o vício da liamba no estado do pará uma toxicose que
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o vício da liamba no estado do pará uma toxicose que
O VÍCIO DA LIAMBA NO ESTADO DO PARÁ UMA TOXICOSE QUE RESSURGE ENTRE NÓS DR. PEDRO ROSADO Diretor do Hospital Juliano Moreira O estudo que temos a honra de apresentar aos ilustres membros do Primeiro Congresso Médico Amazônico, versa sôbre uma questão que muito de perto nos interessa: é mesmo, à nosso ver, um problema médico-social no nosso Estado - e foi êsse o maior motivo que nos levou a investigá-lo demoradamente e sair da nossa habitual discreção a fim de pedir para êle a atenção dos notáveis membros desta reunião científica. Referimo-nos ao vício de fumar liamba que últimamente se vem alastrando consideràvelmente, tanto no interior do Estado, quanto aqui, em Belém. Desde há muito tempo, foi nossa atenção despertada pela freqüência com que os doentes internados no Hospital “Juliano Moreira”, provenientes do interior do Estado, especialmente de determinadas regiões, referiam constantemente, durante a anamnese, o uso da birra ou liamba, quer inalada sob a forma de cigarros, quer ingerida como chá. Observando melhor, verificamos que a referida toxicose está bastante difundida em nosso Estado, principalmente na zona chamada do Salgado. É de Quatipurú, Maracanã, Marapanim, Salinas, Curuçá, São Caetano de Odivelas, Vigia, Bragança e Vizeu, que provêm o maior número de viciados; do Guamá tivemos alguns casos. Em certas zonas do Marajó o liambismo está bastante difundido. Dos municípios do baixo Amazonas e Tocantins não tivemos notícia de nenhum caso. Porém, é bom salientar· que, nesta capital, a planta é vendida com os nomes de chico, chá de birra ou bilra, diamba ou liamba e, mais propriamente, fumo de Angola, dirijo, riamba, maconha, atchi e erva, desde os lugares de grande movimento como o Vero-o-Pêso, Dóca, Souza Franco e Mercado de Ferro, até nos bairros afastados da Pedreira, Marco e Cremação, em pontos bem conhecidos dos viciados, chegando cada cigarro alcançar o preço de 500 réis e às vêzes mais. Os jornais desta capital muito freqüentemente noticiam prisões de vendedores e fumadores de liamba. E o vício que já se instalou nos subúrbios desta cidade, segundo o depoimento insuspeito dos nossos observados, principia a invadir os quartéis, as fábricas, a cadeia e até mesmo entre os infelizes leprosos, no Prata, os desumanos fraudadores da lei pretenderam propagar a referida toxicose. É bom frisar que a liamba consumida em Belém é, na sua maior parte, importada do vizinho Estado do Maranhão, de onde chega em barcos, sendo vendida aos quilos por alto preço. De uma feita, precisando de liamba para experiências que estávamos realizando, conseguimos 200 gramas por 10$000 ou seja à razão de 50$000 o quilo. A exportação para o estrangeiro já foi iniciada pelos contrabandistas, constituindo um comércio rendoso. Em junho do ano passado, a Polícia Marítima em uma busca realizada a bordo do navio inglês “Balfe”, da Lamport, que estava de saída para Nova York, encontrou três sacas, contendo aproximadamente 50 quilos de liamba. Saliento êstes fatos para demonstrar quão difundido está entre nós o uso da liamba. CLASSES MAIS ATINGIDAS Os nossos observados pertenciam em sua totalidade às classes pobres. Os pescadores do Salgado são os que pagam maior tributo ao vício. Chegam mesmo a trocar o produto de algumas horas de trabalho por um simples cigarro de liamba. Vêm, em seguida, os lavradores dessas zonas e dos municípios que marginam a metade terminal da Estrada de Ferro de Bragança. Quase todos os delinqüentes transferidos da Cadeia de São José para o Hospital “Juliano Moreira”, mencionam o uso de liamba naquele presídio. Figuram também, entre os nossos observados, vários