Revista OPINIAS - nº 02
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Revista OPINIAS - nº 02
Ano I - nº. 2 Julho - 2014 VINHOS Saiba qual é a temperatura certa Opinias UMA REVISTA DE IDEIAS, PENSAMENTOS E PONTOS DE VISTA PUCCINI Um pouco da vida e obra VANUATU O lugar mais feliz da Terra INGLESES EM SÃO PAULO Eles começaram a chegar por volta de 1808 e nos deixaram grandes realizações Opinias - Julho 2014 Editorial Sumário VIAGEM INCRÍVEL 2 Ciência e tecnologia servem a toda a humanidade, pois o progresso impele o desenvolvimento da sociedade como um todo. É assombrosa a velocidade com que os avanços tecnológicos vão ocupando todos os setores do conhecimento e, por consequência, do cotidiano. Claro que o desenvolvimento traz também consigo o lado negativo, na medida em que as inovações são mal utilizadas ou apresentam “efeitos colaterais” indesejáveis ou até mesmo imprevisíveis. Daí que alguns paradoxos se apresentam como grande desafio ao ser humano. Se por um lado a modernidade lhe dá perspectivas de maior longevidade e qualidade de vida, por outro o faz buscar soluções como o que fazer com um volume cada vez maior de lixo advindo da necessidade de descarte de produtos que vão ficando ultrapassados. Nesta edição de OPINIAS não trataremos necessariamente desse tema em nenhum dos artigos apresentados. Contudo, há que se pensar no assunto quando se constata, por exemplo, o sucateamento, em tão curto espaço de tempo, do sistema ferroviário incrementado pelos ingleses em São Paulo. O artigo dá uma boa mostra também da contribuição que o homem pode e deve dar ao seu meio ambiente. De modo geral, o convite que fica implícito na maioria dos artigos desta edição é o de aproveitar o mundo da melhor maneira possível. Seja visitando lugares, seja apreciando bons vinhos. E enquanto isso refletindo sobre o dia a dia prático, avaliando questões de comportamento, externando emoções e vivências. Enfim, tirando da vida e do mundo o melhor proveito possível e, acima de tudo, exercitando nosso maior tesouro, o pensamento. É ele a mola que impulsiona o avanço tecnológico e certamente o que possibilita que esta fantástica viagem da vida seja cada dia mais incrível. MARCOS GIMENES SALUN Jornalista São Paulo - SP [email protected] Participe! Envie seu artigo ou comentários e embarque nesta aventura: [email protected] 03 OViolência psiquiatra Carlos Augusto Galvão fala sobre esse mal que nos aflige desde os primórdios. Ingleses em SP 04 De descendência inglesa, o médico Walter Whitton Harris narra o dote que seus patrícios legaram a São Paulo. 10 Vanuatu Na Gimenes 09 Navegando 12 Cachalote Gustavo Barbosa Rossato Luciana Gomes Gimenes 14 Temperatura 16 Carlos Eduardo de Oliveira Xangri-Lá Raquel Zarpellon Recorrências recorrentes Valquíria Gesqui Malagoli 17 18 Encomendas Angela Bretas entrevistou várias pessoas para saber o que lhes encomendaram quando em viagem dos EUA para o Brasil. 20 Giacomo Puccini Luiz Gondin de Araujo Lins narra aspectos da vida e obra desse grande compositor. edilício 23 Condomínio Roberto Caetano Miraglia A voz das mãos Fernanda Guimarães 24 Expediente OPINIAS - ANO I - nº. 2 - Julho 2014 - Publicação virtual mensal da Rumo Editorial Produções e Edições Ltda. * Diretores: Marcos Gimenes Salun, Luciana Gomes Gimenes e Naira Gomes Gimenes * Editor e Jornalista Responsável:: Marcos Gimenes Salun (MTb 20.405-SP) * Revisão: Ligia Terezinha Pezzuto (MTb 17.671-SP). *Redação e Correspondência: Av. Prof. Sylla Mattos, 652 - cj.12 - Jardim Santa Cruz - São Paulo - SP - CEP 04182-010 E-mail: [email protected] - Tels.: (11) 2331-1351 Celular (11) 99182-4815. BLOG: http:/ /opinias2014.blogspot.com.br/ * Colaboradores desta edição: Carlos Augusto Ferreira Galvão (SP), Walter Whitton Harris (SP), Luciana Gomes Gimenes (SP), Naira Gomes Gimenes (Australia), Gustavo Barbosa Rossato (SP), Carlos Eduardo de Oliveira (SP), Raquel Zarpellon (RS), Valquiria Gesqui Malagoli (SP), Angela Bretas (EUA), Luiz Gondim de Araujo Lins (RJ), Roberto Caetano Miraglia (SP) e Fernanda Guimarães (CE). Matérias assinadas são de responsabilidade de seus autores a quem pertencem todos os direitos autorais. PERMITIDA a reprodução dos artigos desde que citada a fonte e mencionada a autoria. Violência Por CARLOS AUGUSTO GALVÃO Psiquiatra São Paulo - SP [email protected] Quando se fala em violência, vem sempre a ideia do sofrimento físico que ela gera, do mais fraco sendo subjugado pelo mais forte, mas nem sempre a violência é física. Hoje é muito difícil definirmos esta palavra, embora ela faça parte de nosso dia a dia. Nos primórdios da humanidade, o homem, que só sobreviveu até hoje por ser um animal social, tinha como meta chefiar grupamentos e, para isso, ser o mais forte, e assim imporse na chefia desse grupo, promovendo sofrimento físico aos que se indispusessem contra essa liderança; mas o próprio desenvolvimento social promoveu leis, que foram as maiores invenções para a harmonia dos cidadãos, ficando assim a violência ligada aos castigos para quem se rebelasse ou desobedecesse essas leis. Asprimeiras que aparecem na história são: o Código de Hamurabi (olho por olho, dente por dente) e a tábua judaica dos 10 mandamentos. Todos os animais praticam violência com seus iguais, geralmente em disputas sexuais (briga de machos para ver quem concebe a fêmea), ou disputa por alimentos, principalmente, em épocas de escassez. No ser humano também se observa esses tipos de disputa, mas seus cérebros trazem funções que estimulam a violência por outros motivos, por exemplo: a passionalidade, a ambição e a revolta. Essas “fraquezas” humanas distorcem o sentido que temos de violência, pois a partir daí podemos observar outros tipos de agressões, não físicas, mas que podem ser classificadas de violência. Há pouco, observamos na televisão um grupo de vândalos que destruiu uma concessionária de carros de luxo, e em poucos minutos causaram um prejuízo de milhões de reais; violência, mas sem nenhuma lesão orgânica em quem quer que seja, mas nem por isso deixa de ser uma grande violência, pois alguém foi lesionado em seus bens. Pura rebeldia. Opinias Opinias -- Julho Julho 2014 2014 Um corrupto que, por exemplo, rouba a merenda escolar das crianças, não está espancando-as, mas não deixa de ser uma imensa violência, pois seu ato lesionou outros seres humanos. Ambição desmedida. Um marido traído que mata sua mulher e o amante clandestino dela, também pratica a violência que tem a passionalidade por gênese. A violência acompanha o homem em seu desenvolvimento na crosta terrestre. Hoje sabemos que há dezenas de milênios coexistiram duas espécies humanas: o Homo sapiens, originário da Africa, que ao se expandir pela Europa, lá encontrou a outra espécie: o Homo neandertalis. Conforme avançava o Homo sapiens, os neandertalis iam desaparecendo, sendo que seus mais recentes fósseis foram encontrados no “fim” da Europa, a península Ibérica. Estudos recentes mostram que durante o avanço do Homo sapiens, ele foi interagindo com os neandertalis, pois a genética do homem moderno inclui um considerável percentual do genoma neandertalis. Não dá para se pensar numa interação romântica das espécies, e a imagem que mais se aproxima é o ícone da idade da pedra, o Homo sapiens arrastando pelos cabelos, em direção à sua caverna, um exemplar feminino Neandertal. Augusto Comte, em seu ensaio sobre a teoria das funções cerebrais, diz que o cérebro humano possui funções altruísticas (que regem a relação do indivíduo com seu meio, favorecendo este meio) e funções egoísticas (que regem a relação do indivíduo com o meio, mas favorecendo a si próprio). Há equilíbrio entre essas funções, desde que sejam desenvolvidas em ordem (família, escola, amparo social) promovendo, assim, o progresso da sociedade onde vive. O desequilíbrio entre esses dois grupos de funções é de se imaginar que seja a principal causa de reações violentas no ser humano. 