INVENTÁRIO DO GRUPO DA PAZ 1996 A 2002

Transcrição

INVENTÁRIO DO GRUPO DA PAZ 1996 A 2002
TUDO O QUE FAZEMOS TEM DE SER MOVIDO
PELO DESEJO DE LEVAR A MENSAGEM AO
ADICTO QUE AINDA SOFRE.
Sobre a Aventura de Levar a mensagem: Grupo da Paz!
Reunir as partilhas de alguns companheiros que vivenciaram esta aventura
e publicá-las com o objetivo não apenas de registrar nossa história, mas
com o intuito de incentivar nossos membros a levar a mensagem ao adicto
que ainda sofre. Especialmente, os milhares que se encontram presos,
porque foram apanhados. Levar a reunião de NA até eles, fazer com que
(os que tiverem o desejo) o programa de 12 passos possa ser conhecido e
experimentado.
Para que nenhum adicto, em nenhum lugar, precise morrer dos
horrores da adicção ativa sem ter a chance de encontrar
recuperação.
Nós acreditamos! Somos adictos e o nosso problema é a adicção. A única
coisa que NA promete é a libertação da doença da adicção.
Nós nos recuperamos! Nada se compara ao valor terapêutico da
ajuda de um adicto a outro.
Nós nos importamos! Por isso e após lerem as partilhas do Grupo da Paz,
leiam algumas histórias do Projeto Cartas que dá continuidade ao serviço
de H&I que não para e fazem deste livro uma visão de esperança.
Ao encontrar este livro, se você for um adicto e tiver o desejo de servir,
procure uma estrutura de H&I e ou de Longo Alcance e prepara-te
para uma aventura!
ATENÇÃO AO BREVE RECADO:
ESTE TRABALHO ESTÁ EM ANDAMENTO E POR DECISÃO DOS MCR’S
DAS ÁREAS QUE COMPÕE O COMITÊ DE SERVIÇO DA REGIÃO
GRANDE SÃO PAULO ESTÁ SENDO ENVIADO NO PROPÓSITO DE
INCENTIVAR O CRESCIMENTO DOS SERVIÇOS DE H&I, IP e ESFORÇOS
DE LONGO ALCANCE, BEM COMO DE LINHA DE AJUDA E OUTROS.
------------------------------------------------------------------POR NÃO TRATAR-SE DE LITERATURA APROVADA DE NARCÓTICOS
ANÔNIMOS POR FAVOR, ORIENTE-SE COM UM SERVIDOR DE NA
ANTES DE IMPRIMIR OU DIVULGAR. OS SERVIDORES DE NA ESTÃO
TRABALHANDO PARA QUE A PUBLICAÇÃO VENHA A SER AUTORIZADA,
TALVEZ COMO “POR DETRÁS DAS GRADES – OU OUTRO TÍTULO A SER
AINDA DEFINIDO.”
------------------------------------------------------------------OBRIGADO POR RESPEITAR NOSSOS PRINCIPIOS!
------------------------------------------------------------------OS NOMES DOS COMPANHEIROS QUE ENVIARAM SUAS PARTILHAS
FORAM RETIRADOS E AGRADECERMOS POR DOAREM SEUS DIREITOS
AUTORAIS A NARCÓTICOS ANÔNIMOS – REGIÃO GRANDE SÃO PAULO.
INFORMAÇÃO AO PÚBLICO PARA FAMILIARES –
NO CARANDIRU
Ingressei em abril de 1994, num dos grupos do CSA SUL,
que ficava localizado em Curitiba – PR. Um mês e meio
depois, formou-se por lá um novo CSA.
(CSA = Comitê de Serviço de Área. É formado pelos grupos para desenvolver
serviços direcionados a levar a mensagem ao adicto que ainda sofre, de modo que
mais adictos possam saber da existência de NA e encontrarem vida após as drogas).
Aos 90 dias limpos, recebi o convite para fazer um treinamento de H&I –
IP. O Vice-coordenador do Comitê recém-formado fez o convite. Tudo era
novo em NA. Havia orientações, mas não tínhamos ainda os Manuais
aprovados. Mas éramos movidos pelo desejo de levar a mensagem ao
adicto que ainda sofre e tive o privilégio de receber meus primeiros
treinamentos. Um tanto de mistério rodeava aquela reunião. Levei um
gravador para ouvir uma fita com a orientação. Mas a fita não foi levada.
Disseram-me para falar por dez minutos. Quatro minutos para falar de
ativa e seis minutos para falar de recuperação. Assim fiz, com o tempo
controlado por outro companheiro. Após minha partilha, os companheiros
fizeram várias perguntas. Respondi-as. Disseram-me então que fariam os
comentários e que eu deveria apenas ouvir, não contestar. Portanto não
haveria retorno, nem espaço para justificativas. Nem espaço para debates.
Por causa disso, continuei voltando. Quinze dias após fui de novo, levei o
gravador. Nunca ouvi a fita. (rsrsrs) Continuei voltando...
Alguma coisa estaria para acontecer e eu senti que precisava fazer parte.
Estavam se desenvolvendo a maneira de treinarmos, de nos prepararmos
para o serviço em NA.
Chegaram os Manuais – de H&I, de IP, de Linha de Ajuda. Envolvi-me no
serviço, coordenei subcomitês, liderei painéis, coordenei painéis. Fui
orador. Continuo orador. Desde aquele primeiro treinamento, sou orador.
Sempre que chamado e tenho a disponibilidade, vou partilhar.
Treinamentos periódicos. Reciclagem. É uma parte importante para
manter-me atualizado e em dia para poder quando chamado, participar.
Participar é ajudar a levar a mensagem.
Dessa forma participei de Informação ao Público para familiares de
presos no Carandiru. Naquela tarde, tive o contato com mães,
mulheres, filhos e filhas. Pais de presos. Amigos e amigas. Já
sabíamos que estavam chegando aos grupos, adictos que tinham
ouvido falar de nós através de familiares dos presos e através das
cartas de adictos presos que contavam aos parentes que tinham
problemas com drogas, que existia NA e que funcionava.
Respondíamos perguntas e percebíamos que mais alguém iria
chegar. As Informações ao Público para familiares eram regulares.
Uma vez conversei animadamente com o companheiro Valente sobre isso.
Divulgamos o Grupo da Paz no Boletim Só Por Hoje. Incentivamos que
outras ações fossem feitas em outras áreas.
Ele (o companheiro Valente) teve uma atuação importante no Grupo da
Paz, que de painel de H&I virou grupo institucional. Longo Alcance, este é o
nome do subcomitê que trata de grupo institucional.
Valente são os companheiros que continuam o serviço de NA, animados
pelo encorajamento de um membro cuja liderança efetiva, nós
valorizamos. De fato, nossos líderes são apenas servidores de confiança,
eles não governam. Mas nos mostram o caminho. Encorajam-nos a voltar,
a não desanimar.
Muitos membros anônimos participaram, participam ou vão participar
desse serviço. São animados na maneira simples de servir NA. Boa vontade
e algum tempo limpo, são os principais requisitos. Todos reunidos com o
mesmo propósito: levar a mensagem ao adicto que ainda sofre.
Especialmente aos que estão privados da liberdade, reclusos por terem
sido “apanhados”. Enquanto cumprem suas penas, nós da irmandade de
Narcóticos Anônimos pensamos em alcançar adictos que precisem de NA.
Porque só dando podemos manter o que temos. E temos: Fé, força e
esperança para oferecer.
Nesta primeira edição recomeça o trabalho de Literatura da Região Grande
São Paulo que quer encorajar os membros de NA a participarem
desta Aventura, porque funciona! O programa de NA é libertador.
Liberta da adicção ativa.
Conheça as Literaturas disponíveis e se você for um adicto, junte-se a nós.
Recuperação é o que acontece nas reuniões de NA. O único requisito para
ser membro é o desejo de parar de usar. O único requisito para o serviço
voluntário em NA é a Boa Vontade e o engajamento nos subcomitês.
Informação ao Público, Hospitais & Instituições, Longo Alcance, Linha de
Ajuda, Eventos, Literatura. Escolha um e participe. Tudo para que mais
alguém chegue num grupo de NA. O grupo, principal veículo de levar a
mensagem.
Boa Leitura! Se o leitor não for de um membro NA, esperamos que aprecie
e que divulgue NARCÓTICOS ANÔNIMOS, um programa viável de
recuperação. Funciona!
INVENTÁRIO DO GRUPO DA PAZ 1996 A 2002
O serviço na Casa de Detenção só se iniciou, porque uma
companheira tinha seu marido detido.
O serviço de H&I na área simplesmente não existia, não
tinha material, não tinha guias, não existia reunião...
O que existia na época, eram apenas alguns companheiros
que realizavam reuniões em instituições, mas tratavam-se apenas de
iniciativas próprias e pessoais dos companheiros.
Com o incentivo desses companheiros iniciaram as reuniões
de estudos de H&I e IP que eram realizadas alternadamente as sextasférias nas dependências do Grupo São Luiz (na antiga sala) na Rua
Haddock Lobo. Ainda sim, era tudo muito primitivo: reuníamo-nos apenas
para os companheiros explicarem como eram as reuniões, que neste
momento eram no Bezerra de Menezes onde um companheiro realizava as
reuniões e na Vila Serena que era visitada por outro companheiro, porém
esta na época era um grupo de N.A, mas com algumas restrições de
freqüência de membros o que começou a gerar algumas discussões sobre o
assunto.
Nesta altura em meados de 1994, aconteceu uma Convenção
ou um fórum de serviço mundial não me lembro de muito ao certo, porém
devido à necessidade de uma direção para o serviço de H&I foi pedido para
a companheira que iria nos representar, que se possível, nos trouxessem
algum material traduzido ainda que para o português de Portugal.
E assim foi a companheira voltou e trouxe consigo, uma
pequena apostila que continha “O QUE FAZER E O QUE NÃO FAZER EM
UMA INSTITUIÇAO DE TRATAMENTO”, era apenas três folhas, porém era
tudo que precisávamos para conversar.
Nessa mesma época foi realizada troca de servidores da
mesa do CSA Sul que era o único existente na cidade e Grande São Paulo,
e junto com outros companheiros e companheiras ganhamos um local para
funcionamento do subcomitê de H&I, que era as sextas-feiras na “casinha”,
anexo ao Grupo Alvorada.
Com o avanço dos estudos começamos atender as instituições.
Primeiro assumimos as que os companheiros iam sozinhos, depois
começamos a expandir para outras, porém não se passava uma semana se
quer, sem se falar na Casa de Detenção, na maioria das vezes era a
companheira que iniciava o assunto que sempre acabava com muita
polêmica e discussão.
Havia na época um medo enorme de se visitar um presídio
não havia companheiros com experiência e a cada reunião em que o
assunto era discutido, uma correnteza de absurdos era falado. Falava se de
tudo, que os companheiros seriam mantidos refém, que nós não tínhamos
que freqüentar aquele lugar, mas no final a companheira sempre dizia que
nós tínhamos era medo..., e que aquele lugar estava repleto de nosso
povo, adictos que tinham o direito de conhecer nossa mensagem...
E depois de muita, mas muita discussão decidiu-se realizar o
primeiro contato com a direção da Casa. Elaboramos um oficio explicando
nosso serviço e nos oferecendo para realizá-lo, como o guia de serviço
ainda estava em processo de tradução, esse oficio foi levado na reunião de
Área para aprovação, “nossa quanta discussão”...
Devido ao contato que a companheira já tinha com a direção
da casa, a formalização foi muito simples por parte da Casa de Detenção, e
se colocaram a nossa disposição para a realização das reuniões...
Nessa altura a tradução do manual ou guia de H&I ficou
pronta e começávamos a estudá-lo nas reuniões, porém uma nova
discussão surgiu, as companheiras que freqüentavam o subcomitê queriam
participar da reunião que seria realizada. Para a solução desta discussão
até agressão física aconteceu, me lembro que uma companheira
inconformada com o impedimento de ir à reunião, jogou uma cadeira nos
companheiros na reunião do CSA.
Mas como somente o que é espiritual sobrevive em nossa
irmandade, às personalidades foram se acalmando e conseguimos marcar
a primeira reunião, que por orientação da Direção deveria seguir o seguinte
modelo:
Nós passaríamos nas escolas dos pavilhões avisando que na
próxima semana em horário certo haveria a reunião, e assim foi lembro
que neste primeiro dia visitamos as escolas, interrompíamos as aulas,
explicávamos um pouco sobre adicção, sobre nossa recuperação,
deixávamos um cartaz afixado e convidávamos todos a nos conhecerem
melhor na próxima semana no local e horário agendado, que se não me
engano era no Pavilhão 04. Ao final desse dia fomos convidados pelo
agente penitenciário, que representava a administração da Casa perante
nós, a conhecermos as dependências da Casa.
Ele nos levou na maioria dos pavilhões nos mostrando e
explicando como cada pavilhão funcionava, com suas escolas, oficinas,
igrejas etc..
Mas o que, mas me impressionou nesse dia e que talvez
nunca mais consiga esquecer, foi quando ele nos levou a enfermaria do
pavilhão 05, que de enfermaria só tinha o nome, aquilo era um verdadeiro
depósito de doentes: um local escuro; úmido, sem ventilação. Cheirando
podre. Realmente uma visão sombria. Fomos entrando nos corredores e
era incrível o carinho que as pessoas tinham com aquele senhor, enquanto
todos os presos até então eram chamados de “ladrão”, aqueles doentes;
este agente os chamava pelo nome, explicava para eles quem éramos
nós e também nos explicavam o que cada um tinha. Devia ter mais ou
menos uns 150 doentes na sua maioria doentes terminais, que se
contaminaram ou adquiram suas doenças através da adicção. Lembro-me
que chegamos próximo de um leito, que na verdade era um colchão no
chão, onde estava um preso muito, mas muito debilitado, o agente tentou
acordá-lo, mas ele não respondia, até que ele se mexeu um pouco, o
senhor conversou com ele explicou quem éramos nós, o rapaz nos chamou
para perto dele, o agente como que autorizando nossa aproximação me fez
um sinal com a cabeça como quem diz “Não precisa ter medo”, e me
aproximando o rapaz sussurrou:
“VOCES SÃO ANJOS ENVIADOS POR DEUS, PENA QUE PARA MIM JÁ É
TARDE”, fiquei paralisado no momento e o agente penitenciário
percebendo, brincou com o rapaz para quebrar o gelo:
“Não fale bobagem, semana que vem você vai à reunião com eles”..., e em
seguida continuamos no corredor. Quando começamos a realizar as
reuniões esperávamos encontrar muita resistência dos presos, mas após
algumas reuniões percebemos que aquele local se tratava de um
verdadeiro depósito de adictos. Que, a maioria ali detida tratava-se de
nossos irmãos, pessoas encarceradas muito mais pela adicção, do que
pelos muros que as rodeavam...
As reuniões começaram a ser realizadas, mensais, que
passaram para quinzenais e enfim semanais. Nesta altura começaram as
discussões sobre a possibilidade das reuniões de HI virarem um grupo de
NA institucional. Ocorreu então mais um grande movimento envolvendo
toda a estrutura de serviço, pois o Longo Alcance foi envolvido, a
tesouraria do CSA devido ao consumo de material e recursos financeiros e
todos os membros que participavam do serviço.
Exatamente neste momento, em minha vida pessoal
ocorreram importantes mudanças, o meu encargo terminou, e juntamente
com isso fui transferido para outra cidade distante de São Paulo. Precisei
me afastar deste serviço então, mas o serviço não parou, pelo contrario só
prosperou..., outros companheiros continuaram e expandiram ainda mais
nossa mensagem dentro da Casa de Detenção.
Em todo este tempo de recuperação e serviço, à irmandade,
muitas experiências foram somadas em minha vida, e este serviço foi a
maior delas... Espero que possa ter contribuindo para a soma de mais uma
experiência... Em espírito de irmandade e amor...
------------------------------------------------------------------------------Com apenas três meses limpo fui chamado pelo meu padrinho para
frequentar as reuniões de HI na recém-inaugurada Oficina Nova Esperança.
Pude participar de alguns treinamentos e fui como ouvinte em alguns
painéis. Depois de algum tempo comecei a partilhar nos painéis e me
apaixonei por HI.
Vi que neste subcomitê teria a chance de ver bem de perto dois ou
três finais prováveis da minha doença. Visitei hospitais psiquiátricos e vi
pessoas que perderam o contato com a realidade devido ao uso de drogas.
Identifiquei-me bastante, pois no final da minha ativa tive algumas
alucinações, me via em cada interno e gostava muito por ter contato com
companheiros mais experientes a cada painel.
Minha gratidão só aumentava por ter conhecido NA e me mantido
limpo, pois tenho certeza que se voltar ao uso, irei passar por estas
instituições certamente.
NA tinha um contato com alguns funcionários da Casa de detenção
que gostariam que nós implantássemos nosso programa de recuperação
para os detentos. Depois de algumas reuniões entre os subcomitês de
Longo Alcance, Hospitais e Instituições e Informação ao Público, foi
escolhido um modelo de divulgação para avisar que nós estaríamos a
realizar painéis através das salas de aula.