estivadores, alguns operários e uma expraça do 26 B/C. MODO DE UTILIZAÇÃO O principal modo de utilização, entre nós, é o cigarro. A liamba é, assim, inalada tornando-se mais tóxica. Os cigarros são envolvidos em palha de milho ou papel amarelo de embrulho. Somente um dos nossos observados, prêto, pernambucano, fazia uso do cachimbo dágua, que possui um dispositivo especial, contendo água, através do qual passa a fumaça, antes de ser inalada. Explicou-nos que adquirira êsse hábito entre africanos residente em Pernambuco, que, dêsse modo, evitavam a sensação da queimadura produzida pela fumaça sôbre as mucosas, nas primeiras inalações. Porém, dois dos nossos observados tomavam chá de liamba, um para acalmar a dor de estômago e o outro para abrir o apetite. MANIFESTAÇÕES TÓXICAS Os sintomas neuropsíquicos da intoxicação pela liamba são bem diferentes quando se trata da intoxicação aguda ou da crônica. Sòmente dois dos nossos observados, ambos aliás residentes no bairro da Pedreira, foram internados no Hospital “Juliano Moreira”, pela Polícia, em estado de intoxicação aguda. A sintomatologia observada nesses casos foi a seguinte: excitação psicomotora com hipermínia, associação rápida de idéias, fuga de idéias e sobretudo de palavras, humor alegre e turbulento, lembrando bem o quadro de uma crise de mania aguda. A movimentação exagerada e desordenada dos doentes chamava atenção. Os pacientes apresentavam entretanto muitas alucinações visuais, ora alegres (início da intoxicação), ora terrificantes com freqüente zoopsia (intoxicação forte), o que permitia distinguir de uma crise de mania. A atenção era instável. A memória fácil no início, exautou-se a seguir, tornando-se porém por fim os doentes francamente obnubilados. No dia seguinte cessaram os efeitos da intoxicação e os pacientes, que eram novatos no vício, relataram que se haviam intoxicado pelo uso excessivo de cigarros de liamba. Isto, o que vimos em doentes internados em período de intoxicação aguda. Porém, a maioria dos nossos observados foi por nós examinada fora dêsse período. Interrogados, os pacientes relataram os seguintes sintomas: bôca sêca, ardor na garganta, e sensação de ter a cabeça leve e aumentada de volume. Humor alegre, riso fácil, loquacidade. Havia deambulação e acusavam sensação de maior fôrça física. Disse-nos um dos doentes que seria capaz de caminhar até Bragança sem cessar, sob a ação da liamba. Outro, que executaria tarefa de três homens, se fumasse seguidamente três cigarros de birra. A sêde e o apetite exageram-se muito em quase todos os doentes. Referiu-nos um telegrafista do interior que, após a ingestão de um chá de liamba “jamais comera tanto em sua vida”. Apenas um, entre todos; acusava alucinações visuais tôda a vez que fazia uso do tóxico. Das nossas observações deduzimos então, que os fumadores habituais raramente chegam ao estado de intoxicação completa. Um dos nossos observados quando inalava liamba apresentava um quadro clínico oposto aos demais, tornava-se tristonho e deprimido e sentia vontade de chorar, o que fazia freqüentemente. Eis as principais manifestações da intoxicação aguda. Passemos agora ao estudo do estado mental dos intoxicados crônicos. Êstes apresentam um quadro clínico bem diverso do apresentado pelo intoxicado agudo. Tornamse apáticos, tristonhos, indiferentes ao meio e incapazes de um trabalho ativo e regular. A memória diminui consideràvelmente. Há freqüente hipomnésia, por vêzes muito acentuada. Os doentes permanecem horas parados e são morosos no que fazem e no que dizem. Geralmente emagrecem e tomam uma coloração cutânea amarelada. PARTE EXPERIMENTAL Além das observações clínicas que vimos de resumir, há algum tempo atrás, com grato auxílio dos doutorandos de medicina, internos do Hospital “Juliano Moreira”, hoje Drs. R... e O... ambos clinicando nesta capital, dedicamo-nos a fazer, com tôdas as precauções devidas, algumas experiências “in anima nobili” que vieram confirmar as nossas observações e ampliar os nossos conhecimentos sôbre o assunto. Experiência n. o 1 - A primeira experiência resumiremos assim: Doutorando R... brasileiro, solteiro, de 22 de anos de idade. A experiência foi iniciada às 9 horas e 20, com um cigarro de 1 grama de liamba (fragmentos de caule, fôlhas e inflorescências) feito em um papel amarelo, particular, que é usado de preferência pelos fumadores habituais de liamba. O paciente estava emocionado, com as extremidades frias, mas, calmo e calado. As 9 horas e 25, queixou-se de ardor na garganta, bôca sêca, tonteiras, vista turva e palpitações. As escleróticas mostravam-se injetadas. Dez minutos depois, às 9 horas e 35, terminou o primeiro cigarro, iniciando logo a seguir o segundo, também de 1 grama. As 9 horas e 40, o paciente, muito pálido, disse sentir-se “tonto” embora se apresentasse alegre, expansivo, rindo sem motivo. Subitamente ergueu-se da cadeira e jogando o cigarro no cinzeiro disse: “Já chega que estou embriagado”. Começou a falar e andar de um lado para outro em visível excitação psicomotora. Sentiu um grande aumento de fôrça física, acompanhado de uma sensação de “leveza do corpo”, que lhe dava a impressão de que “tudo não tinha pêso”. Agitado e loquaz ergueu uma cadeira no alto fàcilmente, batendo fortemente com os pés no chão. Às 9 horas e 50, o paciente acalmou-se ràpidamente dando a impressão de que os fenômenos tóxicos haviam cedido. Porém, apesar de não ter fumado mais, o paciente, às 9 e 55, entrou numa segunda crise que durou, como a primeira, alguns minutos. Assim, das 9 horas e 25, quando teve início a primeira crise, até às 11 horas e 25, quando cessou a última, isto é, por um espaço de 2 horas, as crises se sucederam em número de 12, havendo entre elas intervalos de acalmia. É interessante que estas crises tiveram reduzida progressivamente a sua duração, mas apresentavam tôdas o mesmo grau de intensidade. Êste paciente apresentou manifestações tóxicas bem interessantes: face pálida, bôca sêca, extremidades frias, escleróticas congestas e tonteiras. Houve modificação do pulso que se elevou de 80 a 130 nos primeiros 30 minutos, para depois baixar, no fim de uma hora, a 78 pulsações. Tôdas as crises foram anunciadas por surtos de taquicardia e logo a seguir o paciente passava ao estado de excitação psicomotora, tornando-se alegre, expansivo e de uma loquacidade incessante e desordenada. Dirigia-se precipitadamente aos presentes; havia, porém, nos seus dizeres, incoerência, desconexão de idéias, passava sem relação de um assunto a outro, numa verdadeira fuga de palavras. Qualquer frase lhe provocava um fluxo de palavras e idéias, inicialmente ligadas ao que lhe havia sido dito, mais logo passava a outro e mais outro assunto. Gesticulava com violência, e tornava-se por vêzes turbulento, pronunciando frases dêste teor: “Estou querendo bater em vocês”. Delirava francamente; demonstrando enorme opinião sôbre a sua capacidade intelectual. Exigia que o examinassem bem porque “tinha a preocupação de bem servir a ciência”, e dizia ao que tomava notas, “não perca nada, escreva tudo, que esta observa ção vale ouro”. Na impossibilidade de se dominar e calar, aludia freqüentemente a fatos íntimos, embora compreendesse que o não devia fazer, exclamando que “uma das coisas que mais o preocupava antes da experiência era pensar que podia revelar certos segredos”. Ria a todo momento e apresentava alucinações visuais e cenestésicas. Disse a um colega “eu te fitando nos olhos estou vendo as vísceras por dentro de ti”. Sentia o corpo leve, ligeiro e aumentando de