Revista OPINIAS - nº 02

Transcrição

Revista OPINIAS - nº 02
Ano I - nº. 2
Julho - 2014
VINHOS
Saiba qual é a
temperatura certa
Opinias
UMA REVISTA DE IDEIAS, PENSAMENTOS E PONTOS DE VISTA
PUCCINI
Um pouco da
vida e obra
VANUATU
O lugar mais
feliz da Terra
INGLESES EM SÃO PAULO
Eles começaram a chegar por volta de 1808 e nos deixaram grandes realizações
Opinias - Julho 2014
Editorial
Sumário
VIAGEM INCRÍVEL
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Ciência e tecnologia servem a toda a humanidade,
pois o progresso impele o desenvolvimento da sociedade
como um todo. É assombrosa a velocidade com que os
avanços tecnológicos vão ocupando todos os setores do
conhecimento e, por consequência, do cotidiano. Claro que
o desenvolvimento traz também consigo o lado negativo, na
medida em que as inovações são mal utilizadas ou apresentam
“efeitos colaterais” indesejáveis ou até mesmo imprevisíveis.
Daí que alguns paradoxos se apresentam como grande
desafio ao ser humano. Se por um lado a modernidade lhe
dá perspectivas de maior longevidade e qualidade de vida,
por outro o faz buscar soluções como o que fazer com um
volume cada vez maior de lixo advindo da necessidade de
descarte de produtos que vão ficando ultrapassados.
Nesta edição de OPINIAS não trataremos
necessariamente desse tema em nenhum dos artigos
apresentados. Contudo, há que se pensar no assunto quando
se constata, por exemplo, o sucateamento, em tão curto
espaço de tempo, do sistema ferroviário incrementado pelos
ingleses em São Paulo. O artigo dá uma boa mostra também
da contribuição que o homem pode e deve dar ao seu meio
ambiente.
De modo geral, o convite que fica implícito na maioria
dos artigos desta edição é o de aproveitar o mundo da melhor
maneira possível. Seja visitando lugares, seja apreciando
bons vinhos. E enquanto isso refletindo sobre o dia a dia
prático, avaliando questões de comportamento, externando
emoções e vivências. Enfim, tirando da vida e do mundo o
melhor proveito possível e, acima de tudo, exercitando nosso
maior tesouro, o pensamento. É ele a mola que impulsiona
o avanço tecnológico e certamente o que possibilita que
esta fantástica viagem da vida seja cada dia mais incrível.
MARCOS GIMENES SALUN
Jornalista
São Paulo - SP
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embarque nesta aventura:
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03 OViolência
psiquiatra Carlos Augusto
Galvão fala sobre esse mal que
nos aflige desde os primórdios.
Ingleses em SP
04
De descendência inglesa, o médico
Walter Whitton Harris narra o dote que
seus patrícios legaram a São Paulo.
10
Vanuatu
Na Gimenes
09 Navegando 12 Cachalote
Gustavo Barbosa
Rossato
Luciana Gomes
Gimenes
14 Temperatura 16
Carlos Eduardo
de Oliveira
Xangri-Lá
Raquel
Zarpellon
Recorrências recorrentes
Valquíria Gesqui Malagoli
17
18 Encomendas
Angela Bretas entrevistou várias
pessoas para saber o que lhes
encomendaram quando em viagem
dos EUA para o Brasil.
20 Giacomo Puccini
Luiz Gondin de Araujo Lins narra
aspectos da vida e obra desse
grande compositor.
edilício
23 Condomínio
Roberto Caetano Miraglia
A voz das mãos
Fernanda Guimarães
24
Expediente
OPINIAS - ANO I - nº. 2 - Julho 2014 - Publicação virtual mensal da Rumo Editorial Produções e Edições Ltda. * Diretores: Marcos
Gimenes Salun, Luciana Gomes Gimenes e Naira Gomes Gimenes * Editor e Jornalista Responsável:: Marcos Gimenes Salun (MTb
20.405-SP) * Revisão: Ligia Terezinha Pezzuto (MTb 17.671-SP). *Redação e Correspondência: Av. Prof. Sylla Mattos, 652 - cj.12 - Jardim
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Gomes Gimenes (SP), Naira Gomes Gimenes (Australia), Gustavo Barbosa Rossato (SP), Carlos Eduardo de Oliveira (SP), Raquel Zarpellon
(RS), Valquiria Gesqui Malagoli (SP), Angela Bretas (EUA), Luiz Gondim de Araujo Lins (RJ), Roberto Caetano Miraglia (SP) e Fernanda
Guimarães (CE).
Matérias assinadas são de responsabilidade de seus autores a quem pertencem todos os direitos autorais. PERMITIDA a reprodução dos
artigos desde que citada a fonte e mencionada a autoria.
Violência
Por
CARLOS AUGUSTO GALVÃO
Psiquiatra
São Paulo - SP
[email protected]
Quando se fala em violência, vem sempre a ideia
do sofrimento físico que ela gera, do mais fraco sendo
subjugado pelo mais forte, mas nem sempre a violência
é física. Hoje é muito difícil definirmos esta palavra,
embora ela faça parte de nosso dia a dia. Nos primórdios
da humanidade, o homem, que só sobreviveu até hoje
por ser um animal social, tinha como meta chefiar
grupamentos e, para isso, ser o mais forte, e assim imporse na chefia desse grupo, promovendo sofrimento físico
aos que se indispusessem contra essa liderança; mas o
próprio desenvolvimento social promoveu leis, que foram
as maiores invenções para a harmonia dos cidadãos,
ficando assim a violência ligada aos castigos para quem
se rebelasse ou desobedecesse essas leis.
Asprimeiras que aparecem na história são: o
Código de Hamurabi (olho por olho, dente por dente) e
a tábua judaica dos 10 mandamentos. Todos os animais
praticam violência com seus iguais, geralmente em
disputas sexuais (briga de machos para ver quem concebe
a fêmea), ou disputa por alimentos, principalmente, em
épocas de escassez. No ser humano também se observa
esses tipos de disputa, mas seus cérebros trazem funções
que estimulam a violência por outros motivos, por
exemplo: a passionalidade, a ambição e a revolta. Essas
“fraquezas” humanas distorcem o sentido que temos de
violência, pois a partir daí podemos observar outros tipos
de agressões, não físicas, mas que podem ser
classificadas de violência.
Há pouco, observamos na televisão um grupo de
vândalos que destruiu uma concessionária de carros de
luxo, e em poucos minutos causaram um prejuízo de
milhões de reais; violência, mas sem nenhuma lesão
orgânica em quem quer que seja, mas nem por isso deixa
de ser uma grande violência, pois alguém foi lesionado
em seus bens. Pura rebeldia.
Opinias
Opinias -- Julho
Julho 2014
2014
Um corrupto que, por exemplo, rouba a merenda
escolar das crianças, não está espancando-as, mas não
deixa de ser uma imensa violência, pois seu ato lesionou
outros seres humanos. Ambição desmedida. Um marido
traído que mata sua mulher e o amante clandestino dela,
também pratica a violência que tem a passionalidade por
gênese.
A violência acompanha o homem em seu
desenvolvimento na crosta terrestre. Hoje sabemos que
há dezenas de milênios coexistiram duas espécies
humanas: o Homo sapiens, originário da Africa, que ao
se expandir pela Europa, lá encontrou a outra espécie: o
Homo neandertalis. Conforme avançava o Homo
sapiens, os neandertalis iam desaparecendo, sendo que
seus mais recentes fósseis foram encontrados no “fim”
da Europa, a península Ibérica. Estudos recentes
mostram que durante o avanço do Homo sapiens, ele
foi interagindo com os neandertalis, pois a genética do
homem moderno inclui um considerável percentual do
genoma neandertalis.
Não dá para se pensar numa interação romântica
das espécies, e a imagem que mais se aproxima é o
ícone da idade da pedra, o Homo sapiens arrastando
pelos cabelos, em direção à sua caverna, um exemplar
feminino Neandertal.
Augusto Comte, em seu ensaio sobre a teoria das funções
cerebrais, diz que o cérebro humano possui funções
altruísticas (que regem a relação do indivíduo com seu meio,
favorecendo este meio) e funções egoísticas (que regem a
relação do indivíduo com o meio, mas favorecendo a si
próprio). Há equilíbrio entre essas funções, desde que sejam
desenvolvidas em ordem (família, escola, amparo social)
promovendo, assim, o progresso da sociedade onde vive. O
desequilíbrio entre esses dois grupos de funções é de se
imaginar que seja a principal causa de reações violentas no
ser humano.