Decidimos que era melhor juntar os modelos de partilha do HI para
que a mensagem ficasse bem clara. Foi muito emocionante, pois ficamos
alguns dias indo a todas as escolas em todos os pavilhões e em todos os
horários de aula para avisar que nós nos reuniríamos lá em determinado
dia. Explicaríamos quem somos e nossas histórias pessoais. O Manual tinha
que ser seguido à risca para que não colocasse em risco todo trabalho.
Depois de ser exaustivamente divulgado, montamos nosso primeiro
painel com a ajuda de um funcionário do departamento de esportes.
Usamos toda e qualquer estrutura da cadeia, realizando painéis em igrejas,
centros de umbanda e barbearias.
No primeiro painel de HI na Casa de detenção do Carandiru, tive
contato com um companheiro que estava preso e que estava limpo há
quatro anos. Eu que tinha ido ali para levar a mensagem para resgatar
vidas, fiquei impressionado com a qualidade de recuperação deste
companheiro, pois ele tinha uma disciplina, um modelo de recuperação que
adotei pra mim e uso até hoje. Ele era extremamente participativo em
tudo, desde as reuniões como no funcionamento da Casa de Detenção.
Trabalhava no hospital e cuidava dos esgotos, tudo para se manter longe
das drogas. Tinha uma boa vontade imensa e ficava muito feliz quando
nos via chegando para mais uma reunião. Com ele aprendi que não
importa onde e quais condições eu me encontro. Eu posso ficar limpo!
Ajudou-me a ser mais grato. Se ele conseguiu praticar o programa, é
porque a promessa de liberdade havia sido cumprida. Era um preso livre
das obsessões e compulsões.
Tive um despertar espiritual e uma consciência mais ampla de Deus
e de minha responsabilidade sobre a minha recuperação.
Bem cedo descobrimos que modelo de painel de HI, de partilha dos
membros, perguntas e respostas estavam insuficientes, pois os residentes
tinham necessidade de falar também de seus sentimentos, medos e
aflições e chegamos através de consciência coletiva que seria melhor, criar
um modelo de painel que se aproximasse de nossas reuniões de partilha
fechada. Eles devoraram a literatura que distribuímos e se reuniram
durante a semana entre eles.
A cada visita meu espírito mergulhava em um mar de gratidão,
vendo eles se esforçando para ficar um dia limpo em lugar com condições
hostis. Eu não podia mais fazer corpo mole aqui fora. Graças ao Grupo da
Paz, consegui encontrar a recuperação em NA.
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referência. Sabíamos que era uma grande responsabilidade levar a
mensagem para um local onde a droga foi o motivo de muitos terem ido
parar lá.
“Complexo Carandiru” era o nome do conglomerado de prédios e de
pessoas, mas o sentido da palavra para nós que estávamos a iniciar os
serviços de NA lá se tornou simples para mim após ter ido à primeira vez
naquele lugar e entender que nós podíamos entrar e sair de lá tínhamos a
mesma doença que eles com o privilégio de ter descoberto o programa
antes de sofrer as conseqüências trágicas e chegar lá.
DIVULGANDO OS PAINÉIS
Sou um adicto em recuperação e graças a Deus e a N.A. encontrei uma
nova maneira de viver.
Considero-me fruto do serviço de HI, pois quando passei por um
tratamento me lembro dos dias que esperava ansiosamente a visita de
companheiros que percorriam mais de 100 km para partilhar suas
experiências através da prática do programa e de N.A. Foi por eles que
despertei o interesse e NA, e quando sai da instituição no meu primeiro dia
na rua fui a uma reunião.
Dessa forma não fui a uma reunião de área, ela foi a mim e pude
entender que N.A. era maior que o grupo que costumava freqüentar. Ouvi
sobre os serviços e descobri o que era HI. E lembrando-se daqueles
companheiros que me visitavam para falar entusiasmados sobre a
recuperação em N.A. vi que poderia retribuir o que me fizeram. O
subcomitê de HI funcionava ao lado do grupo Alvorada eu aproveitava para
pegar a reunião das 17h30 e depois participava do HI. Como poucos
companheiros se dispunham a ir ao subcomitê, os que iam, eram bem
recebidos. Muito bem recebidos. Como eu, que fui recebendo o
encorajamento para fazer o treinamento para realizar painéis. Após três
treinamentos eu estava apto. Lembro-me da primeira vez que confirmei
minha presença em um painel. Aquele frio na barriga e o peso da
responsabilidade em ser um mensageiro. De NA.
A cada painel uma experiência nova e uma vontade maior de
continuar a servir NA. Nas oficinas discutíamos sobre os serviços, o
interesse da sociedade por informações sobre NA sempre crescendo.
COMPLEXO CARANDIRU
Apesar da oficina da área Sul atender instituições que trabalhavam
os 12 passos, em uma das reuniões do comitê falamos sobre a importância
em priorizar instituições que não aplicavam “12 passos” aos adictos em
tratamento. Pensar em instituições carcerárias foi assustador. Não havia
experiência nesse tipo de serviço, em nossa área e os companheiros de
Campinas foram pioneiros na região Brasil. Nós fazíamos simulações para
atender ao Carandiru, usando o manual (acho que de 1988) como
Antes de formalizar nosso serviço de HI, fizemos ações para
divulgar as reuniões. Visita nas escolas, igrejas, bibliotecas e no hospital
(enfermaria).
Nas escolas colávamos cartazes com o dia e o local onde seria a
primeira reunião de HI. Percebemos que havia pessoas de outros países
como europeus, latinos, africanos e sentimos a necessidade de fornecer
literatura em outros idiomas e solicitamos a ACS ou mundial que nos
atendeu prontamente.
Na enfermaria conversamos com alguns presos e o agente
penitenciário tinha o respeito dos presos por organizar a liga interna de
futebol. Um preso estava lá para tirar água dos pulmões e pela 3ª vez.
Muito debilitado fisicamente, nos falou que a prisão maior para ele era o
vicio.
A 1ª REUNIÃO DE HI
Na primeira reunião de NA dentro do Carandiru éramos três
companheiros. A reunião foi numa sala próxima ao campo de futebol e
podíamos sentir alguém usando drogas e soprando para dentro da sala, ou
seja, nem todos queriam nossa presença lá.
Seguindo a reunião, conforme o manual (introdução, leitura de
folheto, partilhas, perguntas e respostas).
O fato que mais me marcou foi durante a partilha de um dos
companheiros, um preso perguntou qual droga ele tinha usado. Na ocasião
pelo manual a resposta seria “não importa o que ou quanto nós usávamos
em NA”. Porém, não era isso que aquele preso queria escutar, então o
companheiro falou de todas as drogas e então sentimos o respeito deles e
a identificação pelo silêncio temporário.
RECONHECIMENTO DA EFICÁCIA DO PROGRAMA
Em um dos painéis antes de entrarmos nos pavilhões, encontramos
um profissional da área da saúde que tinha muitos anos de serviços e
conhecia muito bem o Carandiru. Um dos companheiros abordou-o e o
apresentou ao texto básico. Ele falou que conhecia a eficácia do nosso
programa, elogiou nosso trabalho e ressaltou que nosso serviço era muito
bem vindo lá.
------------------------------------------------------------------------------Eu sou adicto tenho 49 anos e estou limpo há 12 anos e 2 meses,
nascido em São Paulo, casado há 16 anos e pai de um filho.
Minha história de adicção não é diferente da de muitos de nós. Medo
paralisante angustia, mentiras, frustrações, culpa etc.. Bem, minha
chegada em NA se deu em março de 1997. Ingresso no Grupo 5ª Tradição
do Ipiranga, possuía uma frequencia regular as reuniões após uma
internação, onde tive contato com pessoas de NA, que foram falar de suas
experiências como ficar limpo na rua. Após 90 dias e 90 reuniões, todos os
dias; conheci pessoas maravilhosas como meu padrinho, o coordenador de
HI, entre outros da área sul e entre outros que já se foram.
Um dia após uma reunião no Grupo Alvorada, fui abordado por um
companheiro, dizendo pra mim que há algum tempo estava me
acompanhando nas reuniões do Grupo e me perguntou se eu não gostaria
de participar de um subcomitê de serviço chamado HI. Fiquei surpreso e ao
mesmo tempo feliz, muito feliz, pois após 3 meses indo as reuniões,
conheci outras pessoas maravilhosas. Na verdade fiquei com medo, pois
tinha somente 3 meses limpo, mas já sentia a necessidade de falar para o
mundo que tinha encontrado um lugar especial chamado Narcóticos
Anônimos.
Após dez dias fui conhecer esse tal de subcomitê, que tinha uma
frequencia enorme, e comecei a participar das reuniões todas as sextas
feiras nas dependências do Grupo Alvorada, na famosa “casinha”. Foi ali
que iniciei a levar a mensagem a aquelas pessoas que não tinha livre
acesso as nossas reuniões. Fiz alguns treinamentos e logo comecei a
participar do processo de levar a mensagem. Foi e é uma aventura sem
fronteiras. Comecei a perceber o quanto era importante esse trabalho. Fui
eleito secretário deste subcomitê com 6 meses de tempo limpo, não faltei
nenhuma reunião por um ano e fui a muitas instituições neste período.
Acompanhei meu padrinho por 6 meses na psiquiatria da Água Funda onde
aprendi a importância do comprometimento em NA e qual o nosso papel.
Fui líder de painel desta instituição e depois vice-coordenador e
coordenador do subcomitê de HI.
Sobre a minha ida à Casa de Detenção, foi uma experiência
maravilhosa que se encontra no centro do meu despertar para a vida.
Agradeço de coração aos companheiros que participaram do início deste
trabalho. Foi difícil no começo, pois os painéis aconteciam as 4ª feiras pela
manhã. Não posso deixar de lembrar o amigo e funcionário da Casa que
sempre nos recebeu com enorme carinho. Havia um interno estrangeiro
que através de sua coragem, levava a mensagem de NA para adictos de
outros pavilhões aos quais não tínhamos acesso. Registro meu
agradecimento a todas estas pessoas de extrema importância para que o
serviço fosse realizado.
Após um período de painéis, chegamos a uma consciência dentro do
subcomitê que estava na hora de passar a autonomia aos residentes da
Detenção afim de que eles coordenassem as reuniões. Foi muito legal
porque já nos painéis de HI, havia nosso incentivo a eles para realizar este
trabalho, e eles aceitaram. Houve uma reunião de serviço no local, onde os
internos escolheram o nome do Grupo que seria Grupo da Paz.
Elegemos um secretário que por sinal era um companheiro que já
colaborava na arrumação da sala, colocava a toalha e arrumava a literatura
de NA. Este companheiro já idoso com seus cabelos brancos e uma enorme
boa vontade em contribuir para que NA ficasse vivo naquele lugar.
Tive o prazer de participar do aniversário do Grupo, com bolo,
refrigerante e muitas trocas de fichas...
Uma das vezes em que estive lá, acho que não estava muito bem de
saúde entre outros problemas. Fui de metrô até lá com outro companheiro,
que percebeu a minha situação. Através de exames descobri que estava
com Hepatite C e precisava de tratamento. Graças a Deus hoje está tudo
bem. Neste dia após sair da detenção, este companheiro me perguntou se
eu estava melhor. Eu pensei um pouco pra responder e em seguida disse
que sim. Ele voltou a perguntar se eu estava bem. Neste momento
abracei-o e comecei a chorar e agradecê-lo por tudo o que ele fez por mim,
e naquela calçada após alguns instantes, em frente aos portões da Casa de
Detenção pude dizer a ele que minhas dificuldades tinham desaparecido
como um piscar de mágica. Foi incrível e nunca mais me esqueci disso.
Nessa reunião, um cara, membro de NA residente, falou para nós
que ele era um “preso livre”, pois tinha conhecido NA há algum tempo e
nunca mais usou drogas e que nós éramos muito importantes para ele.
Tive o prazer e a honra de trocar sua ficha de 2 anos limpos. Na troca, ele
disse que morava num “X” com mais 15 pessoas, 13 usando drogas na cela
e soltando fumaça em sua cara. Eles o provocavam afim de que ele e outro
residente usassem drogas também. Ele disse que NA é mais forte do que
aqueles 13 caras usando e que ele não precisava mais usar só por aqueles
momentos. Falou que mais seria revelado em sua vida através do
programa. Na minha reflexão, percebi que se esse companheiro, nessas
condições, não usava mais droga, qual era a minha dificuldade?
Agradeço sempre a Deus àqueles companheiros que me
incentivaram a fazer este trabalho que sempre me enriqueceu como ser
humano filho de um Deus perfeito. As amizades e experiências que
ninguém pode tirar porque estão dentro de mim, bem dentro e mais será
revelado.
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Sou um adicto em recuperação, estou limpo há 14 anos 5 meses e 12 dias.
Tive contato com os serviços de Hospitais e Instituições muito cedo em
minha recuperação, por sugestão de meu padrinho fui até ao comitê local.
Cheguei com muitas reservas, pois não havia passado por nenhum centro
de tratamento ou qualquer tipo de instituição correcional.
Segundo a intuição de meu padrinho, precisa estar envolvido com o
“serviço” em NA, porque dessa maneira também foi “passado pra ele”, e já
vinha dando certo há a alguns anos (e até hoje ainda ele se encontra
envolvido).
Nosso subcomitê começava a passar por transformações, a Irmandade
passava por grandes transformações, junto com outras Áreas formávamos
um grupo de companheiros apaixonados, ansiosos por entrar em toda e
qualquer instituição em nosso País. (para levar a mensagem de esperança
a adictos que ainda sofrem)
Levamos a mensagem de Narcóticos Anônimos em Centros de Tratamento,
Hospitais Psiquiátricos, Organizações Não Governamentais Instituições
Religiosas e Correcionais.
Mas existia uma que chamava mais a atenção, porque em si mesma era
emblemática.
Um universo de mais ou menos 7000 homens no centro urbano de São
Paulo, ao lado da maior via de chegada a capital paulista, a rodoviária do
Tietê, estava lá impassível diante das inúmeras tentativas de rebelião, a
Casa de Detenção ou simplesmente “Carandiru”.
Ouvi muitas discussões dentro do comitê, nas reuniões de área, reuniões
regionais e até mesmo em convenções, como foi o caso da primeira
Convenção de NA que participei – Penedo - RJ 1995.
O embate era se mulheres podiam levar a mensagem em instituições
masculinas e vice-versa, e obviamente o Carandiru fazia parte da pauta.
Momentos em que deixamos nossas emoções saltarem sem pedirem
licença, e mesmo não entendendo o que o “companheiro dos serviços
mundiais” falava, podiam ser visto nos rostos de todos que aquele lugar
iria nos trazer grandes experiências.
Neste momento consulto apenas minhas lembranças e confesso que a
ordem cronológica dos acontecimentos me confunde, mas estas mesmas
lembranças me levam a ouvir o ruído dos portões sendo aberto, do senhor
contato vindo ao nosso encontro, e ali as pessoas que começávamos a
encontrar já não tinham mais tanta vaidade. Vestiam as mesmas roupas
das mesmas cores, em cada semblante uma história, uma incógnita, em
muitos à vontade de ter uma vida transformada pelo poder da mensagem
do 12º passo.
Em meio à mística do lugar, misturada muitas vezes com a frustração de
ver o local das reuniões vazio, paradoxalmente num universo de tantas
pessoas, era difícil reunir um numero mínimo de “companheiros”, e
também a dependência de ter um clima “bom” dentro da cadeia para
realização das reuniões.
Precisávamos de mais tempo lá dentro, mais pessoas envolvidas, despejar
literatura, cometer menos erros, treinar mais membros, ler mais nossos
manuais, precisávamos de um grupo de NA dentro do maior presídio da
América Latina.
Prioridade absoluta do comitê uma questão obvia, pois se conseguíssemos
permanecer dentro do Carandiru, nenhuma porta de qualquer outro
presídio se fecharia, desta maneira cumpriríamos nosso propósito de levar
a mensagem a quem não tivesse o mínimo de contato com Narcóticos
Anônimos.
“Sejam todos bem vindos à primeira reunião do Grupo da Paz de
Narcóticos Anônimos”.
Uma das experiências que mais marcaram minha recuperação foi
receber membros recém-saídos da instituição, que ingressaram em
NA no Grupo da Paz, começando a frequentar reuniões “na rua”.
(em liberdade)
Se eu fechar meus olhos e ficar em silêncio ainda consigo ouvir o
barulho dos portões se fechando atrás de nossas costas e também
o coro dos companheiros do Grupo da Paz dizendo; “DEUS
CONCEDA-ME SERENIDADE, PARA ACEITAR AS COISAS QUE NÃO
POSSO MODIFICAR CORAGEM PARA MODIFICAR AQUELAS QUE
(EU) POSSO E SABEDORIA PARA RECONHECER A DIFERENÇA, SÓ
POR HOJE”.
------------------------------------------------------------------------------Sou um adicto em recuperação e Graças a Deus e a Narcóticos
Anônimos como um todo estou limpo desde 25 de outubro de 1996.
Havia participado de algumas reuniões de Painel de HI mais sem
muita constância. Meu irmão, pouco tempo depois da Instituição tornar-se
de HI para Grupo Institucional, passou a convidar-me para ir às reuniões e
vez ou outra eu aceitava. Ele estava servindo como RSG do Grupo da Paz e
contava histórias que me atraiam para este serviço. Lembro-me de um
companheiro envolvido também com o Grupo, tanto que acabou tornandose RSG depois. Meu padrinho vestia a camisa do Grupo e vivia incentivando
para eu ir às reuniões. Houve um tempo que passei a freqüentar mais o
Grupo mais ficava preocupado em envolver-me de forma maior por conta
do meu trabalho, afinal de contas ficávamos uma manhã toda em um dia
da semana.