volume como se estivesse cheio de ar. Havia deambulação. Repetia constantemente “a gente quer parar mas as pernas não deixam”. Durante a predominância dos fenômenos tóxicos, o paciente apresentava um franco estado de sugestibilidade, bastando uma frase ou mesmo uma alusão breve a tal ou qual assunto, para que logo êle se decidisse a agir e pensar de acôrdo com o que havia ouvido. Qualquer frase lhe servia de estímulo quase que reconhecendo o grau de extrema sugestibilidade em que se encontrava, pedia aos presentes que não lhe sugerissem certos atos, como agressões, por exemplo, porque seria muito capaz, de naquele momento, cometê-los. Cessada a crise; desaperecia êsse estado normal de sugestibilidade. Aludia, também, ao aumento de tamanho do rosto, indo mirar-se freqüentes vêzes ao espêlho. Pedia que não o deixassem entrar em outra crise. O paciente, apesar de bastante excitado, compreendia tudo quanto se fazia e dizia ao seu redor. Durante as crises, porém, perdia a noção do tempo, calculando em uma hora, crises que duravam apenas cinco minutos. Depois da última crise ficou bastante deprimido. Bebeu um litro d‟água gelada de uma vez. Queixou-se de uma sensação de aniquilamento e cansaço, deitando-se em seguida, imóvel, com os olhos fechados, sem dormir, porém. Às 12 horas se levantou, tomou banho e almoçou abundantemente. Nessa ocasião aludiu com segurança a precisão aos fenômenos que sentiu nos períodos das crises. Às 14 horas e 30, saiu conosco, bem humorado e interamente normal, sem nenhuma aparência do cansaço fisico e mental. Experiência n.o 2 – A segunda experiência decorreu do modo seguinte: Doutorando O... brasileiro, solteiro, de 25 anos de idade. Ao iniciar a prova estava levemente emocionado. Eram 9 horas e 15, quando começou a fumar o 1.º cigarro, contendo 1 grama de liamba. Às 9 horas e 20, notamos vasodilatação facial. Logo depois o paciente queixou-se de secura da bôca, ardor na garganta e náuseas. Às 9 horas e 25, iniciou o 2. º cigarro e acusou um surto de taquicardia e tonteiras. Às 9 horas e 35, iniciou o 3.º cigarro. O pulso, antes a 82, elevou-se a 104, tornandose incontável durante os surtos de taquicardia. Ria por tudo e declarou-nos “que bebia um litro de vinho às refeições”. Iniciou o 4. º cigarro às 9 horas e 55 queixando-se em seguida, de embriaguez e acrescentando “eu me sinto ligeiramente alegre como no fim de uma festa, quando a gente bebe alguma coisa. Naturalmente os senhores todos já passaram por isso”. Fumou ainda um cigarro feito das pontas dos outros. Aludia à sensação de rosto edemaciado, procurando a todo momento o espêlho para mirar-se. Loquaz e risonho mostrava-se satisfeito por não apresentar perturbações psíquicas, dizendo: “se por aí se pudesse avaliar a tendência do indivíduo para a loucura eu ficaria satisfeito”. Às 10 horas e 15 todos os fenômenos haviam cessado e o paciente queixando-se apenas de ligeira cafeléa, nos acompanhou na visita hospitalar. A temperatura elevou-se apenas alguns décimos durante a prova, de 36,6 subiu a 37. Os movimentos respiratórios que antes eram 23 por minuto, tornaram-se aritimicos e baixaram a 18. As pulsações de 82 que eram, antes da prova, passaram aos 51 a 94, aos 15', a 116, baixando aos 30', a 108 para voltar a 80 no fim de uma hora. A fôrça muscular revelou um aumento real e transitório, pois estava antes a M. D. - 125 e M. E. - 80, no fim de 5' M. D. - 160 e M. E. - 120, para cair logo aos 15' a M. D. “„- 120 e M. D. - 100 e no fim de uma hora a 100 e 99 respectivamente. * * * Êste paciente, de excepcional resistência física, atingiu a dose de 4 gramas nessa ocasião, sem grandes perturbações, voltando pouco depois ao seu estado normal. Repetida a experiência um mês depois, portou-se da mesma forma. Isto prova que a resistência