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Opinias - Julho 2014
Por
WALTER WHITTON HARRIS
Médico e escritor
São Paulo - SP
[email protected]
Os
INGLESES
em São Paulo
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Sem dúvida, a maior contribuição dos ingleses no Estado de São Paulo foi durante a
construção de estradas de ferro, ligando a capital ao interior e, principalmente, o interior
ao litoral. Muitos bairros da cidade de São Paulo originaram-se pela existência das ferrovias,
haja vista a Luz, Lapa e o Jardim Paulista, este último para os mais abastados. A
comunidade era formada por quase dez mil pessoas, com o registro do primeiro inglês em
São Paulo em 1808. Atualmente, não supera duas mil.
A cafeicultura foi a motivação principal para que São
Paulo se tornasse um importante exportador de café,
atingindo seu auge na economia de São Paulo durante a
República Velha. Após a crise de 1929, gradativamente
adquiriu uma posição secundária graças à instalação das
indústrias. Mesmo assim, o Brasil permaneceu o maior
produtor mundial de café.
A expansão da produção de café, nos meados do
século XIX, atraiu o investimento dos britânicos em
ferrovias, para facilitar o escoamento das fazendas
situadas no interior do Estado para o litoral (Porto de
Santos). Em 1868, foi desenvolvido o transporte
ferroviário São Paulo-Santos, que foi a primeira e
fundamental conquista da escarpa costeira paulista, a qual
havia dificultado o desenvolvimento do planalto daquela
região.
A primeira ferrovia no Estado de São Paulo foi a
“Ingleza”, da São Paulo Railway Co., cuja construção
começou em 1860 e foi concluída em 1867, com
109 km de trilhos. A companhia foi criada em 1856 e
recebeu, por meio de Decreto Imperial, concessão para
construção e exploração da ferrovia por 90 anos. Além
de investidores ingleses, um dos maiores acionistas foi o
Barão de Mauá. A concessão terminou em 1946, e a
estrada de ferro passou, então, a ser denominada Estrada
de Ferro Santos-Jundiaí, sob o comando da União.
Em 1867, foi inaugurada uma singela estação, no
bairro da Luz. Posteriormente, com o crescimento da
demanda, ela foi ampliada. Em 1890, a São Paulo
Railway Co. decidiu construir uma nova e faustosa
estação, local de convergência das principais estradas
de ferro e cópia da estação ferroviária de Sidney, na
Austrália. Esta estação seria a Estação da Luz, que foi
inaugurada em 1901. Compete com qualquer estação
no Reino Unido ou, por sinal, com as de outros lugares
do mundo, que tenham sido construídas pelos britânicos.
A influência britânica em São Paulo pode ter sido
esquecida, mas a Estação da Luz é testemunha viva da
presença dos ingleses. Atualmente, algumas linhas trazem
passageiros de regiões distantes da própria cidade. A
unificação com o metrô aumentou ainda mais a
importância desta estação que foi reformada há poucos
anos.
Entre 1915 e 1919, a cinquenta metros da Estação
da Luz, foi construída a Vila dos Ingleses, com 28 casas
assobradadas, onde antes se localizava o jardim do
palacete da Marquesa de Itu. A finalidade era a de alugar
as casas aos engenheiros ingleses que viessem a trabalhar
na Estação da Luz e na estrada de ferro. Seguia o estilo
arquitetônico das vilas dos subúrbios londrinos, com
raízes nos estilos elizabetano e vitoriano, com influência
do colonial brasileiro. Na década de 1930, com a
diminuição da mão de obra estrangeira, as casas
passaram a ser ocupadas por famílias paulistanas.
Atualmente, são escritórios e ateliês.
Vila de Paranapiacaba
Uma estação da São Paulo Railway foi, também,
aberta em 1867, junto ao pátio de operações do sistema
de cabos implantado pelos ingleses e centro de
manutenção do funicular, no começo da descida da Serra
do Mar. O nome da estação era “Alto da Serra”, mais
tarde passando à denominação de Paranapiacaba que,
em tupi-guarani, quer dizer: “donde se tem o panorama
do mar”. Em 1896, construiu-se uma vila para os
funcionários da São Paulo Railway com seu estilo inglês
e sua beleza associada, por vezes, ao denso nevoeiro
vindo da serra. Do outro lado da linha, formou-se uma
vila que não acompanhou o estilo original inglês. A vila se
tornou importante, porque era a última parada antes de
se descer a serra. Em 1977, já havia outra estação, em
virtude da anterior ter sido destruída por um incêndio.
Nesta ocasião, foi salvo apenas o relógio, uma réplica
menor da torre do Big Ben, que foi consertado e
colocado sobre uma nova torre ao lado do prédio novo.
Até 2001, a Estação de Paranapiacaba era atendida pelos
trens da Cia. Paulista de Trens Metropolitanos. Após
uns tempos, os trens somente passaram a seguir nos fins
de semana e, depois, houve a suspensão total deles para
a vila, sendo necessário chegar de ônibus ou automóvel
até lá. Em 2002, a Prefeitura de Santo André adquiriu a
Vila Inglesa, mas não a vila ferroviária, que continua
abandonada. Está se tentando, aos poucos, restaurar a
localidade, com o patrocínio de entidades particulares.
Paranapiacaba encontra-se incluída como “um dos mais
importantes monumentos do mundo”, pelo Fundo
Mundial de Monumentos, que é uma organização sem
Opinias - Julho 2014
fins lucrativos, com papel fundamental no resgate e
conservação de localidades como o Vale dos Reis, no
Egito, e a Grande Muralha da China.
Com a inauguração da “Ingleza” — a São Paulo
Railway Co. —, muitos ingleses foram mandados para
São Paulo para trabalhar na ferrovia. Entre eles, estava
um engenheiro de nome John Miller. Aqui, casou-se com
Harriet Fox. Em 24 de novembro de 1874, nasceu um
filho, Charles William Miller, no bairro do Brás.
Em 1884, com 10 anos de idade, Charles Miller foi
mandado para uma escola pública na Inglaterra, onde
aprendeu a jogar futebol e críquete. Lá jogou a favor e
contra times como o Corinthians Football Club e St.
Mary. Retornou ao Brasil em 1894, para trabalhar na
São Paulo Railway Co., tornando-se correspondente
oficial da Coroa Britânica e Vice-cônsul inglês em 1904.
Vários britânicos, entre eles engenheiros da recémconstruída São Paulo Railway e outros comerciários da
cidade, tiveram a ideia de fundar um clube, onde
pudessem jogar críquete, tão apreciado pelos ingleses.
Isto foi feito em 1888, com a fundação da São Paulo
Athletic Club (SPAC), conhecido como o Clube Inglês,
hoje Clube Atlético São Paulo. O SPAC é considerado
o clube mais antigo da cidade de São Paulo. Lá, Charles
Miller foi essencial na criação da primeira equipe de
futebol do Brasil. Era composta por altos funcionários
ingleses da São Paulo Railway e outras entidades de
língua inglesa, como The Gaz Co. (Companhia de Gás)
e Bank of London and South America (Banco de
Londres).
SSPAC
- com Charles William Miller no centro (1905)
Em abril de 1895, Miller organizou o primeiro jogo
oficial de futebol, num terreno da Várzea do Carmo,
entre equipes formadas pela São Paulo Railway (SPR)
e da Cia. de Gás. O resultado foi de 4 a 2 para a SPR,
com dois gols de Charles Miller. As primeiras disputas
amistosas surgiram em São Paulo nos anos de 18991900, entre os clubes Germânia (atual E.C. Pinheiros),
Mackenzie, São Paulo Athletic Clube e o E.C.
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Opinias - Julho 2014
Internacional, todos com sócios da elite paulistana e de
várias origens: inglesa, americana e alemã. A Liga Paulista
de Futebol surgiu em 1902, a partir de cinco clubes, os
acima mais o Clube Athletico Paulistano. A liga organizou
o primeiro Campeonato Paulista de Futebol. Tendo
Charles Miller como artilheiro do time, o SPAC ganhou
os três primeiros campeonatos, em 1902, 1903 e 1904.
Um dos eventos de destaque daquela época foi a
visita do time inglês, o Corinthians F.C., em 1910, que
estava ganhando todos os jogos no mundo amador do
futebol. Estreou no Rio de Janeiro, goleando o
Fluminense por 10 a 1. Em São Paulo, o SPAC perdeu
de 8 a 2, apesar da boa atuação do time local. Um
grupo de funcionários da São Paulo Railway ficou tão
impressionado com a atuação dos ingleses, que resolveu
dar ao clube que fundaria mais tarde o nome de Sport
Club Corinthians Paulista. Foi Miller quem sugeriu o
nome do primeiro presidente do Corinthians Paulista.
Em 30 de junho de 1953, faleceu esse idealizador do
futebol no Brasil.
Outros esportes trazidos para o Brasil no final do
século XIX pelos ingleses que trabalhavam na São Paulo
Railway e na The São Paulo Tramway, Light & Power
Co., Limited (a Cia. Paulista de Bondes, Força e Luz,
de origem canadense), foram o tênis e o golfe. As
primeiras quadras de tênis foram construídas em 1892,
no São Paulo Athletic Club.
