capitulo - radicallivros

Transcrição

capitulo - radicallivros
DISTORÇÃO DA MíDIA
COMO A TELEVISÃO, AS REVISTAS LUSTROSAS E A
MÍDIA DE MASSA ESTÚPIDA FIZERAM O MÁXIMO PARA
DESARMAR A FERA
“No que diz respeito à maioria das pessoas, somos todos
revolucionários viciados em drogas decididos a destruir toda a
civilização. É de surpreender então quando um show após o outro é
cancelado? É uma surpresa quando os punks são espancados, metidos
em camburões e levados para a cadeia? A lista de injustiças é tão longa
quanto a história da má reputação que o punk rock tem recebido.”
(Carta anônima, Maximumrocknroll, #53, out., 1987)
A despeito do que o punk significou ou ainda significa, é óbvio que
ele tem recebido uma má reputação. A televisão, os filmes, as tirinhas de
jornal e os anúncios, todos distorcem o punk para o público comum. O
punk tem sido caracterizado como uma moda autodestrutiva e movida à
violência. Durante meados dos anos 80, talk shows como o Donahue 43
A FILOSOFIA DO PUNK - MAIS DO QUE BARULHO
freqüentemente usavam o punk como tema. Da mesma forma, sitcoms como
Alice, Silver Spoons e muitas outros tinham episódios centrados no
constrangimento e na vergonha gerados quando uma das personagens “virava
punk” por um episódio. É claro, a personagem recuperava o juízo e voltava
ao “normal” antes que o show acabasse.
No caso dos talk shows, um membro dos grupos de lavagem cerebral
“Parents of Punkers” [Pais de Punks] ou “Back In Control” [De volta ao
controle] geralmente estava presente para convencer os pais espectadores de
que seus filhos poderiam ser “curados da loucura punk” com dinheiro e
psicoterapia. As mães lembravam de histórias de horror sobre seus filhos
malucos, enquanto uma platéia vestida de couro e maquiada gritava e cuspia.
Que chocante para o telespectador!
Episódios de seriados de TV como Chips, Quincy, Square Pegs, 21 Jump
Street e filmes como Class of 1984 1, Repo Man 2 e muitos outros mostravam
o punk como uma “causa direta do sadomasoquismo, suicídio, assassinato,
estupro e outras formas de violência” (Larry Zbach, Maximumrocknroll,
#22, fev., 1985).
As opiniões e atitudes não-hollywoodianas dos punks serão examinadas
neste livro e mostradas de uma forma diferente dos estereótipos perniciosos
apresentados nesses seriados e filmes. Para o telespectador comum,
entretanto, era e ainda é fácil comprar “a imagem sensacionalista da mídia
sobre os punks como violentos, drogados niilistas cujo principal objetivo
na vida é usar roupas esquisitas e inventar novos cortes de cabelo
perturbadores — isto é, quando não estão aterrorizando senhoras de cabelos
brancos ou pedindo esmolas!” (Mark Andersen, panfleto, 1985).
Para ser honesto, há muitos casos reais de violência punk — em geral
entre si —, abuso de drogas e alguns crimes. Em vez de justificar o estereótipo
da mídia, eu argumento que é justamente a distorção midiática que causou
a maioria dos problemas.
“As repetidas distorções da mídia, o exagero e a estereotipagem ajudam
a criar um tipo de ‘punk’ que não faz idéia dos conceitos, das filosofias
sociais e políticas e da diversidade do movimento punk. Esse tipo de ‘punk’
irá se juntar ao movimento punk em número crescente. Na medida em que
eles se juntam, a imagem da mídia se torna literalmente verdadeira. As
autoridades morais terão razão e as medidas apropriadas que a cultura de
44 controle da sociedade considera necessárias para lidar com o problema serão
DISTORÇÃO DA MÍDIA
legitimadas. O potencial para destruir ou comprometer o movimento punk
será enorme” (Larry Zbach,—Maximumrocknroll).
Embora a imagem da mídia não tenha destruído a cena punk, ela teve
sem dúvida um efeito nocivo. Em grande parte dos EUA e parte da Inglaterra,
descrever os punks como violentos atraiu pessoas que eram violentas de
verdade para a cena. Nesses lugares “o individualismo visceral e o
antiautoritarismo dos punks ficaram submersos pelo peso do mar de machões
de cabelos curtos, sem falar de alguns criminosos pé-de-chinelo e psicopatas”
(Jeff Bale, Threat By Example, 63).
Isso ficou especialmente evidente em Nova York e em Los Angeles,
onde gangues rivais compostas de skinheads e hispânicos eram atraídas aos
shows pela promessa de violência que viam na televisão.
