nenhum crime fique sem punição” (BECCARIA, 1763, p 27). No Brasil, simbolicamente, o massacre do Carandiru é a demonstração da violência estatal contra os apenados dentro de prisões. Nesse massacre, em 1992, ocorreu a morte de 111 detentos, após a invasão da Polícia Militar de São Paulo. Varella (1999, p.287) relata em sua festejada obra, depoimento de quem se encontrava lá: Vocês não me chamaram? Não pediram a morte? E é só barulho de rajada. Os infelizes que moscaram para se esconder foram os primeiros a cair. Era tiros seco e grito de pelo amor de Deus! Nós quietinhos no xadrez, eu feito avestruz, sem coragem para levantar a cabeça de atrás da pilastrinha da pia. A morte correu pela galeria e chegou na porta da sua cela: um polícia abriu o guichezinho da porta, enfiou a metralhadora e gritou: surpresa, chegou o diabo para carregar vocês para o inferno! Deu duas rajadas para lá e para cá. Encheu o barraco de fumaça, maior cheirão de pólvora. Só fui perceber que estava vivo quando senti um quente pingando nas costa. Era sangue, na hora até pensei que fosse meu. Olhei para os parceiros, todos enfumaçados, furado de bala, pondo sangue pela boca. Morreram onze, escapei só eu, com um tiro de raspão no pescoço, e um companheiro da Cohab de Itaquera, ó, ileso, maior sorte. Para melhor contextualizar, citamos o relatório da Anistia Internacional sobre o sistema prisional (2001, p. 27): A Anistia Internacional tem recebido com regularidade relatos de espancamentos generalizados. Os pedidos específicos de detentos mantidos em carceragens policiais ou presídios, especialmente pedidos referentes à assistência médica, com frequência desencadeiam violência e, em alguns casos, disparos feitos contra celas apinhadas. Em uma visita a 2 DP da cidade de São Paulo, integrantes da pastoral carcerária, mostraram a Anistia Internacional, vários furos em uma parede, ao que tudo indica causado por balas. A Anistia Internacional, Membros da Comissão de Direitos Humanos do Congresso Federal e o Relator Especial da ONU sobre a tortura encontraram, em visitas a prisões, barras de ferros e bastões escondidos em áreas de acesso restrito aos agentes carcerários. No contra-azimute dessa realidade prisional, Porto (2007, p.25) demonstra uma experiência de sucesso de administração prisional: Tomemos como exemplo a experiência realizada quando da inauguração do Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes, no estado de São Paulo, acompanhada de perto pelos Promotores de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (GAECO). Os agentes penitenciários, contratados para iniciarem o trabalho nesse presídio, tiveram tratamento específico na Academia Penitenciária. Receberam instruções de como proceder no convívio com líderes de facções criminosas, e até um uniforme foi criado especialmente para esses funcionários, diferenciandoos visualmente dos presos, o que não acontece em muitos dos estabelecimentos prisionais brasileiros. O resultado não poderia ser melhor. Até mesmo os detentos elogiaram o comportamento desses agentes penitenciários, que realizaram algo até então pouco visto em um presídio brasileiro: evitaram o ingresso de aparelhos celulares, drogas e armas para dentro do estabelecimento. Desse modo, para que o país possa combater essa brutal e covarde modalidade de violência, o ente governamental precisa assumir sua responsabilidade e fazer uma reformulação do sistema de execução penal, utilizando-se das medidas de proteção em vigor, visando todos os responsáveis pela violação dos direitos do preso. Nova modalidade de violência Uma nova modalidade de violência é caracterizada por condutas que são cometidas e comandadas por detentos que refletem no exterior das unidades prisionais. Fenômeno recente, tendo como suporte a utilização da tecnologia da informação, onde são perpetrados sequestros virtuais, estelionatos, controle do tráfico de drogas, extorsões e atentados, além de outras modalidades, tornaram-se rotineiros. Assim, a violência prisional adquire uma nova faceta. Sua caracterização maior se perfaz pela presença de presidiários, figurando como sujeito ativo de diversas condutas, ao passo que a sociedade e servidores da justiça criminal figuram no polo passivo. É com essa capacidade recente, de ir além das muralhas, que a violência prisional assola e repercute na sociedade. Dessa forma, como a Criminologia é a disciplina que estuda o fenômeno criminal e suas manifestações, possibilitando a criação de tipologias, temos razões significativas para demonstrar uma nova manifestação da violência prisional e denominá-la de: extramuros. Sua recenticidade é latente. Há três décadas passadas, a preocupação das autoridades de segurança pública, em relação aos presos, resumia-se em estratégias para a contenção de fugas. Caso acontecesse, o Sistema evidenciava suas falhas. Assim, todo o restante da problemática prisional, superlotação, torturas, rebeliões e outros, por não passar pelo conhecimento da sociedade, foram, por muitos anos, “colocados embaixo do tapete”. Foi à omissão do ente estatal que ocasionou as falhas das técnicas prisionais empregadas no Brasil e, por consequência, a superpopulação prisional. Durante muitos anos o Brasil se omitiu no controle do número de seus presidiários. Como exemplo, citamos a Casa de Detenção de São Paulo, hoje extinta, com capacidade para 3250 presidiários. Por muitos anos o estabelecimento abrigou mais de 8000 presos, ocasionando um recorde mundial de presos por estabelecimento, acarretando, para a direção da casa, um total descontrole. A forma embrionária dessa violência prisional se iniciou após o nascimento do Comando Vermelho, primeira facção criminosa no Brasil, que dominou o tráfico de drogas nas décadas de 80 e 90, no estado do Rio de Janeiro. Por óbvio, para manter o controle de suas atividades criminosas, o Comando Vermelho ordena, esporadicamente, de dentro de presídios cariocas, a execução de autoridades públicas que combatem o tráfico. Contudo, a evolução alarmante dessa modalidade de violência prisional se deu, principalmente, pela utilização de recursos de tecnologia da informação. Dentre eles: centrais telefônicas e utilização de aparelhos celulares. Essa forma de comunicação ilícita, utilizada pelos presos, aumentou, nos últimos 10 anos, na mesma intensidade da telefonia nacional, mas o controle não evoluiu com a mesma rapidez. A maior demonstração dessa modalidade de violência foi a megarrebelião em São Paulo, em 