3 3 Opinias - Julho 2014 Por WALTER WHITTON HARRIS Médico e escritor São Paulo - SP [email protected] Os INGLESES em São Paulo 4 Sem dúvida, a maior contribuição dos ingleses no Estado de São Paulo foi durante a construção de estradas de ferro, ligando a capital ao interior e, principalmente, o interior ao litoral. Muitos bairros da cidade de São Paulo originaram-se pela existência das ferrovias, haja vista a Luz, Lapa e o Jardim Paulista, este último para os mais abastados. A comunidade era formada por quase dez mil pessoas, com o registro do primeiro inglês em São Paulo em 1808. Atualmente, não supera duas mil. A cafeicultura foi a motivação principal para que São Paulo se tornasse um importante exportador de café, atingindo seu auge na economia de São Paulo durante a República Velha. Após a crise de 1929, gradativamente adquiriu uma posição secundária graças à instalação das indústrias. Mesmo assim, o Brasil permaneceu o maior produtor mundial de café. A expansão da produção de café, nos meados do século XIX, atraiu o investimento dos britânicos em ferrovias, para facilitar o escoamento das fazendas situadas no interior do Estado para o litoral (Porto de Santos). Em 1868, foi desenvolvido o transporte ferroviário São Paulo-Santos, que foi a primeira e fundamental conquista da escarpa costeira paulista, a qual havia dificultado o desenvolvimento do planalto daquela região. A primeira ferrovia no Estado de São Paulo foi a “Ingleza”, da São Paulo Railway Co., cuja construção começou em 1860 e foi concluída em 1867, com 109 km de trilhos. A companhia foi criada em 1856 e recebeu, por meio de Decreto Imperial, concessão para construção e exploração da ferrovia por 90 anos. Além de investidores ingleses, um dos maiores acionistas foi o Barão de Mauá. A concessão terminou em 1946, e a estrada de ferro passou, então, a ser denominada Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, sob o comando da União. Em 1867, foi inaugurada uma singela estação, no bairro da Luz. Posteriormente, com o crescimento da demanda, ela foi ampliada. Em 1890, a São Paulo Railway Co. decidiu construir uma nova e faustosa estação, local de convergência das principais estradas de ferro e cópia da estação ferroviária de Sidney, na Austrália. Esta estação seria a Estação da Luz, que foi inaugurada em 1901. Compete com qualquer estação no Reino Unido ou, por sinal, com as de outros lugares do mundo, que tenham sido construídas pelos britânicos. A influência britânica em São Paulo pode ter sido esquecida, mas a Estação da Luz é testemunha viva da presença dos ingleses. Atualmente, algumas linhas trazem passageiros de regiões distantes da própria cidade. A unificação com o metrô aumentou ainda mais a importância desta estação que foi reformada há poucos anos. Entre 1915 e 1919, a cinquenta metros da Estação da Luz, foi construída a Vila dos Ingleses, com 28 casas assobradadas, onde antes se localizava o jardim do palacete da Marquesa de Itu. A finalidade era a de alugar as casas aos engenheiros ingleses que viessem a trabalhar na Estação da Luz e na estrada de ferro. Seguia o estilo arquitetônico das vilas dos subúrbios londrinos, com raízes nos estilos elizabetano e vitoriano, com influência do colonial brasileiro. Na década de 1930, com a diminuição da mão de obra estrangeira, as casas passaram a ser ocupadas por famílias paulistanas. Atualmente, são escritórios e ateliês. Vila de Paranapiacaba Uma estação da São Paulo Railway foi, também, aberta em 1867, junto ao pátio de operações do sistema de cabos implantado pelos ingleses e centro de manutenção do funicular, no começo da descida da Serra do Mar. O nome da estação era “Alto da Serra”, mais tarde passando à denominação de Paranapiacaba que, em tupi-guarani, quer dizer: “donde se tem o panorama do mar”. Em 1896, construiu-se uma vila para os funcionários da São Paulo Railway com seu estilo inglês e sua beleza associada, por vezes, ao denso nevoeiro vindo da serra. Do outro lado da linha, formou-se uma vila que não acompanhou o estilo original inglês. A vila se tornou importante, porque era a última parada antes de se descer a serra. Em 1977, já havia outra estação, em virtude da anterior ter sido destruída por um incêndio. Nesta ocasião, foi salvo apenas o relógio, uma réplica menor da torre do Big Ben, que foi consertado e colocado sobre uma nova torre ao lado do prédio novo. Até 2001, a Estação de Paranapiacaba era atendida pelos trens da Cia. Paulista de Trens Metropolitanos. Após uns tempos, os trens somente passaram a seguir nos fins de semana e, depois, houve a suspensão total deles para a vila, sendo necessário chegar de ônibus ou automóvel até lá. Em 2002, a Prefeitura de Santo André adquiriu a Vila Inglesa, mas não a vila ferroviária, que continua abandonada. Está se tentando, aos poucos, restaurar a localidade, com o patrocínio de entidades particulares. Paranapiacaba encontra-se incluída como “um dos mais importantes monumentos do mundo”, pelo Fundo Mundial de Monumentos, que é uma organização sem Opinias - Julho 2014 fins lucrativos, com papel fundamental no resgate e conservação de localidades como o Vale dos Reis, no Egito, e a Grande Muralha da China. Com a inauguração da “Ingleza” — a São Paulo Railway Co. —, muitos ingleses foram mandados para São Paulo para trabalhar na ferrovia. Entre eles, estava um engenheiro de nome John Miller. Aqui, casou-se com Harriet Fox. Em 24 de novembro de 1874, nasceu um filho, Charles William Miller, no bairro do Brás. Em 1884, com 10 anos de idade, Charles Miller foi mandado para uma escola pública na Inglaterra, onde aprendeu a jogar futebol e críquete. Lá jogou a favor e contra times como o Corinthians Football Club e St. Mary. Retornou ao Brasil em 1894, para trabalhar na São Paulo Railway Co., tornando-se correspondente oficial da Coroa Britânica e Vice-cônsul inglês em 1904. Vários britânicos, entre eles engenheiros da recémconstruída São Paulo Railway e outros comerciários da cidade, tiveram a ideia de fundar um clube, onde pudessem jogar críquete, tão apreciado pelos ingleses. Isto foi feito em 1888, com a fundação da São Paulo Athletic Club (SPAC), conhecido como o Clube Inglês, hoje Clube Atlético São Paulo. O SPAC é considerado o clube mais antigo da cidade de São Paulo. Lá, Charles Miller foi essencial na criação da primeira equipe de futebol do Brasil. Era composta por altos funcionários ingleses da São Paulo Railway e outras entidades de língua inglesa, como The Gaz Co. (Companhia de Gás) e Bank of London and South America (Banco de Londres). SSPAC - com Charles William Miller no centro (1905) Em abril de 1895, Miller organizou o primeiro jogo oficial de futebol, num terreno da Várzea do Carmo, entre equipes formadas pela São Paulo Railway (SPR) e da Cia. de Gás. O resultado foi de 4 a 2 para a SPR, com dois gols de Charles Miller. As primeiras disputas amistosas surgiram em São Paulo nos anos de 18991900, entre os clubes Germânia (atual E.C. Pinheiros), Mackenzie, São Paulo Athletic Clube e o E.C. 5 Opinias - Julho 2014 Internacional, todos com sócios da elite paulistana e de várias origens: inglesa, americana e alemã. A Liga Paulista de Futebol surgiu em 1902, a partir de cinco clubes, os acima mais o Clube Athletico Paulistano. A liga organizou o primeiro Campeonato Paulista de Futebol. Tendo Charles Miller como artilheiro do time, o SPAC ganhou os três primeiros campeonatos, em 1902, 1903 e 1904. Um dos eventos de destaque daquela época foi a visita do time inglês, o Corinthians F.C., em 1910, que estava ganhando todos os jogos no mundo amador do futebol. Estreou no Rio de Janeiro, goleando o Fluminense por 10 a 1. Em São Paulo, o SPAC perdeu de 8 a 2, apesar da boa atuação do time local. Um grupo de funcionários da São Paulo Railway ficou tão impressionado com a atuação dos ingleses, que resolveu dar ao clube que fundaria mais tarde o nome de Sport Club Corinthians Paulista. Foi Miller quem sugeriu o nome do primeiro presidente do Corinthians Paulista. Em 