Para rir ou pra chorar

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Para rir ou pra chorar
Para rir ou pra chorar - Simplicíssimo
Escrito por Alessandro Garcia
Seg, 04 de Julho de 2005 22:00 - Última atualização Ter, 05 de Julho de 2005 21:23
Não são somente as escolhas que condicionam o destino do homem, mas o sentimento sobre
elas e a maneira como lidam com estes sentimentos. São risíveis os fracassos inevitáveis?
São desabonadoras e melancólicas as desilusões amorosas? E amanhã, se vai rir ou chorar
das perdas e das vitórias?
Você sabe, um filme do"Melinda
Woddy Allen.
e Melinda"
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clichês?) estão lá, para
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"A vida pode ser uma tragédia ou uma comédia, depende de como se olha para ela". Clichê, ok. Mas é
Ao discorrer sobre a essência da natureza humana, surge um desafio entre dois autores em
uma mesa de bar. Cada um representa uma ótica e um estilo de escrita: há aquele que acha
que a representação dos fatos de maneira mais leve, romântica, possibilita um olhar mais
agudo sobre a humanidade. Que acha que rir de si próprio ainda é a melhor solução para toda
a ignomínia do homem. Já o outro, considera o drama a grande virtude da criação. A análise
densa, triste e pesada sobre os descaminhos e os desamores. Que não há nada – e nem
motivo – para se achar engraçado. Que é a vida, então? Seria ela essencialmente trágica ou
cômica? Pois a partir de uma situação-chave, proposta por um outro presente à mesa,
começam a se delinear as situações que cada um encontra para definir a trama: uma garota
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surge desavisadamente durante um jantar na casa de amigos que não via há dois anos,
causando constrangimento.
Então a história de Melinda ( Radha Mitchell , sensacional nas duas interpretações: a
Melinda "cômica" e a Melinda "trágica") desenvolve-se à nossa frente, com intervenções dos
dois amigos autores – lembrando, por vezes, algum tipo de coro grego, definindo os rumos da
história.
É o olhar sobre o fato – cômico ou trágico – e não o fato em si o que acaba, portanto,
condicionando o caminho que Melinda percorre. O que é mais interessante é que não há uma
unilateralidade sobre nenhuma das versões de Melinda, ainda que cada trama se desenvolva
independentemente. A Melinda trágica não é uma caricatura de alguém derrotado, de um ser
frágil. Os motivos para seu sofrimento são latentes. No entanto, é a própria forma como a
personagem encara os fatos em sua vida que condiciona o seu destino e o seu desfecho.
A Melinda cômica não é uma palhaça que ri de tudo. Poderia ser a mesma Melinda da outra
versão, olhando de um viés alternativo em que ponto sua vida se encontra. E,
paradoxalmente, esta Melinda cômica traz uma suavidade que a torna mais forte que a
primeira. E elas chegam, nas duas versões, com a vida da mesma forma: trazem a dor de ter
perdido a guarda do seu filho ao trair o marido (rico e bem relacionado) com um fotógrafo
italiano. E Melinda quer apaixonar-se outra vez.
O que há aqui, portanto, é o arbítrio do homem frente ao seu destino. Não somente as
escolhas o condicionam, mas o sentimento sobre elas e a maneira como lidam com eles. São
risíveis os fracassos inevitáveis? São desabonadoras e melancólicas as desilusões amorosas?
E amanhã, se vai rir ou chorar das perdas e das vitórias?
Como as tragédias podem ser revertidas em sorriso e vice-versa, àquele que acredita na
dramaticidade cabe desenvolver a história de Melinda irrompendo cheia de malas
inconvenientemente no jantar que o ator Lee ( Jonny Lee Miller ) organiza para um diretor
de teatro, bajulando-o a fim de conseguir o papel principal em sua peça. Lógico que ele fica
possesso com a chegada de Melinda, uma amiga de adolescência de sua esposa,
Laurel
(
Chlöe Sevigny
), que não poderia escolher aparecer em pior momento. Sobre Melinda, aquela mesma
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ladainha: largou o marido, está longe do filho, blá, blá, blá. São as lamúrias de Melinda, a
nervosa e fumante Melinda, que bebe vinho com desespero e respira com sofreguidão.
O dramaturgo que acredita na comédia faz de Melinda uma atrapalhada e encantadora vizinha
que acaba de se mudar para o andar de baixo e que (também) surge durante um jantar. Desta
vez, é à porta do ator fracassado Hobie ( Will Ferrell ) que ela bate, justamente quando a
mulher deste, a cineasta
Susan ( Aman
da Peet
), tenta convencer um possível investidor a patrocinar seu futuro filme. No entanto, depois que
Melinda conta que engoliu dezenas de comprimidos, são só para si as atenções que atrai ao
estragar (mais um) jantar para o qual não foi convidada.
Woddy Allen embaralha as duas narrativas, afinal, pitadas de adultério, de desilusões e
descobertas amorosas são detalhes presentes nas duas, bem como situações específicas,
que se repetem com diferenças sutis. Certo é que a sutileza chega a tal ponto que a
separação entre o trágico e o cômico se estreitam. Como é fácil rir de quem chora e chorar
quando alguém ri, Allen mostra que viés pode esconder cada sentimento.
Ainda que Allen não esteja presente com seu neurótico e hipocondríaco alter-ego, certo é que
ele delega tal função ao ótimo Will Ferrel. No começo, é de estranhar um tanto aquele tipo –
tão tipicamente 'alleniano', assim como se estranhou Kenneth Branagh na mesma posição,
em um primeiro momento – no entanto, Ferrel conquista com seu talento mais do que
comprovado pelo ótimo "Saturday Night Live". Os tiques e manias estão todos presentes,
assim como a crítica aos mais bem sucedidos em beleza ou em atividades físicas, como os
personagem que Allen representa sempre se empenham tanto em criticar.
A meu ver, no entanto, a versão trágica da história se desenvolve de melhor maneira, com
uma variedade de nuances mais imprevisíveis. As reviravoltas se revelam mais densas, ao
contrário da comédia, um tanto rasgada demais. Fora o fato da versão cômica se mostrar
apressada no seu encerramento, meio "conto de fadas".
Enfim, ainda que muitas vezes previsível e com uma meticulosidade da qual seria impossível
fugir, uma vez que cada história é contada sob um viés, é um trabalho inteligente, mas
definitivamente não genial. Embora Woody Allen mostre a destreza com que passeia pelos
gêneros fílmicos, o resultado acaba sendo comum. Mas nitidamente superior às suas
incursões anteriores como "Dirigindo no Escuro" e "Igual à tudo na Vida".
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"Melinda e Melinda" ("Melinda and Melinda", EUA, 2004). Direção e roteiro de Woody Allen.
Com Radha Mitchell, Will Ferrekl, Chloë Sevigny, Chiwetel Ejiofor, Amanda Peet, Brooke
Smith, Neil Pepe e Johnny Lee Miller.
Duração aproximada de 110 minutos. Site oficial:
www.melindaymelinda.fox.es
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