2001, que desencadeou ações em 29 unidades prisionais de forma simultânea. Ressalte-se que, como concluiu o Relatório subscrito pelos Promotores de Justiça de São Paulo, encarregados da denúncia, que tal rebelião somente foi possível pelos contatos advindos da utilização ilícita de aparelhos celulares nos estabelecimentos. A utilização de aparelhos celulares por criminosos no interior dos estabelecimentos penitenciários virou uma grande problemática para as instituições policiais e de justiça criminal. Essa rede de comunicação dos presos teve a mesma velocidade de crescimento que a própria rede de telefonia celular. Atualmente, não se contesta mais a existência, nem a intensidade dessa modalidade de violência prisional. Hoje, já se tem a certeza de que os presos gozam de possibilidades de interferência no contexto da sociedade, atuando na prática criminosa. Deve-se, portanto, identificar as condutas delitivas praticadas nessa novíssima ação antissocial e, por consequência, colocar em prática as ações de combate. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANISTIA internacional: tortura e maus-tratos no Brasil. Amnesty International Publications: Nova Prova, 2001. ASSIS, Rafael Damaceno de. A realidade atual do sistema prisional brasileiro. Revista CEJ, Brasília, ano IX, n. 39, p. 74-78, out./dez. 2007. BONESANA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BRASIL. Lei de execução penal. São Paulo: Manole, 2004. ______. Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ano 2, 2008. Disponível em: <www.forumseguraca.org.br>. Acesso em: 12 jan. 2010. FARIAS JÚNIOR, João. Manual de criminologia. Curitiba: Juruá, 2006. LAPORTA, Taís. Território livre para o celular dos bandidos. Revista Ciência criminal, São Paulo, ano 1, v.1, n. 2, p. 46-48, maio.2006. LEAL, César Barros. Prisão: crepúsculo de uma era. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. LOBO, Natália. Celular vira arma nas cadeias. Diário do Nordeste, Ceará, 3 dez. 2007, Caderno Polícia. LOPES, Rosalice. O cotidiano da violência: O trabalho do agente de segurança penitenciária nas instituições prisionais. Disponível em: <http:// www.mj.gov.br>. Acesso em: 20 dez.2005. NUNES, Adeildo. Execução Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2012. PORTO, prisional. São Paulo: Atlas, 2007. Roberto. Crime organizado e sistema VARELA, Drauzio. Estação Carandiru. São Paulo: companhia das letras, 1999. Disciplina: Noções de Mediação de Conflitos Elaboração: Sérgio Zeppelin Filho Apresentação Prezado Aluno (a): Bem-vindo ao Curso de Formação de Agentes Penitenciários. Este manual tem por objetivo orientá-lo sobre Noções de Mediação de Conflitos. O bom entendimento do conteúdo é essencial para o correto desempenho das atividades e a assimilação programática necessária. Estamos seguros de que os futuros selecionados irão prestar uma excelente contribuição ao Sistema Penitenciário do Ceará, beneficiando com seu trabalho toda a sociedade. Desejamos sucesso a todos. Introdução As pessoas diferem na maneira de perceber, pensar e agir e estas diferenças individuais interferem na dinâmica interpessoal e, em se tratando de ambiente prisional, estas diferenças às vezes mostram-se mais agressivas. Tais diferenças entre as pessoas podem trazer benefícios aos indivíduos e aos grupos, bem como podem trazer prejuízos. Mas então cabe perguntar-se: O que é conflito? Conflito pode ser definido como o desentendimento entre duas ou mais pessoas sobre um tema de interesse comum. Representa a dificuldade de lidar-se com as diferenças nas relações e diálogos, associada a um sentimento de impossibilidade de coexistência de interesses, necessidades e pontos de vista. As diferenças e discordâncias que surgem podem conduzir a discussões, tensões, insatisfações e conflitos abertos, ativando emoções e sentimentos mais ou menos intensas, que afetam a objetividade, reduzindo-a a um mínimo, transformando o clima emocional do grupo. O Conflito Portanto, o conflito aparece numa situação social como qualquer discordância sobre questões de antagonismo substantivo ou emocional que causa atrito entre pessoas ou grupos. O conflito existe quando uma das pessoas acredita que foi negado o seu direito de satisfazer suas necessidades ou seu interesse. No ambiente prisional observamos que o conflito surge mais por negativa de interesses dos grupos que não se adéquam às regras estabelecidas, forçando situações para conquistar maior espaço e regalias não permitidas. É possível pensar inúmeras alternativas para indivíduos e grupos lidarem com os conflitos. Estes podem ser ignorados ou abafados, ou sanados e transformados num elemento auxiliar na evolução de uma sociedade ou organização. Situações de conflitos são componentes inevitáveis e necessários da vida grupal. O conflito em si não é patológico nem destrutivo, pode ter consequências funcionais e disfuncionais, dependendo de sua intensidade, estágio de evolução e como é tratado. Conflitos não são problemas É possível perceber uma tendência geral de se ter uma visão negativa do conflito. Os conflitos, porém, são normais e não são em si positivos ou negativos, maus ou ruins. É a resposta que se dá aos conflitos que os torna negativos ou positivos, construtivos ou destrutivos. A questão central é como se resolvem os conflitos: se por meios violentos ou através do diálogo. Os conflitos devem ser compreendidos como parte da vida humana, sendo seu problema transferido para a forma com que serão enfrentados e resolvidos. Diferença entre conflito e briga Conflitos não são sinônimos de intolerância ou desentendimento, nem se confundem com briga. A briga já é uma resposta ao conflito. Um conflito pode ser definido como a diferença entre duas metas sustentadas por agentes de um sistema social. Podem ser organizados em 3 níveis: pessoais, grupais ou entre nações. (No caso do sistema penitenciário entre facções, quadrilhas, etc.). O conflito também apresenta algumas funções positivas: Previne a estagnação decorrente do equilíbrio constante da concordância Estimula o interesse e a curiosidade pelo desafio da oposição Descobre os problemas e demanda sua resolução O conflito funciona como a raiz de mudanças pessoais, grupais e sociais. O diagnóstico do conflito ajudará a enfrentá-lo adequadamente. A administração de conflitos consiste exatamente na escolha e na implementação das estratégias mais adequadas para se lidar com cada tipo de situação. A atuação de uma terceira pessoa como