LONGO ALCANCE
Aproveito a oportunidade para agradecer o Sub Comitê de longo
Alcance, pelo suporte e responsabilidade nas cartas que eram recebidas
pelos internos do Grupo bem como o envio de cartas de membros,
divulgação e cartazes incentivando esta importante ferramenta de
comunicação feita por membros que não podiam freqüentar o Grupo mais
partilhavam suas experiências. Nosso Muito Obrigado também pelos
treinamentos de Longo Alcance Institucional para Instituições Carcerárias e
pelos treinamentos do Sub Comitê de Hospitais e Instituições também por
estes treinamentos que tinha sua peculiaridade.
É importante citar também o CSA Sul, Comitê de Serviço que apoiou
a existência do Grupo, e não poupou esforços em disponibilizar diversos
materiais sem nunca questionar o volume principalmente de folhetos (Kit’s
para recém-chegados que levávamos ao Grupo). Obrigado ao tesoureiro na
época.
ANIVERSÁRIOS DO GRUPO
No primeiro aniversário do Grupo em 1998 eu apesar de já
frequentar, como ia pouco não me senti a vontade de ir à festa, pois achei
que seria egocentrismo de minha parte. Minha surpresa foi quando olhei as
fotos, e percebi muita gente estava indo pela primeira vez no Grupo
justamente naquela festa e outros que tinham ido apenas uma ou duas
vezes. Fiquei na raiva com eles e comigo mesmo e ainda tomei um puxão
de orelhas do meu padrinho, por não ter ido.
Também não deixei barato, estive não só participando mais do
grupo como ajudei na organização da segunda e terceira festa de
aniversário, onde arrecadamos dinheiro e doações de salgadinhos para
confraternização. Muito legal! Que espiritualidade! Nossos companheiros
internos fizeram um bolo (veja foto no final do livro) com a seguinte frase:
- Obrigado pela dedicação.
- Deus está aqui!
Preciso falar mais alguma coisa.
O bolo tinha as cores de NA, azul e branco. Fizeram um pagode pra
nós. Fizemos até fotos e naquele segundo aniversário até a minha ficha de
quatro anos troquei lá, pois calhou de ser no mesmo dia do meu
aniversário de tempo limpo. Este aniversário aconteceu no pavilhão seis.
Nestas festas aproveitávamos a oportunidade para informar, falar
do nosso propósito, pois vinham pessoas de outros pavilhões para
participar.
No ano seguinte, a festa de aniversário aconteceu no pavilhão oito,
onde estiveram presentes vários presos que não tinham por hábito
freqüentar as nossas reuniões mais conheciam nosso trabalho na cadeia.
Ficamos sabendo que entre eles haviam inclusive traficantes. Alguns
chegaram a partilhar dizendo que mesmo usando drogas, sabiam da
eficácia do programa, pois deixaram de “machucar” adictos na ativa que
buscavam a recuperação em nossas reuniões. Um grupo de rap deste
pavilhão, que chegou a lançar um cd e ainda saiam da cadeia para realizar
shows na rua, cantou lá neste aniversário.
Na verdade a maior festa era nossa por saber que ali se passava
mais um ano de nosso trabalho de sucesso, do Grupo que funcionava no
maior Presídio da América Latina com mais de 7000 homens divididos em
imensos pavilhões. Nós não levávamos apenas a mensagem e sim a
recebíamos também, através de partilhas inspiradas e respeitosas
divididas, compartilhadas nas reuniões.
Aprendi a agradecer mais porque o que eu passava aqui na rua não
era nada se comparado às histórias assistidas no Grupo. Meu Poder
Superior queria que eu estivesse ali para me ensinar o privilégio de não ter
sido pego em inúmeras insanidades ao longo de minha adicção ativa.
Minha diferença se dava somente pela cor das calças, aliás, muitas vezes
nossas próprias eram beges, tamanhas as identificações com os irmãos.
Palmas a todos que tiveram o privilégio de experimentar desta
“marmelada especial” cujo gosto está espalhado pelo Brasil afora.
PAVILHÃO 9
Sempre escutei que na cadeia homem não chora. Bom, isto não
valia para o Carandiru. Era raro realizarmos reunião no pavilhão 9. Este
pavilhão recebia os chamados “cabeças de bagre” que na maioria eram
presos mais novos que não se preocupavam tanto com a conseqüência de
suas atitudes, muitas vezes deixando as leis da cadeia de lado e
comprometendo o próprio futuro. Vale lembrar que a chacina que
aconteceu no Carandiru, onde morreram centenas de presos, ocorreu neste
pavilhão.
Numa de nossas reuniões, ao ler um capítulo do texto básico me
emocionei e quando conclui a leitura percebi outros presos com lágrimas
nos olhos e na seqüência durante sua partilha, um deles chorou feito uma
criança. Ficamos impressionados com a cena, porém com a certeza de que
a mensagem estava de fato transformando os membros daquele grupo.
PAVILHÃO 5
Este era o pavilhão do seguro. Normalmente os presos recémchegados na cadeia, se não tinham condições de alugar ou comprar um
barraco (cela) eram alocados neste pavilhão. Dentro dele existia o
“Amarelo”, local das celas distribuídas ao longo de alguns andares do
prédio, onde presos que não podiam se misturar com os outros por
correrem risco de vida, moravam. Era comum quando fazíamos reunião na
capela do pavilhão 5, próximo à sala de prótese dentária, assistirmos as
chamadas “teresas” que eram pedaços de panos amarrados uns aos
outros, que eram atirados janela abaixo na intenção de conseguir cigarros
entre outras coisas com os demais presos que circulavam livremente neste
pavilhão.
Numa situação fazendo reunião no Pavilhão Nove, eu estava
empolgado, pois naquela semana iria para Convenção Regional de
Narcóticos Anônimos, e resolvi partilhar. Um dos participantes partilhou em
seguida “na raiva” mais ou menos assim:
LEMBRANÇAS DE MENSAGENS (dos presos residentes)
Aprendi e reparei-me. Ele tinha razão.
Alguns dos nossos que iam ao Grupo da Paz confundiam o Grupo
Institucional como um Grupo normal onde sento e partilho sobre o que me
vem na cabeça. Pensamento errado. O Grupo da Paz era freqüentado por
pessoas que passavam por um treinamento específico parecido com de
HI, com mais de 6 meses de tempo limpo, que deveriam, não era sugerido,
ir com vestimentas adequadas, ou seja, sem calça bege ou de campana,
sem blusas com cordões ou cordas, sem jóias ou pertences que
chamassem muita atenção, sem roupas que fizessem algum endosso a
religião, time de futebol, banda ou conjuntos musical, que estivessem com
a situação pendente com a justiça para poder sair de lá e assim por diante.
Certa vez no inverno; demos uma blusa de frio a um membro do
Grupo. Na outra semana havia mais ou menos umas três pessoas que
foram até a reunião pegar roupas achando que este era nosso papel ao
invés da 5ª Tradição. Demos cigarros aos internos, e alguns iam pra fumar
no Grupo (cigarro é uma moeda/dinheiro na cadeia). Procurávamos não
levar nem trazer cartas ou bilhetes nem de dentro pra fora nem de fora pra
dentro, não era nosso papel. Numa ocasião fazendo reuniões numa capela
no pavilhão 5, o coordenador do local disse estar em reforma e pediu-nos
um saco de cimento ou outra forma de contribuição e tivemos que dizer
não, que não podíamos ajudá-los. Foi difícil. Naquele local tínhamos que
prestar atenção no que falávamos e como falávamos. Mais do que qualquer
outro local, não podíamos desenvolver preferências pelos internos, missão
difícil uma vez que recebíamos até pedidos de apadrinhamento.
Força, fé e esperança! Se conseguíssemos nos centrar nesta
forma de partilhar tudo estaria bem, mas nem sempre isto acontecia. É
claro que ninguém pedia pra partilharmos uma história que não havíamos
vivido, mas também não precisávamos ter passado por uma prisão nem
tampouco termos roubado, matado. Enfim, nossa história já bastava.
Muitos pensavam que a partilha tinha que ser diferente, mais só precisava
ser a “nossa partilha”. Nossa literatura nos ensina que, nosso verdadeiro
valor está em sermos nós mesmos, então falemos de nós pura e
simplesmente.
- “Esta noite passei com mais nove no X (cela), e todos estavam usando!
Ajoelhei-me com meu texto básico na mão, fiz a oração e não usei. Estou
com meus joelhos esfolados, mas limpo para mais uma reunião”.
- “Pediram para que eu fizesse uma “limpeza, um serviço”, mais não queria
mais fazer aquilo”. Só tinha uma forma de contrariar a ordem. Dei uma
marretada na mão! Com a mão quebrada não posso “trabalhar” (matar).
Liberaram-me. “Por isto estou na reunião.”
- “Quero continuar sendo o coordenador do Grupo, mais estou sendo
cobrado pela minha igreja por estar envolvido com Narcóticos Anônimos”.
- “Se eu soubesse que era tão bom ficar limpo já teria parado há muito
tempo”.
- “Estou aqui por causa da droga. O traficante pulou o muro lá de casa e eu
o matei”.
- “Eu estou freqüentando as reuniões para dar uma força, mais eu não
tenho problema com drogas”.
- “Não quis parar e hoje tenho uma pena de 19 anos para cumprir. Aqui é
muito sofrimento”.
- “Começo a usar e não consigo parar. Aqui não tem perdão. Fez dívida
tem que pagar. Se quiserem usar, os caras ”dão“. Uso para esquecer a
vida. Aqui o tempo não passa. Todo mundo da cadeia fuma (uma
determinada droga). A casa libera pra cadeia não virar”.
O QUE NÃO FAZER
Por vezes deparávamos com situações onde éramos pegos de
surpresa.
- “Tamu” no maior veneno aqui dentro e se houve falar de Convenção,
festa e “o caramba...”.
Falarmos das insanidades e dificuldades que ainda estávamos
enfrentando por vezes desviou nossa mensagem, como dizermos que
frequentávamos um “puteiro na rua?”. Muitos ali não sabiam mais o que
era sexo, nem sexo pago, havia tempos. Aprofundamos-nos em relações
familiares, afetivas e também isso era sutil, pois muitos não recebiam uma
visita, nem sequer uma carta há muitos anos. Querer convidar os internos,
assim que saírem para frequentar nossas reuniões (como falamos no
serviço de HI quando levamos a mensagem num painel normal), era um
grande equívoco nosso, porque muitos não sairiam dali ou ficariam ali até
30 anos pelo menos, conforme previam suas penas.
Mas esperem aí! Com tantos pormenores, com tantos cuidados a
serem tomados, será que a mensagem chegava mesmo?
Graças a Deus chegava. Houve um ano em que tivemos 70
ingressos no Grupo da Paz com apenas 1 reunião por semana. O único
Grupo que teve mais ingressos naquela ocasião foi o Grupo Jardins com 72
ingressos, contando com 22 reuniões por semana.
O serviço de NA: funciona!
Muitos pensam que em 2002 foi realmente o fim do Grupo da Paz.
Mais eu tenho um segredo para dividir com todos vocês. O grupo da Paz
não fechou e nunca fechará suas portas. Quem dirigiu este serviço foi um
Deus amoroso que através de todos os participantes que foram
transferidos (foram de bonde) dali para outros presídios pudessem levar
com eles muitas vezes a única coisa além das vestes do corpo. A
mensagem de NA. Recebemos uma carta de um Presídio em Mongaguá,
onde o diretor requisitava nossa presença para ali iniciarmos nosso
trabalho. Entramos em contato com os companheiros de HI da Área
Caminho do Mar que prontamente iniciaram o contato e vieram a descobrir
que um dos nossos companheiros participantes do Grupo da Paz, havia
feito uma carta e encaminhado lá de dentro para diretoria. Caramba!
Demais é pouco.
Pegando uma reunião no Grupo Liberdade num dia desses
encontrei-me com outro companheiro recém-liberto. Fiquei alegre em revêlo e fui almoçar com ele. Ele me disse que estava morando no interior de
São Paulo, coordenando uma oficina de IP, com a família restaurada.
Estava gordo, corado; que satisfação!
Numa Convenção em Poços de Caldas, encontramos com um
companheiro que também juntamente com sua companheira, membro de
NA, estavam ali passeando se divertindo.
Dias atrás o companheiro que foi RSG Suplente, correndo no Parque
do Ibirapuera, encontrou-se com um companheiro com uma camisa de NA
que o chamou e se apresentou dizendo estar na rua, agora aproveitando a
vida.
Aguardávamos no Pavilhão 5 uma sala para realizarmos a reunião.
Um interno na sala da prótese conversava, conosco a respeito do dia a dia
lá. Falava sobre a composição de “Rap`s” que ajudava há passar o tempo.
O letrista era seu amigo conhecido como um personagem do cinema
infantil, e que acabara de chegar ao local onde estávamos. Nossa maior
surpresa e falando de mim. Um entusiasmo em convidá-lo a participar da
reunião que estava para acontecer, e que se deu por conta da sua história.
Em poucos minutos de conversa ele partilhou:
- Estou limpo das drogas há 1 ano, sete meses e alguns dias graças
aqueles “Rap’s”. “O “Rap” me libertou das drogas”!
Foi o bastante para que ficássemos entusiasmados para convidá-lo a
compartilhar suas experiências conosco. Afinal de contas, parecia haver
alguma identificação no quesito vir a acreditar, pois sua crença e talvez por
que não falar que seu Poder Superior era o “Rap”?
Realizamos a reunião por ali mesmo. Uma sala improvisada, onde o
banheiro era um buraco no chão. Havia uma “gambiarra” para conseguir
energia para funcionar a cafeteira e pudéssemos tomar nosso tradicional
cafezinho.
Show de bola! Que reunião bacana. Ingressos. Partilhas de força fé
e esperança e o presente de Deus no ponto de vista particular, foi o
ingressante cantar o Rap em homenagem ao que ele havia recebido de NA
durante aquela reunião em que se identificou, era mais ou menos assim:
- “NA, NA sua vida vai salvar...” - “NA, você pode acreditar...”.
“... Preciso continuar...”
ORAÇÃO NA DIVINÉIA
A primeira vez que fui ao Carandiru ainda como painel de HI,
percebi que havia todo um procedimento para entrar no presídio.
Principalmente pela questão de nossa segurança, dos funcionários e dos
próprios internos.
Chegávamos e ficávamos aguardando na calçada da rua do lado de
fora do complexo. Só entrávamos na hora em que nosso responsável
interno nos chamava.
Em algumas ocasiões em que a cadeia estava meio estranha, nos
mandavam voltar em outro dia.
Apresentávamos-nos na 1ª portaria dando documento que eram
verificados e registrados. Houve época que fizemos até uma carteirinha
para aqueles que tinham maior freqüência. Logo em seguida passávamos
por mais um portão e parávamos muitas vezes ali... ou quando seguíamos
por mais outro portão, seguido da revista e do detector de metais,
parávamos num lugar chamado Divinéia. Um local arborizado com um
grande jardim, sombra, bem arrumado e fazíamos lá a oração da
Serenidade. Aquilo era mágico, pois havia sempre um grande suspense em
cada nova entrada. Nunca sabíamos o que iríamos encontrar. A
concentração era alta e a fé nas palavras proclamadas, nem se fala.
Principalmente a parte da oração que fala de Coragem. Tomava um sentido
mais amplo que a abordagem normalmente feita na oração.
Sentíamos após este momento meio que como protegidos pelo
Poder Superior e também incumbidos de uma responsabilidade enorme e
um compromisso que ia além de nossa própria recuperação.
Concentrávamos-nos principalmente em nosso propósito e tínhamos
absoluta certeza que acontecesse o que acontecesse ele seria cumprido.
Havendo reunião ou não, nos acomodando em uma sala improvisada ou na
quadra ao lado da sala de musculação iríamos realizar mais uma reunião.
Quando isso não era possível, o fato de estarmos presentes já era
relevante, pois a mensagem de que estivemos por ali e o que estávamos a
realizar chegava pra todos que quisessem ouvir, e isto também era a nossa
mensagem. Mensagem que muitas vezes iam com vozes embargadas pela
emoção e pelo clima espiritual que se formava dentro das reuniões. Deus
falava conosco através dos partilhadores internos e externos, bem como
em olhares curiosos, atentos e fixos. Extremamente respeitosos também,
pois éramos tidos como uma “regalia” para os internos que recebiam
visitas somente aos domingos; aqueles que recebiam.
Equilibrávamos-nos nas tradições para não distorcermos a
simplicidade e importância de nossa maravilhosa mensagem:
Que um adicto, qualquer adicto, esteja onde estiver pode
Parar de Usar, Perder o Desejo e Encontrar Uma Nova Maneira de
Viver através do Programa de Narcóticos Anônimos.
Levávamos para nossos irmãos impossibilitados de saírem e
freqüentarem uma reunião na rua, a única coisa de mais importante que
tínhamos:
- Nossa esperança!
