Percepcao de valor e atitudes no trabalho Sergio Teixeira

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Percepcao de valor e atitudes no trabalho Sergio Teixeira
PERCEPÇÃO DE VALOR E ATITUDES NO TRABALHO
TEXTOS RELACIONADOS AO TEMA PUBLICADOS NA COLUNA MERCADO DE TRABALHO DO
JORNAL ESTADO DE MINAS
SÉRGIO ARAÚJO TEIXEIRA
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Custo da mudança para reter talentos
Uma situação tornou-se comum ao longo da minha experiência em lidar com avaliação de
resultados em RH. Quando é apresentado o indicador de turnover voluntário, surge uma
demanda imediata: “precisamos ter um plano de retenção”! Isso ficou mais frequente com o
aquecimento da demanda por pessoas qualificadas e o fantasma do apagão de mão de obra
assombrando as organizações.
Em geral, a resposta à demanda é um plano com características semelhantes a todos os
demais: pontual e alcance de curto prazo; focado em remuneração; treinamento funcionando
como moeda de troca e sedução; ações visando atingir toda a população de empregados e de
forma igualitária; logo é esquecido; o plano ressurge requentado de tempos em tempos. E,
num piscar de olhos, a situação pode se inverter com a substituição do discurso de retenção
por um plano de desligamento voluntário para a redução de custos, quando se decide abrir
mão dos talentos que optarem pela saída e desejarem usufruir dos incentivos oferecidos para
que deixem a organização.
Sempre achei que retenção era nada mais nada menos que o resultado da aplicação da
política de recursos humanos como um todo e que não caberia um plano ou projeto específico
para tratar a questão. Se há problemas de retenção é porque há problemas na política. O
tempo e a busca por pistas para desvendar esse tema vieram demonstrar que estava na
direção certa, mas algumas coisas ainda não estavam suficientemente claras para possibilitar
um maior entendimento da questão.
A primeira era entender que retenção não chega ser um processo organizacional e nem
deve ser um movimento ad hoc e com data certa para acabar. A pista foi o entendimento de
que retenção é uma capacidade organizacional com características de “propriedade
emergente”. É algo que surge no todo, resultante da interligação sistêmica das partes, não
encontrada em nenhuma delas isoladamente. Tomando por analogia, é o caso do torrão de
açúcar, formado por átomos de carbono, hidrogênio e oxigênio, cujo sabor somente é
encontrado quando, através da combinação dos três elementos, são criadas as relações de
organização das partes. Portanto, não seria com ações isoladas em remuneração, p.ex., que
estaríamos solucionando o problema. Existe uma grande diferença entre “apagar incêndios” e
obter a fidelização das pessoas.
A segunda era aceitar que o foco na satisfação do empregado precisava mudar, pois
empregado satisfeito também muda de emprego. Clima organizacional, apesar de necessário,
não é suficiente para reter pessoas com potencial diferenciado e alta empregabilidade.
A terceira, aprofundar numa questão para a qual encontrara pouca ressonância nas
oportunidades que tive de trocar ideias com outros profissionais de RH. Estava achando RH
cada vez mais parecido com marketing. Marca da liderança, marca de empregador, atração,
retenção, proposta de valor, fidelização, geração x e y etc. estão se tornando termos comuns
em gestão de pessoas, sem que se dê conta da associação entre marketing e recursos
humanos. Aqui, vale a pena citar José Carlos Teixeira Moreira, professor, consultor e pioneiro
em marketing industrial no Brasil, que esclarece essa relação pelo lado do marketing: “O que
existe é cliente: aquele que as últimas pesquisas mundiais mostram que é praticamente igual a
um ser humano. Pondo um ao lado do outro, não se consegue notar nenhuma diferença. É
gente, gente de Deus, como dizia minha mãe Quininha”. Ou seja, a essência do marketing não
está no produto ou mercado. Está na natureza humana.
E finalmente, que não existe retenção numa perspectiva de curto prazo. Ela é de longo
prazo e as políticas de recursos humanos necessitam ampliar o horizonte para assegurar um
relacionamento duradouro.
Alguns anos atrás, tive a oportunidade de participar de uma iniciativa de um cliente, para
o desenvolvimento de um projeto de marketing de relacionamento visando a fidelização de
clientes-chave. Nessa organização, 5% dos clientes respondiam por 40% da margem de lucro.