30 de junho de 1953, faleceu esse idealizador do futebol no Brasil. Outros esportes trazidos para o Brasil no final do século XIX pelos ingleses que trabalhavam na São Paulo Railway e na The São Paulo Tramway, Light & Power Co., Limited (a Cia. Paulista de Bondes, Força e Luz, de origem canadense), foram o tênis e o golfe. As primeiras quadras de tênis foram construídas em 1892, no São Paulo Athletic Club. Patagônia 6 6 Críquete no São Paulo Athletic Club - 1934 A chegada do golfe ao Brasil ocorreu de forma curiosa. Os engenheiros ingleses e escoceses, que construíam a ferrovia, convenceram monges beneditinos a ceder parte do terreno do Mosteiro de São Bento para a construção do primeiro campo de golfe do País, na região atualmente situada entre a Estação da Luz e o rio Tietê. A expansão da cidade em direção ao rio obrigou a transferência do campo, em 1901, para um local próximo à confluência das avenidas Paulista e Brigadeiro Luiz Antônio, local este, até hoje, denominado “Morro dos Ingleses”, devido aos tais “ingleses” que jogavam seu golfe ali. Fundou-se então o “São Paulo Country Club”, que teve o primeiro campeonato interno em 1903. A presença dos ingleses em São Paulo, e a diferença linguística com o português, fez com que se reunissem em torno da conservação das tradições britânicas. O Clube Inglês cobria parte dessas necessidades, porém faltava um local próprio para os cultos religiosos, com a maioria inglesa de religião anglicana, havendo alguns presbiterianos, geralmente de origem escocesa. Com isso em mente, foi construída uma pequena capela, próxima da Estação da Luz, para acomodar a maioria que trabalhava na São Paulo Railway na década de 1860, em terreno doado pelo Barão de Mauá, consagrada, em 1873, como a St. Paul’s Anglican Church (Igreja Anglicana de São Paulo). Com a deteriorização do bairro da Luz, decidiu-se por uma nova igreja em Santo Amaro, o bairro onde havia importante concentração de ingleses e seus descendentes. A pedra fundamental foi firmada em 1962. A partir de 1995, tornouse a Catedral para a diocese de São Paulo. Apoia várias entidades, como missões entre as favelas de São Paulo e uma casa para idosos da comunidade. Outro aspecto importante era os cuidados com a saúde. Um chinês de Macau, o imigrante José Pereira Achao, contraiu febre tifoide durante sua viagem de navio para o Brasil, na segunda metade do século XIX. Na época, a higiene e saúde pública eram muito precárias. Hospitalizado na Santa Casa de São Paulo, o protestante Achao foi pressionado a converter-se ao catolicismo, prática comum nas instituições da época. De seu constrangimento, nasceu a ideia da criação de um hospital que acolhesse pessoas de qualquer credo, raça ou nacionalidade, sem distinção. Quando faleceu, em agosto de 1884, legou dois contos de réis (equivalente a 4.000 dólares de hoje) à Igreja Presbiteriana, para que sua ideia fosse levada a cabo. Em 1890, um grupo de imigrantes britânicos, norte-americanos e alemães, ligado às igrejas protestantes da cidade, uniu-se a tradicionais famílias paulistas para fundar a Sociedade Hospital Evangélico, que teve suas primeiras instalações inauguradas em 1894 e que se transformaria no Hospital Samaritano. A palavra “samaritano” deriva da Samária, cidade da antiga Palestina, onde havia um povo com características culturais bem diversificadas. Em sentido figurado, significa caridoso, bom, beneficente, por alusão ao personagem bíblico “O Bom Samaritano”, modelo de caridade. Era um atrativo para convencer os mais incrédulos de que valia a pena deixar a Inglaterra e vir trabalhar em São Paulo. Ainda no século XIX, foi inaugurado o primeiro centro cirúrgico. O hospital foi dirigido pelo Dr. Lauriston Job GELADA Lane de 1907 a 1942, cuja grande influência consolidou a existência da instituição. Em 1895, foi contratada a primeira matron (enfermeira profissional), que veio da Inglaterra para dirigir os serviços de enfermagem — uma inovação — porque até o começo do século XX apenas religiosas trabalhavam nos hospitais do Estado. Nas décadas de 1940-1950, houve uma grande reforma do hospital, graças a importantes doações do Liceu de Artes e Ofícios, Nadyr Figueiredo, Companhia Antarctica, Moinho Santista, Rhodia, General Electric e General Motors do Brasil. Os primeiros cursos de enfermagem da cidade de São Paulo, por conta da Escola de Enfermagem Job Lane, do Hospital SamaHospital Samaritano ritano, iniciaram-se em 1948. Hoje, este hospital é referência mundial. A inconveniência de se mandar os filhos estudarem na Grã-Bretanha — como foi o caso de Charles Miller — redundou na fundação de uma escola britânica em São Paulo. Em 1926, abriu-se oficialmente a St. Paul’s School, nos Jardins, bairro luxuoso da cidade. O conceito de uma escola para membros da comunidade inglesa remonta a 1867, quando 30 crianças de funcionários ingleses da São Paulo Railway recebiam aulas do prelado da Igreja Anglicana de São Paulo. O número de famílias britânicas cresceu constantemente de 1867 a 1926, à medida que engenheiros, contadores, banqueiros e industrialistas britânicos vinham trabalhar na cidade em expansão. A Escola Britânica S.A. começou com 60 alunos e acomodações para 12 meninos internos, com a finalidade de providenciar uma educação aprimorada para os filhos de pais britânicos. Em 1927, foram adquiridos 18.000 m2 no Jardim Paulistano por 50 contos de réis, que o ex-proprietário usou para comprar ações da própria Escola, que depois doou para esta. Nos primeiros anos da escola, meninos e meninas eram ensinados separadamente. Com o desenvolvimento da Escola, foram introduzidas aulas do idioma português, assim como História e Geografia do Brasil. Mais tarde, também admitiram-se meninas Opinias - Julho 2014 como alunas em regime de internato e as classes passaram a ser mistas. Cada vez ficou mais claro que muitas crianças completariam sua educação aqui no Brasil e não retornariam para o Reino Unido. Com essa finalidade, foi iniciado um curso ginasial brasileiro matutino, com aulas em inglês no período da tarde. Em 1951, a Escola Britânica tornou-se a Fundação Anglo-Brasileira de Educação e Cultura (FABEC). O estatuto determinava que fosse uma fundação sem fins lucrativos, com o objetivo de desenvolver a educação e cultura (intelectual, física e espiritual) para jovens de ambos os sexos no Estado de São Paulo. Posteriormente, providenciaram-se classes preparatórias para o ingresso nas universidades brasileiras. À medida que os anos passaram, a Comunidade Britânica de São Paulo teve de se preocupar com aqueles que não podiam ou não queriam voltar para a Inglaterra e tinham optado por permanecer no Brasil. A Fundação Britânica de Beneficência, já existente em 1947, recebeu, de Miss Helen Stacey, a doação de uma casa no bairro de Brooklin Paulista, com a finalidade de providenciar alojamento, alimentação, cuidados básicos e conforto para idosos de ambos os sexos. A Stacey House, como passou a ser conhecida, permaneceu naquela localização até 1981, quando foi vendida, devido à “incorporação imobiliária”. Foi comprada outra casa, mais moderna, próxima ao Aeroporto de Congonhas. A Stacey House é a residência dos membros mais velhos da Comunidade que preferiam não morar sozinhos. Durante mais de meio século, vem recebendo o apoio de indivíduos da comunidade, bem como de muitas empresas. Assistência médica e de enfermagem foi sempre garantida, graças ao Hospital Samaritano, e pela atuação voluntária de profissionais da área. Os residentes da Stacey House têm seus próprios quartos com extensão telefônica, banheiro individual e estão conectados a TV por cabo. Os funcionários da casa e voluntários providenciam exercícios leves, terapia ocupacional e passeios para os residentes. Também recebem inúmeros convites para atividades em clubes e nas residências de membros da Comunidade. Com a diminuição do número de membros na comunidade para um quinto do que era há 80 anos, tem 7 8 Opinias - Julho 2014 