E isso bastava porque por conta de um passado “condenoso”,
acredito que éramos um dos poucos que depositavam votos de confiança
em cada um que entrava em nossas reuniões.
Levávamos a risca nossa 3ª tradição, pois saber o que eles fizeram
nos passado poderia impedir de levarmos a mensagem sem distinção nem
julgamentos.
Nosso Poder Superior partilhava em todas as reuniões, pois
ouvíamos as minúcias e as pequenas sutilezas que aconteciam durante
aqueles momentos reunidos. Tivemos compaixão e choramos por muitas
vezes. Soubemos nos segurar em momentos que nada mais podíamos
fazer. Falávamos do coração, ou melhor, quem falava era o próprio
coração. Nossa maior vontade era encontrar alguns deles, limpos na
próxima 4ª feira (na reunião).
Eles nos perguntavam de nossas famílias porque já se sentiam
parte! Quando íamos embora, não era um adeus. Falávamos até a
próxima! Companheiro. Continue voltando, funciona...
SERVIDORES DE CONFIANÇA
Vale lembrar-se de alguns dos companheiros que tive o privilégio de
servir junto, sendo que estes servidores eram internos da instituição e
muitas vezes tinham que passar pela intimidação da igreja a qual faziam
parte e não era tão amiga do nosso trabalho. Das atribuições que estes
internos tinham como trabalho e até mesmo de relações com outros
internos que não freqüentavam o grupo.
Lembro-me do companheiro trocando sua ficha de 4 anos limpos e
servindo como secretário do Grupo, no dia em que fui eleito RSG do Grupo.
Havia também um que apoiava nosso trabalho dividindo-se entre as aulas
que ministrava e as reuniões. Outro senhor de cabelos grisalhos era
responsável pelas cartas que enviávamos da rua e pelos cartazes de
divulgação das reuniões que eram colados pelos pavilhões.
Tenho que citar a importância de um companheiro, que em umas de
suas atuações no serviço de NA lá de dentro, ele foi transferido para outro
complexo na baixada santista e chegando, sabendo da necessidade de
frequentar reuniões para manter-se limpo, fez uma Informação ao Público
(IP) com os carcereiros e redigiu uma carta endereçada ao Diretor da
Instituição que de imediato entrou em contato conosco para que
iniciássemos o serviço de HI naquela instituição, que inclusive, é atendida
até hoje pela Área Caminho do Mar.
Na verdade todos que freqüentavam as reuniões já estavam
prestando um serviço, pois eram vistos como membros de NA, na
Detenção. Todo o complexo sabia quem freqüentava o Grupo e o porquê
que estávamos ali. Estes companheiros eram verdadeiros servidores de
confiança que carregavam nosso propósito custasse o que custar. Meu
agradecimento pessoal a estes companheiros que com toda certeza, aonde
quer que se encontrem levaram esta mensagem de força, fé e esperança.
CARTAS
Acho importante dividir neste material, aquilo que serviu e muito
como apoio em levar esta mensagem. As cartas inseridas neste livro estão
na integra e traduzem um pouco deste trabalho nas palavras dos próprios
internos que estavam se recuperando conosco nas reuniões do Grupo da
Paz.
FUTURO DE NA
Alguns companheiros dizem que o futuro de nossa irmandade
encontra-se nos presídios. (futuro dos serviços de NA cujo propósito é que
qualquer adicto – esteja onde estiver – possa ter uma chance de encontrar
NA)
Quero dizer que acredito muito nisso, pois mais da metade da população
das cadeias estão ali por algum crime que tem relação com as drogas. Fica
ai uma reflexão para que através do serviço de HI e Longo Alcance e IP
passemos a priorizar também os pedidos oriundos das Fundação Casa,
penitenciarias, detenções e colônias penais.
Na edição da NA WAY Magazine de outubro de 2008, li um artigo
interessantíssimo onde falava que nosso escritório mundial recebia de 80 a
100 cartas por semana de instituições carcerárias.
Quanto a mim só resta agradecer muito a Deus pelas oportunidades
que a recuperação me deu. Este trabalho que visa documentar parte da
nossa história tem como único propósito levar a mensagem para
companheiros que estão presos e para servidores de HI que pretendem
atender uma instituição carcerária.
Em espírito de irmandade.
------------------------------------------------------------------------------As experiências obtidas em instituições carcerárias, e especialmente
no Carandiru que veio proporcionar a abertura do grupo da paz; são
variadas e reveladoras, no sentido de haver a possibilidade de recuperação
da adicção ativa, independente do lugar ou das dificuldades adicionais
existentes. Porém, uma reunião específica marcou mais intensamente:
Um jovem que participava do painel do HI como residente, e
quando foi aberto para perguntas e respostas, esse jovem pediu a palavra,
e ao invés de perguntar resolveu fazer uma declaração.
Disse: "eu não acreditei em vocês, pois freqüentava um grupo e
acreditei que vocês não sabiam se divertir....não sabiam das coisas então
resolvi me afastar, e voltei a fazer as mesmas coisas que fazia antes de
ingressar em NA com meus "amigos" antigos. Hoje estou aqui em
conseqüência da adicção ativa, e estou sujeito a ter de cumprir 16 anos de
pena. "Meu Deus como fui ingênuo, burro, por que não acreditei" e
começou a chorar.
Essa partilha tem servido até hoje para que eu reflita sobre as
sugestões que recebo na irmandade, e o que estou fazendo para minha
própria recuperação.
Independente do que tenha acontecido com esse companheiro, à
mensagem ficou, e ele tornou-se um dos servidores do grupo da paz,
podendo transmitir sua experiência, força e esperança a vários outros
adictos que procuraram recuperação.
------------------------------------------------------------------------------Olá, companheiros, sou um adicto em recuperação e, graças a Deus e
NA, estou limpo hoje.
Minha experiência no GRUPO DA PAZ foi ao início, no começo da
minha recuperação, um companheiro sugeriu que eu freqüentasse uma
oficina de HI (Oficina Nova Esperança) que ficava nas dependências do
GRUPO SÃO JOSÉ. Eu já estava limpo há alguns meses, fiz os treinamentos
e comecei a levar a mensagem de NA aos adictos que ainda sofrem nas
instituições atendidas por esta oficina.
Quando cheguei ao serviço de HI o GRUPO DA PAZ já era um grupo
institucional com secretário, RSG etc. Mas na oficina faziam uma espécie
de reciclagem para poder partilhar no GRUPO DA PAZ, pois se tratava de
uma instituição carcerária. Tive dois companheiros, que considero como
amigos até hoje, que serviram como RSG no GRUPO DA PAZ. Eles sempre
me faziam um convite para ir com eles até a detenção para partilhar minha
experiência, força, fé e esperança. Mas eu achava que não tinha muito a
oferecer àquelas pessoas que estavam presas, pois ainda não tinha
passado por uma prisão, minha experiência era com instituição de
tratamento (clínica de recuperação), mas como diz a literatura HI e o
membro de NA, a única diferença entre eles e eu, é que eles foram pegos.
Um dia criei coragem e fui até o GRUPO DA PAZ com os
companheiros. As reuniões, se eu não me engano, eram às quartas-feiras
pela manhã, nos reuníamos na porta da casa de detenção. Chegávamos no
horário correto, passávamos pela revista e então, pelos enormes portões. A
sensação era impactante! O cheiro de esgoto era horrível, o clima era de
terror, era um lugar que normalmente as pessoas não queriam nem passar
pela frente e, estávamos lá dentro. Mas eu acreditava que aquelas pessoas
que estavam presas poderiam encontrar uma nova maneira de viver
mesmo dentro da cadeia, poderiam tratar da doença da adicção e ficar
limpas.
Voltei ao GRUPO DA PAZ outras vezes (várias), presenciei alguns
ingressos e muitas trocas de fichas, o programa estava funcionando para
eles também. Mas uma partilha que me emociona até hoje, foi a de um
companheiro que, infelizmente não me lembro o nome, mostrou seus
joelhos calejados e disse que estavam daquele jeito para que ele se
mantivesse limpo, pois na cela em que ele estava, “ficava a droga” e “uns
caras” que ficavam usando a noite inteira. Então ele ficava de joelhos
coberto com uma manta, orando pedindo a Deus que o ajudasse para tirar
a vontade de usar pois queria muito ficar limpo.
Isso me mostrou que quando um adicto tem o desejo de ficar limpo
(3ª TRADIÇÃO) e esse desejo é maior que à vontade de usar, ele fica limpo
independente do lugar e da situação. Outra coisa que me lembro, era do
carinho e respeito que eles tinham conosco, membros de NA, todas as
vezes que fui até lá, sempre fui bem tratado e respeitado. As reuniões
eram realizadas na capela e sempre sai de lá me sentindo muito bem, com
a sensação de estar fazendo a coisa certa pelo motivo certo.
Hoje continuo servindo o HI porque o que preenche o meu vazio e
me faz sentir útil é esse serviço abnegado. O amor incondicional, que nós
servidores passamos a ter, acreditando naqueles em que a sociedade
discrimina, julga e muitas vezes, condena como casos perdidos. Levando a
mensagem até eles e mostrando que existe uma nova maneira de viver
(NA).
------------------------------------------------------------------------------Sou um adicto em recuperação só por hoje. No ano de 2000 estava
trabalhando em uma Clinica Terapêutica e estava eu e outro companheiro
que naquele dia me chamou para partilhar, pois precisava de ajuda.
Começamos a conversar e ele me perguntou se eu poderia ir com ele até
São Paulo para irmos ao Grupo da Paz; me senti feliz, combinamos e no
caminho perguntei onde era e ele me respondeu: no Carandiru. Senti medo
e falei: só vou te levar e te espero no carro. Chegando lá os companheiros
me convidaram para participar da reunião. Fiquei apreensivo, eu não
queria, mas uma força maior me fez adentrar naquela grande muralha.
Estava assustado. Chegamos a uma sala e deixamos todos os nossos
objetos. Naquele momento disse para eu mesmo “vou encarar esse
desafio”. Estava com vergonha, não sabia o que partilhar. Sentia muitos
sentimentos. Os companheiros me ajudaram, me deram força e entramos.
Um lugar frio e sujo, mas ao mesmo tempo senti uma enorme gratidão por
estar com os companheiros ali encarcerados, mas em recuperação. Sentime “só mais um” e estava muito feliz. Ao lado daquela sala, havia pessoas
usando drogas, mas a reunião estava acontecendo e o PS, ali presente. Foi
uma sensação. A mais maravilhosa que senti naquele momento. A
mensagem da recuperação. Sou muito grato! Obrigado PS.
Sou um adicto e graças a um Deus Amoroso e Bondoso e NA estou limpo
só por hoje 11 anos e 21 dias.
------------------------------------------------------------------------------Quando cheguei ao subcomitê de HI em 1997 eram realizados
painéis na Casa de Detenção, e estava em discussão, a possível abertura
de um grupo institucional dentro daquela penitenciária. Os companheiros
dos subcomitês de Longo Alcance e HI se juntaram para que esta idéia se
tornasse realidade, não me lembro de exatamente quando foi fundado o
Grupo da Paz, mas me lembro das partilhas de companheiros que foram lá
na 1ª reunião, e assim “atiçou minha curiosidade” para conhecer aquela
instituição.
Passado o tempo comecei a ir ao Grupo da Paz, pois estava
desempregado, e a primeira vez que fui lá foi muito emocionante, e fiquei
com um pouco de medo, pois, ao entrar eu via aqueles portões enormes se
fechando por trás de mim, dando a impressão que a qualquer momento
pudesse haver alguma rebelião ali dentro, e a pergunta que eu me fazia
era a do que poderia me acontecer se isto acontecesse, mas eu era sempre
lembrado que ao entrarmos naquele lugar, nós membros de NA estávamos
protegidos pelo “Governador da nossa irmandade” (o Poder Superior), e
nunca houve nada que pudesse me desestimular para voltar.
Aconteceram fatos curiosos dentro daquelas reuniões, todas
aconteciam com muito respeito; bem diferente dos grupos do lado de fora.
Costumava falar que dava para ouvir o ponteiro do relógio que ficava preso
na parede, lembro também que naqueles períodos de dificuldade que eu
estava passando (desemprego e muito medo de morar na rua); nada se
comparava às histórias dos companheiros que estavam presos e que por
muitas vezes estavam gratos por estarem conseguindo ficar limpos.
Naquele lugar era muito difícil um adicto não usar. Muitas vezes os
companheiros partilhavam que tinham de dormir com pessoas usando
drogas ao seu lado, e neste momento eu agradecia por poder ter a minha
liberdade, e poder escolher para onde ir ou estar. Escutei algumas vezes
que existiam companheiros que acabavam indo para “o castigo” ficando em
celas separadas, e os outros companheiros faziam de tudo para que eles
além de continuarem limpos ficassem em contato com a nossa irmandade
através da literatura que era levada por membros através dos dutos de
ventilação ou de maneira clandestina, e eu me perguntava, como pessoas
que estão presas podem se importar umas com outras a este ponto? Sendo
que aqui fora a nossa irmandade estava sempre com os nossos grupos
cheios, e muito poucos companheiros interessados em levar adiante a
nossa mensagem para outras pessoas como nós, pois eles também eram
adictos querendo estar em recuperação.
Lembro-me de um companheiro interno ter se candidatado ao
encargo de secretário do grupo. A emoção que ele sentiu ao ter sido eleito,
e depois de alguns anos ele estava trocando de ficha de 03 anos limpos,
partilhando que tinha encontrado a liberdade dentro da prisão; a
particularidade era a de que este companheiro já era uma pessoa com
mais de 65 anos, mais uma vez mostrando que a nossa irmandade não
deve discriminar quem quer que seja.
Em outras oportunidades, eu me lembro da emoção de
companheiros que nos pediam para que voltássemos, pois, eles precisavam
da nossa força, fé e esperança, para que eles pudessem encontrar a
esperança que um dia eu também não tive e que por causa de pessoas
como eu; acabei encontrando não só a esperança, mas principalmente a
liberdade da adicção ativa, e por isto eu continuo sendo muito grato.
Queria agradecer aos companheiros que tiveram a idéia de fazer um
livro com as histórias do Grupo da Paz, pois foi um momento importante na
história de NA no Brasil, e o motivo que me fez escrever este depoimento
foi uma história que eu li na publicação NA NEWS que dizia que em uma
prisão do Bahrein, um país da Ásia aonde NA existe há pouco tempo o
diretor daquela prisão incentiva o serviço de NA como também quase todos
os dias, faz a leitura no alto-falante daquela instituição da meditação do dia
do nosso livro Só Por Hoje - Meditações Diárias, e por este e todos outros
motivos que vejo diariamente é que NA funciona!
- Obrigado companheiros, pelo serviço!
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Eu sou mais um adicto e estou limpo graças a NA há nove anos,
onze meses e quatro dias só por hoje!
Quando cheguei em NA ouvia falar de HI e tinha muita curiosidade
em conhecer mas morava muito longe do subcomitê local, mais de trinta
km, e a condução era ônibus (duas horas) e mais metrô, mas mesmo
assim fui com um companheiro mais antigo conhecer.
Daquele dia em diante minha vida mudou e minha recuperação
também, pra treinar tinha uma simulação com trinta companheiros em
média e até tremia nos primeiros treinamentos. Sentimento indescritível!
Com dois meses fui pela primeira vez em uma clínica que utilizava o
método de doze passos e era pra ser apenas um ouvinte, mas acabei por
partilhar e também o fiz tremendo. Ouvia falar no HI de uma clínica
psiquiátrica e que pra ir lá, mesmo se fosse de ouvinte tinha que ter mais
de seis meses limpos e também ouvia falar de um grupo dentro do maior
presídio da América Latina (Carandiru) e que esse grupo se chamava
Grupo da Paz e sentia até arrepio só de pensar em um dia ir lá. Mas falava
pra eu mesmo que iria ficar limpo e iria chegar o momento de poder ir
nessas instituições.
Com seis meses e três dias fui à psiquiatria e foi uma experiência e
tanto, já que vim da rua, sem passar por instituição.
Com dez meses limpo e envolvido no serviço da irmandade me senti
preparado e marquei com os servidores do HI.
Acordei bem cedo e pedi ao Poder Superior pra me usar naquele dia
como instrumento da Sua Vontade e fui: ônibus (duas horas) e metrô, não
queria que os companheiros percebessem meu nervosismo e tinha um
companheiro que não está mais nesse plano. Ele tinha muita experiência e
ele me acalmou bastante com sua tranqüilidade e agia normal, como se
fosse a uma clínica qualquer, ao passar. Eram vários portões e a cada
portão que se fechava eu pensava: "MEU DEUS, CUIDA DE MIM", entramos
e fomos para o pavilhão onde aconteciam às reuniões e ficou marcada na
minha memória: um senhor com uma ficha preta pendurada no peito como
pingente em uma correntinha e ele era o responsável em chamar os presos
que queriam fazer parte da reunião, ou que queriam conhecer a reunião.
Quase no meio dessa reunião chegou um companheiro apressado e
fez uma partilha que até hoje eu falo dela onde quer que eu vá!
Na noite anterior, os parceiros de cela dele haviam usado a mesma
droga de escolha dele durante a noite inteira e ele tinha que passar a
droga para um parceiro do lado, e de joelhos pedia a DEUS pra não usar,
que queria trocar de ficha de seis meses no outro dia, e ao acordar, ele
ficou muito triste porque ouviu dizer que no pavilhão dele ninguém poderia
sair pra nada, mais uma vez ele falou com Deus: Se for sua vontade, que
seja...