Alguns conceitos adotados chamaram a minha atenção: aprisionamento de clientes, custo da
mudança, relacionamento “1 to 1” e fidelização. Eles são interligados, mas o mais marcante é o
“custo da mudança”, cujo significado é de uma racionalidade ímpar e não chega a ser nenhum
enigma indecifrável: o cliente muda de fornecedor quando no balanço entre os benefícios e o
custo da mudança, existir um ganho na decisão de mudar após considerar o peso e o valor dos
atributos tangíveis e intangíveis. A partir daí, a chave da questão para a retenção passa a ser
criar a inconveniência da mudança, o que significa elevar o custo do cliente para mudar de
fornecedor.
Recentemente, fui solicitado a trabalhar no projeto de retenção de pessoas em uma
empresa que, apesar do turnover voluntário global baixo em relação ao setor, a situação
estava mudando num aspecto: as pessoas que estavam deixando a empresa eram gestores,
pessoas-chave e talentos, justamente aquelas em quem a empresa estava apostando suas
fichas. Vale lembrar que essa empresa estava entre as 150 melhores para trabalhar, o que por
si era interpretado como um atestado da qualidade da sua política de recursos humanos e de
um bom clima organizacional.
Assim, foi aberta a oportunidade de uma abordagem diferenciada para a retenção
baseada na combinação de linguagens de RH e marketing, tendo como principal referencial o
conceito de custo da mudança. E a ligação dos elos da cadeia Valor percebido-EngajamentoRetenção utilizando o modelo da EVP – Employee Value Proposition, possibilita identificar e
mensurar os espaços de criação desse custo.
Além disso, a mudança do foco no empregado para o foco no foco do empregado, cria um
novo parâmetro para a construção do cenário de retenção de pessoas-chave a partir do
tratamento individualizado e a incorporação dos seus planos de vida e carreira como forçaschave no contexto da fidelização.
Publicado na coluna Mercado de Trabalho – jornal Estado de Minas – 30/09/2012
Empregado satisfeito também muda de emprego
Por muitos anos, RH envidou esforços para convencer a alta administração das
organizações que o produto final da função recursos humanos era a satisfação do empregado.
O argumento de venda estava suportado em premissas que se encaixavam numa lógica
aparentemente inquestionável: empregados satisfeitos são mais motivados, engajam-se aos
propósitos e metas, geram menos absenteísmo e acidentes no trabalho, têm desempenho e
produtividade elevados e pensam duas vezes antes de deixar o emprego.
O sucesso dessa empreitada tem levado a grandes mobilizações nas empresas para que
100% das pessoas digam, via pesquisa aplicada a cada dois anos, o seu nível de satisfação em
relação a um conjunto de fatores e questões cuja percepção geral vem sendo denominada
clima organizacional. Os fatores pesquisados são concentrados naqueles considerados
higiênicos, a exemplo de condições físicas de trabalho, salários, benefícios, treinamento,
tratamento dispensado pelos gerentes aos subordinados, preocupações com saúde e
segurança etc. Todos eles tratados com igual importância, independentemente do valor ou
prioridade que os respondentes possam atribuir a cada um.
A partir dos resultados, planos de ação são elaborados em todos os níveis, colocando o
foco das preocupações nas questões com baixo índice de favorabilidade. Muitas organizações
vão além, adotando os resultados da pesquisa de clima para a fixação de metas utilizadas no
cálculo do bônus anual dos gestores.
Ocorre que, agora, RH está voltando à alta administração para dizer que clima é
necessário, mas não o suficiente para produzir tudo aquilo que dele era esperado. Trata-se de
uma constatação do já dito por Herzberg de que os fatores higiênicos, quando presentes,
provocam a ausência de insatisfação, mas não a satisfação. E também não fazem as pessoas
trabalharem mais ou melhor, apenas que retornem ao nível normal alcançado antes do
surgimento da insatisfação sem, contudo, ter a capacidade de sustentar níveis superiores de
eficiência. Vários autores são cautelosos em afirmar sobre a existência de uma relação direta
entre satisfação e desempenho superior no trabalho e as pesquisas não são conclusivas nesse
campo.
O que vem sendo sinalizado é a necessidade de uma medida com maior poder de
explicação para as relações de causa e efeito entre a percepção dos empregados e os
resultados medidos em desempenho e níveis de retenção. Essa medida deve capturar a
percepção de como os empregados se expressam intelectual e emocionalmente no dia a dia
em relação ao trabalho para que se estabeleça a conexão destes com a organização. Os
estudos têm evoluído no sentido de indicar o conceito de engajamento como pedra angular
para esta medida superior, indo além da sensação de satisfação.