mediador, procurando indicar alguns aspectos relevantes para diagnóstico da situação, esclarece os oponentes levando-os a uma atitude de indagação e exame dos fatores envolvidos, o que pode ser início de um processo de resolução do problema e não mais uma luta de ganha-perde. Como lidar com o conflito Níveis de conflito Um conflito, como já se viu, frequentemente pode surgir de uma pequena diferença de opiniões, podendo se agravar e atingir um nível de hostilidade que chamamos de conflito destrutivo. A seguir, é possível acompanhar-se a evolução dos conflitos e suas características: Nível 1 - Discussão: é o estágio inicial do conflito; caracteriza-se normalmente por ser racional, aberta e objetiva; (corriqueiro no dia a dia de uma unidade prisional). Nível 2 - Debate: neste estágio, as pessoas fazem generalizações e buscam demonstrar alguns padrões de comportamento. O grau de objetividade existente no nível 1 começa a diminuir. Nível 3 - Façanhas: as partes envolvidas no conflito começam a mostrar grande falta de confiança no caminho ou alternativa escolhido pela outra parte envolvida. Nível 4 - Imagens fixas: são estabelecidas imagens preconcebidas com relação à outra parte, fruto de experiências anteriores ou de preconceitos que trazemos, fazendo com que as pessoas assumam posições fixas e rígidas; (manifestação de lideres em Unidades prisionais, por já terem passado por vários regimes prisionais querem mudar as regras, comparando-as com outras Unidades). Nível 5 - Loss of face (.ficar com a cara no chão.): trata-se da postura de continuo neste conflito custe o que custar e lutarei até o fim, o que acaba por gerar dificuldades para que uma das partes envolvidas se retire (dificuldade de manter diálogo, dada a intransigência estabelecida). Nível 6 - Estratégias: neste nível começam a surgir ameaças e as punições ficam mais evidentes. O processo de comunicação, uma das peças fundamentais para a solução de conflitos, fica cada vez mais restrito. Nível 7 - Falta de humanidade: no nível anterior evidenciam-se as ameaças e punições. Neste, aparecem com muita frequência os primeiros comportamentos destrutivos e as pessoas passam a se sentir cada vez mais desprovidas de sentimentos. Nível 8 - Ataque de nervos: nesta fase, a necessidade de se autopreservar e se proteger passa a ser a única preocupação. A principal motivação é a preparação para atacar e ser atacado. Nível 9 - Ataques generalizados: neste nível chega-se às vias de fato e não há outra alternativa a não ser a retirada de um dos dois lados envolvidos ou a derrota de um deles. O modelo apresentado aplica-se a qualquer tipo de conflito. Dependendo da importância que se dá ao conflito - ignorando-o ou reprimindo-o - ele tende a crescer e a se agravar. Porém, quando é reconhecido e as ações corretivas são aplicadas imediatamente, poderá ser resolvido e transformar-se numa força positiva, capaz de mudar hábitos e nos estimular a buscar resultados mais positivos. Tipos de conflito O conflito é um elemento importante. Quer seja na dinâmica pessoal quer seja na organizacional, é um fator inevitável. Por mais que se desenvolvam esforços no sentido de eliminá-lo, não poderemos contê-lo. Observam-se, hoje, inúmeros profissionais disseminando fórmulas e estratégias para trabalhar com os conflitos. No entanto, o que se faz necessário é conhecê-los, saber qual é sua amplitude e como estamos preparados para trabalhar com eles. Para lidar com conflitos, é importante conhecê-los, saber qual é sua amplitude e como estamos preparados para trabalhar com eles. Existem vários tipos de conflito e sua identificação pode auxiliar a detectar a estratégia mais adequada para administrá-lo: Conflito latente: não é declarado e não há, mesmo por parte dos elementos envolvidos, uma clara consciência de sua existência. Eventualmente não precisam ser trabalhados, mas existe a necessidade de o Agente Penitenciário identificá-lo, para que medidas de prevenção sejam tomadas. Conflito percebido: os elementos envolvidos percebem, racionalmente, a existência do conflito, embora não haja ainda manifestações abertas do mesmo. Nesse caso, sua identificação pelo Agente Penitenciário é de suma importância, pois evitará com certeza uma situação de incidente crítico na Unidade. Conflito sentido: é aquele que já atinge ambas as partes, e em que há emoção e forma consciente; neste estágio o Agente Penitenciário já deverá ter identificado os participantes do conflito e solicitar ajuda na mediação. Conflito manifesto: trata-se do conflito que já atingiu ambas as partes, já é percebido por terceiros e pode interferir na dinâmica da organização. Áreas de conflito Os conflitos podem ser divididos nas seguintes áreas: Conflito social: surge em decorrência do grau de complexidade e implicação social. Não podemos esquecer que vivemos numa sociedade altamente evoluída do ponto de vista social e tecnológico, mas bastante precária em termos de habilidade para negociações. Além disso, a violência tem sido, no decorrer da história, um dos instrumentos mais utilizados na tentativa de sanar conflitos. Talvez a fantasia de todo ser humano seja eliminar uma ideia adversa à sua, em vez de ter que questionar sua própria posição.; Conflitos tradicionais: pertencem à história e são aqueles que reúnem indivíduos ao redor dos mesmos interesses, fortalecendo sua solidariedade. Os conflitos aparecem por três razões principais: pela competição entre as pessoas (necessidade de manter a liderança), por recursos disponíveis, mas escassos; pela divergência de alvos entre as partes e pelas tentativas de autonomia ou libertação de uma pessoa em relação à outra. Podem ser entendidos como fontes de conflito: direitos não atendidos ou não conquistados; mudanças externas acompanhadas por tensões, ansiedades e medo; luta pelo poder; necessidade de status; desejo de êxito econômico; exploração de terceiros (manipulação); necessidades individuais não atendidas; expectativas não atendidas; carências de informação, tempo e tecnologia; escassez de recursos; marcadas diferenças culturais e individuais; divergência de metas; tentativa de autonomia; e moções não expressas/inadequadas; obrigatoriedade de consenso; meio-ambiente adverso; preconceitos. Consequências do conflito Entre os vários aspectos do conflito, alguns podem ser considerados como negativos e aparecem com frequência. Os mais visíveis podem ser identificados quando: desviam a atenção dos reais objetivos, colocando em perspectiva