Mas Deus agiu naquele dia e deu tempo dele fazer todos nós
chorarmos, como estou nesse momento: chorando lembrando essa
situação (que nunca quero esquecer).
Ele trocou de ficha de seis meses limpo e foi “a” troca de ficha. A
mais emocionante que já vi até hoje!
Fiquei tão emocionado que queria voltar mais vezes, mas meu
horário de serviço não permitia e nessa época estava freqüentando o
subcomitê de HI e vi que bem na minha folga seria a comemoração de
quatro anos do grupo e me envolvi. Novamente senti tudo de novo. Aquele
medo, e fui com medo mesmo e foi outra experiência maravilhosa!
Liberaram todos os pavilhões pra participarem da reunião e lotou o
local. E depois os presos fizeram até um samba pra nós, tinha bolo e os
membros de NA presos tinham o mesmo brilho nos olhos dos que estão
aqui fora, e estavam muito felizes, porque mesmo presos, estavam libertos
da pior prisão que existe, que é a prisão da adicção ativa.
Como mencionei anteriormente: após eu ir ao Grupo da Paz minha
recuperação nunca mais foi a mesma!
Hoje, haja o que houver não tenho do que reclamar!
Obrigado pela oportunidade de poder partilhar e um grande beijo no
coração!
------------------------------------------------------------------------------ADICTO, LIMPO DESDE 18/06/1996! SPH!
No final de 1996, um bando de loucos se reuniu no propósito de
levar a mensagem de NA ao maior presídio em população do mundo: A
Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru).
Em principio foram alguns painéis de HI atingindo as tão famosas
salas de aulas da instituição (inclusive algumas tinham sido celas de
castigo, outrora), com isso e aos poucos todos os detentos ficaram
sabendo que de 15 em 15 dias haveria reuniões de NA no Pavilhão 03. No
começo muita duvida muita resistência por parte dos internos, mas, o mais
impressionante era o respeito entre os membros (internos e externos) e a
vontade que tínhamos de que “aqueles caras” (adictos presos) soubessem
que era possível o que estávamos propondo a eles e não éramos
especialistas no assunto nem profissionais da área da saúde, falávamos de
“igual para igual” e todos se faziam entender.
Um mês depois já tínhamos conquistado a confiança do agente
penitenciário responsável por nós (O nosso Anjo da Guarda) o chefe da liga
esportiva da Casa, diga-se de passagem, que eu nunca vi ninguém ser tão
respeitado como era aquele homem. Tivemos a oportunidade de conhecer
algumas pessoas que já haviam passado por NA. Outras tivemos a
infelicidade de rever, que em decorrência da adicção ativa estavam
exclusos da sociedade. Aos poucos fomos ganhando espaço e com o passar
do tempo muitos internos se juntaram a nós e levantaram a nossa
bandeira com a certeza de que estavam fazendo parte de algo possível e
fácil de praticar em qualquer lugar, pois o que mais deixava os
companheiros à vontade era a certeza que todos que participavam
daquelas reuniões que fazíamos; já tinham feito de algum modo, parte da
marginalidade um dia, o que contava muito ao nosso favor.
Lembro-me que em certa época que íamos às quartas-feiras e ficávamos
aguardando horas na porta do presídio para sermos atendidos, mas
quando nosso Anjo protetor aparecia tudo virava festa, pois sabíamos que
nossa reunião já começaria dentro de alguns minutos. Lembro-me com
muita tristeza quando deixava meu RG na porta para entrar, pois já tinha
feito aquele trajeto varias vezes para visitar meu irmão (morto em Dez/96
em decorrência da adicção ativa), então éramos revistados com muito
respeito e carinho pelos funcionários. Parávamos no Jardim da Divinéia
para fazer nossa oração e entravamos antes de passarmos pelo primeiro
portão; todos da cadeia já sabiam que estávamos lá íamos direto para o
Pavilhão 03, e normalmente já tinham 02 ou 03 companheiros nos
esperando para o inicio da reunião. Normalmente éramos 05 ou 06
externos e mais ou menos 12 a 15 internos. No inicio os externos falavam
primeiro e depois os internos falavam, normalmente muito pouco, até que
chegou um rapaz na sala que já tinha ficado limpo por alguns anos em NA
e começou a ser o nosso divulgador de reuniões na instituição. Com seu
retorno a NA acontecido na Instituição ganhamos mais força e crédito, pois
alguém deles já nos conhecia e pôde comprovar o que falávamos. Toda
semana aquela angustia, pois tínhamos que contar com a sorte e a paz
interna da Casa para podermos entrar, então tinha dia que não podíamos
entrar por causa de rebelião ou por falta de lugar e também tinham as
revistas periódicas que a policia fazia, nesses dias nem pensar. Por mais
recuperação, que vivêssemos aqui fora não se comparava aos membros
internos, pois eles tinham que conviver da mesma maneira e com as
mesmas pessoas lá dentro então eles aplicavam muito plenamente o
programa em suas vidas e conseguiam todo dia trazer pelo menos um
novo interno para as reuniões. Havia um companheiro, que era um
senhorzinho negro de fala mansa. E muito educado que foi um dos nossos
primeiros ingressos, se não o primeiro, este homem cuidava das nossas
literaturas com tanto amor que parecia uma coleção de cartas de amor que
tivera recebido da sua amada. E com o passar do tempo já éramos muitos
que freqüentavam o Grupo da Paz. Tive a oportunidade de diversas vezes
me deparar com situações que me gelavam o coração, mas estávamos lá
para fazer com que eles entendessem que tudo que nós propúnhamos era
totalmente aplicável em qualquer lugar independente da situação, e
tivemos diversas provas disso quando conseguíamos realizar uma troca de
fichas ou até mesmo a festa de aniversario do grupo que foi um grande
acontecimento tanto para Irmandade quanto para instituição.
Durante as reuniões tive oportunidade de conhecer o outro lado da
marginalidade e também pude mudar muitas coisas na minha vida e
valorizar coisas comuns e amar os meus próximos muito mais do que já
amava. Já conhecia aquele lugar, porém, nunca tinha ido para tentar
ajudar um desconhecido. “Teve uma vez se não me engano a segunda vez,
que fui com os companheiros e estava esperando no meio do pavilhão
quando me jogaram uma TEREZA (corda feita pelos presos para
comunicação ou para fuga) com um bilhete amarrado na ponta:” ME TIRE
“DAQUI ESTOU NA TRANCA FAZ QUATRO MESES, NÃO TOMO BANHO A
MAIS DE UMA SEMANA, SE FICAR AQUI VOU MORRER, POR FAVOR, ME
TIRE DAQUI”, peguei o recado e não pude fazer nada, pois nossa proposta
não era ajudar diretamente ninguém nem privilegiar ninguém, conforme
treinamentos de HI e Longo Alcance. Noutra vez viram um rapaz pedindo
desesperado para não ir para uma determinada unidade, pois tinha muitos
inimigos por lá, porém foi em vão. Dias depois fiquei sabendo que tinha
sido morto na tal unidade. Mas a melhor de todas foi que havia um
companheiro que a todo final de reunião me pedia para dar um beijo
especial na minha mãe, e na semana seguinte ele me cobrava o tal beijo.
Passado alguns meses, perguntei por que me pedia para dar o tal beijo
sendo que ele nem conhecia minha mãe. Ele me disse apesar de não
conhecê-la eu não podia perder tal oportunidade, pois a mãe dele, ele já
não a beijava há 17 anos (tempo que estava preso). O mais importante
desse Grupo foi a oportunidade que tivemos de entender que independente
da situação a 3ª Tradição garante liberdade Mental e Espiritual e
Comportamental a todos que praticam o programa de NA. Sem distinção.
Não sei se ensinei alguma coisa, mas tenho certeza que aprendi muito.
“E, como dizia um saudoso amigo, quando tudo parecer ruim, sinta-se
numa caixa d’água cheia, reze incansavelmente, pois a água vai baixar e
você vai sair da caixa seco e pronto para viver outra dificuldade”.
(Saudades de todos os companheiros que compunham o time e que me
deram a oportunidade de aprender tanto com ELES).
Muito obrigado pela oportunidade de fazer parte dessas histórias e também
de poder contá-la.
------------------------------------------------------------------------------Sou um adicto em recuperação e participei das reuniões do Grupo
da Paz. Estive em algumas quartas feiras das 09h30min h às 12h30min h.
Quero falar de muitas coisas que Narcóticos Anônimos vêm me ensinando
e com as experiências das pessoas que vem se recuperando da adicção
ativa.
Muitas vezes quando eu ia às reuniões do Grupo da Paz, marcava
com os companheiros para fazer o painel de HI. Vi muitas experiências de
pessoas que estavam se recuperando através do programa de Narcóticos
Anônimos, dentro da Casa de Detenção no Grupo da Paz de Narcóticos
Anônimos.
Todas as reuniões que eu ia, ouvia várias experiências e fui
aprendendo com os companheiros que estavam presos e que eram
servidores do Grupo da Paz, como o secretário. A estrutura de serviço do
Grupo mantinha a 5 ª Tradição o propósito primordial e a 3ª tradição para
que os recém chegados pudessem ingressar e recuperar-se da adicção
ativa.
Só por hoje estes foram os meus sentimentos ao escrever um pouco
de experiência de ter aprendido com o adicto em recuperação, os caminhos
de Narcóticos Anônimos.
------------------------------------------------------------------------------Grupo da Paz – Lição de vida, determinação, igualdade e fé.
Sou um adicto em recuperação e estou limpo a pouco mais de 9
anos. Esta vitória diária sobre minha ativa deve-se a minha presença
constante em sala e ao serviço de NA, entre eles o de partilhador de HI,
que logo no inicio de minha recuperação permitiu-me conhecer o Grupo da
Paz, situado dentro da extinta Casa de Detenção de São Paulo no bairro do
Carandiru.
Logo de manhã nós, quatro companheiros, nos encontramos no
portão principal. De inicio notamos alguns poucos familiares de detentos
davam entrada em alguns “jumbos” na portaria, apesar de não ser dia de
visita.
Em seguida o Senhor Responsável por nós lá dentro, veio nos
receber e, como sempre com um sorriso aberto e estampado em seu rosto.
Grande personagem da vida este senhor, ao qual sempre agradecíamos
pelos esforços que fez para permitir que a Irmandade de NA obtivesse
sucesso no projeto de abrir e manter um grupo dentro daquela instituição.
Íamos entrando, as trancas batendo às nossas costas com um som
frio e sofrido, porém repleto de esperanças.
Chegamos ao local e, se não me engano, era no Pavilhão 4 ou 5 que
se baseava a sala onde se dava a reunião semanal.
Conheci o interno, mulato alto, forte que detinha, dentro de si, um
coração enorme. Imaginem vocês que este detento, graças a sua grande
resistência física, literalmente escorregava dentro da tubulação de ar e ia
jogando alguns folhetos de recuperação dentro de algumas celas,
principalmente as do “seguro”, pois os detentos que lá se encontravam não
podiam sair nem mesmo para o banho de sol, sabiam que estavam
“marcados para morrer”.
A reunião fluia normalmente e o que me chamava mais à atenção
era a forma de tratamento que estes detentos nos reservavam. Sempre
atenciosos dificilmente pronunciavam sequer um palavrão ou mesmo
falavam alto. A educação deles destoava-se do local.
No final de uma reunião, percebemos que um detento retirou sua
camiseta e começou a copiar algumas frases do Texto Básico, havia apenas
dois exemplares circulando internamente.
— Tem muita gente usando no meu “xis” e isso me ajuda a não usar.
Voltei mais algumas vezes àquele grupo e só não fui mais porque
era sugerido, pelo subcomitê de H&I, o revezamento constante dos
membros, evitando assim a possibilidade de criação de qualquer tipo de
vinculo entre nós publico externo com os internos.
O Grupo da Paz, apesar de hoje inexistente, deixou muitos frutos,
tanto aos detentos quanto para nós. Para mim, me permitiu perceber o
quanto de pré-conceito carregava dentro de mim e o quanto teria que lutar
para ficar livre desse inútil sentimento.
Ensinou-me que independente “das grades que nos separam não
existem diferenças entre nós, somos todos adictos buscando recuperação”.
------------------------------------------------------------------------------Meu nome é adicto em recuperação e estou limpo a 8 anos e alguns
dias e é graças a Narcóticos Anônimos como um todo e os companheiros
de NA.
Estou aqui para falar de minhas experiências no Grupo da Paz de
NA. Um grupo que funcionou alguns anos na Casa de Detenção, na Avenida
Cruzeira do Sul, no Carandiru.
Tudo começou no meu grupo de escolha que é no bairro Jaçanã em
SP. Estava limpo fazia uns 6 meses e estava servindo o grupo como
secretário nas 3ª, 5ª e 6ª feiras. Durante as reuniões os companheiros
falavam de levar a mensagem de NA adiante em hospitais, presídios,
instituições, aos adictos que ainda estavam sofrendo nos horrores da
adicção ativa.
Senti que estava faltando isso na minha recuperação e resolvi
procurar o subcomitê de HI que funcionava no Grupo São José e na época
tinha o nome de Oficina Nova Esperança de Hospitais e Instituições.
Chegando, logo de cara, comecei a fazer os treinamentos e fiquei sabendo
que funcionava um “painel de HI” dentro da Casa de Detenção as 4ª feiras
às 9h00 manhã e resolvi conhecer o grupo. Eu estava com medo no inicio.
Mas um Poder Maior me auxiliou e consegui superar esse medo e entrei na
casa para levar a mensagem de NA junto dos companheiros.
O que me chamou a atenção é que fazíamos a oração da serenidade
antes de entrar no grupo. E tinha um carcereiro que participava da oração.
Chegando ao painel pela 1ª vez eu reparei que o Grupo estava cheio de
gente já sentada nas cadeiras. Tinham alguns senhores de idade mais
avançada e alguns jovens e todos estavam sentados de calça bege e
camisa branca.
O coordenador do painel tinha alguma intimidade com aquelas
pessoas que eram moradores do local.
A reunião foi maravilhosa e serviu para reforçar o propósito de não
usar droga naquele dia. Eu continuei voltando nas quartas-feiras seguintes
daquele mês. O companheiro falava sempre nas reuniões que aquele painel
de HI ia deixar de ser painel para transformar-se num grupo de Narcóticos
Anônimos e através dos subcomitês de HI e Longo Alcance esse objetivo foi
alcançado no mesmo mês.
O coordenador tinha concluído seu encargo e tinha em aberto para o
substituto ser o primeiro representante do grupo (RSG). Eu resolvi levantar
a mão na primeira reunião de serviço naquele grupo e os companheiros
votaram em mim para RSG e num outro companheiro residente para
secretário do Grupo da Paz. O grupo funcionava no pavilhão seis na capela
da Igreja Católica. Os companheiros do outro pavilhão tinham que ter
autorização dos diretores para circular em outros pavilhões, por escrito. O
responsável para pedir essas autorizações outro interno, já era um senhor
residente que morava no pavilhão cinco.
Existia uma diversidade de gente adicta muito grande naquele grupo
e os companheiros estavam conseguindo ficar limpo apesar das
dificuldades. A dificuldade as quartas-feiras era achar membros de fora da
instituição para levar a mensagem para aquele lugar. Os companheiros da
zona norte e sul solidarizavam com o grupo da paz e ajudavam sempre que
podiam mandando sempre alguns membros através do subcomitê de longo
alcance e HI. Existiam algumas normas para levar a mensagem, exemplo:
não estar devendo para a justiça e tempo mínimo de seis meses limpo,
mulher também não podia participar. Nós éramos “as calças azuis” da
mensagem de NA. As reuniões em média de quinze a vinte pessoas,
incluindo o Poder Superior e sempre tinha recém-chegados e pessoas há
anos limpas. Existiam espiritualidade e respeito que eu não via igual no
grupo de fora da instituição. Alguns de dentro do local esperavam ansiosos
este momento de ter as reuniões para desabar os acontecimentos dos dias
seguintes. Uns não tinham visitas ao domingo por motivos diversos. Eles
gostavam do nosso cafezinho da cafeteira e das literaturas de NA, das
nossas partilhas de força, fé e esperança, também tinha pessoas que
conseguiam autorização para ir para Narcóticos Anônimos, mas iam fazer
“outras correrias”.
Achava tudo aquilo novo e desconhecido. Fui me acostumando com
tudo aquilo que eu presenciava e continuei voltando e fui ficando limpo
também. Alguns dias depois o secretário recaiu. O companheiro que estava
limpo a mais de um ano e meio pegou o encargo de secretário e melhorou
muito as reuniões do Grupo da Paz. Tivemos o primeiro aniversário do
grupo da paz em novembro. As doações foram dos companheiros de fora
do grupo que colocavam na sacola para comemorar essa primeira festa.