Patagônia
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Críquete no São Paulo Athletic Club - 1934
A chegada do golfe ao Brasil ocorreu de forma
curiosa. Os engenheiros ingleses e escoceses, que
construíam a ferrovia, convenceram monges beneditinos
a ceder parte do terreno do Mosteiro de São Bento
para a construção do primeiro campo de golfe do País,
na região atualmente situada entre a Estação da Luz e o
rio Tietê. A expansão da cidade em direção ao rio
obrigou a transferência do campo, em 1901, para um
local próximo à confluência das avenidas Paulista e
Brigadeiro Luiz Antônio, local este, até hoje, denominado
“Morro dos Ingleses”, devido aos tais “ingleses” que
jogavam seu golfe ali. Fundou-se então o “São Paulo
Country Club”, que teve o primeiro campeonato interno
em 1903.
A presença dos ingleses em São Paulo, e a diferença
linguística com o português, fez com que se reunissem em
torno da conservação das tradições britânicas. O Clube
Inglês cobria parte dessas necessidades, porém faltava
um local próprio para os cultos religiosos, com a maioria
inglesa de religião anglicana, havendo alguns presbiterianos,
geralmente de origem escocesa. Com isso em mente, foi
construída uma pequena capela, próxima da Estação da
Luz, para acomodar a maioria que trabalhava na São Paulo
Railway na década de 1860, em terreno doado pelo Barão
de Mauá, consagrada, em 1873, como a St. Paul’s
Anglican Church (Igreja Anglicana de São Paulo). Com a
deteriorização do bairro da Luz, decidiu-se por uma nova
igreja em Santo Amaro, o bairro onde havia importante
concentração de ingleses e seus descendentes. A pedra
fundamental foi firmada em 1962. A partir de 1995, tornouse a Catedral para a diocese de São Paulo. Apoia várias
entidades, como missões entre as favelas de São Paulo e
uma casa para idosos da comunidade.
Outro aspecto importante era os cuidados com a saúde.
Um chinês de Macau, o imigrante José Pereira Achao,
contraiu febre tifoide durante sua viagem de navio para o
Brasil, na segunda metade do século XIX. Na época, a
higiene e saúde pública eram muito precárias. Hospitalizado
na Santa Casa de São Paulo, o protestante Achao foi
pressionado a converter-se ao catolicismo, prática comum
nas instituições da época. De seu constrangimento, nasceu
a ideia da criação de um hospital que acolhesse pessoas
de qualquer credo, raça ou nacionalidade, sem distinção.
Quando faleceu, em agosto de 1884, legou dois contos
de réis (equivalente a 4.000 dólares de hoje) à Igreja
Presbiteriana, para que sua ideia fosse levada a cabo. Em
1890, um grupo de imigrantes britânicos, norte-americanos
e alemães, ligado às igrejas protestantes da cidade, uniu-se a tradicionais famílias paulistas para fundar a Sociedade
Hospital Evangélico, que teve suas primeiras instalações
inauguradas em 1894 e que se transformaria no Hospital
Samaritano. A palavra “samaritano” deriva da Samária,
cidade da antiga Palestina, onde havia um povo com
características culturais bem diversificadas. Em sentido
figurado, significa caridoso, bom, beneficente, por alusão
ao personagem bíblico “O Bom Samaritano”, modelo de
caridade. Era um atrativo para convencer os mais
incrédulos de que valia a pena deixar a Inglaterra e vir
trabalhar em São Paulo.
Ainda no século XIX, foi inaugurado o primeiro centro
cirúrgico. O hospital foi dirigido pelo Dr. Lauriston Job
GELADA
Lane de 1907 a 1942, cuja grande influência
consolidou a existência da instituição. Em 1895, foi
contratada a primeira matron (enfermeira
profissional), que veio da Inglaterra para dirigir os
serviços de enfermagem — uma inovação — porque
até o começo do século XX apenas religiosas
trabalhavam nos hospitais do Estado.
Nas décadas de 1940-1950, houve uma grande
reforma do hospital, graças a importantes doações
do Liceu de Artes
e Ofícios, Nadyr
Figueiredo, Companhia Antarctica,
Moinho Santista,
Rhodia, General
Electric e General
Motors do Brasil.
Os primeiros cursos de enfermagem
da cidade de São
Paulo, por conta da
Escola de Enfermagem Job Lane,
do Hospital SamaHospital Samaritano
ritano, iniciaram-se
em 1948. Hoje,
este hospital é referência mundial.
A inconveniência de se mandar os filhos estudarem
na Grã-Bretanha — como foi o caso de Charles Miller
— redundou na fundação de uma escola britânica em
São Paulo. Em 1926, abriu-se oficialmente a St. Paul’s
School, nos Jardins, bairro luxuoso da cidade.
O conceito de uma escola para membros da
comunidade inglesa remonta a 1867, quando 30
crianças de funcionários ingleses da São Paulo Railway
recebiam aulas do prelado da Igreja Anglicana de São
Paulo. O número de famílias britânicas cresceu
constantemente de 1867 a 1926, à medida que
engenheiros, contadores, banqueiros e industrialistas
britânicos vinham trabalhar na cidade em expansão.
A Escola Britânica S.A. começou com 60 alunos e
acomodações para 12 meninos internos, com a
finalidade de providenciar uma educação aprimorada
para os filhos de pais britânicos. Em 1927, foram
adquiridos 18.000 m2 no Jardim Paulistano por 50
contos de réis, que o ex-proprietário usou para
comprar ações da própria Escola, que depois doou
para esta.
Nos primeiros anos da escola, meninos e meninas
eram ensinados separadamente. Com o
desenvolvimento da Escola, foram introduzidas aulas
do idioma português, assim como História e Geografia
do Brasil. Mais tarde, também admitiram-se meninas
Opinias - Julho 2014
como alunas em regime de internato e as classes passaram
a ser mistas. Cada vez ficou mais claro que muitas crianças
completariam sua educação aqui no Brasil e não retornariam
para o Reino Unido. Com essa finalidade, foi iniciado um
curso ginasial brasileiro matutino, com aulas em inglês no
período da tarde.
Em 1951, a Escola Britânica tornou-se a Fundação
Anglo-Brasileira de Educação e Cultura (FABEC). O
estatuto determinava que fosse uma fundação sem fins
lucrativos, com o
objetivo de desenvolver a educação e
cultura (intelectual,
física e espiritual) para
jovens de ambos os
sexos no Estado de
São Paulo. Posteriormente, providenciaram-se classes
preparatórias para o
ingresso nas universidades brasileiras.
À medida que os
anos passaram, a
Comunidade
Britânica de São
Paulo teve de se preocupar com aqueles que não podiam
ou não queriam voltar para a Inglaterra e tinham optado
por permanecer no Brasil. A Fundação Britânica de
Beneficência, já existente em 1947, recebeu, de Miss Helen
Stacey, a doação de uma casa no bairro de Brooklin Paulista,
com a finalidade de providenciar alojamento, alimentação,
cuidados básicos e conforto para idosos de ambos os sexos.
A Stacey House, como passou a ser conhecida,
permaneceu naquela localização até 1981, quando foi
vendida, devido à “incorporação imobiliária”. Foi comprada
outra casa, mais moderna, próxima ao Aeroporto de
Congonhas. A Stacey House é a residência dos membros
mais velhos da Comunidade que preferiam não morar
sozinhos. Durante mais de meio século, vem recebendo o
apoio de indivíduos da comunidade, bem como de muitas
empresas. Assistência médica e de enfermagem foi sempre
garantida, graças ao Hospital Samaritano, e pela atuação
voluntária de profissionais da área.
Os residentes da Stacey House têm seus próprios
quartos com extensão telefônica, banheiro individual e estão
conectados a TV por cabo. Os funcionários da casa e
voluntários providenciam exercícios leves, terapia
ocupacional e passeios para os residentes. Também
recebem inúmeros convites para atividades em clubes e nas
residências de membros da Comunidade.
Com a diminuição do número de membros na
comunidade para um quinto do que era há 80 anos, tem
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Opinias - Julho 2014
havido uma procura menor para a Stacey House e,
atualmente, há poucos residentes. No entanto, a
manutenção da casa e funcionários onera muito a
fundação mantenedora. Em 2006, por ocasião da Festa
de Aniversário da Rainha Elizabeth II, o seu representante
anunciou que os moradores atuais seriam transferidos
para outra residência de idosos e a Stacey House seria
desativada. Foram dadas duas opções para os próprios
residentes, que consideraram o Lar Sant’Ana como o
que mais se aproxima da casa que foi seu lar por tantos
anos.
