Capa - Naramig

Transcrição

Capa - Naramig
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Interlagos: uma corrida com dois pit stops
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Interlagos: uma corrida com dois pit stops
Revisão
Cláudio Giória
Tratamento de imagens
Darcy F. Dian Júnior
Ilustrações e Capa
Rafael Cruz
m796.7209
L892i
Lourenço, Leonardo.
Interlagos: uma corrida com dois pit-stops. / Leonardo Lourenço;
Rogério Stuan.- Campinas: PUC-Campinas, 2006.
130p.
Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem.
Orientador: Carlos Gilberto Roldão.
Monografia (conclusão de curso) - Pontifícia Universidade Católica
de Campinas, Centro de Linguagem e Comunicação, Faculdade de Jornalismo.
1. Grandes prêmios (Automobilismo) - Historia. 2. Automobilismo Historia. 3. Automobilismo - Brasil. I. Stuan, Rogério. II. Roldão, Carlos
Gilberto. III. Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de
Linguagem e Comunicação, Faculdade de Jornalismo. IV. Título.
20.ed. CDD – m796.7209
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Aos pilotos José Carlos Pace, o Moco (in memorian),
Ingo Hoffmann e Wilsinho Fittipaldi
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Interlagos: uma corrida com dois pit stops
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Agradecimento
A Deus que nos ilumina, mostra os caminhos que devemos trilhar e nos acompanhou nesta jornada.
Aos nossos pais pela ajuda nos momentos difíceis e pela
oportunidade de chegar até aqui.
Aos amigos pelos momentos de convívio e de risos que
sem dúvida deixarão saudades.
Ao nosso orientador, Carlos Gilberto Roldão, por ter acreditado em nosso trabalho e pela ajuda e tempo dedicado a
este projeto.
A todos os professores que participaram de nosso dia-adia nestes 4 anos.
Aos entrevistados, que contribuíram com seus conhecimentos para enriquecer o nosso trabalho.
Ao Cláudio, Darcy e Rafael, pela grande força nos momentos finais desse livro.
*E a Ana, por tudo.
(Léo)
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Interlagos: uma corrida com dois pit stops
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4.309 metros a bordo de um Stock Car V8
“O ponto mais rápido do Autódromo de Interlagos é na
frenagem do “S” do Senna. É muito importante frear no ponto certo, pois se o fizermos muito cedo, perde-se tempo, pois
estamos em velocidade muito alta. Mas se frearmos muito
tarde, perde-se o posicionamento correto na primeira perna
do ‘S’. Neste ponto reduzimos de 5ª marcha para 2ª, muito
rapidamente. Na primeira perna temos que manter o carro
totalmente ‘por dentro’ para não perder a tomada da segunda perna para a direita. Como com pneus novos se faz a segunda perna e a curva seguinte, a Curva do Sol, de pé
embaixo, este posicionamento é muito importante. E vamos
subindo de marcha até a 5ª, para podermos entrar na Reta
Oposta com a maior velocidade possível.
No fim da Reta Oposta, temos a Curva do Lago, onde o
ponto de frenagem é muito importante, pois é muito fácil
passar do ponto ideal e perder velocidade na saída da curva,
que é feita de 3ª marcha. Se fizermos bem a Curva do Lago,
chegamos de 4ª marcha na freada da Curva do Laranjinha
com o motor no limitador. Essa curva é feita de 3ª marcha,
praticamente de pé embaixo. É, junto com a Curva do Mergulho, a que mais gosto do circuito. Logo no fim da Curva
do Laranjinha, temos que frear para a curva do ‘S’ no miolo,
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Interlagos: uma corrida com dois pit stops
que é feita de 2ª marcha. A saída da curva do ‘S’ é feita em
linha reta para a freada da Curva do Pinheirinho, que também é feita de 2ª. Na saída do Pinheirinho mudamos para a
3ª, que vai até a freada da Curva do Bico de Pato. Esta curva
pode ter mais de um traçado ideal, depende muito do acerto
do carro, e temos que ser bem progressivos na reaceleração
na saída da curva, para não deixar o carro ‘atravessar’. No fim
do Bico de Pato, já temos que nos posicionar bem para a
Curva do Mergulho, onde a marcha passa de 3ª para 4ª no
meio da curva, sempre de pé no fundo.
A freada da Curva da Junção e o posicionamento correto
são muito importantes, pois depois temos toda a subida e a
reta dos boxes. A Curva da Junção é feita de 2ª marcha, e
novamente temos que tomar cuidado para não ‘atravessar’
na saída, e conseqüentemente perder tempo em toda reta
principal”.
INGO HOFFMANN
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Sumário
Traçado antigo de Interlagos ...................................13
Traçado novo de Interlagos ......................................15
Apresentação ..............................................................17
Capítulo 1 - É dada a largada! ...............................27
Provas de rua ...............................................................30
A era do gasogênio .....................................................32
Resistência ..................................................................34
A mais charmosa ........................................................38
Capítulo 2 - O primeiro pit stop ..........................57
O test-drive .................................................................58
Agora vale! ...................................................................64
Grid completo ............................................................65
Tensão em Interlagos ................................................68
Rato, de novo! ............................................................70
A vitória de uma estrela ............................................73
A primeira dobradinha ..............................................74
O F-1 tupiniquim ......................................................83
Emmo, o Desbravador ...............................................91
Capítulo 3 - O segundo pit stop .........................105
Stock Car: domínio do “Alemão” ..........................106
Com o nome do mito ..............................................112
Piquet, o campeão do Planalto ...............................117
“A apunhalada no traçado antigo” .........................120
A primeira em casa ...................................................125
Nos braços do povo ..................................................130
Ayrton Senna do Brasil .............................................134
Interlagos, palco do campeão ..................................140
Renault x Ferrari ........................................................142
No alto, 13 anos depois ...........................................144
Auf wiedersehen, Schumi ........................................156
Planos ..........................................................................160
O futuro ......................................................................161
Referências Bibliográficas .......................................171
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Interlagos: uma corrida com dois pit stops
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Curva 3
Traçado antigo de Interlagos (1940-1989)
7.823 m
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Traçado novo de Interlagos (1990)
4.309 m
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Apresentação
Nas páginas deste livro-reportagem os amantes das diversas modalidades do automobilismo vão encontrar uma panorâmica da história desse esporte que reúne pessoas das mais
diferentes camadas sociais. Aborda o contexto de uma capital paulista ainda em desenvolvimento e os motivos que levaram personagens importantes de uma época a investir em
uma obra que se tornaria referência para o automobilismo
internacional. As principais corridas das diversas modalidades, os principais campeões, os momentos mais marcantes e
as crises do autódromo estão presentes nos três capítulos da
obra.
Escolhemos o tema “Automobilismo Brasileiro” durante
conversas no primeiro semestre por percebermos que havia
pouco material referente ao assunto, além de se tratar de um
tema do qual gostamos. Definido esse tema geral, encontramos o foco do nosso trabalho nas primeiras semanas de orientação e decidimos que abordaríamos a história do Autódromo Internacional José Carlos Pace, nome oficial do Autódromo de Interlagos, sempre a relacionando com a história
do automobilismo brasileiro.
Optamos pela escolha do livro-reportagem por ser uma
forma de aprofundar mais no tratamento da história do Au17
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
tódromo de Interlagos, como diz Lima:
O livro-reportagem cumpre um relevante papel, preenchendo vazios deixados pelo jornal, pela revista, pelas
emissoras de rádio, pelos noticiários da
televisão (...). Mais do que isso, avança para o aprofundamento do conhecimento (...), eliminando, parcialmente que seja, o aspecto efêmero da mensagem da atualidade praticada pelos
canais cotidianos da informação
jornalística (LIMA, 2004, p. 4).
Consideramos que a imprensa diária não consegue cumprir com o papel de fornecer ao leitor um jornalismo
interpretativo abrangente, capaz de oferecer um panorama
significativo da atualidade. Muito se fala sobre o factual, mas
na maioria das vezes se esquece de analisar as causas e as
possíveis conseqüências do acontecimento noticiado. De fato
é extremamente difícil encontrar uma matéria que ofereça
uma abordagem diferenciada do fato, que transborde as fronteiras do imediato e ofereça uma compreensão mais apurada
do atual.
Porém, notamos certa resistência, por vezes até mesmo
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involuntária, da imprensa periódica em abordar assuntos
desconcertantes, que questionem valores e costumes tradicionais. A razão disso talvez seja o medo de perder leitores,
ou então, conseqüência das pressões impostas pela produção em ritmo industrial do conteúdo informativo. Não
obstante, é preciso apontar casos raros de jornalismo
interpretativo de qualidade na mídia periódica, como revela
Lima (2004), “no jornalismo interpretativo (..) não se contenta com a relação simplista de causa e efeito (...). É tecer
esse encontro de relações entre a rede de causas e a rede de
efeitos” (p.22).
Tendo por base a essência do livro-reportagem de preencher os vazios da imprensa, surge a possibilidade de experimentar novas maneiras de tratamento, como por exemplo,
fugir da tradicional técnica da pirâmide invertida, muito usada
nas publicações periódicas. Segundo Lima,
À medida que o texto jornalístico evolui da notícia para a reportagem, surge
a necessidade de aperfeiçoamento das
técnicas de tratamento da mensagem.
Por uma condição de proximidade,
estabelecida pelo elo comum da escrita, é natural compreender que, mesmo intuitivamente (...), os jornalistas
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Interlagos: uma corrida com dois pit stops
sentiam-se então inclinados a se inspirar na arte literária para encontrar os
seus próprios caminhos de narrar o real
(LIMA, 2004, p.173).
Essa renovação no estilo do jornalismo começou a ser implantada no começo da década de 1960, por jornalistas americanos, fundadores do chamado New Journalism, que passaram a ocupar espaços deixados pelos escritores de ficção.
Em 1966, o jornalista e escritor Truman Capote publicou a
primeira grande obra do New Journalism em formato de livro-reportagem: “A sangue frio”. O livro foi resultado de uma
investigação de vários meses do autor sobre a chacina de uma
família.
De acordo com Sodré e Ferrari, a reportagem é um dos
gêneros jornalísticos com:
O desdobramento das clássicas perguntas a que a notícia pretende responder (quem, o que, como, quando, onde,
por que) constituirá de pleno direito
uma narrativa, não mais regida pelo
imaginário, como na literatura de ficção, mas pela realidade factual do diaa-dia, pelos pontos rítmicos do cotidi-
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ano que, discursivamente trabalhados,
tornam-se reportagem (SODRÉ e
FERRARI, 1986, p.11).
Lima (2004), analisa e separa os livros-reportagem em treze classificações, tendo por base “o objetivo particular (...)
com que o livro desempenha narrativamente sua função de
informar e orientar com profundidade e a natureza do tema
de que trata a obra” (p.51). Assim, esta publicação se classifica como “livro-reportagem-história”, já que:
Focaliza um tema do passado recente
ou algo mais distante no tempo. O
tema, porém, tem em geral algum elemento que o conecta com o presente,
dessa forma possibilitando um elo comum com o leitor atual. Esse elemento pode surgir de uma atualização artificial de um fato passado ou por
motivos os mais variados (LIMA,
2004, p. 54)
Nossa produção consistiu na utilização de material fruto
de pesquisas em livros e sites especializados, bem como de
entrevistas com pilotos, jornalistas especializados em auto21
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
mobilismo e apaixonados pelo esporte. Nossas entrevistas
foram realizadas pessoalmente, através de telefone e por email. Como diz Lima,
Muito mais do que na reportagem do
jornal impresso cotidiano, a entrevista
desponta no livro como uma forma de
expressão por si, dotada de individualidade, força, tensão, drama, esclarecimento, emoção, razão, beleza. Nasce daí o diálogo possível, o crescimento
do
contato
humano
entre
entrevistador e entrevistado, que só
acontece porque não há a pauta fechada castrando a criatividade (LIMA,
2004, p.107).
Já Altman, compara a técnica da entrevista jornalística com
a entrevista realizada pelos psicanalistas em seus consultórios,
A entrevista é uma atividade muito
semelhante ao instante em que o psicanalista põe seu paciente no divã.
Com uma diferença: no dia seguinte
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tudo aquilo que foi dito será exposto
publicamente e não ficará restrito ao
segredo do consultório (ALTMAN,
1995, p. XVIII).
Entretanto, nos deparamos com uma dificuldade que não
havíamos previsto quando escolhemos o tema: a falta de fontes vivas que pudéssemos entrevistar sobre o período da construção do Autódromo de Interlagos, bem como de anos anteriores, sendo esses acontecimentos cerca de 70 anos atrás.
Essa ausência de fontes nos fez utilizar somente o material
de nossas pesquisas na construção do texto do Capítulo 1.
Nos capítulos seguintes do livro, o problema da ausência de
fontes foi sanado, por reportar um período mais recente.
Mesmo com essa pequena ausência de fontes na primeira
parte de nossa publicação, conseguimos aplicar o conceito
básico da entrevista, de acordo com Medina (2002), “a entrevista, nas suas diferentes aplicações, é uma técnica de
interação social, de interpenetração informal, quebrando assim isolamentos grupais, individuais, sociais; pode também
servir à pluralização de vozes e à distribuição democrática da
informação” (p. 8).
Ainda baseados no conceito de entrevista de Medina, analisamos a entrevista jornalística da seguinte forma: “é uma
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Interlagos: uma corrida com dois pit stops
técnica de obtenção de informações que recorre ao particular; por isso se vale, na maioria das circunstâncias, de fonte
individualizada e lhe dá crédito, sem preocupações
científicas”(p.18). Como público-alvo deste livro apontamos
os apaixonados pelo automobilismo, curiosos pela história
do Autódromo de Interlagos, especialistas do assunto e estudantes.
No primeiro capítulo deste livro-reportagem, os leitores
vão se deparar com uma contextualização da cidade de São
Paulo no começo da década de 1940, como as corridas e a
construção do Autódromo influenciaram o desenvolvimento
da indústria automobilística nacional, e consequentemente
da capital paulista.
No segundo capítulo da publicação, o leitor encontra um
histórico das primeiras provas da Fórmula 1 no Brasil, que
consolidaram o automobilismo brasileiro no cenário internacional do esporte, bem como de um dos mais ousados projetos já realizados no Brasil, a equipe Fittipaldi de Fórmula 1,
primeira equipe de Fórmula 1 sediada fora da Europa, e de
um dos responsáveis diretos por esse, o piloto Emerson
Fittipaldi.
No capítulo três narramos o nascimento da Stock Car,
atualmente a maior categoria do automobilismo nacional, que
ocorre justamente no período no qual o Autódromo de
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Interlagos passa por um período obscuro em sua história,
devido a perda da Fórmula 1 para o Rio de Janeiro. Também
nessa parte, os amantes do automobilismo têm a oportunidade de conhecer os detalhes sobre a polêmica reforma que
reduziu o circuito quase pela metade, e também podem ver
nascer novas esperanças para o Brasil voltar a ocupar o lugar
mais alto do pódio, com os pilotos Felipe Massa, Nelson
Ângelo Piquet e Bruno Senna.
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Interlagos: uma corrida com dois pit stops
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Capítulo 1
É dada a largada!
A cidade de São Paulo, impulsionada pelo crescimento
econômico da cultura cafeeira, passava por um período de
industrialização e urbanização no final da década de 1920.
Na área econômica, o centro comercial se expandia cada dia
mais, com seus escritórios e lojas sofisticadas. Acompanhando todo esse progresso, nasciam novos bairros e loteamentos,
muitos construídos por grandes empresas imobiliárias, como
a City of San Paulo Improvements and Freehold Land Co.
Ltd. e a Auto-Estradas S.A.
Em 1926, sob o comando de seu fundador, o engenheiro
britânico Louis Romero Sanson, a Auto-Estradas S.A. (AESA)
começou a construir o bairro Balneário Satélite da Capital,
na Zona Sul de São Paulo, entre as represas Guarapiranga e
Billings. O projeto consistia na construção de uma praia artificial, um hotel, o Aeroporto de Congonhas, um clube de
campo e um autódromo para corridas de automóveis.
“O plano original era fazer um bairro planejado, era um
pólo turístico, com hotel, com autódromo, com tudo”, diz
Flávio Gomes, jornalista que acompanha o automobilismo
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Interlagos: uma corrida com dois pit stops
há 19 anos, e pisou em Interlagos pela primeira vez ainda
garoto, aos 5 anos de idade.
Com o intuito de criar um autódromo perfeito, Sanson
optou por um terreno que era chamado pelos moradores na
época de “enorme buraco”. “Aproveitou-se uma área de 1
milhão de m² para se criar o traçado de quase 8.000 metros.
Utilizando a topografia, com um vale e duas encostas”, observa Roberto Brandão, colunista do site Grande Prêmio
(www.grandepremio.com.br), um dos mais importantes do
país, que sempre acompanhava o pai em Interlagos, há 45
anos, referindo-se à forma natural do lugar, semelhante à de
um anfiteatro, que permitiria uma vista ao público de quase
todo o circuito.
Contando apenas com recursos próprios, a AESA teve que
voltar atrás em algumas de suas pretensões para a construção do Balneário Satélite da Capital. A economia paulista
sofreu um duro golpe em 1929, com a quebra da Bolsa de
Nova Iorque, que derrubou os preços do café. Outro fato
que atrapalhou o projeto do engenheiro britânico foram as
revoluções de 1930 e 1932, que barraram o desenvolvimento
de São Paulo.
Mesmo com todos os problemas durante a década de 1930,
a construção do autódromo foi concluída no final de 1939.
Em 12 de maio de 1940 aproximadamente 15 mil pessoas
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É dada a largada!
compareceram à inauguração de Interlagos, que recebeu duas
provas. Uma de carros, vencida pelo piloto paulista Nascimento Júnior a bordo de um Alfa Romeo 3500 cm³, seguido
pelo eterno Chico Landi, com uma Maserati 3000 cm³, e
Geraldo Avellar, com um Alfa Romeo 2900 cm³. Nesta prova,
Nascimento Júnior cravou o primeiro recorde de Interlagos:
4min9s.
A outra prova que fez parte da festa de inauguração do
circuito foi para motocicletas. O vencedor foi Hans Havche,
com sua BMW, com Beto Bicudo pilotando outra BMW em
segundo e Wilfredo Charle, guiando uma Zundapp, na terceira colocação.
O traçado tinha um percurso de 7.823 metros de extensão. “Era um dos melhores circuitos do mundo. Tinha trechos de altíssima velocidade, como a reta dos boxes, curvas 1
e 2, a antiga reta oposta (em descida) e a curva 3; curvas de
raio longo como a Ferradura e a do Sol, e um trecho muito
técnico de baixa velocidade. E havia um anel externo, praticamente um oval, que era sensacional”, descreve o jornalista
Rodrigo Mattar, comentarista de provas de automobilismo
do canal SporTV, que há 29 anos acompanha o esporte.
Para Ingo Hoffmann, piloto doze vezes campeão da Stock
Car, categoria mais importante do automobilismo brasileiro,
e com passagem pela Fórmula 1, “a pista de Interlagos era
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Interlagos: uma corrida com dois pit stops
uma das mais seletivas do mundo, se equiparando ao circuito de Spa-Francorchamps, na Bélgica, ficando atrás apenas
do traçado antigo de Nürburgring, na Alemanha”.
Provas de rua
No entanto, a vida automobilística do paulistano não começou depois da construção de Interlagos. Anos antes já eram
disputadas corridas em pistas improvisadas, pelas ruas da cidade de São Paulo, e em circuitos pelo interior do Estado.
Sem muita segurança, as provas geralmente terminavam com
alguma vítima, não necessariamente fatal. A única separação
do público para a pista eram fardos de feno e alfafa.
O mais famoso traçado de rua do Brasil, na época, era o
Circuito da Gávea, no Rio de Janeiro (então capital federal),
também chamado de “Trampolim do Diabo” graças à grande dificuldade da prova, em um percurso com cerca de 11
km, contornando o Morro Dois Irmãos. Os competidores
largavam na Rua Marquês de São Vicente, onde os carros
tinham a dura missão de atravessar os trilhos do bonde, geralmente muito escorregadios, e passavam pelas Avenidas
Bartolomeu Mitre, Visconde de Albuquerque, Niemeyer e
Estrada da Gávea (onde é, atualmente, o bairro da Rocinha).
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É dada a largada!
O trajeto era composto por todos os tipos de curvas e pisos
(asfalto, cimento, paralelepípedo e areia).
No “Trampolim do Diabo” surgiram os primeiros ídolos
nacionais do automobilismo, como Chico Landi, Nascimento Júnior e Manuel de Teffé, que juntos venceram seis vezes
no Circuito da Gávea. Landi foi o maior vencedor no traçado, ganhando as provas do Grande Prêmio Cidade do Rio de
Janeiro em 1941, 1947 e 1948. Correram ainda no local pilotos do exterior, entre eles os italianos Carlo Pintacuda e Attilio
Marioni, da Ferrari, o ítalo-argentino Vittorio Coppoli e a
francesa Hellé-Nice, Mariette Hélène Delangle, de nascimento.
Todo o sucesso da prova carioca motivou a realização do
Grande Prêmio Internacional Cidade de São Paulo. A corrida
foi realizada em 12 de julho de 1936, nas ruas do Jardim
América, e agitou a metrópole em crescimento que era São
Paulo naquele momento.
Representaram o Brasil na disputa Manuel de Teffé, Nascimento Júnior e os irmãos Quirino e Chico Landi. Os principais nomes do automobilismo internacional na corrida foram os astros da Ferrari, Pintacuda e Marioni, e a francesa
Hellé-Nice, também conhecida como a “Rainha da Bugati”.
Mostrando toda a superioridade dos bólidos italianos,
Pintacuda e Marioni dispararam na frente logo na largada e
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Interlagos: uma corrida com dois pit stops
mantiveram-se em primeiro e segundo lugares, respectivamente, até o final da corrida. Já a briga pela terceira posição
foi intensa entre Teffé e Hellé-Nice, com vantagem para o
brasileiro, que terminou na frente. Ao receber a bandeirada,
ele reduziu a velocidade de seu carro e acabou sendo atingido pela francesa, que vinha muito próxima.
A piloto perdeu o controle de seu Alfa Romeo, atropelou
um soldado, atravessou a barreira de fardos de feno e alfafa e
invadiu a área reservada para o público. O resultado do acidente foi a internação de Hellé-Nice, que sobreviveu ao choque, cerca de 37 espectadores feridos e quatro mortos.
Nascia a preocupação com a segurança e a percepção da
inviabilidade de corridas de automóveis pelas ruas e avenidas, devido ao perigo para a vida de pilotos e público.
A era do gasogênio
Cercado pelo status de novidade, o Autódromo de
Interlagos quase sofreu um duro golpe logo após ser inaugurado. Em meados de 1943, com a Segunda Guerra Mundial,
o governo brasileiro deu início ao racionamento de combustíveis derivados de petróleo e suspendeu todas as corridas de
automóveis no Brasil.
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É dada a largada!
Mas, como todo bom brasileiro, os amantes da velocidade
deram um “jeitinho” e descobriram uma forma de continuar
disputando provas em Interlagos: adaptar os carros para o
uso do aparelho de gasogênio, que consistia em enormes cilindros instalados na parte traseira dos carros que queimavam, com carvão e lenha, os gases nitrogênio, hidrogênio,
monóxido de carbono e metano. O vapor resultante dessa
queima era o combustível que fazia os carros andarem.
O combustível alternativo requeria uma atenção maior dos
pilotos com o rendimento dos motores e com a estabilidade
dos veículos, devido às necessárias mudanças na aerodinâmica e centragem, causadas pelo peso e volume dos reservatórios.
Apesar das poucas provas disputadas nesse período de
guerra, Interlagos foi palco de pegas históricos, como a perseguição de Chico Landi e Rubem Abrunhosa a Geraldo
Avellar, em 1944, na 2ª Prova Interventor Fernando Costa.