Um interno me pediu uns dias antes para trocar a ficha de seis meses
limpos lá dentro. Eu tinha acabado de chegar da minha primeira convenção
que foi a única até hoje, que foi em Poços de Calda. E resolvi trazer de lá
aquela ficha azul. Um companheiro doou uns 700 salgadinhos e resolveu ir
também naquela festa juntos de uns 10 companheiros de fora da
instituição e umas 300 pessoas lá de dentro comemoramos aquele
aniversário. Na troca de ficha do companheiro, o que me impressionou foi
ele ter falado que a liberdade ele tinha encontrado lá dentro através de
Narcóticos Anônimos. O companheiro na hora de cortar aquele bolo não
agüentou a emoção e chorou muito. Estavam no final da reunião todas
abraçadas para oração final, umas 300 pessoas, todos estavam felizes
gritando – “Ah”! Hoje eu tô limpo!
Dezembro era o mês de festa de fim de ano e por isso não tinha
reunião nesta data. Em janeiro nós voltamos a participar novamente das
reuniões do Grupo da Paz. Eu tinha conseguido pela primeira vez na minha
vida ficar sem usar drogas e álcool. Como aquele gesto fortaleceu minha
recuperação.
Comecei como RSG a voltar a freqüentar reuniões diárias
novamente depois do recesso de fim de ano. E eu pude perceber que
alimentava o interesse dos companheiros de Narcóticos Anônimos a ajudar
aquele grupo, também reparei dentro do grupo que alguns companheiros
de lá dentro não estavam mais no presídio do Carandiru, eles tinham
pegado o bonde para outros locais e outras cidades. O secretário e o RSG
eram os mesmos. O material do grupo foi desviado incluindo a toalha azul
e as literaturas e a cafeteira. E a Área doou tudo novamente para
podermos ter nossas reuniões novamente. Naquele ano eu aprendi muito
nas reuniões do Grupo da Paz e parei de reclamar de algumas dificuldades
que eu tinha. Havia muitos recém-chegados, em média 3 ingressos por
reunião. Os depoimentos dos companheiros de lá de dentro me fortalecia
cada vez mais a ficar limpo. Pessoas que falavam que estavam sem usar
drogas e no local de moradia tinha uns 8 usando ao seu redor e eu
continuei voltando. Passado alguns meses de reuniões o companheiro que
servia como secretario entregou o seu encargo na irmandade. O motivo: a
religião dele pediu para ele se desligar do grupo de Narcóticos Anônimos e
ele atendeu prontamente. Era meio complicado arrumar secretário no
Grupo. O motivo é alguns moravam em outros pavilhões e não podiam
ficar circulando nos pavilhões sem autorização escrita. Foi eleito numa
reunião de serviço o novo secretário do Grupo da Paz.
Esse companheiro era tão inteligente e prestativo e ajudou muito o
Grupo Também. Ele era um poeta nas horas vagas e ganhou um concurso
de poesias do Jornal Noticias Populares; no valor de R$ 3.000,00. Ele não
agüentou e recaiu logo após. Mas ele voltou e recomeçou novamente sua
caminhada de recuperação. Com dez meses de serviço prestado ao Grupo
entreguei meu encargo por motivos de forças maiores.
Outro companheiro foi eleito para novo RSG do Grupo da Paz e eu
estava como membro do Grupo. Sempre que podia comparecia nas
reuniões.
Foi eleito um secretário que não lembro o nome. No final do ano eu
pude participar por mais uma festa de NA, o 2º aniversário do Grupo da
Paz. Depois das festas de fim de ano o companheiro RSG entregou seu
encargo e dois novos companheiros foram eleitos RSG e RSG Suplente. Eu
tive que continuar voltando às reuniões e pude ajudar esses companheiros
a levar a mensagem.
Pude no começo do ano, percorrer as escolas que funcionavam lá
dentro de cada pavilhão e falar que reuniões de Narcóticos Anônimos
existiam lá dentro e convidava os detentos para ir conhecer o Grupo da
Paz.
As 4ª feiras as 9h00 h da manhã. Esses dois companheiros eleitos mais o
secretário eleito foram os que mais contribuíram levando a mensagem de
NA. Eles inclusive conseguiram concluir os encargos de RSG e RSG
Suplente.
O companheiro; secretario do Grupo não conseguiu por motivo de
recaídas, mais não desistiu da recuperação e continuou voltando pra
secretariar as reuniões e mesmo nessa condição ele era aceito.
As reuniões estavam acontecendo no Pavilhão 5, nessa época era
considerado o lugar do seguro na cadeia. Teve uma reunião que me
chamou a atenção, onde durante a reunião neste pavilhão e não sei por
qual motivo; mas parece que teve lá dentro, um acerto de contas e alguns
indivíduos encapuzados e com facas nas mãos invadiu o local da reunião e
pediu educadamente para nós deixarmos aquele local porque ia ter talvez
uma briga. Agradecemos e deixamos o Grupo da Paz. Não deu tempo pra
guardar nada do Grupo naquele momento. Inclusive o companheiro se
esqueceu de pegar sua blusa e o dinheiro que estava no bolso que era
R$ 50,00 na época. Saímos do presídio sem saber o que estava
acontecendo. Uma semana depois voltamos mais uma vez para reunião do
Grupo. Eis o milagre, os companheiros detentos guardaram o material do
Grupo, a blusa e o dinheiro.
A partir daí eu comecei a ver como NA era respeitado por todos
naquele lugar. Foram mais ou menos uns 3 anos de frequencia no Grupo
da Paz minha participação. Foram 3 festas de aniversário. Inclusive a
última reunião que fui foi a de aniversário. Muitas coisas que eu presenciei
me ajudaram na minha recuperação.
RESUMO DO GRUPO DA PAZ
Assim como na reunião de encerramento do Grupo da Paz, agradeço
a todos que por lá passaram para levar ou receber a mensagem de
Narcóticos Anônimos.
O Grupo terminou suas atividades por motivo de desativação da
Casa de Detenção.
O último secretário eleito, e que tinha dificuldade de ficar limpo
naquele local, mas sempre acreditávamos no seu serviço. Temos notícias
dele: Hoje ele está limpo há uns 3 anos.
Cartaz divulgando o Grupo da Paz e incentivando os membros de
NA a participar!
SOBREVIVENTE DO INFERNO
DE REPENTE ACORDEI NO INFERNO:
De uma vida destinada a curtir desde os doze anos em contato com
as drogas de todos os tipos, cercado de amigos que só queriam desfrutar
Chegou o momento em que eu já não conseguia manter meu vício
como usuário, a quantidade de drogas que eu consumia era muito grande,
já não conseguia o dinheiro pra comprar, então aos 38 anos de idade parti
para o tráfico, já tinha alguma experiência, visto que, já havia feito alguns
“aviões” durante minha jornada no mundo das drogas, sempre coisa
pequena nunca tive uma “boca” ou “biqueira” (ponto de venda de drogas),
neste momento eu estava totalmente viciado e trabalhando com táxi no
Centro de São Paulo, conheci a “Boca do Lixo”, bairro do Centro de São
Paulo, onde existem muitos Teatros de strip-tease e muitos bares noturnos
freqüentados por pessoas com um nível social baixo, cheio de ladrões,
estelionatários, traficantes e prostitutas. Foi onde comecei a fazer corridas
de táxi para traficantes.
Um dia a casa caiu de vez e fui parar na delegacia. Fui indiciado no
artigo 12 – tráfico, considerado crime hediondo - assinei e não teve acerto,
aqui começou a minha jornada para o inferno. Passei por várias Delegacias
onde as drogas existiam em fartura.
Adoeci, adquiri uma infecção pulmonar, e quase morri. Fui
transferido para outro “CDP” – Centro de Detenção Provisória - onde recebi
tratamento médico adequado e consegui curar e ficar bem, foi lá que
chegou a notícia da minha condenação. Esta notícia foi à “passagem para o
inferno”, porque quando dei por mim, já estava no Carandiru, havia sido
condenado e não poderia ficar mais no CDP. Fiquei apreensivo na minha
chegada ao Carandiru, sempre ouvi histórias terríveis em relação a este
presídio, tem até um Rap que diz “Carandiru Casa do Diabo Velho”, era
realmente um lugar terrível mais de 8.000 detentos amontoados em 8
pavilhões. A rotina era esta: logo que você chegava, ficava na “Triagem”
que eram celas de mais ou menos 4 x 4 metros, que abrigavam uns 50
detentos, era terrível enquanto uns dormiam outros tinham que ficar em
pé, fora o fato que os presos mais velhos ficavam te olhando o tempo todo
por um buraco, para te reconhecer e ver se você devia alguma coisa para o
crime. Se tivesse algum “cagueta”, se era de alguma facção rival, se fosse
um “talarico” - malandro que sai com mulher de malandro preso - ou se no
DP – Distrito Policial - você extorquiu os mais humildes, você estava
ferrado: ia ter que se explicar quando saísse da triagem.
Depois de algum tempo na triagem, você era transferido aos
pavilhões, se não tivesse amigos pra arrumar vaga nos “barracos” – celas você ficava em outra triagem do pavilhão, eram celas menores ainda, que
ficavam cerca de 30 detentos, não eram abertas para o sol, você ficava na
“tranca” –fechado - o dia inteiro, estas celas ficavam no lugar onde era o
uma vida de prazeres, fui hippie, fiz muito artesanato, viajei muito às
praias, fui a muitos festivais de rock, sempre envolvido com drogas e
álcool. Assim os anos foram passando, foram passando e o consumo de
drogas aumentando a cada dia.
castigo também, ai o motivo para não serem abertas para o sol, se
passasse algum tempo e você não conseguisse lugar pra morar, você era
transferido para o seguro no 5º andar e continuava na “tranca” o dia
inteiro.
Você só tinha 2 opções, conseguir lugar num “barraco” de amigos
ou comprar um “barraco” - celas que ficavam os preso já fora da triagem e
eram abertas diariamente das 08h00 as 16h30 -, os “barracos” eram
vendidos de R$ 600,00 a R$ 1.200,00. Impressionante, você tinha que
comprar o lugar para “tirar sua cadeia” - cumprir a pena. Devo dizer que lá
era terra de ninguém mesmo, os seguranças só subiam no pavilhão na
hora da “tranca” - colocar os presos de volta nas celas - já que tinham
medo dos presos.
Fui “pago” – colocado - no pavilhão 5, que abrigava mais ou menos
1.600 detentos e tinha fama de seguro, porque lá ficavam os
homossexuais e os detentos que aprontaram em outros pavilhões. O
pavilhão 5, era também como o Supermercado da Cadeia, já que os presos
que lá moravam compravam mercadoria na rua e estas mercadorias
chegavam através de “jumbos” - sacolas de alimentos levadas aos presos,
pelas famílias ou através de algum funcionário. A droga rolava solta. Nas
escadas e galerias havia barracas de alimentos, vestuário e drogas, o
quarto andar do pavilhão 5 era como um “puteiro”, os homossexuais
preparavam seus “barracos” com luzes escuras e cortinas, se transvertiam
para parecerem mulheres, tinham aparelhos tocando musicas o dia todo e
faziam programas pagos pelos detentos, a moeda em circulação era o
cigarro: o Hollywood valia R$ 1,00 e o THE valia R$ 0,50.
Durante o horário de sol os detentos andavam por todo lado, não
tinha uniforme, era um verdadeiro desfile de moda a malandragem só
andava de roupa de grife, principalmente os “patrões”, com “bombetas”
(bonés) caros de grife, relógios de 1º linha, tênis nem se fala só ultimo
modelo, no Carandiru tinha de tudo só não tinha mulher a todo o momento
e todos os dias, porém no Pavilhão 5 tinha o bordel de homossexuais, com
alguns maços de cigarro quem fosse a fim, poderia satisfazer seus instintos
sexuais, era só ir até lá.
A “bóia” – refeição - era um sufoco, muitas vezes vinha azeda e
agente tinha que fazer o famoso “recortado” - refazer a bóia - que consistia
em lavar toda a mistura e a comida, retemperar, cozinhar e fritar de novo
nas bigornas - fogões elétricos feitos com um molde de barro e resistência
elétrica - tudo era precário. O que “livrava a cara”, é que tinha a feira
diária, onde você; com alguns maços de cigarro, comprava alimentos
vindos “da rua”, também era permitido que a família mandasse alimentos
para serem preparados no “barraco”.
Era uma verdadeira Babilônia, eu estava completamente viciado e
logo arrumei um “trampo” (trabalho) pra ganhar uns maços de cigarro e
comprar minha droga, vendia desinfetante, começava a vender dois dias
antes do dia da visita porque os malandros queriam que o barraco
estivesse bem cheiroso pra receber as visitas, vendia 2 litros por 1 moeda
(um maço de cigarros) mas mesmo assim, não dava pra pagar a droga que
eu usava, às vezes tinha que pedir dinheiro para a família, para pagar as
dívidas senão o “bicho pegava”. Lá os traficantes, mesmo sabendo que
você não tinha dinheiro te vendiam a quantidade de droga que você
quisesse, porque você teria que pagar de qualquer jeito, não tinha pra
onde correr: ou pagava, morria pela dívida ou viravam “lagarto” (teria que
segurar a morte de alguém quando isto ocorresse, arrastava o cadáver
pela galeria), os patrões quando você devia te levavam para seus barracos
te davam um “orelhinha” - celular - e obrigavam você a ligar para sua
família para saldar a dívida, era o inferno mesmo, e eu cada vez mais
viciado. Foi quando surgiu uma luz no fim do túnel, minha irmã que era do
NA - Narcóticos Anônimos, membro e prestava serviços como
tesoureiro, tinha bastante conhecimento e contato com todos os grupos de
São Paulo, ela me mandou uma pipa – bilhete - dizendo que no Carandiru
tinha um grupo de NA, com nome de “Grupo da Paz”, que seria uma
maneira de eu tentar abandonar as drogas lá dentro, pra não ficar
correndo perigo, era pra procurar um carcereiro responsável pelo Grupo, e
entrar para este grupo de autoajuda.
Eu estava totalmente perdido, habituado a usar muita droga, a
qualquer momento poderia não conseguir o dinheiro pra pagar a dívida,
então teria que me tornar “lagarto”, assinar um homicídio cometido por
outro “malandro”, e não conseguiria mais sair da cadeia, ou seria morto e
arrastado por alguém. Lá os malandros levavam muito a sério, dívida de
droga.
Procurei este carcereiro, um verdadeiro Guerreiro Solitário dentro
daquele inferno que era o Carandiru, só ele procurava ajudar os presos. Só
pra terem uma idéia os ratos punham os gatos para correr, tinha ratazana
maior que gato Siamês à noite e ficávamos fazendo aposta e olhando o
campo pela janela, para ver os ratos porem os gatos pra correr. O agente
penitenciário responsável por NA, homem de caráter, sempre batalhava
para melhorar a qualidade de vida dos detentos, sempre procurando trazer
atividades culturais e Assistência Social ao Presídio.
Consegui o passe para participar da Reunião do Grupo da Paz e
encontrar mais 5 ou 6 Guerreiros da Luz, que toda semana visitavam o
Carandiru, não se importando com as dificuldades que encontravam,
fizesse chuva ou sol. Estes Guerreiros da Luz, sempre estavam lá,
passando pela humilhante revista que era feita para se adentrar ao
Presídio, sem medo de serem seqüestrados pelos detentos e que
começasse uma rebelião, lá era um barril de pólvora, a qualquer momento
se desencadeava uma rebelião, mesmo assim eles sempre estavam lá, com
suas partilhas trazendo mensagens de esperança e um entendimento num
“Poder Superior” que pode nos ajudar no combate aos vícios, trazendo
palavras de Fé e Esperança, nos dando exemplos que é possível, porque
às vezes participavam das reuniões ex-detentos, que eram membros de
NA e tinham conseguido largar as drogas e o álcool, não tinham medo de
levar a “Mensagem de NA” aos adictos do Carandiru que tinham o desejo
de abandonar o uso de drogas.
Fiquei muito emocionado ao os ouvir partilharem e falar de um
“Poder Superior” que poderia nos ajudar na luta contra o vício, ao ouvir
a “Oração da Serenidade” dentro daquele inferno fiquei todo arrepiado,
já tinha ouvido em algumas reuniões que fui com minha irmã, porém não
tinha prestado atenção, senti que alguma coisa mudava dentro do meu
ser: “Senhor conceda-me Serenidade para aceitar as coisas que eu
não posso modificar coragem para modificar aquelas que posso
modificar e sabedoria para reconhecer a diferença. Só por Hoje”, foi
muito bom ouvir isto lá, naquele lugar, foi muito bom ouvir os
companheiros partilharem, saber que era possível abandonar as drogas, eu
que imaginava nunca parar de usar drogas, achava impossível tinha
vergonha de partilhar, não conseguia me imaginar parando, estava lá no
inferno ouvindo pessoas que como eu que usaram muita droga e que já
estavam limpos há anos. Na época o Grupo da Paz estava sem secretário,
sem uma pessoa interna para arrumar a mesa das reuniões, guardar os
folhetos e organizar as reuniões para todas as terças-feiras, receber os
Guerreiros da Luz, tão nobres visitantes que traziam mensagens de
esperança e amor para aquele lugar tão sofrido. Na reunião eles
precisavam eleger um secretário e eu levantei a mão e me tornei o último
secretário do Grupo da Paz, porque dois meses depois ele viria a se
dissolver com a desativação do Complexo Penitenciário do
Carandiru.