Assim, está para vir uma mudança no entendimento sobre o que promove a retenção de
um empregado que, com certeza, não se resume à ideia de satisfação em relação a um
conjunto de fatores higiênicos atendidos pela organização, na forma apurada pelas pesquisas
de clima.
A força de retenção está no tamanho da inconveniência ou do custo de uma mudança na
avaliação do empregado. Quando realizado o balanço de ganhos e perdas em relação a uma
alternativa de mudança, a constatação de um saldo positivo de ganhos define a opção,
baseando-se num conjunto de atributos de valor ponderado pelos pesos de remuneração,
respeito, ambiente de trabalho, oportunidades de crescimento e desenvolvimento etc. Assim,
o custo da mudança é também influenciado pelo peso que cada um, individualmente, atribui
aos atributos da sua proposta de valor.
Começa a ser desenhada uma nova equação em RH: surge a EVP – Employee Value
Proposition como alavanca para o engajamento. E o engajamento, composto pelos
envolvimentos racional e emocional, é o elo forte da cadeia, gerando esforço discricionário e
intenção de permanecer. Como consequência, final tem-se o desempenho e a retenção.
Publicado coluna Mercado de Trabalho – Estado de Minas – 08/09/2013
Derrapagem nas curvas salariais
Topa trocar 5% de salário por um aumento de 30% de respeito, levar de troco 15% em
oportunidades futuras de carreira e uma promessa de mais qualidade de vida?
Eis uma equação complexa, presente nas nossas vidas e processada mentalmente todos
os dias. Variam apenas os atributos de valor e os pesos atribuídos a partir da realidade de cada
um. Num dia é respeito que pesa mais, noutro é qualidade de vida, ou perspectiva de carreira,
ou qualidade da gerência, ou... ou...
Uma nova abordagem é exigida e começa pela adoção do conceito de EVP – Employment
Value Proposition que, resumidamente, significa “um conjunto de atributos que o mercado de
trabalho e os empregados percebem como valor que eles ganham através do emprego na
organização”.
Mas existe um atributo que se destaca e assombra as relações entre empregados e
organizações: a remuneração. RH desenvolveu técnicas de pesquisas e comparações com o
mercado, permitindo ter, ao mesmo tempo, um olho no peixe e outro no gato. Um ponto fora
da curva emite um sinal de atenção. É uma ótima maneira de demonstrar a importância que a
organização dá ao atributo. Pena que a mesma preocupação e sistematização não sejam
aplicadas aos demais atributos considerados de igual ou maior importância pelos indivíduos.
Mesmo quando cientes que atualmente a posição hegemônica da remuneração como fator de
atração e retenção vem sendo testada, considerando que as pessoas atribuem valor também a
outras coisas.
É comum encontrar pesquisas mostrando o salário posicionado entre terceiro e quinto
lugar no ranking de atributos de valor priorizados pelas pessoas, corroborando a tese que
remuneração está perdendo a hegemonia absoluta. Ela não é mais vista igualmente por todos
como único valor numa relação de emprego, podendo ser compensada por outros, tais como
respeito, oportunidade de desenvolvimento, oportunidade de carreira etc., o que alguns já
estão chamando de “salário emocional”.
Estudos do CLC – Corporate Leadership Council sinalizam a importância da organização
apresentar uma EVP robusta para a atração. Eles indicam que, em média, o aumento da
remuneração nas mudanças de emprego é de 16%. No entanto, uma EVP atrativa pode reduzir
este prêmio para 11%, contribuindo para um menor impacto sobre a folha de pagamento. Por
outro lado, uma EVP fraca deve elevar o prêmio para 21%, indicando que, para quem não tem
muito a oferecer, só resta acenar com maior salário para atrair o candidato.
Entretanto, a lógica das curvas utilizadas na construção dos planos de cargos e salários
contempla:
•
Pontuação dos cargos considerando suas complexidades e responsabilidades;
•
Orientação pelo mercado, comparando o que empresas de mesmo porte e
localidade pagam por cargos com semelhante pontuação;
• Inclusão, por parte de algumas organizações, da remuneração variável e do
valor dos benefícios no conceito de renda total anual, para comparações com o
mercado;
•
Foco no cargo sem considerar o indivíduo.