Nessa corrida, Avellar assumiu a ponta logo na largada e
teve em “seus calcanhares”, durante todas as 15 voltas, Landi
e Abrunhosa. Mas, na última volta, a resistência de Avellar
acabou, pois um pneu furado o tirou da prova. A vitória foi
de presente a Landi, com Abrunhosa em segundo e Salvador
Chiapazzo na terceira colocação.
Nos tempos de guerra, Chico Landi recebeu o título de
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Interlagos: uma corrida com dois pit stops
“rei do gasogênio”, ao sagrar-se campeão brasileiro por três
anos consecutivos, entre 1943 e 1945, com seu Buick 1941.
Encerrada a Segunda Guerra Mundial, os pilotos voltaram a
utilizar a gasolina como combustível de suas máquinas, e
Interlagos retomou sua rotina de grandes espetáculos de
automobilismo.
Resistência
No início da década de 1950, o Brasil passava por um período nacionalista, com Getúlio Vargas retornando à Presidência da República, cinco anos após ter renunciado ao cargo que ocupou entre 1930 e 1945. Estabelecido no poder,
Vargas lançou, em 1952, o “Plano Nacional de Estímulo à
Produção de Autopeças e à Implantação Gradativa da Indústria Automobilística no País”, o que impulsionou a nacionalização dos carros montados no Brasil e diminuiu as importações de veículos, graças a um aumento de taxas.
Outro passo importante dado pelo presidente que favoreceu a indústria nacional foi a nacionalização do petróleo,
através do slogan “o petróleo é nosso” que culminou com a
criação da Petrobrás e, conseqüentemente, da Companhia
Siderúrgica Nacional (CSN). Diante de tantas mudanças,
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É dada a largada!
era necessário um local para que a indústria automobilística
nacional se desenvolvesse.
Com o reconhecimento de ostentar um dos melhores traçados do mundo, Interlagos passou a ser fundamental para o
desenvolvimento, não só de pilotos e preparadores de carros,
mas também de peças e veículos.
O autódromo se firmava como campo de teste para as
montadoras, desde a Ford, instalada em 1919 no Brasil, passando por General Motors (1925), FNM (Fábrica Nacional
de Motores - 1941), Vemag-DKW (1945), Willys-Overland
(1952), Mercedes-Benz (1952) e Volkswagen (1953), até chegar à Simca do Brasil (1958).
De acordo com o site oficial do Autódromo de Interlagos
(www.autodromointerlagos.com), o centro de pesquisas da
Vemag-DKW calculava que cada mil km rodados no circuito
em ritmo de corrida representavam 16 mil km de testes de
rua.
Dada a importância da indústria automobilística, em 1956,
durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956 – 1961),
foi criado o Grupo de Estudos da Indústria Automobilística
(GEIA), com a missão de centralizar as decisões sobre o desenvolvimento do setor. O GEIA apoiava-se na idéia de que
as empresas automobilísticas deveriam ser, de preferência,
privadas e estrangeiras, do que estatais e de economia mista.
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Interlagos: uma corrida com dois pit stops
Nessa época, o número de provas em Interlagos teve
um aumento significativo, criando a necessidade da divisão em categorias, com carros monoposto, biposto, turismo e força livre. Baseados nos testes, surgiram também
na década de 1950 as provas de resistência e longa duração. Em 1951, foi promovida a primeira prova desse tipo
no autódromo paulista. As “24 Horas de Interlagos” foi
disputada apenas por carros da marca Mercedes-Benz.
Ao todo, 32 veículos, todos modelos turismo 170, movidos a gasolina ou óleo diesel, participaram da prova, inspirada na “24 Horas de Le Mans”, na França.
Esse tipo de competição, na qual os competidores passavam o dia e a noite pilotando, exigia um grande preparo físico e uma resistência enorme tanto de pilotos
quantos dos carros. O fato da disputa se dar em parte
durante a noite era um atrativo a mais para o público,
curioso pela novidade.
A “24 Horas de Interlagos” foi disputada nos dias 18 e
19 de agosto, impulsionadas pelos organizadores e promotores Wilson Fittipaldi e Eloy Gogliano. Totalmente
inspirada na “irmã mais velha” de Le Mans, a largada da
corrida tinha os carros estacionados na diagonal de um
lado da pista, enquanto os pilotos esperavam, em pé, do
outro lado, o sinal da partida. Além do pessoal dos bo36
É dada a largada!
xes, as equipes eram formadas por duplas de pilotos, que
se alternavam durante a corrida para minimizar o desgaste.
Depois de 257 voltas e completadas as 24 horas de
prova pelos quase 8 km de Interlagos, a dupla formada
por Pascoalino Buonacorsa e Godofredo Vianna Filho
entrou para a história como a primeira vencedora de uma
prova de longa duração no autódromo. Na segunda colocação chegaram Chico Landi e Sebastião Casini. Em terceiro ficaram Cláudio Daniel Rodrigues e Luciano Bonini.
Mostrando todo o charme desse tipo de prova, até uma
dupla formada por mulheres participou. Juse Fittipaldi,
esposa de Wilson e mãe dos irmãos Emerson e Wilsinho,
que mais tarde se tornariam figuras importantes do automobilismo nacional, correu junto com Darly Ribeiro.
As pilotos não deixaram nada a desejar em relação aos
homens e completaram a prova em um surpreendente
sexto lugar.
Depois do sucesso da “24 Horas de Interlagos”, nascia a paixão do brasileiro pelas provas de longa duração.
Paralelamente a isso, em 1954, a Prefeitura de São Paulo
comprou o autódromo da Auto-Estradas S.A., durante
as comemorações do quarto centenário da capital
paulista, pela módica quantia de 1 cruzeiro .
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Interlagos: uma corrida com dois pit stops
A mais charmosa
Nos anos 50, Interlagos assistiu a um “boom” das provas
de longa duração depois de todo o destaque obtido na realização da “24 Horas”. Foram criadas a “12 Horas”, “6 Horas”,
“3 Horas”, “500 Milhas”, “1.500 km” e “1.600 km”. Mas de
todas essas provas, a que ganhou maior destaque e carisma
foi a “Mil Milhas Brasileiras”.
Inspirada na Mille Miglia italiana, disputada nas estradas
daquele país, a prova nasceu novamente das mentes de Eloy
Gogliano, fundador do Centauro Motor Club, e Wilson
Fittipaldi, repórter e diretor de esportes da Rádio
Panamericana, de São Paulo.
“Sem dúvida, o Wilson é uma figura importante na história do automobilismo brasileiro. Ele o transformou em um
produto de mídia, de rádio”, afirma Gomes.
Determinados a realizar a prova, Gogliano e Fittipaldi dividiram as obrigações. Enquanto o primeiro cuidou dos detalhes administrativos e da criação do regulamento da competição, apoiado pelo Automóvel Club do Brasil, principal
entidade de automobilismo da época, o segundo percorreu o
sul do país convidando pilotos para participarem da corrida,
além de realizar sucessivos encontros com diretores de fábricas de autopeças, na esperança de arrecadar produtos e prê38
É dada a largada!
mios para os participantes.
Diferente da prova italiana em que foi inspirada, a Mil
Milhas Brasileiras foi adaptada para ser disputada em um
autódromo fechado. O lançamento foi tranqüilo, mas o medo
do fracasso rondava Fittipaldi. Para a época, uma prova com
201 voltas no circuito de Interlagos representava um grande
risco de que muitos carros largassem, mas que nenhum completasse a prova.
Para evitar problemas, o Barão, como Wilson Fittipaldi era
conhecido pelo seu estilo sempre elegante e pelo grande bigode cultivado, conseguiu o apoio de duas grandes empresas. A Petrobrás, que cederia combustível gratuito para todos os participantes, e a Pirelli, que vendeu jogos de pneus
abaixo do preço de custo, sendo que os três primeiros colocados ganhariam os seus como parte dos prêmios. Outras
pequenas empresas também colaboraram, doando baterias e
radiadores, em troca de publicidade livre no autódromo.
A comunicação entre a pista e o posto central também era
um ponto que trazia preocupação para os organizadores. A
pista era muito grande, e os acidentes eram freqüentes na
época. Era preciso uma operação de guerra para que os pilotos tivessem a segurança de um atendimento rápido em caso
de acidentes. E foi literalmente o que aconteceu. O Batalhão de Comunicações do Quartel do Exército do Ibirapuera,
39
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
em São Paulo, montou vinte pontos de rádio por toda a pista, que contavam com três soldados e três comissários de
pista cada. A operação funcionou muito bem, e qualquer
problema na pista era informado imediatamente ao posto
central de Interlagos.
Os carros inscritos só podiam ser da categoria “turismo
fechado”, com dois ou mais lugares e preparação livre, com
chassi e motor obrigatoriamente da mesma marca, podendo
ser utilizados em diferentes modelos e anos de fabricação.
Outra inovação na prova era a preocupação com a segurança.
Todos os pilotos tinham que passar por exames médicos, usar
capacetes e cinto de segurança e realizarem treinos noturnos.
Cercados por tantos cuidados, Fittipaldi e Gogliano receberam o apoio da TV Record e do Sindicato Nacional dos
Fabricantes de Autopeças, que bancou todas as despesas e
os prêmios, apostando alto no sucesso do evento. Sucesso
esse que se tornou realidade nos dias 24 e 25 de novembro
de 1956.
Cerca de 30 mil pessoas compareceram a Interlagos, às 19
horas do dia 24, para acompanhar a prova. Os 31 carros inscritos estavam preparados para largar ao “estilo Le Mans”.
Dado o sinal de partida, a dupla favorita, formada por Chico
Landi e Jair Mello Vianna, assumiu a liderança com o primei40
É dada a largada!
ro no volante da carretera Ford 1940, para delírio do público
paulistano.
No entanto, a felicidade da torcida acabou na 55ª volta,
quando o motor da carretera de Landi e Vianna quebrou.
Catharino Andreatta, que formava dupla com Breno Fornari,
assumiu a ponta e foi até o final na liderança.
A dupla gaúcha recebeu a bandeirada às 11 horas e 16
minutos do dia 25, completando as mil milhas (1.609 km)
em 201 voltas, com o tempo de 16h6min30s, e média de 99
km/h. Completaram o pódio as duplas Eugênio Martins e
Christian Heins na segunda colocação e Aristides Bertuol e
Waldir Rebeschini no terceiro lugar. Pela vitória, Andreatta e
Fornari receberam 200 mil cruzeiros, prêmio considerado
muito bom para a época.
“Com certeza, a Mil Milhas Brasileiras é a corrida mais
importante e tradicional do calendário nacional. Uma prova
com 201 voltas (374 voltas no novo traçado), trocas de pilotos, reabastecimentos, consertos, desafiando a resistência e
velocidade dos carros, com parte diurna e parte noturna, sujeita à neblina nos velhos tempos e com muitos carros largando. É, sem dúvida, a prova mais importante de nosso calendário, por toda a expectativa e atratividade”, descreve
Brandão.
Nas edições seguintes da prova continuou prevalecendo
41
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
o domínio dos gaúchos. Em 1957, a dupla formada por
Aristides Bertuol e Orlando Menegaz foi declarada vencedora, após a polêmica desclassificação da dupla Chico Landi e
José Gimenez Lopes, por ter corrido durante algumas voltas
com as lanternas traseiras do carro apagadas. Sob pressão dos
gaúchos, que exigiam uma penalização aos paulistas por não
cumprirem o regulamento, o Automóvel Club do Brasil deu
a vitória à dupla do Rio Grande do Sul.
Nas provas de 1958 e 1959, a dupla Catharino Andreatta
e Breno Fornari mostrou todo o conhecimento de Interlagos
e manteve o domínio gaúcho na Mil Milhas. A seqüência de
vitórias dos pilotos do Rio Grande do Sul foi interrompida
na quinta edição da prova, em 1960, pelo ídolo máximo da
torcida paulistana, Chico Landi, formando dupla com
Christian Heins.
Eufórica com a vitória, a torcida invadiu o autódromo e
carregou nos ombros os heróis daqueles 26 e 27 de novembro. Em segundo lugar chegou a dupla Ivo Rizzardi e Nelson
Santilli, com Álvaro e Aylton Varanda completando o pódio.
Além de encerrar o domínio gaúcho, o triunfo de Landi e
Heins mostrou a força da indústria nacional de carros. Correndo com um FNM/JK, a dupla conquistou a primeira vitória de uma equipe de fábrica em uma prova de longa duração
em Interlagos, dando mostras da resistência dos carros naci42
É dada a largada!
onais.
“Eram criados automóveis especiais só para vencerem a
Mil Milhas. E a força de marketing que possuía uma vitória
nesta prova era impressionante. As fábricas apostavam muito nela e usavam os resultados obtidos”, conta Brandão.
Depois da vitória de Landi e Heins, as equipes de fábrica
vieram com força para a prova de 1961. Mas o que se viu foi
um renascimento das velhas carreteras gaúchas, de fabricação do final da década de 1930 e começo de 1940. Nem o
estímulo do público foi capaz de conter a carretera Chevrolet
Corvette da dupla Orlando Menegaz e Ítalo Bertão, que terminou a apenas 12 segundos do FNM/JK da dupla vencedora do ano anterior. Aylton Varanda mais uma vez terminou a
prova na terceira colocação, dessa vez formando dupla com
Mário Olivetti.
Entre 1961 e 1965, a Mil Milhas sofreu o seu primeiro
período de interrupção. No entanto, voltou com força total,
para alegria do público, acostumado a acompanhar as emoções da mais charmosa prova de Interlagos. “Eu acho a prova
charmosíssima e espetacular. O grande lance da Mil Milhas
sempre foi a largada à noite, chegando a ter até 60 carros no
grid”, observa Mattar.
A sétima edição contou com a participação do tricampeão
Catharino Andreatta, que se despediu das disputas em
43
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
Interlagos nessa corrida, formando dupla com seu filho
Vitório. A intenção de Catharino era encerrar a vitoriosa passagem pelo circuito vencendo, mas uma quebra na curva da
Ferradura, quando a dupla liderava a prova, estragou os planos de Andreatta pai. A vitória coube a Vittorio Azzalim e
Justino de Maio, com Caetano Damiani e Bica Votnamis em
segundo e Jayme Pistilli e Ugo Galina na terceira posição.
Nos anos de 1966 e 1967, a Mil Milhas viu nascer três
jovens pilotos com muito futuro no automobilismo, e que,
mais tarde, colocariam o nome do Brasil entre os países com
grandes corredores. Na oitava edição, correram, pela equipe
Dacon, José Carlos Pace, em parceria com Antônio Porto Filho, e Wilson Fittipaldi Jr., ao lado de Ludovino Perez. Pela
equipe Brasil, antiga Vemag, correu Emerson Fittipaldi, em
dupla com Jan Balder.
Companheiros de equipe, Wilsinho e José Carlos Pace tiveram problemas durante a prova. Wilsinho teve que parar
diversas vezes com problemas nos pára-brisas e pedais do carro.
Já Pace perdeu uma roda e teve que abandonar. Restava
Emerson como esperança da nova geração do automobilismo nacional.
O futuro bicampeão de Fórmula 1 não venceu, mas concluiu a prova na terceira posição. A dupla vencedora foi
Camilo Christófaro e Eduardo Celidônio, seguidos por Má44
É dada a largada!
rio César de Camargo Filho e Eduardo Scuracchio na segunda colocação.
Em 1967, os irmãos Fittipaldi correram em dupla, pilotando o Fitti-Porsche de construção deles. José Carlos Pace,
em dupla com Anísio Campos, correu com um Porsche 911.
Todos pela equipe Dacon. Mostrando a força de sua construção, os irmãos Fittipaldi conquistaram a pole position.
Na corrida, Wilsinho assumiu a ponta na largada, mas
abandonou com problemas no tanque de gasolina. Pace abandonou a prova quando seu carro apresentou problemas sob
o comando de Anísio Campos. Os vencedores foram Luiz
Pereira Bueno e Luís Fernando Terra Smith, seguidos por
Bird Clemente e Marivaldo Fernandes, na segunda colocação, e pela dupla portuguesa Manuel Nogueira Pinto e
Andrade Vilar.
Entre 1967 e 1970 houve uma nova interrupção da prova
para as reformas no autódromo. A décima edição da Mil Milhas fez parte da reabertura de Interlagos. Os vencedores da
prova foram os irmãos Alcides e Abílio Diniz. Mário Olivetti
e José Moraes, e Carlo Facetti e Giovanni Alberti completaram o pódio, em segundo e terceiro lugares, respectivamente.
Devido a um conflito de datas com o Campeonato Brasileiro de Fórmula 2 em 1971 e 1972, a prova voltou a ser dis45
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
putada apenas em 1973. Na 11ª edição, novamente uma vitória em família. Os irmãos Bird e Nilson Clemente completaram as 201 voltas em 12h53min, quatro voltas à frente do
segundo colocado, a dupla Camilo Christófaro e Eduardo
Celidônio. José Argentino e Raul Natividade, cinco voltas
atrás, ficaram com o terceiro lugar.
O maior período de interrupção da Mil Milhas se deu
depois da 11ª edição em 1973. “A Mil Milhas só voltou à
cena em 1981, pois durante oito anos não foi realizada.
Houve um ‘levante’ em meados dos anos 70 em razão da
crise do petróleo e em 79 nosso automobilismo passou a
usar o álcool como combustível”, conta Mattar.
Em 1981, ano em que voltou a ser disputada, a Mil Milhas encontrou um novo problema. Sem a Fórmula 1,
Interlagos, apesar de continuar sendo o centro do automobilismo nacional, vivia um certo abandono, como lembra
Brandão.
“Muitas provas de muitos campeonatos eram disputadas lá, mas, aos poucos, foram sendo substituídas, e o autódromo foi sendo abandonado. A Mil Milhas ainda teve
um pequeno tempo de glória, mas também começou a ser
esquecida, com a decadência do autódromo”.
Organizada agora pelo ex-piloto e bicampeão da corrida Antônio Hermann, que adquiriu os direitos da prova por
46
É dada a largada!
15 anos do Centauro Motor Clube, a Mil Milhas passa por
um grande processo de internacionalização, que culminará
na abertura da temporada 2007 do campeonato da FIA GT,
principal campeonato de Turismo do mundo.
“Nunca fez parte de calendário oficial de nenhum campeonato da FIA, apenas parte do Campeonato Brasileiro de
Marcas e Pilotos. Agora passa a fazer parte de um campeonato mundial. Acho que não perderá nada. Ao contrário, ganhará de volta o prestígio que já teve”, analisa Brandão, que
vê como um bom incentivo a retomada da fabricação e desenvolvimento de carros de competição no Brasil. “Para o
automobilismo nacional é um bom parâmetro e pode voltar
a incentivar a fabricação e o desenvolvimento de projetos e
carros por aqui”, completa.
Mattar se demonstra animado com a chance de ver pilotos e equipes de fora correndo no país com a
internacionalização da Mil Milhas. “É um grande passo para
o esporte a motor no Brasil”, observa o jornalista.
O recorde da Mil Milhas é da prova de 1997, realizada
no Autódromo Internacional Nelson Piquet, em Brasília.
A McLaren GTR BMW guiada por Nelson Piquet, Johnny
Cecotto e Steve Soper completou a corrida em
10h05min10s. A prova de maior duração foi a de 1959,
quando Breno Fornari e Catharino Andreatta terminaram
47
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
a corrida depois de 16h22min38s com uma Carretera Ford.
O maior vencedor da Mil Milhas é Zeca Giaffone,
pentacampeão em 1981, 1984, 1986, 1988 e 1989. Chico Serra, piloto tricampeão da Stock Car, fazia parte da equipe de
Giaffone, quando ele ganhou seu primeiro título. “Eu ganhei a Mil Milhas em 1981. Eu estava na Fórmula 1, mas o
Afonso e o Zeca Giaffone me convidaram e eu fui. Foi muito
legal, eu não tinha participado de uma corrida longa antes. A
equipe era muito boa, o carro que a gente estava correndo
era muito legal e deu tudo certo. Foi muito bom ter ganho
uma corrida com eles”, conta ele.
Por duas vezes, a prova não foi realizada em Interlagos.
Além da edição de 1997, realizada em Brasília, a edição de
1999 aconteceu em Curitiba, e foi vencida por Jair Bana, Beto
Borghesi e Luciano Borghesi, com um Protótipo Aldee Spyder.
Em 2006, a 34ª Edição da Mil Milhas Brasileiras comemorou seu 50° aniversário, e foi vencida pela equipe Cirtek
Motorsport, com um Aston Martin DB9R guiado pelo
tricampeão mundial de Fórmula 1 Nelson Piquet, junto
de seu filho Nelsinho Piquet, do bicampeão das 500 milhas de Indianápolis Hélio Castroneves e de Cristophe
Bouchut. Eles completaram 1.001,59 milhas (1.611,57
km), em 374 voltas e 10h36min38s659, com uma média
de 155,880 km/h.
48
É dada a largada!
Os vencedores das Mil Milhas
1956
1957
1958
1959
1960
1961
1965
1966
1967
1970
1973
1981
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1992
1993
1994
1995
1996
1997*
1998
1999*
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Catharino Andreatta e Breno Fornari (Ford Carretera)
Aristides Bertuol e Orlando Menegas (Ford Carretera)
Catharino Andreatta e Breno Fornari (Ford Carretera)
Catharino Andreatta e Breno Fornari (Ford Carretera)
Chico Landi e Christian Heins (FNM/ JK 2000)
Ítalo Bertão e Orlando Menegaz (Chevrolet Carretera)
Justino de Maio e Vitório Azzalim (Chevrolet Carretera)
Camilo Christófaro e Eduardo Celidônio (Chevrolet Carretera)
Luiz Pereira Bueno e Luiz Terra Smith (Interlagos Mark I)
Abílio Diniz e Alcides Diniz (Alfa Romeo GTA)
Bird Clemente e Nílson Clemente (Maverick)
Affonso Giaffone, Zeca Giaffone e Chico Serra (Opala Stock Car)
Fausto Wajschensberg, Vicente Corrêa e Valdir Silva (Passat Hot Car)
Reynaldo Campello, Maurizio Salla e Zeca Giaffone (Opala Stock Car)
Paulo Gomes e Fábio Sotto Mayor (Opala Stock Car)
Zeca Giaffone e Walter Travaglini (Opala Stock Car)
Luiz Alberto Pereira e Marcos Gracia (Opala Stock Car)
Zeca Giaffone, Luiz Pereira e Walter Travaglini (Opala Stock Car)
Zeca Giaffone e Walter Travaglini (Opala Stock Car)
Carlos Alves e José Dias (Opala Stock Car)
Klaus Heitkotter, Jurgen Weiss e Mark Gindorf (BMW M3 2300)
Antonio Hermann, Franz Konrad e Franz Prangemeier (Porsche Carrera)
Wilson Fittipaldi e Christian Fittipaldi (Porsche NSR 911)
Wilson Fittipaldi, Antonio Hermann e Franz Konrad (Porsche 993)
André Lara Resende, Roberto Keller e Roberto Aranha (Porsche 911)
Nelson Piquet, Johnny Cecotto e Steve Soper (McLaren GTR)
Tom Stefani, André Grillo e Júlio Fernandes (Protótipo AS Vectra)
Jair Bana, Beto Borghesi e Luciano Borghesi (Protótipo Aldee Spyder)
Regis Schuch, André Lara Resende, Max Wilson e Flávio Trindade (Porsche GT3)
Regis Schuch, Flávio Trindade e Raul Boesel (Porsche GT3)
Ingo Hoffmann, Xandy Negrão, Ricardo Etchenique e Fernando Nabuco (Porsche GT3)
Angelo Lancellotti, Fabrizio Gollin e Stefano Zonca (Dodge Viper GTS-R)
Xandy Negrão, Xandynho Negrão, Guto Negrão e Giuliano Losacco (Audi TT DTM)
Nelson Piquet, Nelsinho Piquet, Hélio Castroneves e Cristophe Bouchut (Aston Martin)
* A prova de 1997 foi realizada em Brasília e a de 1999, em Curitiba.