orgânica ou talvez uma meiopragia nervosa têm grande influência no que diz respeito à intensidade dos fenômenos tóxicos, pois êste paciente inalou 4 gramas sem apresentar grandes manifestações tóxicas, ao passo que o primeiro fumou pouco menos de 2 gramas resultando durante 2 horas crises de excitação psicomotora. A intensidade dos fenômenos tóxicos depende da resistência orgânica, da dose inalada, e da qualidade do produto que muitas vêzes é falsificado, de mistura com a planta denominada vassourinha, o que diminui consideràve1mente o seu efeito tóxico. A sintomologia é análoga à apresentada pelos fumadores de cânhamo. Até as crises sucessivas separadas por intervalos de acalmia lembram a intoxicação pelo “haschisch”. Os árabes costumam dizer: subiu a primeira embriaguez, a segunda embriaguez subiu, etc. A PLANTA Para alguns botânicos a liamba é o cânhamo comum ou europeu (Cannabis sativa), outros, porém, a consideram como o cânhamo indiano (Cannabis sativa var. indica, Linneu). Na Farmacopéia brasileira são encontradas, como sinônimas, as expressões: cânhamo da índia, maconha, diamba, liamba. No livro intitulado “Amazônia Brasileira. Arvores e plantas úteis” o Dr. Paul le Cointe, Diretor do Museu Comercial do Pará, e nome conceituado na Amazônia, se refere à liamba ou birra, identificando-a com a Cannabis sativa var. indica. Vasconcelos Sobrinho da Seção de Botânica do Instituto de Pesquisas Agronômicas de Pernambuco, em um estudo denominado “Algumas notas sôbre a Maconha” a classifica como a Cannabis sativa (Bol. da Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio, Pernambuco, Dez. de 1936). A classificação dos cânhamos sempre deu margem a discussões. Porém, a maioria dos autores é de opinião que existe uma espécie única. Kkon Abrest afirma mesmo que a Cannabis sativa contém embora em menores proporções todos os princípios da Cannabis indica. Outros ainda citam o fato freqüentemente observado, de indivíduos que atravessando as grandes plantações de cânhamo existentes no sul da Europa, queixaram-se de sonolência, cefaléia e tornaram-se alegres, loquazes, de riso fácil, o que vem demonstrar que a Cannabis sativa nessas regiões menos frias da Europa, já apresenta, embora em menor escala, as propriedades hilariantes e umorísticas da Cannabis indica. Estas propriedades tóxicas, que atingem ao mais alto grau nos climas quentes, vão se atenuando até desaparecer à medida que nos elevamos em latitude. Eug. Collin fazendo referência ao cânhamo diz: “Sous le nom de Chanvre Indien on designe une varieté du Cannabis sativa L., qui présent avec celui-ci les plus grandes ressemblances aux points de vue morphologique et anatomique et qui s‟en distingue par sa richesse en resine”. Assim sendo, a resina que não se encontra nas plantas européias, é a característica das variedades produzidas sob o clima tropical e as suas propriedades farmacodinâmicas dependeriam apenas do clima. Atualmente, os botânicos não admitem senão uma espécie de cânhamo - a Cannabis sativa - abandonando portanto a denominação de Cannabis indica, que serviu durante longos anos para designar o cânhamo muito rico em resinas e altamente tóxico, produzído sob o clima dos trópicos. Êste fato não é para admirar, atendendo que certas plantas da flora amazônica apresentam esta particularidade, e interessante ainda, é que isto sucede na mesma região somente em determinada época do ano. Talvez baseados nesse conhecimento os nossos caboclos não retiram durante certos meses, a seiva das árvores lactíferas usadas no interior para fins terapêuticos. Está hoje sobejamente demonstrado que o cânhamo das zonas tropicais, segrega, seja pela ação do sol, seja como meio de defesa contra a temperatura sempre elevada dessas regiões, um princípio tóxico que é a