havido uma procura menor para a Stacey House e, atualmente, há poucos residentes. No entanto, a manutenção da casa e funcionários onera muito a fundação mantenedora. Em 2006, por ocasião da Festa de Aniversário da Rainha Elizabeth II, o seu representante anunciou que os moradores atuais seriam transferidos para outra residência de idosos e a Stacey House seria desativada. Foram dadas duas opções para os próprios residentes, que consideraram o Lar Sant’Ana como o que mais se aproxima da casa que foi seu lar por tantos anos. Como na maioria das cidades do mundo, há uma regional paulistana da Legião Britânica de ExCombatentes. Reúne os ex-militares das várias guerras em que participou o Reino Unido. Na Catedral Anglicana de São Paulo, celebra-se uma missa especial, no domingo mais próximo de 11 de novembro, que coincide com o fim da Primeira Guerra Mundial, quando foi assinado o Armistício em Compiègne, após ocorrer o colapso do exército alemão em todas as frentes de batalha. Comparecem prelados de vários credos, representantes militares do Brasil e de outros países tradicionalmente aliados, e das Legiões Britânica, Francesa e Belga. São lidos os nomes dos membros da comunidade britânica em São Paulo que deram suas vidas nas duas guerras mundiais. Aquele domingo é conhecido como o “Dia da Papoula” e todos usam uma papoula vermelha artificial presa à lapela do paletó ou ao vestido, confeccionado por veteranos incapacitados. A arrecadação vai para um fundo de ajuda para mutilados de guerra, geralmente de outras guerras que não as supramencionadas, porque a maioria dos sobreviventes daquelas já se foi. Meu pai veio, sozinho, para a Argentina, aos 15 anos de idade, em 1910, retornando para a Inglaterra para lutar na Primeira Guerra Mundial. Depois, voltou para a América do Sul, indo para o Paraguai. Somente em 1925 decidiu mudar de ares, vindo para São Paulo. O atrativo, como nos contou, foi o fato de haver mais oportunidades de trabalho aqui e também pela ótima assistência médica, devido à existência do Hospital Samaritano. Minha mãe veio para o Brasil com nove anos de idade, em 1913, ficando num colégio interno, em Piracicaba. Seu pai fora “importado” da Inglaterra para trabalhar como contador numa firma inglesa que negociava café. Durante um tempo, a família morou na fazenda da firma onde trabalhava meu avô, em Matão, perto de Araraquara. Posteriormente, veio para a Capital. Pois é, eu estou aqui graças a um cão. Meu pai, quando chegou a São Paulo, comprou um cão pastor alemão. Naquela ocasião, morava numa pensão alemã onde não se aceitava animais de estimação. Foi então obrigado a deixá-lo nos alojamentos do Alto da Serra, onde trabalhava na construção da usina hidroelétrica da Light and Power. Após um tempo, cansado das exigências da pensão, resolveu procurar outra. Leu um anúncio na revista “Times of Brazil”, noticiário mensal da comunidade inglesa, de circulação no eixo Rio-São Paulo, que não existe mais. Era de uma pensão inglesa não muito longe de onde estava. Lá, perguntou para o senhorio se poderia levar o pastor e este lhe respondeu que sim, pois a família gostava muito de cães. Meu pai então mudou-se para aquela pensão. No fim de tarde, após retornar do Alto da Serra, costumava passear para exercitar o cachorro e quem o acompanhava era a filha do dono da pensão. Preciso dizer mais alguma coisa? Era a minha mãe. Após quase 150 anos de história dos ingleses na cidade de São Paulo, a convivência diária com os paulistanos e gente de outras origens nessa grande metrópole e a noção de que a maioria viera do Reino Unido para fazer sua vida aqui e aqui permanecer, fez com que houvesse uma profunda integração com tudo o que diz respeito à cidade. Recentemente, com o intuito de centralizar as atividades britânicas, construiu-se um edifício ao qual foi dado o nome de Centro Brasileiro Britânico (Brazilian British Centre), que abriga o Consulado Britânico em São Paulo, a Fundação Britânica de Beneficência, o Conselho Britânico, a Câmara de Comércio, a sede administrativa da Cultura Inglesa (cursos de inglês), um restaurante (The Bridge), um pub (Drake’s) e um auditório. Uma preocupação constante para quem ainda é da primeira geração nascida fora da Inglaterra é a de que muitos dos descendentes, embora carreguem um nome ou sobrenome inglês, por vezes, nem são mais fluentes na língua de seus avós ou bisavós, tal a miscigenação inter-racial. Não há como se saber o que as futuras gerações dirão a respeito de um nome estrangeiro que levam. Portanto, é de suma importância que se procure fomentar a noção de quem foram os ancestrais. Pessoalmente, encontrei uma forma de assim fazer, através de uma biografia de meus pais, com inúmeras fotografias de família, além de documentos pertinentes. Meus netos nada saberão de seus bisavós se não a consultarem. Que dizer, então, de meus bisnetos, não é verdade? Texto extraído do livro HUNKY DORY - uma antologia de prosa e verso Walter W.Harris Rumo Editorial - 2013 - 1a.edição todos os direitos reservados AQUISIÇÕES: [email protected] Opinias - Julho 2014 Por LUCIANA GOMES GIMENES Administradora de empresas e Coordenadora de compras São Paulo - SP [email protected] NAVEGANDO No imenso mar da internet é possível encontrar bons lugares para atracar durante a navegação. Singrando esses mares, a redação de OPINIAS encontrou alguns portos seguros que vale a pena conhecer: MÚSICA CLÁSSICA O MUSOPEN, biblioteca on-line de obras musicais de domínio público, disponibiliza peças de 150 compositores clássicos para download ou audição on-line. As composições estão organizadas por períodos, instrumentos, intérpretes e compositores. As peças são conduzidas por maestros e instrumentistas consagrados. Para fazer o download é necessário um registro simples. Os downloads gratuitos são limitados ao número de cinco por dia. 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E lembre-se: qualquer medicamento deverá ser utilizado sob supervisão ou orientação médica. http://consultaremedios.com.br/ Opinias - Julho 2014 Por NA GIMENES Administradora de empresas Sydney - Austrália [email protected] VANUATU a encantadora e feliz lagoa azul 10 Você já ouviu falar de Vanuatu? Eu, pelo menos, nunca tinha ouvido até encontrá-lo num site de turismo e decidir visitar este país tão lindo e encantador. Em busca de um destino barato saindo aqui da Austrália onde moramos há quase 5 anos, encontramos Vanuatu. Trata-se de um arquipélago composto por 83 ilhas relativamente pequenas localizadas no Pacífico, a 3 horas e meia de voo saindo de Sydney. A população de 220.000 habitantes é menor que a do Guarujá (SP) e seu tamanho menor que a cidade de São Caetano do Sul (SP), com aproximadamente 12.274 km2! É um pedacinho de terras vulcânicas no meio do nada quando comparado à imensidão do nosso Brasil. Existem vários vulcões ativos em Vanuatu e a atividade vulcânica é relativamente comum. A mais recente erupção ocorreu em 2008 e outra em 1945. Enquanto olhava as fotos daquele lugar no site de viagens, tive uma impressão fortíssima de um dejavu. Vanuatu é um daqueles paraísos de águas claras, calmas e quentes que o Globo Repórter mostra nas noites de sexta-feira. Lembrei-me da minha infância e do meu sonho de um dia poder visitar um lugar como esse que o repórter mostrava. Eu tinha lá meus 10 anos quando assistia àquele programa na televisão que mostrava locais tão exóticos, cheios de lugares verdes e de mares azuis esverdeados. Então eu pensava: “toda pessoa deveria ter o direito de visitar um paraíso como este pelo menos uma vez na vida...”