49
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
50
É dada a largada!
Canteiro de obras de Interlagos, no meio da década de 1930
Chico Landi, ídolo
da torcida paulista,
durante evento em Interlagos
Nascimento Júnior, vencedor da
primeira corrida
no novo autódromo
51
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
Corrida de RomiIsettas, na década de
1950, patrocinada
pelo clube da RomiIsetta
Os pequenos carros contornam a Curva 1, inclinada
O vencedor
(desconhecido) recebe a
bandeirada. As fábricas
de automóvris usavam a
pista para testes
52
É dada a largada!
Largada da primeira Mil Milhas Brasileiras, em 1956, ao estilo “Le Mans”
Catharino Andreatta e Breno
Fornari, vencedores da Mil Milhas
de 1956
Emerson reabastecendo seu carro,
na Mil Milhas de 1966. Repare no
adesivo do Rato colado no veículo
53
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
Disputa entre Marivaldo
Fernandes (Alfa n° 45) e
Moco (Fusca n° 2)...
...durante a 250
Milhas de Interlagos
em dezembro de
1965...
...em que José
Carlos Pace foi
o terceiro
54
É dada a largada!
Amigos desde a infância, José Carlos Pace, Wilsinho e Emerson Fittipaldi,
descansam durante prova em Interlagos
55
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
56
O primeiro pit stop
Capítulo 2
O primeiro pit stop
Muito utilizado pela indústria automobilística brasileira como
laboratório na década de 1960, Interlagos sofreu com a grave
crise que atingiu o setor em 1966. Fábricas como DKW-Vemag,
Willys e Simca, que mantinham equipes que disputavam campeonatos regulares, fecharam seus times, o que diminuiu consideravelmente o número de corridas. O autódromo paulistano,
desde sua inauguração, carecia de instalações básicas como banheiros, arquibancadas e local apropriado para a imprensa. Além
disso, a segurança não era o forte do local, já que a pista não
contava com áreas de escape e acabava, literalmente, em barrancos. Esses fatores, aliados à diminuição das corridas, levaram
Interlagos a sua primeira grande reforma. No final de 1967 o
autódromo foi fechado para obras, que corrigiram esses problemas, e ainda contou com um novo asfaltamento para a pista, e
novas instalações elétricas.
Depois da reforma, Interlagos foi reaberto em 1970, e provas
internacionais foram disputadas no circuito. Etapas da Fórmula Ford e Fórmula 2 aconteceram em São Paulo pela primeira
vez, e deram a aprovação que faltava para que, finalmente, uma
57
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
corrida de Fórmula 1 pudesse ser realizada na cidade.
Na América do Sul, apenas a Argentina já contava com uma
etapa do mundial. Desde 1971, o país vizinho fazia parte do
circo da Fórmula 1. Graças aos esforços do ex-piloto Antonio
Carlos Scavone, de Emerson Fittipaldi e do apoio decisivo da
Rede Globo, o Brasil era incluído no calendário da temporada
de 1972 da Fórmula 1.
Porém, a corrida marcada para o dia 30 de março, seria uma
etapa extra-campeonato. Não valeria pontos nem para o mundial de pilotos, nem para o de construtores. Ela tinha a missão
específica de mostrar ou não se o Brasil tinha condições de sediar
um Grande Prêmio de Fórmula 1. Ao final da corrida, nem a
decepção pela quebra de Emerson Fittipaldi, quando liderava,
nem a “raiva” pela presença de um argentino, Carlos Reutemann,
no lugar mais alto do pódio, conseguiu tirar a alegria das 225 mil
pessoas que assistiam à corrida e que ajudaram a confirmar
Interlagos como sede de uma etapa da principal categoria do
automobilismo mundial.
O test-drive
A etapa brasileira do campeonato de Fórmula 1 de 1972
já começava com importantes desfalques. Por não valer pon58
O primeiro pit stop
tos para a classificação, alguns pilotos e equipes decidiram
não viajar. Jackie Stewart, então campeão do mundo, havia
pedido US$ 50 mil para disputar o GP Brasil. Porém, a Tyrrell,
sua equipe, já tinha decidido disputar apenas provas que
valessem pelo campeonato. A Surtees e a Ferrari, que chegou
a confirmar a participação do belga Jacky Ickx e do suiço
Clay Regazzoni, cancelaram suas presenças pelos mesmos
motivos. A McLaren foi outra equipe que preferiu não correr
em Interlagos. Por liderar o campeonato, a equipe inglesa
achou por bem continuar na Europa e, assim, evitar quebras
desnecessárias.
Dessa forma, dos 22 pilotos que disputavam o campeonato daquele ano, apenas 12 estariam presentes no GP. Mas
ainda havia tempo para mais problemas. O carro de JeanPierre Beltoise, da equipe BRM, apresentou falhas e ele, que
havia marcado o sexto tempo nos treinos classificatórios, teve
que assistir à corrida sentado no muro.
Dos onze carros alinhados no grid de largada, quatro eram
guiados por brasileiros. Luís Pereira Bueno estreava na Fórmula 1 com seu March 711 na quinta fila, em décimo. José
Carlos Pace, o Moco, largava uma posição a frente, também
com um March 711. Wilson Fittipaldi Jr., o Wilsinho, era o
terceiro, com um Brabham BT-33. Mas a maior alegria dos
brasileiros foi ver Emerson Fittipaldi largar na pole position,
59
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
com seu fantástico Lotus-72D, ao marcar 2min32s363 no
dia anterior. Ele, que já tinha uma vitória na carreira, era a
maior esperança de vitórias dos brasileiros.
Assim que foi dada a largada, Wilsinho pulou na frente
do argentino Carlos Reutemann, que tinha largado em segundo, e do irmão Emerson, assumindo a primeira posição
na corrida. Na Curva 1, o March de Henri Pescarolo foi o
primeiro a apresentar problemas. Na curva seguinte, era a
vez de José Carlos Pace abandonar a prova. Na Curva 4, mais
um carro quebrado. Dessa vez, o de Peter Gethin, com a bomba de gasolina emperrada.
Com apenas oito carros na pista, Wilsinho fechou a primeira volta de uma corrida de Fórmula 1 em Interlagos
liderando, seguido pelo irmão Emerson e por Reutemann.
Em quarto aparecia o sueco Ronnie Peterson, à frente de
David Walker e Helmuth Marko. Nas últimas posições, o
brasileiro Luís Pereira Bueno e o espanhol Alex Soler-Roig.
Na terceira volta, o carro de Wilsinho começou a dar
mostras de que não suportaria se manter em primeiro, e
no fim do retão ele foi ultrapassado por Emerson. Ele ainda conseguiu segurar Reutemann até a Curva do Sol, e
Peterson até a Junção, levando o carro ao máximo, mas
acabou sendo ultrapassado, caindo para a quarta posição.
Emerson abriu uma boa vantagem, e logo se aproximou
60
O primeiro pit stop
do BRM de Alex Soler-Roig, o primeiro dos retardatários.
Mas ele nem precisou se preocupar, já que o carro do espanhol parou na Curva do Laranja, com problemas no carburador. Com a vantagem de Fittipaldi, as emoções da
corrida ficam mesmo para a disputa pela segunda colocação entre Reutemann e Peterson.
Com apenas sete carros na pista, um problema previsto
por Andréa de Adamich, piloto da Surtees, que apenas
assistia à prova, se confirmou. Poucos carros disputavam
a corrida em uma pista longa, de quase 8 km. Isso fez com
que a distância entre um carro e outro fosse muito grande, e trouxesse uma certa monotonia à prova.
Depois de uma parada nos boxes com problemas de
pneu, Peterson voltou atrás de Wilsinho, na quarta posição. Na Subida do Lago, uma bela disputa pela terceira
posição manteve o piloto brasileiro na frente. Mas na reta
oposta o motor mais forte do sueco o ajudou a assumir a
terceira colocação.
Na 30ª volta, Emerson estava com 18 segundos de vantagem sobre Carlos Reutemann, e recebeu ordem dos boxes para diminuir o ritmo e só administrar a vantagem.
Mas ele começou a sentir problemas no carro. Duas voltas
depois, ao entrar na Ferradura, o Lotus que dirigia quase
levantou a roda traseira do chão. Emerson diminuiu e le61
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
vantou a mão esquerda para avisar quem vinha atrás que
estava com problemas. Ele conseguiu controlar o carro por
quase toda a pista, mas pouco antes de entrar na Reta de
Chegada, o seu Lotus rodou com problemas na suspensão traseira e, ao trazê-lo de volta, o retardatário Marko
Helmuth quase bateu nele. Emerson conseguiu levar o
carro até os boxes. Ali ele abandonava a prova na frente
do público, que assistia silencioso à sua maior esperança
deixar a corrida com um carro que não conseguia mais
andar em linha reta. Um mecânico da equipe, aos constatar a gravidade do problema na suspensão do Lotus, se
mostrou surpreso pelo fato de Fittipaldi ter conseguido
guiá-lo até os boxes.
Carlos Reutemann aproveitou a desistência de Emerson, e assumiu o primeiro lugar, que manteria até o fim da
corrida. Na 37ª volta, o argentino recebeu a bandeirada, e
se tornou o primeiro vencedor do GP Brasil de Fórmula 1.
Era também sua primeira vitória na categoria, ainda que
não valesse pontos para o Mundial. No pódio, o argentino
se mostrou muito emocionado durante uma entrevista a
repórteres da revista Placar. “Vencer uma corrida, diante
de um público assim, mais de 200 mil pessoas, é o mesmo
que vencer uma prova válida pelo Mundial. Só lamento
ter vencido por causa de uma quebra do Emerson, mas
62
O primeiro pit stop
corrida é assim mesmo”, declarou Reutemann. Atrás dele
chegou o sueco Ronnie Peterson, que ganhou o público
com sua forma agressiva de pilotar, e o brasileiro Wilsinho
Fittipaldi. Outro brasileiro que completou a prova, Luís
Pereira Bueno, terminou em sexto. Foi o último a cruzar a
linha de chegada.
O GP do Brasil de 1972 sofreu com a falta de organização. Muita gente andava tranqüilamente pelos boxes, mesmo sem credenciais. Ainda assim, Emerson e seu pai, Wilson, que na época era o administrador do autódromo, chegaram a ser barrados. A violência com que alguns policiais
agiram para controlar pequenas confusões também foi um
ponto negativo. Mas nem isso foi suficiente para impedir
que Interlagos fosse aprovado. E essa foi a maior vitória
do automobilismo brasileiro. Sediar uma etapa do Mundial de Fórmula 1 era fazer parte da elite. O traçado de
Interlagos, considerado um dos mais técnicos e seguros
do mundo, era perfeito para uma disputa de carros tão
velozes. Com muitas variações de curva, de alta e de baixa
velocidade, grandes retas e muitos pontos de ultrapassagem, o circuito encantou os pilotos. E foi assim, com uma
pista perfeita, mas com alguns problemas de organização,
que a partir de 1973 o GP Brasil passou a integrar o calendário oficial da temporada de Fórmula 1.
63
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
Agora vale!
A temporada de 1973 da Fórmula 1 começava com uma
disputa particular. A batalha entre Jackie Stewart e Emerson
Fittipaldi para mostrar quem era o melhor piloto da época.
Stewart já era bicampeão mundial (1969 e 1971), e Emerson
tinha acabado de conquistar o seu primeiro título, no ano
anterior. Na primeira etapa do campeonato de 1973, na Argentina, Emerson levou a melhor. Venceu a corrida, e ainda
viu “o escocês voador”, como Stewart era conhecido, terminar em terceiro. Grandes rivais nas pistas, os dois eram muito
amigos fora delas. Moravam próximos na Suíça e jogavam
partidas de críquete juntos.
Outra boa batalha era mais brasileira. Wilsinho Fittipaldi
e José Carlos Pace, muito conhecido pelo apelido Moco, “lutavam” pelo posto de segundo principal piloto do país na
categoria. Depois de uma temporada sem muitos resultados,
Wilsinho agora era o piloto número dois da Brabham, junto
com Carlos Reutemann. Na etapa da Argentina, chegou em
sexto, marcando seu primeiro ponto na Fórmula 1. Já Moco,
que marcou três pontos na temporada anterior, agora corria
pela Surtees, mas não teve sorte na primeira corrida do ano.
Abandonou na décima volta, com problemas de suspensão.
Esses eram os maiores atrativos da primeira corrida oficial
64
O primeiro pit stop
de Fórmula 1 em Interlagos. Que traria ainda mais alegria
aos brasileiros.
Grid completo
Novamente, quatro brasileiros alinhariam no grid de largada. Naquele 11 de fevereiro de 1973, os termômetros marcavam 32°C, o que preocupava alguns pilotos. Dessa vez,
Emerson não era o pole position. Ele foi superado pelo sueco
Ronnie Peterson, agora seu companheiro na Lotus. Jackie
Stewart, seu maior adversário, largaria apenas na oitava posição. Moco era o sexto na ordem de largada, e Wilsinho o 11°.
Luís Pereira Bueno largava em último, na 20ª posição.
O calor insuportável trazia o medo de que uma pancada
de chuva pudesse cair em Interlagos durante a prova. Isso
fez com que alguns pilotos se prevenissem com pneus de
chuva. Minutos antes da largada, porém, o medo não se confirmou, e todos largaram com pneus Slic, lisos. Uma multidão de 100 mil pessoas lotava o autódromo, e era refrescada
por quatro caminhões pipa que, a mando da prefeitura, jogavam água no pessoal. Situação que ocasionou uma história engraçada. Ao ver os caminhões jogando água nas pessoas, K. T. Tyrrell, dono da equipe que levava seu nome, disse a
65
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
um interlocutor: “Eles estão se comportando. Por que a repressão?”. Era de se entender a dúvida do inglês, já que o
Brasil vivia em plena ditadura militar. A primeira prova oficial
de Fórmula 1 no país era uma festa, e teve direito até à apresentação da Esquadrilha da Fumaça.
Com os carros prontos, foi dada a largada. Para delírio da
multidão que assistia a corrida, Emerson fechou a primeira
volta em primeiro, seguido por Moco. Logo, Rato, apelido de
Emerson, abriu vantagem. Moco foi ficando para trás e já na
segunda volta foi ultrapassado por Stewart. O carro de Pace
começou a cair de produção, e o piloto brasileiro foi perdendo posições. Na oitava volta ele abandonou, com problemas
na suspensão do seu Surtees. Uma pena, já que ele havia
largado excepcionalmente bem, pulando da sexta para a segunda posição. Wilsinho também enfrentou problemas com
o seu Brabham. Na manhã da corrida, durante os treinos, ele
tinha sido obrigado a trocar de motor, que pifou. Na corrida
a falha se repetiu, e ele teve que desistir do GP Brasil.
Enquanto isso, na frente, a vantagem de Emerson era cada
vez maior. Na 30ª volta, Rato já tinha 17 segundos de vantagem sobre Jackie Stewart, que nem aparecia mais com seu
carro azul no retrovisor de Emerson. A vitória brasileira parecia garantida, mas a experiência da corrida do ano anterior
pedia precaução do piloto e da equipe. Três voltas mais tar66
O primeiro pit stop
de, o boxe da Lotus começou a se agitar. Os pneus de Emerson apresentavam muito desgaste devido ao calor, e se ele
precisasse entrar para trocá-los, a derrota seria iminente.
Faltando duas voltas para o fim da corrida, e com a certeza de que mais nada poderia tirar a vitória de Emerson, Colin
Chapman, lendário dono da Lotus, estava em pé, na pista,
esperando pela passagem do piloto brasileiro. Quando contornou a Junção, e entrou na reta dos boxes, Emerson ergueu uma das mãos, já demonstrando toda a alegria pela sua
primeira vitória em um GP do Brasil. Logo após o Lotus negro ultrapassar a linha de chegada, Chapman jogou sua boina para o alto, e pulou.
O público em Interlagos delirou com a vitória de um brasileiro e, impulsionados pelo locutor do autódromo, repetiam sem parar: “Brasil, Brasil”. Uma pequena multidão ergueu o vencedor na reta dos boxes, antes da cerimônia do
pódio.
Apesar de a vitória ter sido tranqüila, ela não foi surpreendente. A superioridade de Emerson e de seu Lotus era evidente, pelo menos para o seu maior rival. No primeiro dia de
treinos em Interlagos, Stewart já havia decretado. “Aqui será
muito difícil vencer o Emerson”. E assim foi. O piloto brasileiro liderou a prova inteira, e completou as 40 voltas em
1h43min55s. Rato terminou a corrida 13 segundos à frente
67
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
de Stewart, além de ter marcado a volta mais rápida, com
2min35s.
Apesar da vantagem clara em Interlagos, Emerson não
conseguiu vencer a sua luta individual contra Stewart no
campeonato. Ao fim da temporada, Rato viu o escocês ser
tri-campeão, 16 pontos à sua frente.
Tensão em Interlagos
A Fórmula 1, em 1974, tinha, em sua maioria, equipes
sediadas na Inglaterra. Nesse mesmo ano, uma greve de mineiros resultou em uma das maiores crises energéticas do país,
que foi obrigado a diminuir a jornada de trabalho para apenas três dias por semana para racionar energia pela falta de
carvão. Na época, quase todos os componentes de um Fórmula 1 vinham da Inglaterra. Até mesmo a Ferrari, tradicional equipe italiana, importava seus chassis da terra da Rainha. Ainda assim, a maioria dessas equipes possuía estoque
suficiente para se garantir até o GP da Espanha, o primeiro
da temporada européia e o quarto do ano. Mas e depois?
Nos bastidores do GP do Brasil daquele ano, a preocupação com a crise inglesa era tratada de forma discreta, mas não
menos nervosa. O clima nos boxes não era dos melhores,
68
O primeiro pit stop
como nos dois anos anteriores. Os chefes das grandes equipes inglesas, como Tyrrell, Lotus e McLaren, tinham uma
solução, mas preferiam adiar e desmentir até quando pudessem: a transferência da sede de suas equipes para outros países europeus.
Boatos que circulavam nos boxes de Interlagos garantiam
que Colin Chapman, chefe da Lotus, já tinha até mesmo
feito visitas à França, à procura de um bom lugar para levar
sua equipe. Todos esses problemas enfrentados pelas principais equipes do circo colaboraram para o clima nervoso que
tomava conta do autódromo paulistano. Soma-se a isso, a já
tradicional falta de organização do GP Brasil, com milhares
de pessoas andando livremente pelos boxes. O resultado foi
uma série de incidentes nos bastidores. Muitos mecânicos se
irritaram com a presença constante de repórteres e fotógrafos, e em alguns casos houve troca de socos e pontapés. O
Barão Wilson Fittipaldi foi novamente barrado, desta vez com
Wilsinho. Mesma humilhação pela qual passaram o secretário de Esportes da Prefeitura de São Paulo, e um diretor da
FIA.
Os problemas não se restringiam somente aos boxes.
Durante os treinos de sexta-feira, o carro de Richard Robarts,
um Brabham, pegou fogo na curva que antecedia a Ferradura.
69
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
Neste ano, diferente das corridas de 1972 e 1973, apenas
dois brasileiros largariam: Emerson Fittipaldi e José Carlos
Pace. E nem eles estavam muito felizes naquele fim de semana. Moco enfrentava problemas seguidos com o seu Surtees.
Com muita esperança de vencer na pista onde cresceu, ele
não conseguia ver a suspensão de seu carro funcionar direito.
Em entrevista à revista Placar, Pace desabafou. “Perdi a paciência. A culpa de tudo isso é da equipe. Só não saio dessa
porcaria por que tenho contrato”.
Emerson, agora piloto da McLaren, concentrava suas criticas nas ondulações da pista. E era seguido por muitos pilotos que se queixavam da mesma coisa. Mas nada disso impediu o Rato de marcar a pole position, e novamente ser o favorito para vencer no Brasil.
Rato, de novo!
Com Emerson largando na ponta, e Pace apenas em
12°, as atenções novamente estavam voltadas para o Rato.
Ao seu lado, na primeira fila, estava o argentino Carlos
Reutemann, que havia vencido em Interlagos dois anos
antes. Mas o verdadeiro rival de Emerson naquele ano
era Clay Regazzoni, suíço que voltava à Ferrari, equipe
70
O primeiro pit stop
que defendeu até 1972. E, como no ano anterior, a disputa da temporada também foi a disputa em Interlagos.
Em São Paulo, Emerson largou tranqüilo e se manteve
na liderança. Correu sempre na frente, e pouco teve sua
vitória ameaçada.
Naquele ano, em todas as corridas, a Marlboro oferecia o prêmio Blanc et Rouge Jo Siffert, ao piloto que mais
se destacava por sua capacidade e sangue-frio na pista.
Escolhido por um grupo de jornalistas, o prêmio ficou
com o jovem alemão Hans Stuck, que corria com um
March. Porém, mais justo seria se esse troféu tivesse sido
dado a José Carlos Pace, por sua atuação no Grande Prêmio.
Enquanto Emerson guiava tranqüilo para sua segunda vitória em Interlagos, Moco, lá atrás, corria como se
aquela fosse a prova da sua vida. Depois de um fim de
semana complicado, com muitas quebras, e reclamando
muito da equipe, parecia que Pace tinha sido ouvido pelos seus mecânicos. Fez uma prova espetacular. Foi conquistando posições volta após volta. Seu Surtees
correspondia, e os problemas de suspensão que o fizeram passar os treinos de cara fechada já não existiam mais.
De forma arrojada e com muita técnica, Moco já era o
quarto colocado, quando na 32ª volta, uma grande chu71
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
va caiu em Interlagos. Alegando falta de segurança, a direção da prova decidiu dar por encerrada a corrida naquela volta. Emerson conquistava nova vitória dentro de
casa, com uma vantagem de mais de 13 segundos sobre
Regazzoni. E Moco voltava a ficar emburrado. Ele queria
mais corrida. Tinha certeza que, nas oito voltas que faltavam, podia ultrapassar o belga Jacky Ickx, e conquistar o seu lugar no pódio.
Emerson garantia, assim, sua segunda e última vitória
em Interlagos, e partia rumo ao bicampeonato mundial,
também o seu último título. Ao final da temporada, Rato
tinha 5 pontos a mais que o suíço Regazzoni, da Ferrari,
e a torcida brasileira comemorava mais um campeonato,
fato que só se repetiria sete anos depois, em 1981, quando Nelson Piquet venceu, guiando um Brabham.
Mas não foi a última alegria dos brasileiros. Um ano
depois, em 1975, Interlagos viveria aquele que muitos
consideram o momento mais marcante da história do autódromo.
Já os problemas que tanto preocuparam os ingleses,
com a crise energética de seu país, cessaram, e nenhuma
equipe foi obrigada a trocar de sede. Mas durou o suficiente para transformar o GP Brasil daquele ano em um
dos mais nervosos da temporada.
72
O primeiro pit stop
A vitória de uma estrela
Antes do fim da temporada de 1974, José Carlos Pace já
tinha mudado de equipe. Deixou a Surtees, que por muito
tempo lhe prometeu um grande carro – o que nunca cumpriu – e assinou com a Brabham, uma equipe mais organizada e com todas as condições de lhe dar um carro rápido, seguro e confiável. O começo na nova equipe foi difícil. Em
sua primeira corrida, o GP da França, não conseguiu tempo
para se classificar. Enfrentou algumas quebras durante a temporada européia, mas conseguiu um bom quinto lugar em
Monza, onde bateu o recorde da pista, além do ótimo resultado no GP dos Estados Unidos, quando terminou em segundo, ficando atrás apenas de Carlos Reutemann, seu novo
companheiro de equipe. A dobradinha da Brabham no último GP de 1974 era um bom sinal para Moco, que agora via
chances de finalmente conseguir sua primeira vitória na Fórmula 1.