os objetivos dos grupos envolvidos no conflito e mobilizando os recursos e os esforços para a sua solução; tornam a vida uma eterna derrota para os grupos de perdedores habituais, interferindo na sua percepção e na socialização daqueles que entram na organização; favorecem a percepção estereotipada a respeito dos envolvidos, como ocorre frequentemente em organizações. Se por um lado existem os estereótipos genéricos referentes às categorias profissionais, dentro de cada organização, além dos tipos que fazem parte de sua cultura individual, como seus heróis, mitos, tipos ideais, começam a surgir seus perdedores, ganhadores, culpados e inimigos. Como administrar os conflitos Para uma eficaz resolução dos conflitos é preciso compatibilizar alguns passos a serem seguidos, conhecer e aplicar alguns saberes e definir o estilo a ser adotado. Os seguintes passos são considerados de suma importância: 1) criar uma atmosfera afetiva; 2) esclarecer as percepções; 3) focalizar em necessidades individuais e compartilhadas; 4) construir um poder positivo e compartilhado; 5) olhar para o futuro e, em seguida, aprender com o passado; 6) gerar opções de ganhos mútuos; 7) desenvolver passos para a ação a ser efetivada; 8) estabelecer acordos de benefícios mútuos. Como evitar o conflito Formar grupos homogêneos, separar indivíduos agressivos ou divergentes e evitar assuntos controversos durante o diálogo. Tudo deve ser feito para não haver tensões consideradas prejudiciais. Em ambiente prisional, a observação, a prevenção e, por fim, o diálogo podem reduzir o risco do conflito. Saber comunicar Sem diálogo não há comunicação nem solução possível para os problemas. A maioria dos erros, omissões, irritações, atrasos e conflitos é causada por uma comunicação inadequada. Saber ouvir Devemos ouvir ativamente, pois metas e intenções não compreendidas levam sempre a uma resolução sem sucesso. Devemos, também, demonstrar interesse genuíno pela pessoa que fala e pelo assunto, evitando criticar ou tentar dirigir a conversa. Por fim, devemos adotar uma posição afirmativa, mostrando respeito pela outra pessoa. Saber perguntar Saber perguntar é outra faceta do ouvir ativamente, pois quem pergunta conduz a conversa. Quanto ao estilo a ser adotado É recomendável adotar-se um estilo que leve à solução do conflito da forma mais pacífica possível. O que vai definir seu atual estilo de administrar conflitos está diretamente ligado a duas importantes características de comportamento: assertividade e cooperação. Considerações finais O manejo de situações de conflito é essencial para pessoas e organizações, como fonte geradora de mudanças, pois das tensões conflitivas, dos diferentes interesses das partes envolvidas é que nascem oportunidades de crescimento mútuo. Inúmeros fatores podem influenciar o surgimento do conflito, não ficando restrito às questões relacionadas ao trabalho ou à estrutura organizacional. Os mais comuns são as diferenças individuais, os diversos níveis de competência interpessoal, as diferentes visões de mundo, entre outros. Não devemos esquecer de que somos seres com capacidade e habilidade para ouvir e entender melhor nossos semelhantes. Com esta postura, silenciamos nossa voz interna e deixamos crescer a voz do outro, permitindo que soe clara dentro de nós. O desejo mais profundo do coração humano é o de ser compreendido, e perceber isto é possibilitar um processo eficaz de comunicação. Não podemos esquecer de que cada um de nós vê e ouve o mundo de perspectivas diferentes. A nossa realidade reflete os nossos valores, nossos interesses e as nossas necessidades. Temos uma historia pessoal e cultural diferente da de outras pessoas, e em se tratando de ambiente prisional, devemos levar em consideração os valores sociais e de convivências que são criados pelos sentenciados, dentro do ambiente fechado onde vivem. Por isso, para administrar o conflito com sucesso, temos que trabalhar na comunicação mútua. Bibliografia recomendada MARTINELLI, Dante P.; ALMEIDA, Ana Paula de. Negociação e solução de conflitos. São Paulo: Atlas, 1998. WAGNER, John A.; HOLLENBECK, John R. Comportamento organizacional: criando vantagem competitiva. São Paulo: Saraiva, 2000. Trabalho Capital Humano em PDF na internet, Eunice Maria Nascimento Kassem Mohamed El Sayed, 2004. Apostila “Conflitos”, EAP de São Paulo, 2000. Apostila “Curso de Mediação de Conflitos 1” da Senasp, 2012. Esta apostila foi elaborada por Sergio Zeppelin Filho, 2012. Disciplina: Noções de Inteligência Penitenciária Elaboração: Eduardo Bastos Martins – Major PM APRESENTAÇÃO GAP evita fuga em massa no IPPOO I 25.01.2012 Uma fuga em massa foi evitada, na tarde de ontem, no Instituto Presídio Professor Olavo Oliveira I (IPPOO I), no Itaperi. Agentes do Grupo de Apoio Penitenciário (GAP), da Secretaria de Justiça e Cidadania, e policiais militares descobriram um túnel de aproximadamente 40 metros na unidade prisional. O Serviço de Inteligência da SEJUS obteve uma informação sobre a existência de um túnel e acionou uma equipe do GAP, formada por 10 homens. Ao realizar uma vistoria na unidade, com o apoio de policiais militares da 2ª Companhia de Policiamento de Guarda (2ª CPG), os agentes encontraram o buraco, com cerca de três metros de profundidade, um metro e meio de largura e 40 de extensão. FONTE: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1097649 Essa reportagem mostra uma ação preventiva dos agentes penitenciários e policiais militares que evitou uma fuga em “massa” de presos de uma de nossas unidades penitenciárias, desencadeada a partir de levantamentos realizados pelo serviço de inteligência, mas o que é o serviço de inteligência? Qual o seu papel nas instituições públicas? A atividade de inteligência é uma coisa recente? Investigação policial e atividade de inteligência é a mesma coisa? Ao contrário do que o senso comum possa supor o serviço de inteligência no âmbito penitenciário possui uma plêiade de atribuições que vão além da prevenção de fugas de detentos; detém outras atribuições que nem sempre possuem a mesma visibilidade do caso acima. Apesar de a inteligência penitenciária ser um campo relativamente novo ela é tão importante quanto os demais segmentos da atividade de inteligência para o Estado. Antes de adentrarmos na inteligência penitenciária propriamente dita, que é o que nos interessa é oportuno esclarecer o que vem a ser a atividade de inteligência, pois como foi dito acima, a atividade de inteligência