. É emocionante e de tirar o fôlego. Bem, visitamos a ilha principal, Efate. Lá conhecemos um povo tranquilo e sorridente que gosta de reggae e que até parece andar mais devagar, devido ao calor. Simples no modo de viver, mas muito, muito feliz e conectado com a natureza tão divina das ilhas. O lugar é realmente magnífico e apesar de seu nome não ser tão popular como Tailândia ou Caribe, muitos de nós já vimos pelo menos um dos pontos turísticos mais famosos. Lá foi um dos sets do filme “Lagoa Azul”, de Randal Kleiser. Seguem algumas fotos de nossa visita. Se um dia decidirem sair por aí em busca de novas sensações, visitem Vanuatu. Opinias - Julho 2014 Saiba mais sobre VANUATU http://guia-viagens.aeiou.pt/vanuatu-o-lugarmais-feliz-da-terra-algures-no-pacifico/ Reggae nativo no Erakor Island Resort Cores e belas paisagens presentes em todo o lugar 11 Road Trip, em Éfaté Sunset em Erakor Island Resort & Spa Vanuatu Blue Lagoon - Port Vila Opinias - Julho 2014 Cachalote Resenha baseada na Graphic Novel de Daniel Galera e Rafael Coutinho Por GUSTAVO BARBOSA ROSSATO Escritor e Servidor público Jundiaí - SP [email protected] 12 O som do piano ressoa por entre as paredes da mansão. A cena de um filme projeta um homem consolando uma mulher em prantos. Uma sucessão de imagens decifradas através de um belo traço transcende ao que muitas vezes a leitura convencional, aquela feita apenas por palavras, não consegue traduzir: O som do silêncio. E com as mãos de uma velha senhora gestante acariciando uma grande baleia, iniciase a graphic novel (ou novela gráfica, como preferir) Cachalote. Lançada em meados de 2010, marca a estreia de Daniel Galera, um dos nomes mais interessantes da nova literatura (essa tal de geração zero zero) no gênero considerado um subgênero por muitos, as HQ´s. E vem bem acompanhada do artista Rafael Coutinho, filho do ilustre cartunista Laerte. As cenas desenhadas sob a prosa de Daniel Galera mostram como se escreve de verdade nos quadrinhos. O texto está além dos balõezinhos com as frases e os diálogos. Cada quadro é uma letra nova de um alfabeto próprio e mostra quão genuína é a arte sequencial. Seis histórias estão divididas em três partes. A cena inicial, descrita no primeiro parágrafo deste texto, não será desenvolvida no miolo do livro. O leitor não vê o amadurecimento da história formada apenas por uma senhora grávida e sua baleia onírica. Mas são com esses mesmos personagens que o livro se fecha. Já as outras cinco constroem quebra-cabeças com imagens diferentes, mas em todos os quadros dá-se a impressão que falta uma peça importante para o desenvolvimento dos personagens. Se esta imagem fosse a de uma grande baleia cachalote, a peça perdida provavelmente seria o estômago. Como se o alimento entrasse pela superfície, mas não seria digerida totalmente. Depois da introdução, é mostrado um ator de cinema chinês conhecido como Xu Dongsheng. Visivelmente acima do peso, é quase um clichê dizer que está decadente. Vem ao Brasil promover seu último filme de artes marciais tendo como premissa um retorno triunfal do astro. Durante sua estadia em um hotel chique na companhia de mulheres e bebidas, um colega ator comete suicídio. Sua reação indiferente o transforma em suspeito. Opinias - Julho 2014 Hermes é um escultor que vive isolado em sua casa no campo. Seu trabalho com as pedras de mármore revela aos poucos uma obsessão contida. Encontra um diretor de cinema disposto a transformar sua vida em filme. O cineasta quer dissecar o cotidiano do escultor misturando realidade com ficção. Um jovem chamado Vittorio vive aventuras eróticas no estilo bondage japonês com garotas que seguem o mesmo padrão estético. Uma menina linda e delicada (fugindo desse padrão) entra na vida do rapaz e descobre suas fantasias não convencionais. Ela está disposta a compartilhar a experiência, mas sua pele não se adapta às cordas que Vittorio a prende. Quanto mais apertada, mais destrutivo é o processo. Rique, um órfão de pai e mãe, vive com seus tios ricos. Uma relação complexa entre tios e sobrinho o faz viajar por tempo indeterminado na Europa. Em Paris, encontra Dante que vive ilegalmente com sua namorada Nádila. Os dois viram um ponto de sustentação para Rique, que não consegue enxergar o desprezo de não saber fazer nada. E por fim Túlio, um escritor deprimido. Tem uma relação amistosa com sua ex-mulher que também possui problemas emocionais. Eles se vêm constantemente e seus encontros estão além de fazer a filha criança observar a mãe e o pai no mesmo lado. Os dois ainda precisam um do outro para construir uma nova página em suas vidas. Essas histórias não se cruzam em nenhum momento do livro, e não existe uma separação de quando uma começa e outra termina. Ao ler estranhei a ausência dos números nas páginas. Essa organização própria dos autores me fez sentir flutuando numa piscina quando seus pés não tocam mais o azulejo e você precisa erguer a cabeça para continuar respirando. O livro está além de descrever a solidão. Trata também sobre a insegurança. A dificuldade de se desconstruir ou reinventar. Descer aos reinos abissais do oceano frio e ver criaturas sem as formas familiares. A sensação ao final da leitura é a de boiar em uma piscina incapaz de enxergar sua profundidade. 13 Opinias - Julho 2014 VINHO Por CARLOS EDUARDO DE OLIVEIRA Engenheiro Santo André - SP [email protected] na temperatura certa Salut les amis! 14 Dia desses um amigo comprou uma adega climatizada e me perguntou se eu poderia aconselhá-lo sobre a temperatura correta de regulagem de seu equipamento. Então fui pesquisar para melhor orientá-lo, originando assim uma postagem no meu blog e esta coluna em Opinias. Primeiramente, muita gente acha que a adega serve para colocar os vinhos na temperatura correta de serviço - seria só tirar da cave, desarolhar e beber! Mas a verdade não é bem essa para boa parte dos vinhos. Em segundo lugar, adega climatizada em casa é um luxo. Qualquer lugar fresco e abrigado da luz já é suficiente para armazenar bem os vinhos do uso cotidiano. Para isso serve um armário, o espaço sob a escada, o depósito na garagem... Ficando longe de fontes de vibrações, luz e calor (lareiras, chaminés, fornos), tudo bem - o vinho deve se manter bem neste local. O investimento em uma adega só vale a pena para quem opta pela compra de vinhos de guarda, aqueles grandes vinhos que devem ficar armazenados durante um certo período a fim de que cheguem no ponto certo para sua degustação. A grande maioria das minhas garrafas é guardada num móvel com nichos, sob o balcão. Minha pequena adega climatizada é reservada para os vinhos mais delicados, os mais velhos, e aqueles que eu guardo para ocasiões especiais. Ali eu conservo velhos Bourgonhas e jovens Brunellos di Montalcino, Barolos e Bordeaux que precisam de algum tempo na garrafa para “desabrochar”. E eu a regulei para funcionar entre 15 e 18 graus centígrados. Para a nossa temperatura média em São Paulo, essa faixa é econômica desde que a adega esteja com um bom isolamento, não vai ficar acionando o compressor e gastando energia a toda hora. Opinias - Julho 2014 Quanto à temperatura de serviço, ou seja, a temperatura que o vinho deve ser mantido à mesa enquanto estiver sendo consumido, genericamente, em torno dos 18 graus a maioria dos vinhos tintos já está adequada para ser degustada. Os vinhos brancos precisam ainda de um resfriamento antes de serem bem apreciados; se houver antecedência, podem ser colocados na geladeira por um tempo; do contrário, um balde de gelo com uma solução refrigerante (água, gelo, um pouco de sal e um pouco de álcool) é bem eficaz para o resfriamento. Alguns enófilos não recomendam resfriar o vinho rapidamente no congelador para não provocar um “choque térmico”. Outros dizem que não faz mal nenhum este choque em vias de sacar as rolhas, principalmente se tratando de uma garrafa mais simples e despojada. Concordo com estes últimos, uma vez que, em ocasiões especiais e com vinhos especiais, você naturalmente irá se programar com antecedência e tomará mais cuidado ao resfriar docemente sua tão bem guardada garrafa num balde de gelo, onde você pode facilmente controlar a temperatura adicionando ou retirando os cubos. Deve-se notar que a temperatura mais baixa ressalta a acidez, o frescor, a jovialidade do vinho, enquanto “mascara” a doçura, a fruta, o