Na abertura do campeonato de 1975, na Argentina, Moco
correu de forma fantástica. Marcou o segundo tempo, mas
foi beneficiado pela desistência de Jean Pierre-Jarrier, que havia
cravado a pole position, mas não pôde largar com problemas
no carro. Não largou muito bem, e perdeu a ponta para
Reutemann. Logo recuperou a posição, mas uma rodada o
73
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
fez cair para sétimo lugar. Em pouco tempo já era o quarto,
em uma grande corrida de recuperação. Mas novos problemas no carro o fizeram perder o controle, e ele rodou novamente. Desta vez, não conseguiu voltar para a pista. Ao sair
do carro, foi calorosamente aplaudido pelo público argentino que lotava o autódromo de Buenos Aires. Como consolação, levou o prêmio de piloto mais combativo da corrida. Mas
isso era pouco para Pace, que viu o bicampeão Emerson conseguir mais uma vitória na carreira.
Com a boa corrida na Argentina, Moco mostrava que tinha condições de vencer. Ou melhor, mostrava que só não
tinha vencido ainda por uma série de outros fatores, que não
sua qualidade técnica. Sempre muito arrojado, já havia conseguido um milagroso quarto lugar em Interlagos em 1974,
com seu Surtees bem abaixo dos carros concorrentes. Pace
conhecia o autódromo paulistano como poucos, e agora tinha um carro competitivo. Moco seguia para Interlagos com
um só pensamento: a vitória.
A primeira dobradinha
Durante todo o fim de semana do GP Brasil de Fórmula 1
de 1975, José Carlos Pace foi o piloto que mais vezes levou
74
O primeiro pit stop
seu carro ao boxes para ajustes; foi sempre o primeiro a chegar, e o último a sair. Sua dedicação ao carro e à pista era
exemplar, e deixava clara a sua vontade de vitória. “No GP
do Brasil ele conseguiu acertar o carro perfeitamente. O meu
pai acertava o carro pelo barulho do motor”, conta Patrícia
Pace, filha do piloto.
Mas naquele ano, como em anteriores, as atenções estavam voltadas para Emerson Fittipaldi. Até por certa lógica.
Emerson era um piloto consagrado, bicampeão mundial, que
corria numa equipe de ponta – a McLaren – e já tinha vencido em Interlagos duas vezes. Cerca de 150 mil pessoas se
apertavam nas arquibancadas, e se fosse perguntado a cada
uma delas o motivo de estarem ali, seriam 150 mil respostas
iguais: queriam acompanhar mais uma vitória de Fittipaldi
em casa.
Mas o GP daquele ano tinha outros atrativos. Pela primeira vez, os brasileiros poderiam acompanhar de perto o maior
projeto do país na Fórmula 1, o Copersucar-Fittipaldi, a primeira equipe brasileira de Fórmula 1, fruto da coragem e da
persistência de Wilsinho Fittipaldi, que também o guiava
pelas pistas mundo afora. Depois de uma estréia desastrosa
na Argentina, onde o carro se incendiou, Wilsinho sabia que
já seria muito bom terminar a corrida em São Paulo.
Além dos destaques brasileiros, a corrida daquele ano ti75
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
nha também a presença da surpreendente Shadow, guiada
por Jean Pierre-Jarier, carro muito rápido nas retas, e com uma
aderência impressionante, que permitia uma velocidade muito
boa nas curvas.
A rapidez da Shadow se confirmou, e Pierre-Jarier marcou
a pole position, seguido por Emerson Fittipaldi e Carlos
Reutemann. Moco largaria em sexto, e Wilsinho apenas na
vigésima primeira posição.
“Ele estava confiante, falou com o pai - já falecido na época - em um sonho, e ele o avisou que precisava de uma estrela
de cinco pontas pra vencer”, revela Elda Pace, esposa de Moco,
que no dia da corrida teve de ligar para uma tia do piloto, a
pedido dele, para que ela arrumasse a estrela de cinco pontas. “Essa tia que ele adorava e fazia tudo por ele conseguiu
essa estrela”, relembra Elda.
A largada foi perfeita para Pace, que pulou da sexta para a
terceira posição. Em poucas voltas já tinha ultrapassado
Carlos Reutemann e assumido a segunda colocação. Fez uma
corrida perfeita, com o carro bem ajustado, sem errar uma
curva, e sempre muito rápido. Mas não o bastante para ameaçar a primeira posição de Pierre-Jarrier, que se mantinha tranqüilo na frente. Sempre tirando o máximo do seu Brabham,
Moco conseguiu abrir vantagem de Emerson, que vinha atrás
em terceiro. Até que, na 32ª volta, a sorte que por muitas
76
O primeiro pit stop
vezes o abandonou, agora o carregaria no colo. O Shadow de
Pierre-Jarier começou a apresentar problemas na bomba de
gasolina, e ele foi obrigado a abandonar a prova.
Com a primeira colocação garantida, Moco ainda tinha
oito voltas para agüentar uma pressão que vinha de Emerson. O piloto da McLaren estava muito rápido, tirando quase 1 segundo por volta. Mas ele mesmo sabia que, para tirar a
vitória de Pace, só por uma quebra. E foi essa a estratégia de
Emerson. Ele acreditava que dessa forma faria Moco exigir
demais do carro, para manter uma vantagem de 11 segundos, e isso poderia levá-lo a uma quebra.
Mas não foi o que aconteceu. Muito bem informado pelo
boxe da Brabham, Pace manteve a calma, e apesar da vantagem ter diminuído quase pela metade, levou seu carro tranqüilo até a 40ª volta, quando, pela primeira vez, recebeu a
bandeirada da vitória. Com Emerson em segundo, a festa
brasileira ainda se completou quando Wilsinho atravessou a
linha de chegada com o Copersucar-Fittipaldi, na 13ª posição. “O Zé ganhou o GP usando a estrela. Era uma corrente
com uma estrela, que ficava por dentro do macacão, junto à
pele”, lembra a esposa do piloto.
Pela primeira vez, os brasileiros podiam comemorar uma
dobradinha em Interlagos, algo que até hoje não se repetiu.
Mas, por pouco, não viram tudo se perder. Depois da
77
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
bandeirada, os pilotos devem dar uma volta completa no circuito. Mas Pace cortou caminho pela pista que une o circuito misto ao anel externo. Isso poderia desclassificá-lo e, conseqüentemente, perderia a sua primeira vitória na Fórmula
1. Ao perceber o erro de Moco, Emerson o seguiu, por achar
que seria mais difícil a direção de prova desclassificar os dois
primeiro colocados. O alemão Jochen Mass, que tinha completado a prova em terceiro, também os seguiu, e isso tornou
a punição inviável.
“A vitória do Pace em 1975 é um marco de Interlagos. E
foi legal porque foi uma dobradinha, a primeira no Brasil. Foi
a prova concreta de que o que se fez no automobilismo brasileiro na década de 1960, aquilo que foi meio empírico, sem
planejamento, sem nada, era o caminho que o automobilismo brasileiro deveria ter seguido, com participação das
montadoras e corrida multimarcas”, observa o jornalista Flávio Gomes.
Para o colunista Roberto Brandão, a vitória de Moco foi
um dos grandes momentos do esporte, pelo piloto ser muito
carismático e querido na época, além do fato de ter Emerson
Fittipaldi na segunda posição. “Eram festas genuínas, espontâneas, de gente de todos os perfis e que gostavam de automobilismo”, lembra ele.
A festa brasileira estava garantida. A vitória merecida de
78
O primeiro pit stop
Pace foi muito comemorada. Com lágrimas nos olhos, abraçou sua mãe, dona Amélia, e sua esposa, Elda. No pódio, ao
lado de Emerson, mal conseguiu controlar a emoção de ver
tantas pessoas nas arquibancadas gritando seu nome. Aquela seria a única vitória de Pace na Formula 1. Elda conta que,
nas entrevistas que Pace dava após a corrida, ele fazia questão de demonstrar toda a alegria de ter vencido em casa, na
pista onde aprendeu a correr. Entre lágrimas, ele repetia sem
parar: “Agora eu posso morrer feliz”, conta Elda. “Ele falava
para as pessoas: ‘pelo menos o meu primeiro objetivo eu consegui, que era ganhar no Brasil’”, relata a esposa.
“Em 75 estava lá o Pace em primeiro e o Emerson em segundo, em uma corrida de Fórmula 1. Dez anos antes os
caras estavam correndo de Gordini, de Willis, de carro de
800cc. Essa, então, foi a consagração de uma geração, de um
caminho que o automobilismo brasileiro adotou e que poderia ter seguido e renderia muito mais hoje”, analisa Gomes.
Entre 1972 e 1975, São Paulo, e todo o Brasil, acompanharam em Interlagos os grandes momentos da história do
automobilismo nacional. A estréia da Fórmula 1 em 1972, as
duas vitórias seguidas de Emerson e a dobradinha PaceFittipaldi em 1975 marcaram o período romântico do circuito.
Em 1976, o Grande Prêmio do Brasil abriu a temporada.
79
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
Era a primeira vez que Emerson correria no país pilotando o
carro da família. Seu companheiro de equipe na CopersucarFittipaldi era Ingo Hoffmann, jovem talento, que mais tarde
se tornaria o maior vencedor da principal categoria do automobilismo nacional, a Stock Car. Emerson largou na quinta
colocação, mas enfrentou problemas com o motor Ford, e
terminou apenas em 13°. Hoffmann terminou duas posições
à sua frente, enquanto José Carlos Pace ficou em décimo. O
vencedor da corrida foi o austríaco Niki Lauda, da Ferrari,
que terminaria o campeonato em segundo, atrás apenas de
James Hunt, da McLaren.
No ano seguinte, José Carlos Pace era apontado por todos
como um dos favoritos na disputa do título. Além do bom
piloto que todos já conheciam, Moco vinha de bons resultados com seu Brabham-Alfa Romeo na pré-temporada. As previsões se confirmaram com o bom segundo lugar na Argentina, prova que abriu o campeonato de 1977. Pace chegou confiante ao GP Brasil daquele ano, e marcou o quinto tempo
nos treinos oficiais. Depois de uma boa largada, Moco liderou parte da prova, quando na 33ª volta, foi tocado por James
Hunt, que tentava ultrapassá-lo, e teve que entrar no boxe.
Pace voltou à pista, e começou a andar muito rápido. Mas
rodou na curva 3 e teve que abandonar a prova. Carlos
Reutemann, então na Ferrari, venceu. Emerson foi o quarto
80
O primeiro pit stop
colocado e Hoffmann o sétimo.
De forma melancólica, Moco se despedia de Interlagos.
Após o GP da África do Sul daquele ano, Pace sofreu um
acidente aéreo que lhe custou a vida. Deixou a esposa Elda,
que o acompanhava em todas as corridas, e dois filhos,
Rodrigo e Patrícia. Além de uma legião de fãs.
O austríaco da Ferrari, Niki Lauda, ganharia seu primeiro
título no final da temporada 1977.
O ano de 1978 passou sem Fórmula 1 em Interlagos. O
GP Brasil foi transferido para o autódromo de Jacarepaguá,
no Rio de Janeiro. A vitória foi novamente de Carlos
Reutemann, seguido por Emerson Fittipaldi, naquele que
seria o melhor resultado da Copersucar-Fittipaldi em sua breve história.
A Fórmula 1 voltou a São Paulo em 1979. Empolgado com
a segunda colocação de Fittipaldi no ano anterior, no Rio, o
público paulista novamente lotou as arquibancadas do circuito. Além de Emerson, outro brasileiro alinhava no grid de
largada. Nelson Piquet, futuro tricampeão mundial, guiou
pela primeira vez em Interlagos com o seu Brabham.
A expectativa criada em torno de Rato não se confirmou,
e ele acabou a corrida apenas em 11°. O jovem Piquet foi
obrigado a abandonar, depois de um acidente na quinta volta. Nesse ano, Interlagos assistiu ao domínio dos carros da
81
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
Ligier. Os bólidos franceses guiados por Jacques Laffite e
Patrick Depailler marcaram o primeiro e o segundo tempos
no treino de classificação. Laffite liderou a corrida de ponta a
ponta, marcou a volta mais rápida (2min28s760) e viu seu
companheiro chegar logo atrás. A superioridade no circuito
paulista, porém, não se confirmou no restante da temporada, que teve o sul-africano Jody Scheckter, da Ferrari, como
campeão.
Em 1980, Nelson Piquet era a grande esperança brasileira
de vitória em Interlagos. Tinha conquistado um segundo
lugar no GP da Argentina, que abriu o campeonato, e contava com um carro muito bom. Além dele, o finlandês Keke
Rosberg, em seu primeiro ano na categoria, tinha chegado
em terceiro em Buenos Aires, guiando o Fittipaldi. A equipe
brasileira não contava mais com o patrocínio da Copersucar,
e havia se transferido para a Inglaterra, a fim de baratear os
custos.
Novamente, as expectativas não se confirmaram, e a corrida foi frustrante para a torcida brasileira. Piquet se envolveu
em um acidente, e abandonou na 15ª volta. Os carros de
Emerson e Rosberg não tiveram um bom desempenho, e o
finlandês terminou em nono, enquanto o Rato foi apenas o
15°. A vitória ficou com o francês René Arnoux, da Renault.
O australiano Alan Jones, da Williams, foi o campeão em
82
O primeiro pit stop
1980, e Nelson Piquet, da Brabham, o vice.
Sem verbas para atender as exigências da FIA, a Prefeitura de São Paulo abriu mão de organizar o GP Brasil de 1981
em Interlagos. A cidade do Rio de Janeiro tinha de volta o
evento que havia promovido apenas em 1978. Entre 1981 e
1989, o Grande Prêmio brasileiro foi disputado na CidadeMaravilhosa, no Autódromo de Jacarepaguá. Em 1990 foi a
vez da prefeitura carioca não contar com verbas suficientes, e
a Fórmula 1 voltar para o seu palco original, Interlagos, que
havia passado por grandes mudanças no traçado.
O F-1 tupiniquim
A história de construtores de automóveis na família
Fittipaldi já era de sucesso. Wilsinho e Emerson já tinham se
aventurado nessa área, e haviam criado carros de competição
como os de Fórmula Vê e o Fitti-Porsche. Mas dessa vez, o
plano era muito mais ousado. Ao final da temporada de 1973,
cansado de tentar encontrar patrocinadores, Wilsinho decidiu colocar em prática um idéia que tinha desde 1971: construir o primeiro Fórmula 1 brasileiro. “Era a hora certa”, conta ele.
Para se tocar um projeto desses, a primeira preocupação
83
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
que aparece é sempre a mesma: era preciso dinheiro. Com a
ajuda de uma agência de publicidade, a idéia foi vendida para
a Copersucar, Cooperativa dos Produtores de Açúcar. Wilsão,
que estava engajado no projeto do filho, foi apresentado a
Volnei Atala, presidente da cooperativa. Ele conta, no livro ‘A
Saga dos Fittipaldi’, do jornalista Lemyr Martins, que o empresário logo o atendeu, com uma exigência. “Não quero
anúncio de mais ninguém no carro. Exijo exclusividade”, disse
Atala ao Barão. Além disso, ele exigiu que o nome da equipe
fosse Copersucar. Depois de muita conversa, Wilsão finalmente o convenceu a aceitar o nome Copersucar-Fittipaldi.
Com o patrocínio inicial de US$ 800 mil, Wilsinho se trancou em sua oficina em frente ao portão 3 do Autódromo de
Interlagos, junto com o engenheiro Roberto Divila, para dar
início ao projeto.
Alguns problemas foram contornados com a ajuda da
Embraer. A empresa era a única que tinha um túnel de vento
no país, essencial para os primeiros testes aerodinâmicos do
carro. Depois de analisarem o projeto, os diretores da estatal
concordaram em colaborar com a empreitada de Wilsinho.
“Nós tínhamos dificuldades de todos os tipos, como, por
exemplo, na importação de materiais. Necessitávamos de
quinze chapas de alumínio para a carroceria, e quando pedíamos o orçamento às firmas inglesas, logo perguntavam:
84
O primeiro pit stop
‘quantas toneladas? ’”. Para isso, novamente a Embraer foi
importante. A empresa fornecia o material na quantidade
necessária. Além de alumínio, outros materiais eram adquiridos com a empresa, como o argônio para a solda. “Um projeto como esse não seria possível sem a Embraer”, lembra
Wilsinho.
Durante o projeto, sem a ajuda dos computadores de hoje,
foram gastos dezoito quilos de papel vegetal para os desenhos do bólido. O carro tinha entre suas principais características a preocupação com a segurança do piloto. No Fitti-1,
como era chamado o carro pelos brasileiros, o piloto ficava
com a cabeça quinze centímetros abaixo da altura máxima
da barra anticapotagem. Além disso, o modelo já contava com
banco feito de material incombustível, diferente dos carros
de grandes equipes como a Ferrari, a Tyrrell e a Brabham. O
bólido brasileiro também contava com outra novidade: pontos frontais de absorção de impactos. “Naquela época, era
bater de frente e morrer”, conta Wilsinho.
Em novembro de 1974, onze meses depois do início do
projeto, pela primeira vez um carro brasileiro de Fórmula 1
andava em Interlagos. O FD-01 (Fittipaldi-Divila) se comportou normalmente naquele primeiro teste. “Foi uma super
emoção. Quando eu saí do boxe a primeira vez foi uma emoção enorme. Era eu quem estava dirigindo. Não andamos
85
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
muito rápido no primeiro dia, e o carro foi bem. Do segundo
dia em diante, nós começamos a andar mais e aí fomos corrigindo os problemas que apareciam. Eram algumas coisas
pequenas, algumas grandes, que é normal de um carro que
acabou de nascer. Todo Fórmula 1 é assim, você vai pra pista
e mexe depois num monte de coisa”, lembra Wilsinho, emocionado.
A temporada de estréia do Copersucar-Fittipaldi, 1975, foi
muito difícil. A primeira corrida, na Argentina, acabou antes,
depois de enfrentar problemas. O único carro da equipe, dirigido por Wilsinho, sofreu um acidente e pegou fogo. Nada de
mais grave aconteceu ao piloto. Das 14 provas da temporada,
além da Argentina, Wilsinho também se acidentou na Áustria. Chegou em 13° no Brasil, 24° na Espanha, 12° na Bélgica,
17° na Suécia e na Alemanha, 11° na Holanda, 19° na França e
na Inglaterra, e em décimo nos Estados Unidos, melhor colocação do carro brasileiro na temporada. Nos GPs da África do
Sul e de Mônaco, Wilsinho não conseguiu classificação. Além
desses, o piloto não participou do GP da Itália.
Em 1976, a equipe passava a contar com a presença de um
bicampeão mundial no volante, Emerson Fittipaldi. Volnei
Atala, presidente da Copersucar, foi quem primeiro sugeriu a
presença de Rato na equipe. Naquela época, Emerson estava
prestes a renovar seu contrato com a McLaren, uma das maio86
O primeiro pit stop
res equipes do circo da Fórmula 1. Mas Atala insistiu em ter a
presença de Emerson, que era simpático ao projeto. Wilsinho
confessa que tentou demover o irmão da idéia, pois poderia
ganhar outros campeonatos. “Ele com certeza perdeu a chance
de ser tricampeão. Mas era também um objetivo dele. Então,
hoje, eu não acho que a decisão dele tenho sido errada. Ele viu
que o carro estava num nível bom, e entrou de cabeça no projeto”.
A estréia de Emerson a bordo do carro da família foi em
Interlagos. Ele largou em sétimo, e chegou em 13°. Além dele,
a equipe agora contava também com Ingo Hoffmann no outro carro.
Em mais uma temporada difícil, Emerson conquistou o
primeiro ponto da equipe no campeonato no GP dos Estados
Unidos-Oeste. Rato terminou a prova em sexto. Porém, foi no
GP da Bélgica, quinta etapa da temporada, que o Fittipaldi
sofreu o primeiro grande revés. Emerson marcou apenas o 27°
tempo na classificação, insuficiente para colocar o carro no grid
de largada. Pela primeira vez, 14 vitórias e 2 títulos depois,
Emerson não tinha tempo para se classificar. Um clima de velório se estendeu pelo boxe da equipe.
Em mais um ano difícil, a Fittipaldi terminou a temporada
1976 em 11ª, entre as 13 equipes que disputaram o campeonato, com apenas três pontos. Emerson terminava o seu pior
87
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
ano na Fórmula 1, em 17° colocado.
Durante toda sua existência, a equipe sofreu com a desconfiança da imprensa e dos torcedores brasileiros. “Eu diria que
95% da imprensa brasileira achava que aquilo que a gente estava fazendo era uma loucura. Eles não entendiam de Fórmula 1,
entendiam de futebol. E iam cobrir corrida de Fórmula 1. Aí só
dava confusão. A imprensa realmente nos atrapalhou muito nos
últimos anos”, reclama Wilsinho.
A resposta aos críticos veio em 1978, no GP do Brasil, disputado em Jacarepaguá. Mesmo com um carro inferior aos demais,
Emerson levou seu Fittipaldi ao segundo lugar, depois de largar
em sétimo. “Foi ótimo, foi magnífico. Você chegar em segundo
lugar aqui no GP Brasil é magnífico. Aí a imprensa ficou calada.
Esperaram muito tempo por algum resultado ruim para começarem outra vez”, garante Wilsinho.
O bom resultado no Rio de Janeiro não se repetiu mais. A
equipe terminaria em sétimo lugar naquele ano, e em 12° no
seguinte.
Em 1980, a Fittipaldi já não tinha mais o patrocínio da
Copersucar. Agora, seus carros eram pintados com o amarelo da
Cervejaria Skol. Além disso, contava com um futuro campeão
mundial, o finlandês Keke Rosberg, em seu cockpit. Esse foi
também o último campeonato de Emerson na Fórmula 1. Nesse ano, a equipe terminou a temporada na sétima posição, junto
88
O primeiro pit stop
da Arrows e da grande McLaren e, surpreendentemente, à frente das temíveis Ferraris.
No ano seguinte, a Skol foi vendida à Brahma, que anunciou
o fim do patrocínio à equipe. Sem dinheiro, a equipe amargou a
última posição entre os construtores, sem marcar ponto, algo
que não acontecia desde 1975, ano de estréia da Fittipaldi.
A persistência de Wilsinho ainda levou a equipe a disputar
mais uma temporada, agora com Chico Serra pilotando. Novamente os resultados não apareceram, e a Fittipaldi se despediu
da Fórmula 1 no GP de Las Vegas, nos Estados Unidos.
Em seus oito anos de existência, a Fittipaldi correu em 104
GPs e conquistou 43 pontos. Comparada com outras equipes
consideradas médias/pequenas na Fórmula 1, a Fittipaldi conseguiu bons resultados:
Fittipaldi – Brasil – 104 GPs (1975-1982): 43 pontos
Hesketh – Inglaterra – 52 GPs (1974-1978): 42 pontos
Lola-Ford – Inglaterra – 75 GPs (1962-1993): 40 pontos
Minardi – Itália – 325 GPs (1985-2005): 39 pontos
Ensign – Inglaterra – 99 GPs (1973-1982): 19 pontos
Dallara – Itália – 78 GPs (1988-1992): 15 pontos
Osella – Itália – 132 GPs (1980-1990): 7 pontos
AGS – França – 91 GPs (1980-1991): 2 pontos
Zakspeed – Alemanha – 54 GPs (1985-1989): 2 pontos
89
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
Por isso, hoje, a imprensa não vê mais o projeto de Wilsinho
como piada. “Fazer uma equipe de Fórmula 1 é um negócio
difícil. É difícil hoje, e era difícil 30 anos atrás. Os valores
eram outros, muito mais baixos, lógico, mas a dificuldade
existia. A imprensa atrapalhou, e prejudicou na captação de
recursos. Mas hoje a história da Copersucar-Fittipaldi é de
sucesso”, afirma Gomes.