é o grande rio de onde o segmento penitenciário é apenas um dos afluentes, logo este último obedece aos mesmos ditames e princípios que os demais segmentos. CAPÍTULO I 1. O surgimento da Atividade de Inteligência. Quando e onde surgiu a primeira ação da atividade de inteligência? Os estudiosos do assunto preferem atribuir a Deus a criação da atividade de inteligência, indicando como marco inicial a determinação dada pelo Criador ao profeta Moisés quando os hebreus vagavam pelo Sinai após a fuga do cativeiro no Egito, assim está escrito: E falou o Senhor a Moisés, dizendo: Envia homens que espiem a terra de Canaã, que Eu hei de dar aos filhos de Israel; de cada tribo de seus pais enviareis um homem, sendo cada um príncipe entre eles. (Números 13: 1-2) Como podemos perceber nas escrituras sagradas, Deus determinou a Moisés enviar “príncipes” para examinar a Terra Prometida, para ESPIAR. Não foram homens comuns, mas “príncipes”, pessoas escolhidas e presume-se esclarecidas. É claro, que esse marco histórico é apenas uma convenção entre os estudiosos, na realidade o surgimento da atividade de inteligência se perdeu nas brumas da História. Diremos que a atividade de inteligência é primordial na vida do homem desde o seu surgimento no planeta. O homem precisava saber qual o melhor momento para caçar a sua presa, quais as frutas comestíveis, quem eram os seus inimigos e de que tipo de armas dispunham etc. Esses são exemplos de questões que a humanidade sempre precisou conhecer para tomar decisões visando à sua própria sobrevivência. Então resumidamente podemos dizer que a atividade de inteligência é útil para tomada de uma decisão. A Atividade de Inteligência é desenvolvida pelo organismo de inteligência, constituindo o exercício sistemático de ações realizadas, orientadas para a produção e salvaguarda de conhecimentos, tendo em vista assessorar as autoridades governamentais. 2. Da Inteligência, da Contrainteligência e dos Princípios. Do conceito acima podemos resumidamente dizer que a atividade de inteligência está orientada para a produção do conhecimento e para a sua salvaguarda. Desse modo a atividade se desdobra em dois grandes eixos: a inteligência e a contrainteligência. Inteligência é o ramo da Atividade de Inteligência voltada para a produção do conhecimento, para tanto impõe a existência de recursos humanos, de material e de uma doutrina, que, associados, compõem uma estrutura complexa. Contrainteligência é o ramo da Atividade de Inteligência direcionado para a salvaguarda do conhecimento, para a sua proteção, não apenas dos conhecimentos, mas dos dados que devem ser protegidos pelo Estado, mesmo aqueles produzidos fora da Atividade de Inteligência. Essa dicotomia está presente em todos os serviços de inteligência espalhados pelo mundo, por exemplo, o serviço britânico está dividido em MI 5 e MI 6; os norteamericanos possuem a CIA que age externamente e o FBI que age internamente, e outros mais. No Brasil, embora a atividade de inteligência esteja a cargo de um único órgão: ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), internamente ela se subdivide e atua nos dois campos: inteligência e contrainteligência. Como quase todos os campos do conhecimento humano a atividade de inteligência também é regida por princípios. São princípios básicos da Atividade de Inteligência: Objetividade: todas as ações desenvolvidas devem orientar-se para objetivos previamente definidos e perfeitamente sintonizados com a finalidade dessa mesma Atividade. Segurança: as atividades desenvolvidas devem buscar a segurança das ações e seus resultados com medidas restritivas, de modo que o acesso a eles seja permitido apenas às pessoas credenciadas e com necessidade de conhecê-los. Oportunidade: todas as ações devem ser desenvolvidas em prazo que assegure o aproveitamento adequado dos seus resultados. Controle: todas as ações devem ser desenvolvidas sob acompanhamento permanente. Imparcialidade: todas as ações devem ser praticadas sem a interferência de fatores morais, pessoais, religiosos, de credo, que possam causar distorções nos seus resultados. Simplicidade: todas as ações devem ser executadas da forma mais simples possível, de modo, que sejam evitados custos e riscos desnecessários. Amplitude: todas as ações devem objetivar a obtenção dos mais completos resultados. CAPÍTULO II 1. Do Conhecimento e os Tipos. A Atividade de Inteligência tem por missão a produção do conhecimento que, como vimos, tem por finalidade a tomada de decisão por parte do governante que é o usuário do conhecimento, no nosso caso o(a) secretário(a) da SEJUS. O que é entendido como conhecimento para a Atividade de Inteligência? Por esse entendimento, qualquer outro tipo de conhecimento que não tenha a sua origem em um órgão de inteligência é considerado para nós como DADO. Há dois tipos de dados: o dado livre e o dado negado. O dado livre, como o próprio nome sugere, encontra-se ao dispor do usuário, por exemplo, as matérias jornalísticas, os artigos disponíveis na internet, etc. O dado negado é aquele protegido por uma contra medida de segurança, por exemplo, os dados bancários de qualquer cidadão, que só são passíveis de quebra mediante autorização judicial. Voltando à questão da produção do conhecimento, gostaríamos de dizer que majoritariamente os conhecimentos produzidos pelo órgão de inteligência tomam a forma de documentos escritos; basicamente são quatro tipos de documentos: o Relatório de Inteligência – RELINTE, o Relatório de Agente, o Pedido de Busca (ou como preferem alguns Pedido de Conhecimentos) e a Informação. Relatório de Inteligência – RELINTE é o conhecimento resultante do juízo formulado pelo profissional da inteligência e que expressa a sua certeza ou opinião sobre a ocorrência de um fato (ou situação) passado e ou presente, destinado normalmente a subsidiar a tomada de decisão ou a elaboração de outros conhecimentos. O RELINTE pode expressar a certeza ou a opinião sobre determinado assunto ou fato. A indicação de certeza ou de opinião é manifesta através do uso de expressões da língua que indicam ao usuário os diferentes estados em que a mente humana pode situar-se em relação á verdade. Conhecimento é a representação de um fato ou situação, reais ou hipotéticas, de interesse para a Atividade de Inteligência, elaborado em um Órgão de Inteligência. Na produção desses ou de qualquer tipo de relatório, o agente deve ter em mente que é preciso responder a seis perguntas norteadoras; O quê? Quem? Quando? Onde? Como? e Por quê? Tomando como exemplo a matéria do Diário do Nordeste anteriormente citada veremos que o redator teve a preocupação de responder a todas as seis perguntas, desta feita a sua compreensão do texto é perfeitamente possível, senão vejamos: 1) O quê? “Uma fuga em massa foi evitada (...)” 