álcool (o álcool é doce). Por isso costumamos beber os vinhos mais encorpados, concentrados e tânicos a temperaturas mais altas e os vinhos que devem ser mais refrescantes, brancos e espumantes, mais resfriados. O tanino, aquela substância presente nos vinhos tintos que provoca a sensação de adstringência e secura na boca, é potencializado a temperaturas mais baixas. Ainda, de acordo com o gosto individual, pode-se ressaltar alguma característica do vinho manipulando a sua temperatura de serviço, como também disfarçar um defeito ou um desequilíbrio de determinada garrafa. Vinhos tintos mais simples, mais leves, mais “fáceis de beber” - como por exemplo os Beaujolais, podem ser bem mais resfriados, até em torno de 12ºC. Vinhos brancos novos e refrescantes podem ser bebidos entre 8 e 10ºC, e os mais encorpados, maturados em barrica de carvalho, devem ser menos resfriados, consumidos em torno de 12, até 14ºC. Quanto aos vinhos “fortificados” doces, os tintos (Porto, principalmente), podem ser bebidos na temperatura ambiente, enquanto que os brancos (Sauternes, Muscat, colheitas tardias) são controversos - alguns enófilos recomendam apreciá-los em torno de 14ºC, mas eu acho melhor bebê-los mais geladinhos, o que destaca sua acidez equilibrando mais com sua doçura. Com o tempo, a sensibilidade será suficiente para definir se um vinho está na temperatura correta ou não - o uso de termômetros não me parece muito prático, embora existam no mercado ótimos termômetros infra-vermelhos muito fáceis de usar. Convém que o enófilo tenha em mãos pelo menos dois baldes para o resfriamento e conservação dos vinhos à mesa - um maior, para ser utilizado em ocasiões em que são abertas várias garrafas, e outro, menor, para seu uso mais cotidiano - afinal é dispendioso e demorado produzir grande quantidade de gelo. No caso da utilização de decanter (o que será assunto em uma próxima edição), pode ser necessário às vezes repousá-lo em uma travessa com gelo ou água gelada. Como quase tudo no mundo dos vinhos, isso parece ser uma questão de “milhagem”, ou melhor, “litragem”... Santé! Au revoir! VISITE O BLOG e DESFRUTE MAIS http://www.conservadonovinho.blogspot.com.br/ 15 15 Opinias Opinias--Julho Julho2014 2014 Eu moro em Xangri-Lá 16 16 Eu moro em XANGRI-LÁ, município do litoral norte do Rio Grande do Sul composto por 8 praias. Mar agitado com ondas fortes favorecem a prática do surfe e da pesca. A plataforma marítíma é uma atração ímpar, com 300 metros mar adentro em forma de “L” e com 75 metros de braço ao norte. Originalmente tinha o formato de “T”, mas em 1997 fortes ressacas abalaram as estruturas e o braço sul caiu e afundou no mar. Xangri-Lá possui dois sambaquis dos mais importantes do litoral gaúcho, verdadeiros sítios arqueológicos. Faz divisa ao norte com a lagoa dos Quadros. A paisagem daqui é de inconfundivel beleza e o pôr do sol é maravilhoso. O nome foi inspirado em SHANGRI-LÁ, uma palavra criada pelo novelista inglês James Hilton (1900-1954), na sua obra Horizonte Perdido escrita em 1933. Shangri-Lá era um país imaginário, na região do Tibete, na qual as pessoas que lá chegavam conseguiam conservar a sua forma física, desde que dali não mais se retirassem. Nesta obra, que o cinema e as muitas traduções tornam amplamente conhecidas, James Hilton realizou um "tour de force" aliando o romance de aventuras ao romance de ideias. Xangri-Lá é um símbolo e uma aspiração. Nele não existe o mal, e a vida cresce em amor e sabedoria. Xangri-Lá é a terra dos homens felizes, constituíndo uma versão moderna da Terra da Promissão. O romance de Hilton escrito com beleza e simplicidade traduz a tranquilidade de Xangri-Lá. SAIB A TUDO SOBRE MINHA CID ADE: SAIBA CIDADE: .xang rila.r s.g ov.br/no vosite/ http://www.xang .xangrila.r rila.rs .go .br/nov http://www Por RAQUEL ZARPELLON Fotógrafa amadora Xangri-Lá - RS [email protected] recorrências Opinias--Julho Julho2014 2014 Opinias RECORRENTES “Quando nasci, já tinham sido inventadas todas as palavras que podiam salvar o mundo. Só faltava salvá-lo.” Almada Negreiros - (1893-1970) Por VALQUIRIA GESQUI MALAGOLI Escritora e artista plástica Jundiaí - SP [email protected] da janela lateral do quarto de dormir (monotipia) A ideia – sempre – é escrever algo novo. Mas, tão vero quanto “quem ama o feio bonito lhe parece”, dá-se toda vez que nos dispomos, nós, os poetas, a dizê-la: a novidade. Dá-se algo meio contraditório, algo um tanto quanto inexplicável, e, algo a que não explicamos, sobretudo porque disso não temos o domínio... algo mais ou menos assim... por assim (tentar) dizer. Nós, por conseguinte, os poetas, supostos artífices, pretensos mestres, estamos mais (no mínimo) para os ossos no ofício dela, a Palavra. Dela, que faz de nós o que bem quiser. E que, por sorte nossa, nos quer bem. Reparem que, invariavelmente, as cinzelamos, as novas, sob lustrosas roupagens, palavras outras, chovendo, entretanto, isso sim, no molhado! E aqueles que depõem contra mim, repetir-seão entre argumentos – pra variar também –, protestando: ora, que absurdo; não é nada disso, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, e blá-blá-blá... Lutem, pois a luta é o mote da vida, da mesma maneira que o mote é a vida da Poesia. Lutem, debatam entre si, haja vista no que me diz respeito não adiante mais querer convencer-me do contrário, ou seja, de algo que não seja exatamente isso: a dita-cuja coisa é a mesma coisa cuja-dita. Os motivos persistem. Nós é que não vamos sendo os mesmos. Cinzas, verdes, vermelhos, azuis, lilases, pretos, brancos, amarelos, furtas... as cores continuam ali. Nós, todavia, passamos. Indubitavelmente todas as coisas sofrem ações, transformações... apresentam-se alteradas, mais fortes ou tênues. Porém, será mesmo que o olhá-las, não será – este sim – ao invés de quaisquer mudanças que em si ocorram, o que de fato concorre para a pluralidade das formas de, por sua vez, serem tais ocorrências traduzidas? É como sinto quando suponho traduzi-las agora. Sabendo-a jamais uma tradução ao pé da letra. O que não garante sentir ou pensar o mesmo amanhã. Nem daqui a pouco. E lá virei eu. De novo aqui (e acolá) para dizê-lo. Não para dizê-lo igualmente, embora, diverso o mesmo diga. Permanece o Tempo. Variamos entre sólidos propósitos e líquidas incertezas. Bem (ou mal) assim somos: seres de impalpáveis naturezas, de essências inconstantes, imateriais por suposto. Elásticos apesar e talvez por causa de tudo. Aonde quer que cheguemos... tornaremos à raiz: essa busca tão inútil, tão estúpida quanto nobre, sabe-se lá de quê ou por qual razão. Uns tornados talvez sejamos. Ou simplesmente uns tontos. Menos um fenômeno e mais uma casualidade. Ou não. Seja, entanto, como seja... não é de todo ruim sê-lo. Não é de todo mal não sabê-lo exatamente, outrossim. Soubéssemos mais, não estaríamos aqui a divagar. Soubéssemos menos, não elucubraríamos sequer. Soubéssemos aquilo, talvez não saberíamos isto e vice-versa. Tivéssemos o fogo absoluto do conhecimento, quem sabe, não nos juntaríamos em torno dessa metafórica fogueirinha de papel alimentada não por um moto-contínuo, mas, antes – e sempre – pelo mote-perpétuo. ... 