O jornalista Rodrigo Mattar concorda com Gomes. “A falta de resultados foi decorrência da tremenda pressão que a
imprensa ‘especializada’ da época fez em cima do Emerson e
do Wilsinho. A Fittipaldi teve engenheiros e projetistas excepcionais, mas nada deu certo. Por que? Porque todo mundo cobrava resultados imediatos. Faltou paciência e um pouco de planejamento. Mas entramos para a história, porque o
Fittipaldi tornou-se o único carro de F-1 construído fora do
continente europeu”.
O sonho de Wilsinho e da família Fittipaldi já fazia parte
do passado. O que sobrara eram dívidas monstruosas de cerca de US$ 7,5 milhões (cerca de US$ 20 milhões com valores
corrigidos hoje). Mesmo em uma época em que não se gastava muito, o orçamento do último ano da equipe era de US$
3,5 milhões. Pouco, comparado com os valores gastos por
equipes como a Ferrari hoje, que tem um orçamento anual
próximo de US$ 400 milhões. Algo que Wilsinho considera
90
O primeiro pit stop
prejudicial para a competição. “Eu acho que foi muito ruim
pra Fórmula 1. Somente 3 ou 4 equipes conseguem ter esse
dinheiro. Eu acho que a competição deveria voltar com um
regulamento técnico muito mais voltado ao piloto, ia ganhar
mais do que estar nessa situação de hoje em dia. Deveria ser
menos tecnológico”.
Fora das pistas desde então, hoje Wilsinho se concentra
em seu estaleiro para a construção de iates, a Fittipaldi Iates,
sediada em Angra dos Reis, litoral do Rio de Janeiro. Apenas
torce por seu filho, Christian, que participa do Campeonato
Brasileiro de Stock Car V8.
Emmo, o desbravador
Emerson Fittipaldi nasceu em 12 de dezembro de 1946,
na cidade de São Paulo. Filho do Barão Wilsão Fittipaldi,
grande incentivador do automobilismo brasileiro, sempre teve
a velocidade como maior paixão. Acompanhava o pai radialista nas transmissões de corridas pelo país sempre que podia.
Teve o primeiro contato com o circuito de Interlagos aos
9 anos, ao andar de carona na carretera do gaúcho José Asmuz
durante o intervalo da Mil Milhas Brasileiras de 1956. Foi
91
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
mecânico do irmão Wilsinho em corridas de kart, e sempre
se mostrou muito detalhista. Estreou nas competições pilotando motos. No começo, competia escondido dos pais.
Emerson se revelou um grande piloto guiando os Fitti-Vê,
carros de Fórmula Vê construídos por ele e pelo irmão. Foi
para a Europa em 1969, disputar o campeonato de Fórmula
Ford. Vendeu tudo que tinha para pagar os US$ 20 mil no
carro que usou para correr. No mesmo ano, passou a andar de
Fórmula 3 Inglesa, e já se mostrava um grande piloto. Venceu nove das onze corridas da temporada, e foi campeão logo
em seu primeiro ano. Ao final de 1969, recebeu o primeiro
convite para disputar o campeonato de Fórmula 1. Frank
Williams o queria como segundo piloto. Emerson recusou,
esperando uma proposta da Lotus.
Em 1970 estreou na Fórmula 2, último passo para se chegar à Fórmula 1. Nessa competição enfrentou grandes pilotos, que disputavam a Fórmula 1 na época. Como a
premiação da Fórmula 2 era muito alta, alguns pilotos da
Fórmula 1 como Graham Hill, Jackie Stewart e Jack Brabham
disputavam as provas dessa categoria. Emerson se mostrou
muito veloz, e em 19 de julho daquele ano, realizou o sonho
de qualquer piloto. Atraiu a atenção de Colin Chapman, e
neste dia, estreou na Fórmula 1, no tradicional circuito de
Brands Hatch, com um Lotus 49C. Largou em penúltimo, e
92
O primeiro pit stop
andava rápido quando um problema na quarta marcha o
impediu de conseguir um resultado melhor do que o oitavo
lugar. Uma boa colocação para um estreante que corria com
um carro quatro anos mais velho do que o dos principais
concorrentes. Na corrida seguinte, em Hockenheim, na Alemanha, marcou seus primeiros pontos na Fórmula 1, com
um quarto lugar. No GP da Itália daquele ano, um acidente
resultou na morte do seu companheiro de Lotus Jochen
Rindt, que liderava o campeonato. A primeira vitória de Emerson veio logo em seu primeiro ano na Fórmula 1. Depois da
Lotus não disputar o GP do Canadá em luto pela morte de
Rindt, a equipe voltou para as pistas nos Estados Unidos. A
vitória de Emerson na etapa americana valeu também o campeonato a Rindt, que, mesmo morto, não podia ser alcançado por mais ninguém.
A temporada de 1971 foi de bons resultados, mas nenhuma vitória. No campeonato vencido pelo lendário Jackie
Stewart, Emerson terminou em sexto. O seu grande ano,
porém, estava por vir. 1972 começou com problemas na suspensão do seu Lotus, e ele abandonou em Buenos Aires. A
primeira vitória de Emerson naquele ano viria apenas no terceiro GP, o da Espanha. Venceu também na Bélgica, na Inglaterra e na Áustria. Chegou a Monza, na Itália, precisando
apenas do quarto lugar para garantir o campeonato com duas
93
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
provas de antecedência. Mas a sorte parecia não estar ao lado
de Rato naquele fim de semana. O caminhão que transportava os Lotus sofreu um acidente, que destruiu parte dos
carros. Depois de muito trabalho, alcançou o sexto lugar no
grid de largada. Mas ainda não tinha acabado. Meia hora antes
da volta de apresentação, um vazamento de gasolina foi constatado por um mecânico. O tanque teve que ser trocado às
pressas. O carro, surpreendentemente, se comportava muito
bem, mas Emerson optou pela prudência. Foi premiado por
muitas quebras nos carros à sua frente, e a nove voltas do
final, assumiu a liderança depois do motor da Ferrari de Jacky
Ickx não suportar o ritmo da prova. Venceu em Monza, e ali
conquistou o seu primeiro título de campeão mundial de
Fórmula 1. Emerson também era o mais jovem piloto a alcançar o topo da categoria máxima do automobilismo, com
24 anos 8 meses e 29 dias. Recorde batido apenas em 2005
pelo espanhol Fernando Alonso, que tinha 24 anos e 56 dias
quando foi campeão.
Em 1973, Emerson disputava sua última temporada pela
Lotus. As três vitórias na temporada (inclusive no Brasil) não
foram suficientes para lhe dar um novo campeonato, que
nesse ano ficava novamente com o escocês Jackie Stewart.
No ano seguinte, Rato recebeu boa proposta da também
inglesa McLaren. Aceitou, e logo na segunda corrida pela
94
O primeiro pit stop
equipe, em Interlagos, venceu. Neste ano, venceu também
na Bélgica e no Canadá. Chegou aos Estados Unidos na disputa pelo título com o suíço Clay Regazzoni, da Ferrari. Largou em oitavo, ao lado do rival, em nono. Ao longo da corrida, o suíço enfrentou muitos problemas, que o fizeram cair
para o 13° lugar. Emerson se manteve concentrado, e nas voltas finais, o locutor de Watkins Glen, local da primeira vitória de Rato na Fórmula 1, repetia nos microfones: “Fittipaldi
é o quarto. Fittipaldi é o campeão mundial”. Emerson se segurou nesta posição, numa corrida tranqüila. Ao final das 59
voltas, a pista era tomada por brasileiros que estavam no local para comemorar o bicampeonato mundial de Emerson
Fittipaldi.
A temporada de 1975 foi mais complicada para Rato. Apesar da vitória na Argentina e do segundo lugar no Brasil, a
McLaren não rendeu o que era esperado. E no dia 19 de julho de 1975, Emerson conquistava a sua última vitória na
Fórmula 1, no GP da Inglaterra.
No ano seguinte, seguiu o irmão Wilsinho, e entrou de
cabeça no projeto da Copersucar-Fittipaldi. Poucos resultados e muitos problemas o fizeram abandonar as pistas de
Fórmula 1 em 1980.
O amor pela velocidade, porém, não o deixou ficar longe
das corridas por muito tempo. Aos 37 anos estreou na Fór95
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
mula Indy, categoria de muito sucesso nos Estados Unidos.
Em 1989, aos 43 anos de idade, Emmo, como era chamado
pelos americanos, alcançou mais uma proeza. Era o primeiro
piloto nascido fora dos Estados Unidos a vencer o campeonato de Fórmula Indy. Nesse mesmo ano, Emerson venceu
pela primeira vez a 500 milhas de Indianápolis, umas das mais
tradicionais e difíceis corridas do mundo, feito que se repetiria em 1993.
No dia 28 de julho de 1996, no veloz autódromo de
Michigan, Emerson guiava pela última vez um Fórmula Indy.
Depois de largar em sexto, foi tocado na roda traseira por
Greg Moore ainda na primeira volta. O Penske dirigido por
Emmo se desgovernou, e ele se chocou contra o muro do
circuito a 320 km/h. Com o pulmão perfurado pelas costelas,
Emerson foi atendido no local e transferido para Miami, onde
passou por uma cirurgia de quatro horas. Fragmentos de ossos foram tirados da sua medula. O acidente quase o deixou
paraplégico.
Em 1997, novo acidente quase tira a vida de Emerson. O
ultraleve que ele pilotava com o filho Luca, na época com 7
anos, caiu de uma altura de quase 100 metros, próximo à sua
fazenda em Araraquara, interior de São Paulo. Os dois foram
resgatados cerca de 11 horas e meia depois. O piloto, com
fraturas na segunda vértebra lombar, quase perdeu os movi96
O primeiro pit stop
mentos da perna.
Na Fórmula 1, categoria em que foi bicampeão (1972 e
1974), Emerson disputou 144 GPs, entre 1970 e 1980. Foram 14 vitórias, 6 pole positions e 281 pontos conquistados.
Na Indy, foi campeão em 1989, e entre 1984 e 1996, disputou 195 corridas, com 22 vitórias, 17 pole positions e uma
premiação estimada em US$ 14,2 milhões.
97
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
98
O primeiro pit stop
Pilotos assumem seus lugares no grid de largada do GP Brasil de 1972
O argentino Carlos Reutemann,
com seu Brabham branco,
vencedor do primeiro Grande
Prêmio de Fórmula 1 em
Interlagos
Wilsinho recebe
o seu trófeu pelo
3° lugar no GP
de 1972
99
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
Colin Chapman, dono da Lotus, saúda Emerson Fittipaldi na
linha de chegada do GP de 1973
K. T. Tyrrell, em 1973:
“Eles estão se
comportando. Por que a
repressão?”. Era só o
calor mesmo
Emerson
gruda na
traseira de
Jack Ickx.
Na curva
seguinte, ele
já tinha
passado
100
O primeiro pit stop
Emerson, já na McLaren, ultrapassa Ronnie Peterson, da Lotus, no GP
Brasil de 1974. O brasileiro terminaria a corrida em primeiro, em sua
segunda, e última, vitória em casa
Moco, com seu Brabham branco n° 8, durante o Grande Prêmio do Brasil de
1975. Foi a única vitória de Pace na Fórmula 1. Dois anos depois, ele
faleceria em um acidente aéreo.
101
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
Wilsinho Fittipaldi pilotando o carro que construiu, na estréia da equipe
Copersucar-Fittipaldi, no GP da Argentina de 1975
Emerson testa o Copersucar-Fittipaldi em Interlagos
102
O primeiro pit stop
Emerson Fittipaldi,
com seu elegante
macacão da Lotus, o
primeiro brasileiro
campeão mundial de
Fórmula 1
103
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
104
O segundo pit stop
Capítulo 3
O segundo pit stop
No final de década de 1970 e começo da década de 1980,
Interlagos sofreu com a concorrência do Autódromo de
Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, para a realização do GP Brasil
de Fórmula 1. Até que, em 1978, as autoridades cariocas conseguiram realizar em sua cidade, pela primeira vez, uma corrida de Fórmula 1. Porém, em 1979, a prova voltou para
Interlagos. Após a corrida de 1980, entretanto, a Prefeitura de
São Paulo não conseguiu reunir as verbas suficientes para a
realização do GP na cidade, e abriu mão do evento. A prefeitura carioca, então, aproveitou-se da oportunidade e, em 1981, o
GP do Brasil de Fórmula 1 era disputado novamente na Cidade-Maravilhosa.
“Foi um período de ostracismo e ninguém mais pensava
em Fórmula 1 no Autódromo de Interlagos. GP Brasil era em
Jacarepaguá e acabou. Os pilotos adoravam o Rio de Janeiro”,
diz Flávio Gomes.
No entanto, durante esse período de “ostracismo”,
Interlagos viu nascer a Stock Car, que hoje se tornou a principal categoria do automobilismo brasileiro. “Atualmente, na
105
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
Stock Car, temos freqüentemente mais de 30 carros dentro
do mesmo segundo no grid de largada, que mostra a
competitividade e o equilíbrio da categoria”, analisa o piloto
Ingo Hoffmann (a título de comparação, a diferença nos tempos entre o pole position e o 18° colocado, na classificação do
GP Brasil de Fórmula 1 de 2005, foi de aproximadamente 3
segundos).
Outro momento marcante deste período vivido por
Interlagos foi a alteração do nome do circuito para Autódromo Internacional José Carlos Pace, no dia 26 de dezembro de
1985, em homenagem ao piloto que venceu o GP Brasil de
1975, com Emerson Fittipaldi em segundo lugar, fazendo a
primeira dobradinha brasileira na Fórmula 1, e morreu em 1977,
em um acidente aéreo. “Eu achei a homenagem que fizeram
pra ele a mais certa possível, porque apesar do Pace nunca ter
sido campeão mundial de Fórmula 1, ele chegou a vencer uma
corrida de Fórmula 1 e era um piloto fantástico, era um piloto
realmente muito bom.”, afirma Hoffman.
Stock Car: domínio do “Alemão”
Paralelamente à mudança da sede do GP Brasil de Fórmula
1, o país via nascer a Stock Car no ano de 1979. A primeira
106
O segundo pit stop
corrida aconteceu no Autódromo de Tarumã no dia 22 de abril.
O piloto vencedor foi o paulista Affonso Giaffone Júnior, que
venceu as duas provas seguintes em Guaporé (RS) e Interlagos.
O corredor também ficou com o 1º lugar na sexta etapa daquele ano, realizada em Brasília.
Apesar das quatro vitórias de Giaffone Júnior, o campeão
da primeira temporada da Stock Car foi o também paulista
Paulo Gomes. O piloto venceu as outras duas provas que foram realizadas em Interlagos no ano de estréia da categoria. A
partir da segunda temporada, o campeonato viu surgir um mito
do automobilismo brasileiro, Ingo Hoffmann. O corredor conquistou 12 vezes o título da Stock. “Graças a Deus eu ganhei
uma porrada de campeonatos e sou recordista de tudo: campeonatos (12), vitórias (77), poles positions (60), melhores
voltas. Enfim, de tudo”, comemora o piloto.
Um exemplo da carreira vitoriosa de Ingo: em Interlagos
ele terminou 25 vezes na primeira colocação. “Interlagos pra
mim é tudo: lá eu comecei e eu pretendo, quando parar de
correr, terminar a minha carreira lá. Aquele autódromo tem
um significado muito especial pra mim, porque é como se fosse parte da minha casa, do meu quintal, eu conheço coisas lá
que ninguém conhece. Eu fico meio assim quando vejo aquele pessoal (organização da Fórmula 1) que chega lá, passa o
fim de semana e vai embora no domingo a noite, achando que
107
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
está em casa e na verdade está na casa dos outros”, explica o
“Schumacher” da Stock.
“Mais ou menos um ‘Schumacher da Stock’, mas não dá pra
comparar, porque a Stock Car não se compara à Fórmula 1, que
é extremamente mais difícil, mais competitiva. São carros muito velozes, muito rápidos, o piloto tem que ser fantástico pra
dirigir um carro desses hoje em dia”, conta Hoffmann.
Atualmente a Stock é a categoria mais importante do cenário interno do automobilismo brasileiro. Como conta o super
campeão, isso se deve a um trabalho realizado no fim da década
de 1990. “Entre 1979 e o finzinho dos anos 1990, a categoria
passou por muitas fases, cheias de altos e baixos, mas chegou a
um ponto que víamos que não ia crescer, porque tinha muitos
erros de regulamento, de equipamentos que a gente usava e de
estratégia”, revela Hoffmann.
Para mudar esse caminho que a categoria seguia, Hoffmann,
Paulo Gomes e Carlos Col (promotor da Stock) criaram uma
associação de pilotos, que teve como primeiro presidente Wilson Fittipaldi Júnior e depois Hoffmann. “Iniciamos o trabalho
conversando com a General Motors (patrocinadora da competição), que havia tirado o patrocínio, e nós trouxemos a empresa
de volta. Depois conseguimos mudar para o chassis tubular,
com um motor de seis cilindros em linha”, lembra o piloto.
Wilsinho Fittipaldi, atualmente chefe de uma equipe da
108
O segundo pit stop
Stock Car, foi um dos envolvidos na revitalização da categoria
ao ser o primeiro presidente da associação de pilotos. “Foi um
trabalho de muitos anos, que se fez da Stock Car, então é um
trabalho que vem vindo, melhorando, até que entrou nessa fase
muito boa”.
De acordo com o piloto Chico Serra, tricampeão da Stock,
atualmente a categoria tem um nível técnico muito alto, concentrando as melhores equipes e os melhores pilotos do país. “É
comparável com qualquer categoria mundial”, analisa Chico.
“Todo esse trabalho que foi feito nela, de promoção e projeção
deu, uma alavancada muito grande. Ainda falta um pouco nesse aspecto, em termos de trabalho promocional, mas ela está no
caminho certo e, sem dúvida, está muito bem”, completa o piloto, que passou duas vezes pela categoria: de 1986 a 1990 e de
1996 até hoje
“Mais adiante, nós trouxemos os motores V8 e alcançamos
essa realidade, que é tudo igual pra todo mundo, qualquer um
pode comprar o seu chassis, pode comprar o seu motor e no
primeiro ano ser competitivo, inclusive ganhando corrida. Está
muito competitivo e é isso o que interessa: um show para o
público”, narra Hoffmann.
A partir da temporada 2005, a Stock alcançou outra marca
histórica, ao se tornar uma categoria multimarca. Pela primeira
vez, os carros da Chevrolet, representados pelo modelo Astra,
109
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
teriam um adversário: os Mitsubishi Lancer.
“Ninguém podia imaginar que a categoria chegasse ao ano
de 2006 tão forte como ela está agora”, conta o maior campeão
da Stock. Em 2006, o principal campeonato do automobilismo
nacional continuou crescendo e se tornou ainda mais forte com
a entrada de uma terceira marca de carros, a Volkswagen, com o
modelo Bora. Em 2007, vislumbrando um futuro ainda maior, a
Stock receberá a quarta marca de carros. A Peugeot vai disputar
o campeonato com o seu modelo 307.
Wilsinho define o campeonato como a “maior categoria do
automobilismo nacional, com o melhor retorno”.
Modelos de carros da categoria:
1979 a 1986 - Opala
1987 a 1989 - Carenagem Caio/Hidroplas
1990 a 1993 - Protótipo Opala
1994 a 1999 - Omega
2000 a 2003 - Vectra
2004 - Astra Sedan
2005 - Astra Sedan e Mitsubishi Lancer
2006 - Astra Sedan, Mitsubishi Lancer e Volkswagen Bora
2007 - Astra Sedan, Mitsubishi Lancer, Volkswagen Bora e
Peugeot 307
110
O segundo pit stop
Os campeões da Stock Car
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Paulo Gomes
Ingo Hoffmann
Afonso Giaffone
Alencar Jr.
Paulo Gomes
Paulo Gomes
Ingo Hoffmann
Marcos Gracia
Zeca Giaffone
Fábio Sotto Mayor
Ingo Hoffmann
Ingo Hoffmann
Ingo Hoffmann / Ângelo Giombelli
Ingo Hoffmann / Ângelo Giombelli
Ingo Hoffmann / Ângelo Giombelli
Ingo Hoffmann
Paulo Gomes
Ingo Hoffmann
Ingo Hoffmann
Ingo Hoffmann
Chico Serra
Chico Serra
Chico Serra
Ingo Hoffmann
David Muffato
Giuliano Losacco
Giuliano Losacco
111
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
Com o nome do mito
No dia 26 de dezembro de 1985, o Autódromo de
Interlagos mudou de nome para Autódromo Internacional
José Carlos Pace, em uma justa homenagem ao vencedor do
GP Brasil de 1975, que morreu em um acidente aéreo em
1977. “Achei muito legal, ele era um cara que merecia, era
uma cara super simples, super legal e eu acho que foi merecido, era um super piloto”, diz o piloto Chico Serra, que recebeu um troféu em uma corrida de kart das mãos de Moco.
José Carlos Pace era filho de uma família italiana. “O pai
dele não falava português, só italiano”, lembra a esposa Elda
Pace, que explica o apelido do marido. “Em italiano, Moco é
quando a pessoa fica mexendo muito no nariz, e ele fazia
muito isso”, conta a esposa, que revela outros dois apelidos
do piloto: Dunga e Bolinha.
“Dunga que é surdo e mudo. Ele era muito quieto, não
falava quase, era um homem muito tímido, então o amolavam: ‘O Dunga abre a boca, fala’. E Bolinha porque ele era
gordo, pesava cento e tantos quilos antes de começar a correr. Ele era bem gordo”, conta Elda.
Carlos Pace, como era chamado o piloto, nasceu em 6 de
outubro de 1944 e durante algum tempo correu usando apenas o pseudônimo Moco, escondendo da família e da então
112
O segundo pit stop
namorada Elda a paixão pelo automobilismo. “Eu lembro que
eu estava namorando com ele e uma vez ele apareceu com
esse carro inteiro sem banco, com o Santo Antônio em cima
e eu não sabia nem o que era isso. Ele me falava: ‘esse aqui
que é Santo Antônio’, mas o que é isso, eu perguntava, e ele
não queria me falar que ia correr, porque eu ia ficar brava”,
descreve a esposa.
A carreira de Moco no automobilismo teve início em 1963,
nas provas de turismo. “Aqui no Brasil ele só fez kart e turismo, o automobilismo dele foi totalmente diferente, foi carro
fechado, ele não fez nenhuma Fórmula aqui”, explica Elda,
contando que a primeira corrida de Pace foi em Interlagos
com o próprio carro, um DKW branco. “Eu vou correr de
automóvel, vou entrar em uma prova em Interlagos e eu vou
disputar com o meu carro”, revelou o piloto para Elda.
Pace teve um início promissor no automobilismo e em 1970
foi para a Europa, juntamente com Emerson e Wilsinho
Fittipaldi, seguir carreira. “Desde pequenos eles sempre foram amigos, eram praticamente vizinhos. O Emerson morava pertinho da gente (na Inglaterra) nessa época, depois ele
foi morar na Suíça”, diz a esposa do piloto. No Velho Continente, Moco se estabeleceu em Attleborough, em Norwich,
sede da famosa escola de pilotagem de Jim Russell, da qual
foi aluno, e da equipe Lotus. Na estréia na Europa, o piloto
113
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
sagrou-se campeão inglês de Fórmula 3, quebrando vários
recordes.