2) Quem? “(...) Agentes do Grupo de Apoio Penitenciário (GAP), da Secretaria de Justiça e Cidadania, e policiais militares (...)” 3) Quando? “(...) na tarde de ontem, (...)” 4) Onde? “(...) no Instituto Presídio Professor Olavo Oliveira I (IPPOO I), no Itaperi.” 5) Como? “(...) descobriram um túnel de aproximadamente 40 metros na unidade prisional.” 6) Por quê? “O Serviço de Inteligência da SEJUS obteve uma informação sobre a existência de um túnel e acionou uma equipe do GAP, formada por 10 homens.” Relatório de Agente: sua produção é semelhante ao do RELINTE, obedece às mesmas regras, que mais adiante trataremos pormenorizadamente. É fruto da investigação levada a efeito por um ou mais agentes. A diferença entre ele e o RELINTE é que este último pode ser resultado de vários relatórios de agentes, podendo ser a ele somadas outras fontes de pesquisa (internet, bancos de dados, documentos públicos, etc.). Pedido de Busca – PB é o documento elaborado pelo órgão de Inteligência destinado a outro órgão de inteligência, visando fornecer conhecimentos necessários ao órgão expedidor, por exemplo, o órgão do Ceará pode solicitar ao órgão congênere de São Paulo (ou outro qualquer da federação) informações sobre a atuação de determinado preso em um evento ali acontecido, por exemplo, numa rebelião. O órgão destino fica na obrigação de responder ao órgão de origem, mesmo que não possua nenhum tipo de conhecimento. O Pedido de Busca é dividido em duas partes, na primeira, o órgão de origem expõe resumidamente aquilo que é do seu conhecimento, apenas o necessário para situar o outro órgão frente ao assunto; na segunda parte, pedimos aquilo que necessitamos conhecer, é claro, que se presume que o assunto seja do conhecimento do outro. Informação é o conhecimento, resultante de raciocínio(s) formulado(s) pelo profissional do órgão de inteligência e que expressa a sua certeza sobre a ocorrência de um fato ou situação passado e ou presente, destinado a assessorar as autoridades governamentais para o planejamento, execução e acompanhamento de atos decisórios. A diferença básica entre o RELINTE e a Informação é que no primeiro é possível se expressar a opinião, já na Informação só se expressa à certeza, o que é dito corresponde à fiel expressão da verdade. Outros tipos de conhecimentos produzidos poderão ser tratados oportunamente; por hora, este estudo limitar-se-á aos mencionados anteriormente. CAPÍTULO III 1. Dos Assuntos Sigilosos e dos Graus de Sigilo. A maior parte dos assuntos tratados pela Atividade de Inteligência é de natureza sigilosa; isso significa que a produção, manuseio, consulta, transmissão, manutenção e guarda de dados ou informações sigilosas observarão medidas especiais de segurança. O que é sigiloso? A exposição indevida de assuntos sigilosos pode comprometer a segurança do Estado, da sociedade e das pessoas; por essa razão, tais conhecimentos e dados, estão protegidos por lei. Os assuntos sigilosos recebem uma CLASSIFICAÇÃO que é uma atribuição, conferida por autoridade competente, de um grau de sigilo, que é conferido a dado, informação, documento, material, área ou instalações. Observe que não são apenas os documentos que são submetidos à salvaguarda; as instalações, os materiais, os dados também recebem medidas legais protetivas. O grau de sigilo que indica a classificação a que determinado dado ou informação está submetido são os seguintes: ULTRASSECRETO, SECRETO, CONFIDENCIAL e RESERVADO. São considerados originalmente sigilosos, e serão como tal classificados, dados ou informações cujo conhecimento irrestrito ou divulgação possa acarretar qualquer risco à segurança da sociedade e do Estado, bem com, da honra e da imagem das pessoas. (art. 2º do Decreto nº4. 553 de 27/12/2002) As coordenadorias estaduais da SEJUS e da SSPDS trabalham com assuntos classificados como Confidencial e Reservado, não obstante poderem conter em seus arquivos documentos de natureza secreta ou ultrassecreta. Como os assuntos tratados pela SEJUS ficam restritos, basicamente, ao grau de CONFIDENCIAL e RESERVADO é importante conhecer um pouco mais sobre o tema. São atribuídas a classificação de CONFIDENCIAL os dados ou informações que, no interesse do Poder Executivo e das partes, devam ser de conhecimento restrito cuja revelação indevida possa acarretar prejuízos à segurança da sociedade e do Estado. Os dados e informações passíveis de obterem a classificação de RESERVADO são de igual modo, de conhecimento restrito e, cuja revelação indevida possa causar prejuízo a planos, operações ou objetivos neles previstos ou referidos. A atribuição do grau de sigilo do dado ou informação é feita pelas autoridades legalmente estabelecidas, nos casos: CONFIDENCIAL e RESERVADO a responsabilidade fica a cargo dos servidores civis e militares, de acordo com regulamento específico de cada Ministério (Secretaria) ou órgão da Presidência da República (Governo do Estado ou do Município). Os prazos de duração da classificação são estabelecidos em lei própria. 2. Do Acesso, da Credencial de Segurança, da Necessidade de Conhecer e do Comprometimento. Para que uma pessoa tenha conhecimento de um determinado assunto sigiloso, ela precisará ter ACESSO, que é a possibilidade e ou oportunidade de uma pessoa obter conhecimento e ou dado sigiloso. Para tanto, é dada a essa pessoa uma CREDENCIAL DE SEGURANÇA que é um certificado, concedido por autoridade competente, que habilita uma pessoa a ter acesso a conhecimento e ou dado sigiloso. Para que uma pessoa receba uma credencial de segurança que lhe dê acesso ela necessitará comprovar a NECESSIDADE DE CONHECER que é a condição indispensável, inerente ao exercício funcional, para uma pessoa possuidora de credencial de segurança, tenha acesso a conhecimento e ou dado sigiloso. Como dito é necessário comprovar a necessidade do acesso ao conhecimento ou dado sigiloso. Desta forma ficam excluídos todos aqueles que baseiam a sua pretensão na simples curiosidade ou no interesse próprio. Para concluir, é importante esclarecer que a credencial de segurança pode ser restrita a apenas determinado local ou assunto. Isso ocorre, porque os assuntos sigilosos são COMPARTIMENTADOS. A compartimentação é a limitação oficial de acesso a conhecimento e/ou dado sigiloso às pessoas que tenham real necessidade de conhecêlos. E por último, tratamos do COMPROMETIMENTO que é a perda de segurança resultante do acesso a conhecimento e ou dado sigiloso por pessoa não autorizada; é o chamado “vazamento”. Conhecimento. 