Outros “Quincy punks” — em homenagem às personagens ignorantes
e violentas representadas no programa de TV homônimo — se tornaram
cada vez mais violentos para com aqueles que não pareciam “punks” o
suficiente. Nessa época (1984-87), o punk sofreu um período de violência
e estupidez criadas pela mídia que ameaçou tornar o punk uma paródia de
si mesmo. Ainda sobrecarregada por seus efeitos, a cena punk rejeitou essas
características, reconhecendo-as como exceção, e não regra.
Enquanto a mídia tradicional e conservadora vendia o punk como
um movimento violento e indesejável de delinqüentes, as fontes liberais
também não eram das melhores. Os grupos políticos e as revistas de esquerda
apressaram-se em condenar o punk como uma moda passageira, sem um
significado verdadeiro. A imprensa liberal “tentou desarmar a besta, ignorar
os clamores políticos e culturais por mudança, e tentou fazer a grande Dança
da Ameba: absorver uma agitação indignada e transformá-la em uma bela,
sã e consumível coqueluche baseada apenas e tão-somente em penteados,
na moda e no renascimento de vários estilos musicais” (Jonathan Formula,
Hardcore California, 6).
Os sociólogos de Boston Jack Levin e Philip Lamy — então nas
universidades Northeastern e Brandeis respectivamente —, escreveram um
ensaio em 1984 que analisava o punk rock. Os autores rejeitaram o
estereótipo popular de violência que cerca os punks, mas deixaram de
reconhecer qualquer força que o movimento pudesse ter. “Levin disse que
está confiante de que os punks, como outras gerações, irão passar por essa
fase e tornar-se cidadãos de classe média respeitáveis quando adultos” (United 45
A FILOSOFIA DO PUNK - MAIS DO QUE BARULHO
Press International, recorte de jornal não creditado e reproduzido na
Maximumrocknroll #19, nov., 1984). Existe um grande número de pessoas,
hoje adultas, que poderiam desmentir essa declaração. Essas pessoas podem
não ostentar os ornamentos do estereótipo do punk, mas têm as idéias que
fazem do punk um movimento a ser examinado.
A redução do punk a uma moda passageira ou coqueluche teve um
efeito similar à caracterização anterior do movimento como violento e
negativo. Novos punks sem tendências violentas foram atraídos ao
movimento, mas também sem tendências de punks. “Na medida em que
mais pessoas adotam o visual punk, elas têm cada vez menos idéia do
conteúdo do movimento. A mensagem crucial do punk tem alvos que
incluem o classismo, o sexismo, o racismo e o autoritarismo... Quando os
‘punks’ adotam a forma ou o estilo sem dar atenção à mensagem crucial do
movimento punk, a concepção das pessoas sobre racismo, sexismo, classismo
e autoritarismo permanece incontestada; as sementes da destruição do
próprio movimento punk são semeadas” (Larry Zbach, Maximumrocknroll).
É verdade que muitos punks são adolescentes violentos, seguem a moda
e são apáticos. Também é verdade que os punks não são assim como um
todo e as distorções da mídia prejudicaram o movimento ao aumentar o
fator ignorância. Para os punks que não são atraídos nem ficam espantados
por sua representação pela mídia, o movimento oferece um lugar para criar
sua própria cultura e enfocar o que sentem que seja importante. Essas pessoas
“são mais valiosas para o reservatório genético do que os membros ‘normais’
de sua geração porque elas são mais inteligentes, curiosas, atrevidas,
provocadoras, críticas, ativas, ambiciosas e determinadas do que o resto da
população, que parece estar à caça da última perversão do Sonho Americano
com o mesmo fervor zumbi mostrado pelo famoso personagem do gibi de
Ron Cobb 3, tropeçando nos destroços pós-holocausto, com um aparelho
de TV quebrado sob o braço e com o plugue numa mão, procurando
delirantemente por uma tomada que funcione” (Jonathan Formula,
Hardcore California, 6).
Talvez o maior dano que a mídia causou à cena punk norte-americana
foi o de vincular punks e skinheads. Embora seja um erro compreensível
pelo fato de punks e skinheads, muitas vezes, terem corte de cabelo escovinha
e freqüentarem concertos similares, o aumento da violência e do racismo
46 dos skinheads causou grande prejuízo à cena punk. Esse problema não é tão
DISTORÇÃO DA MÍDIA
grande no Reino Unido porque lá os skinheads já tinham sua própria cultura
muitos anos antes de o punk surgir e a mantêm bem distinta até hoje.
[1] No Brasil, “Os donos do amanhã”;
[2] No Brasil, “Repo Man, a onda punk”;
[3] Cartunista, quadrinhista e diretor de arte americano, iniciou sua carreira
em publicações underground nos anos 60, depois trabalhou nos Estúdios
Disney e em filmes como “Alien”, “Star Wars”, “E.T.” e “Conan, o Bárbaro”. 47