Como na maioria das cidades do mundo, há uma
regional paulistana da Legião Britânica de ExCombatentes. Reúne os ex-militares das várias guerras
em que participou o Reino Unido. Na Catedral Anglicana
de São Paulo, celebra-se uma missa especial, no domingo
mais próximo de 11 de novembro, que coincide com o
fim da Primeira Guerra Mundial, quando foi assinado o
Armistício em Compiègne, após ocorrer o colapso do
exército alemão em todas as frentes de batalha.
Comparecem prelados de vários credos, representantes
militares do Brasil e de outros países tradicionalmente
aliados, e das Legiões Britânica, Francesa e Belga. São
lidos os nomes dos membros da comunidade britânica
em São Paulo que deram suas vidas nas duas guerras
mundiais. Aquele domingo é conhecido como o “Dia da
Papoula” e todos usam uma papoula vermelha artificial
presa à lapela do paletó ou ao vestido, confeccionado
por veteranos incapacitados. A arrecadação vai para um
fundo de ajuda para mutilados de guerra, geralmente de
outras guerras que não as supramencionadas, porque a
maioria dos sobreviventes daquelas já se foi.
Meu pai veio, sozinho, para a Argentina, aos 15 anos
de idade, em 1910, retornando para a Inglaterra para
lutar na Primeira Guerra Mundial. Depois, voltou para a
América do Sul, indo para o Paraguai. Somente em 1925
decidiu mudar de ares, vindo para São Paulo. O atrativo,
como nos contou, foi o fato de haver mais oportunidades
de trabalho aqui e também pela ótima assistência médica,
devido à existência do Hospital Samaritano.
Minha mãe veio para o Brasil com nove anos de
idade, em 1913, ficando num colégio interno, em
Piracicaba. Seu pai fora “importado” da Inglaterra para
trabalhar como contador numa firma inglesa que
negociava café. Durante um tempo, a família morou na
fazenda da firma onde trabalhava meu avô, em Matão,
perto de Araraquara. Posteriormente, veio para a Capital.
Pois é, eu estou aqui graças a um cão. Meu pai,
quando chegou a São Paulo, comprou um cão pastor
alemão. Naquela ocasião, morava numa pensão alemã
onde não se aceitava animais de estimação. Foi então
obrigado a deixá-lo nos alojamentos do Alto da Serra,
onde trabalhava na construção da usina hidroelétrica da
Light and Power. Após um tempo, cansado das
exigências da pensão, resolveu procurar outra. Leu um
anúncio na revista “Times of Brazil”, noticiário mensal
da comunidade inglesa, de circulação no eixo Rio-São
Paulo, que não existe mais. Era de uma pensão inglesa
não muito longe de onde estava. Lá, perguntou para o
senhorio se poderia levar o pastor e este lhe respondeu
que sim, pois a família gostava muito de cães. Meu pai
então mudou-se para aquela pensão. No fim de tarde,
após retornar do Alto da Serra, costumava passear para
exercitar o cachorro e quem o acompanhava era a filha
do dono da pensão. Preciso dizer mais alguma coisa?
Era a minha mãe.
Após quase 150 anos de história dos ingleses na
cidade de São Paulo, a convivência diária com os
paulistanos e gente de outras origens nessa grande
metrópole e a noção de que a maioria viera do Reino
Unido para fazer sua vida aqui e aqui permanecer, fez
com que houvesse uma profunda integração com tudo o
que diz respeito à cidade. Recentemente, com o intuito
de centralizar as atividades britânicas, construiu-se um
edifício ao qual foi dado o nome de Centro Brasileiro
Britânico (Brazilian British Centre), que abriga o
Consulado Britânico em São Paulo, a Fundação Britânica
de Beneficência, o Conselho Britânico, a Câmara de
Comércio, a sede administrativa da Cultura Inglesa
(cursos de inglês), um restaurante (The Bridge), um pub
(Drake’s) e um auditório.
Uma preocupação constante para quem ainda é da
primeira geração nascida fora da Inglaterra é a de que
muitos dos descendentes, embora carreguem um nome
ou sobrenome inglês, por vezes, nem são mais fluentes
na língua de seus avós ou bisavós, tal a miscigenação
inter-racial. Não há como se saber o que as futuras
gerações dirão a respeito de um nome estrangeiro que
levam. Portanto, é de suma importância que se procure
fomentar a noção de quem foram os ancestrais.
Pessoalmente, encontrei uma forma de assim fazer,
através de uma biografia de meus pais, com inúmeras
fotografias de família, além de documentos pertinentes.
Meus netos nada saberão de seus bisavós se não a
consultarem. Que dizer, então, de meus bisnetos, não é
verdade?
Texto extraído do livro
HUNKY DORY - uma antologia
de prosa e verso
Walter W.Harris
Rumo Editorial - 2013 - 1a.edição
todos os direitos reservados
AQUISIÇÕES:
[email protected]
Opinias - Julho 2014
Por
LUCIANA GOMES GIMENES
Administradora de empresas e
Coordenadora de compras
São Paulo - SP
[email protected]
NAVEGANDO
No imenso mar da internet é possível encontrar bons lugares para atracar
durante a navegação. Singrando esses mares, a redação de OPINIAS
encontrou alguns portos seguros que vale a pena conhecer:
MÚSICA CLÁSSICA
O MUSOPEN, biblioteca on-line de obras musicais de domínio
público, disponibiliza peças de 150 compositores clássicos para
download ou audição on-line. As composições estão organizadas por
períodos, instrumentos, intérpretes e compositores. As peças são
conduzidas por maestros e instrumentistas consagrados. Para fazer o
download é necessário um registro simples. Os downloads gratuitos
são limitados ao número de cinco por dia. O Musopen também
disponibiliza as partituras das obras que compõem o projeto. Acesse:
https://musopen.org/
9
CARTÓRIOS ON-LINE
A conhecida burocracia dos serviços de cartório
poderá ser facilitada com a utilização da internet.
No site CARTÓRIO 24 HORAS, você poderá
requerer certidões e documentos em cartórios de todo
o Brasil, pagar as taxas pela internet e receber os
documentos no endereço que indicar. Consulte:
http://www.cartorio24horas.com.br/
MEDICAMENTOS
No site CONSULTA REMÉDIOS você poderá encontrar
tudo sobre medicamentos: preços, informações, bulas e
muito mais. Você encontra o remédio que deseja em ordem
alfabética, por categoria ou por princípio ativo, utilizando o
sistema de busca inteligente do site, que permite ainda que
você localize drogarias e farmácias mais próximas de onde
estiver. E lembre-se: qualquer medicamento deverá ser
utilizado sob supervisão ou orientação médica.
http://consultaremedios.com.br/
Opinias - Julho 2014
Por
NA GIMENES
Administradora de empresas
Sydney - Austrália
[email protected]
VANUATU
a encantadora e
feliz lagoa azul
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Você já ouviu falar de Vanuatu? Eu, pelo menos, nunca tinha ouvido até encontrá-lo
num site de turismo e decidir visitar este país tão lindo e encantador. Em busca de um
destino barato saindo aqui da Austrália onde moramos há quase 5 anos, encontramos
Vanuatu. Trata-se de um arquipélago composto por 83 ilhas relativamente pequenas
localizadas no Pacífico, a 3 horas e meia de voo saindo de Sydney.
A população de 220.000 habitantes é menor que a do Guarujá (SP) e seu tamanho menor
que a cidade de São Caetano do Sul (SP), com aproximadamente 12.274 km2!
É um pedacinho de terras vulcânicas no meio do nada quando comparado à imensidão
do nosso Brasil.
Existem vários vulcões ativos em Vanuatu e a atividade vulcânica é relativamente
comum. A mais recente erupção ocorreu em 2008 e outra em 1945. Enquanto olhava as
fotos daquele lugar no site de viagens, tive uma impressão fortíssima de um dejavu.
Vanuatu é um daqueles paraísos de águas claras, calmas e quentes que o Globo Repórter
mostra nas noites de sexta-feira.
Lembrei-me da minha infância e do meu sonho de um dia poder visitar um lugar como
esse que o repórter mostrava. Eu tinha lá meus 10 anos quando assistia àquele programa
na televisão que mostrava locais tão exóticos, cheios de lugares verdes e de mares
azuis esverdeados. Então eu pensava: “toda pessoa deveria ter o direito de visitar um
paraíso como este pelo menos uma vez na vida...”. É emocionante e de tirar o fôlego.
Bem, visitamos a ilha principal, Efate. Lá conhecemos um povo tranquilo e sorridente
que gosta de reggae e que até parece andar mais devagar, devido ao calor. Simples no
modo de viver, mas muito, muito feliz e conectado com a natureza tão divina das ilhas.
O lugar é realmente magnífico e apesar de seu nome não ser tão popular como Tailândia
ou Caribe, muitos de nós já vimos pelo menos um dos pontos turísticos mais famosos. Lá
foi um dos sets do filme “Lagoa Azul”, de Randal Kleiser. Seguem algumas fotos de nossa
visita. Se um dia decidirem sair por aí em busca de novas sensações, visitem Vanuatu.