3. A Produção do Como dito anteriormente, grande parte dos conhecimentos produzidos por uma Agência de Inteligência são feitos através de documentos escritos. Para a sua produção, o conhecimento de algumas técnicas é de fundamental importância, além é claro, da observância das regras gramaticais. Uma das regras básicas, os seis quesitos norteadores, já foi descrita no Capítulo 2; outra regra a ser observada é a da simplicidade na escrita. Não se deve usar escrita rebuscada, com termos técnicos em demasia ou expressões estrangeiras ou em latim; a linguagem deve ser clara, concisa e precisa. Antes de o agente debruçar-se sobre o teclado para produzir um relatório, necessita avaliar os dados recebidos, com a finalidade de aferir a credibilidade que possa ser atribuída a um dado qualquer. Para fazer essa avaliação o agente precisa julgar a fonte e o dado. É bom saber que esse julgamento é importante não só na produção do conhecimento, mas também é importante para aferir os dados e informes recebidos. O julgamento da fonte é realizado com a finalidade de se estabelecer o grau de idoneidade da fonte: para tanto, deve-se avaliar os aspectos: autenticidade, confiança e competência. Quando falamos da idoneidade, não pretendemos que se leve em consideração os aspectos morais, religiosos, etc., da pessoa que dá o dado, basta lembrar que o local de nossa atuação é no sistema penitenciário, se assim procedêssemos estariam excluídos quase todos os informes dados pelos internos, o que seria desperdício de uma importante fonte. Isso fica mais claro se nós utilizarmos o seguinte exemplo: imagine uma dona de casa da sua rua comunicando a você que tem informes de um assalto que irá acontecer na cidade de Juarez no México. Você acha que isso merece algum crédito? Agora imagine um preso por tráfico de drogas informando que sabe como funciona um importante esquema de tráfico de drogas no aeroporto. A qual dos dois informantes você daria crédito? É claro que ao segundo informante. Esse exemplo ilustra o que é avaliar a credibilidade da fonte. Quanto à credibilidade do dado, tomemos por base o seguinte exemplo para entendê-la: Imagine que um informante diz a você que os presos estão tramando a construção de túnel para fuga da cela A. Agora imagine que um informante diz a você que os presos estão em contato com alienígenas para serem abduzidos da cadeia. A qual das duas histórias você daria crédito? Grosso modo, é desta maneira que nós procedemos para avaliar a credibilidade da fonte e do dado. Obviamente que a avaliação da fonte e do dado não excluem a checagem do informe recebido. É de fundamental importância que todos os dados e informes recebidos recebam o mínimo de checagem. Não raro alguns dados passam sem uma checagem mais minuciosa, quase sempre para não se perder o Princípio da Oportunidade. Se o Agente Penitenciário, por exemplo, tinha informes de uma fuga, deixou de comunicar e a fuga aconteceu, o seu informe virou notícia. Lembrem-se, nós trabalhamos com a produção de conhecimento e não de notícias. Jornais, artigos científicos, relatórios, inquéritos policiais, dentre outros entram na produção do conhecimento, como fontes subsidiárias. 4. Diferença entre Busca e Coleta. Acreditamos que já esteja claro que o dado é de suma importância na produção dos conhecimentos, entretanto, o dado pode estar disponível ou indisponível, o que, na linguagem de inteligência, costuma-se denominar dado negado ou simplesmente negado. Por exemplo, se nós desejássemos saber sobre a movimentação bancária de determinada pessoa, seria possível descobrir apenas com uma ligação telefônica? Obviamente que não. Para sabê-lo, somente seria possível mediante autorização judicial; daí esse tipo de dado ser o que se chama um dado negado. Já se nós quiséssemos saber se no ano de 2009 aconteceu um assalto a banco em Fortaleza, seria possível sabê-lo com facilidade? Sim, uma rápida consulta na internet nos daria essa resposta, pelo fato de esse dado encontrar-se em uma fonte aberta. Dito isso fica mais fácil entender-se o que é busca e o que é coleta: quando o dado é negado, ou seja, está indisponível, ou mantido sob medida protetiva, nós efetuamos uma BUSCA; quando o dado está disponível em nossos arquivos ou mesmo em uma fonte aberta nós efetuamos uma COLETA. CAPÍTULO IV É muito comum a mídia acusar os serviços de inteligência policial de “fazer o serviço” da polícia civil, a polícia judiciária. Geralmente as 2ª Seções da PM são alvos preferenciais dessas denúncias, mas a atividade de inteligência e a investigação policial é a mesma coisa? Antes de responder a essas e outras perguntas correlatas, iremos situar a inteligência penitenciária nesse contexto. A inteligência policial e a inteligência penitenciária são semelhantes em quase todos os seus aspectos. Sem entrar em pormenores, grosso modo, diríamos que o grande diferencial entre as duas é o local de sua incidência, ou seja, se ocorre intramuros, o interesse é da inteligência penitenciária, se extramuros passa à esfera de interesse da inteligência policial. É evidente que estamos tratando aqui do crime e do criminoso; é claro que ambas as inteligências mantêm outros ramos de interesse e não apenas o combate e a prevenção do crime. Se tivermos como ponto passivo que ambas as inteligências (policial e penitenciária) têm mais pontos em comum do que diferentes, logo, o exercício da atividade de inteligência penitenciária também é passivo de ser falsamente classificado de investigação policial, que é uma atividade exclusiva das polícias judiciárias. E isso com um agravante de ser feita por quem não é policial, ao passo que aquela ao menos é executada por um policial (militar). Daí o nosso interesse em estabelecer o entendimento dos contornos entre a atividade de inteligência e a investigação policial. 