No ano seguinte, Pace venceu o GP de Ímola de Fórmula
2 e conseguiu, ao mesmo tempo, uma vaga na equipe de protótipos da Ferrari para a próxima temporada e um lugar na
Fórmula 1. Pela equipe italiana, o melhor resultado de Carlos
Pace foi o segundo lugar na 24 Horas de Le Mans. “Ele correu com um piloto americano e um belga. Nessa época alguns pilotos da Fórmula 1 correram a 24 Horas de Le Mans”,
afirma Elda.
Já pela categoria máxima do automobilismo mundial,
Moco estreou pela ainda modesta equipe Williams, que utilizava os fracos carros da March, geralmente os últimos colocados. Apesar da inferioridade técnica, Pace conseguiu mostrar toda sua categoria e capacidade e pontuou duas vezes,
terminando a temporada no 16º lugar, com três pontos. “Ele
era arrojado com o carro, ele ia pra cima, não tinha medo,
tinha alguns pilotos que eram assim”, conta a esposa.
Em 1973, o piloto se transferiu para a equipe de John
Surtees, campeão do mundo em 1964 com um Ferrari, e seguiu sua ascensão na Fórmula 1. Terminou a temporada com
sete pontos, no 11º lugar, tendo conquistado um quarto lugar no GP da Alemanha e um terceiro no GP da Áustria. Graças aos bons resultados, o respeitado anuário Autocourse clas114
O segundo pit stop
sificou Pace como o quarto melhor piloto do mundo no ano,
perdendo apenas para os principais nomes da época: Jackie
Stewart, Ronnie Peterson e Emerson Fittipaldi.
No meio da temporada de 1974, Moco trocou a Surtees
pela famosa Brabham, de Bernie Ecclestone, hoje presidente
da FOM (Formula One Management), entidade que controla os interesses comerciais da Fórmula 1. O piloto encerrou o campeonato em 12º lugar, com 11 pontos. “Ele correu
em dupla com o Carlos Reutemann”, lembra Elda. No ano
seguinte veio o momento mais importante da carreira de Pace:
a primeira e única vitória na Fórmula 1, no GP do Brasil, em
Interlagos. “Depois que ele ganhou, ele falava ‘agora eu posso morrer feliz’. Ele falava para as pessoas: ‘pelo menos o meu
objetivo que era ganhar no Brasil eu consegui’”, relata Elda.
Foi a melhor temporada do piloto na Fórmula 1, que marcou
24 pontos e terminou na 6ª colocação.
Em 1976, Moco não conseguiu repetir o bom desempenho do ano anterior e teve como melhores resultados dois
quatros lugares nos GPs da França e Alemanha. No Brasil, o
Brabham de Pace não teve o mesmo desempenho de 1975 e
o piloto terminou a prova apenas na décima colocação. Mesmo assim, mostrou toda sua habilidade e terminou a temporada à frente do companheiro de equipe Carlos Reutemann.
Pace terminou na 14ª colocação, com sete pontos, duas posi115
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
ções e quatro pontos de vantagem sobre o argentino.
A temporada de 1977 não poderia ter começado melhor
para Pace. Conquistou um segundo lugar no GP da Argentina, após largar em décimo, na abertura do campeonato. Com
o resultado, Moco, que já era considerado favorito devido aos
testes da pré-temporada, aumentava a expectativa da torcida brasileira em ter novamente um campeão mundial.
“Ele quase ganhou na Argentina, mas teve um problema
com o calor. Na hora que ele passou o piloto Jody Scheckter,
na última volta, ele desmaiou dentro do carro. Scheckter recuperou a posição e o Zé terminou em segundo. Ele chegou
no hospital desmaiado, não sei como ele conseguiu parar. A
consciência dele parou o carro, porque ele ia bater. Ele foi
indo devagar e, desmaiando, parou o carro. Quando todo
mundo chegou ele estava desmaiado dentro do carro. Essa
corrida ele ia ganhar”, recorda a esposa.
Mantendo o favoritismo, Pace teve um começo final de
semana excelente no Brasil, na segunda prova da temporada. Nos treinos classificatórios, o piloto marcou o quinto tempo. Na corrida, apesar de liderar a prova por algumas voltas,
teve que abandonar a disputa com problemas no carro.
Na terceira prova da temporada, na África do Sul, Moco
repetiu o bom desempenho nos treinos e conseguiu a segunda posição do grid de largada. Mas novos problemas com o
116
O segundo pit stop
carro durante a corrida lhe valeram apenas um 13º lugar ao
final da prova. Quis o destino que essa fosse a última corrida
da vida do piloto.
De passagem pelo Brasil, José Carlos Pace sofreu um acidente a bordo de um avião que ia rumo a Araraquara, interior
de São Paulo, para a fazenda do amigo Marivaldo Fernandes,
que também estava na aeronave. Poucos minutos depois de
levantar vôo do Campo de Marte, o monomotor PP-EHR caiu
e morreram Moco, Fernandes e o piloto do avião Carlos
Roberto de Oliveira.
“Ele e o carro estavam bem. O carro estava super bem
preparado. Esse era o momento exato pra ele continuar. Quando o carro dele melhorou, foi quando ele morreu. Talvez se
ele tivesse pego os melhores carros na mão, ele já teria sido
campeão mundial”, diz Elda.
Piquet, o campeão do Planalto
Ao mesmo tempo em que surgia a Stock Car no país, o
Brasil viu nascer seu segundo campeão mundial de Fórmula
1, Nelson Piquet. O piloto sagrou-se campeão nos anos de
1981, 1983 e 1987.
Carioca de nascimento, Nelson Piquet Souto Maior pas117
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
sou boa parte da infância em Brasília. Na capital federal iniciou a carreira no kart aos 14 anos. Na categoria foi bicampeão
brasileiro em 1971 e 1972. A partir de 1974, o carioca começou sua trajetória nos carros de Fórmula, na recém-criada
Fórmula Super Vê. “Era uma Fórmula nova, que estava sendo introduzida no Brasil, uma categoria de carros
monopostos, com motores 1600cc da Volkswagen. Nesse ano
estreou na categoria o Piquet, eu, o Júlio Caio, Alfredo
Guaraná Menezes e outros pilotos muito bons”, conta Ingo
Hoffmann.
Em 1976, Piquet adicionou mais um título ao currículo
ao vencer a Super Vê, com Alfredo Guaraná Menezes ficando com o vice-campeonato. No ano seguinte, o carioca foi
correr na Europa, em uma temporada que foi de puro aprendizado, e que lhe valeu o terceiro lugar no Campeonato Europeu de Fórmula 3. Em 1978, o caminho dos títulos voltou
a ser trilhado. Com 13 vitórias nas 17 etapas da Fórmula 3
Britânica, superou a marca anterior, do tricampeão de Fórmula 1 Jackie Stewart, além de estabelecer o recorde de sete
vitórias seguidas.
Com os resultados no Campeonato Inglês, as portas da
principal categoria do automobilismo mundial se abriram
rapidamente para Piquet. Ainda em 1978, ele participou de
quatro corridas na Fórmula 1. A estréia foi no GP da Alema118
O segundo pit stop
nha pela equipe Ensign, e as três seguintes na McLaren.
Mostrando grande apuro técnico, o piloto foi contratado
pela Brabham em 1979, onde permaneceu até 1985. Na equipe inglesa, Piquet foi vice-campeão mundial de Fórmula 1
em 1980 e campeão da competição nos anos de 1981, contra
o argentino Carlos Reutemann, e 1983, vencendo a disputa
com Alain Prost e René Arnoux. Nesse mesmo ano, Piquet
deu mais uma alegria aos brasileiros, ao vencer o GP Brasil de
Fórmula 1 (em Jacarepaguá) oito anos depois da última vitória de um brasileiro no país (Pace em 1975, em Interlagos).
Depois de sete anos na Brabham, Piquet foi contratado
pela Williams em 1986. Começou bem na nova equipe e venceu a primeira prova da temporada, o GP do Brasil, com
Ayrton Senna chegando na segunda posição, dobradinha
brasileira que não acontecia em uma corrida no país desde
1975, com Pace e Emerson.
Em 1987, em uma temporada dominada pela equipe
Williams, Piquet disputou o título corrida a corrida com o
companheiro de equipe, o inglês Nigel Mansell. Com uma
seqüência melhor de resultados, o carioca levou a melhor e
conquistou o terceiro título mundial de Fórmula 1 da carreira. Nos dois anos seguintes, defendendo a equipe Lotus,
Piquet não conseguiu manter os bons resultados e se viu longe
da briga pelo tetra.
119
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
No começo da década de 1990, o carioca se transferiu para
a italiana Benetton, onde ficou até encerrar sua carreira na
Fórmula 1, no final da temporada de 1991. Antes de parar de
correr na principal categoria do automobilismo, Piquet conquistou o terceiro lugar no campeonato de 1990.
Afastado da Fórmula 1, o piloto optou por correr a 500
Milhas de Indianápolis, pela equipe Menards em 1992. No
entanto, um grave acidente nos treinos impediu sua participação na prova. Piquet sofreu traumatismo craniano, uma
lesão torácica e fraturas múltiplas nas pernas e nos pés. Ele
tentou participar da Indy 500 novamente no ano seguinte,
mas uma falha mecânica acabou com suas chances na prova.
Terminava ali a carreira profissional do tricampeão da Fórmula 1, que desde então corre apenas em provas de carros de
turismo, por prazer.
“A apunhalada no traçado antigo”
No final dos anos 1980, com a Fórmula 1 estabelecida no
Rio de Janeiro, os organizadores da categoria se viram diante
de um problema depois de uma sessão de testes. “Um piloto
capotou o carro durante um teste e ficou aleijado. O atendimento médico foi muito ruim, a segurança da pista estava
120
O segundo pit stop
péssima e como o Rio de Janeiro não tinha dinheiro para reformar a pista, a Fórmula 1 ia sair do Brasil”, lembra Flávio
Gomes.
Diante da possibilidade de perder a prova, era necessária
uma solução de emergência. Os organizadores do evento
decidiram tirar a corrida de Jacarepaguá e trazê-la de volta
para o Autódromo de Interlagos. “A única exigência da FIA
pra manter a Fórmula 1 aqui era que tivesse um traçado compatível com o que a Fórmula 1 exigia”, conta Gomes.
O traçado de Interlagos não atendia às necessidades da
Fórmula 1 na época. Era muito grande, carecia de segurança
e tornava difícil a transmissão pela TV. Com todos esses problemas, a única solução seria reformar o circuito, para atender às reivindicações da Fórmula 1 moderna.
“O primeiro projeto foi idealizado pelo Chico Rosa (engenheiro, chefe de equipe nos anos 60 e administrador de
Interlagos) e era muito melhor do que esse que foi aplicado.
Ele mantinha as curvas 1 e 2. No final do retão, fazia uma
chicane, que cortava a velocidade totalmente, daí ele descia,
não ia até a Ferradura, cortava o gramado e ia pro Laranja,
fazia o Laranjinha, o miolo e voltava. Então o autódromo ia
cair pra uns 5 km e pouco, 6 km talvez, talvez nem isso, e o
traçado antigo ia ser totalmente preservado”, explica o jornalista.
121
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
Entretanto, a concepção de Chico Rosa não foi aceita pela
FOCA (Formula One Constructor’s Association), detentora dos direitos da Fórmula 1. “Aí o Ayrton Senna entrou na
parada e deu a idéia de fazer o ‘S’ no fim da reta e mudar a
saída dos boxes. Essa concepção do circuito é dele”, explica
Gomes. A variante que liga a reta dos boxes à curva do Sol
recebeu no nome de “S do Senna” em homenagem ao “criador” do novo traçado de Interlagos.
“Para a reforma, chamaram o Ayrton (Senna) pra fazer a
modificação e ele fezb exatamente pra atender um carro Fórmula 1 daquela época. Ele não imaginou que é um circuito
onde terão outras corridas de categorias diferentes, então ele
fez uma reta, freia, vira, uma reta, freia vira. Pra tentar diminuir o máximo possível a velocidade em curva, por causa de
acidentes”, conta Wilsinho Fittipaldi.
“O circuito novo foi feito pra Fórmula 1, especificamente, e ficou um traçado ridículo. Não tem desafio nenhum.
Não tem dificuldade nenhuma. Não tem uma curva rápida.
Nivela totalmente por baixo”, analisa o piloto Ingo
Hoffmann.
“Aquele ‘S’ matou o circuito antigo porque hoje, pra você
recuperar o traçado velho, precisaria fazer um estudo pra poder manter os dois traçados, o antigo e o novo. Mas eles são
incompatíveis, porque a saída de boxe hoje é no meio da reta
122
O segundo pit stop
oposta e a saída do traçado antigo teria que ser lá no antigo
retão. Teria que cruzar o ‘S do Senna’ de alguma forma. A
idéia do Senna foi meio que uma apunhalada no circuito
antigo”, critica Gomes.
“O circuito antigo era simplesmente fantástico, era magnífico, o circuito novo é um kartódromo gigante, é piada, é
brincadeira. É uma pista que não tem a mínima graça”, analisa Wilsinho.
Para o piloto Chico Serra, o prazer de dirigir era maior.
“Era um traçado muito mais completo do que ele é hoje, era
muito gostoso de guiar”. Entretanto, Serra minimiza as várias críticas que o autódromo recebe, mesmo considerando o
circuito defasado em relação às novas pistas que surgiram no
mundo. “É uma pista boa, não vejo nada que gere um problema para nós. Interlagos tem uma pista muito boa e tem
uns boxes grandes bons”, diz o piloto, que ainda acha
Interlagos a principal pista do automobilismo nacional.
Com a reforma, a pista de Interlagos diminuiu para 4.309
metros, e houve uma melhora na infra-estrutura do autódromo, com a construção de novos boxes, nova sala de imprensa, torre de cronometragem e um centro médico. “Eu acho
que mudanças mais criteriosas no antigo traçado encurtariam a pista para receber a Fórmula 1. Não precisaria ficar com
quase 8 km como era, mas também não precisava ficar com 4
123
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
km. Dava pra fazer uma coisa intermediária, de uns 5,5 km.
Algumas curvas e alguns trechos do circuito antigo deveriam
ser preservados e reaproveitados. O traçado antigo integral,
de 8 km, poderia ser usado por outras categorias”, diz Gomes.
De acordo com o mais velho dos irmãos Fittipaldi, depois
da reforma, Interlagos perdeu o título de pista mais técnica
do país. “Não tem técnica, todas as curvas que você faz, você
faz muito lento durante a curva, então se você está lento
assim, você não tem técnica, qualquer um praticamente alcança aquele limite. É muito devagar”, analisa Wilsinho.
Já o piloto Ingo Hoffman vai um pouco além para diferenciar o Autódromo de Interlagos antes e depois da reforma.
“É mais ou menos como comparar merda com geléia. O circuito antigo era geléia, era fantástico. O circuito novo é uma
merda. Não dá pra comparar, eu acho um horror, tenho pena
que a maioria dos garotos novos que estão correndo na Stock
não têm idéia do que era o autódromo antigo. Era um autódromo extremamente desafiante, que variava curvas muito
rápidas, retas longas, curvas com inclinação, você tinha de
tudo, você tinha todas as opções”, afirma piloto da Stock
Car.
“Onde corre a Fórmula 1 o foco é: baixar a velocidade,
baixar a média horária botando curvas travadas, retas curtas
124
O segundo pit stop
pros carros não poderem andar muito. E aí quando a Fórmula 1 vai embora, as categorias regionais que continuam com
aquele autódromo durante um ano inteiro sofrem”, analisa
Hoffman, que continua. “Eu acho que é isso, não dá pra comparar, é uma pena mesmo o que fizeram com o Autódromo
de Interlagos”.
“No atual traçado, as curvas ‘matam’ o movimento dos
carros, dificultando ultrapassagens e sendo pouco seletivo.
Qualquer piloto dirige no traçado atual. No antigo, o piloto
tinha de ser muito bom, especialmente nas curvas de alta e
na Ferradura, uma curva especial”, fala Roberto Brandão, lembrando de como eram as provas no traçado antigo.
“O asfalto era mais abrasivo, o que levava os pilotos a se
preocuparem com o consumo de pneus. Em todos os sentidos era um traçado completo, sem dúvida um dos melhores
do mundo e uma verdadeira escola”, conta Brandão.
A primeira em casa
De volta ao Autódromo de Interlagos em 1990, a Fórmula 1 fazia sua segunda corrida na temporada de 1991 no circuito brasileiro. Seria a oitava tentativa de Ayrton Senna conquistar uma vitória em casa. Nos anos anteriores, as melho125
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
res colocações do piloto foram um segundo lugar, em 1986,
quando fez dobradinha com Nelson Piquet no Rio de Janeiro, e um terceiro lugar na prova de 1990, em São Paulo. Mas,
desta vez, ele conseguiu.
O então bicampeão mundial da categoria começou bem
o final de semana ao surpreender as favoritas Williams de
Nigel Mansell e Riccardo Patrese. Marcou o melhor tempo
em sua última tentativa no treino classificatório de sábado,
com 1min16s392. Renascia a esperança da torcida de ver um
piloto brasileiro no alto do pódio novamente em Interlagos,
depois de 16 anos de espera – a última havia sido a vitória de
José Carlos Pace, em 1975.
No domingo, o autódromo ficou lotado, com o público
acreditando em uma vitória de Senna. Dada a largada, o brasileiro manteve a ponta, seguido de perto por Mansell, que
havia superado seu companheiro de equipe, Patrese. Graças
à superioridade da Williams, Mansell começou a se aproximar perigosamente do brasileiro, mas a estrela do brasileiro
foi mais forte aquele dia e um problema no câmbio do carro
do Leão, como o inglês era conhecido, o obrigou a parar nos
boxes. Alívio para Senna.
Entretanto, Mansell voltou à pista andando forte, tirando cerca de dois segundos por volta, e encostou novamente
no brasileiro. Mas como era dia de Senna, o Leão teve pro126
O segundo pit stop
blemas mais uma vez com o carro. Desta vez, um pneu furado obrigou o piloto da Williams a voltar para os boxes.
“Eu fui chamado pelo rádio para fazer outro pit stop, como
o Mansell, mas exatamente nesta volta fiquei sem a quarta
marcha. Se eu fosse para o boxe talvez não conseguisse voltar para a pista por causa do câmbio, então eu resolvi ir em
frente e disse para o pessoal do boxe, através do rádio, que
não iria parar. Só que aí pensei no GP do México do ano
anterior, quando falei para o boxe que iria parar e eles disseram para ir em frente. Uma volta depois o pneu estourou no
meio da pista!”, contou Senna, depois da corrida.
Como era característico de Mansell, ele retornou à pista
determinado a conquistar a vitória e recuperou o ritmo forte
das voltas que antecederam as paradas nos boxes. A chuva
havia começado a cair em Interlagos e, com a pista lisa, o
inglês rodou no “S do Senna”, deixou o motor do carro apagar e teve que abandonar a prova.
A torcida brasileira comemorou o abandono do Leão como
se fosse uma vitória. O segundo colocado então passou a ser
Patrese, também com uma Williams, mas a diferença para o
brasileiro era de aproximadamente 40 segundos. No entanto, Senna começou a andar devagar devido a um problema
na caixa de marchas de sua McLaren e o italiano passou a
andar em média três segundos mais rápido que o brasileiro.
127
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
“Estava tudo funcionando bem, mas foi só eu pensar nisso que o câmbio começou a apresentar problemas. Primeiro
foi a primeira marcha que pulava fora, obrigando-me a um
esforço grande para segurá-la, depois perdi completamente a
quarta e, faltando sete voltas para o final, perdi a terceira.
Quando faltavam duas voltas, o câmbio ficou travado em
sexta marcha, e aí eu pensei realmente que ia perder a corrida”, contou Senna. Apenas com a sexta marcha, o piloto
superou todos os limites do corpo para segurar seu McLaren
a cerca de 300 km/h, no molhado circuito de Interlagos.
Ao receber a bandeirada, Senna não conseguiu controlar
a emoção e comemorou dentro do carro com um grito de
“Eu venci! Eu venci!”. Já o chefe da McLaren, Ron Dennis,
disse logo após seu piloto cruzar a linha de chegada: “É
inacreditável”. Enquanto isso, a torcida ia a loucura, aclamando o vencedor: “E dá-lhe Senna, e dá-lhe Senna, olê, olê,
olê!”.
“Eu sabia que não tinha o melhor carro para a corrida,
confiava numa boa largada e abrir o suficiente para manter o
primeiro lugar até o final, programando ainda o pit stop. Só
não contava com os meus problemas mecânicos e físicos no
final, que quase me tiraram a vitória”, disse o brasileiro, que
parou logo após o termino da prova, na Reta Oposta, sem
forças para conduzir o carro até os boxes e tendo que ser
128
O segundo pit stop
atendido pelos médicos da Fórmula 1 ali mesmo.
“Eu nunca havia sentido tantas dores musculares em toda
minha vida. Apenas em minha segunda corrida de F1, em
1984, havia sentido dores musculares. Aqui, por causa do
esforço para virar o volante nas curvas para segurar o carro
que era empurrado para fora pela potência do motor, o meu
braço direito começou a adormecer. Depois foi o pescoço e,
para piorar ainda mais, o braço esquerdo também começou a
ficar pesado. Dentro do carro, esperando ajuda, pude pensar
nesta vitória tão importante para minha vida e nos meus
amigos que tanto me ajudaram”, revelou Senna.
No pódio, o cansaço e o desgaste do brasileiro eram evidentes. Ao receber o troféu por ter vencido a prova, não teve
forças nem para levantá-lo, precisando da ajuda de Ron
Dennis para erguer o troféu. “Quando comecei a ter problemas de câmbio, agravados pela falta de aderência dos pneus
traseiros, pensei: ‘estou tão perto de uma vitória no meu país
que agora tenho que reunir as últimas forças para ficar na
frente de Patrese’. Foi Deus que me deu as últimas forças
para conseguir controlar o carro, sem qualquer chance de freio
e motor nas curvas para terminar em primeiro”, disse. A primeira vitória do piloto correndo em casa o ajudou a conquistar o tricampeonato mundial, em 1991, com 24 pontos de
vantagem sobre Mansell. Depois da corrida, Senna, que ti129
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
nha feito 31 anos dois dias antes, comemorava a vitória sofrida como um presente de aniversário. “Se esse era o preço de
ganhar no Brasil, foi barato. Valeu!”.
Nos braços do povo
Após uma temporada frustrante em 1992, onde não passou de um quarto lugar no Mundial de Fórmula 1, Senna
tinha novamente em 1993 as Williams, agora pilotadas pelo
francês Alain Prost e pelo inglês Damon Hill, filho do
bicampeão de F1 Graham Hill, como favoritas ao campeonato.
Na primeira prova da temporada, o francês venceu na
África do Sul, com Senna em segundo. Duas semanas depois, o circo desembarcou em São Paulo, para o GP do
Brasil. A superioridade das Williams era tamanha que durante a semana que antecedeu a prova, a vitória da equipe
inglesa em Interlagos era dada como certa pela imprensa
especializada.
Nos treinos classificatórios, Prost e Hill confirmaram o
favoritismo de sua equipe e marcaram, respectivamente,
primeiro e segundo tempos para o grid de largada. A Senna,
restou largar em terceiro, o melhor que conseguiu tirar de
130
O segundo pit stop
sua McLaren. Restava apenas uma esperança para Senna
equilibrar a disputa com Prost e Hill: a chuva.
Na largada, o brasileiro conseguiu o que parecia impossível: passou Hill e se colocou entre as Williams. “A largada foi boa, mas eles (as Williams) também largaram bem.