Opinias - Julho 2014
Saiba mais sobre VANUATU
http://guia-viagens.aeiou.pt/vanuatu-o-lugarmais-feliz-da-terra-algures-no-pacifico/
Reggae nativo no Erakor Island Resort
Cores e belas paisagens presentes em todo o lugar
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Road Trip, em Éfaté
Sunset em Erakor Island Resort & Spa Vanuatu
Blue Lagoon - Port Vila
Opinias - Julho 2014
Cachalote
Resenha baseada na Graphic Novel
de Daniel Galera e Rafael Coutinho
Por
GUSTAVO BARBOSA ROSSATO
Escritor e Servidor público
Jundiaí - SP
[email protected]
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O som do piano ressoa por entre as
paredes da mansão. A cena de um filme projeta
um homem consolando uma mulher em prantos.
Uma sucessão de imagens decifradas através
de um belo traço transcende ao que muitas
vezes a leitura convencional, aquela feita apenas
por palavras, não consegue traduzir: O som do
silêncio.
E com as mãos de uma velha senhora
gestante acariciando uma grande baleia, iniciase a graphic novel (ou novela gráfica, como
preferir) Cachalote.
Lançada em meados de 2010, marca a
estreia de Daniel Galera, um dos nomes mais
interessantes da nova literatura (essa tal de
geração zero zero) no gênero considerado um
subgênero por muitos, as HQ´s. E vem bem
acompanhada do artista Rafael Coutinho, filho
do ilustre cartunista Laerte.
As cenas desenhadas sob a prosa de
Daniel Galera mostram como se escreve de
verdade nos quadrinhos. O texto está além dos
balõezinhos com as frases e os diálogos. Cada
quadro é uma letra nova de um alfabeto próprio
e mostra quão genuína é a arte sequencial.
Seis histórias estão divididas em três
partes. A cena inicial, descrita no primeiro
parágrafo deste texto, não será desenvolvida no
miolo do livro. O leitor não vê o amadurecimento
da história formada apenas por uma senhora
grávida e sua baleia onírica. Mas são com esses
mesmos personagens que o livro se fecha.
Já as outras cinco constroem quebra-cabeças com imagens diferentes, mas em todos
os quadros dá-se a impressão que falta uma
peça importante para o desenvolvimento dos
personagens. Se esta imagem fosse a de uma
grande baleia cachalote, a peça perdida
provavelmente seria o estômago. Como se o
alimento entrasse pela superfície, mas não seria
digerida totalmente.
Depois da introdução, é mostrado um ator
de cinema chinês conhecido como Xu
Dongsheng. Visivelmente acima do peso, é
quase um clichê dizer que está decadente. Vem
ao Brasil promover seu último filme de artes
marciais tendo como premissa um retorno triunfal
do astro. Durante sua estadia em um hotel chique
na companhia de mulheres e bebidas, um colega
ator comete suicídio. Sua reação indiferente o
transforma em suspeito.
Opinias - Julho 2014
Hermes é um escultor que vive isolado em sua casa no campo. Seu trabalho com as pedras de
mármore revela aos poucos uma obsessão contida. Encontra um diretor de cinema disposto a
transformar sua vida em filme. O cineasta quer dissecar o cotidiano do escultor misturando realidade
com ficção.
Um jovem chamado Vittorio vive aventuras eróticas no estilo bondage japonês com garotas
que seguem o mesmo padrão estético. Uma menina linda e delicada (fugindo desse padrão) entra
na vida do rapaz e descobre suas fantasias não convencionais. Ela está disposta a compartilhar a
experiência, mas sua pele não se adapta às cordas que Vittorio a prende. Quanto mais apertada,
mais destrutivo é o processo.
Rique, um órfão de pai e mãe, vive com seus tios ricos. Uma relação complexa entre tios e
sobrinho o faz viajar por tempo indeterminado na Europa. Em Paris, encontra Dante que vive
ilegalmente com sua namorada Nádila. Os dois viram um ponto de sustentação para Rique, que não
consegue enxergar o desprezo de não saber fazer nada.
E por fim Túlio, um escritor deprimido. Tem uma relação amistosa com sua ex-mulher que
também possui problemas emocionais. Eles se vêm constantemente e seus encontros estão além
de fazer a filha criança observar a mãe e o pai no mesmo lado. Os dois ainda precisam um do outro
para construir uma nova página em suas vidas.
Essas histórias não se cruzam em nenhum momento do livro, e não existe uma separação de
quando uma começa e outra termina. Ao ler estranhei a ausência dos números nas páginas. Essa
organização própria dos autores me fez sentir flutuando numa piscina quando seus pés não tocam
mais o azulejo e você precisa erguer a cabeça para continuar respirando.
O livro está além de descrever a solidão. Trata também sobre a insegurança. A dificuldade de
se desconstruir ou reinventar. Descer aos reinos abissais do oceano frio e ver criaturas sem as
formas familiares. A sensação ao final da leitura é a de boiar em uma piscina incapaz de enxergar
sua profundidade.
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Opinias - Julho 2014
VINHO
Por
CARLOS EDUARDO DE OLIVEIRA
Engenheiro
Santo André - SP
[email protected]
na temperatura
certa
Salut les amis!
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Dia desses um amigo comprou uma adega climatizada e me
perguntou se eu poderia aconselhá-lo sobre a temperatura
correta de regulagem de seu equipamento. Então fui
pesquisar para melhor orientá-lo, originando assim uma
postagem no meu blog e esta coluna em Opinias.
Primeiramente, muita gente acha que a adega serve para
colocar os vinhos na temperatura correta de serviço - seria
só tirar da cave, desarolhar e beber! Mas a verdade não é
bem essa para boa parte dos vinhos. Em segundo lugar,
adega climatizada em casa é um luxo.
Qualquer lugar fresco e abrigado da luz já é suficiente para
armazenar bem os vinhos do uso cotidiano. Para isso serve
um armário, o espaço sob a escada, o depósito na
garagem... Ficando longe de fontes de vibrações, luz e calor
(lareiras, chaminés, fornos), tudo bem - o vinho deve se
manter bem neste local. O investimento em uma adega só
vale a pena para quem opta pela compra de vinhos de
guarda, aqueles grandes vinhos que devem ficar armazenados
durante um certo período a fim de que cheguem no ponto
certo para sua degustação.
A grande maioria das minhas garrafas é guardada num móvel
com nichos, sob o balcão. Minha pequena adega climatizada
é reservada para os vinhos mais delicados, os mais velhos, e
aqueles que eu guardo para ocasiões especiais. Ali eu
conservo velhos Bourgonhas e jovens Brunellos di
Montalcino, Barolos e Bordeaux que precisam de algum
tempo na garrafa para “desabrochar”. E eu a regulei para
funcionar entre 15 e 18 graus centígrados. Para a nossa
temperatura média em São Paulo, essa faixa é econômica desde que a adega esteja com um bom isolamento, não vai
ficar acionando o compressor e gastando energia a toda
hora.
Opinias - Julho 2014
Quanto à temperatura de serviço, ou seja, a temperatura que o vinho deve ser
mantido à mesa enquanto estiver sendo consumido, genericamente, em torno dos
18 graus a maioria dos vinhos tintos já está adequada para ser degustada. Os
vinhos brancos precisam ainda de um resfriamento antes de serem bem apreciados;
se houver antecedência, podem ser colocados na geladeira por um tempo; do
contrário, um balde de gelo com uma solução refrigerante (água, gelo, um pouco
de sal e um pouco de álcool) é bem eficaz para o resfriamento.
Alguns enófilos não recomendam resfriar o vinho rapidamente no congelador para
não provocar um “choque térmico”. Outros dizem que não faz mal nenhum este
choque em vias de sacar as rolhas, principalmente se tratando de uma garrafa mais
simples e despojada. Concordo com estes últimos, uma vez que, em ocasiões
especiais e com vinhos especiais, você naturalmente irá se programar com
antecedência e tomará mais cuidado ao resfriar docemente sua tão bem guardada
garrafa num balde de gelo, onde você pode facilmente controlar a temperatura
adicionando ou retirando os cubos.
Deve-se notar que a temperatura mais baixa ressalta a acidez, o frescor, a jovialidade
do vinho, enquanto “mascara” a doçura, a fruta, o álcool (o álcool é doce). Por isso
costumamos beber os vinhos mais encorpados, concentrados e tânicos a temperaturas
mais altas e os vinhos que devem ser mais refrescantes, brancos e espumantes, mais
resfriados. O tanino, aquela substância presente nos vinhos tintos que provoca a
sensação de adstringência e secura na boca, é potencializado a temperaturas mais
baixas. Ainda, de acordo com o gosto individual, pode-se ressaltar alguma
característica do vinho manipulando a sua temperatura de serviço, como também
disfarçar um defeito ou um desequilíbrio de determinada garrafa.