No entanto, surge uma variável de contexto não contemplada no modelo. Trata-se da
questão de comparar o salário entre empresas com propostas de valor de emprego totalmente
distintas. Ou seja, enquanto setores do RH pregam os conceitos da EVP e da marca de
empregador como elementos de forte apelo para atrair e reter empregados, reconhecendo
motivadores intrínsecos como parte do pacote oferecido a candidatos e empregados, o setor
que trata da remuneração se orienta unicamente pelos motivadores extrínsecos, ignorando as
demais variáveis. E uma das consequências é que as empresas podem estar reconhecendo
menos que deviam a importância de outros atributos, pagando mais do que precisam em
salários e benefícios e inflando a folha de pagamento desnecessariamente.
RH tem o desafio de construir a equação da curva capturando os atributos mais
importantes – a curva EVP -, e integrar planos de cargos e salários e propostas de valor do
emprego. Trocar a equação do valor do cargo de (salário fixo + variável + benefícios) para
f(remuneração, respeito, oportunidade, carreira etc). Boa sorte...
Publicado coluna Mercado de Trabalho – Estado de Minas – 17/11/ 2013
Clima, Engajamento ou EVP?
Cada vez mais frequentes são as indagações por parte de gestores e profissionais de RH se
o clima organizacional está caindo do galho como elemento indutor de desempenho e
retenção. E se agora seria a vez do engajamento como o verdadeiro responsável por esses
resultados. Para aumentar a confusão, está surgindo a EVP – Employment Value Proposition
(Proposta de Valor do Emprego), ainda pouco conhecida e incipiente nas suas aplicações.
Para responder a tais inquietações é necessário pensar os três conceitos no contexto do
comportamento organizacional. O comportamento organizacional, em geral, é representado
por um constructo onde crenças e valores são as bases primárias que funcionam como filtros e
moldam a percepção das pessoas. A partir de como os fatos observados são percebidos e
avaliados, são assumidas as atitudes em relação a eles. As atitudes, por sua vez, determinam o
comportamento, representado pelo agir. Isso explicaria porque, a partir da observação de um
mesmo fato, duas pessoas agem de forma diferente.
É possível, assim, posicionar o clima organizacional, o engajamento dos empregados e a
EVP nos elos da cadeia comportamental. A EVP, por ser constituída por um conjunto de
atributos que o mercado de trabalho e os empregados percebem como valor que eles ganham
através do emprego na organização, enquadra-se no primeiro elo da cadeia, como parte das
crenças e valores. Clima e engajamento são posicionados no elo das atitudes. Enquanto clima
pode ser definido como a percepção coletiva e a atitude geral em relação ao trabalho atual, o
engajamento é o grau de conexão ou envolvimento entre o empregado e a organização.
Portanto, os três elementos, quando compreendidos e dispostos na cadeia lógica do
comportamento, configuram-se como conceitos distintos mas complementares, com medidas
próprias e metodologias distintas de averiguação. Os atributos da EVP agem como acionadores
do engajamento promovendo os envolvimentos racional e emocional das pessoas. Esses
impactam o esforço discricionário e a intenção de permanecer que, por sua vez, levam ao
desempenho e à retenção, respectivamente. E o clima trata dos fatores básicos que permeiam
o ambiente e criam as condições para o trabalho.
Se, até então, pregava-se que bastava ter um bom clima gerador de satisfação para o
empregado se motivar, produzir mais e permanecer no emprego, constata-se agora que o
mesmo apresenta uma correlação tênue com os resultados. Na ótica de Herzberg, os fatores
higiênicos (em geral observados nas pesquisas de clima) quando ausentes geram insatisfação
e, quando presentes, geram ausência de insatisfação e não são capazes de elevar o nível de
produtividade acima dos já alcançados.
Se a satisfação do empregado não é suficiente para explicar um bom desempenho e reter
as pessoas, a insatisfação é um problema. Assim, o conceito de clima deve ser repensado à luz
dos novos elementos EVP e engajamento, bem como revista a sua atual forma de pesquisa.
Não é necessário um questionário com 80 a 100 questões perguntando sobre tudo e onde se
misturam fatores latentes e observações que vão resultar em um índice médio de
favorabilidade nas respostas o qual, no final, não guardará relação causal com os resultados.
Bastariam algumas poucas questões reforçadas por outras relacionadas ao engajamento e à
EVP e suportadas por uma base teórica consistente e rigor metodológico.
Compreendida a lógica das conexões entre EVP, clima e engajamento, a sugestão é adotar
um instrumento de pesquisa integrado e único que permita a apuração de índices numa cadeia
causal com correlações aceitáveis reforçando os elos. A aplicação do questionário deve
contemplar variações metodológicas a exemplo da Q-Sort para priorizar os atributos de valor
no caso da EVP. Além de escapar de visões fragmentadas, torna-se possível consolidar os
conceitos e seus instrumentos de avaliação, concorrendo para melhor compreensão das forças
atuantes na geração dos comportamentos produtivos.