resina, princípio êste que a planta não elabora nos climas frios, e dêsse modo, fica também explicado o motivo porque o cânhamo europeu é desprovido de resina que só começa a ser elaborado em pequena escala nas plantações do sul da Europa, onde a ação do clima já se faz sentir. Apenas sob êste ponto de vista poder se-ia admitir a distinção porque sob o ponto de vista botânico essa distinção (que geralmente é baseada no aspecto macro e microscópio da planta e principalmente dos seus órgãos de reprodução) é impossível de fazer. Não existe portanto a variedade indica da espécie sativa. A Enciclopédia Britânica diz a respeito: Although different forms have been described under different botanical names there are no essential differences in any of the specific characters and alI cultivated and wild hemp is now recognized as belonging to one especie, Cannabis sativa L. Estamos assim em presença de uma das mais antigas e temíveis intoxicações. A nossa Liamba é o Alcanave dos antigos portuguêses; o Bangi dos filipinos; o Cañamo dos espanhóis; o Canape dos italianos; o Chanvre dos francêses; o Cherneb dos árabes; o Hanf dos alemães; Indian Hemp dos inglêses; o Kanas dos celtas; o Tsing-ma dos chinêses. Na índia é o Bhang. Na África tem diversas denominações: Ganja, Dakka, Lianda, Riamba, etc. . No México é chamado Marihuana, Mariajuana, Grifa, Sonadora, Mota, Donajuanita. Do México passou para a América do Norte onde está sendo usada pelas classes pobres, nos Estados do Sul. Até em Hollywood alguns artistas do cinema, ingeriram o chá de Marihuana “para tornarem-se mais fotogênicos” . A planta parece originária da Ásia, porém, as relações entre a África e a índia Ocidental, feita por intermédio dos Mouros, levaram para o continente negro o pernicioso uso. Da África foi introduzida em nosso país, a partir de 1549, pelos escravos, que, segundo Pio Corrêa, traziam as sementes do cânhamo em bonecas de pano amarradas na ponta da s tangas. O cânhamo aclimatou-se perfeitamente em nosso país, do Amazonas à Bahia e talvez mais para o sul. Assim sendo, o cânhamo ou a liamba é o “Hashish ou Haschich” palavra árabe empregada para denominar não somente a planta, mas também as preparações à base de cânhamo. A palavra “Haschisch” adquiriu tão má reputação que o seu nome se tornou base da designação dada a todos os assassínios traiçoeiros. “Os leitores da introdução de Edward Fitz Gerald à sua tradução de “Osmar Khayyan” conhecem a descrição que êle faz das relações de Omar com os seus dois amigos, um dos quais era Hasan Ben Sabbah, destinado a tornar-se quase tão famoso como o próprio poeta. Hasan, foi feito, no século XI, chefe de uma seita de Israelitas na Pérsia, cuja norma era espalhar os seus dogmas por meio de assassínio dos seus contrários. A fim de dotar os seus setários, com a inspiração necessária para o executarem as suas emprêsas sanguinárias, Hasan ensinou-lhes o uso do “Hashish” como intoxicante. Podemos mencionar aqui os setários de Hasan se tornaram conhecidos como os... “Hashassin” ou “assassinos” mostrando a origem da palavra assassino, o que é descrito em todos os detalhes da Enciclopédia Britânica. Isto seria bastante para demonstrar os perigos decorrentes do uso do cânhamo”. Com isto, damos terminado o estudo sôbre o Vício de Liamba no Estado do Pará, que apresentamos ao alto critério e saber dos ilustres membros do Primeiro Congresso Médico Amazônico. Procuramos fazer um estudo modesto mas útil, de observação e análise, verdadeiro e pessoal, que pudesse resultar proveitoso, à vista da gravidade que o tóxico atinge entre nós. Se conseguirmos realizar êsse objetivo, com o nosso modesto trabalho, damos por bem empregados os esforços que empenhamos na sua realização.
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