1. Atividade de Inteligência versus Investigação Policial. Para compreendermos a diferença entre a atividade de inteligência e a investigação policial, inicialmente apresentamos o conceito de investigação policial. Investigação criminal é a atividade destinada a apurar as infrações penais, com a identificação da autoria, documentação a materialidade e esclarecimento dos motivos, circunstâncias, causas e consequências do delito, para proporcionar elementos probatórios necessários à formação da opinião delicti do Ministério Público e embasamento da ação penal. SANTINE (2001, p. 31) Do conceito acima fica claro que a investigação policial tem a finalidade de apurar as infrações penais, objetivando trazer elementos de prova, os quais são formatados no Inquérito Policial, destinado ao Ministério Público, com o propósito de uma ação penal. Nenhuma dessas finalidades apresentadas no conceito acima é perseguida pela atividade de inteligência, senão, vejamos o conceito de atividade de inteligência. A Atividade de Inteligência é desenvolvida pelo organismo de inteligência, constituindo o exercício sistemático de ações realizadas, orientadas para a produção e salvaguarda de conhecimentos, tendo em vista assessorar as autoridades A Atividade de Inteligência é desenvolvida pelo organismo de inteligência, constituindo o exercício sistemático de ações realizadas, orientadas para a produção e salvaguarda de conhecimentos, tendo em vista assessorar as autoridades governamentais. governamentais. A atividade de inteligência desenvolve ações para a produção e salvaguarda dos conhecimentos. Esses conhecimentos, como demonstrado anteriormente, são geralmente, formalizados sob a forma de Relinte ou Informações nunca na forma de inquérito, ademais a finalidade desses procedimentos visa assessorar as autoridades governamentais, jamais são feitos com o objetivo de propor ação penal. Afirmar que a atividade de inteligência e a investigação policial são a mesma coisa é, no mínimo, desconhecimento de causa. Desconhecimento este que não se pode permitir a quem tem o mínimo de conhecimento no ramo da inteligência. A investigação é uma das ferramentas de que se serve a atividade de inteligência e, entenda-se com isso, que a atividade de inteligência, havendo necessidade, também faz “campana”, acompanhamento de alvo, levantamento de dados, fotografia, filmagem, etc. No entanto, todo o conhecimento resultante dessas ações não se transforma em inquérito nem tão pouco segue para o Ministério Público para uma futura ação penal. Na investigação policial, a preocupação do investigador repousa na busca por elementos de prova que liguem o delito ao autor, para tanto, ela se socorre das provas periciais. A atividade de inteligência não busca por elementos de prova. É claro que se houver elementos, ela os utiliza, mas a sua preocupação é dar a conhecer, sua preocupação é o conhecimento. Outro ponto de fundamental importância na diferenciação das duas atividades está em que a investigação tem como elemento central o DELITO, já a inteligência acontece com ou sem a presença do DELITO. Outros elementos mais tornam as duas atividades distintas, no entanto devido às duas atividades se utilizarem da investigação, isso termina por confundir o entendimento dos menos informados. Feitas essas considerações, resta-nos estabelecer a distinção entre a inteligência policial e a inteligência penitenciária. 2. Atividade de Inteligência Policial versus Inteligência Penitenciária. Estabelecidas as diferenças entre a investigação policial e a inteligência policial cumpre agora estabelecermos a diferença entre esta última e a inteligência penitenciária. Antes de tudo é importante frisarmos que a inteligência penitenciária é um segmento recente e, por essa razão, ainda em desenvolvimento. Para dar uma dimensão do seu caráter recente, é suficiente saber que ela ainda não está presente em todos os estados da federação. No Ceará ela somente surgiu em 2011. O seu caráter recente a obriga a valer-se da doutrina e dos conhecimentos em geral de suas coirmãs, principalmente da inteligência policial, mas não é o uso da mesma doutrina e conhecimentos o que as tornam semelhantes. O que as tornam semelhantes é o fato de que ambas têm como finalidade a prevenção do crime. Isso mesmo, a prevenção do crime não é apenas atribuição das polícias; é também atribuição do sistema penitenciário. A Inteligência Penitenciária é o conjunto de ações que empregam técnicas de investigação, objetivando confirmar evidencias, indícios e a obter conhecimentos sobre a atuação criminosa, na identificação de redes e organizações que atuem no sistema penitenciário, ou cuja atuação, mesmo que no âmbito externo, tenha reflexo no sistema, de forma a proporcionar um perfeito entendimento sobre a forma de agir e operar, ramificações, tendências e alcance de suas condutas. É inegável que nos dias de hoje os muros e grades das celas não são obstáculos à ação do crime extramuros, ademais outros crimes são praticados no espaço da penitenciária, os quais também precisam ser prevenidos e punidos. Por essa e outras razões as duas atividades de inteligência são semelhantes. 3. Definindo a Inteligência Penitenciária. Uma das técnicas empregadas na produção de conhecimentos na atividade de inteligência penitenciária é a investigação. Como qualquer investigação (acadêmica, policial, científica, etc.) levada a efeito deve ter por base a LÓGICA. Não é preciso muita explicação para que todos concordem que a lógica é fundamental como ponto de partida. Outras ferramentas também são empregadas: a experiência de vida e o tirocínio do agente. Esse tirocínio profissional é o somatório de ferramentas tais como: a) a dedução que é a capacidade de associação de observações conhecidas, ou de verdades comprovadas com o objeto ou fato da investigação, permitindo uma conclusão; b) a indução que é a constatação de um caso singular para uma afirmação de lei geral – a diferença entre as duas é que na dedução partimos do geral para o particular, já na indução partimos do particular para o geral; c) a analogia que é a comparação do fato ou objeto investigado com outros passados já conhecidos; d) a intuição que é a capacidade de pressentir e, por sua vez, independe do conhecimento, estando ligada à capacidade de sentir; é o que muitos chamam de sexto sentido; e) a presunção que é a capacidade de se chegar a conclusões, mesmo sem provas suficientes; é próxima a suspeita; f) hipótese que é a suposição possível de como algo aconteceu ou poderá acontecer; g) convicção, onde a reunião dos elementos nos permite uma interpretação, face aos elementos subjetivos reunidos; h) certeza, onde a reunião de provas nos permite uma conclusão, não deixando margem a outra possibilidade.