Publicado coluna Mercado de Trabalho – Estado de Minas – 22/06/ 2014
Curvas de indiferença em RH?
Em artigo publicado nesta coluna sob o título Derrapagem nas curvas salariais iniciei o
tema com a pergunta perturbadora: “Topa trocar 5% de salário por um aumento de 30% de
respeito, levar de troco 15% em oportunidades futuras de carreira e a promessa de mais
qualidade de vida”? Também, tenho sugerido ao RH buscar em outros ramos de estudos, a
exemplo do marketing, da economia e da neurociência, a inspiração para o aprimoramento
das práticas que lidam com o comportamento humano.
Ao considerar a possibilidade da troca entre os diversos atributos valorizados pelas
pessoas, admite-se a existência implícita de uma taxa de substituição responsável por
promover a equivalência. O conhecimento dessa taxa permite a composição de uma cesta
otimizada dos atributos que vão fazer parte do “salário emocional” do empregado,
proporcionando-lhe mais utilidade ou satisfação. A questão das escolhas por meio de
combinações de bens para otimizar a satisfação dos consumidores é parte da teoria do
consumidor estudada em microeconomia, em especial no conceito das curvas de indiferença.
Segundo essa teoria, o consumidor estará sempre disposto a consumir maiores quantidades
do bem Y e, ao mesmo tempo, a ceder cada vez menores quantidades do bem X em troca. Essa
lógica gera a chamada curva de indiferença, representativa das combinações de mercado que
proporcionam o mesmo nível de satisfação a uma pessoa. Ela apresenta inclinação convexa,
descendente da esquerda para a direita e, em qualquer ponto, tanto faz optar por um bem ou
pelo outro, que a utilidade final é a mesma, deixando o consumidor indiferente. Quando a
cesta do consumidor se encontra em um ponto acima e à direita da curva, essa é preferida a
qualquer outra localizada sobre ou abaixo dela. Se a cesta estiver posicionada abaixo e à
esquerda, a linha da curva é a preferida. A construção da curva considera, além das opções de
bens a ser adquiridos, a quantidade de utilidade proporcionada e uma restrição orçamentária
estabelecida pelo total da renda disponível do consumidor. A inclinação da curva, indicativa da
medida da taxa marginal de substituição, representa a quantidade de uma mercadoria de que
o consumidor está disposto a desistir para obter mais de outra.
A associação com RH e a gestão de pessoas está no fato do empregado se comportar
exatamente como um consumidor quando se trata de fazer as suas escolhas. Ele precisa
decidir ao formar a própria cesta a partir do conjunto de atributos pertinentes à sua relação de
emprego. Entre eles estão: remuneração, benefícios, oportunidades de desenvolvimento,
oportunidades de carreira, localização, conteúdo do trabalho, prestígio da organização,
qualidade da liderança, respeito etc. Os atributos mais valorizados formam a “cesta de
consumo” e se transformam na EVP – Employment Value Proposition, definida como “conjunto
de atributos que o mercado de trabalho e os empregados percebem como valor ganho através
do emprego na organização”.
No livro Rápido e devagar - Duas formas de pensar Daniel Kahneman, psicólogo e
ganhador do Prêmio Nobel de Economia por suas contribuições no campo do comportamento
do consumidor, resgata um exemplo clássico de curva de indiferença comparando em um dos
eixos a renda (dólares/ano) com o lazer (dias/ano) no outro. E faz o alerta: os pontos de
referência e os gostos das pessoas não são fixos e alteram com o tempo e o contexto.
Assim, fica a sugestão de apropriar-se do conceito, além do desafio de traduzir e adequar
linguagem e medidas adotadas por RH para avaliação da EVP em elementos que se encaixem
nas variáveis equacionadoras das curvas de indiferença. O seu uso seria mais um passo para
ampliar o entendimento sobre os fatores motivadores e aumentar a efetividade das propostas
de valor das organizações. Otimizar a satisfação propiciada pelos atributos de valor não é
questão somente de troca ou introdução de novos atributos. É, também, o exercício de
balanceamento da cesta atual nas perspectivas das curvas com suas taxas de substituição
aplicadas intuitivamente pelas pessoas.
Publicado coluna Mercado de Trabalho – Estado de Minas – Agosto/ 2014