Só sobrou uma margem pra uma tentativa ali na curva de
passar o Hill. Foi no limite. Travei a roda dianteira esquerda e ele entrou junto na curva, por fora, mas acabou sobrando e deu pra eu entrar em segundo lugar na curva
seguinte”, contou Senna, depois da vitória, ao narrador
Galvão Bueno, da Rede Globo.
Prost, na ponta, andava rápido e ia abrindo uma boa
diferença com relação ao eterno rival Senna, que vinha
sendo pressionado por Hill. No entanto, a sorte do piloto
não parecia ser a mesma da vitória de 1991 e ele foi punido por ultrapassar um retardatário sob bandeira amarela,
sendo obrigado a parar nos boxes.
Foi então que a sorte do brasileiro começou a mudar. A
esperada chuva começou a se formar na região de
Interlagos e não demorou muito para chegar ao autódromo. Habilidoso nessas características de pista, Senna conduziu seu carro com maestria aos boxes para ser o primeiro a colocar os pneus para pista molhada.
“Quando eu resolvi entrar, eu vinha tão embalado que
131
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
eu já tinha passado do ponto de freada pra entrar nos boxes. Passei um sufoco, porque eu vinha muito rápido pra
entrar e entrei escorregando ali, de frente e de traseira.
Nem freei, porque se eu freasse ia bater”, disse o piloto,
que viu o rival Prost rodar no “S do Senna” e bater na
Minardi pilotada por outro brasileiro, Christian Fittipaldi.
Senna assumiu a ponta da corrida, com Hill em segundo.
Na 30ª volta, os japoneses Aguri Suzuki, da Footwork,
e Ukyo Katayama, da Tyrrell, perderam o controle de seus
carros em plena reta dos boxes e bateram, provocando a
entrada, pela primeira vez na história da Fórmula 1, do
safety car (carro de segurança) na pista. Na relargada, as
posições se mantiveram até nova sessão de paradas nos
boxes, desta vez para os pilotos voltarem a utilizar os pneus
para pista seca.
Com um trabalho melhor das trocas, a Williams de Hill
voltou exatamente na frente de Senna. Mas o brasileiro
não hesitou e antes da entrada da Curva do Laranjinha,
ultrapassou o inglês. “Fiz uma catimba, fiz que ia pra direita, ele foi, fui por fora, ele foi por fora, aí eu voltei por
dentro, dei uma freada tarde. Foi uma manobra muito especial”, explicou Senna.
O brasileiro abriu vantagem sobre Hill e apenas administrou a corrida até o momento de receber a bandeirada
132
O segundo pit stop
da vitória pela segunda vez na carreira. “Aí eu fui pra galera”, brincou Senna, que parou para pegar uma bandeira
do Brasil e andou devagar pela pista, comemorando junto
com a torcida, que desta vez, eufórica com o triunfo, invadiu a pista e cercou a McLaren na Reta Oposta. “Ninguém mais segura a torcida em Interlagos”, dizia o narrador
Galvão Bueno, ao final da prova.
Em volta do carro de Senna, os torcedores faziam a festa junto do piloto, até que o brasileiro deixou o carro e,
literalmente, caiu nos braços do povo, compartilhando toda
a sua alegria com cada torcedor ali presente. Emocionado
com a vitória, Senna, que havia sido “resgatado” pelo safety
car, não se conteve e saiu pela janela do carro para saudar
os torcedores que o apoiaram naquele triunfo. “O Senna
poderia estar ali dentro do carro, respirando e descansando, mas ele faz questão de retribuir o carinho da torcida”,
observou Galvão Bueno, durante a transmissão da corrida. Torcida que cantava alegre e feliz: “Olê, olê, olê, olê,
Senna, Senna!”.
Foi a última vitória do brasileiro em Interlagos. No ano
seguinte, pilotando um carro da forte Williams, Senna
abandonou na 55ª volta, naquela que seria sua última corrida no autódromo paulistano. Pouco mais de um mês
depois, no dia 1º de maio, sofreu o acidente que lhe tirou
133
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
a vida, no GP de San Marino, em Ímola, na Itália.
Ayrton Senna do Brasil
Ayrton Senna da Silva, ou Ayrton Senna “do Brasil”, como
ficou conhecido um dos maiores ídolos da torcida brasileira,
nasceu em São Paulo em 21 de março de 1960. Filho de um
rico empresário, desde bem novo esteve ligado ao automobilismo. Logo aos quatro anos ganhou seu primeiro kart e aos
10 recebeu o primeiro kart de competição. No entanto, Ayrton
era muito jovem para participar de provas e teve que esperar
mais três anos até disputar sua primeira corrida oficial, em
Interlagos.
Mostrando toda a habilidade no kart, Senna foi campeão
paulista júnior em 1974, vice-campeão brasileiro júnior e campeão paulista na categoria 100cc em 1975, vice-campeão
paulista das 100ccc e terceiro no Campeonato Brasileiro das
100cc de 1976. Em 1977, sagrou-se campeão sul-americano
e vice brasileiro e paulista. No ano seguinte foi campeão brasileiro, novamente vice-campeão paulista e sexto colocado
no Mundial de Kart. Em 1979, veio o bicampeonato sulamericano e novos vices brasileiro e paulista. Um ano depois,
Senna conquistou o bicampeonato brasileiro e o vice-cam134
O segundo pit stop
peonato mundial.
Decidido a seguir carreira no automobilismo e com os bons
resultados obtidos no kart, Ayrton recebeu convite para disputar a Fórmula Ford, pela equipe Van Diemen, em 1981.
Senna aceitou e, contra a vontade dos pais, se mudou para a
Inglaterra. O piloto conquistou o título da Fórmula Ford
1600 em 1981 e, no ano seguinte, na Fórmula 2000, venceu
os campeonatos europeu e inglês, estabelecendo os recordes
de 21 vitórias, 15 poles position e 22 voltas mais rápidas durante a temporada.
Seguindo o caminho natural rumo à Fórmula 1, Senna
disputou a Fórmula 3 Inglesa, onde conquistou o título e
estabeleceu mais um novo recorde de vitórias, 12, com 14
poles e 14 melhores voltas. Tendo conquistado todos os títulos das Fórmulas britânicas, Ayrton recebeu convites de
Williams, McLaren, Lotus e Toleman para disputar a Fórmula 1, dando preferência para a última.
A estréia na principal categoria do automobilismo foi no
ano de 1984, no GP do Brasil, em Jacarepaguá, no Rio de
Janeiro, corrida que terminou logo na quinta volta para o piloto. Apesar do carro da Toleman não ser um dos mais competitivos, Ayrton conseguiu alcançar três vezes o pódio naquele ano, com um segundo lugar no GP de Mônaco e dois
terceiros nos GPs da Inglaterra e de Portugal, terminando o
135
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
campeonato na nona colocação.
No final desta temporada, Senna recebeu uma proposta
para correr pela Lotus no ano seguinte, e resolveu rescindir o
contrato com a Toleman, para ter mais chances de lutar por
vitórias e pole positions. Em 1985, um problema no motor
impediu que Ayrton completasse mais uma vez o GP do Brasil. Entretanto, a recompensa veio na corrida seguinte, no
autódromo de Estoril, em Portugal. O piloto marcou a pole e
conquistou sua primeira vitória na Fórmula 1. Senna ainda
largou mais seis vezes na primeira posição do grid. Venceu na
Bélgica, foi segundo colocado nos GPs da Áustria e da Europa e terminou em terceiro na Holanda e na Itália, alcançando o quarto lugar no final do campeonato.
Em 1986, Senna conquistou até então seu melhor resultado correndo no Brasil, ao chegar na segunda colocação, fazendo dobradinha com Nelson Piquet. Venceu os GPs da
Espanha e dos EUA, conquistou mais três vezes a segunda
posição, na Bélgica, na Alemanha e na Hungria, e o terceiro
lugar em Mônaco e no México. Neste ano, Senna repetiu o
quarto lugar no campeonato, e viu Alain Prost, que mais tarde se tornaria seu grande rival, conquistar o bicampeonato.
Na sua última temporada correndo pela Lotus, Senna não
conseguiu repetir o desempenho do ano anterior no GP do
Brasil e abandonou a prova com problemas no motor. Porém,
136
O segundo pit stop
seus números continuavam melhorando e o esperado título
mundial amadurecia a cada prova. Em 1987, foram duas vitórias (Bélgica e EUA), quatro segundos lugares (San Marino,
Hungria, Itália e Japão) e dois terceiros (Inglaterra e Alemanha), que deram ao piloto a terceira posição no campeonato,
conquistado por Nelson Piquet.
Na temporada de 1988, Senna se transferiu para a
McLaren e formou uma das duplas mais vencedoras da história da Fórmula 1, junto do francês Alain Prost. Das dezesseis
etapas do campeonato, a equipe inglesa só não venceu o GP
da Itália. Nas outras provas, foram oito vitórias de Ayrton e
sete de Prost. Quatro anos depois de estrear na competição,
Senna conquistava o seu primeiro título de campeão mundial de Fórmula 1.
No ano seguinte, nova disputa pelo título entre os companheiros de McLaren, Senna e Prost. Porém, desta vez, nem
mesmo as seis vitórias no ano foram suficientes para garantir
o bicampeonato ao brasileiro. Prost, apesar de ter vencido
apenas quatro provas, manteve uma regularidade maior que
Senna, que lhe valeu o tricampeonato.
O ano de 1990, que marcou o retorno de Interlagos ao
circo da Fórmula 1, foi de alegria para os brasileiros. Com um
começo de campeonato irretocável, em que venceu três das
cinco primeiras corridas, Senna caminhava a passos largos
137
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
para o seu segundo título. A disputa com Alain Prost, então
na Ferrari, foi apertada. No GP do Japão, penúltimo do campeonato, os dois pilotos se chocaram, e não puderam terminar a corrida. Melhor para Senna, que dessa forma conquistava o bicampeonato mundial de forma antecipada, e em cima
do grande rival.
A temporada de 1991 começou bem para Ayrton Senna.
Ele venceu quatro corridas seguidas, entre elas o GP do Brasil, em Interlagos, palco que revelou o piloto para o mundo
do automobilismo. Outras três vitórias neste ano transformaram Ayrton no segundo brasileiro a conquistar o
tricampeonato mundial de Fórmula 1.
Em 1992, Senna não tinha a mesma competitividade de
seu McLaren dos anos anteriores e viu as Williams de Nigel
Mansell e Riccardo Patrese dominarem o campeonato. O título ficou com Mansell, e Ayrton não passou do quarto lugar
no campeonato. Em 1993, em nova temporada de força da
Williams, agora com Prost no carro, Senna mostrou grande
superação, conseguindo cinco vitórias, uma delas no Brasil,
mas ficou com o vice-campeonato e viu o francês sagrar-se
tetracampeão de Fórmula 1.
“Na história de Interlagos, as vitórias do Senna em 1991 e
1993 são episódios marcantes, sem dúvida. Era o maior ídolo
do país na ocasião, ganhou em casa, depois de muito tempo
138
O segundo pit stop
sem um brasileiro vencer. Na era moderna do autódromo foram os momentos mais marcantes de Interlagos”, afirma Flávio
Gomes.
Em 1994, Ayrton realizou um sonho e se mudou para a
melhor equipe do momento, a Williams. No entanto, quando Senna fez os testes pela primeira vez, percebeu que a
escuderia britânica havia regredido em relação aos carros que
dominaram as temporadas anteriores. Obstinado a ser sempre o melhor, o piloto conseguiu marcar a pole position no
GP Brasil, superando a Benetton do alemão Michael
Schumacher. Na corrida, um problema no motor tirou a vitória de Senna, que caiu de presente para Schumacher.
Na prova seguinte, no GP do Pacífico, no circuito de Aida,
no Japão, novamente Ayrton saiu na frente, mas se envolveu
em um acidente com o finlandês Mika Häkkinen e com o
italiano Nicola Larini. Vantagem para o alemão da Benetton,
que venceu a segunda prova da temporada.
A terceira prova da temporada de 1994, o GP de San
Marino, no circuito de Imola, marcou um final de semana
negro para a Fórmula 1. Nos treinos livres de sexta-feira, o
brasileiro Rubens Barrichello, da Jordan, sofreu um grave acidente, mas saiu ileso.
Durante os treinos classificatórios do sábado, novo acidente na pista. Desta vez, o austríaco Roland Ratzenberger,
139
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
da Simtek, fazia uma volta rápida quando a asa dianteira de
seu carro soltou-se, e o piloto, sem controle, chocou-se violentamente contra o muro na curva Villeneuve, a cerca de
310 km/h. Com fraturas múltiplas no crânio e no pescoço, o
austríaco não sobreviveu.
Na corrida, nova pole de Senna, com Schumacher largando ao seu lado na segunda posição. Ayrton trazia consigo
uma bandeira da Áustria, com a qual pretendia homenagear
Ratzenberger, caso vencesse a prova. Porém, na sétima volta,
a direção do Williams não obedeceu ao comando de Senna e
o carro bateu violentamente no muro da curva Tamburello a
cerca de 200 km/h. Milhares de brasileiros acompanharam
pela TV, ao vivo, as cenas desesperadoras do resgate, que demorou a chegar. O pior aconteceu, e todos ficaram órfãos de
um dos maiores ídolos do esporte nacional.
Interlagos, palco do campeão
A partir de 2004, o GP Brasil de Fórmula 1 passou a ser
disputado no final da temporada. A mudança no calendário
do campeonato dava a Interlagos a chance de ser palco de
decisões de títulos. Não foi o aconteceu, porém, neste primeiro ano. O campeonato foi amplamente dominado pelo
140
O segundo pit stop
alemão Michael Schumacher, da Ferrari, que se tornou
heptacampeão com algumas corridas de antecedência. Nem
mesmo a esperança de vitória de um brasileiro se tornou realidade. Correndo também pela Ferrari, Rubens Barrichello
terminava em terceiro aquela corrida, vencida pelo colombiano Juan Pablo Montoya, da Williams.
No ano seguinte, Interlagos era a antepenúltima prova. A
superioridade ferrarista dos anos anteriores já não existia, e o
campeonato chegava a São Paulo com o espanhol Fernando
Alonso, da Renault, em primeiro, disputando o título com o
finlandês Kimi Raikkonen, da McLaren. Alonso tinha uma
folgada vantagem de 25 pontos em relação a Raikkonen, e
para ele bastava chegar ao pódio para se tornar o mais jovem
campeão da história, quebrando o recorde de Emerson
Fittipaldi.
O fim de semana começou bem para o espanhol, que cravou a pole position no treino classificatório no sábado com
1min11s988. Raikkonen não fez um bom treino, e largou
apenas na quinta posição. Logo na largada, um acidente tirou da corrida o brasileiro Antônio Pizzonia e seu companheiro de Williams, o australiano Mark Weber, além do escocês David Coulthard, da Red Bull. Lá na frente, porém, a
briga era entre Alonso e o colombiano Juan Pablo Montoya,
agora na McLaren. Depois do primeiro pit stop, Alonso pas141
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
sou a ser o terceiro, com Montoya em primeiro e Raikkonen
em segundo. Com a grande vantagem conquistada ao longo
do campeonato, o espanhol administrou o terceiro lugar, suficiente para lhe dar o título. Kimi terminava em segundo, e
Montoya vencia no Brasil pelo segundo ano consecutivo.
Dois anos antes de ganhar seu primeiro campeonato,
Fernando Alonso passou por um dos momentos mais apreensivos de sua carreira. Um forte acidente na entrada da reta
dos boxes o fez ficar por 14 horas em observação em um hospital de São Paulo. Muitos apostavam em um possível trauma do piloto com a pista. Mas não foi o que se viu em 2005.
Alonso pilotou com paciência. Tinha em mãos um carro muito
bem acertado. E no final da corrida, toda a Espanha comemorou o primeiro campeonato de um piloto do país. Em
Interlagos, Alonso também se tornou o mais jovem campeão
da história da Fórmula 1, aos 24 anos e 56 dias, quebrando
um recorde de 33 anos, quando Emerson Fittipaldi ganhou
a temporada de 1972 com 24 anos, 8 meses e 29 dias.
Renault x Ferrari
A temporada de 2006 da Fórmula 1 foi emocionante.
Começou com domínio da Renault e Fernando Alonso, na
142
O segundo pit stop
busca pelo bicampeonato. Das nove primeiras corridas do
ano, o espanhol venceu seis. Depois da corrida do Canadá,
nona da temporada, a vantagem de Alonso sobre Michael
Schumacher, da Ferrari, era de 25 pontos. Muitos já davam o
campeonato ao espanhol, ainda que faltassem outros nove
GPs. Porém, o que se viu na segunda metade da temporada
foi uma reação incrível da Ferrari e uma decadência da Renault,
que fez com que Schumacher assumisse a primeira posição
entre os pilotos depois de vencer o GP da China,
antepenúltimo do campeonato. O sonho do alemão de se
tornar octocampeão estava mais vivo do que nunca.
Ambos chegaram ao GP do Japão, no tradicional circuito
de Suzuka, com 116 pontos. Schumi levava vantagem por
ter uma vitória a mais que o espanhol. O alemão, inclusive
tinha a chance de decidir o título ali mesmo. Mas não era tão
fácil. Ele tinha que vencer a corrida, e torcer para que Alonso
não marcasse pontos. O fim de semana que começou bem
para a Ferrari, com a dobradinha no grid de largada, terminou em decepção. O brasileiro Felipe Massa largou na pole,
com o companheiro Schumacher ao seu lado. O alemão liderava a corrida, com boa vantagem sobre Alonso, que já era o
segundo. Na 36ª volta, porém, uma cena rara praticamente
acabou com as chances de título do alemão. Depois de uma
parada nos boxes, o motor da Ferrari de Schumacher estou143
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
rou. Em 11 anos correndo pela escuderia italiana, em apenas
três corridas o heptacampeão teve que abandonar por problemas no motor. A última delas tinha sido em 2000, no GP
da Alemanha.
Alonso se aproveitou da quebra do rival, e venceu a corrida. Agora, a vantagem passava a ser do espanhol, que iria ao
Brasil 10 pontos à frente de Schumacher. Para ele bastava
chegar em 8°, marcando um ponto, e o bicampeonato estava
garantido.
No alto, 13 anos depois
Entre os dias 20 e 22 de outubro de 2006, São Paulo se
tornou a capital mundial do automobilismo. Todos os olhos
estavam voltados para a cidade, por dois motivos. O primeiro, por que aquela seria a corrida que decidiria o campeão. O segundo pela já anunciada aposentadoria de
Michael Schumacher, para muitos o maior piloto de toda a
história.
Após a quebra no GP do Japão, e com chances pequenas
de conquistar o título, Schumacher jogou a toalha, e
garantiu que viria ao Brasil apenas para lutar pelo campeonato de construtores pela Ferrari. A vantagem de Fernando
144
O segundo pit stop
Alonso realmente era muito boa. O espanhol precisava de
apenas um ponto. O alemão precisava vencer a corrida e
torcer para que Alonso não pontuasse, algo que aconteceu
em apenas duas corridas durante o ano. Para muitos, a “desistência” de Schumacher seria apenas para jogar a pressão
para o espanhol. A missão era difícil, mas muitas pessoas
ainda achavam que Schumi tinha condições de brigar.
Além disso, o Brasil novamente tinha esperanças de ter
um piloto do país vencendo o GP em Interlagos, já que
Felipe Massa vinha muito rápido com sua Ferrari, e já tinha
vencido o GP da Turquia dois meses antes.
As Ferraris eram os carros mais velozes da segunda metade da temporada, mas o belo início das Renaults levou a
equipe francesa a chegar à última corrida do ano com nove
pontos de vantagem sobre os italianos no campeonato de
construtores.
A corrida de Interlagos decidiria o título de pilotos, o de
construtores, e ainda seria a última do maior recordista da
história. Todos esses ingredientes fizeram com que aquele
dia 22 de outubro de 2006 se tornasse um dos mais importantes do autódromo paulistano. Mas ainda haveriam outros.
Dois pilotos brasileiros disputaram o GP do Brasil. Além
de Felipe Massa, da Ferrari, Rubens Barrichello, agora de145
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
fendendo a Honda, também alinharia no grid de largada.
Barrichello por muitos anos perseguiu uma vitória em
Interlagos. Chegou muito perto dela algumas vezes, mas a
fama de azarado parecia se tornar verdadeira em São Paulo.
Em 2003 abandonou a corrida quando liderava, depois de
uma “pane seca”. A Ferrari que guiava ficou sem gasolina, e
o piloto voltou a pé para os boxes. Esse ano, pela nova equipe, chegou a ser apontado com um dos que poderiam lutar
por vitórias durante o campeonato, mas o carro não
correspondeu.
Já Felipe Massa estreava no Brasil com um carro competitivo. Paulista de Botucatu, Massa estava em seu primeiro
ano na Ferrari, onde assumiu a vaga de Barrichello. Pela
Sauber, equipe que defendeu até 2005, Felipe correu no
Brasil em três oportunidades: 2002, ano de sua estréia na
Fórmula 1, quando abandonou depois de uma batida na
41ª volta; 2004, quando chegou a liderar a prova, mas terminou em 8°; e em 2005, terminando apenas em 11°.
Os treinos de sexta, usados para acertos nos carros, já
mostravam que a batalha pelo título seria acirrada. Ao final
da sessão, Schumacher era o sexto, e Alonso o décimo. Mas
apenas 107 milésimos de segundo separavam os dois.
No sábado, os treinos classificatórios para a corrida foram uma prévia da emoção que viria no domingo. Pela regra
146
O segundo pit stop
deste ano, nos últimos 15 minutos de treino apenas os dez
pilotos mais rápidos disputam a pole position. Assim que o
boxe foi aberto, os carros saíram para marcar seus tempos.
Mas a Ferrari de Schumacher voltava lentamente para os
boxes já na primeira volta. Com problemas na bomba de
gasolina, o alemão ficou todo o tempo tentando consertar
o problema. Não conseguiu. Schumacher largaria apenas
em décimo, muito longe do que ele esperava para tentar o
difícil título.
Enquanto isso, na pista, Felipe Massa sobrava. Marcou
a pole com 1min10s680. Além dele, apenas Schumacher –
na segunda classificatória de sábado - conseguiu andar na
casa de 1min10s durante todo o fim de semana. Ao seu lado,
na primeira fila, largaria Kimi Raikkonen, da McLaren, 6
décimos de segundo mais lento. Fernando Alonso marcou
o quarto tempo, e sairia na segunda fila.
O sábado foi de festa para Felipe, que pela primeira vez
largaria na frente no GP do Brasil. Ele que, naquele fim de
semana, corria com um macacão diferente do tradicional
vermelho da Ferrari. Para homenagear o Brasil, Massa vestia
um macacão com as cores da bandeira nacional. E foi de
verde e amarelo que ele comemorou subindo no muro que
separa os boxes da reta de chegada. “Um dos momentos
mais felizes da minha vida”, disse o piloto. “Subi no muro e
147
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
vi o povo todo, a arquibancada inteira, gritando meu nome,
comemorando como eu”, completou ele, emocionado.
Fernando Alonso ficou feliz com o quarto lugar, mas mesmo sem admitir, deve ter vibrado com o problema de
Schumacher. “Durante o treino, ninguém me disse que o
Michael havia tido problemas com o carro. E não é problema meu. Não adianta perguntar o que achei e nem o que
acho que ele deva fazer. Já temos os nossos problemas para
serem resolvidos”, disse o espanhol.
Já o alemão Michael Schumacher lamentou a pane de
seu carro. “Uma pena, não deu tempo para repararmos nossa dificuldade. Nosso carro está muito rápido, equilibrado,
brilhante. Faríamos a primeira fila toda Ferrari, não hesito
em acreditar”, garantiu ele depois do treino. “Mas o problema de hoje não altera em nada o meu objetivo de lutar
pelo título de construtores”, disse.