Vinhos tintos mais simples, mais leves, mais “fáceis de beber” - como por exemplo os Beaujolais, podem ser
bem mais resfriados, até em torno de 12ºC. Vinhos brancos novos e refrescantes podem ser bebidos entre 8 e
10ºC, e os mais encorpados, maturados em barrica de carvalho, devem ser menos resfriados, consumidos em
torno de 12, até 14ºC. Quanto aos vinhos “fortificados” doces, os tintos (Porto, principalmente), podem ser
bebidos na temperatura ambiente, enquanto que os brancos (Sauternes, Muscat, colheitas tardias) são
controversos - alguns enófilos recomendam apreciá-los em torno de 14ºC, mas eu acho melhor bebê-los mais
geladinhos, o que destaca sua acidez equilibrando mais com sua doçura.
Com o tempo, a sensibilidade será suficiente para definir se um vinho está na temperatura
correta ou não - o uso de termômetros não me parece muito prático, embora existam no
mercado ótimos termômetros infra-vermelhos muito fáceis de usar. Convém que o enófilo tenha
em mãos pelo menos dois baldes para o resfriamento e conservação dos vinhos à mesa - um
maior, para ser utilizado em ocasiões em que são abertas várias garrafas, e outro, menor, para
seu uso mais cotidiano - afinal é dispendioso e demorado produzir grande quantidade de gelo.
No caso da utilização de decanter (o que será assunto em uma próxima edição), pode ser
necessário às vezes repousá-lo em uma travessa com gelo ou água gelada. Como quase tudo no
mundo dos vinhos, isso parece ser uma questão de “milhagem”, ou melhor, “litragem”...
Santé! Au revoir!
VISITE O BLOG e DESFRUTE MAIS
http://www.conservadonovinho.blogspot.com.br/
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Opinias
Opinias--Julho
Julho2014
2014
Eu moro em
Xangri-Lá
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Eu moro em XANGRI-LÁ, município do litoral norte do Rio
Grande do Sul composto por 8 praias. Mar agitado com ondas
fortes favorecem a prática do surfe e da pesca. A plataforma
marítíma é uma atração ímpar, com 300 metros mar adentro em
forma de “L” e com 75 metros de braço ao norte.
Originalmente tinha o formato de “T”, mas em 1997 fortes
ressacas abalaram as estruturas e o braço sul caiu e afundou no
mar. Xangri-Lá possui dois sambaquis dos mais importantes do
litoral gaúcho, verdadeiros sítios arqueológicos. Faz divisa ao
norte com a lagoa dos Quadros. A paisagem daqui é de
inconfundivel beleza e o pôr do sol é maravilhoso. O nome foi
inspirado em SHANGRI-LÁ, uma palavra criada pelo novelista
inglês James Hilton (1900-1954), na sua obra Horizonte
Perdido escrita em 1933. Shangri-Lá era um país imaginário, na
região do Tibete, na qual as pessoas que lá chegavam
conseguiam conservar a sua forma física, desde que dali não
mais se retirassem. Nesta obra, que o cinema e as muitas
traduções tornam amplamente conhecidas, James Hilton
realizou um "tour de force" aliando o romance de aventuras ao
romance de ideias. Xangri-Lá é um símbolo e uma aspiração.
Nele não existe o mal, e a vida cresce em amor e sabedoria.
Xangri-Lá é a terra dos homens felizes, constituíndo uma versão
moderna da Terra da Promissão. O romance de Hilton escrito
com beleza e simplicidade traduz a tranquilidade de Xangri-Lá.
SAIB
A TUDO SOBRE MINHA CID
ADE:
SAIBA
CIDADE:
.xang
rila.r
s.g
ov.br/no
vosite/
http://www.xang
.xangrila.r
rila.rs
.go
.br/nov
http://www
Por
RAQUEL ZARPELLON
Fotógrafa amadora
Xangri-Lá - RS
[email protected]
recorrências
Opinias--Julho
Julho2014
2014
Opinias
RECORRENTES
“Quando nasci, já tinham sido inventadas todas
as palavras que podiam salvar o mundo. Só faltava salvá-lo.”
Almada Negreiros - (1893-1970)
Por
VALQUIRIA GESQUI MALAGOLI
Escritora e artista plástica
Jundiaí - SP
[email protected]
da janela lateral do quarto de dormir (monotipia)
A ideia – sempre – é escrever algo novo. Mas, tão vero quanto “quem ama o feio bonito lhe
parece”, dá-se toda vez que nos dispomos, nós, os poetas, a dizê-la: a novidade. Dá-se algo meio
contraditório, algo um tanto quanto inexplicável, e, algo a que não explicamos, sobretudo porque
disso não temos o domínio... algo mais ou menos assim... por assim (tentar) dizer. Nós, por
conseguinte, os poetas, supostos artífices, pretensos mestres, estamos mais (no mínimo) para os
ossos no ofício dela, a Palavra. Dela, que faz de nós o que bem quiser. E que, por sorte nossa, nos
quer bem.
Reparem que, invariavelmente, as cinzelamos, as novas, sob lustrosas roupagens, palavras
outras, chovendo, entretanto, isso sim, no molhado! E aqueles que depõem contra mim, repetir-seão entre argumentos – pra variar também –, protestando: ora, que absurdo; não é nada disso, uma
coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, e blá-blá-blá...
Lutem, pois a luta é o mote da vida, da mesma maneira que o mote é a vida da Poesia.
Lutem, debatam entre si, haja vista no que me diz respeito não adiante mais querer convencer-me
do contrário, ou seja, de algo que não seja exatamente isso: a dita-cuja coisa é a mesma coisa cuja-dita.
Os motivos persistem. Nós é que não vamos sendo os mesmos. Cinzas, verdes, vermelhos,
azuis, lilases, pretos, brancos, amarelos, furtas... as cores continuam ali. Nós, todavia, passamos.
Indubitavelmente todas as coisas sofrem ações, transformações... apresentam-se alteradas, mais
fortes ou tênues.
Porém, será mesmo que o olhá-las, não será – este sim – ao invés de quaisquer mudanças
que em si ocorram, o que de fato concorre para a pluralidade das formas de, por sua vez, serem tais
ocorrências traduzidas? É como sinto quando suponho traduzi-las agora. Sabendo-a jamais uma
tradução ao pé da letra.
O que não garante sentir ou pensar o mesmo amanhã. Nem daqui a pouco. E lá virei eu. De
novo aqui (e acolá) para dizê-lo. Não para dizê-lo igualmente, embora, diverso o mesmo diga.
Permanece o Tempo. Variamos entre sólidos propósitos e líquidas incertezas. Bem (ou
mal) assim somos: seres de impalpáveis naturezas, de essências inconstantes, imateriais por suposto.
Elásticos apesar e talvez por causa de tudo.
Aonde quer que cheguemos... tornaremos à raiz: essa busca tão inútil, tão estúpida quanto
nobre, sabe-se lá de quê ou por qual razão. Uns tornados talvez sejamos. Ou simplesmente uns
tontos. Menos um fenômeno e mais uma casualidade. Ou não.
Seja, entanto, como seja... não é de todo ruim sê-lo. Não é de todo mal não sabê-lo
exatamente, outrossim. Soubéssemos mais, não estaríamos aqui a divagar. Soubéssemos menos,
não elucubraríamos sequer. Soubéssemos aquilo, talvez não saberíamos isto e vice-versa. Tivéssemos
o fogo absoluto do conhecimento, quem sabe, não nos juntaríamos em torno dessa metafórica
fogueirinha de papel alimentada não por um moto-contínuo, mas, antes – e sempre – pelo mote-perpétuo.
...
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Opinias - Julho 2014
ENCOMENDAS
levar ou não?
Eis a questão...
Por
ANGELA BRETAS
Jornalista e escritora
Boca Raton - EUA
[email protected]
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Um fato que já virou rotina para os residentes dos EUA quando
estão com viagem marcada para o Brasil é receberem pedidos de
encomendas; sejam de familiares ou amigos residentes no Brasil,
ou mesmo dos que aqui residem e que aproveitam a comodidade
e a economia. Estas pessoas sabem que os preços dos produtos
importados, quando comprados na fonte, no caso nos EUA – são
mais em conta, não pagam taxa de importação e além do mais há
a mordomia de receberem seu produto pelas mãos de uma
pessoa de confiança, sem problemas de extravio da mercadoria.
Entretanto há dois lados da mesma moeda: apesar de os
interessados verem essa oportunidade como uma maneira de
economizar ao encomendar seus “importados”, nem sempre os
que estão de viagem marcada para o Brasil estão dispostos a
levarem encomendas. Portanto dicas são válidas tanto para quem
pede como para quem concorda em levar algo. Quando for pedir
para algum amigo ou familiar para adquirir encomenda, não
esqueça de considerar o peso, o valor e a disposição do
condutor. Caso aceite levar algum pedido, tenha certeza de
especificar o peso máximo, o que é concebível levar, o tamanho e
o valor, para não chegar lá e ter surpresas inesperadas e
constrangedoras.