Mesmo assim, consegui coordenar várias reuniões, nas reuniões era
o maior respeito, os traficantes sempre ficavam a espreitar para ver do que
se tratavam, eles até gostavam porque nós acolhíamos os viciados
desesperados, prestes a serem mortos por dívidas dentro do presídio e
numa última tentativa de se libertar das drogas, procuravam as reuniões
de NA onde podiam falar a vontade sobre suas dificuldades diárias,
podiam desabafar, dar um grito no escuro, ou seja, partilhar entre
pessoas iguais que compreendiam suas dificuldades e os
respeitavam como irmãos e companheiros.
Os “patrões” não gostavam de ficar matando gente, mas tinham
que manter o respeito, porque existiam muitos viciados e muita dívida de
drogas dentro do Complexo.
Pra mim, foi muito bom ter conhecido NA naquele momento eu vi
que era possível parar com as drogas.
Dou graças aos companheiros, que como Guerreiros da Luz,
levaram a mensagem de NA aos adictos que sofriam naquele lugar
macabro. Importante dizer que é muito difícil à vida na prisão, eu mesmo
não consegui parar naquele momento, mas alguma coisa tinha mudado
dentro de mim, eu já não era o mesmo, porque sabia que era possível
parar de usar drogas, mas dentro daquele inferno era a única coisa que eu
acreditava que acalmava os ânimos.
Fui transferido para um Presídio no Interior de São Paulo, pra tirar
mais 1 ano e meio de cadeia. Lá a repressão era muito maior, agente já
não tinha toda a liberdade como tinha no Carandiru, nós éramos vigiados
mais de perto. Entre os presos tinha mais opressão, os “raios” – pavilhões
- eram de 100 detentos e a qualquer vacilada o “coro comia solto”, tanto
pelos policias como pelos presos da faxina - presos que tomam conta do
raio, distribuem a “bóia”, fazem à limpeza e são pilotos do “raio”, mantém
a ordem do raio dentro das regras da Faculdade do Crime como são
chamados os Presídios de São Paulo - Eu era um faxina e comandava as
atividades esportivas do raio. Era contador do tráfico interno, no meio de
tanto sofrimento acabei esquecendo a mensagem de NA e caí nas drogas
novamente, pois era a única coisa que deixava eu com calma lá dentro do
inferno, que são os Presídios do Interior de São Paulo, onde a qualquer
momento você é espancado com canos de ferro, por seguranças do
presídio. Por outro lado, para não ser oprimido pelos “patrões”, você tem
que estar junto com eles, os “pilotos da Faculdade” - piloto são os
malandros que comandam toda a Faculdade.
Estava eu comandando um torneio de futebol, foi uma
euforia geral e uma surpresa pra mim, alguns dias antes eu soube que o
Juiz tinha negado meu pedido de condicional e eu teria que cumprir a pena
até o fim, e naquele dia eu seria libertado parecia brincadeira, mas era
verdade. A euforia foi geral no “raio” porque eu era querido por todos,
apesar de ser “faxina”, nunca bati em ninguém. Estava feliz, porque iria
sair daquele lugar. Fiquei numa sala aguardando o meu Alvará de soltura,
sozinho naquela sala prestes a obter a liberdade tão sonhada e desejada
por todos os detentos, comecei a ter pensamentos de não sair de ficar lá
mesmo, fiquei com medo de voltar para a rua, já não conseguia me
imaginar vendendo droga nas esquinas da “Boca do Luxo”, algo havia
mudado dentro do meu ser, não queria sair da cadeia, que coisa horrível
na hora de ir embora, sair do inferno eu não queria sair, preferia ficar
“enjaulado”. Não tinha alternativa, tinha que sair e sai.
Cheguei a São Paulo e minha irmã foi me buscar na Rodoviária, o
efeito da droga já havia passado e notei que já não era mais o mesmo em
relação às drogas, ela não me fazia mais bem, comecei a raciocinar que na
hora da liberdade tão sonhada, eu não queria sair queria ficar preso, que
coisa estranha ficar enjaulado como animal. Fiquei mais ou menos dois
meses sem usar, só dentro de casa, bem próximo da minha família, pois
estava de condicional e a qualquer vacilada voltava pra “tranca”, uma vez
que meu artigo era pesado: o 12.
Mesmo assim numa noite, fui até um lugar de ativa e recai. Sentime o último, um trapo. Passei uma semana sem conseguir encarar meus
familiares, foi ai que me lembrei da “Oração da Serenidade” e fui tocado
por aquele “PODER SUPERIOR” que tanto ouvi falar no “GRUPO DA
PAZ”, lembrei-me dos companheiros de NA, que com tanto carinho nos
visitavam e levavam a mensagem de NA. Se para eles foi possível
abandonar as drogas, então decidi parar com as drogas também, já não
me faziam bem, não me deixavam com os pés no chão. .“Só Por Hoje
estou limpo a 3 anos, 11 meses, 9 dias e algumas horas”, sem fazer
uso de qualquer tipo de droga, e só por hoje eu não vou fazer uso
de nenhuma substância química que altere o meu humor. Estamos
juntos companheiros!Tente que dá certo!
Namastê.
(O Deus que habita o meu coração, saúda o Deus que habita o coração de
todos vocês).
História de uma vida, por um Bandeirante da Luz.
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Mais um Cartaz divulgando o Grupo da Paz e como participar!
Casa de Detenção – GRUPO DA PAZ
Estou limpo a 12 anos, só por hoje, pela Graça de Deus,
um pouco da minha boa vontade, um pouco da boa vontade de vocês, por
poder ter e usar um Padrinho e me envolver com o serviço, onde tive
também a oportunidade de servir o Grupo da Paz como RSG.
*O Preconceito:
Antes de chegar à Irmandade, maldizia os homossexuais,
moradores de rua, deficientes, positivados, presidiários, etc. Era um
preconceito como um todo.
“Peguei gosto” não é a expressão correta para me referir
ao sentimento que eu tinha quando estava participando das reuniões que
ocorriam no Grupo da Paz. Eu me sentia melhor lá do que no meu grupo de
ingresso, e só por hoje, ainda sinto muito a falta deste grupo que me
ensinou muito e que derrubou muitos preconceitos que eu tinha sobre
algumas situações e/ou pessoas.
Hoje continuo tendo o encargo mais importante na nossa
Irmandade, “o de Membro”. Sou muito grato por ter tido a oportunidade de
frequentar e prestar um serviço neste grupo que tocou muito forte o meu
coração, pois apliquei e continuo aplicando a experiência que lá eu tive!
Só por Hoje em Espírito de Irmandade.
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*O Padrinho:
Sou um adicto afortunado por ter tido um padrinho, (hoje
falecido), que me ajudou e muito a construir uma base na minha
recuperação, um dia de cada vez. Ele já ia ao Presídio do Carandiru muito
antes mesmo da formação do Grupo de Narcóticos Anônimos.
O Convite:
Meu Padrinho me convidou para eu ir ao Grupo
Institucional (Grupo da Paz). E, na ocasião, encontrava-me desempregado
e servindo o Sub Comitê de Longo Alcance que custeava minhas idas e
vindas ao Grupo e ao Subcomitê.
O Milagre:
Fiz os treinamentos no Sub Comitê para saber como levar
a mensagem dentro da Instituição. Minha experiência pessoal foi apenas
uma prisão no Quartel do Exército por causa de um flagrante e outra vez
no “corro” de uma delegacia. Fui à minha primeira reunião no Grupo da Paz
com muito medo, mas confiante pela presença de meu padrinho que
estaria lá.
Companheiros e companheiras que estão tendo esta
oportunidade como eu, de viver um milagre diário, sem usar droga um dia
de cada vez e se modificando pelos 12 passos, servindo esta Irmandade
com honestidade, mente aberta e boa vontade; as coisas acontecem e a
identificação que eu tive foi total, a única diferença minha para com eles
era a calça caqui, pois a identificação era o foco principal. (de se apegar
nas semelhanças não nas diferenças).
Bom dia, sou mais um em recuperação limpo só por hoje, tenho
absoluta certeza que o serviço da irmandade me manteve limpo no início e
ajudou a construir o alicerce para o dia de hoje. Agradeço a todos os
companheiros que lá estiveram comigo e dois que continuam mandando
forças de um lugar melhor (Valente e Carlos Rosa).
Lembro-me do primeiro painel que participei no Carandiru, a época
o grupo da paz estava sendo estudado, logo quando saí do metrô e olhei
para o presídio. Senti medo. Aquela seria a primeira vez que entraria
naquele lugar, respirei fundo e desci as escadas, quando olhei para frente
vi alguns companheiros, então me senti mais seguro, chegada a hora
10h30, entramos, passamos pela revista e nos encontramos com o
funcionário responsável por nós, uma pessoa incrível. Jamais quero me
esquecer dele, fizemos a oração da serenidade em um espaço depois da
portaria e antes do acesso aos pavilhões e entramos. O primeiro painel
aconteceu no pavilhão 5 , conhecido também como “seguro”; as pessoas
que lá estavam não circulavam por outros pavilhões por diversos motivos.
Nosso painel seria no espaço de uma igreja evangélica. Chegamos
lá e um companheiro nos recebeu, aquela foi à recepção digna do que
repetimos no grupo a expressão do “estamos juntos”; os olhos brilhavam e
após aquele abraço caloroso me senti mais calmo, porém recebemos
alguns avisos que o espaço era santo, desta forma não poderíamos fumar e
falar palavrões dentro daquele espaço, respondemos tranquilamente, nos
nossos treinamentos não fumávamos e nas reuniões nem falávamos
palavrões. Alguns minutos antes do painel começar foi avisado de que no
pátio seria realizado um culto de uma igreja com aproximadamente 500
pessoas cantando hinos e louvores, puxa! Pensei estarmos perdidos,
começaram a chegar mais companheiros para o painel, não podíamos
simplesmente adiar o painel, vamos em frente disse o líder do painel,
novamente fizemos mais uma oração e começamos nosso painel.
Quando falávamos da existência de um Poder maior do que nós, que
torna possível o que parece impossível, não levava muito a sério, mas a
partir daquele dia eu tirei todas as minhas dúvidas. Aproximadamente 500
pessoas cantando com emoção não foram capazes de atrapalhar nosso
painel e a mensagem conseguiu chegar para aquelas pessoas que estavam
lá.
Os painéis no Carandiru tinham algo a mais que os outros, porque
todos que participaram na época que estavam desempregados como eu;
conseguiram emprego, por algum tempo isso era lembrado no subcomitê,
precisa de emprego vai servir, que você logo encontra!
O acesso para nossas reuniões. Era difícil, pois o passe para circular
entre os pavilhões era muito disputado, nossos companheiros internos
conseguiam este privilégio para assistir o painel, porém alguns deles
voltaram a usar e chegavam faltando 10 minutos no final da reunião, para
conseguir manter o benefício.
Começamos a fazer os painéis itinerantes cada semana em um
pavilhão diferente, as reuniões aconteciam nos lugares mais diversos:
igrejas, barbearia. Sempre éramos muito bem recebidos em qualquer lugar
do complexo que passávamos. Lembro que uma vez, estávamos chegando
e alguém gritou: o pessoal do NA chegou! Isso reforçava o compromisso de
continuarmos voltando e alegria de servir a irmandade, pois alguns
companheiros não recebiam mais visita da família e desta forma os
companheiros acabavam assumindo este papel para alguns deles, todas as
reuniões o número de membros crescia. Havia certa insegurança sobre o
anonimato, lembro-me de muitas vezes alguns companheiros estarem com
sérios problemas devido ao seu uso de drogas dentro do presídio e não
conseguirem partilhar seu sentimento. Naquela altura o painel já tinha o
formato de uma reunião, pois havia regularidade dos membros, então o
espaço reservado para perguntas, na maioria das vezes era usado para
partilhas dos internos.
Com a divulgação do trabalho de HI, a idéia de abrir um grupo e
continuar levando a mensagem, crescia, pois o presídio era muito grande e
nós éramos poucos para atender a todos os pavilhões. O pavilhão 6, um
dois mais organizados, tinha uma sala disponível. Que foi oferecida para
nossa irmandade abrir um grupo, em meio a nossa já conhecida
burocracia, demoramos, para realizar a abertura do grupo e aquela sala foi
destinada para a FIFA (Federação Interna de Futebol Amador).
Neste período a freqüência de membros colaboradores caiu a ponto
de muitas vezes estarmos em 2 para realização do serviço, por outro lado,
lá dentro, os companheiros com todas as adversidades possíveis
continuavam voltando e alguns se mantinham limpos.
Aproveito a oportunidade de partilhar com vocês um segredo que
durante muito tempo ficou guardado com os companheiros que eram os
coordenadores e vice-coordenadores do nosso subcomitê de HI, na época,
na hora do preenchimento da agenda no subcomitê que acontecia sempre
próximo das vinte e uma horas era o ultimo momento antes da sétima
tradição, o segundo horário era sagrado para os treinamentos, quando
falavam do painel do Carandiru os requisitos eram não estar devendo (ser
procurado pela justiça) e calça marrom, infelizmente meu uso de drogas
trouxe problemas com a justiça na minha adolescência, porém já estavam
resolvidos, judicialmente, precisava apenas me perdoar, o que graças a
Deus com ajuda do programa consegui fazer. Naquela época tinha 17 anos
e alguns meses, para ser exato 8 meses, estava limpo há 7 meses, uma
vez quando o Valente foi me devolver minha identidade, até comentei com
ele que precisava trocar a foto pois aquela que estava no documento era
da ativa ele olhou e arregalou os olhos, quem já me conhecia sabe do que
estou relatando e então ele me disse “MEUUUUUU, VC É MENOR DE
IDADE”. Não era a primeira vez que alguém se surpreendia com isso, fui
espancado várias vezes pela polícia quando eles verificavam meu
documento e respondi que sim, estávamos entrando para o painel naquele
dia como muitos outros, mas éramos somente nós dois. Fizemos o painel,
porém, percebi que ele estava estranho, quando fomos embora. Fizemos a
oração como de costume e pegamos nosso documento assim que saímos.
Ele disse “Graças a Deus”, sem entender, respondi: é mesmo mais um dia,
ele sorriu e disse o que vamos fazer agora? E eu respondi - vamos comer
alguma coisa e pegar a reunião das 18h00 no Alvorada. No caminho, ele
me explicou que eu não poderia mais participar do painel por não ter 18
anos. Fiquei muito triste, mais na época bem como na atualidade não havia
recursos humano para continuar o serviço e desta forma decidimos “correr
o risco” e eu continuei frequentando o painel por mais 3 meses até quando
consegui um emprego e o horário não mais permitia frequentar o painel.
Foi aberto o Grupo da Paz. Uma vitória (conquista) para toda a irmandade.
Mais companheiros entrando em recuperação e o milagre descrito em
nossa literatura acontecendo, tive a oportunidade de retornar ao grupo no
aniversário de 1 ano, uma reunião inesquecível, trocas de ficha, bolo e
samba, estavam presentes mais de 100 pessoas, entre companheiros e
visitantes, pessoas que não tinham problemas com drogas e apoiavam
nosso trabalho dentro da instituição.
Hoje vejo o que não tínhamos tanto naquela época e que poderia ter
ajudado mais:
- Literatura (na época toda nossa literatura vinha do WSO (Escritório
Mundial de Serviços nos Estados Unidos); por isso o custo era muito caro
para ser disponibilizada aos que quisessem).
- Serviço de informação ao Publico, ser mais atuante em questões dos
presídios como ter o nome limpo para poder entrar (lembrar que o
programa é de mudança, por isso é que estamos limpos).
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Adicto em recuperação limpo há 10 anos, 08 meses e 14 dias Só por hoje.
O presídio do Carandiru trazia muitas místicas e a simples idéia de
participar de um painel de H.I. No local, causava um frio na barriga. Muitas
estórias eu já tinha escutado sobre o local tipo: O pavilhão 08 é “o
cabuloso”, o pavilhão 09 é para os recém-chegados. O pavilhão 05 é o
seguro; o 07 pra quem tem dinheiro é “mancada isto ou aquilo”, etc. O que
eu não sabia que na minha vida em recuperação poderia experimentar na
prática uma experiência incrível.
Ouvia falar dos painéis que aconteciam no presídio Carandiru, intitulado
como Grupo da Paz, na época em que eu morava em Praia Grande e
participava do subcomitê de HI da área Caminho do Mar em Santos – SP.
Ocorre que durante parte da minha vida fui nascido e criado na zona norte
de São Paulo, e utilizei por um longo período para ir e vir do trabalho e
lazer uma linha de ônibus que tinha o terminal final a Estação Carandiru do
Metrô. Desta forma, invariavelmente os momentos de espera aguardando o
ônibus em frente ao presídio, provocavam diversos pensamentos na
mente, em função da movimentação sempre agitada da região, quase
sempre carregada de viaturas policiais, entrando e saindo do local, bondes
de presos, filas de visitas, imprensa, presos pendurados nas grades dos
pavilhões, criando assim uma atmosfera de barril de pólvora e outras
conotações que vagavam na mente numa mistura de medo, adrenalina,
piedade e outros.
Tinha mais ou menos dois anos na irmandade quando depois de ouvir
vários recados da irmandade que apontavam a necessidade de mais
companheiros participar do painel do Grupo da Paz, a fim de promover um
rodízio dos companheiros que freqüentavam o painel, tendo em vista que o
mesmo acontecia em dia útil, pela manhã fator que impossibilitava para
muitos companheiros que trabalhavam neste horário de participar.