O domingo amanhecia com muita expectativa. A torcida brasileira via cada vez mais chance de vitória de Massa
em casa. Com um carro bom, a pole position e Schumacher
largando apenas em décimo com poucas chances de ser campeão, o brasileiro tinha que se preocupar só com a sua corrida. As famosas trocas de posição ordenadas pela Ferrari em
anos anteriores aconteceriam em Interlagos apenas se o alemão alcançasse a segunda posição. Enquanto isso não acon148
O segundo pit stop
tecesse, Massa tinha que se manter na frente e abrir o máximo de vantagem. A possibilidade de um “jogo sujo” também já tinha sido descartada tanto por Massa quanto por
Schumacher. Algumas pessoas acreditavam que o brasileiro
poderia tirar Alonso da corrida, e deixar o caminho livre para
o alemão, mas eles negaram isso veementemente durante
toda a semana que antecedeu o Grande Prêmio.
Com a largada marcada para as 14h de São Paulo, as
Ferraris ainda contavam com mais um aliado, o calor. Os
pneus Bridgestone da equipe italiana correspondiam melhor do que os Michelin da Renault, em altas temperaturas. A equipe francesa também havia se prevenido com eventuais problemas no motor de Alonso, dando ao espanhol
uma versão mais conservadora do seu propulsor, menos
potente, mas que diminuiria as chances de quebra.
É dada a largada para o 35° GP do Brasil de Fórmula 1.
Na primeira curva, a entrada do S do Senna, Felipe Massa
se manteve na primeira posição, e Alonso em quarto. Lá atrás,
Michael Schumacher pulou do décimo para o oitavo posto,
depois de ultrapassar as duas BMW-Sauber. Ainda na primeira volta, um toque entre as Williams de Mark Weber e
Nico Rosberg obrigou o australiano a abandonar a prova.
Logo depois, como conseqüência do toque com o companheiro, Rosberg perdeu o controle do carro e bateu forte no
149
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
muro da saída da Junção. O acidente fez com que o safety
car entrasse na pista. Com a corrida sob bandeira amarela,
Massa liderava, com Kimi Raikkonen em segundo, Jarno
Trulli, da Toyota, em terceiro, e Fernando Alonso em quarto. Schumacher já era o sexto, atrás do companheiro de
Alonso, Giancarlo Fisichella. Apenas na sexta volta o safety
car voltou aos boxes, e Felipe Massa manteve a dianteira da
corrida. Enquanto o brasileiro abria vantagem sobre o segundo colocado, um pouco atrás ocorria uma disputa que
decidiria de vez o título. Schumacher pressionava o italiano
Fisichella, que se segurava como podia para defender a posição e o seu companheiro que luta pelo campeonato.
Depois de duas voltas pressionando o italiano, Schumi
atacou de vez, e o ultrapassou no fim da reta dos boxes, na
nona volta. Mas ele fez o S do Senna com dificuldade para
segurar o carro, e o italiano recuperou a posição logo depois, na curva do Sol. Schumacher foi perdendo velocidade, e começou a ser ultrapassado com facilidade. Um furo
no pneu traseiro esquerdo era o problema. Na ultrapassagem sobre Fisichella, a roda traseira do alemão tocou na asa
dianteira do carro do italiano. Um toque sutil, que poderia
transformar a última corrida de Schumacher em tragédia.
Com o problema, o heptacampeão caiu para a última
posição, mas conseguiu levar o carro até os boxes. Em pri150
O segundo pit stop
meiro, Felipe Massa continuava veloz, marcando voltas cada
vez mais rápidas. Com o companheiro nos boxes, Felipe
recebeu ordens da Ferrari para diminuir o ritmo, e evitar
passar Schumacher, para que o alemão tivesse pista livre na
volta à corrida e pudesse se recuperar na corrida. Schumi
voltou com 1min10s de desvantagem para Massa, e a 36
segundos do penúltimo colocado, Tiago Monteiro, da MF1.
Na 14ª volta, com a quebra de Trulli, Alonso era o terceiro, e via o título cada vez mais próximo. O espanhol, então,
encostou em Raikkonen, que fez seu primeiro pit stop, na
21ª volta. Com isso, Alonso assumiu a segunda posição.
Massa continuava em primeiro, com 14 segundos de vantagem, caminhando para ser o primeiro brasileiro a vencer em
Interlagos depois de 13 anos.
Na 25ª volta, Michael Schumacher começou a mostrar
por que é considerado o maior piloto que já passou pela
Fórmula 1. Depois de muitas ultrapassagens, e andando
muito rápido, Schumi já era o décimo colocado quando completou a 34ª volta.
A corrida de Felipe Massa continuava tranqüila na ponta. Só perdeu a liderança quando parou nos boxes, mas já
era o ponteiro novamente antes da 30ª volta. Alonso também dirigia com muita tranqüilidade, já que o segundo lugar era mais do que suficiente para lhe garantir o título.
151
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
Outro piloto em tarde inspirada era Jenson Button, que
largou em 14°, e na 39ª brigava com Alonso pelo segundo
lugar.
Duas voltas depois, Schumacher voltou a ter sustos. Depois de passar o polonês Robert Kubica e assumir a sétima
posição, ele voltou a andar devagar, e Kubica reassumiu a
posição. Mas por pouco tempo. O alemão logo recuperou a
velocidade, e na mesma volta passou o polonês da BMWSauber. E ele já mirava seu próximo alvo, o brasileiro Rubens
Barrichello, de quem foi companheiro na Ferrari. A vantagem de Rubinho era de 12 segundos, mas Michael vinha
tirando 1 segundo por volta. Os dois pararam nos boxes, e
Barrichello se manteve na frente. Na 52ª volta o brasileiro
não resistiu a espetacular corrida de Schumacher, que o passou no final do S do Senna. O alemão assumia a sexta posição em Interlagos.
Nessa mesma volta, Felipe Massa fez seu segundo pit
stop, com vantagem suficiente para voltar em primeiro, ainda
na frente de Alonso, que parou três voltas depois para reabastecer.
Na quinta posição, Fisichella viu Schumacher crescer em
seu retrovisor novamente. Uma disputa que tinha acabado
mal para o alemão no começo da corrida estava para se repetir. A briga terminou dez voltas depois, quando Fisichella
152
O segundo pit stop
errou no fim da reta dos boxes e foi parar na grama na 63ª
volta. Schumacher agradeceu, e partiu para cima de Kimi
Raikkonen, o quarto colocado.
Com o carro mais veloz, Schumi logo encostou na
McLaren de Raikkonen, seu sucessor no cockpit da Ferrari.
Na penúltima volta, com uma ultrapassagem espetacular
em seu lugar preferido, a entrada do S do Senna, Schumacher
passou a ser o quarto na corrida.
Em primeiro, Massa contornou as últimas curvas do GP
Brasil de Fórmula 1 já comemorando dentro do carro. Na
reta oposta, era saudado como o vencedor pelo público que
lotava as arquibancadas. Depois de passar pela subida do
lago, Massa fez o Laranjinha com calma, depois o
Pinheirinho e o Bico de Pato. Felipe tinha uma vantagem
enorme sobre Alonso, e a vitória estava a pouco mais de 17
segundos. Depois do Mergulho, Felipe fez a Junção, e na
Subida dos Boxes apontou na reta de chegada. Foram treze anos de espera. Desde 1993 nenhum brasileiro vencia
em Interlagos, depois da vitória de Ayrton Senna. No dia
22 de outubro de 2006, Felipe Massa se tornava o quinto
brasileiro a vencer o GP Brasil de Fórmula 1, o quarto em
Interlagos.
A alegria de Felipe era visível, mesmo dentro do capacete. Depois de completar a última volta, parou no S do Senna,
153
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
pegou uma bandeira brasileira com um fiscal de prova, e
repetiu o gesto eternizado por Ayrton Senna, comemorando a vitória com a bandeira nacional em punho.
Fernando Alonso terminou a corrida em segundo, conquistando o bicampeonato mundial de Fórmula 1, novamente em Interlagos. A Renault também se tornou campeã
entre os construtores, 5 pontos à frente da Ferrari. Jenson
Button completou o pódio, depois de uma grande corrida.
Michael Schumacher se despediu da categoria em que foi
campeão por 7 vezes, e onde quebrou todos os recordes,
depois de uma prova fantástica, à altura de sua importância para o automobilismo mundial.
Mas a festa em São Paulo era de Felipe Massa. Em um
fim de semana perfeito, em que foi sempre o mais rápido,
Massa se manteve focado na vitória, que não podia escapar. Terminou a corrida em 1h31min53s751, 18 segundos
à frente do segundo colocado. “Foi a corrida mais fácil da
minha vida, com um carro incrível. Mas isso pode te complicar. A gente corre o risco de perder a concentração. Me
peguei algumas vezes olhando para a arquibancada e comecei a falar para mim mesmo: ‘Que é isso, rapaz, se concentra na corrida, depois você vai ter todo o tempo do
mundo para olhar a torcida!’”, disse Felipe depois da corrida. No fim, 13 anos depois, a bandeira brasileira nova154
O segundo pit stop
mente era hasteada no lugar mais alto do pódio.
O jornalista Rodrigo Mattar considerou o GP do Brasil um
dos mais emocionantes da temporada. “Havia 13 anos que
nenhum piloto brasileiro vencia em casa e durante todos estes
anos a torcida frustrou-se com vãs tentativas do Rubens
Barrichello. Felizmente saímos todos recompensados pela
magistral corrida do Felipe”. Flávio Gomes concorda com o
colega. “Foi uma boa prova, com três destaques claros.
Schumacher, pela atuação e pela despedida de gala. Alonso,
pela prova madura e pragmática, conquistando o
bicampeonato. E Massa, pela segurança e tranqüilidade numa
corrida muito fácil, mas que ganhou emoção, para ele, por ter
sido conquistada em casa”.
Fernando Alonso foi outro que comemorou muito no GP
do Brasil. “Dois títulos com 25 anos é algo difícil de acreditar
que eu tenha conseguido”, conta ele, em tom de despedida.
“É fantástico terminar dessa maneira minha relação com a
Renault”. A partir de 2007 o espanhol guiará os carros da inglesa McLaren. Após a corrida, Alonso ainda garantiu: disputar um título com Schumacher e vencer tem um sabor especial. “Foi uma honra disputar com Michael e conseguir batê-lo
nos seus últimos anos de carreira. É um grande campeão”.
Para Mattar, o título de Alonso no Brasil foi justo. “Seria
heresia dizer o contrário. Ele e a Renault foram prejudicados
155
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
na segunda metade do campeonato. Alonso mostrou técnica,
sorte, frieza, e deu a volta por cima. Mereceu o bicampeonato”.
Com a vitória no Brasil, e a saída de Michael Schumacher
da Ferrari, Massa já é considerado um dos candidatos ao título da temporada 2007. “O Massa pode sonhar com o título sim. Os principais nomes para 2007 são Massa, Alonso e
Raikkonen”, garante Mattar. Gomes também coloca Felipe
na lista dos que podem lutar pelo campeonato daqui pra
frente. “Além dele, coloco Alonso, Raikkonen e Button. São
os pilotos que vão ganhar corridas”.
A partir de 2007, Felipe terá como companheiro de equipe o finlandês Kimi Raikkonen, que por duas vezes foi vicecampeão do mundo. Mattar considera que Massa começa o
ano com ligeira vantagem sobre Raikkonen na disputa para
ser o primeiro piloto da Ferrari, “por já conhecer o funcionamento da equipe, e pelo bom relacionamento com o pessoal”.
Auf wiedersehen, Schumi (até logo, Schumi, em alemão)
Em 2006, além da fantástica vitória de Felipe Massa, e
o bicampeonato de Fernando Alonso, quem foi ao Autódromo de Interlagos para a etapa brasileira do Mundial de
156
O segundo pit stop
Fórmula 1, foi testemunha de um momento histórico. Aos
38 anos, o alemão Michael Schumacher se despediu das
corridas no GP do Brasil. Maior campeão da história, com
7 títulos, e maior vencedor no circuito paulistano, com 4
vitórias, Schumi mostrou na corrida de São Paulo que deixará saudade. Chegou à cidade com poucas chances de
ser campeão. Enfrentou diversos problemas durante o fim
de semana. E ainda sim fez uma corrida espetacular. “Foi
uma prova digna de heptacampeão. Uma exibição de gala,
com muitas ultrapassagens, garra, vontade e disposição.
Fez aquilo que se esperava dele, e mais um pouco. Saiu de
cena no auge”, diz Rodrigo Mattar. “Foi uma exibição inesquecível”, garante Flávio Gomes.
Antes da largada, Schumacher, fã assumido de futebol,
recebeu de Pelé um troféu. Uma pequena homenagem pelos 15 anos de vitoriosa carreira, que começou em 1991,
na Jordan. Em 1994, na Benneton, conquistou seu primeiro campeonato. No ano seguinte foi bicampeão, com
33 pontos de vantagem sobre Damon Hill. Em 1996 se
transferiu para a Ferrari, onde, a partir de 2000, começou
a viver o auge de sua carreira. Na equipe italiana conquistou mais 5 títulos, consecutivos, de 2000 a 2004.
Polêmico, Schumacher é do tipo que ou se ama ou se
odeia. Já colocou adversário para fora da pista para con157
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
quistar o primeiro campeonato, e foi desclassificado do
campeonato ao tentar a manobra novamente em 1997,
contra Jacques Villeneuve. Mas os números na carreira do
alemão não deixam dúvidas. Com o maior número de recordes da Fórmula 1, Schumi deixará saudade. Depois da
corrida em Interlagos, Flavio Briattore, que foi chefe de
equipe de Schumacher na Benneton, e hoje comanda a
Renault, resumiu o que todos na Fórmula 1 pensam sobre
a aposentadoria do alemão. “Michael está louco em parar,
eu nunca vi um performance dessas. Ele teve todo tipo de
problema nos últimos dois dias aqui em Interlagos, e correu como um campeão”.
Os números de Michael Schumacher
GPs disputados
Vitórias
Pódios
Melhores voltas
Pole position
Pontos conquistados
158
Carreira
Interlagos
248
91
154
75
68
1.364
15
4
10
5
1
82
O segundo pit stop
Os vencedores do GP Brasil de Fórmula 1
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Carlos Reutemann – Brabham – Argentina
Emerson Fittipaldi – Lotus – Brasil
Emerson Fittipaldi – McLaren – Brasil
José Carlos Pace – Brabham – Brasil
Niki Lauda – Ferrari – Áustria
Carlos Reutemann – Ferrari – Argentina
Carlos Reutemann – Ferrari – Argentina
Jaques Laffite – Ligier – França
René Arnoux – Renault – França
Carlos Reutemann – Williams - Argentina
Alain Prost – Renault – França
Nelson Piquet – Brabham – Brasil
Alain Prost – McLaren – França
Alain Prost – McLaren – França
Nelson Piquet – Williams – Brasil
Alain Prost – McLaren – França
Alain Prost – McLaren – França
Nigel Mansell – Ferrari – Inglaterra
Alain Prost – Ferrari – França
Ayrton Senna – McLaren – Brasil
Nigel Mansell – Williams – Inglaterra
Ayrton Senna – McLaren – Brasil
Michael Schumacher – Benneton – Alemanha
Michael Schumacher – Benneton – Alemanha
Damon Hill – Williams – Inglaterra
Jacques Villeneuve – Williams – Canadá
Mika Hakkinen – McLaren – Finlândia
Mika Hakkinen – McLaren – Finlândia
Michael Schumacher – Ferrari – Alemanha
David Coulthard – McLaren – Escócia
Michael Schumacher – Ferrari – Alemanha
Giancarlo Fisichella – Jordan – Itália
Juan Pablo Montoya – Williams – Colômbia
Juan Pablo Montoya – McLaren – Colômbia
Felipe Massa – Ferrari – Brasil
* Em 1978 e entre 1981 e 1989 o GP Brasil foi disputado
no Autódromo de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro.
** Em 1972, a prova não valeu pontos para o campeonato
de Fórmula 1.
159
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
Planos
A Prefeitura de São Paulo anunciou em setembro de 2006
que pretende investir no Autódromo de Interlagos para deixar
o local apto para receber outros eventos além das corridas. O
projeto prevê a construção de arquibancadas definitivas na Reta
Oposta, um parque público, uma arena multiuso com capacidade para 60 mil pessoas e uma pista de arrancada e off-road.
“Acho uma vergonha. Arena multiuso não deve ser construída
em autódromo nenhum. Que outra pista no mundo inteiro tem
isso?”, lamenta o jornalista Rodrigo Mattar.
Segundo o prefeito paulistano Gilberto Kassab, o autódromo vai receber um investimento de R$ 50 milhões e espera ter o
retorno em no máximo cinco anos. “Decidimos que investimentos permanentes e definitivos devem ser feitos para diminuir os
custos com o evento”, disse Kassab, explicando que todo ano a
Prefeitura gasta aproximadamente R$ 12 milhões com a instalação de arquibancadas temporárias para receber a Fórmula 1.
“É mais uma coisa que não sai. Depois de 16 anos, todo ano
faz arquibancada, monta e desmonta. O que já se gastou nesses
16 anos, dava pra ter feito arquibancadas fixas três vezes”, ironiza
Flávio Gomes, completando. “Isso não vai viabilizar o autódromo, ele deve se viabilizar a partir da sua natureza, que é corrida”.
Uma escola municipal para 3 mil alunos, que deverá contar
160
O segundo pit stop
com cursos profissionalizantes em parceria com instituições privadas, também está inclusa no projeto da prefeitura, para o local da nova arquibancada. “O projeto parece muito bom e de
certa maneira salva Interlagos, pois o risco da prefeitura privatizar
aquela área para uso imobiliário é muito grande e do ponto de
vista econômico-financeiro é totalmente justificável”, diz Roberto
Brandão.
Entretanto, os planos da prefeitura paulistana podem não
dar em nada diante da possibilidade da construção de um novo
autódromo, na cidade de Guarulhos, para receber as principais
competições nacionais e internacionais de automobilismo e
motovelocidade, entre elas a Fórmula 1. A vantagem do novo
circuito seria a facilidade do acesso ao local, próximo do aeroporto de Cumbica e da cidade de São Paulo. “Vejo pra Interlagos
o dia em que aquilo vai acabar”, lamenta o piloto Ingo Hoffman.
O futuro
O automobilismo brasileiro já teve anos mais gloriosos.
Mas uma nova geração de bons pilotos vem se formando.
Além de Felipe Massa, que há algum tempo deixou de ser
promessa, e já é uma realidade, dois jovens com sobrenomes
de campeões despontam como os principais nomes do auto161
Interlagos: uma corrida com dois pit stops
mobilismo nacional para os próximos anos.
Nelson Ângelo Piquet nasceu em 25 de julho de 1985, em
Heidelberg, na Alemanha. Apesar disso corre sob as cores da
bandeira brasileira. Filho e fã assumido do tricampeão mundial Nelson Piquet, começou no kart em 1993. A carreira começou a se tornar séria em 2001, quando estreou com um 5°
lugar na Fórmula 3 Sul-americana. Com o apoio decisivo do
pai, no ano seguinte Nelsinho ganhou seu primeiro título
internacional, ainda da F3 Sul-americana. A partir de 2003
passou a disputar a Fórmula 3 inglesa, que venceu em 2004.
Em 2005 estreou na GP2, último passo antes de chegar a
Fórmula 1. No ano seguinte, terminou com o vice-campeonato da categoria. Ainda em 2006, foi contratado pela equipe Renault de Fórmula 1 para ser piloto de testes a partir de
2007, com grandes chances de estrear na categoria em 2008.
Outro nome que vem se destacando no cenário internacional é Bruno Senna. A carreira de Bruno demorou para começar. Sobrinho do também tricampeão Ayrton Senna, Bruno enfrentava certa resistência da família, pela perda do tio
no acidente de Ímola. Porém, aos 18 anos, a velocidade falou
mais alto e ele voltou ao kart. Sua carreira tomou novos rumos quando, aconselhado por Gehard Berger, ex-piloto austríaco de Fórmula 1 e grande amigo de Ayrton, decidiu correr de monopostos. Em 2005 estreou na Fórmula 3 inglesa.
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O segundo pit stop
Um ano depois da estréia, ainda na Fórmula 3, Bruno
encerrou a temporada em 3° entre os pilotos. A partir de 2007
ele deve disputar o campeonato de GP2. E deve ser outro
brasileiro a alcançar a Fórmula 1, o seu principal objetivo.
Tudo indica que teremos novamente disputas entre um
Senna e um Piquet na Fórmula 1. Se ambos terão o mesmo
sucesso do tio e do pai campeões, e se Interlagos será o palco
de mais essa disputa, só o tempo dirá.
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Interlagos: uma corrida com dois pit stops
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O segundo pit stop
Vista aérea do Autódromo de Interlagos, “engolido” pelo crescimento da
cidade de São Paulo
Carros contornam o S do Senna, curva que gerou polêmica depois da
segunda reforma do autódromo, durante o GP Brasil de 2005
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Interlagos: uma corrida com dois pit stops
Senna (à frente) segura o inglês Nigel Mansell, para vencer o GP Brasil de
Fórmula de 1991 apenas com a sexta marcha. No pódio, esgotado
fisicamente, precisa de ajuda pra levantar a taça
No GP de 1993, na chuva, Senna
ultrapassa Damon Hill. Com um
carro inferior ao dos principais
adversários, Ayrton fez a diferença
na pista molhada e venceu pela
segunda vez no Brasil
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O segundo pit stop
Etapa paulista da Stock Car V8, principal categoria do automobilismo
brasileiro, em 2006
O “alemão” Ingo Hoffmann, é
homenageado durante sua
300° corrida na Stock Car, em
Interlagos
A partir de 2007, a montadora
francesa Peugeot, disputará a
Stock Car com o 307. A GM, a
Volks e a Mitsubishi já fazem
parte do campeonato
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Interlagos: uma corrida com dois pit stops
Fernando Alonso (à esq.) comemora seu primeiro título na Fórmula 1, no
GP Brasil de 2005. Já o heptacampeão Michael Schumacher (à dir.) saúda
o público brasileiro na sua corrida de despedida, em 2006
Felipe Massa repete o gesto de Ayrton Senna e carrega a bandeira nacional
depois de vencer o GP Brasil de 2006
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O segundo pit stop
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Interlagos: uma corrida com dois pit stops
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www.fia.com
www.ayrtonsenna.com
www.autodromointerlagos.com
www.grandepremio.com
www.roncodosmotores.com.br
www.gpbrasil.com.br
www.obviousa.com
Créditos fotográficos:
Acervo Paulo Scali: p. 51 (F1/F2), p. 53 (F1/F3), p. 99 (F1),
p.100 (F1/F2); Acervo Lemyr Martins: p. 102 (F1/F2), p. 103
(F1); Acervo Anísio Campos/www.obviousa.com: p. 51 (F2),
p.53 (F3), p. 54 (F1/F2/F3), p.55 (F1), p. 99 (F2/F3), p. 100
(F3), p. 101 (F1/F2), p. 166 (F1/F2/F3/F4); Acervo Fundação Romi: p. 52 (F1/F2/F3).
Divulgação: www.gpbrasil.com: p.165 (F1/F2), p. 168 (F1);
www.roncodosmotores.com.br: p. 168 (F2/F3), p. 169 (F1);
Assessoria Stock Car: p. 167 (F1); Assessoria Peugeot: p. 167
(F3); Assessoria Ingo Hoffmann: p. 167 (F2).
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Interlagos: uma corrida com dois pit stops
Este livro foi impresso na gráfica IDB – Impressão
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75gr. Impressão Digital Ducotech. Capa
offset 180gr. Impressão Digital HP 8550. A
fonte utilizada foi a Transit521 BT,
corpo 12 e espaçamento 1,5 pt.
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