“Bom, tenho um grande amigo na
Bahia, que quando soube que eu
estava indo de férias ao Brasil,
me ligou e encomendou uma
‘baby doll’ – boneca inflável”
Opinias - Julho 2014
O QUE GOSTARIA DE ENCOMENDAR
DOS EUA E RECEBER NO BRASIL?
Sérgio Moraes - Treinador de Cavalos – São Roque
– SP: “O que mais eu gostaria de encomendar dos
EUA são artigos para cavalos (freios, mantas,
protetores e caneleiras etc.), botas, chapéus, DVDs
em geral, eletrônicos, jeans Wrangler, e se fosse
possível, café do Starbucks... mas para ser super
sincero, o que eu mais gostaria mesmo era poder
voltar a morar nos Estados Unidos. Estou aqui desde
2008 e não consigo mais me adaptar a isto aqui,
morro de saudades da América”.
Vania Bretas – 55 anos – Consultora Dilarouffe
(Cosméticos Brasil) – Barbacena – MG: “Eu tenho
preferência por perfumes e cosméticos. Tanto que
encomendei via internet um Dermology, pena que não
recebi”.
Vanda Fátima Haut Alcantara – 44 anos – Agente
de Viagem – Ariquemes – RO: “O que mais gosto de
receber de encomenda é perfume importado, adoro!”
QUAL FOI O PEDIDO MAIS ESTRANHO
QUE VOCÊ RECEBEU PARA
LEVAR COMO ENCOMENDA?
Rodrigo Marianno – 42 anos – General Contractor
– Fort Lauderdale: “Bom, tenho um grande amigo na
Bahia, que quando soube que eu estava indo de férias
ao Brasil, me ligou e encomendou uma “baby doll” –
boneca inflável – para satisfazer seus desejos sexuais.
Queria uma boneca americana. Levei, mas passei a
maior vergonha quando, no aeroporto, revistaram
minha mala. Fiquei com a cara no chão. Imagine ir
para o Brasil e levar mulher de plástico!”
Maurício F. – 38 anos – Corretor de Imóveis – Boca
Raton: “Concordei em responder porque prometeram
não colocar meu último nome ou minha foto na revista.
O que já me pediram para levar e que na hora fiquei
sem jeito de dizer não, foi um gigantesco “water-pipe”
– cachimbo de água para fumar baseado. O problema
é que tive que me explicar na alfândega, além de ter
que pagar peso extra da bagagem porque o cachimbo
era muito grande e frágil. O pior é que meu amigo ficou
tão doido com a encomenda que esqueceu de me
pagar. Nunca mais me submeto a isso. Quando vou ao
Brasil não aviso mais aos amigos... chego de
surpresa!”
Rui Moreira Frizzo – 44 anos – Empresário –
Pompano Beach: “Bom, como vou ao Brasil
frequentemente, meus parentes que lá residem
aproveitam e me sobrecarregam de pedidos que
variam entre eletrônicos e perfumes. Entretanto, minha
última encomenda foi um pesadelo. Me pediram 12
latinhas de Dr.Pepper (refrigerante) porque lá não
existe. Como é algo barato e fácil de encontrar, não
hesitei em prometer que levaria. Entretanto, acho que
com a pressão do avião as latinhas estouraram dentro
da mala e arruinaram todas as minhas roupas e alguns
presentes eletrônicos. Encomendas para o Brasil?
Estou fora dessa!”
Maria Aguinela Ferrazzo – 22 anos – Estudante da
FAU: “Quando vou ao Brasil gosto de levar
presentinhos para minhas primas que já residiram aqui.
Só que na minha última experiência passei apertado
porque resolvi levar Peanut Butter (elas adoram a
geleia de amendoim daqui). Levei 10 vidros e a
alfândega de lá me tomou tudo, não deixou eu passar e
além do mais, tive que pagar uma multa porque levei
mais de 10 unidades do mesmo produto. Achei um
absurdo porque não paguei nem 50 dólares pelos
produtos e mesmo assim tive que desembolsar mais de
300 reais de multa e ficar sem os produtos... Foi
burrice minha, pois resolvi levar 10 unidades e aprendi
a lição!”
SAIBA COMO NÃO SER BARRADO NA
ALFÂNDEGA NO BRASIL
http://www.receita.fazenda.gov.br/aduana/
viajantes/viajantechegbrasilsaber.htm
19
Opinias--Julho
Julho 2014
2014
Opinias
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GIACOMO
PUCCINI
Por
LUIZ GONDIM DE ARAUJO LINS
Psiquiatra e escritor
Rio de Janeiro - RJ
[email protected]
Um dos maiores talentos musicais e
dramáticos de todos os tempos, Giacomo
Antonio Domenico Michele Secondo Maria
Puccini detestava a música quando criança.
Porém, a genética exerceu forte influência,
posto que ele representava a quinta geração
musical em sua família.
O pai, Michele Puccini, foi professor,
compositor e organista em Lucca, cidade da
Itália onde Giacomo nasceu em dezembro de
1858. Foi o quinto de sete filhos. Ficou órfão
de pai aos seis anos e o tio, Fortunato Magi, o
encaminhou ao Istituto Musicale Pacini.
Aos onze anos, sua mãe conseguiu uma
pensão que lhe permitiu estudar em Milão,
cidade dos sonhos dos jovens de talento na
Itália daquela época. Teve lembranças penosas
das aulas de piano quando menino, pois ao
errar uma nota, recebia uma canelada de seu
professor. Anos depois, quando ouvia uma nota
falsa, o pé lhe saltava para cima, tal a
profundidade do condicionamento. Aos vinte
anos, já em Milão e ainda pobre, suas refeições
eram sopa e feijão.
Puccini foi um homem atraente, sempre
teve irresistível atração pelas mulheres,
primando pela infidelidade; viciado no jogo
carteado, onde contraiu muitas dívidas. Gostava
Opinias - Julho 2014
de beber e de caçar, extremamente vaidoso,
não admitia derrotas e era pão duro.
A melodia de Puccini se constitui numa
espécie de clorofórmio que acalma os sentidos
e adormece o intelecto. O narcótico de sua
música foi destinado a encantar o mundo. “A
música das óperas de Puccini não há de ser
cantada apenas com a garganta, mas também
com o coração”.
Puccini é considerado o pai do teatro
musical moderno. Percorreu labirintos
românticos com toques poéticos sutis e
personalíssimos. Isso não impediu críticas
dirigidas a algumas de suas óperas, a saber:
Influência da “Carmen”, de Bizet, no segundo
ato de “ La Bohème”; Passagens de “Tristão e
Isolda”, de Wagner, na abertura do terceiro ato
de “Manon Lescaut”, o belíssimo Intermezzo;
As marcas das últimas óperas de Verdi, de quem
foi profundo admirador; Lembranças de
Debussy, em “Madame Butterfly”; Influência
da “Sagração da Primavera”, de Stravinsky,
em sua última ópera “Turandot”.
Aliás,Turandot também estaria relacionada
a uma coleção de caixas de música, oriundas
de Pequim, que lhe foram cedidas por um
amigo. Antes de completar essa ópera, Puccini
faleceu, sendo ela terminada por seu pupilo
Franco Alfano (apenas as duas últimas cenas).
Arturo Toscanini conduziu a ópera
Turandot em sua estreia, em abril de 1926, na
presença de Benito Mussolini. Ao chegar ao
ponto em que Puccini a interrompera, ele parou
de reger dizendo: “aqui o maestro abaixou sua
caneta”.
Quando Puccini alcançou enorme
popularidade, tornou-se um elegante Don Juan,
passando a ser assediado por um número
elevado de mulheres, inclusive casadas. Uma
delas, de nome Elvira Geminiani, casada com
um comerciante de Lucca, abandonou o marido
e fugiu com o compositor, num relacionamento
que durou dezoito anos. Embora amando Elvira,
desfrutou, concomitantemente, de várias outras
mulheres de todas as classes sociais.
No que concerne às leis do amor, há um
divisor de águas, real ponto de desencontro
entre o homem e a mulher. Enquanto esta prima
pela continuidade, aquele está em permanente
descontínuo. Ela está ligada a uma cadeia,
sucessão de elos que envolvem o prazer, sem um
pico culminante; ele precisa atingir ao pináculo,
sem antes e sem depois, importando, apenas,
chegar àquele objetivo. Puccini não escapou a
esse princípio inexorável.
Eram dois compartimentos bem distintos:
o artista genial e o bicho homem. Passou a ser
chamado de Monsieur Butterfly. Uma criada
do casal Puccini, de nome Doria, acusada de ser
amante do compositor, tomou veneno e morreu.