17 17 Opinias - Julho 2014 ENCOMENDAS levar ou não? Eis a questão... Por ANGELA BRETAS Jornalista e escritora Boca Raton - EUA [email protected] 18 Um fato que já virou rotina para os residentes dos EUA quando estão com viagem marcada para o Brasil é receberem pedidos de encomendas; sejam de familiares ou amigos residentes no Brasil, ou mesmo dos que aqui residem e que aproveitam a comodidade e a economia. Estas pessoas sabem que os preços dos produtos importados, quando comprados na fonte, no caso nos EUA – são mais em conta, não pagam taxa de importação e além do mais há a mordomia de receberem seu produto pelas mãos de uma pessoa de confiança, sem problemas de extravio da mercadoria. Entretanto há dois lados da mesma moeda: apesar de os interessados verem essa oportunidade como uma maneira de economizar ao encomendar seus “importados”, nem sempre os que estão de viagem marcada para o Brasil estão dispostos a levarem encomendas. Portanto dicas são válidas tanto para quem pede como para quem concorda em levar algo. Quando for pedir para algum amigo ou familiar para adquirir encomenda, não esqueça de considerar o peso, o valor e a disposição do condutor. Caso aceite levar algum pedido, tenha certeza de especificar o peso máximo, o que é concebível levar, o tamanho e o valor, para não chegar lá e ter surpresas inesperadas e constrangedoras. “Bom, tenho um grande amigo na Bahia, que quando soube que eu estava indo de férias ao Brasil, me ligou e encomendou uma ‘baby doll’ – boneca inflável” Opinias - Julho 2014 O QUE GOSTARIA DE ENCOMENDAR DOS EUA E RECEBER NO BRASIL? Sérgio Moraes - Treinador de Cavalos – São Roque – SP: “O que mais eu gostaria de encomendar dos EUA são artigos para cavalos (freios, mantas, protetores e caneleiras etc.), botas, chapéus, DVDs em geral, eletrônicos, jeans Wrangler, e se fosse possível, café do Starbucks... mas para ser super sincero, o que eu mais gostaria mesmo era poder voltar a morar nos Estados Unidos. Estou aqui desde 2008 e não consigo mais me adaptar a isto aqui, morro de saudades da América”. Vania Bretas – 55 anos – Consultora Dilarouffe (Cosméticos Brasil) – Barbacena – MG: “Eu tenho preferência por perfumes e cosméticos. Tanto que encomendei via internet um Dermology, pena que não recebi”. Vanda Fátima Haut Alcantara – 44 anos – Agente de Viagem – Ariquemes – RO: “O que mais gosto de receber de encomenda é perfume importado, adoro!” QUAL FOI O PEDIDO MAIS ESTRANHO QUE VOCÊ RECEBEU PARA LEVAR COMO ENCOMENDA? Rodrigo Marianno – 42 anos – General Contractor – Fort Lauderdale: “Bom, tenho um grande amigo na Bahia, que quando soube que eu estava indo de férias ao Brasil, me ligou e encomendou uma “baby doll” – boneca inflável – para satisfazer seus desejos sexuais. Queria uma boneca americana. Levei, mas passei a maior vergonha quando, no aeroporto, revistaram minha mala. Fiquei com a cara no chão. Imagine ir para o Brasil e levar mulher de plástico!” Maurício F. – 38 anos – Corretor de Imóveis – Boca Raton: “Concordei em responder porque prometeram não colocar meu último nome ou minha foto na revista. O que já me pediram para levar e que na hora fiquei sem jeito de dizer não, foi um gigantesco “water-pipe” – cachimbo de água para fumar baseado. O problema é que tive que me explicar na alfândega, além de ter que pagar peso extra da bagagem porque o cachimbo era muito grande e frágil. O pior é que meu amigo ficou tão doido com a encomenda que esqueceu de me pagar. Nunca mais me submeto a isso. Quando vou ao Brasil não aviso mais aos amigos... chego de surpresa!” Rui Moreira Frizzo – 44 anos – Empresário – Pompano Beach: “Bom, como vou ao Brasil frequentemente, meus parentes que lá residem aproveitam e me sobrecarregam de pedidos que variam entre eletrônicos e perfumes. Entretanto, minha última encomenda foi um pesadelo. Me pediram 12 latinhas de Dr.Pepper (refrigerante) porque lá não existe. Como é algo barato e fácil de encontrar, não hesitei em prometer que levaria. Entretanto, acho que com a pressão do avião as latinhas estouraram dentro da mala e arruinaram todas as minhas roupas e alguns presentes eletrônicos. Encomendas para o Brasil? Estou fora dessa!” Maria Aguinela Ferrazzo – 22 anos – Estudante da FAU: “Quando vou ao Brasil gosto de levar presentinhos para minhas primas que já residiram aqui. Só que na minha última experiência passei apertado porque resolvi levar Peanut Butter (elas adoram a geleia de amendoim daqui). Levei 10 vidros e a alfândega de lá me tomou tudo, não deixou eu passar e além do mais, tive que pagar uma multa porque levei mais de 10 unidades do mesmo produto. Achei um absurdo porque não paguei nem 50 dólares pelos produtos e mesmo assim tive que desembolsar mais de 300 reais de multa e ficar sem os produtos... Foi burrice minha, pois resolvi levar 10 unidades e aprendi a lição!” SAIBA COMO NÃO SER BARRADO NA ALFÂNDEGA NO BRASIL http://www.receita.fazenda.gov.br/aduana/ viajantes/viajantechegbrasilsaber.htm 19 Opinias--Julho Julho 2014 2014 Opinias 20 GIACOMO PUCCINI Por LUIZ GONDIM DE ARAUJO LINS Psiquiatra e escritor Rio de Janeiro - RJ [email protected] Um dos maiores talentos musicais e dramáticos de todos os tempos, Giacomo Antonio Domenico Michele Secondo Maria Puccini detestava a música quando criança. Porém, a genética exerceu forte influência, posto que ele representava a quinta geração musical em sua família. O pai, Michele Puccini, foi professor, compositor e organista em Lucca, cidade da Itália onde Giacomo nasceu em dezembro de 1858. Foi o quinto de sete filhos. Ficou órfão de pai aos seis anos e o tio, Fortunato Magi, o encaminhou ao Istituto Musicale Pacini. Aos onze anos, sua mãe conseguiu uma pensão que lhe permitiu estudar em Milão, cidade dos sonhos dos jovens de talento na Itália daquela época. Teve lembranças penosas das aulas de piano quando menino, pois ao errar uma nota, recebia uma canelada de seu professor. Anos depois, quando ouvia uma nota falsa, o pé lhe saltava para cima, tal a profundidade do condicionamento. Aos vinte anos, já em Milão e ainda pobre, suas refeições eram sopa e feijão. Puccini foi um homem atraente, sempre teve irresistível atração pelas mulheres, primando pela infidelidade; viciado no jogo carteado, onde contraiu muitas dívidas. Gostava Opinias - Julho 2014 de beber e de caçar, extremamente vaidoso, não admitia derrotas e era pão duro. A melodia de Puccini se constitui numa espécie de clorofórmio que acalma os sentidos e adormece o intelecto. O narcótico de sua música foi destinado a encantar o mundo. “A música das óperas de Puccini não há de ser cantada apenas com a garganta, mas também com o coração”. Puccini é considerado o pai do teatro musical moderno. Percorreu labirintos românticos com toques poéticos sutis e personalíssimos. Isso não impediu críticas dirigidas a algumas de suas óperas, a saber: Influência da “Carmen”, de Bizet, no segundo ato de “ La Bohème”; Passagens de “Tristão e Isolda”, de Wagner, na abertura do terceiro ato de “Manon Lescaut”, o belíssimo Intermezzo; As marcas das últimas óperas de Verdi, de quem foi profundo admirador; Lembranças de Debussy, em “Madame Butterfly”; Influência da “Sagração da Primavera”, de Stravinsky, em sua última ópera “Turandot”. Aliás,Turandot também estaria relacionada a uma coleção de caixas de música, oriundas de Pequim, que lhe foram cedidas por um amigo. Antes de completar essa ópera, Puccini faleceu, sendo ela terminada por seu pupilo Franco Alfano (apenas as duas últimas cenas). Arturo Toscanini conduziu a ópera Turandot em sua estreia, em abril de 1926, na presença de Benito Mussolini. Ao chegar ao ponto em que Puccini a interrompera, ele parou de reger dizendo: “aqui o maestro abaixou sua caneta”. Quando Puccini alcançou enorme popularidade, tornou-se um elegante Don Juan, passando a ser assediado por um número elevado de mulheres, inclusive casadas. Uma delas, de nome Elvira Geminiani, casada com um comerciante de Lucca, abandonou o marido e fugiu com o compositor, num relacionamento que durou dezoito anos. Embora amando Elvira, desfrutou, concomitantemente, de várias outras mulheres de todas as classes sociais. No que concerne às leis do amor, há um divisor de águas, real ponto de desencontro entre o homem e a mulher. Enquanto esta prima pela continuidade, aquele está em permanente descontínuo. Ela está ligada a uma cadeia, sucessão de elos que envolvem o prazer, sem um pico culminante; ele precisa atingir ao pináculo, sem antes e sem depois, importando, apenas, chegar àquele objetivo. Puccini não escapou a esse princípio inexorável. Eram dois compartimentos bem distintos: o artista genial e o bicho homem. Passou a ser chamado de Monsieur Butterfly. Uma criada do casal Puccini, de nome Doria, acusada de ser amante do compositor, tomou veneno e morreu. A autópsia veio a revelar que era virgem. Diziam de Puccini: “ele suga todas as flores e varia a cada momento”. Ao que ele retrucava: “no dia em que eu não mais me apaixonar, poderão encomendar-me o enterro”. Sua vida privada ensejou uma série de anedotas e aí vai uma delas: enquanto se hospedava em um elegante hotel de Viena, no período de fama, uma bela mulher foi visitá-lo. Estando de pijama, sentiu-se pouco à vontade, pediu desculpas e foi ao quarto para se vestir. De volta, encontrou a mulher nua. Pensou: “essa mulher é louca, mas, pensando melhor, acho que seria perigoso lutar contra a loucura, quanto mais se tratando de um espírito louco encerrado em um corpo tão bonito”. 