PARTILHA
Chegou o dia: Tinha participado de treinamento, o que falar o que não falar
roupa apropriada, etc. No ponto de encontro lá estão os companheiros,
vamos para a portaria nos identificamos, apresentamos documentos,
passamos na revista e adentramos ao primeiro portão, fizemos uma oração
(eu particularmente já tinha feito várias) e continuamos o acesso ao local.
O grupo tinha acabado de mudar, face acontecimentos internos não me
lembro direito, bem como o antigo local criava dificuldades para os internos
que estavam no seguro de participarem, pois corriam riscos no caminho de
acesso para o local. A passagem dos portões é um momento de frio na
barriga, mas vamos lá o P. S. vai junto e com outros companheiros não
temos mais medo, não estamos mais sozinhos. Chegamos ao local, os
funcionários que até ali tinham nos acompanhado, nos deixam e
encontramos os internos que já nos aguardavam. O grupo funcionava em
um local que parece ter sido uma igrejinha, a mesa estava arrumada com a
literatura bem como o café estava pronto. Ao fundo podíamos escutar o
corre-corre do dia a dia do local, certo barulho, no grupo silêncio, muito
silêncio e atenção, a literatura foi lida com grande participação coletiva. As
partilhas são iniciadas e o respeito continua, o foco fica concentrado na
pessoa que esta a falar.
Estou energizado com a atmosfera da reunião, comecei a prestar atenção
na pessoa que estava responsável pelo café, parece simples, mas muitas
vezes nos nossos grupos verificamos o desleixo e a sujeira que fica no
local, nos utensílios e até mesmo inacreditavelmente quando depois de
dois dias ou mais sem reunião encontramos a cafeteira ainda com filtro e o
café que foi utilizado na última reunião. Foi uma grande lição para a minha
recuperação onde metodicamente o companheiro ao término da feitura do
café realizava uma limpeza e um cuidado com os apetrechos de tirar o
chapéu, show de bola.
Aconteceu uma troca de ficha que foi muito emocionante. Ouvir a
dificuldade do companheiro em ficar limpo dentro daquele ambiente, com
certeza proporcionou o revés que ouvimos que vamos levar a mensagem e
na prática recebemos. Tive a oportunidade de partilhar e agradecer ao
Poder Superior por estar limpo.
A reunião foi terminada antes do horário previsto face eminente rebelião
que se encontrava em andamento, porém saímos sem nenhum problema e
com a satisfação de fazer parte de uma irmandade que pode dar a
liberdade da escravidão do uso de drogas até mesmo em lugares onde as
grades impedem a liberdade da vida.
------------------------------------------------------------------------------Pela graça de Deus a irmandade de N.A e momentos como esse que me
fazem relembrar de uma época muito especial na minha recuperação que
eu não usei drogas (hoje) e digo pra todos que continua valendo a pena.
Quando o companheiro me pediu para relatar minhas experiências sobre o
grupo da paz fiquei muito feliz com a lembrança, mas por estar muito
envolvido com outros projetos acabei não dando o devido valor ao pedido
do companheiro.
Mas quando li sua partilha, fui tomado por um sentimento de gratidão de
uma lembrança boa e certa saudade que me fez sentar aqui no
computador do escritório e começar a escrever e reviver esses grandes
momentos que eu vivi na companhia de todos que participaram desse
grupo tão especial.
Lembro-me: meu primeiro dia no grupo e após meu padrinho partilhar
varias das suas experiências emocionantes vivenciadas por ele, e a forma
como ele via o grupo e o amor que sentia pelo mesmo, fez despertar uma
curiosidade enorme em mim.
Fui ao Subcomitê de H&I fiz os treinamentos e lá estava eu na manhã de
quarta-feira no metrô sentido Carandiru, o maior presídio da América
Latina em busca de mais um dia limpo.
Ao chegar no local tomado pela adrenalina de entrar no presídio e achando
que ia encontrar um ambiente pesado e uma energia ruim , logo fui
surpreendido por um abraço de um senhor muito simpático que era o
responsável pela nossa entrada no presídio. Entramos e fizemos a oração
da serenidade ali na entrada antes de cruzarmos os portões. Pronto ali eu
estava (sendo) guiado pelo meu poder superior. A adrenalina se
transformou em gratidão e acabei me deparando com pessoas que davam
um valor (maior) (que muitas vezes eu mesmo não dava) as reuniões de
NA. Pessoas que haviam experimentado uma nova maneira de viver e a
liberdade da adicção ativa de uma maneira diferente da minha, dentro da
casa de detenção.
Não precisa nem falar, que aquela energia me cativou e fez com que
daquele dia em diante eu frequentasse o grupo até seus últimos dias.
Ali tive experiências incríveis. Presenciamos companheiros tomando
“invertidas feias” por falarem o que não deviam. Vi mos presos aos prantos
emocionados com nossas partilhas e com a literatura de NA. Certa vez, ao
ler o folheto Juventude e recuperação um interno que havia falado não ter
problemas com drogas (frase comum entre eles) começou a chorar e me
disse que se tivesse ouvido aquilo na rua não estaria ali. Pois foi preso em
um assalto no desespero por mais uma dose. É impossível relatar todas as
partilhas que me tocaram. Todas as experiências que me ensinaram todas
as trocas de fichas que me emocionaram. Mas posso falar das experiências
que eu mesmo vivi naquele grupo.
Estava concluindo um encargo de RSG de um grupo e queria pegar outro
encargo, falei com meu padrinho e ele me sugeriu que levantasse a mão
no grupo da paz, no dia da reunião eletiva fui eu e outro companheiro
disposto a levantar a mão. Um para RSG e outro para suplente. Primeiro foi
à eleição para RSG. Depois outro companheiro levantou a mão comigo e ali
estava eu sem esperar mais preste a viver uma das experiências mais
emocionantes da minha vida no serviço de NA.
Fomos retirados da sala para iniciar a eleição e lá fora já percebemos que o
clima não estava muito bom na cadeia, ao voltar fui eleito (RSG suplente)
e junto com as palmas dos companheiros uma barulheira surpreendente.
Estava estourando uma rebelião à cadeia virada muita tensão: portas
trancadas corpos no corredor e eu no meio daquilo e mais com o
compromisso assumido de ficar ali por pelo menos mais dois anos,
continuamos a reunião até que os responsáveis pela rebelião foram nos
buscar e garantir nossa saída com segurança, e foi exatamente o que
aconteceu outras pessoas que estavam na cadeia: Secretario de Segurança
Pública e outras autoridades ficaram na cadeia e só nós saímos à contra
gosto dos policiais que gritavam ou sai todo mundo ou não sai ninguém. Na
outra quarta feira continuava aquela tensão. Entramos e os companheiros
agradeceram e pediram mil desculpas pelo ocorrido e disseram que jamais
era pra ter acontecido aquilo com a gente lá dentro. Muitos deles jamais
receberam uma visita e nós éramos o único contato deles com o mundo
aqui fora e eles ficaram muito preocupados com a possibilidade de não
voltarmos mais. Aquilo fez com que meu respeito pela Irmandade de N.A.
aumentasse vendo o respeito deles para conosco. Assim, com minha
gratidão por estar limpo e com a chance de resgatar todos meus valores
tendo em vista que muitas das coisas que fiz, poderiam ter me reservado o
mesmo destino que o daqueles companheiros.
O Grupo da Paz me fez ir ao subcomitê de Longo Alcance no inicio para
cobrar o material do grupo e para fazer com que o grupo pudesse ser
representado (com direito a voz e voto nas decisões de NA), depois
comecei a ver que ali também tinha um serviço amoroso e acabei servindo
esse subcomitê inclusive o coordenando em Florianópolis cidade que fui
morar depois, e acabei participando da abertura de um grupo institucional
lá nessa cidade (levando a mensagem).
Agradeço ao meu padrinho “Valente” por ter me mostrado esse e outros
diversos caminhos, a irmandade de NA, pois somente aqui vivi sentimentos
tão verdadeiros e ao companheiro que me permitiu reviver esses
momentos escrevendo e lendo esses textos. Até hoje sou convidado para
partilhar em diversos lugares do País a respeito das experiências vividas no
grupo da Paz.
Em espírito de irmandade, Só Por Hoje.
------------------------------------------------------------------------------Eu sou mais um adicto em recuperação. Ingressei-me na irmandade em
98. Até então, eu estava muito confuso e em dúvida para onde minha vida
estava caminhando, e se a vida era isso mesmo, viver sem usar drogas,
me tornar um membro produtivo, seguir o caminho… e sem uma grande
(perspectiva de) felicidade dentro de algo que fizesse um real e profundo
sentido. Sentia ser muito difícil, senão impossível, alguém não se drogar
sem ter um profundo sentido ou propósito de Vida.
No ano de 99, um companheiro de longo período de abstinência, hoje
falecido, explicou-me sobre a ida a um grupo institucional, chamado, grupo
da Paz, eles iam semanalmente, e seria interessante para mim, e não para
eles eu ir conhecer, e se possível participar regularmente. Fiquei pensando
como seria lá dentro, pois embora tivesse feito uso de drogas, não fazia
idéia de como era ficar preso por anos a fio numa das maiores
penitenciárias do País. Como companheiros que estavam lá há um tempo
significativos reagiriam as nossas visitas?, sendo que a maioria de nós,
adictos no grupo visitante, nunca tinha estado preso? Como seria tentar
passar a nossa experiência de “mamão com açúcar”, que estávamos sem
usar drogas por certo período na sociedade, em plena liberdade, para um
grupo de companheiros já calejados por anos a fio de um vivendo muito
precariamente, presos dentro da cadeia? É algo fantástico alguém
conseguir ficar limpo dentro de um ambiente sórdido e insalubre, onde o
cheiro da podridão e do pão mofado reina. Toda vez que, eu passava perto
de uma cela, dava para perceber o cheiro forte, e o total abandono pela
maquina do estado, onde a escolha do “viver bem” e de “correr atrás do
prejuízo” que tanto falávamos lá fora, não existia... Onde a facilidade de
acesso às drogas era muito maior que fora, e todo um ambiente dificultoso
misturado com 1.000 emoções negativas... Parecia impossível alguém ficar
limpo nessas condições.
Todas as vezes que íamos lá, ficávamos por cerca de 30 minutos
esperando o carcereiro liberar nossa entrada, para levarmos a mensagem
adentro. Na verdade era eu quem recebia a mensagem! Era notável à
vontade de viver que os companheiros tinham lá dentro. Tinha um
companheiro, que eu possuía mais proximidade, estava preso há 5 anos, e
que iria completar 10 meses limpos, faltava mais um ano para sair para
condicional. Era nítido o brilho em seus olhos; e a saudade que tinha de
sua filha e de sua família, e que durante todo o momento em que ficou
preso carregou um peso gigantesco de culpa, vergonha, remorso. Parecia
que apenas o uso compulsivo de drogas poderia anestesiar sua dor até o
seu fim miserável, e a morte.
Mas parece que um dia qualquer, quando menos esperava, teve a sorte de
ter um despertar e resolveu parar de usar e pedir ajuda aos companheiros.
Ingressou no grupo da paz, e se manteve abstinente por 10 meses (eu
estava há 7 meses limpo). Lá dentro tinha companheiro com 5 anos, 8
anos, 13 anos limpos… É inacreditável, aliás, totalmente Milagroso, o poder
que a ajuda de um adicto a outro tem. Quem praticou o programa lá
dentro, provou que a rendição e a humildade têm poder de transformar
Vidas, e “descolar” do ambiente externo que provoca ou agride. Mostra que
o verdadeiro poder, não vem de apoio e facilitação externa, e sim interna,
de dentro para fora. E que essa centelha de amor e sobrevivência vem
unicamente de nossa decisão de abrir minha mente e meu coração para
que a Vida e o Poder Superior possa me guiar e dar poder sem limites seja
pelos Vales da Paz e da Luz, ou pelos Vales da Escuridão e da Morte. E que
o que reina é o aqui-agora, o Só Por Hoje; o passado e o futuro são
ilusões. E que sempre poderei acreditar, confiar e entregar minha Vida a
essa energia do Amor do Poder Superior. Pois quando me sinto perdido, sei
que Poder me guia. Não do meu modo, mas da maneira que deve ser
construída minha verdadeira natureza humana.
Nunca tinha tido uma experiência com recuperação. Talvez a natureza
exata de minha recuperação, seja um pleno sentimento de gratidão, por
tudo que eu tenho, e que sempre dá para cavar mais um pouco o nosso
“inferno” pessoal, usando ou não drogas. Por outro lado, sempre dá para
elevar um pouco mais, nosso caminho espiritual, ficar mais próximo do
Poder Superior de nossa compreensão, para enfim ter mais harmonia, paz
e felicidade em recuperação.
----------------------------------------------------------------------------------Relatórios do Grupo da Paz (1)
Relatórios do Grupo da Paz (2)
Cartas de adictos que estiveram na casa de detenção
GRUPO INSTITUCIONAL (SUBCOMITÊ DE LONGO ALCANCE)
O intuito de publicarmos algumas e poucas cartas é possibilitar que mais
alguém se identifique e venha somar no propósito de através delas,
levarmos a mensagem para mais adictos, detidos em algum cárcere e que
possamos comunicar que qualquer adicto, em qualquer lugar, pode
encontrar o que nós encontramos. Pode parar de usar, perder o desejo de
usar e encontrar uma nova maneira de viver. Não exercemos vigilância
sobre nossos membros e para nós viver Só Por Hoje, funciona! A maior
parte do serviço – de fato – é realizado pelos grupos de NA.
PROJETO CARTAS! É o que nosso HI regional vem realizando através dos
diversos subcomitês de HI (das áreas) formados ao longo dos anos. Um
instrumento valioso para alcançar adictos que ainda sofrem e que ainda
não encontraram o que temos pra oferecer: Recuperação da doença da
adicção!
Nas reuniões de área (dos Comitês de Serviços), os relatórios de serviço são
apresentados. Um encontro mensal de RSG’s (Representantes de Serviço dos
Grupos). Sempre no propósito primordial. Tradição 5.
NA cresceu, hoje levamos a mensagem em Fundações Casas, em CDPs e
em Hospitais de Custódia. Em Centros de tratamentos, albergues,
Psiquiatrias, Comunidades terapêuticas. A literatura de NA é amplamente
utilizada...
A Aventura continua...
Através da consciência coletiva dos grupos há o direcionamento dos serviços
em NA. Serviço é levar a mensagem ao adicto que ainda sofre.
GRUPOS INSTITUCIONAIS foram e estão sendo formados. Um dia de cada
vez, nós nos recuperamos e nos importamos com os outros adictos.
“Para que nenhum adicto em nenhum lugar precise morrer dos horrores da
adicção ativa sem ter a chance de se recuperar.”
Mas, por mais que fizemos, façamos ou venhamos a fazer é pouco pelo que
já recebemos.
Nas próximas páginas, cartas do tempo do grupo da paz, apenas uma
amostra do poder da mensagem de NA. A maior parte do material e
partilhas será sempre Anônima, mas o Amor da Irmandade é incondicional.
Enquanto todos podem apreciar, informamos que este é um dos primeiros
trabalhos de composição para Literatura (criação) de NA brasileira.
Convidamos os membros que quiserem participar e contribuir para o
crescimento desse serviço para procurarem uma estrutura de Revisão e
Tradução de Literatura, funciona! Informe-se no Comitê de Serviço de Área
mais perto. Obrigado! Esperamos ter sido úteis ao serviço amoroso do
nosso Poder Superior, ao qual dedicamos esse trabalho.
“Os eventos e as comemorações em NA são oportunidades de confraternização
saudáveis. Há vida após as drogas. Alguns membros puderam estar lá e
registrar para transmitir pra nós que o programa funciona e vale a pena servir”.
Atualmente, NA realiza milhares de reuniões semanais no Brasil. São mais de mil e
duzentos grupos. Não temos o número exato de reuniões de H&I e Grupos
institucionais. Mas nossos esforços progridem, à medida que mais membros se
juntam na aventura de servir a irmandade. Por gratidão.
São muitas comemorações... há vida depois das drogas...
“No quadro negro, como em tantos outros grupos de NA a mensagem clara;
evite e procure”.
Nossos agradecimentos a tantas pessoas de fora de NA... familiares, agentes
penitenciários, autoridades, religiosos, médicos, assistentes sociais,
psicólogos, educadores e outros tantos multiplicadoras da nossa mensagem,
por acreditar em nós. Hoje nos relacionamos cada vez mais e melhor com a
sociedade. Estamos limpos, temos nossa vida de volta, graças ao programa de
Narcóticos Anônimos.
Ninguém chegaria a um lugar que não tivesse ouvido falar. Nossa
mensagem é bem simples: qualquer adicto pode parar de usar e encontrar
uma nova maneira de viver, livre do uso de drogas só por hoje!
(um dia de cada vez!).
“O que NA (Narcóticos Anônimos) promete é a liberdade da adicção ativa”.
Informações sobre Narcóticos Anônimos: www.nasp.org.br .
Sobre o projeto cartas, ligue (11) 3101-9626 ou envie um e-mail para:
[email protected]
“Literatura não aprovada pela Conferência Mundial de NA”
Trabalho em andamento – Edição produzida para visualização e amostra.
Não pode ser reproduzida em todo ou em parte.

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