A autópsia veio a revelar que era virgem. Diziam
de Puccini: “ele suga todas as flores e varia a
cada momento”. Ao que ele retrucava: “no dia
em que eu não mais me apaixonar, poderão
encomendar-me o enterro”.
Sua vida privada ensejou uma série de
anedotas e aí vai uma delas: enquanto se
hospedava em um elegante hotel de Viena, no
período de fama, uma bela mulher foi visitá-lo.
Estando de pijama, sentiu-se pouco à vontade,
pediu desculpas e foi ao quarto para se vestir.
De volta, encontrou a mulher nua. Pensou: “essa
mulher é louca, mas, pensando melhor, acho
que seria perigoso lutar contra a loucura, quanto
mais se tratando de um espírito louco
encerrado em um corpo tão bonito”.
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Opinias - Julho 2014
22
Acima de tudo, Puccini adorava a
solidão, quando se sentava ao piano, chapéu
na cabeça, fumando, elaborando temas de
novas canções. No cenário, um lago de prata
contrastando com o céu noturno.
Puccini, já famoso, buscava o intérprete
principal para “La Bohème” e, entre diversos
candidatos, estava Enrico Caruso. A ária
escolhida foi “Che gelida manina”, tendo
Caruso vacilado num “dó agudo” próximo ao
final, perdendo, assim, sua chance. Para o
grande tenor, isso foi um grande desafio, que
ele aceitou e venceu, tornou-se amigo íntimo de
Puccini, vindo a ser o mais brilhante intérprete
de suas óperas.
A primeira ópera “Le villi” (1884), sobre
os campônios da Floresta Negra da Alemanha,
participou de um concurso e não ganhou
prêmio. Ele ficou decepcionado, posto que seu
colega e amigo Pietro Mascagni obtivera sucesso
pleno com a ópera “Cavalleria Rusticana”. Em
1889, a segunda ópera, “Edgar” foi um fracasso
que quase conduziu Puccini ao desânimo.
Mas, em 1893, “Manon Lescaut” foi grande
sucesso.
Em 1886, “La Bohème”, no teatro Regio,
em Turim, arrebatou as plateias. Sua linha
melódica atinge a plenitude, somada à concisão
quase epigramática dos diálogos. São raras as
óperas que mantêm durante toda a sua extensão
(duas horas aproximadamente) os esplendores
poéticos, misto de tragédia e humor. As árias
“Mimi” e “Che gelida manina”, além do dueto
“O suave fanciulla” são arrebatadores.
Em 1900, ocorreu a estreia de “Tosca”
(amor, ódio, revolta, inconformismo, tragédia).
Narra a história de um pintor romano
condenado à morte pelo chefe de polícia. As
árias “Recondita armonia”, “Vissi d’arte” e “E
lucevan le stelle” (despedida da vida)
apaixonam pela beleza e grandiosidade. Nesta
última, é incrível o clarinete anunciando a rica
melodia. No entanto, a peça foi duramente
criticada por Gustav Mahler.
No ano de 1904, no teatro Scala de
Milão, “Madame Butterfly” foi lançada.
Fracasso inicial daquela que viria a ser das
óperas mais populares do mundo, narrando a
história muito triste de uma gueixa japonesa
que se apaixona por um tenente da marinha
americana. O “dueto de amor” é considerado
o mais belo de todas as óperas. Talvez a peça
seja a mais sonora de todas compostas pelo
mestre de Lucca. Puccini rescreveu a ópera,
modificando o tema da entrada da Butterfly,
dividiu em dois o segundo ato, que era muito
longo e suprimiu as referências grosseiras e
inoportunas do tenente Pinkerton aos
hábitos alimentares do povo japonês. O filho
do casal teve como nome Desgosto.
Destaque-se, ainda, o “tríptico” composto
de 3 óperas curtas: “Gianni Schichi”, “Suor
Angelica” e “Il tabarro”. A última ópera do
mestre italiano foi “Turandot”. Versa sobre uma
antiga lenda chinesa de uma princesa frígida
que submetia seus pretendentes à solução de três
enigmas, sob pena de perderem a vida caso
falhassem. Outras óperas poderiam ser citadas:
“La fanciulla del west” (enorme sucesso nos
stados Unidos) e “La rondine” (grande lirismo).
Puccini era muitíssimo exigente, beirando
ao perfeccionismo, levando anos para compor
uma ópera. Apenas em 1968 ele foi reconhecido
na Alemanha. O grande inventor Thomas
Edson, admirador do mestre italiano, deu-lhe
um gramofone de presente.
Quando compunha “Turandot”, Puccini
sentiu uma indisposição; foi diagnosticado um
tumor maligno, o qual foi tratado por um
renomado especialista da Europa. Ele sofreu
muito, já era diabético, não mais falava, se
comunicava por bilhetes. Faleceu em 29 de
novembro de 1924, em Bruxelas e o corpo
retornou à Torre do Lago, palco maravilhoso
de suas grandes criações e lá permanece até
hoje. Puccini inspirou o futuro Teatro Musical e
foi imortalizado por sua grandeza incomparável
e inspiração divina.
Opinias - Julho 2014
O
condomínio
EDILÍCIO
Por
ROBERTO CAETANO MIRAGLIA
Advogado / Negócios Imobiliários
São Paulo - SP
[email protected]
Antes regido pela Lei nº. 4.591, de 16 de
dezembro de 1964, o condomínio em edificações ganhou
um capítulo inteiro no Novo Código Civil de 2002,
denominado “Do Condomínio Edilício”, regulado pelos
artigos 1.331 a 1.358.
Quem possui apartamento ou conjunto comercial
integrante de um edifício, tem pleno conhecimento das
dificuldades de relacionamento e convívio social.
Os problemas são de toda ordem e vão desde o
barulho excessivo da vizinhança, passando por
funcionários e síndicos despreparados, até a
inadimplência, os abusos e a arrogância.
Desta forma, morar ou trabalhar em um
condomínio exige tolerância, compreensão, diálogo,
equilíbrio, respeito e educação, ou seja, qualidades que
se encontram em desuso nos dias atuais. Então, como
solucionar os litígios e as controvérsias?
Em primeiro lugar, os problemas podem ser
minimizados quando o edifício possui uma “Convenção
Condominial” abrangente, objetiva e moderna, e, ainda,
um “Regimento Interno” que se adapte perfeitamente às
atividades do prédio. Depois, existe a lei que rege a
matéria e o Poder Judiciário para aplicá-la.
Além disso, o exercício da sindicância deve ser
firme, seguindo rigorosamente as normas estatutárias e
os dispositivos legais, aplicando as sanções cabíveis
sempre que se fizer necessário.
Sabemos que gerir e administrar um edifício sob
o regime de condomínio não é fácil. Às vezes surgem
problemas em nossa própria casa, onde moram quatro
ou cinco pessoas, imaginem um prédio residencial de
pequeno a médio porte, com vinte apartamentos, por
exemplo, onde em média moram e circulam diariamente
de oitenta a cem pessoas aproximadamente.
É por isso que enfatizamos a importância da
“Convenção Condominial” e do “Regimento Interno” do
edifício. Esses dispositivos serão a “lei” do condomínio,
razão pela qual se torna imprescindível que cada
proprietário tenha uma cópia da Convenção e seja
colocado em local visível a todos o Regimento Interno,
para que ninguém possa alegar ignorância dessas normas.
Ressalte-se, ainda, que as decisões importantes e
também aquelas que envolvam custo significativo para
os condôminos devem sempre ser tomadas em
“Assembleia”, onde democraticamente todos possam
votar e externar as suas opiniões, lembrando que, para
cada tipo de assunto a ser discutido há um quorum
específico necessário para o seu exame e aprovação,
de acordo com a lei.
Por vivermos em sociedade, há direitos e
obrigações que todos nós temos que exercitar e cumprir.
Nos condomínios – sejam eles verticais ou horizontais –
não é diferente.
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A voz das
minhas
MÃOS
Pede-me moderação a mão destra
Como se possível fosse emudecer
Os gestos que anseiam o toque
Dedilhado pelos caminhos da escrita
Quando são os versos precipício e refúgio
A canhestra emoção entorna dos dedos
Ignorando a vigília do comedimento
Ou a calma que me indica a ponderação
A palavra em mim é sempre exposta
Inquieta e nua, engolindo silêncios
Tenho na ponta dos dedos
O lado de dentro do peito
O verso e anverso do que não sei
Meu viés e reverso confessos
Sou de dizeres fartos e incontidos
Que se lançam impulsivos no papel
No abismo de linhas desconhecidas
Minha caligrafia não acalenta brisas
Descobre-se e sabe-se em ventanias
Escrevo sempre intensamente
Como se a última palavra fosse
E na voz de cada letra
Balbuciasse o derradeiro suspiro
Por
FERNANDA GUIMARÃES
Gerente de hotel / poeta
Fortaleza - CE
[email protected]

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