21 Opinias - Julho 2014 22 Acima de tudo, Puccini adorava a solidão, quando se sentava ao piano, chapéu na cabeça, fumando, elaborando temas de novas canções. No cenário, um lago de prata contrastando com o céu noturno. Puccini, já famoso, buscava o intérprete principal para “La Bohème” e, entre diversos candidatos, estava Enrico Caruso. A ária escolhida foi “Che gelida manina”, tendo Caruso vacilado num “dó agudo” próximo ao final, perdendo, assim, sua chance. Para o grande tenor, isso foi um grande desafio, que ele aceitou e venceu, tornou-se amigo íntimo de Puccini, vindo a ser o mais brilhante intérprete de suas óperas. A primeira ópera “Le villi” (1884), sobre os campônios da Floresta Negra da Alemanha, participou de um concurso e não ganhou prêmio. Ele ficou decepcionado, posto que seu colega e amigo Pietro Mascagni obtivera sucesso pleno com a ópera “Cavalleria Rusticana”. Em 1889, a segunda ópera, “Edgar” foi um fracasso que quase conduziu Puccini ao desânimo. Mas, em 1893, “Manon Lescaut” foi grande sucesso. Em 1886, “La Bohème”, no teatro Regio, em Turim, arrebatou as plateias. Sua linha melódica atinge a plenitude, somada à concisão quase epigramática dos diálogos. São raras as óperas que mantêm durante toda a sua extensão (duas horas aproximadamente) os esplendores poéticos, misto de tragédia e humor. As árias “Mimi” e “Che gelida manina”, além do dueto “O suave fanciulla” são arrebatadores. Em 1900, ocorreu a estreia de “Tosca” (amor, ódio, revolta, inconformismo, tragédia). Narra a história de um pintor romano condenado à morte pelo chefe de polícia. As árias “Recondita armonia”, “Vissi d’arte” e “E lucevan le stelle” (despedida da vida) apaixonam pela beleza e grandiosidade. Nesta última, é incrível o clarinete anunciando a rica melodia. No entanto, a peça foi duramente criticada por Gustav Mahler. No ano de 1904, no teatro Scala de Milão, “Madame Butterfly” foi lançada. Fracasso inicial daquela que viria a ser das óperas mais populares do mundo, narrando a história muito triste de uma gueixa japonesa que se apaixona por um tenente da marinha americana. O “dueto de amor” é considerado o mais belo de todas as óperas. Talvez a peça seja a mais sonora de todas compostas pelo mestre de Lucca. Puccini rescreveu a ópera, modificando o tema da entrada da Butterfly, dividiu em dois o segundo ato, que era muito longo e suprimiu as referências grosseiras e inoportunas do tenente Pinkerton aos hábitos alimentares do povo japonês. O filho do casal teve como nome Desgosto. Destaque-se, ainda, o “tríptico” composto de 3 óperas curtas: “Gianni Schichi”, “Suor Angelica” e “Il tabarro”. A última ópera do mestre italiano foi “Turandot”. Versa sobre uma antiga lenda chinesa de uma princesa frígida que submetia seus pretendentes à solução de três enigmas, sob pena de perderem a vida caso falhassem. Outras óperas poderiam ser citadas: “La fanciulla del west” (enorme sucesso nos stados Unidos) e “La rondine” (grande lirismo). Puccini era muitíssimo exigente, beirando ao perfeccionismo, levando anos para compor uma ópera. Apenas em 1968 ele foi reconhecido na Alemanha. O grande inventor Thomas Edson, admirador do mestre italiano, deu-lhe um gramofone de presente. Quando compunha “Turandot”, Puccini sentiu uma indisposição; foi diagnosticado um tumor maligno, o qual foi tratado por um renomado especialista da Europa. Ele sofreu muito, já era diabético, não mais falava, se comunicava por bilhetes. Faleceu em 29 de novembro de 1924, em Bruxelas e o corpo retornou à Torre do Lago, palco maravilhoso de suas grandes criações e lá permanece até hoje. Puccini inspirou o futuro Teatro Musical e foi imortalizado por sua grandeza incomparável e inspiração divina. Opinias - Julho 2014 O condomínio EDILÍCIO Por ROBERTO CAETANO MIRAGLIA Advogado / Negócios Imobiliários São Paulo - SP [email protected] Antes regido pela Lei nº. 4.591, de 16 de dezembro de 1964, o condomínio em edificações ganhou um capítulo inteiro no Novo Código Civil de 2002, denominado “Do Condomínio Edilício”, regulado pelos artigos 1.331 a 1.358. Quem possui apartamento ou conjunto comercial integrante de um edifício, tem pleno conhecimento das dificuldades de relacionamento e convívio social. Os problemas são de toda ordem e vão desde o barulho excessivo da vizinhança, passando por funcionários e síndicos despreparados, até a inadimplência, os abusos e a arrogância. Desta forma, morar ou trabalhar em um condomínio exige tolerância, compreensão, diálogo, equilíbrio, respeito e educação, ou seja, qualidades que se encontram em desuso nos dias atuais. Então, como solucionar os litígios e as controvérsias? Em primeiro lugar, os problemas podem ser minimizados quando o edifício possui uma “Convenção Condominial” abrangente, objetiva e moderna, e, ainda, um “Regimento Interno” que se adapte perfeitamente às atividades do prédio. Depois, existe a lei que rege a matéria e o Poder Judiciário para aplicá-la. Além disso, o exercício da sindicância deve ser firme, seguindo rigorosamente as normas estatutárias e os dispositivos legais, aplicando as sanções cabíveis sempre que se fizer necessário. Sabemos que gerir e administrar um edifício sob o regime de condomínio não é fácil. Às vezes surgem problemas em nossa própria casa, onde moram quatro ou cinco pessoas, imaginem um prédio residencial de pequeno a médio porte, com vinte apartamentos, por exemplo, onde em média moram e circulam diariamente de oitenta a cem pessoas aproximadamente. É por isso que enfatizamos a importância da “Convenção Condominial” e do “Regimento Interno” do edifício. Esses dispositivos serão a “lei” do condomínio, razão pela qual se torna imprescindível que cada proprietário tenha uma cópia da Convenção e seja colocado em local visível a todos o Regimento Interno, para que ninguém possa alegar ignorância dessas normas. Ressalte-se, ainda, que as decisões importantes e também aquelas que envolvam custo significativo para os condôminos devem sempre ser tomadas em “Assembleia”, onde democraticamente todos possam votar e externar as suas opiniões, lembrando que, para cada tipo de assunto a ser discutido há um quorum específico necessário para o seu exame e aprovação, de acordo com a lei. Por vivermos em sociedade, há direitos e obrigações que todos nós temos que exercitar e cumprir. Nos condomínios – sejam eles verticais ou horizontais – não é diferente. 23 A voz das minhas MÃOS Pede-me moderação a mão destra Como se possível fosse emudecer Os gestos que anseiam o toque Dedilhado pelos caminhos da escrita Quando são os versos precipício e refúgio A canhestra emoção entorna dos dedos Ignorando a vigília do comedimento Ou a calma que me indica a ponderação A palavra em mim é sempre exposta Inquieta e nua, engolindo silêncios Tenho na ponta dos dedos O lado de dentro do peito O verso e anverso do que não sei Meu viés e reverso confessos Sou de dizeres fartos e incontidos Que se lançam impulsivos no papel No abismo de linhas desconhecidas Minha caligrafia não acalenta brisas Descobre-se e sabe-se em ventanias Escrevo sempre intensamente Como se a última palavra fosse E na voz de cada letra Balbuciasse o derradeiro suspiro Por FERNANDA GUIMARÃES Gerente de hotel / poeta Fortaleza - CE [email protected]